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EDUCAÇÃO E MÍDIAS

JACQUES GONNET

EDUCAÇÃO E MÍDIAS

Tradução
MARIA LUIZA BELLONI

Edições Loyola
Título original
Éducation et médias
© Presses Universitaires de France, 1997
108, boulevard Saint-Germain, 75006 —Paris
ISBN: 2 13 048414 X
PREPARAÇÃO: Iranildo Bezerra
DIAGRAMAÇÃO: Míriam de Melo Francisco
REVISÃO: Maurício Balthazar Leal

Edições Loyola
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ISBN: 85-15-02932-4
© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2004
Sumário

APRESENTAÇÃO 7
INTRODUÇÃO 11

Capítulo 1: LÓGICAS E EXPECTATIVAS 15


I. As mídias 16
II. A educação 20
III. A educação para as mídias 22
IV. Mídias, educação e esfera privada 25
1. Os pais 25
2. Os jovens 27

Capítulo 2: MÍDIAS E RELAÇÃO COM O SABER 31


I. O diálogo de Fedro e de Sócrates 31
II. Elogio do escrito 33
III. O "perigo televisionado" 35
IV. A idade do saber ou o tempo de "antes" 36
V. O estatuto do livro didático 38
VI. As instâncias de legitimação do saber 41
VII. A escolarização do saber 45

Capítulo 3: OS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO PARA AS MÍDIAS 47


I. As disciplinas têm uma história 48
II. Os programas de educação para as mídias 50
1. Os objetivos 50
2. Da pré-escola à formação continuada 52
3. Os temas fundamentais 55
4. A dimensão transversal 56

Capítulo 4: ABORDAGEM DAS MÍDIAS E METODOLOGIAS 59


I. Os referenciais implícitos 59
II. Uma abordagem global 61
III. Compreensão do evento 64
IV. Descrição, classificação e pesquisa 68

Capítulo 5: PRODUZIR MÍDIAS? 71


I. A descoberta do aluno como sujeito ativo 71
II. A contribuição da pedagogia nova 74
III. Uma revolução das mentes 77
IV. O ato de produzir: uma ruptura psicológica 79
V. A conjugação dos suportes técnicos 79
VI. Direitos e deveres da liberdade de expressão 83
VII. Crítica da produção de mídias 85

Capítulo 6: PERSPECTIVAS DE FUTURO 87


I. As mídias, fatores de integração escolar? 87
II. Olhares do exterior 91
III. Avaliar a educação para as mídias? 96
IV. Educação e mídias ao longo da vida 97

CONCLUSÃO 99
Apresentação

Nas pesquisas de campo que tenho realizado, uma


experiência de educação para as mídias me chamou
especialmente a atenção. Nela, o objetivo era produzir um
comercial de televisão que fosse necessariamente
enganoso, com a finalidade deliberada de convencer o
telespectador de que o produto anunciado, embora
inverossímil, era verdadeiro.
O trabalho começava com os estudantes — crianças
de 10 ou 11 anos — circulando pela escola, observando
possíveis cenários por meio de um quadrado recortado no
meio de uma folha de papel, experimentando a noção de
foco e a relação entre ângulos e distâncias. Em seguida,
desenhavam o que haviam focalizado e comparavam os
diversos olhares.
O roteiro era criado em conjunto: primeiro oralmente,
depois numa história em quadrinhos com orientações
para as cenas (storyboard). Um trabalho com câmera de
vídeo dava sequência à educação do olhar. Os alunos faziam
entrevistas e filmavam as cenas para então trabalhá-las na
ilha de edição, com softwares apropriados.
Várias discussões aconteciam paralelamente. Se
uma fala era muito longa, como sintetizá-la? O trabalho
de redação e edição — selecionar as frases mais
interessantes dos entrevistados — era atravessado por
discussões de cunho ideológico, por exemplo sobre o
poder de "cortar" a fala de outro sujeito. Brincadeiras com o
software mostravam que se podia mudar o sentido das
mensagens. Discutia-se como as pessoas reagem ao ser
filmadas, o que significa apropriar-se da imagem do
outro, e como se pode favorecer ou prejudicar alguém a
partir de diferentes tomadas. As implicações éticas eram o
horizonte dos debates.
Os resultados eram avaliados por toda a turma,
inclusive sob os pontos de vista técnico e estético. Por fim,
o professor propunha assistir a outros anúncios da TV
aberta, convidando a detectar recursos que mostravam a
tentativa de convencer o espectador sobre aspectos não
necessariamente comprováveis ou verdadeiros.
Não há dúvida de que essas crianças, além de adquirir
progressivamente uma competência técnica para a
produção de materiais multimídia, estarão sobretudo mais
preparadas para ler criticamente os enunciados.
Um projeto como este é uma das muitas possibilidades
abertas pelos programas de educação para as mídias,
tema que Jacques Gonnet aborda neste livro.
A educação para as mídias não é propriamente nova. A
expressão remonta aos anos 1960, de modo especial
nas discussões da Unesco; mas ao final do século XIX a
livraria Larousse já implementava um programa com
professores baseado em fotos do noticiário. Sem ir tão
longe, podemos imaginar em quantas salas de aula do
interior do Brasil já foram usados, incontáveis vezes,
recursos como recortes de jornal para formar leitores...
No entanto, é hoje, na sociedade da comunicação e da
informação, que a educação para as mídias se torna uma
necessidade inquestionável. Qual é sua finalidade e sua
relevância? Jacques Gonnet convida a uma reflexão séria
sobre o tema, rejeitando lugares-comuns. Por exemplo: no
final do primário uma criança terá assistido a
aproximadamente 8 mil assassinatos e mais de 100 mil atos
violentos na TV. Mas não há relação comprovada entre esses
dados e a banalização da violência na própria sociedade. Até
que ponto, ao atribuir o problema à TV, não estamos evitando
abordar o problema da violência em geral? É uma das
questões que o autor propõe.
Gonnet recusa tanto visões apocalípticas como
redentoristas. Oferecendo um olhar crítico, sem por isso
remeter a uma nostalgia que paralise a reflexão, tem
coragem para desfazer certos mitos. Nesse sentido, bem-
vindo Gonnet: finalmente se encontra um pensador que
nega a teoria de Treicher, de que as pessoas aprenderiam
"20% do que ouvem, 50% do que vêem e ouvem e
90% do que dizem fazendo as coisas". Para Gonnet, "este
tipo de proclamação é lamentável e ilusória".
Outro pressuposto questionado no livro é o de que as
crianças estariam fragilizadas diante das mídias. E se
disséssemos, ao contrário, que os adultos estão mais
desamparados que as crianças e os jovens, que
decodificam e compreendem os efeitos especiais e
comparam espontaneamente os programas? — indaga o
autor.
Desfazendo falsas certezas, Gonnet lembra que as
mídias têm menos pretensão de dizer a verdade que o
próprio livro didático. Este, ao contrário, "afirma o que se
deve pensar em dado momento da história", pondera o
autor, lançando a hipótese de que a falta de uma
prudência crítica talvez se deva mais à inibição provocada
por objetos didáticos consagrados do que a mídias mais
recentes.
Este livro ajuda a organizar um programa de educação
ara as mídias na escola. Gonnet acumulou larga experiência
não só como professor da Universidade Paris III, mas
também como diretor do CLEMI, Centro de Ligação do
Ensino e dos Meios de Informação, organismo que
atualmente assessora, na França, o tratamento escolar da
educação para as mídias e que visa promover, por meio
de ações de formação, a utilização pluralista e crítica dos
meios de informação no ensino. No texto, ele oferece
subsídios para escolher a melhor abordagem das mídias,
no que diz respeito tanto aos temas como aos métodos,
inclusive relacionando os estágios mentais dos alunos aos
diferentes exercícios propostos na escola.
A pergunta que perpassa todo o texto é crucial e
remete aos valores que pretendemos promover com as
mídias — e, em função disso, que mídias e que
espectadores queremos realmente. Uma discussão como
esta ganha especial relevância na sociedade da
comunicação e da informação, em que as mídias
adquirem significativo espaço na esfera do público e do
privado — desde a cobertura just in time das guerras
até a reconfiguração das práticas cotidianas, como a do
jantar diante da TV, passando pelo impacto dos reality-
shows. Para uma abordagem consciente dessas novas
situações, aprender as mídias, no mais amplo sentido
da expressão, é uma competência básica para o
exercício da cidadania.
ANDREA CECÍLIA RAMAL
Introdução

"— Pécuchet, meu amigo, acabo de ter uma boa ideia: por
que não se suprime a escola? Com as mídias, hoje, não se
acessam todos os conhecimentos? E elas são tão mais
engraçadas do que a escola! Você se lembra do tempo em
que você era aluno? Ah, ah! O que retemos da escola? A
cantina, o quadro-negro, os castigos do domingo...

— Bouvard, você me choca! Não concordo com você.


Paremos com as ilusões. Você acredita? Esta noite, durante
minha insônia, tomei a decisão de nunca mais assistir à
televisão. Acabou. Não leio mais o jornal. Acabou, acabou.
Meu sonho? Justamente, voltar à escola! Aprender o nome
dos departamentos franceses. Você pode me dizer quem
ainda conhece os departamentos franceses?..."

Que Flaubert nos perdoe este acréscimo ao seu


Dictionnaire des idées reçues! O mérito de nossos
personagens é o de chamar nossa atenção para uma das
maneiras mais caricaturais de nos interrogarmos sobre a
concorrência entre as mídias e a escola. Mas podemos,
sem dificuldades, propor algumas variações sobre o
mesmo tema: o escrito contra o audiovisual, a passividade
diante da televisão, o professor suplantado pela Internet,
o nível dos alunos que não pára de baixar etc.
A ambição desta obra não é, evidentemente, tratar
destas questões polêmicas, mas tentar incansavelmente
compreender como se colocam estes problemas. Será
assim tão certo que estas oposições binárias dêem conta
das realidades? A história do pensamento traz
esclarecimentos inesperados que poderão talvez
contribuir. Os receios suscitados em seu tempo pela
invenção da escrita, para tomar apenas este exemplo,
levam a relativizar os discursos sombrios e alarmistas
daqueles que assimilam a civilização do audiovisual à
decadência da cultura.
A educação e as mídias são muitas vezes máscaras
fáceis que levam a falar de si para que não escapemos
delas. Elas se tornam então pretextos para declamações
que se auto-alimentam sem cessar. Conseguimos
realmente ter as idéias claras após esses processos sobre a
decadência da língua e dos costumes (por causa das
mídias) ou sobre o último assassinato inspirado, se não
copiado — com certeza — de um seriado da televisão
americana? Para alimentar os debates, as estatísticas não
são tampouco de muita ajuda. Elas aparecem em apoio a
uma tese ou ao seu contrário com a mesma facilidade.
Certo, se observamos mais de perto, certos estudos
estatísticos científicos não se prestam tão facilmente a
interpretações fantasiosas. Porém, muitas vezes nos
deixamos levar mais facilmente para o Iado da controvérsia
do que para o lado do rigor.
Enfim, em defesa daqueles que jogam a toalha,
ressaltemos a extrema complexidade dos dossiês, as
confusões permanentes. Prova disso é essa tendência atual
que consiste em publicar pesquisas, não sobre a questão
de fundo de um problema, mas sobre o que o público
imagina sobre o problema. Reforçam-se então os piores
estereótipos. Assim, em lugar de um estudo rigoroso sobre a
violência e a televisão, teremos direito ao que os franceses
pensam sobre o assunto (86% dos pais acreditam que a
violência na telinha tem uma influência sobre a violência na
escola, segundo uma pesquisa BVA (agência de sondagem
da França) de fevereiro de 1996. Seja. Mas o problema não
é: a violência na televisão tem ou não tem uma influência
sobre a violência na escola?). Daí que os lugares-comuns
se respondem em eco em espirais infernais. Ousaremos
simplesmente formular a hipótese de que focalizar a
violência na televisão evita abordar frontalmente o
problema da violência em geral e que os debates sobre as
mídias escondem quase sempre outros problemas menos
nobres a expor com brio? As mídias bodes expiatórios são
uma constante de nossas sociedades, do mesmo modo,
aliás, que as profissões de fé sem nuanças sobre a última
tecnologia que resolverá todos os nossos problemas.
Convenhamos que é muito pouco satisfatório limitar-
se assim aos rumores, às afirmações inverificáveis. Tanto
mais que, confusamente, sabemos bem que uma parte do
futuro de nossas sociedades depende de nossa
capacidade de dominar a informação e a comunicação, de
saber ler as mídias que nos solicitam até a saturação e
que são tudo, salvo neutras...
A maior dificuldade de uma exposição sucinta sobre
este assunto vem talvez do fato que todas as questões
evocadas aqui se respondem em eco e que é muito
delicado isolar um aspecto sem o descrever e matizar por
meio de algumas digressões. Foi este, todavia, o risco que
corremos, imaginando que o leitor que descobriria este
trabalho teria mais facilidade em compreender uma
exposição simples, mas que, ao longo das páginas,
evitasse a caricatura.
Propomos, num primeiro tempo, abordar as lógicas
dos diferentes atores, os interesses em jogo no cruzamento
das mídias e da educação. Lógicas de instituições, de
sistemas que geram imaginários a levar em conta. Assim,
em filigrana, os atores se referem constantemente ao sentido
da escola, à transmissão dos saberes. Mas de que saberes
se trata?
Em seguida, o estado da arte nos conduzirá a avaliar
tudo o que já existe, programas e experiências que
combinam o aporte das mídias com uma abordagem
educativa. Descobrir-se-ão sensibilidades diferentes, mas
também reivindicações comuns. Enfim, tentaremos delinear
algumas perspectivas particularmente estimulantes. A mais
importante, sem dúvida, diz respeito ao sentido que
devemos dar àquilo que se apresenta aos nossos olhos.
Hoje, amanhã, o que nos trouxeram esses projetos de
educação em ligação com as mídias? E quais mídias nós
queremos realmente? Outro modo de descobrir a questão
lancinante que aflora rapidamente: quais valores de
nossas sociedades queremos promover? Devemos, a cada
época, reinventar a democracia no cotidiano, para que ela
viva?
Capítulo I

Lógicas e expectativas

Interrogar a educação e as mídias significa, por um


jogo de espelhos, analisar uma sociedade inteira. Para
não se perder, também é indispensável, num primeiro
momento, ter segurança dos termos que empregamos.
Como definir as mídias; como definir a educação?
Hoje as mídias são parte integrante do cenário da
esfera privada. Elas modificaram os comportamentos das
crianças e dos pais com relação às gerações
precedentes. Quais são as expectativas desses atores
privilegiados? Os outros atores que aparecem no centro
deste debate (os professores, os jornalistas, os políticos etc.)
serão abordados à medida que avança nossa investigação,
tanto mais naturalmente que as questões se encadeiam.
Por exemplo, a adesão de uma sociedade à sua escola se
caracteriza, entre outras coisas, por um acordo tácito de
transmissão de certos saberes considerados fundamentais.
Mas os saberes evoluem. Como são vividos estes novos
saberes que vêm das mídias? Qual é a sua legitimidade para
a escola?
Reconheçamos, para começar, que nada é mais
difícil de definir que as mídias e a educação. Vocábulos
utilizados cotidianamente, eles remetem, por associação de
idéias, a experiências e a uma literatura inesgotáveis. Além
disso, todos nós temos uma legitimidade para falar desses
assuntos. Nós todos passamos pela escola, retiramos dela
individualmente alegrias e pesares, prazeres e rancores,
em geral intransmissíveis. Do mesmo modo, somos todos
submetidos à difusão das mídias, e é raro que não
tenhamos objeções a discutir sobre suas (dis)funções.
Podemos ter certa dificuldade em partir do senso comum
para limitar as ambiguidades das definições. Concentremo-
nos de preferência em uma tipologia das acepções mais
correntes para convir em seguida a uma hierarquia de nossas
interrogações. Constataremos, com efeito, que a primeira
dificuldade residirá na extraordinária abundância de
questões que todo olhar um pouco mais aprofundado sobre
as mídias desperta.

I. As mídias

Não existe uma definição única das mídias. Do


mesmo modo que a informação e a comunicação, trata-se
de um vocábulo que foi constantemente enriquecido ao
longo das últimas décadas, a ponto de, às vezes,
designar conceitos muito afastados uns dos outros. Do
latim medium, "meio", "centro" (medium diei, "o meio do
dia"), mas também "intermediário", "mediador" (paci
medium se offert, "ele se oferece como mediador para a
paz", Virgílio), passamos a uma redescoberta do termo
pelos anglo-saxões, que introduziram a noção de mass
media, meios de comunicação de massa.
Descrevendo as mídias, nós nos referimos, hoje, tanto
a instituições (France 3, Europe l etc.), a gêneros (jornais,
revistas etc.) ou a técnicas (fax, rádio). Todavia as
definições, para além de sua diversidade, insistem
geralmente sobre a finalidade das mídias que implica uma
comunicação. Assim Francis Balle define uma mídia "como
o equipamento técnico que permite aos homens
comunicar a expressão de seu pensamento quaisquer
que sejam a forma e a finalidade desta expressão"1.
Para dar conta da diversidade das mídias,
notadamente para o utilizador, distinguem-se muitas vezes
as mídias autônomas, que não requerem ligação a nenhuma
rede particular (livros, jornais, discos...), as mídias de difusão,
por ondas hertzianas ou por cabos (televisão, rádio...) e as
mídias de comunicação, que permitem instaurar uma
interatividade da qual o telefone foi o primeiro símbolo, que
passa hoje pela telemática ou videocomunicação.
Notemos por enquanto que a evolução das técnicas
e dos mercados acarretou interrogações novas: a cadeia
única de televisão dos anos 1960 aparece hoje como algo
bem longínquo. No presente, as mídias se dirigem a
públicos cada vez mais definidos (visados). Concebe-se
então que a relação que a escola entretém com as mídias
não seja tão facilmente identificável. Centrada, na maior
parte do tempo, nos efeitos reais ou supostos das mídias,
1 Francis BALLE, Médias et société, Montchrestien, 1995, 50.
ela se modifica com frequência na urgência de um discurso
social sobre as mídias que acusará, denunciará ou, ao
contrário, proporá soluções miraculosas. A acusação se
refere tanto à banalização do assassinato, do crime, na
televisão (ao final da escola primária uma criança já viu, em
média, 8 mil assassinatos e mais de 100 mil atos violentos)
como os conteúdos da maioria dos videogames que giram
em torno de adversários a "eliminar". Ao contrário, a defesa
em favor das mídias proporá uma utilização educativa
massiva destas novas tecnologias das quais se espera que
tragam tonicidade e saber para a escola.
Se as mídias provocam interrogações e debate
público a tal ponto é porque elas tocam uma parte
irracional que não podemos dominar. Liliane Lurçat fala de
"contágio emocional" para definir a ação contagiosa da
televisão pelo viés das emoções: "Se a relação ao real é
mediatizada, a vivência televisiva engendra um contágio
emocional imediato. É assim que se pode falar da potência
de ação da televisão sobre as emoções. Ela torna possível
os mimetismos ou imitações inconscientes e as imitações
conscientes induzidas por sua força sugestiva. Tudo o que
é mostrado é impregnado de emoções e torna críveis
informações postas em cena ou qualquer outro evento cuja
apresentação parece objetiva e neutra" 2. Defendendo uma
deontologia das mídias, L. Lurçat propõe que se aprofunde
nosso conhecimento dos efeitos das mídias, efeitos
desejados ou não desejados, sobre a sensibilidade e as

2 Liliane LURÇAT, Lês effets violents de Ia télévision, Les violen-


ces, symposium éducation à Ia paix, Leprince, 1995, 132.
condutas.
A avaliação desta influência tornou-se uma das tarefas
maiores da pesquisa em ciências humanas. Citemos
algumas ilustrações para mostrar a diversidade desta
pesquisa:
• A história, que nos permite aproximar a permanência das
interrogações (por exemplo, a deontologia do jornalista), mas
também a parição de novos questionamentos por
exemplo, sobre a interatividade).
• A sociologia, a psicologia social, que estabelecem
tipologias das formas das mídias, que estudam os
comportamentos dos atores, as audiências.
• A linguística, a semiologia, a pragmática, que se dedicam
a descrever os signos, os conteúdos, mas que tentam
também compreender como o sentido se tece entre as
pessoas que se comunicam e a partir de qual contexto.
• A economia, as ciências políticas, que colocam em
destaque a lógica mercantil das mídias, as concentrações
das mídias no plano internacional, a relação do poder da
mídia com o político.

Veremos mais adiante que uma nova disciplina


universitária, ciências da informação e da comunicação,
encontra-se de fato no cruzamento destas reflexões e tenta
estruturar o conjunto dessas questões.
Um trabalho aprofundado sobre as mídias tentará
assim esclarecer a natureza destas questões, geralmente
complexas, que se apresentam. Examinemos dois
exemplos para mostrar nossos propósitos:
— A "participação" das mídias na ajuda humanitária. Do
ponto de vista dos gestores dessas organizações, as
campanhas de comunicação em torno da coleta de
fundos podem colocar-se nos termos seguintes: é mais
eficaz mostrar uma criança feliz ou uma criança faminta?
Esta interrogação brutal coloca pouco à vontade aquele
que se sentirá sensibilizado em sua carne por esses
dramas. Ela é, no entanto, banal em termos de
estratégia: como reagem os telespectadores diante das
visões cotidianas cada vez mais insuportáveis da miséria
do mundo? As imagens incitam à ação ou à retração
sobre si mesmo? Essa eventual retração sobre si
mesmo é indiferença ou, para usar o vocabulário dos
psicanalistas, um reflexo de preservação do eu?

— A utilização das mídias com fins estratégicos: Cari Hovland,


diretor do departamento Informação e Educação das
forças armadas americanas durante a Segunda Guerra
Mundial, devia responder à questão de estratégia
seguinte: para dar credibilidade à idéia de uma guerra
longa, é mais pertinente utilizar somente argumentos
favoráveis a esta tese ou acrescentar argumentos de
sentido contrário? Em um registro próximo, estamos
habituados, hoje, pelos poderes políticos, a rumores de
anúncio de medidas impopulares que permitem definir
estratégias em função da capacidade de mobilização
ou de negociação dos diferentes parceiros.
A história da reflexão sobre os efeitos das mídias
autoriza a distinguir três grandes períodos que se
sucederam. Passamos assim da crença no grande poder do
rádio e do cinema, à quase certeza da manipulação das
massas, desde o fim da Primeira Guerra Mundial (o
indivíduo reagindo ao condicionamento, aos estímulos,
como o cachorro de Pavlov), a uma posição menos segura,
onde sociólogos como Lazarsfeld relativizaram, a partir dos
anos 1940, os resultados anteriores, mostrando
notadamente que os receptores das mensagens adotam
um comportamento muito mais ativo, por exemplo, no
quadro das campanhas eleitorais. Enfim, mais
recentemente, um importante trabalho de identificação foi
realizado por pesquisadores para constituir noções mais
sutis como os efeitos a curto prazo (que parecem limitados
na maior parte dos casos) e os efeitos a longo prazo, que
se mostram tanto mais fortes na medida em que uma
coerência se desenha na sucessão das mensagens (por
exemplo, a denúncia progressiva pela maior parte das
mídias americanas da presença dos Estados Unidos no
Vietnã).
O questionamento dos efeitos das mídias postula
assim uma compreensão do modo de funcionamento das
mídias. Mas sabemos também que as mídias nos remetem
a nós mesmos na medida em que a atenção que
dedicamos a uma informação depende muito da relação
íntima ou social que mantemos com ela. Este é o princípio
da exposição seletiva às mídias, ao qual é preciso
acrescentar o princípio do reforço das opiniões
preexistentes. Enfim, também aprendemos que nossa
percepção e nossa memorização seletivas demonstram
nossa atividade de receptores de informação, atividade
muito mais sutil do que aquela que havia sido imaginada no
início do século XX.

II. A educação

Na evocação do termo educação aparece muitas


vezes a idéia de "alimento" à qual aliás se refere Littré para
defini-lo3. Uma contribuição necessária e enriquecedora
para a criança como para o adulto. Mas esse alimento,
qual é? Como apreciá-lo? Como transmiti-lo? Como se
fabrica? Assim, segundo os centros de interesse, abordar-
se-á a educação a partir de várias expectativas, notadamente:
— Quais, entre seus valores e seus costumes, uma
sociedade busca promover?
— Quais conteúdos serão privilegiados na transmissão
dos conhecimentos?
— Quais meios são utilizados para atingir estes objetivos?

3 "Educação é uma palavra recente, outrora dizia-se alimento


[nourriture]", Littré, t. 3, Gallimard-Hachette, 1964, 476.
A controvérsia entre a idéia de instrução e a idéia de
educação parece assim um pouco superada. Parece ponto
pacífico hoje que a escola não poderia simplesmente
"instruir" sem educar. Todavia, evitemos acreditar que essa
versão institucional (passamos do Ministério da Instrução
Pública ao Ministério da Educação Nacional)4 é perfeitamente
clara no espírito de todos os parceiros. Não são tão raros os
pais que estimam ser os únicos que podem dispensar esta
educação que não poderia ser partilhada com a escola.
Uma vez mais nos aproximamos destas zonas de sombra
que a emergência das mídias obriga a olhar mais de perto.
A educação, com efeito, constitui para Freud um
"impossível" porque ela visa a finalidades inconciliáveis. Do
mesmo modo, evitaremos confundir "a Escola enquanto
instituição, fonte de força ou de fraqueza, e os professores.
Estes são intermediários. Eles devem, em princípio, tentar
realizar esta quadratura do círculo que consiste a satisfazer
os desejos contraditórios dos pais e da escola, levando em
consideração os da criança. Eles são, em prioridade, os
servidores da instituição que é seu empregador" 5.
O discurso dominante da sociedade democrática
coloca a ênfase no desenvolvimento da criança, no

4 Mas nos Cadernos dos Estados Gerais, em 1789, o termo


"educação nacional" é que era empregado...
5 Jacques LÉVINE, Je est un autre, Bulletin dês rencontres pé-
dagogie-psychanalyse, AGSAS (1996).
desabrochar das qualidades. De fato, não há nenhuma
dúvida de que a concepção tradicional, que considera a
educação uma arte de conduzir as crianças à
interiorização das normas de sua classe social, também
está presente e explica certas contradições aparentes.
Para citar um exemplo significativo, o espírito
empreendedor será diversamente valorizado conforme
tratar-se de um menino ou de uma menina e segundo o
meio social em que nos encontramos.
A educação aparece então insensivelmente como um
lugar de negociação de conflitos de interesse, de conflitos
de valores. Aquisições e frustrações são indissociáveis de
seu processo. Elas dizem respeito aos elementos físicos
(aprendizagens corporais), sociais (comportamentos com
os outros) e mentais (valores, moral, religião) e se estendem
por um tempo longo, uma vez que, em comparação com o
reino animal, a educação da espécie humana atinge
muitas vezes um quarto da esperança de vida. Os poderes
políticos, naturalmente, a valorizam, buscam controlá-la,
utilizá-la ou reprimi-la, do mesmo modo que as oposições
tentam apoiar-se nela para fundar suas conquistas, suas
seduções, às vezes suas revoluções.
Notemos, enfim, que a educação, como ressalta a raiz
latina ducere, supõe a existência de um guia, de um
educador a quem o ensino é confiado. Concebe-se então
que um dos problemas que se coloca ao longo dos séculos
concerne de maneira privilegiada à figura deste guia. Qual
é a sua legitimidade? Qual é sua formação? Está ele em
conformidade com os valores da sociedade que o
emprega? Além disso, a obrigação de avaliação desta
educação não deixa de causar perplexidade. Philippe
Meirieu observa a este propósito: "A educação é uma
atividade estranha em que se age sempre como se a
atividade do educador produzisse o desenvolvimento do
educando, mas na qual nunca poderá ser estabelecida
formalmente a menor relação de causa e efeito entre a
primeira e o segundo. Estabelecer esta relação, aliás, seria
confundir a educação de uma pessoa e a fabricação de um
objeto. Seria negar o próprio sentido do ato de educar"6.
No entanto, como veremos adiante, existe um grande
interesse em fazer nascer esta pesquisa de avaliação,
desde que se considere esta iniciativa como um espelho
suscetível de refletir e de infletir as práticas.
As ressonâncias destas interrogações se reencontram
na temática que nos ocupa, nesta interação da escola com
as mídias, que perturba tanto mais nosso imaginário quanto
ela é nova, pois sua emergência data apenas de uma
geração.

IIl. A educação para as mídias

Ao longo deste trabalho, seremos levados a utilizar um


conceito muito frequente no quadro destas reflexões: "A

6 Philippe MEIRIEU, L'envers du tableau, pour quelle école?


ESF, 187.
educação para as mídias"7. É particularmente importante
definir claramente por que ele suscita incompreensões
quando não se conhece a genealogia de seu emprego.

• A fórmula "educação/para as mídias" se refere a um uso


nascido em torno dos anos 1960 nos meios
internacionais que tratam dos problemas da educação,
particularmente na Unesco. Nesta época, as previsões
dos especialistas se concentravam na explosão visível da
comunicação de massa, especialmente da televisão. De
modo totalmente confuso abordava-se (para citar apenas
os temas mais frequentes): a capacidade desta nova
ferramenta mágica de alfabetizar em grande escala
populações privadas de estruturas de ensino e de
equipes de pessoal qualificado; a reticência dos
professores em aceitar a televisão como uma abordagem
legítima do saber; a necessidade de abordagens críticas
em face dos riscos de manipulação das mídias em
geral...

Em todos os casos citados, parecia indispensável


dotar-se de uma educação que permitisse abordar
inteligentemente estes problemas, sem preconcepções. Esta
“educação para as mídias" respondia assim a várias
expectativas. Muito cedo, no entanto, destas diferentes
significações emergiu uma dominante, partilhada hoje no
7 Esta fórmula aparece desajeitada porque deixa pairar a priori uma
suspeita sobre as mídias. Alguns preferem "mídias na educação".
plano internacional. Temos um eco desta significação na
definição que propõe em 1973 o Conselho Internacional do
Cinema e da Televisão (CICT): "Por educação para as mídias
convém entender o estudo e a aprendizagem dos meios
modernos de comunicação e expressão, considerados
como parte de um campo específico e autônomo de
conhecimentos, na teoria e na prática pedagógicas, o que
é diferente de sua utilização como auxiliar para o ensino e
aprendizagem em outros campos de conhecimentos tais
como as matemáticas, a ciência e a geografia" 8. Dito de
outro modo, entende-se, em primeiro lugar, por educação
para as mídias uma educação crítica para a leitura das
mídias, qualquer que seja o suporte (escrito, radiofônico,
televisivo). O objetivo é facilitar um distanciamento, pela
tomada de consciência do funcionamento das mídias, tanto
de seus conteúdos como da contextualização dos
sistemas nos quais elas evoluem.
Essa definição tem também o mérito de melhor
delimitar nosso estudo. Não abordaremos aqui, com efeito,
as mídias educativas cujo objetivo é auxiliar o professor, mas
as mídias em geral. A questão que se coloca então é saber,
do ponto de vista da escola, como apreender esta realidade,
como utilizá-la, ensinando a criança a se distanciar dela. As
mídias educativas têm evidentemente uma outra função.
Por sua própria definição, elas colocam problemas
específicos ("um documento audiovisual educativo ou
didático deve levar em consideração o todo ou parte do

8 Éducation aux médias, Paris, UNESCO, 1984, 7.


processo de aprendizagem e reflete mais ou menos
explicitamente os pressupostos educativos da instituição
produtora")9. Seu estatuto de "feitos para aprender"
(Jacquinot) os coloca de modo diferente das mídias em
geral, que não incorporam a priori esta preocupação.
Mas por que hoje este sentimento de urgência da
necessidade de uma educação para as mídias? Em uma
obra importante que serviu de referência a toda uma
geração, Len Masterman evoca sete razões essenciais10:

• o consumo elevado das mídias e a saturação à qual nós


chegamos;
• a importância ideológica das mídias, notadamente por
meio da publicidade;
• o aparecimento de uma gestão da informação nas
empresas (agências de governo, partidos políticos,
ministérios etc.);
• a penetração crescente das mídias nos processos
democráticos (as eleições são, antes de mais nada,
eventos midiáticos);
• a importância crescente da comunicação visual e da
informação em todos os campos (fora a escola, que
privilegia o escrito, os sistemas de comunicação são
essencialmente visuais);

9 G. JACQUINOT, Audiovisual et pédagogie: des pratiques en


question, Les genres télévisuels dans l'enseignement,
CNDP/Hachete, 1996, 15.
10 Len MASTERMAN, Teaching the Media, cap. l, Comedia, 1985.
• a expectativa dos jovens de ser formados para
compreender sua época (qual o sentido de martelar uma
cultura que evita cuidadosamente as interrogações e as
ferramentas tecnológicas de seu tempo?);
• o crescimento nacional e internacional das privatizações
de todas as tecnologias de informação (quando a
informação se torna um produto, seu papel e suas
características mudam).

Com esta precisão, pode-se avaliar sem dificuldade


que esta educação torna-se um combate em favor de certa
idéia da democracia. Mas, justamente, esta dimensão de
"combate" embaralha frequentemente a nitidez do processo.
Em uma pesquisa sobre "repensar o saber televisivo", três
pesquisadores britânicos observam: "Como toda empresa
nova, a educação para as mídias na Inglaterra foi
caracterizada por uma grande pretensão quanto aos
objetivos a atingir. Afirma-se muitas vezes que ela pode
contribuir para profundas mudanças políticas e ao mesmo
tempo da consciência dos estudantes e dos programas
escolares. Este entusiasmo militante não é mau em si, mas
os educadores encarregados das mídias estão cada vez
mais convencidos de que tal pretensão é bem pouco
fundamentada e que o ensino e o estudo das mídias
apresentam muito mais problemas do que seus defensores
gostariam de nos fazer acreditar" 11. Os autores chamam

11 David BUCKINGHAM, Valeria HEY, Geinma MOSS, Repenser


le savoir télévisuel, L'éducation aux médias dans le
nossa atenção para algumas questões simples que
correm o risco de desaparecer em benefício de uma
politização a priori do assunto: quais conhecimentos as
crianças têm da televisão? Como ela modifica a maneira
de aprender?
Um ponto é incontestável. A relação com a televisão
revela uma característica de nossas sociedades: a irrupção
de práticas novas na esfera privada.

IV. Mídias, educação e esfera privada


Nas sociedades onde o espaço disponível em casa é
reduzido, considerando principalmente a urbanização, a
presença central da televisão modificou muitos
comportamentos. Por exemplo, na hora da refeição. O
aparecimento nos Estados Unidos, desde os anos 1970, do
TV dinner ["jantar TV"], bandejas de refeição concebidas
para comer em frente da telinha sem "perder" tempo, é
simbólico de condutas novas. Nessas condições, que
significação tem para os pais imaginarem uma escola que
"se apropriasse" das mídias?

1. Os pais

Muitas vezes positiva, favorável a uma educação para


as mídias na escola, a posição dos pais pode também se
monde, nouvelles orientations, BFI, CLEMI, UNESCO, 1992.
revelar contraditória. Com efeito, coabitam neles
apreciações opostas (exemplo, "não se está na escola para
aprender a ler a imprensa, a imagem ou a televisão, mas
para adquirir conhecimentos de base". Ao mesmo tempo,
"a escola deve preparar meu filho para a vida. Ele deve,
pois, saber ler um jornal, pelo menos para poder
procurar um emprego"...). Sobretudo, os pais não têm
ainda hoje muitas referências sobre o assunto, com
relação a sua própria história. Mesmo se a evolução é
rápida, não existe no mundo, hoje, uma geração que
tenha se beneficiado de uma educação para as mídias e
que estivesse em posição de diálogo ou de parceria sobre
este tema. Todavia, as organizações representativas dos
pais de alunos se mostram de modo geral, quaisquer que
sejam suas tendências, muito favoráveis a ações de
educação para as mídias. A lógica de sua função as leva a
se mostrarem particularmente atentas às questões de
exploração da imagem infantil das mídias e, no que diz
respeito às ações de educação sobre a imprensa e a
informação, a se mostrarem vigilantes quanto ao respeito
ao pluralismo das opiniões.
Observemos, além disso, que não é raro ver pais que
possuem, "por diversas razões, uma competência do campo
das mídias associarem-se, a pedido dos professores, a
ações que mobilizam toda uma classe, às vezes todo um
estabelecimento de ensino. A semana da imprensa na
escola constitui um exemplo revelador deste tipo de
iniciativa.
No entanto, não caberia reduzir o papel dos pais a
um lobby bem-intencionado que faria avançar projetos de
educação para as mídias. É muito mais instrutivo
compreender que, por trás das expectativas contraditórias,
está em jogo uma parte importante da evolução dos
sistemas educativos. Com efeito, no plano psicológico,
qual é a significação para um pai ver seu filho ir para a
escola? A criança não é, antes de tudo, um
prolongamento de si próprio? Para Jacques Lévine, "a
criança é a parte de si, de poder suplementar, que falta;
um prolongamento fantasístico do qual temos uma
absoluta necessidade para ser completos. A reprodução
não visa apenas à reprodução da espécie, mas à
produção, para cada um dos pais, de uma fonte de força
para si mesmo"12.
Segundo sua própria trajetória, a expectativa dos pais
se revelará bem diferente. Lévine distingue, a este
propósito, pelos menos quatro categorias de pais: os pais
do establishment, que foram os utilizadores privilegiados
da escola; os novos executivos, que empurram suas
crianças na brecha aberta da promoção social; os pais
modestos, adeptos do dever e do esforço para a criança,
proporcionalmente à dureza de suas vidas; e os pais
pobres e afogados pela existência, que só podem dar carta
branca à escola. O interesse dessa distinção é chamar
nossa atenção para um elemento regularmente

12 Jacques LÉVINE, L'inconscient à l'école, Études


psychothérapiques, n.Q 23 (1976) 5.
subavaliado nas hipóteses de trabalho sobre as mídias
em aula. Segundo a categoria à qual pertencem os pais,
eles se colocarão a questão da pertinência dessas ações
de maneira totalmente diferente. Ora, como veremos mais
adiante, numerosas pesquisas sobre a utilização das
mídias em aula parece demonstrar o interesse dessas
práticas nas zonas consideradas difíceis ou com crianças
desmotivadas que redescobrem o prazer de aprender. Isso
significaria que esta educação não diria respeito aos
grandes estabelecimentos renomados ou que não teria
utilidade para eles? Somos, assim, impelidos a partir de
questões propriamente pedagógicas em dire-ção a
estratégias de política educativa. Observaremos
simplesmente, no momento, que muitas vezes as
inovações são inventadas em situações marginais antes de
se banalizarem para se tornar indiscutíveis no imaginário
de uma sociedade.

2. Os jovens

Philippe Ariès lembrou o quanto é recente a


percepção de que a criança não era um adulto em
miniatura: "Na Idade Média, no início dos tempos
modernos, durante muito tempo ainda nas classes
populares, as crianças eram confundidas com os adultos,
tão logo se estimava que eram capazes de dispensar a
ajuda das mães ou das amas-de-leite, poucos anos após
um desmame tardio, a partir dos 7 anos mais ou menos" 13.
As denominações adolescente e pré-adolescente revelam
as descobertas da psicologia acompanhadas de uma
reflexão sobre as aprendizagens, notadamente sobre as
diferentes etapas do desenvolvimento cognitivo (no que
concerne às mídias é preciso saber, por exemplo, que
mais ou menos aos 7 anos a criança adquire uma
capacidade de distinção do "real" que lhe faltava até então.
É a famosa "idade da razão").
Os países democráticos, a partir da metade do século
XIX, adotaram paralelamente uma legislação tanto para a
proibição do trabalho das crianças como para o direito à
escolarização. Todavia, a opinião de que a criança podia
tornar-se um parceiro de sua própria educação é muito
recente e vem da influência do que chamamos
"pedagogias novas", uma das características das quais era
se interrogar sobre a escola a partir da criança (do sujeito),
em lugar da educação tradicional, que só se interessava
pelo objeto, pela definição dos saberes a transmitir.
A aparição das mídias não coloca o problema a
priori nem para a criança, nem para o adolescente. Eles
navegam num mundo que surpreende, aterroriza ou
maravilha os mais velhos, mas que é o mundo deles. Em
uma obra recente, David Buckingham mostra que os jovens
telespectadores não se enganam com os efeitos especiais.

13 Philippe ARIÈS, L'enfant et Ia vie familiale sous l'Ancien Régime,


Seuil, 1973, 462. [Ed. bras.: A criança e a vida familiar sob o
Antigo Regime, Relógio D'Água, 2000 (1988).]
Ele nota que estes efeitos são objeto de frequentes
discussões entre eles sobre o interesse deste ou daquele
seriado televisivo 14. Estas observações são corroboradas
por numerosas pesquisas que tendem a mostrar que,
contrariamente a um preconceito, as crianças sabem
bastante bem captar as trucagens de uma produção
televisiva. Em compensação, certa cultura do escrito está se
tornando estranha para elas, notadamente a estrutura e as
referências da imprensa de informação.
A partir daí torna-se útil compreender melhor as
relações que os jovens mantêm com os diferentes
suportes, mas também com uma tecnologia que faz cada
vez mais parte de nosso cotidiano (videogames, CD-ROM,
Internet). Com efeito, pode-se formular a hipótese de uma
redistribuição atual entre o escrito, a imagem e o som que
nos leva em direção a outros comportamentos, a uma
sensibilidade para formas novas de mensagens, sobre as
quais é legítimo interrogar-se para não se tornar delas cativo,
para acompanhar essas mudanças.
Todavia o fato de que os jovens tenham uma real
capacidade de integrar estas tecnologias novas não dispensa a
interrogação sobre um problema essencial dos conteúdos
destas mídias. Quais modelos eles propõem? Os debates
sobre a violência na televisão ocultam, neste sentido,
interrogações tão importantes quanto a reprodução de
ideologias menos visíveis mas contestáveis na mesma

14 David BUCKINGHAM, Children Talking about Television: The


Making of Television Literacy, The Falmer Press, 1996.
medida. As mídias produzidas para as crianças, por exemplo,
trazem um material pouco conhecido sobre o qual devemos
nos interrogar. M.-J. Chombart de Lauwe colocou em
evidência as representações sugeridas. Com ela, C. Bellan
concluiu um trabalho sobre as crianças da imagem,
interrogando-se, por exemplo, sobre o aumento da autonomia
dos personagens de crianças destinados a crianças: isto
indica um rebaixamento da idade na qual a criança deve
tornar-se mais independente ou uma compensação
oferecida porque elas possuem um estatuto de
dependência? Para esclarecer seus propósitos, os autores
observam uma evolução paralela dos sexos: "Aparentemente
as mídias, principalmente na expressão imagética, tendem a
igualizar os sexos, a autonomização, sendo, no entanto, mais
rápida nos meninos. Nós mostramos a diminuição dos
personagens femininos tradicionais depois, o alinhamento
dos modelos de meninas sobre os modelos de meninos.
Este movimento ambíguo chega a uma igualização
falsificada pois ele equivale a substituir uma representação
invertida e antinômica dos sexos por uma representação
redutora, que conserva como modelo o personagem
masculino dominante"15.
E os autores voltam a insistir: nas mídias para crianças,
como no campo da literatura e do filme para adultos, nos
anúncios dos publicitários, ou ainda no discurso dos
planejadores, as representações da criança constituem um

15 M.-J. CHOMBART DE LAUWE, C. BELLAN, Enfants de l'image,


Payot, 1979, 275
excelente teste projetivo do sistema de valores e das
aspirações de uma sociedade.
Capítulo 2

Mídias e relação com o saber

Tem o saber escrito uma legitimidade que o saber oral


ou visual não poderia pretender? É nesses termos que,
com frequência, se instauram inflamadas controvérsias...
Em apoio à evidência desta asserção, haveria, por
exemplo, nossos sentidos que nos enganam, que tendem
a nos extraviar, diante da sugestão da imagem.
Esquecemos rapidamente, quando se fala deste saber
cultivado ou legítimo, que a passagem histórica das
civilizações da oralidade às civilizações do escrito também
provocou debates apaixonados. A diferença era que,
então, o escrito fazia o papel de acusado.

I. O diálogo de Fedro e de Sócrates

A referência mais célebre desta querela se acha no


diálogo entre Fedro e Sócrates que nos propõe Platão no
Fedro (c. 370 a.C.). A escrita é um pharmakon, uma droga
perigosa cujos efeitos são imprevisíveis. Por quê?
Simplesmente porque os homens correm o risco de perder
a memória. Como não ver também que estas mensagens
escritas terão acesso a uma independência, a uma
autonomia? Desconectadas da intenção de seus autores,
elas poderão ser lidas por qualquer um, será possível
haver contra-sensos, interpretações erradas... e Sócrates,
em apoio a sua tese, contava a história do deus Thot, que
vivia no Egito, na região de Naucratis, e que foi o primeiro a
inventar o cálculo, a geometria, a astronomia e a escrita.
Quando Thot vem apresentar ao rei Thamus, Deus de todo o
Egito, sua maravilhosa invenção, ele a apresenta nestes
termos: "Eis aqui, ó rei, um conhecimento que tornará os
egípcios mais sábios, e lhes dará mais memória: memória e
ciência encontraram um remédio"16.
Thamus, porém, contesta esta visão muito otimista.
Bem ao contrário, ele adverte contra os perigos da escrita:
"Como tu és o pai da escrita, atribuis a ela, por
benevolência, efeitos contrários aos que ela tem. Pois ela
desenvolverá o esquecimento nas almas daqueles que a
terão adquirido, pela negligência da memória; fiando-se ao
escrito, e de fora, por caracteres estrangeiros, e não de
dentro, e graças ao esforço pessoal, eles se lembrarão de
suas lembranças".

E Sócrates acrescenta dirigindo-se a Fedro:


"Uma vez escrito, cada discurso vai rolar por todos os lados,
e passar indiferentemente por aqueles que conhecem e por
aqueles que não conhecem nada disso; ele ignora a quem

16 PLATÃO, Phèdre, Les Belles Lettres, 1985, 83.


ele deve ou não deve se dirigir. Se vozes discordantes se
fazem ouvir a seu respeito, se ele é injustamente injuriado,
ele tem sempre a necessidade e o socorro de seu pai.
Sozinho, com efeito, ele é incapaz de responder a um
ataque e de se defender".

Notemos a posição incômoda de Platão, relatando


por escrito as afirmações de Sócrates, seu mestre, que
sublinha as vantagens da palavra oral contra o escrito!
Estranha guinada que simboliza bem a relação complexa
que mantemos com as mídias...
A oralidade é tão importante no mundo ateniense que
a punição suprema consiste a recusar-se a dirigir a palavra
àquele que é excluído da cidade. Em Édipo Rei, de
Sófocles, o herói que busca desesperadamente o
assassino de Laios, o antigo rei de Tebas, sem saber ainda
a terrível verdade, declara: "Quem quer que seja o culpado,
eu proíbo a todos, neste país onde eu tenho o trono e o
poder, que se o receba, que se fale com ele, que o
associe às orações e aos sacrifícios".
Sabemos, por outro lado, que a arte da retórica,
que se desenvolve notadamente sob o impulso dos
sofistas, propõe técnicas do discurso, exercícios
destinados a ensinar a persuasão, a captar a adesão de
um auditório, práticas tanto mais necessárias que uma
parte da vida pública acontecia e as decisões da cidade
eram tomadas em seguida aos debates. Não se trata
então da reflexão que traz o escrito, da distância salutar
dos argumentos sobre os quais podemos nos deter ao
lermos. Certo, o grego médio provavelmente não sabia ler
correntemente por falta de prática. Estima-se todavia que
ele não tinha dificuldade em decifrar uma mensagem
simples17.
Assim, a história mostra oposições resolutas quando
aparece uma nova técnica que subverte as posições dos
depositários do antigo saber. O distanciamento nos permite
avaliar que a oralidade não perderá nada de seu poder, de
sua magia, mas que os homens descobrirão, graças a esta
concorrência artificial, as especificidades da palavra oral e
da escrita, e sua complementaridade, e o caráter
apaixonado do debate se esvanecerá.

II. Elogio do escrito

Após a idade do manuscrito, quando as competências


combinadas dos copistas e dos meios universitários na
Idade Média prepararão a revolução do ler, precedente à do
livro, entramos no que se convencionou chamar a cultura
do impresso, que se torna também cultura da imagem
impressa "pensada e manejada como um instrumento
maior do conhecimento, como apta a dar uma
representação da verdade das coisas. Espera-se dela que

17 Corinne COULET, Communiquer en Grèce ancienne, Lês Belles


Lettres, 1996.
capte a adesão daqueles que olham e, mais ou melhor que
o texto ao qual ela está associada, que produza a persuasão
e a crença"18.
Seria tentador imaginarmos esta cultura do escrito, esta
cultura do livro desenvolvendo-se sem os obstáculos, as
violências e mesmo as excomunhões às quais assistimos
quando falamos das mídias hoje. Isso seria esquecer que o
impresso, o livro também foram objeto de combates
violentos desde sua aparição... Alguns, que se acreditaram
despojados de seu monopólio, previram uma era de
decadência; outros, muitas vezes vindos dos mesmos meios
(copistas, professores, padres), porém mais abertos,
compreenderam que o advento da imprensa os colocava
em uma posição exaltante, que novas práticas profissionais
e culturais iriam surgir.
De fato, a história do livro não tem esta simplicidade linear
que muitas vezes lhe é atribuída quando se opõe o escrito,
suporte do saber, a um audiovisual globalizado que seria
signo da decadência. Estudando os livros e os leitores na
Boêmia no século XVIII, por exemplo, Marie-Élisabeth
Ducreux observa que os condenados da Corte de Apelação e
os suspeitos interrogados possuíam "quase sempre um traço
comum: eles leram, escutaram ler, possuíram, venderam,
trocaram, emprestaram ou ainda elogiaram livros cujo uso seus
párocos não tinham expressamente permitido"19.

18 Roger CHARTIER, Les usages de l'imprimé, Fayard, 1987, 15.


19 Marie-Élisabeth DUCREUX, Lire à en mourir. Livres et lecteurs en
Essas breves observações nos preparam melhor para
relativizar os julgamentos sem apelo contra as mídias. Não
que certos argumentos não sejam perturbadores. Mas a
própria lógica das mídias — o escrito como o audiovisual —
é percebida antes de tudo como uma lógica de perigo
potencial, de poder, e a este título ela suscita reações
vivas, às vezes desproporcionais. Tentemos então agora
analisar as teses dos detratores das mídias modernas de
grande difusão, particularmente da televisão, para melhor
captar suas críticas.

III. O "perigo televisionado"

Num pequeno opúsculo de título provocador — A


televisão: um perigo para a democracia —, o filósofo Karl
Popper lança um grito de alarme. A democracia, explica em
substância o autor, não é nada mais que um sistema de
proteção contra a ditadura, e nada no interior da
democracia proíbe as pessoas mais instruídas de
comunicar seus saberes àquelas que o são menos. Bem
ao contrário, "a democracia sempre procurou elevar o nível
de educação; é esta sua aspiração autêntica". Ora, a lógica
da medida de audiência acarreta um desinteresse pela
qualidade dos programas, uma degradação para manter a
audiência, as emissoras achando-se na obrigação de

Bohème au XVIIIº siècle, Les usages de l'imprimé, 263.


produzir cada vez mais programas sensacionalistas. Ora, o
que é sensacional é raramente bom. Além disso, "a televisão
tornou-se hoje um poder colossal; pode-se mesmo dizer
que ela é potencialmente o mais importante de todos, como
se ela tivesse substituído a voz de Deus. E será assim
enquanto continuarmos a suportar seus abusos. A televisão
adquiriu um poder demasiado extenso no seio da
democracia. Nenhuma democracia pode sobreviver se não
acabar com esta potência todo-poderosa" 20.
Que um filósofo renomado se dê por missão
apresentar nestes termos a televisão é revelador de um
receio profundo de certos meios intelectuais. Trata-se por
isso de um receio bem argumentado?
Constatemos antes de mais nada que Popper exagera
o quadro para melhor propor, sugerir, imaginar outras
práticas. Sua reflexão gira em torno do saber que se rebaixa,
mas ele se interroga de maneira construtiva sobre a
ferramenta, sobre a mídia que ele está longe de rejeitar:
"Eu penso que a televisão, cuja influência pode ser
terrívelmente nociva, poderia ser, ao contrário, uma
preciosa ferramenta de educação". E John Condry, co-autor
do opúsculo, desenvolve como um visionário este
pensamento: "A escola deve ensinar as crianças a utilizar
a televisão, quer se trate de programas ou da publicidade.

20 Karl POPPER, La télévision: un danger pour Ia démocratie,


Paris, col. "10/18", 1994, 36. [Ed. Port.: Televisão, um perigo
para a democracia. Gradiva, 1995.]
É necessário explicar-lhes qual uso se pode fazer dela,
dizer-lhes quando ela não serve para nada. Se elas
compreenderem que a aquisição de bens materiais não é o
alvo supremo da existência e que os valores pregados pelos
programas e pelas publicidades televisivas estão em
contradição com o que eles aprendem na escola, isso já será
alguma coisa. Em vez de fazer como se a televisão não
existisse, a escola deveria propor às crianças discutir
programas e idéias, bons ou maus, que lhes são
apresentados. Ela deveria implementar programas
pedagógicos que visassem a fazer das crianças
telespectadores dotados de espírito crítico, e isto desde a
mais tenra idade. Deixá-los utilizar os equipamentos de
vídeo para fazer pequenos espetáculos e anúncios
publicitários; para que as crianças se dêem conta por elas
mesmas de que se pode facilmente deformar a realidade
com uma câmera"21.
Surpreendente manifesto que parte de uma angústia
profunda diante da todo-poderosa televisão e desemboca
em verdadeiro programa de educação para as mídias que
não renegariam nem os mais ferventes promotores desta
tese (mesmo se a natureza dos diagnósticos fornecidos for
muito diferente). Resta que estas reflexões apressadas
sobre "o nível que baixa" por causa da televisão lembram
uma literatura fácil que confirma os estereótipos. Muitos
amálgamas impedem assim uma abordagem pelo menos

21 Karl POPPER, op. cit., p. 74.


desdramatizada, na falta de ser serena. De que se trata
exatamente? Que nível é este que não acaba mais de
baixar, desde uma idade de ouro que seria bom
identificar?

IV. A idade do saber ou o tempo de "antes"

Descrevendo a beleza harmoniosa da região de


Provence, Frédéric Mistral empregava esta expressão forte:
o tempo de antes. Para o prêmio Nobel, tratava-se antes de
tudo de cantar o lugar do homem em uma civilização à sua
medida, uma cultura e uma sociedade que eram a própria
imagem da felicidade e que ele queria fazer partilhar. A
idade de ouro é uma referência indispensável para
estruturar o pensamento. Deve-se por isso paralisar a reflexão
ao ponto de colorir com uma nostalgia sem saída todo
projeto de futuro?
Para o historiador das mentalidades a noção da idade
de ouro é central. Raoul Girardet sublinha esta permanência,
notadamente na história política. Da frase de Saint Just "O
mundo está vazio desde os romanos" até o mito da "Belle
Époque", passamos nossa vida em busca do paraíso
perdido22.

22 Raoul GIRARDET, Mythes et mythologies politiques, Seuil,


1986. [Ed. Bras.: Mitos e mitologias políticas, Companhia das
Letras, 1987.]
A primeira constatação de importância para o nosso
tema diz respeito ao caráter científico dos dados sobre os
quais trabalham os pesquisadores. Nós não temos nenhum
ou temos poucos elementos que permitam verdadeiramente
comparar o nível dos alunos de hoje e, por exemplo,
daqueles de há 100 anos. As primeiras pesquisas do IEA
(International Project for the Evaluation of Educational
Achievement) efetuadas em 1964 e 1982 sobre as classes
equivalentes à sétima série do ensino fundamental e ao último
ano do ensino médio científico mostram, por exemplo, que
os alunos sabem resolver hoje problemas que os
professores tinham deixado de lado por julgar muito difíceis.
De fato, nós nos encontramos no domínio do irracional, onde,
para retomar a fórmula de Baudelot e Establet, "o nível se
celebra ou se deplora, se decreta ou se recusa, se eleva ou
se rebaixa, se atinge ou se supera: ele não se mede
nunca"23. Destaquemos simplesmente aqui as duas
dificuldades maiores que tornam bem duvidosos quaisquer
julgamentos peremptórios: tudo se move constantemente nos
sistemas educativos (o lugar das disciplinas, seu peso
respectivo por via dos coeficientes, o currículo escolar etc.) e,
aliás, o que se busca avaliar? No início do século os
estudantes que terminavam o ensino médio
(bacheliers) representavam 3% da faixa etária. A quem
vamos compará-los hoje?

23 Christian BAUDELOT, Roger ESTABLET, Le niveau monte,


Seuil, 1989. [Ed. port: O nível educativo sobe, Porto Editora,
1994.]
Além disso, se nos referimos às análises mais confiáveis,
como as de Chervel e Manesse sobre a ortografia em classes
equivalentes à quarta série em um século de distância a partir
de 3.000 ditados distribuídos em 180 departamentos entre
1873 e 1877 e uma amostra equivalente hoje, constata-se, ao
contrário, uma ligeira vantagem para os alunos de nossa
época, notadamente no que diz respeito à compreensão
das mensagens24.
Assim, o discurso sobre o "nível" nos remete às nossas
interrogações sobre a transmissão dos saberes, sobre a
pertinência das escolhas destes saberes, mas finalmente
bem pouco sobre uma eventual evolução dos
comportamentos. Em compensação, ele nos alerta uma vez
mais sobre o caráter profundamente subjetivo das miragens
referentes à educação. A relação com o livro didático,
considerado uma dimensão sagrada pela comunidade
educativa, é um belo exemplo desta subjetividade.

V. O estatuto do livro didático

O livro didático, servidor e intercessor da instrução,


primeira mídia da escola, é certamente a própria imagem da
legitimidade do conhecimento. Assim, não é surpreendente
que ele seja o foco, com a mesma força, das rejeições ou

24 Muitas pesquisas são realizadas sobre esta temática no INRP


(Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica, ligado ao Ministério
da Educação da França).
ao contrário de um apego quase religioso aos ritos da
instituição. Não é de hoje que este papel é contestado
(Victor Hugo já falava de "obscuros livros de magia"), mas,
confrontado a outras formas de conhecimento, ele se acha
no centro de interrogações novas. Não seria melhor
aprender a ler com a imprensa, por exemplo, em vez de
sacrificar (esta aprendizagem) à tradição de obras
especializadas, cuja eficácia não foi demonstrada?
Numerosos trabalhos demonstram a motivação das crianças,
fator determinante do processo de aprendizagem. A
imprensa provoca um sentimento de curiosidade, um leque
de trabalhos práticos que trazem inúmeros elementos
lúdicos. Na Suécia, particularmente, onde a aprendizagem
da leitura não se efetua mais a partir de cartilha, as
avaliações tendem a demonstrar o caráter superior de uma
aprendizagem baseada na descoberta da escrita e de seus
códigos na imprensa.
O objeto livro didático, todavia, permanece mágico e
intocável. Como explicar de outro modo as tiragens e a
longevidade, para tomar o caso da França, dos livros de
história de Mallet-Isaac, dos métodos de inglês Carpentier-
Fialip, dos trechos escolhidos de Lagarde e Michard? Claro,
estas obras possuem qualidades inegáveis. Elas suscitaram ao
mesmo tempo um fervor que marcou sua época e uma
exasperação equivalente. Sobre este último ponto observar-se-
á, por exemplo, que estas mesmas obras eram utilizadas nos
departamentos de ultramar, como na África francófona, e que
elas contribuíram para uma uniformização cujo exemplo mais
estarrecedor diz respeito aos ancestrais gauleses de todas
essas populações...
Porém, a interrogação sobre os livros didáticos vai além
de experiências comparativas com outras fontes de
informação e de suas avaliações nos sistemas educativos. A
questão que se coloca no plano pedagógico poderia ser
resumida da seguinte forma: por que não partir mais (ou tanto
quanto) de materiais brutos que nos oferecem (que nos
"impõem") as mídias para aprender a estruturar os
conhecimentos, para aprender a se distanciar das
informações e submetê-las a uma abordagem crítica? É
preciso reconhecer que nos achamos diante de uma atitude
diametralmente oposta àquela, cheia de respeito, que suscita
o livro didático tradicional. Neste último caso, somente o
professor está autorizado a emitir reservas sobre a
respeitabilidade do objeto. Melhor ainda, sua capacidade de,
eventualmente, contestar o livro didático propulsa-o para um
mundo inacessível ao aluno. Trata-se então de um diálogo de
cúpula, de um espetáculo ao qual o aluno, maravilhado ou
exasperado, é convidado a assistir. Mas um diálogo no qual
ele não poderia, ele, o aluno, ter a menor voz...
Compreende-se bem aqui, em contraponto, a intuição
dos pedagogos da Escola Nova, notadamente C. Freinet, que
imaginavam um saber descoberto pela criança que
consignaria suas hesitações, interrogaria aqueles que
"sabem", e, com o "companheirismo" do professor (ou, se
preferirmos, seu acompanhamento "metodológico"),
estruturaria seus conhecimentos. A ilustração perfeita dês-.
sés procedimentos se acha nas famosas brochuras da
Biblioteca do Trabalho (BT), obras de iniciação e de ajuda
mútua de crianças que se colocam todas as questões que
lhes venham à mente sobre o assunto, brochuras muitas
vezes copiadas por editores que não podem, por definição,
encontrar nem o tom nem a imaginação alegre e grave dos
autores mirins.
Mas o argumento mais perturbador daqueles que
contestam a confiabilidade dos livros didáticos gira
incontestavelmente em torno dos estereótipos que eles
instilam de maneira mais insidiosa do que as mídias
justamente porque as mídias têm menos a pretensão de
dizer a verdade e porque a concorrência as leva, malgrado
elas, a certa modéstia. O livro didático, ao contrário, afirma o
que se deve pensar em um dado no momento da história.
As análises de conteúdo efetuadas sobre todas as obras —
de história e de letras, certamente, mas também de
ciências e de matemática — revelam representações
orientadas e que, às vezes, se prestam a confusão. O modo
como Clóvis, desde o século XIX, será reivindicado pelos
partidários da República e pelos da Igreja nos livros
didáticos ou nos livros de história (Martin, Michelet, Duruy,
Lavisse...) aparece, por exemplo, como o contra-argumento
típico dos que acreditam na "objetividade" do livro didático
oposta à cegueira das mídias. Não estamos ao contrário
bem fundamentados ao sugerir que o tratamento da
atualidade pelas mídias, porque conhecemos bem suas
limitações, sua falta de distanciamento, induz a uma prudência
crítica em um leitor atento? O perigo não viria, porém, muito
mais da inibição provocada por objetos consagrados como
o livro didático?
Os discursos oficiais administram com prudência esta
evolução. É certo que, na maior parte dos sistemas
educativos dos países democráticos, os textos emanados
dos ministérios da Educação pregam hoje o recurso, por
meio de métodos ativos, à leitura crítica da imprensa, ao
trabalho sobre a imagem e o som. Certas instruções
datam mesmo do século XIX (por exemplo, em 1887, para
a França). Sem dúvida, segundo a sensibilidade dos
governantes, podemos assistir a avanços ou a regressões
e, do mesmo modo, corpos burocráticos de inspeção
assumem atitudes desiguais. Todavia, é incontestável que
uma real amplitude de trabalho é possível para o professor.
Resta que o ensino livresco continua a beneficiar-se de um
preconceito favorável a priori (ele é mais bem visto por todos
os atores do sistema) e que o recurso a outras fontes de
acesso ao saber, notadamente às mídias, aparece ainda
como sujeita a caução. Analisar este fenômeno nos leva,
aliás, a melhor captar a representação que o professor tem
de seu papel, notadamente em face das expectativas ou
das solicitações discordantes. É importante, porém,
primeiro, compreender quais são as forças de evolução e
de mudança destas mentalidades.
Na maior parte dos países, um conjunto de organizações
privadas ou públicas contribuem a estruturar o debate para
acompanhar as demandas novas. Elas desempenham assim
uma função de mediação, de facilitação das mudanças que
estão por vir. No caso que nos ocupa, um distanciamento de
várias décadas permite apreciar este trabalho.

VI. As instâncias de legitimação do saber

1. As instâncias privadas

Desde o dia em que professores, jornalistas e pais se


perguntaram por que não se utilizava o noticiário e suas
imagens para interessar às crianças, a problemática das
mídias na educação estava colocada. Ora, esta questão é tão
velha quanto as próprias mídias. Ao final do século XIX, a
livraria Larousse havia elaborado um programa pedagógico
de aprendizagem da história e da geografia com professores a
partir de fotos do noticiário. Nos Estados Unidos, o diretor das
escolas públicas de Salem, no Missouri, defendia a utilização
dos jornais em aula, que ele praticava no seu distrito desde
1884. Assinante de 60 jornais diários, ele os distribuía nas
salas de aula e depois pedia aos alunos para contar o que
haviam lido. Tal era o ponto de partida de sua pedagogia, que
ele defendeu em uma série de conferências.
Estes casos isolados são muitas vezes apoiados por
associações. Por exemplo, na França, as associações
profissionais da imprensa se interessam por isso desde o
começo do século XX, inscrevendo este tema em seus
programas de debates a partir dos anos 1960. Os jornalistas
universitários (AJU) e os da Associação de Imprensa e
Informação para a Juventude (APIJ) não hesitaram em
interpelar os poderes públicos, em 1971, durante um colóquio
na sede do jornal Ouest-France. Outras iniciativas em defesa
da introdução da imprensa na sala de aula iriam ser tomadas
pelas organizações patronais da profissão, a partir de 1975.
Certo, imagina-se bem o interesse deste grupo profissional ao
ver assim o Ministério da Educação promover a iniciação dos
alunos à leitura da imprensa, num contexto de crise. Seria
todavia redutor compreender esse fenômeno apenas sob seu
ângulo comercial. A demanda da imprensa estava
incontestavelmente apoiada em argumentos e questões
pertinentes, notadamente sobre o lugar da informação em
uma democracia, sobre a necessidade de formar leitores
críticos e vigilantes. O engajamento generoso de
numerosos jornalistas em estágios de descoberta da
empresa de imprensa, de explicação dos limites da profissão
mostra esta preocupação de fazer partilhar uma profissão.
As associações de professores propunham, por sua
vez, cada um no seu campo disciplinar, um trabalho
metodológico suscetível de fazer evoluir a relação com as
mídias. Certo, alguns professores pareciam mais preocupados
do que outros (a geografia, por exemplo, quando um conflito
modifica fronteiras, ou as ciências econômicas e sociais, às
voltas com o noticiário) mas muito rapidamente em quase
todas as disciplinas os relatos de experiências publicados
pelas associações incitavam a superar a controvérsia das
mídias em concorrência desleal com a escola.
O trabalho de vanguarda mais intenso, no entanto, foi
fornecido provavelmente em nível de ensino fundamental
com os movimentos pedagógicos saídos do meio cooperativo.
Numerosas crianças foram assim beneficiadas por
abordagens originais para compreender e por vezes fabricar
suas próprias mídias nas aulas, que tomavam por base a
pedagogia Freinet, o grupo francês de Educação Nova, os
Cooperadores ou os Çadernos Pedagógicos, para citar
apenas os mais conhecidos.
Os sindicatos de professores, depois,
progressivamente, as associações de pais de alunos
valorizaram essas práticas, que, na falta de contar com
unanimidade, se beneficiavam de um olhar favorável da maior
parte dos parceiros a partir dos anos 1980. Observar-se-á que
na maioria dos países democráticos um calendário bastante
próximo permitiu uma tomada de consciência e uma
mobilização de vanguarda que facilitaram em seguida a
emergência de instâncias oficiais de legitimação.
O ensino católico propôs, por sua vez, também desde
os anos 1960, trabalhos teóricos e práticos sobre as mídias,
notadamente por intermédio do Instituto da Linguagem Total.

2. As instâncias públicas

Consideraremos que uma instância pública educativa


(oficial) participa deste processo de legitimação desde o
instante em que, em seu orçamento, recursos são alocados
para a promoção da utilização das mídias no ensino.
Distinguiremos aqui as "organizações internacionais" das
estruturas educativas dependentes dos ministérios da
Educação. Com efeito, o trabalho iniciado pelas organizações
internacionais, como a UNESCO e o Conselho da Europa,
desde sua criação nos anos 1945/50, é tanto mais lógico
quanto se inscreve, em muitos aspectos, nas próprias
missões desses organismos. O objetivo atribuído à Unesco é
o de contribuir para a manutenção da paz, estreitando por
meio da educação, da ciência, da cultura, das ciências sociais
e da comunicação a colaboração entre as nações. Uma
reflexão sobre as mídias encontra, assim, naturalmente, seu
lugar entre um programa consagrado à "alfabetização" e outro
aos "direitos humanos". Mesma sensibilidade no Conselho da
Europa, que tem por missão realizar uma união mais estreita
entre os Estados membros para salvaguardar e promover
ideais e princípios que são seu património comum e favorecer
seu progresso econômico e social num quadro pan-europeu.
Os programas destinados à juventude predispõem, com
efeito, o Conselho a imaginar uma educação que inclua a
dimensão das mídias.
A lógica de um ministério é completamente outra. Lógica
de gestão que acompanha a vida cotidiana, na França, de
cerca de 15 milhões de jovens. Lógica pedagógica também.
Mas, com certeza, mais eficaz para organizar a vida dos
estabelecimentos, para estabelecer as regras do jogo, do que
para inovar. Todavia, esta dimensão não está ausente, ela é
desenvolvida por organismos consagrados especialmente a
este objetivo. No que diz respeito a nosso tema, nós
mencionaremos:
— A Rádio e Televisão Escolar. Este serviço produziu, a
partir dos anos 1960, numerosos programas de sensibilização
para as mídias e para a sua utilização em sala de aula,
principalmente sob a forma de "oficinas de pedagogia" para
professores. O estatuto e a denominação deste órgão se
modificaram, ele pertence hoje ao Centro Nacional de
Documentação Pedagógica (CNDP). A rede constituída pelos
Centros Regionais de Documentação Pedagógica (CRDP),
por outro lado, foi muitas vezes determinante para a
evolução das mentalidades. Citemos, como ilustração, nos
anos 1970, uma operação do Centro Regional de
Clermond-Ferrand, "França em face do futuro", que
combinava a televisão, o rádio, a imprensa regional com
documentos de acompanhamento para que os alunos da
região (terceira, quarta, quinta e sexta séries do ensino
fundamental) aprendessem a estruturar seus saberes. Hoje,
o Centro Nacional beneficia-se de uma ligação privilegiada
com os canais públicos para promover uma educação que se
inscreve numa orientação geral de "saber, de conhecimento
e de lazer".

— Outro exemplo, a corrente teórica vinda da Iniciação à


Comunicação Audiovisual (ICAV) do Centro Regional de
Bordeaux.
— Os colégios agrícolas, desde os anos 1960. têm
implementado o programa de educação para as mídias, apoiando-
se notadamente na leitura crítica da imprensa e na linguagem das
mídias. O Ministério da Agricultura conseguiu integrar esta
pedagogia na vida cotidiana dos estabelecimentos.
— Uma operação financiada de modo interministerial, o
programa Jovem Telespectador Ativo (JTA), incitou, a partir de 1975,
os diversos atores a refletir sobre a recepção da televisão pelas
crianças. Os pais foram associados estreitamente ao conjunto da
experiência.
— A criação, em 1982, do Centro de Ligação do Ensino e
dos Meios de Informação, CLEMI, pelo Ministério da Educação
nacional. A este Centro foi confiada a missão "de promover,
notadamente por ações de formação, a utilização pluralista dos meios
de informação do ensino a fim de favorecer uma melhor compreensão
pelos alunos do mundo que os cerca, desenvolvendo ao mesmo
tempo seu senso crítico"25.

Note-se que o CLEMI não aborda o conjunto da


problemática das mídias e da escola, mas apenas um campo
específico, transversal, particularmente importante para a
iniciação à democracia, à consciência política: a informação.
Em compensação, este trabalho é apreendido a partir do
conjunto dos suportes midiáticos: imprensa escrita, rádio,
televisão etc. O CLEMI tem hoje missão do Ministério da
Educação nacional para organizar a educação para as mídias
na França.

V. A escolarização do saber

25 Portaria ministerial de 26 de abril de 1983 confirmada pelo


decreto de 25 de março de 1993.
Por um efeito pendular bastante clássico, alguns temem
ver imposto amanhã o que era proibido ainda ontem. Ou, dito
de outra forma: se o estudo das mídias se tornasse
obrigatório, estamos bem certos de que ele teria ainda algum
interesse? O vigor das mídias não vem justamente de uma
lógica que não diz respeito à escola, mas a públicos que
decidem com toda liberdade ligar suas televisões ou comprar
um jornal? Forçoso é constatar que este cenário, embora não
pareça ser pertinente hoje, coloca um problema real. Com
efeito, a lógica escolar pode se revelar temível. Podemos
imaginar sem dificuldade amanhã temas tratando
sistematicamente das mídias no baccalauréat [exame
correspondente ao ENEM], cursos magistrais bem
experimentados, textos oficiais arranjados. Tal cenário,
sempre possível, seria consternador. Porém, desde sempre, a
lógica da escola leva à escolarização. O exemplo da filosofia é
significativo. Pierre Hadot mostra como, na filosofia antiga,
passou-se bruscamente de um modo de diálogo no qual se
interrogava sobre a vida e a morte à era dos comentários, lá
pelo século II a.C.: "Doravante não se discutem mais os
próprios problemas, não se fala mais diretamente das coisas,
mas do que Platão ou Aristóteles ou Crísipo dizem dos
problemas e das coisas". A questão: "O mundo é eterno?" é
substituída pela questão exegética: "Pode ser admitido que
Platão considera o mundo eterno, se ele admite um Artesão
do mundo no Timeu"26.

26 Pierre HADOT, Qu'est-ce que la philosophie antique?,


Gallimard, Folios, 1995, 234. [Ed. bras.: O que é a filosofia
Temos aqui uma ilustração desta lógica dos
professores que sem dúvida, tem sua razão de ser como
conhecimento científico, mas é fatal para a espontaneidade
do desejo de aprender. Não é por acaso, aliás, que as
pedagogias novas criticam vivamente esta tendência à
"escolástica" que caracteriza, segundo seus representantes,
um dos males mais graves de que sofre a escola.
Conservemos no momento esta advertência na memória;
tentaremos posteriormente trazer alguns elementos de
resposta.

antiga? Loyola, 1999.]


Capítulo 3

Os programas de educação
para as mídias

Alguns consideram hoje que as mídias deveriam


constituir uma disciplina autônoma nos sistemas educativos.
Daí o interesse em conhecer os problemas de educação para
as mídias tal como são propostos hoje em certo número de
países. Os argumentos, como veremos, são fortes. Todavia,
para medir o alcance de eventuais decisões nesse sentido,
não é inútil nos interrogarmos sobre o que significa
exatamente uma "disciplina": Como nascem as disciplinas?
Como, por exemplo, o "Francês" se constituiu numa
disciplina? Descobre-se, então, com efeito, que uma longa
gestação precede o que nos parece agora evidente, "natural".
Por outro lado, não seria artificial raciocinar sem levar
em consideração um movimento que se desenha nos
sistemas educativos contemporâneos: a reivindicação de
um remanejamento profundo da organização geral dos
conteúdos? Não haveria urgência em fazer entrar pela porta
da frente "novos saberes" (citemos, a título de exemplo, a
educação para a saúde, a educação para o consumo...)
que correspondem a uma demanda essencial de nossa
época? Dito de outra forma, é possível isolar esta reflexão
sobre as mídias sem levar em conta as turbulências que
agitam a escola?
Antes de abordar essas diferentes questões,
notemos que, no tocante às mídias, a situação não se
apresenta da mesma maneira no ensino fundamental,
onde o professor gere seu tempo conforme sua
conveniência, e no ensino médio, onde as limitações das
disciplinas impõem outras abordagens que descreveremos
adiante.

I. As disciplinas têm uma história

A história das disciplinas leva a relativizar estas


diferentes demandas. Para tomar apenas um exemplo,
aprender a ler e escrever em sua língua materna é, na
França, uma inovação bastante recente 27. No começo da
nossa era, nas partes meridionais da Gália, a criança,
muito cedo, nos meios abastados, era confiada a uma
serva ou a um escravo que lhe ensinava a língua grega,
mais raramente a língua romana. O ensino da retórica, até
a época de Cícero, ou da medicina, até o século IV d.C.,
era ministrado exclusivamente em grego. O imperador
romano Marco Aurélio registra seus pensamentos em
grego, enquanto Roma estende seu império sobre o mundo

27 L 'enseignement et l'éducation en France, des origines à Ia re-


naissance, t. 1, Nouvelle Librairie de France, 1981, 83.
ocidental. Podemos aqui avaliar com clareza, o quanto a
fascinação de um modelo pesa sobre a educação e
contribui para orientar decisões que engajam o futuro. Por
definição este parâmetro evolui. Hoje, o inglês ocupa esta
posição no que se refere às línguas. Há pouco tempo, o
francês desempenhava este papel. Nikolai Gogol descrevia
nestes termos o deslumbramento pela língua francesa nos
anos 1830 na Rússia: "Madame Manilov, em seu
pensionato de moças, tinha aprendido as três matérias que,
como ninguém ignora, são os fundamentos das virtudes
humanas: a língua francesa, indispensável à fidelidade
conjugal, o piano, para dispensar ao esposo agradáveis
momentos, e, enfim, o ensino doméstico propriamente dito,
isto é, o tricô"28.
Seria, no entanto, equivocado acreditar que o
"francês" era ensinado na França na mesma época com a
coerência disciplinar de que se reveste hoje. Ásperas
negociações precederam esta emergência. Foi por volta
de 1870 (para o primário) e em 1900 (para o secundário)
que se impôs a representação que temos atualmente
desta disciplina29. Será mesmo preciso esperar os anos
1920, nas escolas, e os anos 1930, nos liceus, para
constatar alguma frequência do emprego do termo nas
circulares oficiais. Nenhuma dúvida de que o ensino das

28 Nikolai GOGOL, Lês ames mortes, Club Français du Livre,


1966, 31. [Ed. port: Almas mortas, Estampa, 1993.]
29 Dan SAVATOVSKY, Langages, revue trimestrielle, Larousse,
1995.
línguas vivas (alemão, inglês, espanhol, italiano...) ajudou,
por comparação, a uma representação coerente de uma
disciplina que se intitula hoje "Francês".
Que sentido poderia então ter em nossa época a
emergência de uma disciplina nova centrada nas mídias?
Quais seriam os seus conteúdos? O argumento da urgência
é avançado em primeiro lugar pelos promotores desta ideia,
na França como no exterior. Urgência de não mais deixar
nosso cotidiano ser invadido por mídias que
determinariam cada vez mais nossas representações,
nossos reflexos cotidianos, sem que a escola intervenha
para propor um distanciamento. Trata-se da própria
credibilidade da instituição escolar, que tem por missão,
entre outras, estruturar os eventuais saberes colhidos ao
acaso na frequência às mídias. Tratar-se-ia por isso de
um combate?
O pressuposto dos adultos é que as crianças são
frágeis diante das mídias. Tudo leva hoje a inverter a
proposição: e se os adultos estivessem mais
desamparados do que as crianças? Não estamos aí diante
de um problema complexificado pelo parâmetro das
gerações? As pesquisas recentes sobre a recepção da
televisão revelam, no que se refere às crianças, ao
mesmo tempo uma impregnação perigosa diante dos
"modelos de sociedade"30 e, também, uma capacidade

30 M.-J. CHOMBART DE LAUWE, C. BELLAN, Enfants de l'ima-


ge, Payot, 1979.
crítica surpreendente31. O "efeitos especiais", no cinema
como na televisão, são, por exemplo, perfeitamente
decodificados e compreendidos pelos jovens que falam
disto entre eles, que comparam espontaneamente um
programa a outro. Observe-se sobretudo que o meio
ambiente, em particular o ambiente de recepção — só, em
grupo, em família —, é capital na gestão do impacto das
mensagens, no distanciamento "natural" que o sujeito vai
elaborar.

II. Os programas de educação para as mídias

Os diferentes programas de educação para as mídias,


que existem no mundo — dos quais se propõe abaixo um
"resumo — apresentam conjuntos de argumentos bastante
próximos. Oriundos na maior parte dos casos de relatórios
oficiais encomendados por ministros de Educação, eles
trazem a marca de suas origens. Eles tentam sínteses de
expectativas contraditórias, buscam traduzir evoluções que
parecem inelutáveis, mas são também ferramenta de
estratégia para sacudir os sistemas pesados, para
contornar grupos de pressão suscetíveis de impedir
qualquer movimento. Estes programas constituem
referências, recomendações; eles só se traduzem
parcialmente hoje na realidade escolar dos países

31 François MARIET, Laissez-les regarder la télé, Paris, Presses-


Pocket, 1990.
concernentes. Essas diretrizes, estes textos oficiais, venham
eles do Canadá ou da Austrália, da Bélgica ou da Grã-
Bretanha, têm um primeiro mérito. Eles ressaltam que, em
todas as partes, as mídias dizem respeito à escola32.

1. Os objetivos

O primeiro argumento desta educação está


baseado na constatação do lugar das mídias na vida
cotidiana. Ele é legítimo, é dever da escola ensinar o aluno
a ser "um espectador ativo, um explorador autônomo e um
autor, da comunicação midiática" (Bélgica). A competência
ideal que a escola deve contribuir para formar constitui-se
em preparar a ação preventiva — alertar o jovem contra
diversas formas de influências ou de manipulações
midiáticas — mas sobretudo torná-lo apto a uma atitude
criativaem face das mídias, isto é, capaz de se apropriar de
um máximo de informações originais a partir de uma visão
pessoal de qualquer tipo de documento midiático.
Uma das intenções mais importantes destes
programas consiste em favorecer a tomada de consciência
de que nós somos todos o "alvo das mídias". Nós somos
"procurados como destinatários de mensagens concebidas
32 Na descrição abaixo faremos referência em particular ao Guide
pour l'usage des moyens de communication, Ministério da Edu-
cação e das Ciências, Madri, 1994; La compétence médiatique,
cycles intermédiaire et supérieur, Ministério da Educação, On-
tário, 1989; L'Éducation à l'audiovisuel et aux médias, Fondati-
on Roi-Baudouin (Bélgica), 1996.
para nós numa lógica comercial concorrencial" (Bélgica).
Assim, é indispensável distanciar-se para apreciar as
mensagens. Neste contexto, cujo desenvolvimento
vertiginoso podemos avaliar com as novas mídias, as
infovias, auto-estradas da informação, os jovens aparecem
ao mesmo tempo particularmente expostos, visados pelas
mídias em prioridade como compradores, mas também
aptos, por suas práticas comparativas, a desenvolver
reflexos que surpreendem os adultos. Trata-se, pois, aqui
de um esforço de comunicação entre as gerações, para o
qual a contribuição da escola se definirá pelo método, pela
estruturação, mas no qual é preciso também considerar
que o professor não está necessariamente bem colocado,
bem formado, para abordar estas áreas novas num espírito
construtivo. O exemplo do trabalho sobre a imagem é, a este
propósito, revelador. Não se pode de modo nenhum
contentar-se com uma desconfiança de conveniência com
relação à imagem. Sabemos o quanto seria perigoso limitar-
se, na escola, a uma denúncia dos malefícios da imagem
sem buscar "promover, por análises e práticas, uma
utilização pertinente de uma ferramenta de conhecimentos
tanto mais fascinante que toca o irracional, que se refere
muitas vezes à emoção e ao afetivo" (Ontário). Bem mais,
amanhã, os alunos que formamos tornar-se-ão os artesãos,
os atores de nossas sociedades, das imagens que elas
produzirão...
Por que esta focalização nas mídias? Porque elas não
refletem a realidade. Elas a codificam. As mensagens
midiáticas não são neutras: "Além de nos informar sobre o
mundo, as mídias apresentam maneiras de o perceber e
de o compreender. Este papel das mídias nos força a
revisar a opinião corrente segundo a qual a única função das
mídias é informar ou divertir" (Ontário).
Observar-se-á aqui uma ambiguidade presente na
maior parte destes programas. A referência é quase sempre
às mídias audiovisuais. Aborda-se eventualmente a
emergência dos videocassetes, dos Cds, dos jogos
audiovisuais, porém o escrito é quase ausente, notadamente
a imprensa. O que poderia ser apenas uma escolha
metodológica (parte-se das práticas de lazer de uma
população jovem, e constata-se a importância da televisão)
contribui, em nossa opinião, para tornar bastante desfocada
a percepção de conjunto da problemática. Com efeito, se
enfatizarmos alguns suportes (televisão, cinema, discos...),
estaremos privilegiando certa abordagem em detrimento de
um trabalho sobre os conteúdos que virão depois.
Entramos, além disso, em um debate teórico complexo (o
meio é a mensagem?). Neste sentido pode mostrar-se
interessante acompanhar experiências que tentam não se
deixar encerrar neste debate, partindo do aluno, isto é, de
sua relação com o mundo. Por exemplo, na França, esta é
a abordagem do Centro de Ligação do Ensino e dos Meios
de Informação (CLEMI), que privilegia a noção de notícia
para se interrogar sobre uma educação política por meio
das mídias. Os termos da interrogação estão aqui
invertidos, partimos do sujeito (o aluno) e não do objeto
(as mídias).
Para ser eficazes, tais objetivos devem levar em conta
o desenvolvimento da criança e do adolescente. Como
enunciá-los e segundo qual progressão? As propostas
abaixo traduzem bastante bem uma abordagem
internacional ou consensual, influenciada por instâncias
como a Unesco ou o Conselho da Europa, que
desempenham aqui um papel de harmonização e de
estímulo.

2. Da pré-escola à formação continuada

Os diferentes programas preconizam no conjunto


começar o trabalho sobre as mídias a partir da idade de 5
anos33. É preciso estar consciente todavia de que, bem
antes, já para o bebê, uma multidão de experiências
visuais, sonoras, táteis são fontes de representação do
mundo e, pois, tantas ocasiões de distanciamento. A
linguagem audiovisual, muito presente no universo das
crianças, não suscita a atenção dos educadores
comparativamente ao escrito e à comunicação verbal que
são objeto de procedimentos privilegiados de
aprendizagem. Observa-se assim uma falta de referências
simples, tanto mais deplorável por nos encontrarmos num

33 Leitura de grande interesse sobre o período anterior a 5 anos:


Nicole HERR, J'apprends a lire avec le journal de 2 a 8 ans,
Retz, 1988 [Ed. bras.: Aprendendo a ler com o jornal, Dimen-
são, 1997.]
momento particularmente favorável para a criança que
percebe os exercícios propostos como brincadeiras
divertidas. A partir dos 5 anos, a escola torna-se o lugar de
uma socialização que se traduz pelas múltiplas formas que
tomam os jogos ou brincadeiras. Se a escrita e a leitura
mobilizam a energia do professor e da família por sua
simbologia muito forte (o acesso à nossa cultura), as
atividades de descoberta a partir das técnicas audiovisuais
parecem particularmente adaptadas para uma idade que se
define por ser um "período operatório concreto", para
retomar a expressão de Piaget, por uma primeira
capacidade de relacionar pontos de vista diferentes. Não
esqueçamos tampouco uma liberdade criadora desta idade,
particularmente espetacular, para os desenhos, por
exemplo, suscetível de resultar em trabalhos de
fabricação e de invenção de todos os tipos.
A partir dos 8 anos, aparece uma verdadeira
capacidade de confrontar sua opinião com a dos outros.
Os documentos que facilitam as comparações serão então
procurados... Eles levarão a tomadas de consciência da
pluralidade dos discursos. Eles poderão desembocar na
análise ou na produção de um documento audiovisual
estruturado, na percepção da dimensão emotiva
suscitada pelas mídias, particularmente pela televisão. De
8 a 12 anos, a criança se integra socialmente. Ela descobre
os códigos, as linguagens, imita os adultos em seus
diferentes papeis, mas busca também superar esta
imitação. Assim, podemos considerar que esta é uma idade
bem propícia para iniciar a criança ao alcance cognitivo e
afetivo de cada linguagem.
Mais ou menos aos 12 anos, a criança vive — na
grande maioria dos casos — uma experiência nova com
uma mudança escolar importante. O colégio [equivalente a
5ª à 8ª série] é organizado diferentemente da escola, os
professores substituem a professora única, ensinam
disciplinas, eles são especializados e o raciocínio tende à
abstração, privilegiando o rigor analítico. Afastamento do
concreto, de um lado, necessidade de se definir como
pessoa autônoma e responsável de outro, tantas
dificuldades, às vezes sentidas intensamente, que
provocam formas de instabilidade. É também a descoberta
da complexidade do mundo, e, em breve, antes dos 15 anos,
de sua própria complexidade. Assim, trata-se de uma idade
propícia para "a tomada de consciência das estratégias das
mídias, para melhor avaliar sua situação de consumidor, mas
também de ator potencial, desde o instante em que sejam
implementados projetos de diálogo com um jornal, uma
estação de rádio ou de televisão" (Espanha). É importante
notar que numerosos exemplos já existem neste sentido e
que eles revelam o interesse muito vivo que estes trabalhos
suscitam nos alunos. Não poderíamos formular a hipótese
de que através de tais explorações o adolescente
encontraria meios privilegiados de negociar alguns de seus
próprios conflitos?
Por volta dos 15 anos assiste-se a perturbações
essenciais na relação dos jovens com o mundo. "Eles se
ligam de bom grado a grupos de amigos da mesma idade
e se tornam muito atentos às imagens dos 'modelos' sociais
difundidos pelas mídias" (Bélgica). É sem dúvida também o
momento mais forte para contestar ou se entusiasmar por
projetos de vida, muitas vezes generosos, como, por
exemplo, a ecologia, a distribuição das riquezas do
planeta, o desperdício (temas particularmente presentes nos
jornais colegiais); mas também o momento no qual as
determinações ligadas ao meio sociocultural se tornam
preponderantes. Não esqueçamos tampouco a descoberta
progressiva, pelo fim da adolescência, de um paradoxo
muitas vezes vivido como frustração e impaciência: os
jovens se acham mantidos num estatuto de conotação
infantil pelas instituições civis (a escola, a família, o
mercado de trabalho...), enquanto eles já são "aparelhados
psíquica e socialmente para agir como adultos" (Bélgica).
Este partilhar da condição de adultos leva o adolescente a
participar cada vez mais dos problemas da vida
contemporânea. Dito de outra forma, a reflexão sobre a
educação para as mídias se confunde insensivelmente
com a formação permanente, desejável para todo cidadão
adulto. É neste momento crucial de transição que os
debates sobre a vida pública, sobre o conhecimento das
instituições políticas e seu funcionamento, bem como
sobre a representação que destes temas dão as mídias,
tornam-se uma exigência da vida democrática.
A divisão em "faixas de idade" apresenta o interesse
de uma pesquisa de adequação entre os diferentes
trabalhos possíveis sobre as mídias e as capacidades
reconhecidas das crianças e dos adolescentes. Todavia, tal
introdução não valoriza suficientemente o caráter
específico desta educação. Em torno de quais temas ela
se articula?

3. Os temas fundamentais

Entre os temas propostos, escolhemos os que são


considerados sistematicamente fundamentais. Em cada
abordagem abaixo, tem-se presente ao espírito uma
progressão que vai da sensibilização ao discernimento e
logo ao domínio (por exemplo, no que diz respeito às
línguas, a sensibilização consistirá em identificar signos,
códigos em documentos audiovisuais, depois a ser capaz
de organizar estes conhecimentos visando comunicá-los,
de os transpor, dominando as estruturas narrativas).

• As linguagens. Os métodos serão baseados,


particularmente, na desconstrução e na construção
das mensagens.
• As tecnologias. A ideia aqui é aprender e ensinar a
utilizar as tecnologias de uso corrente ligadas à
vida cotidiana, mas, sobretudo, também
compreender o funcionamento das grandes
tecnologias midiáticas, de dessacralizar as
ferramentas.
• As representações. Este tema, extremamente
rico é, sem dúvida, um dos eixos fundadores do
trabalho sobre a educação para as mídias. Len
Masterman, um dos pioneiros deste trabalho,
resume-o nestes termos: "O estudo das mídias
repousa sobre o postulado de sua não-
transparência, isto é, o postulado de que elas
modelam os temas que apresentam para lhes dar
uma forma particular. Tudo decorre deste postulado
segundo o qual as mídias representam, mais do
que refletem, a realidade (...) Sem este primeiro
princípio, não existe educação para as mídias. Se
as mídias fossem 'janelas abertas para o mundo',
ou simplesmente se refletissem a realidade, não
haveria mais interesse em estudá-las do que em
estudar um vidro. Não poderíamos realmente
estudar as mídias partindo de tal base, mas
somente o conteúdo transmitido pelas mídias"34.
Um trabalho sobre as representações pode levar,
por exemplo, a refletir sobre as ideias
preconcebidas antes de abordar um documento;
sobre os efeitos induzidos na apreensão de um
assunto, sobre os processos de influência etc.
• As tipologias. Como caracterizar um documento
audiovisual? Como classificá-lo? Quais categorias
propor? As tomadas de consciência dos gêneros,

34 Len MASTERMAN, François MARIET, L'éducation aux médias


dans l'Europe des années 90, Les Éditions du Conseil de l'Eu-
rope, 1994.
das funções, das ambiguidades, dos procedimentos
narrativos em uso são outros tantos elementos
necessários para melhor discernir o que nos é
proposto pelas mídias.
• Os públicos. Como e por que alguém se dirige a mim
e quem me fala? Desde o momento em que sou um
"público-alvo", tenho sem dúvida interesse em
comparar, em confrontar meu ponto de vista com o
de outros receptores. Do mesmo modo, o contexto
econômico e social da comunicação midiática deve
ser conhecido. Outras questões importantes:
como recebo as mensagens? Sozinho? Em grupo?
Na sala de aula? Com amigos?...
• Os produtores. Todo o documento que me chega
é o resultado de uma fabricação. Quem produz?
Como funciona o mundo da produção midiática?
Em que contexto econômico, jurídico e ideológico
evoluem os fabricantes e os difusores? De onde vem o
dinheiro? Quais são as limitações próprias da
fabricação?

4. A dimensão transversal

Após ter abordado os objetivos e os temas desta


educação para as mídias, podemos avaliar melhor que
tocamos de fato em todas as disciplinas, em todos os
níveis de ensino, o que explica que estes programas sejam
muitas vezes apresentados como uma dimensão
"transversal" da educação. Daí decorre ao mesmo tempo
sua força e sua fraqueza. Michel Pichette, pesquisador da
Universidade de Québec, em Montreal, defende esta
transversalidade nos seguintes termos: "Nos programas
escolares, a educação para as mídias deve e pode recobrir
a totalidade dos conteúdos. Todas as disciplinas são muitas
ocasiões de tratar das mídias, do mesmo modo que elas
são, há muito tempo, ocasião de desenvolver o domínio da
língua materna. Do ensino de matemática ao estudo da
geografia, da ecologia urbana, da história ou da língua
materna, todas as disciplinas podem concorrer para uma
alfabetização para as mídias"35.

35 Michel PICHETTE, Apprendre à vivre avec les médias, une ur-


gence pour l'école et Ia démocratie, L'école et les médias, Mé-
diasPouvoirs (nº especial 1995) 126.
Capítulo 4

Abordagem das mídias e metodologias

Quais métodos utilizar para trabalhar sobre as mídias


na escola? Embora seja quase impossível abordar aqui
questões de metodologias das ciências sociais, é
importante, pelo menos, lembrar que a posição do
professor que trabalha sobre as mídias se inscreve numa
lógica de pesquisa, que exige ferramentas que devem ser
definidas. Assim, podemos tirar proveito de certo número
de advertências tanto mais pertinentes por ser a área
explorada carregada de irracionalidade.
As poucas ilustrações que servirão de exemplo dão
uma idéia dos numerosos trabalhos que se realizam nesta
área, na escola.

I. Os referenciais implícitos

Já vimos o quanto a relação com as mídias pertence


ao domínio do passional. O corolário desta dimensão
afetiva é que muitos relatórios com discursos "científicos"
utilizam ferramentas (pesquisas, sondagens, análises de
conteúdo...) muitas vezes fabricadas às pressas e muito
pouco convincentes. Estes trabalhos têm mais a ver com
polêmicas ou fábulas do que com um trabalho rigoroso. O
exemplo típico, muito citado, são as afirmações de D. G.
Treicher, que declara: "Nós aprendemos em 1% dos casos
pelo gosto, 1,5% pelo tato, 3,5% pelo olfato,11% pelo
ouvido e, em 83% dos casos, pela vista. As pessoas retêm
cerca de 10% do que lêem, 20% do que ouvem, 30% do
que vêem, 50% do que vêem e ouvem,70% do que dizem
e 90% do que dizem fazendo as coisas" 36. Este tipo de
proclamação é lamentável, sem base de experimentação,
ilusória.
O pesquisador escrupuloso pode, porém, também
tropeçar em seus próprios a priori. Não estamos
permanentemente submetidos a condicionamentos que
nos escapam? É necessário então avaliar a importância
dos referenciais implícitos para tentar ir em direção do
essencial, para utilizar e criar verdadeiras ferramentas de
pesquisa.
Se quiséssemos tomar alguma distância aparente de
nossa proposta, proporíamos de bom grado partir de uma
interrogação filosófica. Com efeito, uma das reflexões mais
importantes que marca a história do pensamento gira em
torno da seguinte questão: como o real se presta à nossa
investigação? Ou ainda: como eu, sujeito, posso aprender,
conhecer, compreender o objeto? Avalia-se assim
rapidamente a complexidade do propósito, a espiral de
problemas colocados quando se pensa nos efeitos de

36 D. G. TREICHER, Are You Missing the Boat in Training Aids?,


1967. Citado por Madeleine Grawitz, cf. abaixo.
espelho, de revelador, das mídias. Exemplo disso é o
pesquisador que formula hipóteses sobre o funcionamento
das mídias, sobre seus discursos, sobre os sistemas que
os regem. Não é ele, em primeiro lugar, o representante
mais ou menos consciente de uma ideologia que está na
moda? São muitos os casos de atitudes coletivas que
parecem ingênuas ou ridículas com recuo do tempo (por
exemplo, a crença no fim da cultura, muito comum no
início do século XX, com a aparição do cinema e das
mídias em geral). A história das ciências sociais pode,
assim, ser interpretada como uma tentativa para tender a
uma objetividade científica que se esquiva. Deste modo,
compreende-se melhor a preocupação em inventar
instrumentos técnicos que responderiam a estes famosos
critérios objetivos. Ainda aqui, infelizmente, escolher
técnicas é, de maneira evidente, colocar-se em uma
situação que não é de modo nenhum neutra, é arriscar
esquecer — como ressaltou Pierre Bourdieu — "aquilo que
as técnicas escolhidas fazem sofrer a um objeto e a
significação teórica das questões que se pretende colocar
ao objeto ao qual são aplicadas" 37. Assim, descobrimos
algumas vezes a posteriori, com distanciamento, que as
técnicas traduzem pressupostos, que elas correm o forte
risco de pré-decupar a realidade e, a este título, exprimir
os mesmos a priori que supostamente deveriam combater.

37 Pierre BOURDIEU, Le métier de sociologue, em colaboração


com J.-C. Chamboredon e J.-C. Passeron, Mouton/Bordas,
1968. [Ed. bras.: A profissão de sociólogo. Vozes, 1999.]
Neste sentido, Madeleine Grawitz pôde falar de um "fim
das ilusões"38: não se trata de uma tendência particular dos
pesquisadores em ciências sociais, diz ela, mas de uma
tendência natural do homo faber. O domínio de uma
técnica, após uma aprendizagem mais ou menos longa,
conduz à crença em suas possibilidades, de onde o risco
de exagerar suas virtudes. Para retomar a fórmula de
Kaplan: dêem um martelo a uma criança e verão que tudo
lhe parecerá merecer marteladas...
Essas poucas ressalvas parecem salutares quando
se aborda os discursos sobre as mídias. Com efeito, é
muito pouco satisfatório inventar ou pregar um
contradiscurso que se oporia ao das mídias a fim de
quebrar o "poder" das mídias. O registro seria ainda
aquele da polêmica cujos estragos já podemos apreciar.
Apostemos, ao contrário, que uma primeira descrição
global do objeto a estudar nos levará a descobrir regras,
funcionamentos ou, se preferirmos, um desvendamento do
sistema, muito mais eficaz para se distanciar e ser capaz
de uma leitura crítica.
Assim, nossa proposta é começar qualquer
investigação por uma abordagem global dos fenômenos a
estudar.

II. Uma abordagem global


38 Madeleine GRAWITZ, Méthodes en sciences sociales, Dalloz,
1996, 447.
Por que falar de "abordagem"? Porque este termo
não implica uma grade sistematizada diante de uma
matéria complexa, de difícil compreensão. Comecemos
por uma atitude de flexibilidade, de prudência. Quais são
meus a priori? Quais são as questões pertinentes a
estabelecer? No caso das mídias, qual é o discurso de meu
grupo social? O que se espera de mim? E, em primeiro
lugar, buscar se situar: quais são as finalidades, os
objetivos que busco realizar?
Assim, como para toda pesquisa em ciências sociais,
encontra-mo-nos confrontados ao que pensamos, ao que
esperamos ou tememos, com opiniões e atitudes
particularmente difíceis de desnudar. Tanto mais que
pertencemos a uma época que possui sua própria
mitologia e, se é fácil perceber os erros coletivos que o
tempo nos permitiu avaliar, às vezes em sua dimensão
trágica, o exercício é bem menos fácil quando se trata do
presente, quando a distância não nos é dada. A evidência,
particularmente, é má conselheira. A evidência, com efeito,
é que o sol gira em torno da terra e, uma vez que é isto que
eu vejo, não vale a pena colocar um falso problema. É,
pois, indispensável duvidar sempre, principalmente porque o
que buscamos estudar parece já construído. Para retomar
um estudo célebre de Pierre Bourdieu e J.-C. Passeron,
uma pesquisa sobre ensino público na França que se
limitasse à descrição da organização e dos princípios
enfatizaria seu caráter democrático, gratuito, aberto a
todos, portanto profundamente igualitário. Nós
aprendemos, no entanto, graças ao sociólogo, que o sistema
funciona prioritariamente para os "herdeiros", que os critérios
de seleção favorecem determinada classe social. Todavia,
note-se, seria inexato limitar-se a um esquema simplista de
reprodução que não explicaria por que uma porcentagem
significativa (cerca de 15%) desafia esta lógica e possibilita a
jovens oriundos dos meios desfavorecidos alcançar um alto
nível nos cursos universitários clássicos39. Temos aí uma
espécie de resumo das dificuldades de abordagem de
objetos de pesquisa aparentemente simples.
É preciso, pois, interrogar-se sobre o próprio
significado dos métodos de desvelamento que desejamos
utilizar para as mídias. Observemos que eles se relacionam a
uma concepção de conjunto, do todo, a uma visão do lugar
do ser humano na sociedade, às vezes a esquemas
teóricos muito elaborados que é útil ter em mente no
momento de começar uma pesquisa. Para resumir,
destacaremos ao menos quatro correntes que podem,
evidentemente, se superpor, se cruzar.

— A corrente tecnológica, por definição, tem tendência a


colocar a ênfase nas ferramentas. Como funciona um
programa de televisão? Quais são as limitações? Como
a imprensa é fabricada?... As pesquisas e os métodos

39 Este fenômeno foi estudado por Bernard CHARLOT, Élisabeth


BAUTIER e Jean-Yves ROCHEX em École et savoir dans les
banlieues et ailleurs, A. Colin, 1992.
oriundos desta problemática trarão inicialmente
elementos de compreensão sobre as atividades das
mídias.
— A corrente inspirada na linguística, na semiologia, na
pragmática enfatizará os discursos das mídias, a
especificidade de um modo de expressão com relação a
um outro, o contexto, as tipologias...
— A corrente inspirada na sociologia e na reflexão sobre
os sistemas tenderá a colocar em evidência as forças
sociais em ação no caso das mídias. Poder-se-ia
considerar, por exemplo, que a reflexão realizada pela
Unesco nos anos 1980, em torno de uma nova ordem
social de informação, pertence a esta lógica. Este
trabalho provocara vivas tensões em favor de um
"reequilíbrio" Norte-Sul, que foi determinante para a retirada
americana da Organização. As pesquisas efetuadas com
esta orientação ressaltam os funcionamentos (ou, se
preferirmos, os disfuncionamentos) de nossas
sociedades, as lógicas dos sistemas com suas
construções subjacentes, seus filtros.
— A corrente inspirada nas práticas de campo, empíricas,
de uma comunicação de proximidade, convivial vai, ao
contrário, colocar a ênfase na necessidade de criar suas
próprias mídias, na dimensão lúdica e em seu
prolongamento educativo natural. Ela se oporá
naturalmente a uma teorização logo julgada ineficaz,
apesar de encontrarmos nela, bastante facilmente, uma
inspiração rousseauniana, uma abordagem de tonalidade
ecológica. As pesquisas que se inscrevem nesta corrente
enfocam a construção da personalidade, a preservação
do "eu"; os reflexos de distanciamento, a pesquisa de
processos que respeitem a dimensão humana, oposta a
uma tecnologia devastadora.

É útil ter presentes ao espírito estes diferentes


modelos de explicação, que são também "estratégias de
despertar", para retomar a fórmula feliz de Christian
Hermelin que aponta o fato de que a partir de práticas
metódicas aparentemente neutras trata-se de saber aquilo
que o professor contribui para difundir em matéria de
concepção das mídias e de seus usos.
Esta questão foi abordada com frequência pelos
pesquisadores. Como o professor pensa transmitir ou
partilhar esta educação para as mídias, qual visão de
conjunto ele tem de seu papel? Bruno Ingeman, pesquisador
da Universidade de Roskilde (Dinamarca), propõe, por sua
vez, três categorias de abordagens práticas que têm o
mérito de ser suficientemente gerais para facilitar uma visão
de conjunto:

— Uma primeira série enfatiza a análise do produto e as


dimensões econômicas e ideológicas para fazer
compreender os mecanismos do sistema midiático e o
papel das mídias na sociedade.
— Uma segunda série destaca a experimentação e o prazer
do processo criativo, o que permite ao aluno descobrir-se e
descobrir um espaço potencial, ressaltando os aspectos
de motivação, eventualmente a dimensão terapêutica.
— Uma terceira série insiste no processo de comunicação e
na importância do receptor, para ressaltar a dimensão
relacional, de troca entre parceiros. Trata-se aqui de
mostrar como se sai do quadro escolar dos exercícios,
cuja recepção é em geral puramente formal, para
descobrir uma comunicação "verdadeira"40.

Tomemos agora um exemplo de procedimento


metodológico a partir de uma noção central para o nosso
estudo: o tratamento do "evento" nas mídias.

III. Compreensão do evento

Colocar em evidência regras que regem o


aparecimento de um "evento" nas mídias é uma ilustração
deste trabalho metodológico,que pode ser proposto de
maneira transversal, e que diz respeito tanto a uma
criança das séries iniciais do ensino fundamental quanto a
um aluno do último ano do ensino médio, mesmo se for
evidente que uma progressão se impõe. Além disso,
segundo a disciplina de partida (francês, línguas,
matemática, artes plásticas...), variações específicas

40 Bruno INGEMAN, Practical Work in Media Education in Com-


munications Studies, Roskilde University (Dinamarca), 1990 (ci-
tado por Anita Eriksen Terzian, cf. abaixo).
poderão se acrescentar a esta primeira abordagem.
Uma outra razão não negligenciável da importância de
uma reflexão sobre tal assunto é que a própria noção de
"evento" é radicalmente estranha à lógica do ensino 41. A
escola se ocupa dos saberes duráveis e voltar-se para o
efêmero aparece, para alguns, como uma traição da
missão da instituição. No entanto, quando se considera que
para além do fugidio se desvela a permanência das
estruturas que constróem o evento, oscilamos para uma
visão nova das mídias. Não estamos, então, num campo
que diz respeito ao conhecimento elementar das nossas
sociedades, particularmente do político? Dito de outro
modo: que sentido teria ainda uma escola que não
ensinasse esta distância crítica, mínima ao futuro cidadão
para que seja um pouco menos logrado pelas manipulações
jornalísticas?
No plano metodológico, Christian Hermelin sugere uma
leitura dos eventos cotidianos (a partir do exemplo da queda
do regime Ceausescu em 1989 na Romênia) em doze
pontos de impacto da "midiatização do desenvolvimento dos
fatos":

— A informação acarreta a propagação. Os romenos


sabiam da situação que se desenvolvia nos países
vizinhos, teoricamente submetidos ao poder de Moscou.
Existe aí uma incitação à ação.
— A midiatização acarreta uma aceleração. A propagação

41 Christian HERMELIN, Apprendre avec l'actualité, Retz, 1993.


de uma informação tão importante como a queda do
muro de Berlim subverte os esquemas, os hábitos de
pensamento. Tudo é possível e a informação age como
uma forte onda, ela provoca uma dinâmica.
— As mídias instrumentalizam a ação. A imagem das
manifestações constitui um convite a unir-se aos
manifestantes. A midiatização torna-se meio de
governo, instrumento de diplomacia.
— As mídias tornam-se ferramentas de exibição. Exibir os
cadáveres de Nicolau e de Helena Ceausescu era a prova
de que o regime estava vencido. Do mesmo modo que o
espetáculo público da guilhotina, assiste-se aqui a uma
simbólica violenta da tomada de poder ou de sua
manifestação indiscutível.
— As mídias revelam o oculto. É preciso apresentar provas
novas, desencavar fatos comprometedores. A sinistra
montagem da vala comum de Timisoara se liga, em parte,
a esta lógica do desvelamento a qualquer preço. Pode-
se avaliar particularmente aqui os riscos de um
funcionamento que se aflige e que, submetido à
pressão da concorrência e da urgência, se afasta
rapidamente de um trabalho controlável em termos
profissionais.
— A relação midiática acarreta a espetacularização. Além da
exibição, existe a espetacularização com suas regras
de funcionamento que vão, por exemplo, até a
estratégia do horário certo para atingir o maior público
possível.
— As mídias autocelebram sua presença. Trata-se aqui de
mostrar que nos encontramos bem no coração do
evento, de exibir os dispositivos, as ferramentas técnicas
colocadas em funcionamento, a seriedade e a
legitimidade natural que decorre da própria existência
das mídias.
— As mídias têm tendência à intervenção. A regra, cada vez
mais, parece ser, para o jornalista, intervir esbanjando
conselhos ou admoestações. Durante o desenrolar da
"revolução" romena era considerado normal que o
jornalista se tornasse, assim, ator dos eventos.
— As mídias acarretam movimentos de participação "comunial".
A espetacularização dos fatos acarreta uma
participação emocional que se traduz por movimentos
de solidariedade ou de rejeição. As mídias são assim
levadas a administrar, ao menos parcialmente, esta
dimensão que elas contribuem fortemente a suscitar.
— A midiatização acarreta uma modificação das
representações. Em dez dias do mês de dezembro de
1989, as ideias que podíamos ter sobre a Romênia e
sobre os países comunistas foram bruscamente
modificadas. Não se pode subestimar que mesmo o
ensino de disciplinas como a história se acha confrontado
a uma expectativa nova, mas com julgamentos tanto
mais frágeis ou apressados por terem sido vividos de
modo emocional.
— Um evento midiatizado faz desaparecer outros eventos.
Este fenômeno de ocultação aparece, por exemplo, com
a pouca atenção concedida à intervenção dos
comandos americanos no Panamá, no dia 20 de
dezembro de 1989, e, logo após, à queda do general
Noriega. As análises de conteúdo são particularmente
úteis para colocar em evidência esta dimensão do
funcionamento das mídias.
— As mídias modificam a relação com a história. A lógica do
jornalista o leva a qualificar de históricos todos os
eventos que ele relata. Se podemos compreender
facilmente este fervor pelo momento vivido, é preciso
não esquecer que o tom do comentarista provoca um
estranho sentimento de que, às vezes, tudo é posto
no mesmo plano. Os eventos romenos da mesma forma
que uma etapa do Tour de France. A hierarquização dos
fatos é assim modificada pelo comentário instantâneo dos
eventos. O discurso midiático modifica o sentido da
história.

Considerando que uma grade de leitura como esta


esclarece e traz uma consciência do funcionamento das
mídias, podemos apreciar sua dimensão educativa, sua
força de desvelamento. Ora, parece evidente que numerosas
variações ou exercícios podem ser propostos a partir deste
modelo. Por exemplo, é surpreendente constatar a
automidiatização que toma formas bastante semelhantes na
ocasião de uma eleição nacional (onde se vai mostrar à
vontade o dispositivo implantado, sua fiabilidade, sua
eficácia) ou na programação de uma guerra, como no caso
da guerra do Golfo (na qual tivemos direito a jornalistas
uniformizados que pareciam assim mais "verdadeiros", à
espetacularização de uma informação perfeitamente
controlada pelo exército americano que funcionava como
agência de notícias).
Estes elementos de análise contribuem eficazmente
para um distanciamento crítico, para uma exigência que
desmonta, em parte, a manipulação. Assim, começando por
uma descrição e uma classificação, todo o trabalho sobre as
mídias ganha em clareza e em rigor.

IV. Descrição, classificação e pesquisa


Se a descrição representa a fase menos elaborada da
ciência, nem por isso ela deixa de ser o momento
privilegiado no qual se toca na complexidade de um objeto,
quando insensivelmente vão aparecer as noções de
hipótese e de problemática que levam a uma verdadeira
pesquisa. Mas não se pode descrever tudo. É preciso, pois,
interrogar-se sobre a conceitualização que se tem do
assunto e sobre a classificação, que representa já um
distanciamento. Do mesmo modo que se classifica animais
e plantas, é essencial elaborar uma classificação dos
emissores e dos receptores, tentar aproximá-los o máximo
possível de sua complexidade. Falar-se-á, por exemplo, de
telespectador. Mas não será preciso distinguir
imediatamente vários tipos de telespectador? Para
começar, aquele que assiste negligentemente à telinha
fazendo outra coisa e aquele que, fascinado pela tela, não
suporta ser incomodado. No mesmo modo, a recepção em
família, a recepção solitária e a recepção num local de
convívio são elementos suscetíveis de modificar a relação
com as mensagens.
A análise de conteúdo 42 é um exemplo de aplicação de
pesquisas sobre as mídias. Revelar mensagens ocultas a
partir de uma análise rigorosa de uma descrição
sistemática e, se possível, quantitativa dos discursos é um
trabalho que motivou cientistas políticos há mais de meio
século para conhecer o pensamento dos homens de
Estado, os temas de uma propaganda. Aceita-se com
frequência o exemplo do tratamento dos documentos de
propaganda do regime nazista que teria assim possibilitado
revelar a fabricação e o aperfeiçoamento dos foguetes V2
pelo Serviço de Inteligência.
Estas análises podem por sua vez ser realizadas tanto
sobre entrevistas gravadas quanto sobre livros didáticos,
textos literários ou jornais. O procedimento mais comum da
análise de conteúdo é o cálculo de frequência. Isola-se, em
função dos objetivos da pesquisa, os elementos (itens) que

42 Leituras de grande proveito sobre este assunto: L. BARDIN,


L'analyse de contenu, PUF, 1993 [Ed. port: A análise do conte-
údo, Edições 70, 2002.]; D. MAINGUENEAU, Nouvelles ten-
dances en analyse du discours, Hachette, 1987 [Ed. bras.: No-
vas tendências em análise do discurso, Pontes, 1997.]; e S.
MOSCOVICI, La psychanalyse, son image et son public, PUF,
1976.
são depois quantificados. Certo, numerosas reservas foram
emitidas a respeito deste tipo de trabalho: além dos meios
muitas vezes muito custosos (computadores, analistas de
sistemas, pessoal especializado) para resultados mínimos,
ocorre que a frequência de um item não é necessariamente
significativa: sua ausência é às vezes mais importante. Do
mesmo modo, tem-se com frequência a impressão de que
estas pesquisas só fazem confirmar o que já se sabia.
Todavia, seria um equívoco não se servir de uma técnica
que evoluiu muito graças à contribuição da linguística.
Considera-se hoje tanto associações de itens, oposições,
permutações como as frequências.
Estes trabalhos informam muitas vezes sobre a
ideologia do emissor (basta, para se convencer, fazer uma
análise de conteúdo de um horóscopo entre jornais que se
dirigem a públicos diferentes. Para pessoas idosas a rubrica
"saúde" aborda os problemas do coração, dos rins ou a
dificuldade de caminhar. Para um público jovem
recomendar-se-á "festejar" menos). Esses estudos, muitas
vezes, mostram toda a sua dimensão a partir de estudos
comparativos. Daí a importância da constituição do corpus
de análise (por exemplo, artigos de vários jornais em um
período dado). Este corpus deve ser suficientemente
grande para ser significativo, e, ao mesmo tempo,
manejável. Para além de certo limite, nenhum elemento
novo aparece. Dir-se-á do corpus que ele está "saturado".
O interesse desses estudos é também nos alertar
para os estereótipos culturais, para o "espírito do tempo". A
publicidade, nesse sentido, oferece um campo inesgotável
que revela as expectativas de uma época dada, os valores
místicos que serão acrescentados a um produto para
transformá-lo em objeto de desejo.
Propor imitações é, sem dúvida, uma maneira de
dominar os estilos estudados. Do fait divers (fatos policiais
ou curiosidades) tratado em jornais opiniões opostas ao
horóscopo ou ao retrato de uma vedete ou de um homem
político, a imitação leva a medir as estratégias colocadas
em prática pato seduzir o leitor.
Interrogações equivalentes podem ser colocadas em
prática para tudo o que diz respeito à imagem fixa ou
animada. Na falta de apresentar uma verdadeira grade de
análise, coloquemos aqui algumas questões simples: quais
são as características técnicas (nome dos emissores e
identificação, data de produção, tipo de suporte, formato,
localização...)? A que estilo se vincula o que nos é
apresentado (organização da imagem, estética, intenções,
contrastes...)? Qual tema é abordado (associações de
idéias, relações entre título e imagem, contexto e
símbolos...)?
Cada tentativa de resposta implica inevitavelmente um
aprofundamento. Quando nos interrogamos sobre o autor e
suas intenções, experimentamos um a priori bem diferente
se acompanhamos o caminho de um Raymond Depardon,
que nos propõe um documentário sobre a África, depois de
seus "Delitos flagrantes" ou "Urgências", e se nos propomos ir
ver uma produção de grande espetáculo sobre temas
semelhantes. Somos então levados a descrever os modos
de difusão, o impacto eventual da imagem e do filme, as
significações iniciais e depois aquelas acrescidas pela
história, às vezes deturpadas, traídas. As campanhas de
publicidade da Benetton, por sua provocação sistemática,
oferecem um outro exemplo de material muito subjetivo
(quem as emite? a quem se dirigem?). Estes tantos
elementos autorizam e legitimam uma interpretação
que se apoiará em dados verificáveis e suscetíveis de
ser contestados. Tal é a regra do jogo para quem propõe
uma descrição mas fica disponível para a discussão e
para a modificação no seu ponto de vista43.
Estas observações sobre o método dizem
respeito ao professor que deseja abordar as mídias. Sua
importância é mostrar a conjugação dos elementos
deste trabalho. Com efeito, os alunos participam
ativamente das pesquisas. São eles, na maior parte
do tempo, que vão fazer uma análise de conteúdo,
que vão tentar elaborar um questionário, que descobrirão
sua própria posição de espectador com relação às
mídias. Esta fase de "metodologia",
evidentemente adaptável segundo as idades, é, pois,
essencial. Além do prazer de compreender e de se situar,
ela provoca o gosto do rigor por um "objeto", as mídias,
que necessita particularmente de recuo e de distância
crítica.

43 Conforme, em particular, Laurent GERVEREAU, Voir, com-


prendre, analyser les images, La Découverte, 1994.
Capítulo 5

Produzir mídias?

Vimos que os programas de educação para as mídias


mencionam com frequência o interesse em colocar o aluno
em situação de produção para que ele compreenda "desde
o interior" o funcionamento das mídias. Esta recomendação
se vincula a toda uma corrente de pensamento que é
necessário revisitar para melhor avaliar-lhe o alcance. Com
efeito, não é por acaso que esta sugestão aparece às vezes
subestimada ou que, ao contrário, se torna peça-mestra do
dispositivo de aprendizagem. Veremos na realidade que,
aplicada às mídias, uma pedagogia de incitação à produção
implica transtornos consequentes, notadamente na relação
professor/aluno e na relação com a instituição.

I. A descoberta do aluno como sujeito ativo

A idéia de fazer o aluno participar ativamente no


processo de aprendizagem não é nova. Mas é grande a
distância entre questionar o aluno, verificar suas aquisições
e colocar-lhe nas mãos ferramentas que lhe permitirão
tentar, hesitar, construir em seu ritmo seu próprio saber,
graças ao que os pedagogos da Escola Nova denominaram,
no início do século XX, o "companheirismo" do professor.
Esta corrente de pensamento se vincula a uma longa
tradição. Assim, Comenius, em meados do século XVII,
proporá outras perspectivas à escola ocidental além da
repetição enfadonha de textos antigos, sem grande
interesse para a criança. Esta última não tem voz ativa, ela
não existe como "sujeito" pensante, ainda menos como
sujeito apto a propor, a participar da construção de seu
saber. Comenius pressente que a escola tem um papel
essencial a desempenhar como motor da sociedade, como
revelador dos talentos que as crianças trazem em si. Mas
ela deve ser comum a todos — preconiza o humanista
tcheco —, aos meninos e às meninas, às crianças de todas
as condições. Os modos de relação serão então baseados
na idéia de confiança entre os alunos e o professor, no
prazer da descoberta pelo aluno44. É importante lembrar de
tais propósitos porque eles levam a compreender a gênese
de movimentos de idéias que transformarão as
mentalidades. O projeto de Comenius é o de promover os
casos isolados de sucesso para que eles se tornem a regra.
Conhece-se, por exemplo, já naquela época, todo o
interesse em manejar a tipografia para aprender a ler e a
escrever. Em 1718, o jovem rei Luís XV, então com 8 anos
de idade, imprime folhetos volantes ou cartazes de
diferentes formatos. Um deles tornar-se-á célebre pois

44 COMENIUS, La grande didactique ou l'art universel de tout en-


seigner à tous, Klincksieck, 1992. [Ed. bras.: Didática magna,
Martins Fontes, 2002.]
reproduz as últimas palavras de Luís XIV a seu neto. Estas
práticas todavia permanecem muito isoladas. Pensadores
esclarecidos, na esteira de Comenius, buscarão favorecer o
desenvolvimento delas para todas as crianças. Charles
Rollin, eleito em 1694 reitor da Universidade de Paris,
ressalta fortemente que quem produz textos com a tipografia
(que ainda não se chama mídia...) aprende ao mesmo
tempo a ler, a assegurar-se de sua ortografia de modo eficaz
e, sobretudo, tem prazer em aprender:
"Foi proposta há pouco tempo ao público uma nova
maneira de ensinar as crianças a ler, que se chama
escritório tipográfico (...). A criança arruma sobre a mesa os
sons das palavras que se pede, retirando-os de seus
lugares, como faz o tipógrafo tirando de seus caixotins as
diferentes letras com que ele compõe suas palavras; e isto é
o que fez dar a este escritório o epíteto de tipográfico (...).
Essa maneira de aprender a ler, além de várias outras
vantagens, tem uma que me parece muito considerável, é a
de ser divertida e agradável e de não ter de modo nenhum ar
de estudo (...). Cita-se grande número de crianças de 3 e 4
anos com quem se fez uma feliz comprovação deste
método, e eu fui testemunha disso. O que eu sei, ainda por
mim mesmo, é que este método teve muito sucesso com
relação a uma criança de qualidade pela qual eu me
interesso, retirando-lhe o nojo horrível que ela tinha por toda
aplicação e por todo o estudo ao qual ela não ia quase
nunca senão chorando; ao invés disso, agora, o escritório faz
sua alegria e não lhe custa lágrimas a não ser quando ela se
acha privada dele!"45 Charles Rollin aborda aqui várias questões
determinantes para nosso assunto:

— a criança passa da recusa de aprender — o nojo — ao


prazer, no instante em que se coloca em uma situação
ativa;
— a ferramenta, a "mídia", tem um caráter mágico;
— o procedimento é provavelmente válido para todas as
crianças.

Para apreciar ao seu justo valor o pensamento de Rollin, é


preciso retomar a história das idéias educativas e avaliar como,
progressivamente, certas práticas puderam desenvolver-se. Uma
das razões que tornam difíceis, todavia, as comparações vem do
fato de que a instituição educativa tal como a conhecemos hoje só
vai realmente nascer no final do século XIX. Os tratados de
educação, por exemplo, pululam já no século XV e XVI, na Itália,
na França, na Alemanha, na Inglaterra, mas eles se dirigem aos
pais. Os humanistas dissertam com paixão sobre a educação,
mas a idéia que se delineia sistematicamente é que o pai é o
melhor dos guias possível. E quando este é obrigado a confiar a
educação de seu filho a um mestre, Erasmo bem como Sadolet
recomendarão que ele coloque todos os seus cuidados e sua
fortuna para escolher um bom preceptor: não teve ele uma
preocupação infinita para escolher aquele que vai criar seus

45 Charles ROLLIN, Traité des études ou de Ia manière de servir


e d'étudier les belles lettres, 1726, livro 1, Biblioteca Nacional
(França).
cavalos?46 E se Comenius parece assim tão inovador quando
propõe que a educação seja dispensada a todas as crianças sem
distinção de sexo nem de classe é que a igualdade dos sexos
permanece por um longo tempo impensável: "Que Deus e nossa
Santa Mãe vos concedam uma criança sã e salva semelhante em
todos os pontos a sua mãe, com exceção do sexo", escreve no
século XVI o humanista inglês Thomas More a sua filha
Margareth.
A descoberta da criança ator de sua própria educação, pois,
não era possível a não ser em um meio ambiente que permitisse
um outro olhar.
Não há dúvida de que o projeto geral do Iluminismo é
determinante a este respeito. Libertar a humanidade do
despotismo, do despotismo político sim, mas também do da
ignorância e da miséria. O objetivo da instrução para Condorcet é
formar cidadãos capazes de participar dos debates públicos,
capazes de decidir com conhecimento de causa. Será todavia
preciso um longo tempo ainda antes que estas idéias generosas
encontrem qualquer embrião de aplicação.
O fim do século XIX verá a emergência de um movimento
que esboça os fundamentos da escola que nós conhecemos. Não
é por acaso que, ao mesmo tempo, uma lei é votada sobre a
perda de direitos dos pais indignos (1889). O Estado modifica as
regras do jogo. A Assistência Pública assume a guarda das
crianças maltratadas. Com a emergência de uma nova
sensibilidade, as condições estão prontas para que se ouça um

46 Jean DELUMEAU, Daniel ROCHE, Histoire des pères et de Ia


paternité, Larousse,1990, 62.
outro discurso sobre educação.

II. A contribuição da pedagogia nova

A partir do fim do século XIX, aparece em muitas partes do


mundo uma linhagem de pedagogos e de médicos que se
interrogarão sobre a relação do adulto com a criança e que, sem
necessariamente se conhecer, lançarão as bases do que
chamamos Educação Nova. Maria Montessori na Itália, Paul
Robin na França, John Dewey nos Estados Unidos, Ovide
Decroly na Bélgica, Janus Korczak na Polónia, Célestin
Freinet na França...
Nós nos dedicaremos particularmente à contribuição
deste último, professor primário em Bar-sur-Loup, nos Alpes
Marítimos, após a Primeira Guerra Mundial, pois ele vai
fundamentar sua reflexão a partir de uma ferramenta, a
tipografia, que se tornará peça mestra de sua pedagogia.
A idéia de base que vincula estes pensadores gira em
torno da motivação das crianças no ato de aprender. Cada
um atacará o problema com seu temperamento, suas
preocupações. Korczak, por exemplo, se interrogará sobre
as regras de vida a instaurar em seu orfanato de Varsóvia,
sobre a preparação das crianças para a responsabilidade.
Decroly insistirá na higiene de vida, para levar em
consideração ritmos próprios à criança. Todavia, o que torna
Freinet tão precioso para o nosso assunto vem de sua
capacidade de experimentar certo número de práticas
pedagógicas novas, a partir de uma mídia, a tipografia, e
depois expor seus resultados, em certo número de obras
que alimentaram o ensino ministrado na França por
milhares de professores primários e de professores
secundários que se declaram seus adeptos, desde
meados dos anos 1920. Sua influência vai extrapolar, aliás,
largamente, o quadro do país para se propagar ao exterior
por meio da Cooperativa da Escola Moderna que ele
contribuiu para criar em Cannes.
O que descobre Freinet? Que a vida da classe é
artificial. Certo dia — estamos em 1924 — um aluno, Joseph,
sempre distraído, aliás, com animais em seus bolsos
(besouros, lagartos, gafanhotos, joaninhas...), prepara,
embaixo de sua carteira, uma corrida de caracóis. A classe
está em efervescência. Todos apostam: um no verde, outro
no marrom, outro no cinzento: "Lá vai! É o verde! É o verde!
A classe inteira está vibrante de vida, mãos se estendem,
querem pegar os bichos... Porém, cheio de ciúmes,
Joseph recupera seus pequenos animais e guarda-os
dentro de uma caixa. O professor já está no quadro. 'Muito
bem! Escrevamos no quadro sobre a corrida de caracóis...'
Élise Freinet explica como essa modesta anedota
perturbou seu marido. Que restaria desse instante mágico
durante o qual as crianças teriam vivido uma verdadeira
história? Nada. A página impressa, ao contrário, daria outra
dimensão ao evento.47 Além disso, ela é fonte de escrita —

47 Élise FREINET, Naissance d'une pédagogie populaire, Maspe-


ro, 1978, 32.
se a compusermos nós mesmos —, de leitura, de novas
descobertas. Freinet vai a Grasse, nas oficinas dos
tipógrafos, que o desaconselham a se lançar em tal
aventura: os alunos pegarão todas as letras, dizem eles,
talvez mesmo eles as roubem. Freinet insiste e, com
espírito alerta, ele nota a publicidade de uma "máquina
impressora da marca Cinup", faz a encomenda e, alguns
dias mais tarde, ele descobrirá com seus alunos as
extraordinárias potencialidades das letras de chumbo,
dos componedores, da primeira folha impressa... Para
encomendar a tipografia, Freinet tinha esgotado todos os
seus recursos, tinha até mesmo comprometido seus
salários futuros. A falta de papel dava lugar a sábias
recuperações: o verso dos boletins de voto das últimas
eleições legislativas de Cannes, os carnês usados da
Cooperativa da Região do Var... mas ao longo dos dias,
experimentando todos os dados (organização regular dos
caracteres, o valor da imprensa, colocação da tinta etc), o
resultado se fez sentir, aparentemente modesto, mas o
impulso estava dado.
Da tipografia ao jornal escolar, o passo seria dado
naturalmente. Simbologia que testemunha a relação diferente
que terá doravante a escola com o mundo exterior. O jornal
é um vínculo que dá sentido ao trabalho desenvolvido
durante as horas de aula. Ele valoriza o grupo bem como os
talentos individuais, ele traz informações sobre a vida da
aula, mas também sobre a vida fora da escola, sobre as
alegrias e os sofrimentos de uns e outros. Porém, escrever
se aprende. E o papel do professor acompanhar e
transmitir esse saber que se descobre e que se utiliza de
saída. Tampouco se escreve qualquer coisa. Os textos
devem ter uma qualidade reconhecida por todos os alunos
(vota-se para escolher os melhores textos). Sobretudo — e
aqui tocamos num ponto nevrálgico para nosso assunto —
compreende-se, desde o interior, certo número de regras
do jornalismo. Freinet escreve sobre este tema frases
magistrais: "Pelo texto livre e pelo jornal, nós levamos
nossas crianças para a crítica do impresso, para a
aceitação e para a pesquisa desta crítica. Eles detectam
desde então, com o bom senso reencontrado, sob o tom
pretensioso de certas páginas, o fato inibidor do
palavrório verborrágico e da 'literatura'. Eles aprendem, pela
experiência, a julgar as obras que lhes são submetidas, e
tornam-se rapidamente aptos a descobrir o que de falso e
de contraditório se esconde nas rubricas imponentes dos
jornais".48

III. Uma revolução das mentes

É muito difícil apreciar hoje a revolução das mentes a


que tal prática induzia. É preciso se referir às polêmicas da
época, todavia ainda próxima de nós, para medir o
48 Célestin FREINET, Le journal scolaire, Éditions de l'École Mo-
derne Française, 1967, 93. [Ed. port.: O jornal escolar, Estam-
pa, 1997.]
sentimento inaudito de perturbação que viviam os
numerosos partidários do movimento internacional da
Escola Nova. Para tomar apenas um exemplo significativo,
no dia 20 de agosto de 1937, em plena guerra da
Espanha, na frente de batalha de Aragão, alguns
professores primários escrevem a Freinet: "Nós estamos
aqui na frente de Aragão, em luta contra o inimigo fascista,
um grupo de camaradas professores primários e
colaboradores da grande obra que representa a imprensa
na escola. Somos do grupo que fundou a Cooperativa
espanhola da técnica Freinet e praticamos esta técnica
em nossas escolas. Podemos assegurar-lhe que, quando
nós tivermos vencido o fascismo, toda a nossa atenção
será voltada para nossa escola, para trabalhar com mais
segurança do que nunca para a criação escolar que
representa nossa técnica. Nós estamos convencidos de
que a imprensa na escola é a única técnica
revolucionária, porque ela é o único meio de realizar a
escola ativa do trabalho".
Escrito em circunstâncias dramáticas (no mesmo
momento um professor primário, Antonio Benaiges, era
assassinado em sua sala de aula), este testemunho dá a
medida das esperanças destes homens em um mundo
melhor, sua certeza de que a escola tinha capacidade de
mudar a sociedade. Mas o que é exatamente
revolucionário? A questão merece ser considerada. Várias
respostas são possíveis. Parece-me que antes de tudo uma
simbologia diferente acompanha necessariamente essas
técnicas novas. Freinet, desde o primeiro dia de seu
ensino, suprime o estrado do mestre. Ele se aproxima das
crianças para estar entre elas. Que se utilize a imprensa
nos anos 1920 ou uma câmera de vídeo nos anos 1990,
uma relação nova aparece entre o mestre, o professor, e os
alunos. Relação baseada em um projeto que mobiliza o
grupo inteiro, que neutraliza, por conseguinte, certo tipo
de comportamento habitual em que o aluno sentado
diante do mestre está à espera de sua palavra, de seu
saber. O estatuto do aluno e do professor muda. Freinet
recomenda, aliás, fazer tudo para que esta mudança seja
progressiva: "Não se deve, de modo autoritário e brusco,
mudar a técnica escolar, pois arrisca-se muito em
hesitações e erros. É preferível introduzir nosso material e
nossa técnica progressivamente. Não visamos, por
exemplo, a suprimir os livros didáticos de uma hora para
outra. Pois, se você ainda não tem em mãos a técnica que
os substituirá, isto significaria uma confusão em sua sala de
aula, sem proveito para ninguém. A revolução desejada se
realizará sem causar nenhum sofrimento para alunos e
escolas. Ao contrário".49
Resta que a primeira interrogação que vem ao espírito
diz respeito à tecnologia de nossa época. Nós passamos,
em algumas décadas, do que parecia uma "magia"50 para

49 Élise FREINET, Naissance d'une pédagogie..., op. cit., 298.


50 Cabe lembrar que Célestin Freinet foi acusado, em 1926, pelo
jornal L'Éclaireur de Nice de propiciar aos alunos um sentimen-
to de imortalidade porque eles imprimiam seus textos...
uma banalização de ferramentas que, do vídeo aos
próximos mundos virtuais, colocam, sem dúvida, problemas
específicos. Por essa razão, não seria necessário ter, antes
de tudo, consciência do estatuto novo adquirido por aquele
aluno que produz mídias (e já a seus próprios olhos) e das
consequências que isto implica para a instituição?

IV. O ato de produzir: uma ruptura psicológica

O aluno que vai à escola já tem certa idéia do que se


espera dele. Ele se faz, de seu lugar na instituição escolar,
uma representação que vai acompanhá-lo ao longo de toda
a sua escolaridade.51 O problema difícil ao qual vai se ver
confrontado o pedagogo é o seguinte: o que fazer quando
essa representação é negativa? O que fazer quando a
criança e o adolescente não estão disponíveis às formas
habituais de aprendizagem? Ressaltemos a este propósito
que as causas podem ser múltiplas. Jacques Lévine
enumera algumas delas, levando particularmente em
consideração a dimensão do inconsciente: "As crianças
têm sua maneira de reagir a sua própria história; sua
agressividade ou sua atitude depressiva são muitas vezes
ligadas a um sentimento de ser inconfessavelmente
diferente dos outros por uma anomalia física, por uma

51 Ler notadamente sobre este assunto: L'École et les représenta-


tions d'avenir des adolescents, de Jean GUICHARD (PUF).
razão familiar (...) e depois, há todos os problemas da
família que a criança vive muitas vezes como se ela fosse
os pais dos pais. Ela faz suas as angústias de doença, de
desemprego, as insatisfações conjugais, os conflitos. E ela
vive como uma derrota pessoal não imaginar uma solução.
Neste caso, ocorre, por desdém, que os pais e os
professores, que não compreendem por que a criança está
desencorajada e pára de trabalhar em aula, repreendem-
na porque ela só pensa em brincar e lhe lembram as
dificuldades da vida que a esperam" 52.
A primeira constatação de ordem psicológica
sistematicamente levantada pelos professores que
acompanham alunos em processo de produção de mídias
diz respeito justamente a esta capacidade nova dada aos
jovens que podem desenvolver no interior da instituição
educativa uma outra relação com eles mesmos.

V. A conjugação dos suportes técnicos

Resta a abordar uma interrogação frequente com


relação ao suporte técnico na produção dos alunos. É
mais desejável ou mais motivador realizar um vídeo, de
preferência a um jornal escolar? A magia do impresso
tem ainda alguma força nesta hora de imagens de

52 Jacques LÉVINE, L'inconscient à l'école, Études Psychothéra-


piques, nº 23 (1976) 20.
síntese? Assim colocado, o problema é pertinente? Uma
primeira observação permite já um esboço de resposta.
O mais importante é o parâmetro do projeto e não o do
suporte técnico. A criança é antes de tudo motivada por
uma dinâmica: uma troca de correspondência ou uma
intenção de viagem. Que a correspondência se faça por
intermédio de um jornal escolar ou pelo vídeo
certamente não é neutro para as aprendizagens, mas é
provável que o que predomina será o sentido dado a
esta aventura. Recentemente, no quadro da renovação
dos colégios, um procedimento intitulado "vídeo para o
sucesso" incitou os alunos das classes de quinta a
oitava série do ensino fundamental a criar eles próprios,
com um equipamento de vídeo que lhes tinha sido
confiado, um videograma de seis a oito minutos
realizado em períodos de três a quatro horas de curso.
A variedade das situações permitiu recolher ao mesmo
tempo ilustrações de um curso de ciências naturais, uma
visita à prefeitura para compreender o sistema de lixões
públicos, uma reportagem sobre o escritor local ou sobre
um pintor ou ainda ensaios sobre o imaginário e o
sonho...
O professor acompanha o grupo em sua organização,
os alunos descobrem tanto as funções a assumir para
produzir a obra (filmagem, montagem, sincronização) como
a necessidade de roteirizar, redigir um fio condutor, escolher
os lugares de filmagem em função da luz, da atmosfera
geral, do que se busca passar...
O que suscitam essas ações? Sempre uma forte
mobilização. Personalidades se descobrem por meio de
uma outra maneira de conceber a escola. Questões vêm à
mente, naturalmente: como traduzir um sentimento em
imagens? Como se colocar em face da câmera? Deve-se
fazer como na televisão ou tentar inventar um outro estilo?
Logo se quer tudo retomar, recomeçar, criticar. Em um outro
registro, diferente daquele dos pequenos tipógrafos
escolares dos anos 1920, as mesmas questões se colocam
sobre a comunicação. Como o exprime Henri Dieuzeide:
"Eles tomam consciência assim da necessidade de uma
apreensão crítica destes modos de comunicação; eles
descobrem também as regras do trabalho produtivo em
equipe e as responsabilidades que isso implica"53.
Quais reservas tem-se o direito de formular diante
destas experiências? O custo não é dissuasivo, embora não
seja negligenciável. Em compensação, a avaliação é difícil
para medir tanto as aprendizagens como as possibilidades de
reinserção de alunos em dificuldade. Em conclusão de um
trabalho sobre as práticas de vídeo, Anna Terzian observa:
"A experiência pôde demonstrar que o vídeo era uma
ferramenta e um dispositivo pedagógico particularmente útil
junto aos adolescentes por sua capacidade de visualizar
os próprios conflitos e os dos outros, mas ela mostrou
igualmente que o vídeo não é nem um remédio nem uma

53 Henri DIEUZEIDE, Les nouvelles technologies, Nathan, 1994,


91.
resposta a longo prazo para os problemas de integração de
alunos antiescolares em ruptura com a escola"54. Em
compensação, as capacidades lúdicas, técnicas e paradoxais
parecem evidentes para a autora, que considera que a
ferramenta é particularmente apta a dar segurança: "A
experiência confirmou que são estes aspectos do vídeo,
conjugados com o aspecto midiático, que atraem certos
alunos — e notadamente certa categoria de meninos
qualificados como difíceis —, permitindo-lhes participar das
atividades — estar por dentro —, mesmo estando de fora,
atrás da câmera, oferecendo assim um meio de proteção da
emoção, amortecendo o choque do confronto direto com o
outro e/ou com sua cultura; esta situação paradoxal pôde
em seguida ser transformada em uma abertura em direção
ao outro e às atividades escolares".
A criação telemática interescolar é ainda um outro
exemplo das possibilidades de viver intensamente um
projeto educativo, tanto para os alunos como para os
professores. O Centro Internacional de Estudos
Pedagógicos de Sèvres promoveu a elaboração de uma
obra romanesca, "O jogo de São Nicolau", a partir de uma
rede franco-italiana de estabelecimentos participantes,
realizada por umas 30 classes provenientes de uma
dezena de países. Mais centrado na prática das mídias, o
CLEMI, por sua vez, já acompanhou a realização de
mais de uma centena de números de seu jornal Fax!
54 Anna TERZIAN ERIKSEN, Pratiques vidéo interculturelles, tese
(doutorado), Paris VIII, 1996.
(jornal júnior internacional a distância). A carta da
redação está assim concebida:

— A integralidade do texto pertence aos jovens e redatores.


A edição do jornal é conforme aos direitos da
imprensa do país organizador.
— O jornal é telecopiado, os artigos diagramados, ilustrados
e assinados são transmitidos por fax para a redação
organizadora, instalada em um estabelecimento escolar.
— O jornal é realizado ao vivo, em um só dia. Ele é datado. O
conteúdo redacional comporta um trabalho de pesquisa
e de formatação jornalística em torno de um tema
dado.
— O jornal é multilíngue. Cada página comporta duas línguas,
entre as quais a língua do país anfitrião.
— O jornal é distribuído a todos os participantes. Ele é
muitas vezes impresso em milhares de exemplares com
o apoio de empresas locais.

Em 1996, ele já contava 113 números publicados,


a metade no exterior. Os temas variam de A
legalidade, direitos e deveres (Bérgamo, Itália) a
Todas as nossas paredes, sair das paredes (Eupen,
Bélgica), passando por Criar pontes (Angers, França)
ou A importância da água (Gexto, Espanha).
A experiência Fax!, lançada em 198955, utilizava um

55 Jean AGNÈS, Le programme fax!, Éditions du Conseil de l'Eu-


rope, 1994.
modo de transmissão novo: o fax. Na ocasião de seu
quinto aniversário, as páginas e as fotocópias foram
transmitidas via Internet, o que prova com evidência a
capacidade de um autêntico projeto de educação para as
mídias de evoluir com novas técnicas, permanecendo fiel a
seus objetivos; ressaltando notadamente o aspecto
mobilizador de uma nova ferramenta, mas capaz de
superar este lado lúdico para aprender a investir nela com
conteúdos, para fazer dela um instrumento de
aprendizagem.

VI. Direitos e deveres da liberdade


de expressão

A produção de mídias induz à obrigação de conhecer as


regras jurídicas ligadas sobretudo à liberdade de expressão.
Trata-se aí de uma necessidade particularmente formadora
para os jovens. A evidência que aparece quando se toma a
palavra "para valer", seja o suporte um jornal escolar ou um
programa de rádio local, é a consciência de que não se
poderia dar provas de irresponsabilidade. Fazer, por exemplo,
acusações ou ameaças a um colega, a uma pessoa do
estabelecimento de ensino ou da cidade na qual se mora é
inaceitável. Mas, para a além de eventuais sanções, somos
convidados em primeiro lugar, por meio deste tipo de
experiência, a uma verdadeira iniciação social.
Sobre este assunto, a posição da educação nacional tem o
mérito de ser clara56. O princípio ao qual se referem os textos
em vigor desde 1991 é o da liberdade de expressão, de
redação e de difusão, presente na lei da imprensa de 1881.
Uma circular publicada em 6 de março de 1991, pelo
Ministério da Educação, materializa esta inspiração totalmente
nova. Com efeito, uma circular funciona como um painel de
controle para uso dos diretores de escolas e de alunos, ela
estabelece as regras do jogo. Como jornalistas profissionais,
os estudantes assumem doravante a responsabilidade de
seus escritos, notadamente se eles atingem a imagem de
outros ou a vida privada das pessoas.
A liberdade de expressão de que gozam, em teoria, os
estudantes é total. Ela não pode ser objeto de nenhum
controle prévio, somente os abusos do exercício dessa
liberdade podem ser sancionados. O que quer dizer isso? Até
então os diretores de escola tinham uma responsabilidade
não escrita de controle de tudo o que era difundido no interior
de seus estabelecimentos. Assim, eles endossavam, mesmo
sem querer, a responsabilidade de jornais dos quais, por
definição, eles não tinham praticamente nunca o controle
intelectual. Desde as novas disposições, o diretor da escola foi
liberado desta obrigação. Em compensação, no caso de
certos escritos apresentarem um caráter injurioso ou
difamatório, ou em caso de atentado grave aos direitos do
outro ou à ordem pública, ele pode suspender ou proibir a

56 Esta argumentação é desenvolvida por mestre A. WEBER em


L'expression lycéenne. Livre blanc des journaux lycéens,
CNDP, Hachette, 1991.
difusão da publicação; ele informa então o conselho de
administração.
Assim, observa-se, de um lado, que os jovens se
acham em uma situação de total responsabilidade com
relação à difusão de suas idéias (quer dizer, exatamente na
mesma posição que os jornalistas adultos) e que o diretor da
escola não está desprovido de meios de reagir dentro do
estrito quadro que resulta seja de um escrito que apresente
um caráter injurioso ou difamatório, seja ainda de atentado
grave aos direitos do outro ou à ordem pública.
Certamente, para além dos textos em vigor, nós nos
achamos tipicamente em situações que podem facilmente
desandar conforme a personalidade dos atores. Como
explica Pascal Famery, fundador da J. Presse, associação
da imprensa de iniciativa jovem: "Percebemos de saída que
as situações eram muito variáveis de um liceu a outro. Nós
tínhamos exemplos de jornais com personalidade forte e
que tinham podido entrar em um sistema de diálogo e se
preservar um espaço de liberdade, e outros não. Grosso
modo, o nível da liberdade de expressão é completamente
ligado à personalidade do diretor da escola"57.
As pesquisas sobre o conhecimento de seus direitos
e de suas obrigações revelam a ignorância dos jovens. Os
trabalhos de Annick Percheron sobre a socialização política
— isto é, a aquisição e a construção progressiva de
escolhas das atitudes que constituem a identidade política

57 Odile CHEVENEZ, Faire son Journal au lycée et au collège,


Éd. CFPJ, 1991, 119.
dos indivíduos — comprovam isto58. Colocar-se em situação
de responsabilidade pela produção de mídias aparece aqui
como um dos meios mais eficazes para descobrir as regras
do jogo de uma sociedade, a razão de ser de suas regras,
sua utilidade. O simples fato de que a associação J.
Presse tenha adotado uma instrumentação como a carta
de imprensa jovem, que se refere explicitamente à carta dos
jornalistas profissionais, é significativo. No entanto, os
jovens não se limitam a uma imitação insossa dos adultos.
Em sua própria carta eles recusam "a mentira e a calúnia,
sem por isso renunciar a modos de expressão
humorísticos que não são necessariamente para tomar ao
pé da letra".

VII. Crítica da produção de mídias

Certo número de autores consideram todavia que


essas produções realizadas na escola partem, certamente,
de bons sentimentos, mas que resta demonstrar sua
utilidade. Pior, um argumento é algumas vezes
desenvolvido: e se esta "criatividade" estivesse aí apenas
para esconder o fato de que os professores não têm mais a
capacidade de fazer adquirir os autênticos conhecimentos
a alunos em dificuldade? Kathleen Tyner, por exemplo,
alerta para os perigos da produção na escola,

58 Annick PERCHERON, La socialisation politique, Armand Colin,


1993.
particularmente popular nos Estados Unidos junto a alunos
que têm mau desempenho nos cursos tradicionais: "Os
cursos de produção são nitidamente centrados nos alunos.
Estes cursos têm a reputação de lhes trazer uma melhor
imagem deles mesmos estimulando-os a investir em si
mesmos e oferecendo modos de expressão criativa. Há um
inconveniente em centrar programas educacionais na auto-
estima. No melhor dos casos, a estima que nasce de uma
produção midiática vem do fato de ter realizado um projeto
do início ao fim com a ajuda de adultos motivados. No pior,
o sentimento agradável sentido ao participar de uma
empresa que parece com um programa profissional é
apenas uma falsa impressão que remete para mais tarde
as aquisições reais"59.
Não há dúvida de que o que descreve Kathleen Tyner
é uma realidade fácil de encontrar nas escolas, nos
Estados Unidos como na França. Nem por isso, se um
professor não consegue superar esta proposta de
narcisismo feita aos alunos, devemos levantar a suspeita
sobre aqueles que — a partir de uma pedagogia ou de um
ato de produção que não têm nada a ver com a caricatura
evocada por esta autora — constroem efetivamente a
identidade dos alunos e acompanham suas aquisições.
Porém, dir-se-á, como fazer a diferença? Em um caso,
estamos diante de um projeto pedagógico muito afastado
de um eventual conceito de "criança rainha" (termo que

59 Kathleen TYNER, Le conte de l'éléphant, Éducation aux médi-


as dans le monde, BFI-CLEMI, 1992, 189.
Freinet sempre combateu vivamente contrapondo a ele
"escola do trabalho"). No outro caso, efetivamente,
encontramo-nos confrontados a um laisser faire tanto mais
perigoso que toca às vezes alunos em dificuldades, pouco
aptos a se construírem.
Em compensação, um outro aspecto da crítica da
produção das mídias merece ser sublinhado. Trata-se da
crítica feita pelos próprios alunos de seu trabalho. Ora,
este aspecto é tanto menos artificial que os projetos
pedagógicos de produção das mídias insistem no caráter
"autêntico" das relações a instaurar com os públicos. Um
jornal escolar não poderá praticamente continuar a ser
editado se ele não é comprado. A sanção é, pois, imediata.
Ela é, por exemplo, particularmente identificável nos casos
dos programas de rádio produzidos por jovens no quadro
de acordos com as emissoras de rádio descentralizadas60
ou no caso de rádios escolares. É, porém, importante para
este debate observar que a "crítica" do professor ou da
classe, no caso acima, tem um sentido infinitamente mais
perceptível para o aluno (os efeitos são muitas vezes
mensuráveis, por exemplo, a audiência ou o deslocamento
do público) do que uma "crítica" abstrata, porque limitada a
uma relação professor-aluno. O leque de reações de um
grupo sendo mais amplo, a gestão dos julgamentos e das
apreciações não tem mais a mesma significação, ela

60 A Associação Nacional das Rádios Escolares (ANAREMS) es-


tuda notadamente os efeitos de vivências concretas na estrutu-
ração dos alunos.
predispõe aqueles a quem se dirigem as observações a
melhor compreendê-las, a não se retrair para dentro de si
mesmos.
Capítulo 6

Perspectivas de futuro

Resta-nos agora tomar distância para situar este


dossiê na paisagem educativa. Qual é o seu futuro?
Quatro pistas nos parecem dever ser exploradas, que
representam muitas perspectivas para o futuro.

I. As mídias, fatores de integração


escolar?

Embora com o risco de atrapalhar a legibilidade das


ações de educação para as mídias, parece-nos importante
observar que este trabalho sobre as mídias é, às vezes,
para os professores, um pretexto positivo para resgatar a
verdadeira dimensão da escola, de atendimento ao aluno-
sujeito, e assim superar o caráter artificial de uma escola da
qual se espera que aprenda cada vez mais, que está à
deriva de sentido e é pouco hábil para tratar seus excluídos.
A questão que se coloca particularmente nesta ótica é a
seguinte: O que vêm fazer as mídias neste negócio, pois
se trata evidentemente de um pretexto? Não se pode
propor atividades deste tipo a partir, por exemplo, de uma
classe-teatro ou de uma classe-natureza? A diferença, do
ponto de vista da escola, está na transversalidade das
mídias. As mídias tocam todos os assuntos, elas são,
então, particularmente interessantes em termos de
conhecimentos. Além disso, elas induzem a um interesse
e a comportamentos que perturbam o quadro habitual.
Neste sentido, é possível trabalhar eficazmente sobre as
mídias em aula, de modo tradicional? Ou, se preferirmos,
não há um contra-senso — ao assimilarmos as mídias a
uma disciplina clássica não estaremos nos privando
justamente daquilo que as mídias podem trazer de
verdadeiramente revolucionário para a escola?
Estas interrogações nos obrigam a retornar à função
da escola, seu estatuto. Não estamos querendo fazer a
escola mudar de missão?
A escola, quer se queira ou não, tem uma função de
triagem. Um dos objetivos positivos afixados hoje diz
respeito aos 80% de uma faixa etária que terminariam o
ensino médio. Claro, mas o que será dos 20% reprovados?
No instante em que abordamos este tipo de realidade,
chocamo-nos com observações de "bom senso" do tipo a
escola não pode fazer a felicidade de todos, deve sempre
haver os reprovados etc. Façamos uma outra leitura desta
realidade: um sistema que elimina, que desperdiça uma
parte de sua riqueza (ora, a riqueza de um país não é em
primeiro lugar sua juventude?) é um sistema mal
gerenciado. Por que falar aqui de desperdícios? Porque se
trata, para aqueles que são rejeitados, de uma destruição
da identidade pelo fracasso, de uma amargura e de uma
dor que os acompanharão para o resto de suas vidas. Mas
o que fazer? Existem alunos menos bons, mesmo aqueles
francamente maus — e seria perfeitamente amoral que
eles passassem nos exames se não têm a capacidade, se
não merecem...
Os exames funcionam como instâncias legitimadoras
das elites. Costuma-se esquecer rapidamente quando se
consegue vencer esta corrida de obstáculos impostos —
entre os quais o vestibular é o primeiro sintoma — que
aqueles que fracassaram também têm alguma coisa a
dizer, alguma coisa a trazer para a sociedade. Claro, seria
injusto, ao contrário, não reconhecer o mérito daqueles
que passam nos concursos de alto nível. Estes exames
revelam qualidades de competência, de abstração, de
potencial de trabalho, e por isso podem gerar sentimentos
de desprezo pelos outros, convicção de ter o lugar que se
merece, o esquecimento de sua origem social (as
estatísticas estão aí para nos lembrar que as
oportunidades não são iguais...), em resumo, certo
sentimento de superioridade.
Que nos seja permitido antes de mais nada emitir
algumas reservas sobre a validade dos critérios de
aprovação mencionados. Além disso, se deve haver 80% de
aprovados, a pergunta tecnocrática feita ao examinador
passa a ser: como identificar os 20% que devem ser
reprovados?
Ora, o trabalho sobre as mídias pode ser uma
prefiguração de outras relações no interior do sistema
educativo. Com efeito, a dificuldade maior hoje vem de
certo receio de propor outros critérios de apreciação para
julgar os alunos além da bateria habitual que conhecemos.
Que um jovem participe de um jornal escolar, eventualmente
seja o redator-chefe, não é neutro do ponto de vista
escolar. Por que não reconhecer que nos achamos neste
caso em presença de personalidades cujo desabrochar seria
judicioso favorecer? O aluno engajado neste tipo de
processo traz aquilo que mais falta à escola: o vínculo, o
diálogo entre jovens e entre gerações, certa distância dos
códigos.
A escola tem todo interesse em multiplicar
experiências valorizadoras. O trabalho sobre as mídias,
pela diversidade que ele suscita, permite relações menos
cristalizadas. O professor, como já ressaltamos, não se
acha mais naquela posição sacrossanta de quem deve
imperativamente saber. Tomemos o exemplo de um
professor que trabalha sobre a Argélia com a imprensa
escrita e audiovisual. Sua primeira contribuição para os
alunos será de ordem metodológica: comparar os
documentos, verificar as fontes, constituir dossiês de
imprensa etc. Porém, sempre que se trata um assunto de
tal atualidade, uma outra relação com o "trabalho" se
instalará naturalmente. Por ser tão atual, uma parte
essencial do tema escapa: o distanciamento, a capacidade
de comparar, de explicar, que é dada pelo tempo. E se esta
limitação se tornasse uma ocasião para trabalhar de outro
modo? Para dizer aos alunos que um professor não tem a
ciência infusa, que ele não sabe, por definição, de que
será feito o futuro deste país? Em compensação, o
professor pode se descobrir disponível para escutar, para
acompanhar declarações contraditórias que aparecerão na
aula, para reencontrar certa humildade de pesquisador e
mostrar, assim, o exemplo de uma atitude sem a priori. Dito
de outro modo, a atualidade é muitas vezes uma ocasião
extraordinária (no sentido esquecido da palavra) para
desenvolver uma pedagogia de troca, pois o papel do
mestre permanece sempre incansavelmente aquele de
colocar os conhecimentos em perspectiva, contextualizá-los.
Para retomar o exemplo da Argélia, como uma atualidade
imediata, trágica, violenta nos leva em direção ao não-atual61,
ao fundamental, a uma reflexão sobre a guerra em geral,
sobre as representações dos homens, sobre seus
combates. A escola cumpre assim duplamente sua missão:
ela transmite conhecimentos e cria uma confiança. Ela
permite questionamentos, individuais e em grupo, que
contribuem para construir positivamente as identidades, ela
favorece as descobertas incentivando o respeito. Sobretudo,
ela adquire uma dimensão insubstituível: ela responde a
expectativas.
Esta noção de expectativas é fundamental, pois é ela
que permitirá que seja tecido um sentido comum entre os
alunos e o mestre. Sua gestão é sem dúvida delicada (não

61 Propus um desenvolvimento deste argumento em De l'actualité à


l'école. Pour des ateliers de démocratie, Armand Colin, 1995.
se pode quebrar a lógica de um curso programado a cada
noticiário "quente"), mas é frequente que uma questão se
insira de modo natural, por pouco que estejamos
disponíveis. Para retomar o tema da Argélia, cada
disciplina (das artes plásticas à educação física e
esportiva, da aula de línguas à de história) é suscetível de
trazer elementos rigorosos de reflexão a uma pesquisa ou
a uma interrogação dos alunos.
Esta atitude do professor é também uma resposta a
uma outra missão da escola que permanece muitas vezes
negligenciada: a integração escolar das crianças com
necessidades especiais. Com efeito, numerosos estudos
têm colocado em dúvida a eficácia de classes especiais no
desenvolvimento dos desempenhos de crianças especiais.
A intenção era certamente louvável: proteger estes jovens
de uma vida social agressiva e intolerante para colocá-los
em condições sob as quais eles poderiam aprender, em
que seriam objeto de maior atenção dos professores. É
evidente que os percursos de integração não podem ser
senão plurais, porque a diversidade dos casos exige muita
flexibilidade sobre este assunto. Resta que numerosos
estudos mostram que o progresso dos alunos que
recebem um ensino em classes especiais são em geral
mais fracos do que os progressos das crianças com
performances iniciais comparáveis, mas que frequentam o
ensino regular sem receber um apoio particular. Desde o
momento em que as condições essenciais de integração
estão reunidas (Philippe Fuster e Philippe Jeanne as
resumem assim: capacidade do jovem de dar uma imagem
de si socialmente aceitável, apoio da família, aceitação do
meio integrador convencido da perfectibilidade do jovem
especial, de sua educabilidade)62, observar-se-á que todo
trabalho a partir das mídias é suscetível de criar um clima
de troca facilitador da integração. Mas há mais: a experiência
demonstra que o jovem com necessidades especiais,
quando participa realmente da classe, traz para os outros
uma abertura, um outro olhar sobre a vida, que relativiza
seriamente a ideologia absoluta da performance, para
substituí-la por uma abordagem humanista de
solidariedade. Estas relações emergem quando as crianças
e os adolescentes se falam, quando o professor não se
sente "fora do programa" ao tratar de um fato da atualidade,
de um programa de televisão da véspera ou de um
acontecimento da escola que perturba a vida cotidiana. O
jovem especial encontra, então, naturalmente, seu lugar;
melhor ainda, às vezes, só ele é capaz de esclarecer,
graças à sua sensibilidade, certos problemas, e os outros
alunos sentem isto.
Muitas vezes ouvimos dizer que a escola não deveria
ser um lugar de terapia, mas um lugar onde se adquire
conhecimentos. Não seria hora de promover a ideia de que
a vida cotidiana de uma escola que enaltece a vida
permite, por este viés, certas terapias indiretas que não
têm necessidade de ser reconhecidas como tais, mas que

62 Philippe FUSTER, Philippe JEANNE, Enfants handicapés et


intégration scolaire, Armand Colin, 1996, 90.
tornam a criança e o adolescente em dificuldades mais
disponíveis para o conhecimento?

II. Olhares do exterior

Ocorreu várias vezes que apresentamos exemplos de


outros países além da França. Não se tratava de ilustrar
assim nossas afirmações de modo mais atraente, mas de
uma necessidade imposta pelo assunto. Com efeito, a
dimensão internacional permite medir as semelhanças e as
diferenças de sensibilidade sobre um tema que, por
definição, atinge hoje a todos os países. As mídias bem
como a escola dizem respeito a todo o mundo. O que nos
traz um olhar sobre outras experiências? Não se trata
evidentemente de tentar esboçar um quadro destas ações,
em compensação é particularmente instrutivo revisitar
certos problemas que evocamos a partir de limitações
(sociais, económicas, políticas) e de sensibilidades teóricas
diferentes.
Em primeiro lugar, observar-se-á que os poderes
públicos aparecem raramente na origem dos trabalhos
sobre as mídias na educação. Valério Fuenzalida, por
exemplo, descreve assim o aparecimento desta educação na
América Latina: "Os organismos promotores da educação
para as mídias foram as Igrejas cristãs, os centros de pesquisa
em comunicação, os centros de educação popular, as
associações corporativas implicadas na comunicação e na
educação, e outros organismos privados. É por isso que as
experiências de educação para as mídias estão mais
presentes nas escolas particulares e confessionais e em
grupos sociais ligados às iniciativas cristãs e privadas"63.
Isto significa que as razões que levaram a um
desenvolvimento da educação para as mídias na América
Latina são mais "sociopolíticas, culturais, éticas e religiosas do
que ligadas às ciências da comunicação ou às teorias
referentes à influência das mídias" (Fuenzalida).
As experiências anglo-saxãs buscam, no conjunto, se
inserir em uma abordagem prática (para evitar certa
verborragia? um moralismo inapropriado?). Este trabalho,
"quando é apresentado de maneira clara e detalhada
insistindo sobre os diferentes processos de realização, com
um objetivo conceituai preciso, quando é avaliado em
seguida de maneira sistemática, trará competência e
autoridade aos alunos deste final do século XX" (John
Davison, La théorie dans Ia pratique, p. 38). O autor dá
alguns exemplos destes exercícios práticos que podem ser
realizados com um material técnico muito modesto: um
simples reenquadramento, trucagem ou legendagem de
fotos, fotocopiadas ou recortadas de revistas, podem
ensinar a analisar a imagem com lucidez e inteligência. A
escolha do desenho e a produção da capa de um livro

63 Referimo-nos essencialmente, no que se segue, ao qua-


dro proposto em L'éducation aux médias dans le monde:
nouvelles orientations, de Cary BAZALGETTE, Évelyne BE-
VORT, Josiane SAVINO, Éd. BFI-CLEMI, 1992.
didático, que deve ser reeditado para um público de idade
diferente, por exemplo, constitui uma ocasião excelente
de trabalhar sobre o público e a indústria ligada às
instituições.
Essa preocupação em ser prático se explica sem
dúvida porque, mais ou menos em todas as partes do
mundo, somos confrontados ao que exprime Kathleen
Tyner em "Conto do elefante" para qualificar a situação nos
Estados Unidos. Tal como os cegos e o elefante, os
professores se limitam muitas vezes a um aspecto
fragmentário da educação para as mídias, embora eles
estejam, no entanto, persuadidos de ter percebido o
conjunto. (E o Rajá diz: "O elefante é um animal grande.
Cada um de vocês tocou apenas em uma parte dele. É
necessário que vocês recoloquem junto todas essas partes
para descobrir com que se parece um elefante".) Kathleen
Tyner não hesita em qualificar como raivosos aqueles que
ensinam as mídias porque "o que constitui uma definição
para um é uma heresia para o outro". A autora descreve
assim estas diferentes definições que entram em
concorrência: o protecionismo (o professor de mídias do
tipo protecionista valoriza as artes e as letras — a literatura
em particular — mais que a televisão e outras formas de
cultura popular); o ensino tecnológico (os programas têm
então tendência a ser definidos em termos de material e de
máquinas que se deve saber fazer funcionar. Elude-se a
relação entre tecnologia sociedade); o ensino da expressão
pessoal e da criatividade (particularmente destinado aos
alunos em dificuldade); o ensino da democracia (a
aprendizagem das mídias significa ensinar os alunos a se
tornarem bons cidadãos). Como fazer para que essas
diferentes partes do elefante sejam fundidas em uma
imagem global que permita uma abordagem menos
fragmentada?
No mal-estar que espreita assim alguns destes
professores que decidem se especializar sobre as mídias,
Christopher Richards aponta "a sensação de perder, de
passar de disciplinas nobres a uma marginalidade não
reconhecida na prática: enquanto eles se preparam para
se tornar professores, para ocupar posições de poder
justificadas em parte por seu domínio da ciência
privilegiada que é a escrita, estes professores se
identificam a campos culturais muito menos bem situados
na hierarquia dos saberes".
O remédio é perigoso, "para superar esta contradição,
em certo sentido, para tudo ter, é possível conceder um
estatuto quase fetichista ao repertório conceituai que
permite a formas populares tornarem-se objeto de um
discurso teoricamente prestigioso. Esta é uma estratégia
difundida que consiste em maximizar, mesmo a exagerar o
domínio de um discurso teórico escrito quando nos
achamos confrontados com formas culturais que talvez
recusem categoricamente todo discurso escrito"64.
Quem não viveu um dia a estranha sensação de se
ver infligir discursos esotéricos mal assimilados sobre as

64 Ibid., 93.
mídias?
Outra constante de todos os países implicados nesta
educação: como formar os professores? Ou, mais
exatamente, qual é a expectativa de formação dos
professores? Os problemas encontrados são quase sempre
os mesmos. De um lado, professores que inovam sem se
preocupar com qualquer avaliação, com o riscos de graves
deslizes; de outro, professores que não podem nem
considerar integrar uma inovação, se eles não foram
formados para ela, se os programas não os convidam
explicitamente a isso. A dimensão psicológica nos dois
casos é fundamental. Klaus Boeckmann, professor de
didática das mídias na Áustria, interroga-se sobre os freios
suscetíveis de impedir essa formação: "Os professores
chegam ao estágio com idéias já prontas que dificultam a
abordagem do objetivo. Eles seguiram um itinerário de
formação onde se colocava a tônica em valores racionais
analíticos e literários. É por isso que os professores
percebem a utilização das mídias, particularmente da
televisão, como algo culturalmente inferior, ligado ao prazer
e pouco sério. Eles vêem, pois, muitas vezes, seu próprio
consumo de televisão como uma perda de tempo, e, de
fato, em defasagem com relação à sua posição intelectual
(...). Uma formação que quer fundamentar a idéia de
educação para as mídias na individualidade do ensino
deve levar a sério estes comportamentos e toma-los em
consideração"65.

65 Ibid., 97.
Os casos mais suscetíveis de nos perturbar vêm de
uma outra lógica, de uma outra maneira de colocar os
problemas. Assim, parece que, no Japão, uma educação
para as mídias de tipo crítico seja particularmente difícil de
realizar por receio de exercer seu senso crítico, receio
muito difundido, na opinião de Midori F. Suzuki, que lamenta
que a educação para as mídias em seu país "seja
geralmente considerada um prolongamento da educação
audiovisual tradicional (isto é, que a televisão e as outras
mídias não sejam utilizadas senão como material
pedagógico anexo). Uma tendência atual, que me parece
se generalizar (e que me causa a maior das apreensões),
é a introdução de novas tecnologias eletrônicas, tais como
os computadores individuais, nas salas de aula. Aprende-
se a utilizá-los e chama-se isto de educação para as
mídias".
A ausência de uma atitude crítica do sistema educativo
público japonês é, para Suzuki, o resultado do complexo
político-econômico-industrial nascido após a Segunda
Guerra Mundial. "Assim, o que se ensina nas escolas
públicas (a respeito do complexo industrial, por exemplo) é
apresentado como algo dado: 'as coisas são assim'. Tal
atitude, aliada a uma intensa competição nos exames de
ingresso, engendra um tipo de ensino que consiste em
empanturrar os estudantes com fatos, sem formar seu
senso crítico"66.
Esta imensa variedade de situações explica o

66 Ibid., 182.
sentimento de vertigem que toma conta daquele que busca
compreender as diretrizes desta educação. A multiplicidade
dos parâmetros, particularmente, prejudica o desígnio geral
do projeto. É sem dúvida a razão pela qual é preciso
acolher com alívio as primeiras tentativas de avaliação que
têm um mérito inegável: ao esforçar-se por descrever, ao
menos qualitativamente, as práticas e os efeitos desta
educação, elas dissipam em grande parte esta impressão
de indefinição que envolvem, às vezes, ações generosas,
porém mal definidas. Ao fazê-lo, elas representam, sem
dúvida, as chaves de uma segunda fase, mais estruturada,
delimitada melhor, que nascerá provavelmente amanhã
desta necessidade de educar para as mídias.

III. Avaliar a educação para as mídias?

A noção de avaliação suscita rejeições que é preciso


compreender para evitar falsos debates. É incontestável
que o poder político deu o (mau) exemplo numerosas
vezes, fazendo "avaliar" organismos para os reorganizar
conforme sua conveniência. A avaliação, então,
evidentemente, não passava de um disfarce de decisões já
tomadas. Terá sido este receio difuso que impediu muitas
vezes de discutir serenamente a avaliação? Ou foi, mais
simplesmente, a dificuldade do exercício (quais critérios,
quais objetivos)? Ou ainda, é a história conflituosa dos
corpos de inspeção mal reconhecidos para avaliar
professores às voltas com a vida cotidiana? Resta que esta
abordagem é muitas vezes incompreendida. Ora, esta
noção é vital para o futuro do sistema educativo desde que
se distinga claramente seus contornos.
Sem avaliação, o debate público não vai adiante. As
mais belas idéias devem poder ser defendidas e
argumentadas com elementos quantitativos. O custo da
escola é muito elevado. É normal interrogar-se para saber
se o dinheiro público não seria empregado melhor neste
ou naquele lugar. A avaliação é então uma ferramenta que
todos devem compreender e utilizar para refletir. Como
afirma Claude Thélot, o diretor de avaliação do Ministério da
Educação: a avaliação é um espelho no qual a escola se
reflete. Apresenta-se este espelho aos atores do sistema
— professores, diretores etc. — para que eles o
considerem em suas práticas e as modifiquem se
necessário.
O primeiro interesse da avaliação, para o nosso tema,
é nos aproximar das "questões certas". Para tomar um
exemplo indiscutível, a avaliação permitiu que sejam
colocadas melhor as interrogações sobre o "nível" dos
alunos, que estaria baixando ou subindo. De que disciplina
se fala? Em que áreas, em que ciclos haveria regressão ou
progresso? Quais hipóteses é possível formular? Como as
verificar? O que se pode comparar exatamente?
Avaliar ações de educação para as mídias não poderia
ser, pois, para retomar a fórmula de Charles Hadji, "pesar
um objeto que se poderia isolar no prato de uma balança,
mas apreciar um objeto com relação a uma outra coisa"67.
Tratar-se-á, com efeito, de se interrogar primeiro a si
mesmo para não errar o caminho. Por exemplo: após
exercícios práticos sobre a encenação de um telejornal, os
alunos continuam assistindo a ele da mesma maneira?
Lêem eles a imprensa de modo diferente após terem
produzido eles mesmos um jornal escolar? Como se
modificam as representações dos alunos após um
trabalho sobre as mídias?
A avaliação desses diferentes casos permite uma
primeira abordagem qualitativa para afinar o trabalho
efetuado pelo professor, eventualmente para repensá-lo. A
avaliação nos leva então constantemente em direção à
precisão do pensamento. Por exemplo, distinguir com
clareza a avaliação dos conhecimentos, que se pode
sempre aproximar com rigor, de investigações sobre os
comportamentos ou sobre os valores, infinitamente mais
aleatórias e que se referem a lógicas diferentes.
Se avaliações rigorosas demonstram a utilidade, para
nossas sociedades, destas ações — notadamente em
termos de aprendizagem de saberes —, pode-se esperar
que decisões políticas se seguirão a curto prazo. Ousar
fazer esta aposta é a única maneira forte de responder aos
detratores deste trabalho. E a honestidade intelectual exige
também se submeter a este olhar de distanciamento que
pode pôr em questão algumas de nossas evidências.

67 Charles HADJI, L'évaluation, règles du jeu, ESF, 1989, 257. [Ed.


port.: A avaliação, regras do jogo. Porto Editora, 1994.]
IV. Educação e mídias ao longo da vida

O conceito de educação ao longo da vida aparece


como uma das "chaves de entrada no século XXI" 68. Ele
supera a distinção tradicional entre educação inicial e
educação permanente. As mídias aparecem nesta ótica
como uma ferramenta excepcional de ligação, ao mesmo
tempo como uma passarela entre gerações e como um
instrumento de atualização de conhecimentos. O próprio
modo pelo qual as emissoras de televisão do tipo cultural ou
educativo, Arte ou Canal 5 [na França], decidiram promover
este papel revela a consciência de uma necessidade
partilhada. O mesmo fenómeno existe no exterior, tanto
com o Channel Four na Grã-Bretanha como com o grupo
Globo no Brasil, que é, no entanto, o difusor mundial de
seriados televisivos contestáveis, mas que, por meio de
sua Fundação Roberto Marinho, propõe um plano
ambicioso para a educação fundamental, em um país onde
o analfabetismo69 tornou-se uma verdadeira calamidade.

68 Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre a


Educação para o Século XXI, Edições UNESCO, 1996 (Relatório
Delors).
69 Nos relatórios internacionais em inglês "alfabetização" é
traduzido por literacy, frequentemente associada à imagem, à
televisão tanto quanto ao escrito. Não saber ler a imagem é
efetivamente uma espécie de analfabetismo.
Essa educação ao longo de toda vida exige, em
consequência, que se tenha aprendido a aprender. Ora, a
utilização de tecnologias de aprendizagem beneficia em
prioridade aqueles que não têm dificuldade de método. Dito
de outra forma, uma aprendizagem, uma educação para a
utilização das mídias a partir de um ângulo metodológico
encontra aqui sua plena justificação. Os exercícios para
tomar consciência da estruturação de uma imagem, as
classificações dos tipos de programas televisivos, a análise
de um jornal televisivo não aparecem mais, nesta ótica,
como momentos simpáticos do currículo escolar que se
poderia dispensar, mas, muito pelo contrário, como a base
de uma educação mínima que, no presente, faz parte da
cultura geral. Quem assiste hoje a programas de televisão
dedicados à fabricação de um programa, às armadilhas do
audiovisual? Aqueles que já estão sensibilizados com
relação ao tema. Esses programas existem, como, aliás,
existe na imprensa escrita a publicação das contas
financeiras das empresas. Na prática, porém, não se pode
assimilar estas informações a uma verdadeira iniciação ao
funcionamento da imprensa.
A partir do conceito de educação para as mídias ao
longo da vida, cada um de nós estará apostando na
apropriação das mídias como um bem cultural a preservar,
a desenvolver, a criticar, em uma atenção superior à
comunicação da coletividade.
Conclusão

Algumas observações, em conclusão, inspiradas dos


elementos em comum, em filigrana de um capítulo a
outro.
O sistemas da educação e das mídias geram muita
incompreensão. Com efeito, estas palavras que fazem parte
do nosso cotidiano induzem a sentidos múltiplos. A primeira
regra consiste então em deixar claro sobre o que se fala. Para
cada um de nós as representações oriundas de nossa
história, de nossas experiências, as ressonâncias explicam em
grande parte este estado de fato. Acrescenta-se a isso nossa
própria visão do futuro e os valores que privilegiamos. Dito de
outra forma, é essencial desconfiar de derivações subjetivas e
de variações frequentes sempre que se aborda estes temas.
O exemplo do "nível que baixa", como vimos, é significativo
dessas discussões que levam a impasses, porque aquele que
formula tais julgamentos busca antes de tudo justificar seu
ponto de vista e não está nem um pouco disponível para
escutar argumentos contrários às suas convicções. Por que o
tema da interação da educação e das mídias acarreta tantas
vezes debates irracionais? Tentamos propor várias
explicações que poderíamos resumir assim: todos os atores
sentem confusamente que o que está em jogo nesta interação
é importante para o futuro, particularmente se se refere
diretamente às escolhas políticas de nossas sociedades.
Se consideramos que a escola e as mídias não devem
se ignorar mas participar de um projeto comum de
sociedade que reconheceria a necessidade do
questionamento, do debate público, da educação para a
informação e para a verificação das fontes etc.,
constatamos que é possível tornar esse objetivo prioritário
em nossas sociedades. Objetivo tanto mais precioso pela
demanda dos jovens de participar do debate público. Temos
uma prova disto por meio de seus jornais escolares. Vimos
também que aqueles que estavam excluídos, pelo fracasso
escolar, descobriam por meio destes trabalhos sobre as mídias
uma motivação nova, um outro olhar sobre eles próprios que
permitia, muitas vezes, uma reconstrução de sua
personalidade.
Os projetos repousam sobre os homens e aqueles que
consideram que as decisões de futuro neste campo
educativo devem ser tomadas com muita antecedência não
são muito numerosos. Neste sentido, trata-se hoje de um
combate de "militantes", sejam eles professores, pais,
alunos, jornalistas... porém, o militantismo tem seus limites e
pode também levar a um discurso encantatório sem
verificação das afirmações. Ora, é preciso reconhecer que
a avaliação dos resultados está por inventar. Estamos
hoje em uma fase de balbuciamento perigosa à medida que
a contribuição efetiva do saber terá de ser demonstrada para
convencer os célicos. O único elemento tranquilizador a
colocar no dossiê é que existe agora, através do mundo,
um número suficiente de experiências notáveis, em níveis
locais, regionais ou nacionais, para que comparações,
aproximações, exames críticos sejam inelutáveis.
Ao longo deste estudo, cruzamos noções como
educação para as mídias com a atualidade e a cidadania. É
talvez necessário ousar falar agora de educaçao política.
Existe uma imensa perda de força em posicionar estas
ações por trás de uma "educação cívica" que certamente
reveste, de modo apresentável, esta problemática, porém
com uma grande perda de seu sabor para os jovens. Esta
timidez vem de um receio compreensível que leva a evitar
tudo o que pode ser percebido como uma provocação. O
campo político não tem boa audiência a não ser no
momento de promessas eleitorais. Depois ele torna-se de
novo tabu. Ora, sobre este ponto, é indispensável soar o
alarme. Com efeito, observa-se que as práticas
democráticas não aparecem nunca como uma educação
fundamental, como uma partilha de valores de nossas
sociedades. Elas são percebidas em nossos sistemas como
uma cultura secundária. Daí que não é surpreendente que
os debates políticos pareçam-se mais com o comentário
esportivo, com a terminologia das artes de combate do que
com a argumentação. A promoção (ou, se preferirmos, a
defesa) da democracia depende, em grande parte, desta
relação de implicação a ser inventada no cotidiano, de uma
descoberta e de uma apropriação pelos jovens de regras do
jogo a respeitar, sem dúvida a fazer evoluir. Ora, a interação
das mídias e da educação é aqui muito forte, como pudemos
observar ao longo dos exemplos que ilustraram os
diferentes capítulos. Cabe repetir que é angustiante
constatar que os homens que lutam mais pela democracia
são aqueles que são privados dela. O trabalho educativo a
partir das mídias, longe de ser uma espécie de exercício
artificial ou exótico, é antes de tudo a medida de nossa
liberdade cotidiana, uma oportunidade que nos é oferecida
para influenciar e dar vida a direitos que são resultado de
uma visão humanista, cujo sentido original é importante
reencontrar. Como diz François Châtelet: "Passa-se alguma
coisa de grave em nossas democracias ocidentais. As
pessoas incumbiram demasiada frequência a classe política
do cuidado de determinar, em seu lugar, suas finalidades.
Parece, com efeito, que as orientações políticas sejam
impostas do exterior ao conjunto da sociedade. Todos
sabem o quanto as democracias são frágeis e com que
facilidade se passa de uma democracia a um populismo
perigoso. Seria então tempo de restaurar o discurso coletivo
para que os indivíduos possam decidir em comum suas
próprias finalidades. Isto, porém, não diz respeito à pura
espontaneidade. É por isso que as pessoas devem ser
educadas"70.
Resta um elemento que explica o caráter
particularmente inovador que assumem numerosas
experiências educativas centradas nas mídias. Este
trabalho revoluciona a tradicional repartição dos papéis: o
professor é levado a adotar uma lógica dinâmica. Ele mal

70 Entrevista de François Châtelet em Éduquer à quoi bon?,


Anita Hocquad, PUF, 1996, 41.
pode dissertar sobre um objeto (as mídias) diante de alunos
formados para escutar. Estes últimos, pela própria natureza
do que está sendo estudado, tornam-se sujeitos no sentido
da educação nova, que centrava sua atenção nas
potencialidades da criança. Não se pode abordar
seriamente as mídias ignorando esta dimensão emotiva, o
imaginário, as mitologias da nossa época, em poucas
palavras, introduzindo elementos fortemente perturbadores
com relação às habituais disciplinas clássicas. Como não
ver, porém, que estas turbulências são fonte de vitalidade e
de renovação? Como não ver que elas obrigam ao
encontro os diferentes atores da comunidade educativa?
Após uma primeira etapa na qual os professores se
sentiram investidos da missão de fazer pressão sobre as
mídias, para beneficiar-se de produtos e de programas de
qualidade, depois uma outra fase na qual a ênfase foi
colocada na aprendizagem do distanciamento para saber
melhor escolher seu próprio ambiente midiático, parece
claro hoje que se assiste a uma abordagem ao mesmo
tempo mais realista, mas também mais ambiciosa. A
margem de influência sobre a paisagem das mídias é quase
nula para um indivíduo isolado. No máximo ele pode decidir
subtrair-se, com possibilidades incertas de sucesso, a este
ou àquele bombardeio midiático. Em compensação, ele
pode vincular-se por si próprio a um método de
compreensão do mundo no qual ele vive a partir de uma
leitura global de seu ambiente, multiplicando os ângulos de
ataque, aprendendo a dúvida, o distanciamento do que ele
acredita saber, admitindo, para além disso, que ele terá
primeiro que elucidar sua própria relação com as mídias.
Nesse sentido, a educação para as mídias ou, se
preferirmos, as mídias na escola adquirem uma importância
que lhes dá um estatuto próximo dos saberes de base. Do
mesmo modo que se aprende a ler, a escrever e a contar
para ter acesso a uma vida autónoma, amanhã aprender-
se-á as mídias porque elas são fonte de saberes, mas
também de manipulações. Aprender as mídias é o
prolongamento "natural" dos saberes de base. Tanto mais
necessário que se acredita já saber.
Surpreendente retorno às fontes da história do
pensamento! Eis que há cerca de 25 séculos Platão fazia
dizer ao estrangeiro em seu diálogo com Teeteto: "Não
saber nada e acreditar que se sabe: eis aí, tenho medo, a
causa de todos os erros aos quais nosso pensamento está
sujeito"71.

71 PLATÃO, Le sophiste, Les Belles Lettres, 1969, 229 c.

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