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se os talheresImaginemos

forem pesados? Charles Spence,


que estamos, investigador
cheios de apetite, em frente a um prato
em Oxford, trabalha há muito
de comida. paraàprovar
Bacalhau queexemplo.
Brás, por a experiência
Quem o cozinhou
de comer começa antes do
esforçou-se momento
para o fazer oem que
mais a comida
delicioso nos Saberemos se
possível.
conseguiuchega à boca.
quando colocarmos a primeira garfada na boca. Ou
não?Prado Coelho 15 de Outubro de 2017, 9100
Alexandra

Charles Spence, professor de Psicologia Experimental na


Universidade de Oxford, onde é responsável pelo Crossmodal
Research Lab, autor do livro Gastrophysics — e um dos oradores
da conferência internacional Experiencing Food: Designing
Dialogues, que se realiza em Lisboa entre 19 e 21 de Outubro —
trabalha há muito para provar que a experiência de comer começa
antes do momento em que a comida nos chega à boca.

“Raramente pomos alguma coisa nas nossas bocas sem antes


saber algo sobre o que é, para podermos imaginar o gosto que
tem”, explica ao P2 numa entrevista por telefone a partir de
Inglaterra. O que as experiências realizadas por Spence têm
demonstrado é que o palato não é, neste processo, o sentido
central.

“A informação vem, em primeiro lugar, daquilo que vemos.


Geralmente, ainda antes de lhe tocarmos, podemos cheirá-lo,
depois vem o som, e por fim o sabor e o cheiro retronasal, que
acontece quando engolimos”, prossegue Spence. “Esta é a
sequência. Os primeiros sentidos têm alguma vantagem em
relação aos outros porque são eles que vão estabelecer as
expectativas relativamente ao que vem a seguir. Daí que a visão
tenha um papel muito importante.”

Olhemos, então, para o bacalhau à Brás. Sabemos a que sabe, já o


comemos muitas vezes antes, mas um olhar é suficiente para
avaliar, por exemplo, se está húmido e acabado de fazer, se é da
véspera e já está seco. Todas estas informações são transmitidas
ao nosso cérebro e a experiência de comer já começou. A
expectativa está instalada.

Um dos pontos essenciais do livro Gastrophysics é precisamente


esta “transferência da importância do palato, ou da boca, para a
mente da pessoa que está a fazer a prova”. É na mente que todos
os sentidos se juntam. Por isso, sublinha Spence, “é aí que reside a
chave da prova e não na língua, onde habitualmente localizamos a
experiência do sabor”.

A informação vem, em primeiro lugar, daquilo que vemos. Geralmente, ainda antes de lhe tocarmos,
podemos cheirá-lo, depois vem o som, e por fim o sabor e o cheiro retronasal, que acontece quando
engolimos”

Mas imaginemos agora que, ao lado do bacalhau à Brás, há um


prato de aletria e que, connosco está um estrangeiro que não
conhece nem um nem o outro. Sem que a visão lhe dê a mesma
informação que nos dá a nós, que já conhecemos o sabor de
ambos os pratos, até que ponto a experiência dele vai ser diferente
da nossa? Os dois pratos são bastante parecidos, na forma e na
cor, embora um seja salgado e outro doce e tenham sabores muito
diferentes.

Spence defende, contudo, que o estrangeiro tem uma base.


“Qualquer comida para a qual olhemos”, diz, “tem sempre uma
cor, uma aparência, pode ser transparente, líquida, um gel, pode
ser cremosa, pode ter uma apresentação cuidada ou ter sido
colocada no prato sem qualquer preocupação.” Tudo isto é já
informação para o cérebro. “Mesmo que nunca a tenhamos
provado antes, ela terá sempre características semelhantes às de
outras coisas que já comemos.”

Por isso, mesmo o estrangeiro que nunca viu aletria ou bacalhau à


Brás pode aplicar regras mais ou menos universais. “Se a comida
for castanha ou negra, provavelmente será amarga, se for rosa ou
vermelha, será doce (nem sempre, mas provavelmente), se for
verde ou amarela, será ácida, branca ou azul, mais salgada.”

Estas regras não funcionam em todas as ocasiões, mas podem dar-


nos pistas. Uma das coisas com que os chefs da cozinha
modernista, com os quais Charles Spence tem trabalhado
(sobretudo, com Heston Blumenthal), mais gostam de brincar é
com o baralhar destas expectativas. “É muito interessante quando
elas se revelam erradas: pensei que seria doce, mas é amargo;
pensei que ia saber a morangos, mas sabe a marisco.”

A reacção de surpresa que este desencontro entre a nossa


expectativa e o sabor real provoca é geralmente desagradável, a
não ser que estejamos precisamente num restaurante que já
sabemos que nos irá surpreender e, como tal, preparados para
isso. De resto, como consumidores, tendemos a ser
profundamente conservadores.

Formas, cores & sabores


Um dos exemplos clássicos que Spence gosta de citar é o das
barras de chocolate Dairy Milk, da Cadbury. Em 2013, os
fabricantes decidiram alterar a forma da barra, tornando as
pontas mais arredondadas. Foi o suficiente para que os
consumidores se queixassem, dizendo que a fórmula tinha sido
modificada e que o chocolate estava mais doce.

Este caso reforça um dos pontos defendidos pelo investigador: a


comida que é servida em formas redondas é geralmente
considerada mais doce. E, diz, mesmo o desenho no topo de um
cappuccino pode influenciar a nossa percepção do sabor — se for
uma estrela, a bebida parece mais amarga do que se for um
coração.

Ao mesmo tempo, segundo os estudos de Spence — preciosos para


quem lida com o marketing de produtos alimentares — uma
mousse de morango parece 10% mais doce se for servida num
recipiente branco do que se for apresentada num preto.
Igualmente importante é o factor peso. Se uma embalagem de
iogurte for de um plástico mais pesado, o iogurte vai parecer mais
consistente e a pessoa vai sentir-se mais cheia do que se comer
exactamente o mesmo a partir de uma embalagem mais leve.

!
Nascemos a gostar apenas do doce
a não gostar do amargo e do ácido.
adquirido a partir da experiência,
pela memória de episódios anterior

A questão do peso é relevante também num restaurante de fine


dining. Spence concluiu que se os talheres forem mais pesados as
pessoas estão dispostas a pagar uma conta mais elevada do que se
os talheres, mesmo que de qualidade, forem mais leves —
possivelmente associam a leveza ao plástico e, portanto, a um
produto não nobre, e o peso a metais nobres.

Quando se fala de cor na comida, um dos temas mais discutidos é


o da presença, ou ausência, do azul. Basta colocar na Internet duas
palavras — “blue food” — para entrarmos no debate sobre se existe
na natureza algum alimento naturalmente azul. Uma das
explicações dadas para o facto de nós tendermos a não querer
comer alimentos azuis tem que ver com o instinto de
sobrevivência — o azul indicaria um alimento que já estaria
estragado e que, por isso, seria de evitar.

Há, contudo, duas ou três coisas azuis, como os mirtilos, as


amoras ou as (raras) lagostas azuis. E há experiências como as que
foram feitas recentemente com um vinho azul. “Os especialistas
em marketing sempre disseram, desde as décadas de 1960 e 70,
que o azul nunca funcionaria em comida”, diz Spence. “Mas hoje
vemos que funciona em algumas coisas, por exemplo nas bebidas
para adolescentes e ligadas ao desporto.”

Quanto ao vinho azul, acredita que se vai destacar nas prateleiras


dos supermercados e que as pessoas poderão comprá-lo pelo
menos uma vez para servir numa festa. Mas, acrescenta, “quando
se vê uma bebida azul num copo, essa cor já está tomada por
bebidas de amora ou mirtilo, pelo que, a menos que a experiência
seja cuidadosamente gerida, a pessoa não vai encontrar no vinho o
que espera de uma bebida azul e o mais natural é que não goste”.
Até porque “o vinho está no espectro dos produtos naturais e os
consumidores tendem a achar que essa cor não é natural”.

Mas se no que diz respeito a bebidas ainda temos alguma margem


para aceitar que possam ser azuis, quando se trata de comida é
mais difícil (embora existam, por exemplo, batatas roxas). O mais
complicado é quando a cor azul aparece em peixe ou carne. “Há
um exemplo clássico, dos anos 70, de uma experiência de um
jantar em que foram servidos bifes. A meio da refeição, a luz, que
estava muito baixa, foi aumentada para níveis normais e as
pessoas viram que os bifes eram azuis. E houve quem corresse
para a casa de banho queixando-se de má disposição.”

Spence voltou a essa experiência mais recentemente, agora com


peixe. “Servimos às pessoas um sushi azul e houve muita gente
que não comeu. Isto passava-se num programa de televisão e,
quando as câmaras se desligaram, pedimos para trazerem o resto
do sushi, que não tinha sido usado e que não levara corante.
Desapareceu tudo num minuto, o que provou que as pessoas
estavam com fome.” Só que aparentemente não a suficiente para
as levar a comer peixe azul.

A ideia é ver o que acontece se manipularmos um dos sentidos. Tirando um, tira-se parte
informação.
ILUSTRAÇÃO MIGUEL FERASO CABRAL

Cheiros & sons


Há também factores culturais que entram na percepção do que
comemos. Um exemplo é o tipo de louça que se utiliza nas
diferentes partes do mundo. “Temos feito pesquisas em que as
pessoas recebem massa em diferentes pratos, tigelas de metal
como as que usam na China, tigelas de vidro, pratos brancos. Na
China, as pessoas estão dispostas a pagar mais dinheiro por massa
servida numa tigela de metal, enquanto em Londres, se lhes
apresentarem a mesma coisa, não pagam quase nada.”
A cor também pode ter significados diferentes: um europeu
associa o vermelho a doce, enquanto um mexicano pode associá-lo
a um sabor mais picante. E os cheiros? A nossa ideia de baunilha,
por exemplo, é uma construção cultural, afirma Spence. “Por
vezes, os cheiros das comidas dominam o gosto, é o que acontece
com a baunilha, que tem um sabor amargo mas que tem um
cheiro que associamos ao doce.”

Outras experiências que tem desenvolvido em Oxford têm que ver


com a importância do som quando comemos. Uma das mais
conhecidas é a que envolve as batatas fritas Pringles (que, não
sendo verdadeiras batatas, têm a vantagem de ser todas
exactamente iguais). Uma série de voluntários passou pelo
Crossmodal Research Lab para experimentar diversas Pringles e
dizer se pareciam todas iguais. Cada um tinha um par de
auscultadores através dos quais a equipa alterava a percepção do
som, tornando-o mais nítido ou mais abafado. No final, apesar de
as batatas serem de facto iguais, as pessoas achavam que umas
eram mais frescas e outras vinham de uma embalagem aberta há
muito tempo — provando que o som (e não o paladar) tinha tido
uma influência decisiva na forma como achavam mais ou menos
estaladiça cada batata.

Alguns sons afectam em particular a nossa capacidade de


percepcionar o doce. É o que, segundo Spence, acontece nos
aviões, onde o som de fundo constante acaba por, muito
frequentemente, nos levar a pedir sumo de tomate ou um Bloody
Mary, por sentimos vontade de um sabor mais próximo do umami
(palavra japonesa para “delicioso e apetitoso”) e menos do doce.

Spence tem vindo a trabalhar com chefs para organizar jantares


que lhe permitam ir comprovando diferentes hipóteses. “A ideia é
ver o que acontece se manipularmos um dos sentidos. Tirando
um, tira-se parte da informação. Temos uma refeição em que as
pessoas estão vendadas, outra em que não se podem usar as mãos
e a comida anda como que a voar por cima da mesa, outra em que
colocam tampões nos ouvidos. Todos ficam muito admirados com
a diferença que é comer algo crocante com ou sem tampões nos
ouvidos. Eles ajudam a aumentar o estaladiço, o que reforça a
textura.”

Salada com sabor a Kandinsky CORTESIA CHARLES SPENCE

"
Pratos com narrativas lá dentro
O foco dos estudos de Spence é o momento da experiência, é esse
que ele analisa, mas o que se passa no nosso cérebro mal olhamos
para um prato de comida é também profundamente marcado pela
memória que temos dos sabores. “Nascemos a gostar apenas do
doce e do umami”, explica. “E a não gostar do amargo e do ácido.
Tudo o resto é adquirido a partir da experiência, cimentada pela
memória de episódios anteriores. Há experiências que queremos
voltar a ter. É por isso que vemos agora vários chefs a tentar
desencadear memórias específicas, sensações, nostalgias,
tentando fazer com que a comida nos saiba melhor.”

O problema, sublinha, é que muitas vezes essas refeições


sofisticadas, longos menus de degustação, não nos ficam gravadas
na memória. “Quando, algumas semanas depois, se pergunta às
pessoas o que comeram e qual o prato de que gostaram mais, elas
não se conseguem recordar. Podem dizer que foi a sopa, mas
quando tentam descrever ingredientes e sabores, dizem tudo
errado. O chef pensa ‘fico contente por ter gostado do prato mas
construiu-o na sua cabeça’.”

O que nos fica na memória, em relação a qualquer acontecimento,


não é a experiência que tivemos numa versão mais desvanecida —
é uma recomposição dessa experiência. “Geralmente lembramo-
nos do início, do final, do ponto alto, talvez do ponto baixo, mas
tendemos a esquecer o resto que se passa nesses momentos.”
Curiosamente, diz, “alguns estudos recentes parecem indicar que
quem fotografa o que vai comer, mesmo que não volte a olhar para
a foto, lembra-se melhor da refeição”.

Mais uma vez, tudo isto prova a ideia de Spence de que os factores
externos influenciam muito a nossa experiência e são,
frequentemente, mais importantes do que a própria comida por
muito que o chef tenha investido nela. “Há algumas coisas que
podemos fazer para gravar melhor essa experiência na memória e
aí entramos na área do experience design.” Os menus muito
longos beneficiam, em muitos casos, se houver uma história, uma
linha narrativa que ajude a estabelecer uma continuidade entre os
pratos.

Regresso ao futuro
Não é a primeira vez que se fazem este tipo de experiências. No
início do século XX, os futuristas de Marinetti criaram até um
manifesto da cozinha futurista e organizaram jantares em que
muito se passava para além da comida. “É fantástico voltar a ler o
que Marinetti escreveu e ver como muitas coisas continuam
actuais, desde a utilização de sprays com cheiros até às paisagens
sonoras para acompanhar um prato”, diz Spence, cujas pesquisas
estão na origem de um prato de Heston Blumenthal que é
acompanhado por auscultadores através dos quais se ouve o ruído
das ondas na praia e os gritos das gaivotas.

E porque é que entre Marinetti e hoje houve uma interrupção


neste tipo de investigação? Porque é que as experiências dos
futuristas não tiveram continuidade na altura? “Havia um lado
fascista e misógino neles e isso não ajudou. Mas acho que as ideias
saíram de moda porque eles estavam a tentar agitar as águas e
chocar as pessoas e a comida que faziam não era boa.” Hoje,
prossegue o investigador, “a tecnologia permite-nos fazer coisas
deliciosas e multissensoriais”.

Chefs com duas estrelas Michelin fazem alguma da melhor comida do mundo e sabem que para que ela
perdure na memória de quem a prova é preciso combiná-la com técnicas de estimulação sensorial”

“Temos chefs com duas estrelas Michelin a fazer alguma da


melhor comida do mundo e que sabem que para que ela perdure
na memória de quem a prova é preciso combiná-la com técnicas
de estimulação sensorial.” E, garante, mesmo os chefs que possam
achar tudo isto uma distracção do essencial, que é a qualidade do
produto, não podem ignorar a importância do que está à volta de
uma refeição. “Quando comemos, fazemo-lo sempre em algum
sítio, num determinado ambiente, o prato tem um nome,
comemos com talheres e tudo isso tem um impacto. Não importa
o que façamos, ficção científica futurista ou slow food biológica,
não podemos nunca excluir o contexto.”

E será que agora, ao contrário do que aconteceu com os futuristas,


o tema veio para ficar? Charles Spence não tem dúvidas. “Há um
milhão de coisas para explorar. Uma das razões por que me
interessei por esta área é porque existem temas fundamentais que
ninguém pensou em tratar até ao momento em que fizemos o
nosso estudo sobre como os talheres podem alterar o gosto da
comida. Há séculos que comemos com talheres e ninguém tinha
pensado explicar isto.” Como resultado destes estudos, cada vez
mais os designers estão a aproveitar estes conhecimentos para
“criar pratos e talheres que nos ajudem a contar histórias sobre a
comida”.

Só agora começámos este caminho, conclui Spence. “Não há nada


que nos excite mais do que ver um prato com a nossa comida
favorita quando temos fome. Nada, nem a pornografia, nem
sequer o momento em que comemos. É a expectativa que nos
excita. É algo que está gravado nos nossos cérebros e não vai
desaparecer. E é isso que nos vai manter interessados.”
Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de domingo do
PÚBLICO

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