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FERNANDA GRIGOLIN MORAES

A FOTOGRAFIA NO LIVRO DE ARTISTA EM TRÊS AÇÕES:


PRODUZIR, EDITAR E CIRCULAR

CAMPINAS

2015

I
II
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES

FERNANDA GRIGOLIN MORAES

A FOTOGRAFIA NO LIVRO DE ARTISTA EM TRÊS AÇÕES:


PRODUZIR, EDITAR E CIRCULAR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes,
para a obtenção do Título de Mestra em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Cury de Tacca.

Este exemplar corresponde à versão final da Dissertação


defendida pela aluna Fernanda Grigolin Moraes, e
orientada pelo Prof. Dr. Fernando Cury de Tacca.

_______________________

CAMPINAS

2015

III
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Artes
Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Grigolin, Fernanda, 1980-


G877f A fotografia no livro de artista em três ações : produzir, editar e circular
/ Fernanda Grigolin Moraes. – Campinas, SP: [s.n.], 2015.

Orientador: Fernando Cury de Tacca.


Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.

1. Livros artisticos. 2. Fotografia. 3. Editores e edição. I. Tacca,


Fernando Cury de,1954-. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The photograpy in the artist book in three actions:
produce, edit and distribute
Palavras-chave em inglês:
Artists’ books
Photography
Publishers and publishing
Área de concentração: Artes Visuais
Titulação: Mestra em Artes Visuais
Banca examinadora:
Fernando Cury de Tacca [Orientador]
Paulo Antonio de Menezes Pereira da Silveira
Lúcia Eustáchio Fonseca Ribeiro
Data de defesa: 21-01-2015
Programa de Pós-Graduação: Artes Visuais

IV
V
VI
RESUMO

Relato de um percurso de pesquisa em arte. Fala-se de um tema, livros,


com o qual a autora possui uma relação como artista, pesquisadora e editora.
A fotografia e o livro de artista são relacionados sob três aspectos: a produção,
a edição e a circulação. É uma proposição que traz uma leitura sobre livros – e
divide-se em: uma proposta de escrita, que se aproxima do ensaio literário para
falar de livros bem como da escrita pessoal para abordar o contexto; uma proposta
de pesquisa em arte atrelada às poéticas visuais, caracterizando a experiência da
autora como uma artista que possui produção no tema e pretende interpretá-lo; uma
proposta de livro, recôncavo, e suas etapas de produção, edição e circulação. 

Palavras-chave: arte, poética visual, livro de artista, fotografia, edição de livro,


recôncavo

ABSTRACT

A report of the trajectory of an art investigation. The author speaks of a


theme, books with which she relates as an artist, a researcher and an editor. The artist
photography and book are related by three traits: production, editing, and promotion.
It is a reading proposition of books – and is divided in: (1) a writing proposal, which
is similar to a literary essay to discuss books, and close to the personal writing
to approach context; (2) a research proposal in arts linked to visual poetics and
characterizing the author’s experience as an artist that has other productions in this
theme and intends to interpret it; (3) a recôncavo [deep cavity] book proposal, with
its phases of production, edition and promotion.

Keywords: art, visual poetics, artist book, photography, book editing, recôncavo
[deep cavity]
 

VII
VIII
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 1

1) O PRODUZIR........................................................................................................ 9

1.1) O livro: a produção, o gráfico e o fotográfico  ........................................... 10

1.2) O livro de artista: vocação pública............................................................. 15

1.3) A fotografia no livro de artista ................................................................... 18

2) O EDITAR............................................................................................................ 25

2.1) Publicações independentes, autopublicação e livro de artista................ 25

2.2) Experiências de artistas: aproximações entre a fotografia e o livro........ 32

2. 3) Encarte Por que Livros? ........................................................................ 35

3) O CIRCULAR...................................................................................................... 49

3.1) Livro de artista, o político e a circulação.................................................. 49

3.2) Feiras de arte impressa........................................................................... 58

3.3) O fotolivro, a América Latina e seus espaços feiras................................ 64

 4) ARTISTAS E SEUS LIVROS.............................................................................. 85

4.1) Silent Book: a montagem inatual........................................................... 86

4.2) El Paraíso en el Piso 37: o tempo matéria perecível............................. 92

4.3) Welcome Home: a experiência do campo comum................................. 97

4.4) Salud: a narrativa menor....................................................................... 104

5) RECÔNCAVO................................................................................................... 113

5.1) O produzir: fotografia, poesia e livro...................................................... 114

IX
5.2) Narratividade experimental.................................................................... 120

5.2.1) E antes de recôncavo, o que vem............................................ 129 

5.2.2) Retratos da Garoupa............................................................... 134

5.3) recôncavo, a edição, as versões.......................................................... 139

5.4) recôncavo: edição de novembro.......................................................... 150

5.5) O circular.............................................................................................. 158

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 159

REFERÊNCIAS..................................................................................................... 161

X
Dedico ao meu avô querido, Luiz Grigolin (o Luta), em memória

XI
XII
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Fernando Cury de Tacca;

À banca de defesa, composta por Paulo Silveira e Lúcia Fonseca, que toparam
estar comigo em plenas férias;

À banca de qualificação, que contou com Maria de Fátima Morethy e Lucia Fonseca,
e foi essencial para a finalização do mestrado;

À Rosana Chat, que cuida e encaderna meus livros desde o primeiro;

À Karina Francis Urban, que contribuiu com o projeto gráfico de recôncavo desde
o início;

A Eustáquio Neves, que me recebeu em Diamantina, e à Lilian Neves, que me
apresentou a cidade;

A todos os entrevistados, que falaram de seus livros e trabalhos;

Às suplentes da banca, Iara Schiavinatto e Lívia Aquino;

À Galciani Neves e Rafaela Jemmene que acompanharam a construção da


exposição;

Às pessoas que deram retornos essenciais ao processo de recôncavo:


Fábio Morais, Paula Borghi, Eder Chiodetto, Walter Costa e Talita Virginia;

Aos leitores atentos da dissertação:


Amália Barrio, Bianca Moschetti, Carina Baladi, Graziela Vancine, Jaqueline Soares
e Ruth Simão Paulino;

XIII
Aos queridos Laura del Rey, Marcelo Santos, Lila Botter, Brígida Campbell, Luis
Felipe Cunha, José Luiz Solsona, Thales Lira, Gustavo de Souza Gotto, Tiago
Spina, a quem recorri em momentos de dúvida no projeto gráfico;

Às revisoras porretas:
Ieda Lebensztayn e Natalia Cesana;

À Isabella Alves que fez a diagramação da dissertação e Daniela de Moraes e Laura


del Rey que me auxiliaram nas revisões e ajustes;

Aos colegas e amigos que estiveram comigo e testemunharam o livro ou da


exposição: Adriel Visoto, Alba Corte, Aleksandro da Costa, Ana Pinheiro, Bruno
Evangelista, Caroline Ramos, Daniela Avelar, Daniela de Moraes, Del Pilar Sallum,
Denise Valarini, Duda Xavier, Eduardo Lacerda, Eduardo Mello, Eliana Mastrelli,
Eliane Martins, Fernando Ribeiro, Glayson Arcanjo, Gordana Manic, Gui Mohallem,
Gustavo Torrezan, Joana Paula Camilo Pagliarini, Lia Lopes, Liene Saddi, Malvina
Sammarone, Marga Ledora, Maria Cláudia Miguel, Paula Cabral, Mariano Klautau,
Rayssa Ávila do Valle, Regiane Munhoz, Karin Mazorca, Karita Gonzaga, Katia
Fiera, Renata Negrão e à equipe da Oficina Cultural Hilda Hilst;

À equipe da Galeria de Arte da Unicamp;

À minha família que amo tanto, em especial minha mãe, Edna, e minhas tias, Lu,
Vanda e Marilena.

XIV
Introdução

A presente dissertação é o relato de um percurso de pesquisa em arte.


Falo de um tema, livros, com o qual possuo uma relação como artista, pesquisadora
e editora. Dividida em cinco capítulos, a dissertação é uma proposição que pretende
trazer o contexto sobre o qual atuo, o que sempre será uma visão, uma leitura
sobre livros.

Para tanto, a proposição divide-se em:

• uma proposta de escrita, que se aproxima do ensaio literário para falar de


livros (capítulo 4), bem como da escrita pessoal para abordar o contexto (capítulos
1, 2 e 3);

• uma proposta de pesquisa em poéticas visuais.

• uma proposta de livro, que será abordada no último capítulo (recôncavo), e


traz, em formato de diálogo, as etapas de produção, edição e circulação de um livro.

1
Ponto de partida

Não posso negar que o ponto de partida é a conjugação do fotográfico


com o livro. A escrita aqui nasce de um pensamento de imagem, de uma proposta
de edição de imagens.

O livro é uma mídia, tem na sua essência a multiplicidade e a potência da


circulação. A fotografia também possui, entre suas características, a multiplicidade e
a distribuição. No clássico Filosofia da caixa preta, Flusser afirma que o que mais
distingue a fotografia das demais imagens técnicas é como elas são distribuídas.

As fotografias são superfícies imóveis e mudas que esperam,


pacientemente, serem distribuídas pelo processo de multiplicação
ao infinito. São folhas. Podem passar de mão em mão, não
precisam de aparelhos técnicos para serem distribuídas. Podem
ser guardadas na gaveta, não exigem memória sofisticada para seu
armazenamento (FLUSSER, 1985, p. 67).

A distribuição arcaica da fotografia, do passar em mão em mão, tem na sua


essência a característica da portabilidade. Flusser afirma serem as fotografias folhas,
e elas se assemelham a folhetos. Não há a menor necessidade de grandiloquência
para uma fotografia existir, chegando a ser desprezível. Porém, Flusser ressalta que
a fotografia transcodifica a mensagem linear do folheto em imagem e o significado de
cada fotografia modifica-se de acordo com o canal de distribuição. Há uma relação
entre a fotografia e os aparelhos distribuidores, pois estes transformam a fotografia em
práxis. “Antes de serem distribuídas, as fotografias são transcodificadas pelo aparelho
de distribuição, a fim de serem subdivididas em canais diferentes; somente dentro do
canal, do médium, adquirem seu último significado.” (FLUSSER, 1985, p. 76).

Dessa forma, sendo o livro um meio, nele a fotografia adquire um


significado. Há convivência entre o gráfico, o fotográfico e o suporte. O vínculo da
fotografia com as artes gráficas é inegável, como o fato de esta relação estar presente
no cotidiano e nas maneiras de ser das pessoas (DRUCKER; MCVARISH, 2013, p.
135). Tampouco se pode negar a relação da fotografia com a arte contemporânea e

2
a própria relação dela com o livro de artista e suas práticas.

As ações produzir, editar e circular integram a produção do livro, sendo


ele uma ferramenta de expressão. Este trabalho parte do pressuposto de que
tanto a fotografia como o livro se fortalecem por serem múltiplos. Para realizar a
abordagem, levam-se em consideração pesquisas nacionais e internacionais sobre
o livro de artista, como as realizadas por Johanna Drucker (2004), Kate Linker
(2012), Liz Kotz (2007), Paulo Silveira (2001, 2004, 2008) e Regina Melim (2007,
2013); e sobre fotografia, de Vilém Flusser (1985), Joan Fontcuberta (1997, 2014),
Walter Benjamin (2000), André Rouillé (2009), entre outros.

Os cinco capítulos desta dissertação traçam paralelos e caminhos a


respeito de um tema deveras complexo. Como a mim interessa o campo das artes
visuais, não é de qualquer livro que falo, é do livro de artista que parto. Todavia, a
atuação em livros é diversa. E, muitas vezes, contraditória e enriquecedora. Basta
ver as denominações que um mesmo “livro” abriga: para uns, ele pode ser um
livro de fotografia; para outros, um fotolivro; há ainda os que preferem chamar de
publicação de artista, e, em alguns momentos, ele pode ser fotozine. O que menos
busco é hierarquizar esses nomes ou defini-los um a um, ou mesmo categorizá-
los em cada uma dessas definições; obviamente, estes nomes vêm de contextos
e práticas de artistas, designers e editores. Escolher um nome e não outro é um
posicionamento que também advém do lugar de onde é permeado o discurso de
quem diz. Essas nomenclaturas todas são sinais do quanto falar de livros é falar
também de seus protagonistas e dos seus espaços de circulação.

Na dissertação, ao falar da produção, edição e circulação de livros,


busco pautar as ações sob uma perspectiva de autonomia e horizontalidade que
aparecem em vários momentos, tanto para falar de contexto quanto para falar do
processo no qual eu me inseri (para a execução do meu livro). Conceitos de artista
como produtor (BENJAMIN, 1994) e artista como intelectual público (SHEIKH, 2012,
2013) são essenciais para falar de livros, dos artistas e das relações de autonomia
e dos espaços de circulação.

Atrelo a dissertação à minha vivência e não posso negar o meu ativismo


político, realizado ao longo de dez anos. Assim, opto pelo livro de artista como um
meio de transmissão política e acredito que isso o torna mais interessante e urgente.
Acredito ser o ato de fazer política uma prática cotidiana e uma ação de produção,

3
reflexão e criação de espaços de interlocução.

Conforme expõe Josu Larrañaga Altuna, estamos assistindo a um dos


mais extraordinários e acelerados processos de dispersão, de hibridização, de
dissenso e extensão das práticas culturais, comunicativas e artísticas, um processo
que tem alterado completamente a própria ideia do que chamamos arte (ALTUNA,
2010). E em tempos como os de hoje, a conexão arte-política é extremamente
complexa.

Habitamos tempos de redefinições da arte e reconsideração


da ideia de político (...), de reformulações da interdependência arte-
política, sejam quais sejam as formas que adquira esta conexão
entre ambas. Este estado de coisas reclama uma nova prospecção
das práticas de arte e das complexas redes institucionais que
intermedeiam o processo artístico. Neste sentido, convém sublinhar
que o capitalismo cognitivo (o capitalismo global) reforça a condição
política de toda arte, na medida em que a arte e a política participam
vetorial-centralmente em sua respectiva configuração simbólica e na
sua condição comunicativa, na produção de valor e na construção
do sistema no qual se inserem (ALTUNA, 2010, p. 1).

Assim, aproximo temas contemporâneos, como o fazer e ser artista, os


espaços autônomos conjuntamente ao livro de artista. Aproximo também países
latino-americanos1 e suas práticas comuns em livros (nos anos 1960 e 1970 e nos
dias atuais).

1
Contudo, a relação que se traça entre os países da região não advém de uma vontade de falar de
uma arte latino-americana, e sim de uma tentativa de deslocar o centro e realizar um pensamento à
margem (Ver: Santos, 1995).

4
Muitas pesquisas contemporâneas em livros tomei conhecimento nos
espaços por onde circulei, ao longo dos anos de 2012 e 20142. Sem os espaços
das feiras de publicação, a pesquisa não existiria, pois o processo de aproximação
e aprofundamento com os livros ocorreu a partir delas. Foi nas feiras que os meus
livros existiram. Aprendi a editar livros no compartilhar. E nos processos de encontro
conheci os livros sobre os quais comento.

2
Fui a eventos e encontros específicos de livros, como a Feria de Libro de Foto de Autor na Argentina
(em 2012 e 2013), Feira de Arte Impressa Tijuana (2012, 2013, 2014) e o Seminário Internacional
de Livro de Artista da UFMG (em 2013), além do Fórum Latino-americano de Fotografia (2013), do
Paraty em Foco (2014) e do Encontro Pensamento e Reflexão (2014). Há um fervilhar do tema, e o
que eu incorporo são as conexões de caminhos que percebi e li nesses momentos.

5
6
[ Produzir ] → [ Gerar ] → [ Compor ] → [ Conceber ] → [ Projetar ]

7
8
1) O produzir

A vida
é livro
e o livro
não é livre

Adília Lopes

O ato de produzir relaciona-se com o de gerar, compor, conceber e


projetar. São ações coligadas e que remetem à relação do artista-produtor. Walter
Benjamin, em um contexto histórico marcado pelo fascismo, pede aos escritores que
se aproximem dos produtores e percebam a força da tomada dos meios de produção
cultural. Benjamin acredita que os escritores1 do futuro são aqueles que passam a
ter uma posição consciente com relação aos novos meios de produção técnica, no
caso a fotografia, o cinema e a música (1994). Com este impulso, o escritor passa
a ser produtor, engaja-se e relaciona-se com outras formas de produção. O escritor
do futuro, assim, passa a ser o cineasta, o fotógrafo, o músico e – por que não? – o
artista que produz livro, já que o livro também parte de um meio de produção técnica,
é realizado em série e o artista que o realiza pode vir a ser igualmente um produtor.

Todavia não é de qualquer artista2 que Walter Benjamin fala, e sim


daquele que realiza uma tomada consciente dos meios de produção e escolhe um
determinado lugar. Diferente do burguês “que produz obras destinadas à diversão”
(BENJAMIN, 1994, p. 120), o artista como produtor é aquele que atua desde um
lugar para a derrubada da distinção entre o material e o intelectual, também pela
união entre a técnica e a política. Benjamin afirma:
(...) somente com a superação das esferas
compartimentalizadas de competência no processo de produção
intelectual, que a concepção burguesa considera fundamentais,
transforma essa produção em algo politicamente válido
(BENJAMIN, 1994, p. 129).

1
Benjamin utiliza-se muito da palavra autor, contudo no mesmo texto ele diz que na imprensa (falando
especificamente da imprensa russa) há o desaparecimento entre autor e público. (Benjamin, 1994,
p. 125). Foucault (2000) e Barthes (2004) também discorrem sobre as relações históricas e sociais
que constroem sentidos para o que vem a ser denominado autor.
2
Benjamin fala do escritor, mas substituirei o termo por artista já que é possível fazê-lo sem perder o
sentido do texto. Ele cita exemplos da fotomontagem.

9
É a imprensa a instância decisiva, pois é nela que surge a comparação do
artista com o intelectual3. E torná-la como um espaço de produção válida para o artista
é uma necessidade, já que ela está vinculada ao capital (BENJAMIN, 1994, p. 125).

Se levarmos este espaço de produção válida para o livro (já que ele se
relaciona por completo com a imprensa), a discussão torna-se bem interessante.
Júlio Plaza já problematizou esta questão, trazendo a relação do livro de artista com
a produção industrial.
Colocar o problema do livro de artista é colocar
automaticamente dois outros aspectos que lhes são inerentes
e que delimitam a produção do livro como trabalho artístico:
primeiro, as relações entre o livro e seu sistema de produção
industrial e segundo, as relações das artes entre si, sobretudo
entre a literatura e as demais linguagens tais como: o jornal, a
fotografia, o telégrafo, o cinema, a propaganda e ainda tipos de
reprodução tradicional como técnicas reprodutoras das linguagens
artístico‑visuais (PLAZA, p. 2, 1982).

Assim, de acordo com Plaza, o livro de artista possui relações com a


produção industrial e com as artes e suas técnicas de impressão e reprodução. Algo
que trago a seguir.

1.1) O livro: a produção, o gráfico e o fotográfico

O livro e a fotografia, desde seu projeto embrionário, são objetos


reprodutíveis. Nasceram para serem múltiplos. Segundo McLuhan (1972), o livro
foi a primeira máquina de ensinar. Com a invenção da tipografia, o livro opera pela
repetibilidade, atributo inerente aos próprios caracteres da escrita. Isso porque foi
com a tipografia que houve a primeira mecanização de um ofício manual. A palavra
impressa, com a tipografia, passa a ser tecnologia e commodity.

A tipografia não é apenas tecnologia, mas, ela própria, recurso


natural ou produto básico, como o algodão ou a madeira ou o rádio: e,
como qualquer bem de produção, modela as relações intersensoriais
do indivíduo, bem como os padrões de interdependência comunal,
ou coletiva (MCLUHAN, 1972, p. 227).
3
No capítulo circular eu retomo esta questão com Sheikl (2012, 2013).

10
A tipografia permite ao livro ser uma forma de produção em massa,
mas foi possível realizar, com a litografia, criações sempre novas e reprodutíveis.
Walter Benjamin afirma que, desde sempre, a obra de arte foi reprodutível, porque
o ato de fazê-la sempre foi imitável4. Contudo, a reprodutibilidade técnica é algo
da Modernidade e, por meio de técnicas reprodutíveis, as artes gráficas passaram
a ilustrar o cotidiano. É com a litografia que tais técnicas atingem uma etapa
essencialmente nova.

Esse procedimento muito mais preciso que distingue a


transcrição do desenho numa pedra de sua incisão sobre um
bloco de madeira, ou uma prancha de cobre, permitiu às artes
gráficas pela primeira vez colocar no mercado suas produções não
somente em massa, como já acontecia antes, mas também sob a
forma de criações sempre novas. Dessa forma, as artes gráficas
adquiriram os meios de ilustrar a vida cotidiana (BENJAMIN,
2000, p. 166).

Com a litografia, as artes gráficas passam a atuar no mesmo nível que a


imprensa.

Mas a litografia ainda estava em seus primórdios quando


foi ultrapassada pela fotografia. Pela primeira vez no processo de
reprodução da imagem a mão foi liberada das responsabilidades
artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho
(BENJAMIN, 2000, p. 167).

Assim, a litografia, segundo Drucker e McVarish (2013), trouxe nova


flexibilidade para a produção de imagem e a fotografia trouxe novos códigos de
realismo. As autoras afirmam que, devido às condições industriais de produção e
distribuição, a cultura de massa floresce: imagens passam a circular mais facilmente
e a publicidade cresce. Desde então, a fotografia passa a ser o mais popular meio
de produção de imagem, os valores tonais antes compostos com pensamento da
gravura foram substituídos por abordagens que imitam os padrões de alto contraste

4
“Por princípio, a obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens tinham feito sempre pôde
ser imitado por homens. Tal imitação foi também exercitada por alunos para praticarem a arte, por
mestres para divulgação das obras e, finalmente, por terceiros ávidos de lucro. Em contraposição a
isto, a reprodução técnica da obra de arte é algo de novo que se vai impondo, intermitentemente na
história, em fases muito distanciadas umas das outras, mas com crescente intensidade” (BENJAMIN,
2000, p. 167).

11
da composição fotográfica, por exemplo. Porém, na história das artes gráficas, a
fotografia não é apenas tecnologia de produção de imagem. Ela também tem sido
metatecnologia que facilita a reprodução. A fotografia, vinculada às artes gráficas,
passa a mediar a relação entre as pessoas e as formas como elas estabelecem o
seu cotidiano, tanto público quanto privado (DRUCKER; MCVARISH, 2013, p. 135).

A relação de mediação entre as pessoas que é realizada pela entrada


da fotografia nas artes gráficas foi intensificada com a evolução da litografia para
o offset. Com o offset5, a tecnologia de impressão e de reprodução fotográfica
tornou-se gradativamente melhor e mais acessível e permitiu a percepção, no
impresso, de detalhes finos. A exposição de uma chapa plana fotossensível era
mais barata e mais rápida do que fazer a gravação em relevo, o resultado disso
foi um aumento de imagens fotográficas reproduzidas em escala. A integração
de imagens documentais em revistas tradicionais também se popularizaram. Nos
anos 1940, a revista Life, por exemplo, já era impressa com fotografias. E este
repertório do design gráfico foi ampliado pela indústria cujo alcance também foi
estendido às artes visuais (DRUCKER; MCVARISH, 2013, p. 217 -218, 232).

Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, historiador e pesquisador de livro e


de fotografia, afirma que a história das artes gráficas pode ser dividida em período
pré e pós-fotográfico. “A presença da fotografia, através da introdução da reprodução
fotomecânica em suas diversas variantes, ao longo da segunda metade do século
XIX, trouxe consequências profundas ao universo do design gráfico” (ANDRADE,
2003, p. 60).

A imagem impressa e a fotografia tiveram, em alguns momentos, os


mesmos protagonistas: Nièpce iniciou experimentos com litografia. The Pencil
of Nature, de Fox Talbot, foi o primeiro livro ilustrado com fotografias. Hércules
Florence fez experimentos de impressão gráfica. Dessa maneira, as artes gráficas
(componente essencial e conformador do livro) e a fotografia possuem relações
históricas e ontológicas. Outro ponto da reprodutibilidade técnica, igualmente
importante, é a questão política, também observada por Walter Benjamin:
5 O offset possibilitou a separação em quatro cores e ampliou as capacidades gráficas tan-
to para a indústria cultural quanto para as artes visuais. Drucker e McVarish (2013) desta-
cam a relação das artes visuais com as artes gráficas já no início do século XX. Por ex-
emplo, a fotomontagem, uma técnica de vanguarda artística, tornou-se uma técnica de
design nos anos 1920, isso devido à inovação técnica da fotografia e da indústria gráfica.

12
Com a reprodutibilidade técnica, a obra de arte se emancipa,
pela primeira vez na história, de sua existência parasitária,
destacando-se do ritual: a obra de arte reproduzida é cada vez mais
a reprodução de uma obra de arte criada para ser reproduzida. A
chapa fotográfica, por exemplo, permite uma grande variedade de
cópias; a questão da autenticidade das cópias não tem nenhum
sentido. Mas, no momento em que o critério da autenticidade deixa
de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se
transforma. Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em
outra práxis: a política (BENJAMIN, 2000, p. 126).

O deslocamento da obra de arte vinculada à questão ritual para a questão


política permite que a obra venha a ser realizada para ser exposta em qualquer lugar,
sem se restringir a espaços de função ritual. Tal emancipação permite também, de
acordo com Walter Benjamin, a saída do valor de exposição antes vinculado ao valor
de culto. Contudo, a secularização se inscreve, de fato, na arte contemporânea.

André Rouillé, ao refletir sobre a arte contemporânea, retoma a análise


feita por Walter Benjamin e problematiza a questão de ser a obra de arte um
instrumento político por si.

A imagem não é mais um objeto inerte a ser contemplado,


aliás, tampouco é, por si só, um instrumento político. Só quando
inserida na ação ou na luta é que ela pode produzir efeitos políticos:
só ao ser levada por indivíduos ou grupos é que ela toma vida e, em
troca, gera sentido. A imagem estática pregada na parede opõe-se
à imagem transportada, utilizada, rasurada, etc., inserida em uma
dinâmica social e humana. Contra a solidão do artista, e ao contrário
do individualismo e do coletivismo, o trabalho é concebido no modo
de coprodução, em um equilíbrio entre o grupo e a singularidade
de cada um, entre o “nós” e o “eu” em que se trata de experimentar
a imbricação íntima e frágil. Contra a distância e a coisificação do
outro, imposta pelas leis – da rentabilidade e da concorrência – em
vigor na indústria das imagens, busca restabelecer a duração e a
proximidade, para reatar o elo social, inventar novas formas, e abrir
um campo de ações sociais para a arte (ROUILLÉ, 2009, p. 401).

Inventar novas formas e abrir o campo de ações sociais para a arte podem
ser ações situadas sob a visão teórica de Rouillé, que afirma ser a secularização da arte

13
um fato contemporâneo. Há um deslocamento dos limiares e barreiras, deslocamento
temático de procedimentos que questionam a própria circulação da arte.

A secularização é precisamente este processo por meio


do qual as obras se voltam do interior para o exterior da arte.
Misturam-se o mundo e a arte, afrontam-se e exploram-se em
novas configurações, sem, no entanto, se confundirem. Os temas,
as formas, os procedimentos, as áreas e os modos de circulação
da arte, bem como a figura do artista, encontram-se profundamente
transformados. Questões outrora proibidas ou impensáveis – sexo,
feminismo, mídias, intimidades, etc. – transitam pelas obras mais
pertinentes hoje em dia e os funcionamentos políticos da arte são
redefinidos (ROUILLÉ, 2009, p. 389).

De acordo com Rouillé, a incorporação entre mundo social e fotografia é


o principal aspecto da secularização da arte. Há esgotamento estético dos materiais
tradicionais. Talvez por esse motivo, a fotografia ganhe status de arte no contemporâneo.

Após muitas décadas de abstração, depois dos movimentos


minimalista e conceitual, a arte reata explicitamente com o mundo.
Ela se seculariza. A fotografia, que para Warhol foi uma ferramenta
capital, é um dos principais materiais da arte a partir dos anos 1980.
Em menos de vinte anos, seu papel e sua ação mudaram porque
a situação da arte (e da sociedade ocidental) também mudou
profundamente (ROUILLÉ, 2009, p. 355).

Para Rouillé, a união de arte e fotografia se concretizou na década


de 1980 . Ou seja, faz pouco mais de trinta anos que a fotografia saiu do “papel
6

subalterno e acessório para tornar-se um componente central das obras” (ROUILLÉ,


2009, p. 21). Não por acaso a fotografia desempenha tal papel. O autor ainda afirma
que, na arte contemporânea, a fotografia contribuiu para a renovação da alegoria7,
que é efeito e motor da secularização da arte:

6
Rouillé enfatiza a produção exponencial a partir dos anos 1980. Contudo, a afir-
mação do autor é controversa já que houve a fotomontagem no início do sécu-
lo e também a participação essencial da fotografia na arte conceitual nos anos 1960.
7
Segundo Lauro Junkes (1994), a alegoria fixa o movimento da história. Nela, a historicidade aparece
como forma. Em consequência, a alegoria apenas conhece a história como história do declínio,
como movimento direcionado ao passado, não ao futuro.

14
Do documento à arte contemporânea, a fotografia oscila
entre o rastro da impressão (do parecido, do mesmo, da repetição
mecânica, do unívoco, do verdadeiro), para a figura da alegoria
que, ao contrário, é duplicidade, ambiguidade, diferença e ficção
(ROUILLÉ, 2009, p. 383).

O conceito de alegoria que Rouillé traz é discutido, primeiramente, por


Walter Benjamin. “A alegoria se instala de forma mais estável nos momentos em
que o efêmero e o eterno mais se aproximam” (BENJAMIN, 1984, p. 247).

Na arte contemporânea, a obra afirma-se como ruína e cada vez menos


há o original na composição artística. Assim, notam-se “formas-escombros”,
fragmentação e dissociação. Existem contradições sem soluções e, muitas vezes,
simultaneidades de formas e procedimentos de origens diversas. Talvez parte da
secularização esteja na relação sujeito-objeto, em que se confundem o que vê e o
que é visto.

Dentro do que compete à secularização da arte, está inserida a questão


do livro de artista, o qual, de acordo com Johanna Drucker (2004), tem em suas
características ser imersivo, absortivo e possuir um conjunto estruturado de códigos
que não desaparecerá tão cedo, mesmo com os dispositivos e meios digitais.

O livro de artista, para Drucker (2004), é questão do século XX por


excelência. Ele aparece em cada grande movimento, tanto nas artes visuais quanto
na literatura, e tem proporcionado meio de realizar trabalhos de vanguardas, de
grupos experimentais e independentes. É um espaço de intersecção de disciplinas,
campos e ideias.

Dentre as diversas possibilidades do livro de artista, Drucker destaca a


potencialidade de ser múltiplo e, devido a essa possibilidade, sua relação política de
ter vocação pública, que é o que mais interessa.

1.2) O livro de artista: vocação pública

“Vocação” é termo derivado do verbo no latim vocare, que significa


“chamar”. E o “chamado” do livro é público. A força do livro, para Linker (2012), é

15
libertar a arte de seu isolamento tradicional: constitui meio de transmitir informação,
de modo diferente da arte, por seu baixo custo e acessibilidade. Ele é forma histórica
direta, informal, rica de associações na consciência pública. Assim, há a retirada da
mediação da arte, antes realizada por espaços institucionalizados, e a criação de
outros espaços, outros territórios, onde quem produz, edita e faz circular o livro
pode ser o próprio artista.

Essa aproximação entre arte e vida também foi ressaltada por Leszek
Brogowski, professor polonês da Universidade de Renné, na França. Brogowski
observa8 que o livro de artista é parte integrante da vida e suas práticas vão muito
além de ser um objeto de luxo. Há uma nova aliança em torno da arte e do livro e
da vida.

Brogowski destaca ainda o papel subversivo do livro: ele simboliza a


revogação artística da obra de arte como fetiche-objeto, pondo em crise o sistema
institucional. Seguramente, a subversão contida nos livros se vincula a seu caráter
público e também à sua impossibilidade de definições exatas e completamente
fechadas. O livro de artista é incerto e de natureza resistente (assim como subversivo).

A força crítica do livro de artista se baseia em sua participação


decisiva nesse processo de revogação artística da obra como um
objeto-fetiche de mercado, e na alternativa que ele constitui assim
em relação ao sistema institucional, ou seja, a transferência da
prática da arte para o território do livro, seus contextos (o mercado
do livro, os dispositivos de leitura etc.) e suas instituições (livrarias,
bibliotecas, tanto públicas como privadas, mesmo íntimas etc.). Como
experiência, a prática da arte se inclui, portanto, na cultura do livro9.

Desde o início do século XX, a ideia de que o artista pode criar um


livro diretamente e por meios de produção sob seu controle é característica das
vanguardas; todavia, a ideia do livro de artista como múltiplo, com produção e
distribuição massivas, é questão do pós-Segunda Guerra e da arte contemporânea.
Isso porque há maior disponibilidade de meios de produção de livro com baixo
8
BROGOWSKI, Leszek. Experiências editoriais na universidade: produção e circulação de
publicações de artista. In: O LIVRO DE ARTISTA NA UNIVERSIDADE, 29 de outubro de 2013,
UFMG.
9
BROGOWSKI, 2011, disponível em: http://www.yasni.info/ext.php?url=http%3A%2F%2Feditionsd
elatransparence.com%2Fimages%2F30%2Fextrait_1.pdf&name=Aur%C3%A9lie+Noury&showads
=1&lc=es-es&lg=es&rg=fr&rip=br. Acesso em: 18 jul. 2014.

16
custo de reprodução nos Estados Unidos e na Europa. Esse fato, combinado com
as grandes mudanças no mundo da arte em 1950 e no início de 1960, fornece
base crucial para o livro do artista como múltiplo democrático. Vários movimentos
coletivos foram fundados, como é o caso do Fluxus (DRUCKER, 2004).

As três ações – produzir, editar e circular – integram o próprio entendimento


do que é o livro de artista, o qual se aproxima da afirmação feita pelo pesquisador
brasileiro Paulo Silveira:

O livro de artista, no sentido restrito do termo, é um produto


quase sempre múltiplo e que põe em ação o gesto artístico de
publicar. Como tal, não abre mão de atingir o seu público, onde
ele estiver. Ele agrega à arte o conceito de mídia. Mas isso não
significa que se banalize. Ao contrário, nos seus primeiros tempos,
a sua presença causava estranheza, tanto no circuito das galerias
e museus, quanto no mundo das livrarias e bibliotecas. A indagação
proposta, mesmo tão simples, causava perplexidade: como ver
essa arte? Ou ainda há para ser lido nesse livro? Havia razão para a
inquietude. Não se tratava mais de apenas ler e ver, paralelamente,
uma obra de colaboração, por exemplo, entre um artista e um
escritor. Tratava-se de algo novo, um pouco mais que ver ou ler, uma
possível oferta de novos mistérios, de novas reflexões (SILVEIRA,
2008, p. 59).

Para Drucker (2004), o livro de artista possui caráter ambivalente (tendo


em si a negação do livro e sua destruição de formas) e intermídia, podendo ser
compreendido sob duas perspectivas: ser categoria artística inaugurada com a
arte conceitual; e ser produto artístico da arte contemporânea. O fato de o caráter
do livro de artista estar entre muitas mídias, muitas plataformas, interessa para os
estudos, conforme expõe a pesquisadora Maria do Carmo de Freitas Veneroso, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Pela sua própria natureza híbrida e mutante, o livro está


situado frequentemente na intersecção entre diferentes mídias.
Impressão, escrita, fotografia, design gráfico, entre outras coisas,
convivem num espaço no qual não cabem definições fechadas, já
que o livro de artista é múltiplo, possibilitando assim diversas formas
de aproximação. Nele, palavras e imagens convivem sem que haja
necessariamente uma relação hierárquica entre elas (VENEROSO,
2012, p. 17).

17
Uma relação muito importante no livro de artista é a existente entre a
palavra e a imagem. Porém, diferente da literatura, em que a imagem é suplemento
do texto, no livro de artista há outra forma de articular elementos verbais e visuais,
conforme ressalta Amir Brito Cadôr, artista, pesquisador e professor da UFMG:

Os livros de artista, de modo geral, articulam os elementos


verbais e visuais de uma forma diferente do que acontece na
literatura, a imagem não é um suplemento do texto, mas faz parte do
texto ou até mesmo substitui a escrita, em uma espécie de escrita
visual (CADÔR, 2012, p. 167).

Fotografia é mais uma entre as tantas mídias utilizadas no livro de artista.


E não necessariamente todo livro de fotografia é um livro de artista. Contudo, há
muitos livros de fotografia que podem vir a ser livros de artista.

Um livro fotográfico que é mais do que apenas um álbum e que


reclama uma funcionalidade outra, se coloca passiva ou ativamente
num território diferenciado sobre o qual estão se construindo estas
reflexões. Constatamos a presença de agentes (ou atores) que
geram e fazem circular bens simbólicos, por isso cabe lembrar
do lugar compartilhado por esse mercado. Trata-se do território
disponibilizado pelos novos gêneros de arte, a intermídia, espaço
de trânsito interdisciplinar artístico, teórico e comunicacional,
constituído especialmente na segunda metade do século XX
(SILVEIRA, 2001, p. 81).

1.3) A fotografia no livro de artista

Rose is a rose is a rose is a rose.

Gertrude Stein

Um dos primeiros livros de artista a serem considerados como tal foi


o livro fotográfico Twentysix Gasoline Stations (1962-1963), do estadunidense
Edward Ruscha. A obra de Ruscha foi a primeira a demonstrar que o livro pode ser
veículo primário para a expressão artística individual.

18
Twentysix Gasoline Stations é um livro de 48 páginas, de 18 x 14 cm.
Miolo com fotografias em preto e branco de 26 postos de gasolina situados na
antiga Rota 66, entre Los Angeles e Oklahoma, impressas em papel offset. Capa e
lombada com títulos em vermelho. Impressão industrial.

Um livro simples, com três edições, tendo sido a primeira a edição do autor
(de quatrocentos exemplares), pela fictícia editora National Excelsior Publication.
Há, no livro, aparente conexão óbvia entre título e conteúdo, pois o primeiro diz
sobre o segundo. Ruscha o definiu, entre muitas coisas, como simples coleção
de fatos, e as fotografias como sendo meros instantâneos. As imagens possuem
movimento e ruído excessivos, além de a sombra de Ruscha aparecer em uma das
fotografias. O que faz parecer que o autor desconhecia o dispositivo fotográfico,
contudo, é apenas uma pista falsa, pois Ruscha compreendia, estudava e revelava
suas próprias imagens.

De acordo com Ruscha, o livro é o olhar e não a fotografia. Dessa


maneira, o seu não é um livro de fotografias como os classicamente anteriores a
ele – por exemplo, The American (1959). Porém, conforme Ian Walker (2012), há o
interesse de Ruscha no trabalho de Walker Evans, em especial no livro American
Photographs (1938), e no trabalho de Robert Frank, The Americans; com certeza
Ruscha os encontrou, porém foi por outro caminho. O livro de Ruscha centrou-se na
presença icônica do objeto cotidiano comum e em um desejo de empurrar para trás
os limites da arte (WALKER, 2012, p. 112).

Twentysix Gasoline Stations é um livro cujo projeto gráfico, proposta


de edição, tipografia e outros elementos constituem escolhas do artista. Produção,
edição e circulação passam a ter a mesma relação e a ser objetos de escolha do
artista. Todos são parte do esforço complexo e orientado para dar sentido à proposta
no mundo. Segundo Mark Rawlinson, a obra de Ruscha traz à tona um conjunto
particular de problemas, relacionados à concepção, à produção e à distribuição de
arte. (RAWLINSON, 2013, p. 20-23).

Twentysix Gasoline Stations foi o primeiro de uma série de livros


produzidos entre 1960 e 1970. De acordo com Drucker (2004), o trabalho de
Ruscha foi estabelecido como exemplo de prática, já que ele produziu uma série

19
de livros em formato consistente. Para Drucker, cada novo trabalho se referenciava
aos antecessores, sempre em capas brancas e com o mesmo estilo de letra. Nos
livros de Ruscha não há nada que se assemelhe a livros raros ou frutos de edição
limitada. Eles são ações comerciais, realizadas em impressões comerciais da
época. Essa aparência dá aos livros identidade distinta, de uma publicação neutra,
quase incidental, embora sejam cuidadosamente projetados. Outro fator destacado
por Drucker é que o trabalho de Ruscha é feito para ser barato e para circular
amplamente, para estar disponível ao público que não podia pagar pelo objeto
de arte. Uma forma de prática já iniciada com o Fluxus no final dos anos 1950
(DRUCKER, 2004, p. 75).

Os livros de Ruscha são comparados aos ready-mades de Duchamp e


inauguram outro lugar para a arte. Assim, como os ready-mades, os postos de gasolina
foram escolhidos. Foram tomados a partir do cotidiano e rearranjados (tirando-lhes a
utilidade). Vale a pena, por isso, pôr em discussão questões pertinentes aos ready-
mades, nas palavras do ensaísta e poeta mexicano Octavio Paz:

O ready-made não postula um valor novo: é um dardo contra


o que chamamos valioso. É crítica ativa: um pontapé contra a obra
de arte sentada em seu pedestal de adjetivos. A ação crítica se
desdobra em dois momentos. O primeiro é de ordem higiênica, um
asseio intelectual: o ready-made é uma crítica do gosto: o segundo é
um ataque à noção de obra de arte. Para Duchamp o bom gosto não
é menos nocivo que o mau. Todos sabemos que não há diferença
essencial entre um e outro – o mau gosto de ontem é bom gosto de
hoje – mas que é o gosto? O que chamamos belo, formoso, feio,
estupendo ou maravilhoso sem que saibamos de ciência certa a sua
razão de ser: a fatura, a fabricação, a maneira, o odor – a marca de
fábrica (...). O ready-made é uma crítica da arte “retiniana” e manual:
depois de provar a si mesmo que “dominava o ofício”, Duchamp
denuncia a superstição do ofício. O artista não é um fazedor, suas
obras não são feituras mas atos (PAZ, 2008, p. 23-25).

Anne Cauquelin também comenta que, nos ready-made, a intervenção


do fazer do artista é, em resumo, mínima. “O primeiro produtor da obra é o industrial,
o segundo é o artista que escolheu utilizar um objeto fabricado. O artista identifica-
se com uma etapa da produção industrial, contribui com um simples ‘coeficiente de
arte’. Ele faz um aporte ao ready-made, mas também ao fabricante”. (CAUQUELIN,
2005a, p. 97). Mesmo com aporte dado ao fabricante, para Thierry De Duve o

20
ready-made foi ao encontro do que é mais elementar na arte. “Com um gesto
de economia exemplar, Duchamp foi direto para a prática mais primária, a mais
elementar (notar que eu não disse essencial) de toda a prática artística modernista,
ou seja, que as obras de arte são mostradas, a fim de serem julgadas como tal”
(DE DUVE, 1996, p. 96).

Conforme o próprio Ruscha diz, os postos de gasolina são extensões de


ready-made em forma fotográfica. Contudo, Ruscha considera a fotografia apenas
como algo que substitui o posto de gasolina. A fotografia, por si, não significaria
nada, elas não são feituras, mas atos. O posto é o mais importante. “A visão
silenciosa dos postos de gasolina dentro de cenários (ou os constituindo) tipicamente
estadunidenses, no gosto e no aspecto, sem a presença humana, colaborou no
estabelecimento de uma estética do ordinário que nos é imediatamente associada
ao seu país.” (SILVEIRA, 2008, p. 76).

Ruscha fez tanto uma obra-chave de seu próprio tempo como uma pedra
de toque para o sucesso de sua geração de artistas, o que inclui fotógrafos como os
participantes da famosa exposição Nova Topografia10, de 1975, cuja curadoria foi
de William Jenkins. No catálogo o curador menciona Ruscha e sua influência nos
fotógrafos ali participantes, todos produtores de imagens banais11 que não tinham
relação com o canônico da fotografia de paisagem: as imagens de Ansel Adams,
por exemplo.

Mesmo com as quase cinco décadas que nos separam do momento em


que Twientysix foi publicado, ele ainda é referência. O livro, em certo sentido, ainda
é absolutamente daquele momento; no entanto, não é apenas uma curiosidade
arqueológica. Seu significado se deslocou ao longo do tempo e, simultaneamente,
manteve-se no presente. Assim, é possível sentir uma curiosa mistura de conexão
com este distanciamento. (WALKER, 2012, p. 124).
10
Patrícia Rodolpho (2012) afirma ser a exposição Nova Topografia um dos marcos da emergência
da fotografia na arte contemporânea dos Estados Unidos, já que se propunha a falar sobre uma
nova topografia originada pela ação do homem na paisagem. A abordagem de cada fotógrafo revela
um rompimento com a tradição da fotografia de paisagem estadunidense. Foi uma exposição que
influenciou postumamente todo um contexto das artes, mas que na época foi divulgada de forma
modesta na imprensa.
11
A estética do banal relaciona-se muito com a fotografia realizada nos Estados Unidos por esses
fotógrafos. Contudo, não se pode esquecer de Atget, que tinha o banal “como princípio do seu olhar
fotográfico” (TACCA, 2013).

21
Os pesquisadores destacam que o livro de Ruscha ainda pode ter esse
efeito desconcertante. Kotz (2007), ao tratar de arte conceitual, cita Edward Ruscha.
Para ela, em Twentysix Gasoline Stations, Ruscha nega qualquer relação com
os fotógrafos daquela época ao dizer que suas imagens não são nada além de
instantâneos. Assim como outros artistas – a exemplo de Victor Burgi, também citado
por Kotz –, Ruscha realizou modelos ainda não vistos na tradição do fotojornalismo
ou da fotografia dita artística daquela época, pois utilizou a câmera como ferramenta
simples para acúmulo de imagens ou documentação de ações.

De acordo com a autora, isso contribuiu para dois processos


completamente novos:

Não apenas empurrou a fotografia para uma nova centralidade


na prática das artes visuais, mas também fez com que ela fosse
adotada nos seus meios quase-mecanicistas da imagem que
perturba a própria posição e status do objeto precioso, único que a
arte tinha até́ então (KOTZ, op. cit., p. 216).

A perturbação causada pelos livros de Ruscha, por serem objetos banais,


é produto e produção do que Rouillé diz sobre a secularização da arte: na arte
contemporânea misturam-se o mundo e a arte. Há um deslocamento temático de
procedimentos e a circulação da arte é realizada de outras formas. A obra pode
ser múltipla, pode ser livro, por exemplo. E o artista pode ser editor de seu próprio
trabalho. Algo que virá a seguir.

22
[ Editar ] → [ Produzir ] → [ Editorar ] → [ Publicar ]

23
24
2) O editar

O artista contemporâneo já não se contenta apenas em produzir obras,


mas em prescrever sentido. Assim Joan Fontcuberta (2014) inicia o seu manifesto
pós-fotográfico. Em sua atuação, o artista confunde-se com o curador, com o
colecionador, com o docente, diz o autor no segundo item. E eu acrescentaria que
o artista confunde-se com o editor, já que nos itens quatro e nove do manifesto
Fontcuberta expõe:
Na função das imagens: prevalece a circulação e gestão da
imagem sobre o conteúdo dela (....). Na experiência da arte: se
privilegiam práticas de criação que nos habituarão à desapropriação:
compartilhar é melhor que possuir (FONTCUBERTA, 2014, p. 2).

O ato de editar, que inclui o produzir, o editorar e publicar, é um ato


antigo que remete ao início da imprensa, mas ele se torna vital para o exercício
do contemporâneo, já que foi na arte contemporânea que as publicações tomaram
um aspecto singular, o de ser um produto de arte. Desde o início do século XX, a
ideia de que um artista pode criar um livro diretamente e por meios de produção
sob o seu controle é uma característica das vanguardas. Todavia, a ideia do livro
de artista como um múltiplo com produção e distribuição massivas é uma questão
do pós-Segunda Guerra e da arte contemporânea. Mas, antes de falar do livro de
artista em si, é pertinente trazer um pouco sobre autopublicação e publicações
independentes.

2.1) Publicações independentes, autopublicação e livro de artista

A história das publicações independentes no Brasil e na América Latina


relaciona-se com iniciativas coletivas de movimentos literários e artísticos. As
revistas brasileiras, como a Revista de Antropofagia, Klaxon e Homem do Povo,
foram criadas pelos modernistas e tinham como iniciativa ser um produto literário
que se encontrava com outras artes. A Klaxon, por exemplo, foi publicada de 15 de
maio de 1922 a janeiro de 1923. A capa foi criada pelo poeta Guilherme de Almeida.

25
Em Cuba, a Revista de Avance, também de poesia, trazia o mais
experimental que era produzido na ilha, como Regino Pedroso. Também com
preocupações sociais e políticas existiram: a revista Martín Fierro, da Argentina,
e Horizonte1, do México. Esta última era vinculada ao movimento estridentista
de caráter interdisciplinar, grupo que contou com a participação de Tina Modotti e
Edward Weston.

No Brasil, apesar das iniciativas de vanguarda e vinculadas aos movimentos


literários, foi apenas nos anos 1950 que passaram a existir iniciativas editoriais
contínuas2. E mais a seguir, depois dos anos 1960/70, as publicações passaram a
ter a circulação com alcance latino-americano (no capítulo 3 falarei disso).

Segundo Gisela Creni (2013), os editores artesanais, a partir dos anos


1950, tiveram fundamental importância na divulgação de novos autores nacionais,
poetas estrangeiros e artistas plásticos. Antes de 1950, eram pouquíssimas as
iniciativas editoriais, como o caso de José Olympio (no Rio de Janeiro):

José Olympio e seu colaborador Tomás Santa Rosa foram os


responsáveis pela primeira revolução estética no mercado editorial
brasileiro, em meados dos anos 1940. A indústria gráfica nacional
até os anos 1950 ainda era incipiente e havia pouca tecnologia
disponível, tanto para a impressão de texto como para as ilustrações.
É somente a partir dessa época que os papéis e tintas começaram
a ser fabricados no Brasil. Até então, a produção brasileira de
materiais impressos de qualidade era pequena; os bons exemplos
casuais ficavam por conta de impressores particulares, amantes
das artes gráficas (CRENI, 2013, p.16).

As editoras artesanais são essenciais para a história das artes gráficas


no Brasil. Destaco alguns motivos: por serem espaços de percepção integral das
etapas de produção de um livro, trabalharem com baixo orçamento e mesmo assim
realizarem livros de qualidade, e terem como princípio a edição de autores estreantes
e sem vínculo com uma proposta de mercado.

1
Também no México, na mesma época, existia a revista Contemporáneo, que tinha entre seus
participantes o fotógrafo Manuel Álvarez Bravo.
2
Importante dizer que muitos modernistas se autopublicaram nos anos 1920, contudo não foram
formadas iniciativas editoriais que se fortaleceram ao longo do tempo.

26
Foi no final da ditadura Vargas que estas editoras passaram a existir fora
do eixo Rio-São Paulo. Surge o Gráfico Amador (Gastão de Holanda), em Recife;
Edição Dinamene (Pedro Moacir Maia), em Salvador; e Noa Noa (Cleber Teixeira),
em Florianópolis. O poeta João Cabral de Melo Neto também cria uma iniciativa
editorial em Barcelona chamada O Livro Inconsútil, que depois passa a existir no
Brasil e a publicar autores estreantes.

A importância cultural desses editores está, num primeiro


momento, vinculada ao aspecto gráfico, pois eles mostraram
por meio de suas publicações que o livro, como objeto de arte,
não se limitava à edição de luxo, apesar de apresentar algumas
características semelhantes. Em suas publicações, ficavam atentos
a todos os detalhes que compunham o livro, desde a folha de rosto
até o colofão. Preocupavam-se, sobretudo, com a qualidade do livro
enquanto objeto artístico e intervieram na forma gráfica do texto,
imprimindo manualmente suas próprias edições, numa tentativa de
recuperação do livro como objeto artesanal (CRENI, 2013, p. 17).

Mesmo com todo o cuidado e carinho, os livros realizados não tinham


pretensão de serem vinculados ao livro de luxo, fetichizado. Esses editores criaram
suas casas editoriais para poderem realizar suas próprias publicações e também de
artistas estreantes, pensando o livro de uma maneira integral.

Os editores artesanais, por meio do lançamento de suas


edições, que uniam literatura de autores estreantes ilustrada por
jovens gravadores e artistas plásticos com a impressão manual
tipográfica, mostraram o verdadeiro significado do livro como objeto
estético e cultural, além de se firmarem como verdadeiros editores
(CRENI, 2013, p. 22).

Simultaneamente aos editores artesanais surgem novas revistas literárias


e o movimento de Poesia Concreta, por exemplo. A revista Noigandres pode ser
citada. Ela foi realizada por dez anos (1952-1962), tinha como objetivo divulgar
poesia experimental e contou com importantes participações: Décio Pignatari,
Augusto e Haroldo de Campos, entre outros. Também nessa década Wlademir Dias
Pino realiza o primeiro livro de artista brasileiro (SILVEIRA, 2001), A ave, produzido
no início dos anos 1950 e editado em 1956.

Omar Khouri afirma que a poesia concreta inaugura outro lugar para a
palavra, o da visualidade:

27
A palavra é encarada como uma entidade sonora, semântica e
visual (gráfica), sendo a matéria-prima do poema. Persegue-se uma
sintaxe espacial, fugindo-se da linearidade do discurso. A vocação
intersemiótica da Poesia Concreta, aí, é explicitada ao evocarem, os
signatários do manifesto, além de poetas precursores, a importância
de músicos e artistas plásticos para a poesia que estavam a praticar
e a que viriam a fazer (KHOURI, 2012, p. 02)

É também nos anos 1960/1970, com a arte correio, que as mais variadas
publicações independentes tomam fôlego, bem como a imprensa alternativa. No
Brasil, o jornal Pif-Paf inicia suas atividades e tem colaboradores como Millôr
Fernandes, Ziraldo e Henfil. Para Gazy Andraus (2003), os fanzines3 surgem no
Brasil em 1965, com os boletins de história em quadrinhos, com a poesia marginal,
e têm forte relação com um meio: o mimeógrafo.

Nos Estados Unidos, os zines também se relacionam com a imprensa


underground e empreendimentos editoriais independentes, bem como com as
revistas das vanguardas artísticas, com a arte correio e o movimento beat (WRIGHT,
2010). O espírito “faça-você-mesmo” que tomou a estética beat, os chapbooks
mimeógrafos de poesia de Allen Ginsberg e a estética punk é o que movimenta
a ação dos zineiros e o ponto de encontro deles com o livro de artista e a rede
internacional estabelecida. Lucy Lippard, curadora e ativista, conta que no final
dos anos 1960 havia uma espécie de energia internacional inconsciente, de uma
interação entre artistas.

O movimento transdisciplinar Do it Yourself, que está sendo


redescoberto hoje em diversos contextos por uma geração muito
mais jovem, era um elemento integrante dessa rede internacional.
Você não se candidatava a subversões: você trabalhava apenas
com o que estava à mão. Para mim, o ponto principal da arte
conceitual estava nessa noção de fazê-la nós mesmos – ignorando
as instituições oficiais e a noção opressiva de ascensão no mundo
da arte (LIPPARD, 2012/2013).

3
A história dos zines é muito complexa e não cabe a mim destrinchá-la por completo. Vale a pena
consultar Histórias e características do Zine no site do Ugrapress.

28
Guilherme Falcão (2014)4, editor e curador da Plataforma Contra, ao
contar sobre a história do zine, falou dos meios de publicação e também da história
dos zines como ferramenta política, sua relação com os manifestos e panfletos
e também com a música. Ele também destacou a importância do mimeógrafo, e
depois a fotocópia, nos anos 1960/70. Hoje em dia, segundo ele, com o computador,
compor, editar e montar as páginas se tornaram processos sofisticados e podem ser
ferramentas de autopublicação.

O mimeógrafo também foi ferramenta editorial para a poesia. O


movimento denominado Alissara, durante a década de 1970, era formado por
intelectuais e poetas que, com a ditadura militar, passaram a usar o mimeógrafo
para difundir e fazer circular seus livros. Faziam parte do movimento Ana Cristina
Cesar, Francisco Alvim, Chacal, Cacaso, entre outros. Todos eram poetas marginais
e não tinham acesso ao mercado editorial vigente, que sofria fortes censuras. Alguns
textos tiveram grande circulação apenas em 1975, quando a pesquisadora Heloísa
Buarque de Hollanda editou o livro 26 poetas hoje, que também contou com a
participação do poeta maldito Roberto Piva5.

4
FALCÃO, Guilherme. Participação na mesa “O livro, a autonomia e a curadoria”. In: LIVRO DE
FOTOGRAFIA – MUITO ALÉM DA MESA DE CENTRO. Fauna Galeria: São Paulo: agosto/2014. O
evento ocorreu na Fauna Galeria com curadoria minha e participação de Armando Prado (fotógrafo)
e Walter Costa (Trama) e Paul de Castro (Universidade de Leeds) na mesa “Fotolivro, a coleção e
a pesquisa”; Ana Luiza Fonseca (Feira de Arte Impressa do Tijuana), Isadora Brant e Martina Brant
(ambas do Vibrant), Felipe Russo (fotógrafo) e Guilherme Falcão (Plataforma Contra), na mesa “O
livro, a autonomia e a curadoria”. A atividade foi uma ação do curso Experiências de artistas:
aproximações entre a fotografia e o livro, o qual ofereci por duas vezes na Fauna Galeria.

5
Piva não possuía relação com o mimeógrafo, mas teve seu primeiro livro, Paranoia, realizado em
dupla, com Wesley Duke Lee, em 1963, pelo editor e gráfico Massao Ohno, que também publicou
Eunice Arruda, e outros poetas paulistas. Paranoia, em sua primeira edição, era de tamanho 10 x
15 fechado, remetia ao formato de bolso fotográfico, os poemas surrealistas e as fotografias são
experimentos sobre e com a cidade de São Paulo. Apesar de forte relação com a psicodelia, os
poemas trazem citações conscientes de cânones literários ocidentais, como Petrarca. As imagens
monocromáticas e com muito ruído trazem ações pela cidade e relacionam-se com o caráter
experimental do livro. A segunda e a terceira edições não mantiveram o tamanho e a montagem
original.

29
Chacal, Quamperios, 1977, (reeditado em edição fac-smile pela Cosac Naify em 2007)

Além da poesia, o mimeógrafo foi aliado da arte correio. Na América


Latina, António Vigo (Argentina) e Paulo Brusky (Brasil), por exemplo, também
iniciaram a produção de impressos, publicações e livros nos anos 1960. Eles
produziam arte correio, que, para eles, era retomar as funções primárias da arte:
informar, protestar e denunciar.

Há uma diversidade de iniciativas e ações. Júlio Plaza afirma ser a arte


contemporânea “uma formidável bricolagem sincrônica da história (passada, recente
e presente) em contradição não antagônica” (2013), e a arte correio é parte desta
ação que ele denomina como “anartística”.

Os produtores organizam-se de uma forma espontânea e


por grupos de afinidade, para intercâmbio de ideias e troca ativa
de informações, caracterizando um fato de caráter internacional
(...) anartístico e paratático, individualista e de ascendência dadá,
onde se evidencia que ‘as artes não têm nacionalidade, o que tem é
estilo’(Octavio Paz) (PLAZA, 2013, p. 452-453).

Não é à toa que foi Plaza o curador do setor de arte postal da Bienal
de 1981, que reuniu trabalhos de mais de quinhentos artistas de todo o mundo.
O curador geral da Bienal, Walter Zanini, expõe a importância da arte postal em
entrevista a Hans Ulrich Obrist: “a arte postal tem raízes futuristas e dadaístas, e, na
minha opinião, se tornou um fenômeno importante da ‘desmaterialização’ do objeto
de arte em relação à nova mídia” (OBRIST apud ZANINI, 2009, p. 75).

30
Nos anos 1970, Plaza juntamente a Augusto de Campos autopublicam
Poemobiles: 13 objetos originais de Julio Plaza com textos de Augusto de
Campos6.

Cristina Freire, que foi curadora de uma exposição de livros de Julio


Plaza no MAC-USP, comenta sobre o que é a publicação para Plaza:

A publicação é um laboratório de linguagem para Julio


Plaza e representa uma possibilidade efetiva de experimentação
intermídia (para usar a expressão do artista Fluxus Dick Higgins) e
de intervenção política, especialmente pela abertura de canais não
oficiais de comunicação e exposição artísticos (FREIRE, 2013, p. 2).

Julio Plaza e Augusto do Campos, Poemobiles, edição original


de 1970, editada em 2010 pelo Selo Demônio Negro.

A autopublicação, bem como o editor artesanal ou o artista experimental


têm em comum muitas coisas, entre elas seria a quase ausência da divisão
tradicional do trabalho do livro. Isso porque quem realiza, edita, imprime e faz circular
a publicação é praticamente uma pessoa ou um grupo de pessoas. O preceito da
autonomia move a dinâmica do livro nesse caso. Assim, são os aspectos horizontais
os atos de editar, de imprimir e também de distribuir (na dissertação, preferiu-se
a palavra circular). Não são papéis divididos como em uma cadeia de produção
de um livro convencional. O artista, no caso específico do livro de artista, aglutina
funções, fato que faz lembrar o manifesto pós-fotográfico de Fontcuberta, já citado,
e também o termo artista etc, cunhado por Ricardo Basbaum (2005):
6
Em 2010, o projeto ganha uma segunda edição realizada pela editora Demônio Negro, do artista
gráfico e poeta Vanderley Mendonça, que montou uma a uma as caixas da segunda edição e seguiu
à risca a versão original do projeto de Plaza e Campos.

31
(...) e do termo artista, de onde variam outras denominações:
“artista-curador, artista-escritor, artista-ativista, artista-produtor,
artista-agenciador, artista-teórico, artista-terapeuta, artista-
professor, artista-químico” (BASBAUM, 2004, p. 22).

E foi o texto “Amo os artistas-etc” de Basbaum um dos companheiros da


pesquisa Experiências de artistas, que trago algo sobre ela a seguir.

2.2) Experiências de artistas: aproximações entre a fotografia e o livro

Imagens dos livros pesquisados para Experiências de artistas: aproximações entre a fotografia e o livro: Welcome Home
de Gui Mohallem; El Paraíso en el Piso 37 de Patricia Lagarde; Salud de Eduardo Carrera; historia, memoria y silencios de
Lorena Guillén Vaschetti; Pulsão escópica de João Castilho; Cartografia do meio de Claudia Zimmer; Jorge Soldado de Juan
Antonio Sánchez Rull.

32
Experiências de artistas

O livro Experiências de artistas: aproximações entre a fotografia e o


livro foi o resultado de uma pesquisa realizada ao longo do primeiro semestre de
2013 em três países – Brasil, México e Argentina –, sobre as relações da fotografia
com o livro de artista, e foi contemplado com o XII Prêmio Funarte Marc Ferrez de
Fotografia de 2012.

O recorte que atravessa as fronteiras brasileiras e dialoga com a


produção e a circulação de outros dois países latino-americanos é proposital.
Advém de uma vontade de pensar a arte a partir da América Latina; de empreender
um deslocamento do que se considera centro para um pensamento às margens7.
Obviamente, essa é uma primeira aproximação e o que é apresentado no livro está
longe de se pretender um panorama latino-americano.

Experiências... não teve caráter antológico muito menos de valoração


da produção desses países, mas, sim, de aproximação com espaços de circulação,
pesquisa de livros e publicações de artista e de livros de fotografia e com os artistas
“fazedores” que participam destes processos. Tais questões me acompanham no
mestrado.

Foram entrevistados:

• Propositores e protagonistas de espaços, como Regina Melim, da


Turnê (projeto itinerante de exposição, feira e debate sobre publicações de artistas,
coordenado junto a Fabio Morais e Maíra Dietrich); Carlos Carvalho, da Biblioteca
de Fotografia do FestFotoPoA (Porto Alegre/RS); Julieta Escardó, da Feria de
Libro de Foto de Autor (Argentina); Valentín Castelán, Alejandra Pérez Zamudio e
Mariana Gruener, da Feria Internacional de Libros de Artista (México) e do Festival
Fotoseptiembre; e Iatã Cannabrava, do Paraty em Foco (Festival Internacional de
Fotografia) e do Fórum Latino-americano de Fotografia (Brasil).

• Pesquisadores, como Amir Brito Cadôr (UFMG) e Paulo Silveira


(UFRGS): dois importantes pesquisadores em livro de artista no Brasil.

7
Entende-se por margem não o marginal, termo muito usual para denominar a literatura ou as artes
feitas fora do circuito nos tempos da ditadura. Aqui a reflexão se relaciona aos estudos pós-coloniais
e às questões trabalhadas por alguns teóricos sobre o lugar. Ver: SANTOS, 2006.

33
• Artistas-referência na área, como Edith Derdyk (Brasil) e Juan Carlos
Romero (Argentina).

• Artistas cujas obras participaram de feiras e espaços de livros: Eduardo


Carrera e Lorena Guillén Vaschetti (Argentina); Patricia Lagarde e Juan Antonio
Sánchez Rull (México); e Claudia Zimmer, João Castilho e Gui Mohallem (Brasil).

• A artista Rafaela Jemmene, da plataforma Sobrelivros; Daniela


Avelar, organizadora da Feira de Publicações Independentes do Sesc Pompeia; e
o professor brasileiro de fotografia e livro de fotografia, Marcelo Greco. Assim como
o artista colombiano radicado na Argentina, Rodolfo Lozano González, que possui
fortes relações com a feira argentina, onde tudo começou.

Em 2012, visitei a Feria de Libro de Foto de Autor, em Buenos Aires,


Argentina. Convidados a serem bibliotecários, artistas entregam os livros ao
público e, por muitas vezes, presenciam o momento de “leitura” de seu livro por
outra pessoa. Eu vi os 212 livros selecionados em 2012, um a um, sentada em um
espaço iluminado, com cadeiras e mesas apropriadas para ficar quanto tempo fosse
necessário com cada um dos livros.

A presente dissertação relaciona-se com esta pesquisa, por isso é pertinente


falar dela. Em Experiências... trouxe experiências de artistas argentinos, brasileiros e
mexicanos. Escolhi artistas que realizaram livros nos quais a fotografia está presente,
e os autores aparecem de forma autônoma no processo do livro. Logicamente, um
livro é um processo coletivo e isso foi levado em conta a todo instante.

Os artistas são diversos. Alguns publicaram livros por uma grande


editora e com circulação mundial, como é o caso de Lorena Guillén Vaschetti,
que teve Historia, memoria y silencios editado pela Schilt Publishing (Amsterdã,
Holanda). Outros realizaram seus livros de forma independente, porém com alta
tiragem, como Gui Mohallem e seu Welcome Home, ou por meio de editais, como
é o caso de João Castilho e seu Pulsão escópica. Dois artistas foram vencedores
de editais lançados pelas próprias feiras: o argentino Eduardo Carrera, com Salud,
e Juan Antonio Sánchez Rull, com Jorge Soldado. Já outros realizaram seus livros
com baixíssima tiragem ou sob demanda; é o caso de Patricia Lagarde e Claudia
Zimmer8.

8
Os livros Salud (Eduardo Carrera), Welcome home (Gui Mohallem) e El Paraiso en el Piso 37
(Patricia Lagarde) continuaram comigo na dissertação. Ver capítulo 4.

34
Para exemplificar, transformei em encarte a primeira parte do livro
Experiências de artistas, que é uma brincadeira com as respostas dos 22
entrevistados para a pergunta com que iniciei cada uma das entrevistas: “Por que
livros?” – assim, sem verbo; o verbo era o entrevistado que trazia. A seguir.

2.3) Por que Livros? 

35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
[ Circular] → [ Mover-se ] → [ Passar de mão em mão]
→ [ Transitar ] → [ Circundar ]

47
48
3) O circular

Na palavra circulação estão contidas três importantes ações relacionadas


ao livro: o mover-se, o passar de mão em mão e o transitar. Todas trazem em
si a portabilidade do livro e também a sua característica movente, da difusão e
da circulação. A pesquisadora Regina Melim afirma que tanto a difusão quanto a
circulação são maneiras de construir novos circuitos que podem vir a extrapolar os
espaços tradicionais das artes.
Pensamos que é a partir dela que podemos ampliar esta
participação e criar novos circuitos. Circuitos que vão além dos
espaços circunscritos de museus e galerias, a partir de um espaço
portátil, que, uma vez acessado, poderá ser transportado para a
realização de uma obra em qualquer lugar, a qualquer hora, em
diferentes contextos. Como um objeto transportável, uma espécie
de estrutura de inspeção oferecida à participação.
Este interesse por difusão e circulação de obras, conduzindo
à formação de novos circuitos, extrapolando o meio físico de
uma sala expositiva, traz à tona alguns questionamentos do
sistema da arte como um todo. Partes integradoras deste sistema,
composto especialmente por artista, curador e espectador, podem
se apresentar envolvidas de tal forma, que se veem em um dado
momento ampliadas e/ou deslocadas de suas funções (MELIM,
2006/2007, p. 2).

Outras características pertinentes à circulação são a formação de público


e a inserção da arte para além dos seus espaços tradicionais. Assim como suas
relações com o espaço público e a formação de uma contraesfera pública, de que
falarei a seguir.

3.1) Livro de artista, o político e a circulação

Com Fúria e Raiva

Com fúria e raiva acuso o demagogo


E o seu capitalismo das palavras

Pois é preciso saber que a palavra é sagrada


Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada

49
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse

Com fúria e raiva acuso o demagogo


Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra

Sophia de Mello Breyner Andresen, O nome das coisas

Ser reprodutível, acessível e de baixa manutenção são aspectos


importantes das publicações. Um livro, por mais que tenha uma pessoa ou um grupo
de pessoas por trás dele, vai além de uma marca individual; ele é coletivo, primeiro
porque pensado por mais de uma pessoa (envolve artistas, designer, impressor etc.) e,
segundo, porque vai para locais onde não necessariamente quem o produziu estará.
O livro se aloca em muitos lugares: na estante, na mesa, na biblioteca, na livraria, no
bolso, no corpo ou mesmo no esquecimento. A circulação é parte integrante do livro.
A utopia do livro é o encontro. Isso, independentemente do caráter dele, pode ser
literário ou de outra natureza; aqui, no caso, é o livro de artista.

Johanna Drucker (2008) afirma ser o livro um meio artístico com alto
potencial de circulação, com vida longa e com possibilidade de transmitir informação.
Para ela, o livro é um veículo de comunicação artístico e com possibilidades de ser
um meio de transmissão política.

E ser o livro de artista um meio de transmissão política torna-o mais


interessante e urgente. O político aqui não é entendido no campo do “militante”
político, termo que na América Latina ficou muito atrelado aos partidos de esquerda
tradicionais ou mesmo aos movimentos sociais clássicos e identitários; o político
de que parto é de perspectiva contemporânea, que muitas vezes não é tão simples
para se identificar. O militante passa a ser ativista, que vai ao encontro de ações
e proposições. Tal termo vincula-se ao agir e estar no mundo. De fazer política
como uma prática cotidiana e uma ação de transformação social. Não há mais um
lugar especial para se fazer política, por exemplo. Não há necessidade de filiações
partidárias ou mesmo sindicalizações ou estar em uma organização feminista

50
histórica. O ativista contemporâneo atua e constrói ações que questionam as lógicas
preestabelecidas do capitalismo e também as desigualdades de gênero, classe,
raça, porém ele vai além de uma lógica combativa ou de atuações em nichos. Há
um potencial transidentitário no contemporâneo, e as práticas de intervenção e ação
não são as mesmas que foram construídas anteriormente com a redemocratização
ou mesmo com as lutas de combate à ditadura.

O artista que é ativista de hoje deslocou o campo combativo da militância


e presentifica a própria produção como campo político. “O artista de hoje deve ter,
entre seus objetivos, o de criar ativamente um espaço que sugira um ambiente
reflexivo, contestando, não como luta, mas como presença, o local da produção.”
(GEYER, p. 131, 2008).

O papel desse artista aproxima-se do intelectual público (SHEIKH, 2012;


SCHMIDT-WULFFEN, 2008). Contudo, tal papel não é uma questão temporária ou
de um projeto artístico em específico que pretende responder a conflitos sociais e
retorna à prática de ateliê depois de um dia de pesquisa. Pelo contrário, trata-se de
questionar até que ponto o trabalho artístico pode ser crítico e trazer oportunidade
social no cotidiano (SCHMIDT-WULFFEN, 2008).

Assim, não há distinção entre o posicionamento artístico e o posicionamento


político. E, nesse processo, o paralelo entre política e arte é decisivo. A arte, bem
como a política, é vista como uma prática que se manifesta em uma estruturação ou
realidade (SCHMIDT-WULFFEN, 2008).

O fazer artístico está completamente vinculado com a forma de viver e de


estar no mundo. Por meio da arte são instauradas possibilidades de ressignificar o
que se vê. Por meio da arte se diz, e são realizadas ações de intervir na distribuição
do fazer e as suas relações entre as maneiras de ver. Jacques Rancière (2005) fala
da partilha do sensível, que deve ser realizada por meio do político e da produção.

Todavia, ao falar da relação arte e política, não cabe ao artista simplesmente


a politização da arte, e sim outras formas de emancipação e proposições.

O papel do intelectual público, antes um sujeito universal,


racional-crítico, passa a ser uma figura envolvida e não desvinculada.

51
Assim, o artista deve estar engajado no público e também deve ser
produtor de um público (SHEIKH, 2012, p. 8).

Duas ações pertencem ao artista: o engajamento e a produção. Para


Sheikh isso é possível por meio do contrapúblico, que é uma ação contra-hegemônica,
pautada na noção de resistência e transformação social, completamente diferente
do capitalismo e da formação da esfera pública burguesa:

Contrapúblicos (…) costumam implicar uma transformação


dos espaços existentes conforme outras identidades e práticas,
como nos célebres usos de parques públicos para encontros gays.
Aqui, o contexto arquitetônico, edificado para garantir certos tipos
de comportamento, permanece inalterado, enquanto o uso deste
contexto é drasticamente modificado: atos privativos são realizados
em público (SHEIKH, 2012, p. 12).

Sheikh afirma ser contrapúblico algo bem além da noção de uma ação
para a auto-organização; o contrapúblico vincula-se a enunciar outros sujeitos,
outros imaginários:

Contrapúblicos são ‘contra’ [apenas] para o espectro que


eles tentam promover, de diferentes maneiras, de imaginar
sociabilidades mais estranhas e suas reflexividades; como públicos,
eles permanecem orientados para circunstâncias mais estranhas
num sentido que não é apenas estratégico mas constitutivo de
associações e seus efeitos (SHEIKH, 2012, p. 12).

O pesquisador e artista brasileiro André Mesquita, que realizou uma


pesquisa contemporânea sobre arte e ativismo, também se utiliza do termo
contraesfera pública. Ele igualmente relaciona esse espaço com as novas formas
coletivas e suas práticas ativistas.

Coletivos de arte, movimentos autônomos e ativismo


contemporâneo estão imaginando novos espaços sociais,
promovendo interseções, concatenações em zonas efêmeras e
obscuras, transgredindo as fronteiras de seus campos de atuação,
produzindo uma contraesfera pública.

São relações que se fortalecem e se reinventam através


de novas situações e contextos, sem deixar de lado conflitos e
contradições (MESQUITA, 2008, p. 111).

52
Talvez seja o livro de artista o veículo criativo mais contrapúblico, pois
por meio dele circulam ideias, circulam projetos. Muitos pesquisadores reforçam em
seus estudos o seu caráter de engajamento.

“O livro de artista mudou profundamente a forma como se olha um livro.”


A afirmação é do pesquisador Leszek Brogowski (2011). Para ele, o valor crítico do
livro do artista é a “desestização” da arte, a qual corrói o sistema institucional da
arte na sociedade contemporânea. Para Brogowski, isso acontece porque o livro de
artista revoga da obra de arte a fetichização do objeto.

Obviamente, quando diz isso, ele fala de um lugar, não do livro de artista
único, objeto precioso; ele fala do livro de artista reprodutível, e é este que põe em
crise o sistema institucional da arte, pois o sistema de arte é vinculado ao valor de
mercado da obra de arte.

A força crítica do livro de artista baseia-se em sua participação decisiva


no processo de revogação do trabalho artístico como objeto fetiche comercializado.
Assim, o livro passa a estar vinculado ao valor de uso, que seria o valor das
necessidades humanas, e não haveria barreira entre o trabalho artístico e a atuação
no cotidiano.

Outros pesquisadores também trazem a reflexão sobre aspectos mais


libertários do livro de artista. Segundo Martha Hellion1, artista e pesquisadora
mexicana, o livro de artista não é um gênero, mas toda uma forma de ser:

O livro, como matéria, ocupa um lugar no espaço, mas sua


materialidade inerte se transforma em um corpo vivo porque a ele
é transmitida memória, pensamento e vida em uma temporalidade
variável, e isso pode ser percebido completamente ao abrir o livro;
quando nos voltamos a ele com o olhar deslizando-o pela superfície
de suas páginas, fazemos neste instante com que ele nos transmita
seus conteúdos e, ao fechá-lo, voltamos à realidade de nosso tempo
(HELLION, 2012, p. 111).

As narrativas do livro de artista são como corpo vivo que não se limita ao
formato dado, ele busca outras dimensões do espaço.

1
Martha Hellion é uma das protagonistas do livro de artista na América Latina.

53
Os livros de artista se convertem em atores independentes
para os quais se cria a obra, se desenha o vestuário e se escolhe
o espectador para quem vai atuar, se apresentam no âmbito
performativo como uma mise en scène na qual sua interpretação,
seja oral – falado por si mesmo ou no sentido figurado –, por meio
da noção visual do texto, ou puramente visual, sempre se dirige em
direção a formas discursivas e narrativas (HELLION, 2012, p. 111).

Durante o exílio, vivido na Inglaterra, Martha Hellion criou, juntamente


com Felipe Ehrenberg, a editora Beau Geste Press/ Libro Acción Libre2.

As publicações tiveram início nos anos 1960, época em que a maioria


das obras de artista surgiram: tanto no formato de impresso, de livros de artista
quanto de revistas, ligadas à arte postal e à arte política. Foram fontes alternativas
em distribuição e comunicação, e muitas vezes eram disseminadas de forma
clandestina.

Fotografias, filmes, livros de artistas circularam como envios


postais numa rede em que os participantes, em diferentes pontos
do mundo, responderam a um chamado pelo correio e alguns
importantes arquivos geraram-se pela atividade desses artistas,
que se viram imbuídos da necessidade e do desejo de guardar e
organizar o que recebiam (...). Os livros de artistas, as fotografias
de ações e performances, os textos e manifestos, assim como a
poesia experimental em suas mais variadas realizações, excluídos
das coleções museológicas, sobrevivem, às vezes precariamente,
nesses arquivos de artistas (FREIRE, 2009, p. 13).

Dessa forma, a história do livro de artista está completamente relacionada


com a contestação e a prática de combate à ditadura, como diz a pesquisadora
brasileira Cristina Freire: “As turbulências políticas, a repressão do Estado e os
regimes militares e ditatoriais foram contextos indissociáveis das formas de produção
e distribuição artísticas do período” (FREIRE, 2009, p. 1).

Nos anos 1960 e 70, as revistas eram produzidas coletivamente por artistas,
tinham um caráter artesanal e circularam frequentemente pela via postal em uma rede
2
Felipe Ehrenberg conta que a editora nasceu em um contexto político: “Foi no final de 1968, às
vésperas dos Jogos Olímpicos, o governo do PRI, que cumpria na época 38 anos no poder, cometeu
o que hoje recordamos como a ‘Matanza de Tlatelolco’ (...). Quase 10 mil mexicanos fugiram do país,
entre eles Martha Hellion e eu, com nossos dois filhos pequenos (...). Chegamos à Inglaterra por
circunstâncias totalmente alheias a nossa vontade” (EHRENBERG, 2009, p. 25).

54
marginal. É o caso da revista cuja edição era realizada por Vigo Diagonal Cero3.

Cristina Freire destaca a importância das revistas para a história da


arte, tanto como meio de documentação, difusão e combate à ditadura, como por
seu aspecto de obra. Martha Hellion também comenta ter sido crucial o período da
ditadura. Foi neste momento que os artistas se tornaram conectados com o outro; era
como um treinamento de guerrilha no pensamento autossuficiente (HELLION, 2008).

Os anos 1960 tiveram particular importância, pois houve a exploração de


formas alternativas de produção e impressão. O surgimento dos livros de artistas da
América Latina também está associado à poesia, à prática da escrita e ao diálogo
entre as artes. Também não se podem esquecer as influências que as vanguardas
tiveram sobre muitos artistas. Além disso, a questão da resistência política é
essencial para compreender esse início4.

Nos anos 1970, outras revistas foram criadas no Brasil, como a Artéria5.
Muitos artistas se exilaram por questões políticas; contudo, a rede entre países
continuou. Ulises Carrión abriu a livraria Other Book and So6, em Amsterdã, um
espaço alternativo, um misto de livraria especializada em livros de artistas e obras
políticas. Pela primeira vez as obras de países da América Latina foram colocadas
juntas, levando a mais encontros e colaborações. Publicações de argentinos (Leon
Ferrari, Leandro Katz), brasileiros (Regina Silveira, Vera Chaves Barcellos, Julio
Plaza, Paulo Bruscky, Haroldo e Augusto de Campos) e mexicanos (Magali Lara,
Mónica Mayer e Araceli Zúñiga) fizeram parte da iniciativa.

3
A revista Diagonal Cero era editada, diagramada e distribuída por Vigo. Foram publicadas 28
edições trimestrais, entre 1962 e 1969. A edição era limitada.
Diagonal Cero era uma pasta formato de revista experimental 19,5 x 24 cm, composta por folhetos,
diferente gramatura e cor. Essas lâminas intercambiáveis ​​permitem recompor, transformar ou dar o
seu conteúdo separadamente.
4
No capítulo 2, na parte de edição, falou-se desta relação. Vale lembrar que é uma relação que
também foi estabelecida entre os países latino-americanos, que estavam sob regimes ditatoriais.
5
Editada até os dias atuais pelo poeta, artista, editor e pesquisador Omar Khouri.
6
Um espaço para exposições, colaborações, performances e para a formulação e publicação de
livros de artista. Mais tarde, tornou-se um arquivo. Com relação ao arquivo, Carrión comentou que:
“A arte tradicional envolve um grande número de especialistas: o artista, o dono da galeria, o crítico
de arte (...) enquanto que aqui o artista é responsável por todos estes elementos, para mim, um
arquivo é a tentativa de tornar essa realidade possível, é por isso que eu considero um arquivo para
ser uma obra de arte (...). Ele não tem um limite de tempo, um arquivo sobrevive indefinidamente”
(CONWEL, 2002).

55
Dessa maneira, desde os anos 1970, o livro de artista possui uma forte
relação com os espaços alternativos. Galeristas começaram a editar livros em
vez de montarem exposições, como é o caso do curador, pesquisador e artista
estadunidense Seth Siegelaub7, figura essencial ao livro de artista nos Estados
Unidos. Também nos anos 1970, mais especificamente em 1976, foi fundada a
Printed Matter8, um espaço de arte dedicado a disseminação, estudo e exibição do
livro de artista.

No Brasil, espaços autônomos e experimentais também iniciaram suas


atividades. A pesquisa de Kamila Nunes sobre espaços autônomos contemporâneos
fala um pouco sobre o contexto dos espaços na década de 1970:

A década de 1970 foi marcada, no âmbito das artes visuais,


por importantes projetos institucionais que impulsionaram a
pesquisa e o experimentalismo, além de serem, eles mesmos,
projetos inovadores. A Área Experimental, a proposta Jovem Arte
Contemporânea e os Domingos de Criação contribuíram para a
construção de um pensamento curatorial que é replicado até os
dias atuais, no que diz respeito aos novos formatos expositivos
em confronto com os já tradicionais, bem como à participação dos
artistas neste processo (NUNES, 2013, p. 27).

Dentre as práticas artísticas experimentais dos anos 1970, pode-se citar


o N.O, inspirado no Other Books and So:

Esta rede de contatos chegou a Porto Alegre através de uma


carta endereçada por Ulisses à Vera Chaves Barcellos, entregue
através de Ana Torrano, artista vinculada ao Instituto de Artes
da UFRGS que, na época, reunia um grupo de jovens alunos e
artistas interessados e atuantes, promotores de diversos eventos
significativos de arte postal (NUNES, 2013, 19).
7
Em 1969, Seth Siegelaub fez curadoria de uma exposição que se realizou apenas no catálogo.
Cada artista foi convidado para realizar uma página, e foi mantida a página em branco para aqueles
que não enviaram trabalhos. Foram convidados 31 artistas, um para cada dia do mês de março de
1969. O livro inclui a participação de Terry Atkinson, Michel Baldwin, Robert Barry, Rick Barthelme,
NE Coisa Co., James Lee Byars, John Chamberlain, Ron Cooper, Barry Flanagan, Alex Hay, Douglas
Huebler, Robert Huot, Stephen Kaltenbach, Joseph Kosuth, Christine Kozlov, Richard Long, Robert
Morris, Claes Oldenburg, Dennis Oppenheim, Alan Ruppersberg, Robert Smithson, Dewain Valentine,
Lawrence Weiner, Ian Wilson.
8
Criada por Sol Lewitt e Lucy Lippard, Printed Matter foi desenvolvido em resposta ao crescente
interesse em publicações feitas por artistas. Lucy Lippard conta que no final dos anos 1960 havia uma
espécie de energia internacional inconsciente, de interação entre artistas (LIPPARD, 2012/2013).

56
Muitas pesquisas contemporâneas trazem a arte dos anos 1960 e 1970
e suas relações com a arte contemporânea, como é o caso do estudo realizado por
Michel Zózimo da Rocha, em 2010.

É notável que esse conjunto de transformações, ocorridas


nas décadas de 1960 e 70, ainda sublinhem certos aspectos da
arte atual. Ao sair do restrito, do privado, a arte parece alcançar
uma dimensão mais flexível, carregada de valores sociais e, até
mesmo, políticos. Aqui a dimensão do político em arte não se faz
presente por suas qualidades visíveis, como tema de ideologia e
assunto histórico, mas sim como ‘invenção de formas sensíveis’,
novos modos de agir e de habitar. Assim, a discussão acerca das
fronteiras entre público e privado é intensificada, por uma arte que
intenta ultrapassar as suas extensões (ROCHA, 2011, p. 14).

Um dos lugares do livro de artista, que se iniciou nos anos 1960, 1970 e
está em franca retomada nos anos 2010, são os espaços autônomos.

Os espaços autônomos podem ser compreendidos como


fusões entre estruturas institucionais e procedimentos artísticos,
reconhecíveis em uma multiplicidade de lugares. São espaços
comprometidos com a arte e com a sociedade na medida do
alcance, do desejo e das possibilidades de seus gestores. E aí está
sua condição de singularidade e autonomia. Por não serem grandes
empreendimentos, seus objetivos tampouco visam ao lucro, mas ao
encontro, ao ensino, à formação e ao agenciamento da produção
contemporânea de arte.

Nesse sentido, a urgência de criação de um lugar está


totalmente associada à urgência da arte (NUNES, 2013, p. 23).

Todavia, Kamila Nunes ressalta que o termo “independente” utilizado


no Brasil por esses espaços está muito mais ligado a uma noção de liberdade e
autonomia, do que ao legado dos grupos ativistas e dos movimentos de contracultura
europeus e americanos da década de 1960.

Os espaços autônomos também são espaços de reflexão e produção de


publicações e livros de artista. Outro aspecto subversivo do livro de artista é que
ele pode ser criado e divulgado fora das instituições tradicionais e fora dos padrões
estéticos que elas admitem. Ele pode trazer outras questões práticas e subjetivas

57
fora de uma agenda predeterminada. Contudo, para a pesquisadora Martha Wilson,
o importante não é apenas o livro estar fora de uma agenda predeterminada, e sim
ele afetar a experiência que o público tem da própria arte.

Muitos artistas passam a pensar e a atuar com dispositivos de exposição


para seus livros, publicações e impressos e a proporcionar assim espaços de troca.

O dispositivo de circulação é tão importante quanto o da


produção, porque ele é a exposição do livro. A livraria não é o único
lugar de ele habitar, pra se apresentar, pra se mostrar, e como
você quer marcar um território que é das artes visuais, cria-se um
dispositivo que não seja o livro estar em uma exposição, dentro de
uma vitrine. No caso das artes visuais, numa exposição, dentro do
museu, etc. (MELIM, 2013)9.

O catálogo de uma exposição também pode ser um lugar expositivo,


como diz o pesquisador Amir Brito Cadôr:

Quando o catálogo apresenta uma proposição, estamos diante


de uma obra nova, que amplia o sentido das obras em exposição,
podendo em alguns casos se configurar como uma tradução para o
meio impresso das obras tal como foram apresentadas no espaço
expositivo (…). A publicação abre uma temporalidade nova, permite
que a exposição tenha uma duração maior. Em formato portátil,
ela pode ser visitada mais vezes, em qualquer dia da semana, em
qualquer horário. Assim aproveitamos mais o tempo que temos com
as obras (CADÔR, 2012, p. 252).

3.2) Feiras de arte impressa

O contexto do livro de artista, em especial o que não está em uma rede de


distribuição editorial ou de mercado de arte, trabalha com processos de circulação
que transitam entre o espaço autônomo e a feira de publicação. Dificilmente, um
projeto de um artista acessa uma distribuição em redes de livrarias ou o sistema
tradicional da arte.

9
MELIM, Regina. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no escritório da pesquisadora,
Florianópolis, SC, 14/3/2013.

58
O aumento de feiras e itinerâncias das mais variadas formas e por todo
o Brasil, como as feiras do Tijuana, Turnê, Plana, Pão de Forma, Parada Gráfica,
entre outras, é visto aqui sob a óptica da criação de possibilidades públicas, de
criação, troca e circulação de livros. Nelas a vocação pública do livro é latente, pois
ele está no espaço público e diminui a distância entre quem faz o livro e quem o
adquire. A curiosidade e o interesse por livros aumentam. Fala-se mais de livros.
Coletivos e editoras são formados. E a utopia de ser o livro um encontro e uma
estratégia política existente.

Assim, de maneira distinta aos espaços autônomos (ou independentes)


que possuem uma programação semanal, as feiras partem de princípios como
autonomia e autogestão, contudo são espaços de programação momentânea.
As feiras têm periodicidade anual ou sazonal, elas são instauradas em espaços
públicos muitas vezes; mas é um empréstimo da ação, ela é momentânea e coloca
lado a lado uma diversidade de práticas e posturas em livros.

Há um aumento de editoras. Ações variadas. Práticas de trocas de livros.


Nas feiras, os mecanismos de controle da circulação saem das mãos de uma rede
de ações meramente de “mercado” e entram em uma rede onde quem produz é
quem vende e quem compra pode vir a produzir. A dinâmica e a fluidez das ações
em livros são interessantes. Acervos de publicações são formados10.

A Primeira Feira de Arte Impressa do Tijuana aconteceu em agosto de


2009, na Galeria Vermelho, sob o nome de Salon Light / Flores e Livros, e foi uma
parceria entre Brasil e França. O Tijuana fez a seleção de editoras latino-americanas,
e o CNEAI de editoras francesas.

Na época, existiam pouquíssimas editoras de livro de artista, conta Ana


Luisa Fonseca, coordenadora da feira. Dessa edição participaram editoras como a
pioneira Par(ent)esis (Florianópolis) e a Cosac Naify (São Paulo), com uma linha
especial de livros de artista. Além delas participaram do Salon Light / Flores e Livros
as editoras La Silueta, Tangrama (Colômbia), L’Endroit, Incertain Sens e Onestar
Press (França).
10
Há diversas bibliotecas e acervos de publicações independentes em espaços independentes e
começam a existir em espaços públicos, como da UFMG e da Biblioteca Mário de Andrade em São
Paulo.

59
Contudo, com o desenrolar da feira, percebeu-se o surgimento de mais e
mais editoras brasileiras. Ana Luiza Fonseca (informação verbal) explica:

A velocidade e a quantidade de material impresso que se


produz são muito grandes hoje em dia. É tão nítido que observamos
visitantes de uma edição se transformando em expositores do ano
seguinte. Chegou um momento em que a Feira do Tijuana se tornou
pequena em proporção à quantidade de editoras que surgiam
(FONSECA, 2014)11.

Nos últimos anos, muitas coisas aconteceram. Em 2012, surgiu a Turnê,


um projeto idealizado por Regina Melim, Fabio Morais e Maíra Dietrich, que circulou
pelo Brasil entre 2012 e 2013. Por exemplo, entre as itinerâncias de 2012, seu
primeiro ano, a feira foi recebida pela Editora A Bolha, na antiga Fábrica da Bhering,
no Rio de Janeiro. E esta não foi a única itinerância. Iniciada em Florianópolis,
viajou por Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo. Um dos objetivos da Turnê era:
a cada nova cidade por onde passar, agregar novos artistas e novas publicações,
construindo com esse procedimento um arquivo vivo, flexível e móvel. O projeto
tem muito da experiência e da prática de Melim como professora e pesquisadora do
Departamento de Artes Visuais no Centro de Artes da Universidade do Estado de
Santa Catarina e que, desde 2005, tem realizado proposições relacionadas ao tema
da publicação de artista.

Melim explicou (informação verbal):

A Turnê é uma continuação de uma coisa que a gente


já fazia, que era a mesa de publicação. Fizemos três e esse
projeto estava sempre junto com um seminário a que trazíamos
convidados. Era o lugar para discutir a publicação impressa de
artista. Nas apresentações queríamos que estivesse presente
a materialidade das publicações que apresentávamos, para que
pudéssemos tocar, folhear. Então, montávamos duas mesas: uma
que chamávamos de ‘mesa acervo’, onde colocávamos tudo o
que tinha sido colecionado ao longo da pesquisa, e outra que era
uma mesa para vender, de pessoas que a gente convidava. Assim,
a primeira mesa tinha um volume de coisas, a segunda teve um
volume que dobrou e a terceira multiplicou muitas vezes. Acho que
aí já estava anunciando o projeto, que a gente tinha que sair de
Santa Catarina (MELIM, 2013).12
11
FONSECA, Ana Luiza. Entrevista por e-mail, 25/8/2014.
12
MELIM, Regina. Escritório da pesquisadora, Florianópolis, SC, 14/3/2013.

60
Em Belo Horizonte, a Turnê teve parceria com a Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG)13.

Em 2012, surge a Feira do Sesc Pompeia, em São Paulo. E também


iniciativas e proposições dentro das universidades brasileiras ocorrem com
periodicidade, como é o caso da Semanária de Artes Gráficas da UFMG.

Em março de 2013, cria-se a Feira Plana, que foi e é um fenômeno de


público. Editoras e artistas do Brasil inteiro participam desse espaço, que já teve
sua segunda edição em 2014, no Museu da Imagem e do Som14. Para o público
em geral, é a feira mais conhecida, que mais trouxe novos olhares para a produção
independente, que colocou lado a lado a diversidade dessas publicações, tanto de
contexto literário, quanto das artes visuais e suas variações. E também visibilizou a
cena dos zines, com a participação de catalisadores dessas cenas, como a UgraPress
e Lote 42 (editora idealizadora do primeiro acervo de publicações independentes
dentro de uma biblioteca pública em São Paulo, a Biblioteca Mário de Andrade). No
mesmo ano em que surge a Feira Plana, a Feira do Tijuana passa a ser realizada
na Casa do Povo, no Bom Retiro, no centro de São Paulo. Há deslocalização do
espaço de galeria (Galeria Vermelho) para um espaço simbólico de luta contra a
ditadura.

Ana Luiza Fonseca conta (informação verbal) que na última edição na


Galeria Vermelho, em 2012, tiveram vinte mesas de editoras. Na Casa do Povo eram
56. Lá também foi possível estender um programa de conversas e apresentações
de projetos especiais.
A circulação melhorou muito num espaço mais amplo como o
da Casa do Povo. Mas o mais importante foi conseguir proporcionar
que mais editoras tivessem espaço para mostrar o seu trabalho, o
número de participantes quase triplicou. Ao organizar uma feira sinto
o comprometimento em atender os profissionais daquele circuito, e
esse foi o principal ganho para mim.

13
A instituição realiza importante pesquisa em Artes Gráficas e Visuais. Em 2009, os pesquisadores
Amir Brito Cadôr e Maria do Carmo de Freitas Veneroso coordenaram a realização do primeiro
seminário Perspectivas do Livro de Artista. Na mesma época, foi criada uma Coleção de Livro de
Artista, a primeira a fazer parte de biblioteca pública de uma universidade. A coleção especial de livros
de artista conta com mais de 350 títulos. É uma biblioteca não circulante, mas os livros continuarão
a ser acessíveis ao público e a estudiosos interessados.
14 A edição de 2015 será temática, sobre fotolivros.

61
Outro ganho muito importante é fazer parte da reativação de
um espaço como a Casa do Povo. É um espaço na nossa cidade
que estava esquecido, e participar desse recomeço da Casa do
Povo com a Feira do Tijuana foi muito emocionante. Isso não teria
acontecido sem o convite do diretor do espaço, o Benjamin Seroussi,
que já tinha participado da segunda edição da feira do Tijuana e foi
a peça-chave dessa mudança.

Além disso, ganhamos muito com a parceria que firmamos


com a Oficina Cultural Oswald de Andrade, onde apresentamos
uma exposição Sala de Leitura, curada pela Galciane Neves e
Vitor Cesar, e também oferecemos workshops de encadernação,
impressão e edição de livros (FONSECA, 2014)15.

Formar público é uma necessidade das Feiras de Publicação. Ana Luiza


comenta que o material que se trabalha nas feiras pode ser chamado por muitas
categorias: livros de artistas, publicações independentes, arte impressa etc.

Acontece que essa produção é muito complexa, e por isso não


cabe em uma categoria só. Quando se trabalha com uma produção
que é tão complexa, é preciso criar espaços para discussão e
reflexão desses temas. Isso nos ajuda, como editores, a entender
dilemas dentro da nossa produção, e ajuda ao público se aproximar
do nosso trabalho (FONSECA, 2014)16.

Nik Neves, um dos organizadores da Parada Gráfica em Porto Alegre,


também destaca que a formação de público é realizada por meio de atividades da
própria feira (informação verbal).

A formação de público em eventos como a Parada Gráfica


acontece de forma natural, decorrente do envolvimento de quem
visita o evento. Por se tratar de um contato direto entre autor e
leitor, acredito que se forme uma conexão que permita ao leitor se
enxergar como autor no futuro. Muita gente que visitou a Parada na
primeira edição retorna hoje como expositor. O espaço da feira, por
ser gratuito e aberto tanto aos expositores quanto ao público, coloca
as coisas dessa maneira, qualquer um pode se tornar também um
autor. Além disso, temos oficinas gratuitas e abertas para qualquer
15
FONSECA, Ana Luiza. Entrevista por e-mail, 25/8/2014.
16
Idem.

62
pessoa. Quem visita participa das oficinas de quadrinhos, gravura
ou infantis e se percebe como um potencial criador, isso faz o evento
ser muito mais próximo do público (NEVES, 2014)17.

Todavia, a distribuição em livrarias é o maior problema dos livros e


publicações. Além das feiras, lojas on-line e algumas iniciativas físicas, não há espaços
para a venda de publicações. O Tijuana não começou nem como editora, nem como
feira, e sim como um espaço de distribuição de livros e publicações de artistas.

A dificuldade maior era manter um controle de estoque e


vendas com tanto material que chegava, principalmente quando
o circuito ainda não estava organizado por editoras, e cada título
correspondia a um artista diferente, ou seja, um contato diferente.
Quando mudamos de espaço, em 2013, o Tijuana se tornou uma
banca de jornal em frente à Galeria Vermelho. Esse se tornou
nosso ponto de venda das Edições Tijuana, mas também de outras
editoras que selecionamos para distribuir. A organização de vendas
por editoras nos ajuda bastante, pois em vez de manter o contato
com um artista por livro, mantenho o contato com um responsável da
editora que me traz vinte, trinta títulos. É uma dinâmica mais prática,
que sem dúvida é fruto desse amadurecimento por que o circuito de
arte impressa passou nos últimos anos (FONSECA, 2014)18.

Nik Neves também destaca ser a distribuição uma questão complexa:

As feiras incentivam a compra justamente por serem


esporádicas. Quem visita não quer deixar para comprar depois
e isso funciona, mas para manter vendas longe dessas situações
específicas cabe a cada autor descobrir a melhor forma de se divulgar
e vender. Uma rede entre os autores independentes e pequenas
livrarias em todo o Brasil seria uma bela solução para centralizar
publicações independentes de todas as partes, espero que em breve
alguém pense em como concretizar isso de fato, já que não é tão
simples como parece à primeira vista (NEVES, 2014)19.

A diversidade de uma feira é enorme. Encarar uma como a Feira Plana é


instaurar um campo de multiplicidade de tendências, pensamentos e práticas do livro, e
compreender que o campo é muito mais amplo e suas práticas se realizam também nas
motivações de estar nas feiras. Em 2014, elas seguiram em franco desenvolvimento.
17
NEVES, Nik. Entrevista por e-mail, 7/7/2014.
18
FONSECA, op. cit., 2014.
19
NEVES, op. cit., 2014.

63
Importante destacar que não são apenas as feiras as formadoras de
público. Não podemos deixar de falar das iniciativas de acervo de publicações que
são criadas em bibliotecas e também das iniciativas completamente autônomas.
Destaque especial ao Projecto Múltiplo, da curadora Paula Borghi, que teve início
em 2011 e, de tempos em tempos, realiza exposições temporárias de cartazes,
livros e jornais em cidades da América Latina (já aconteceu em São Paulo, Córdoba,
Valparaíso, Quito, entre outros lugares). Sempre é aberta uma convocatória e os
livros enviados são doados e agregados às futuras edições itinerantes.

3.3) O fotolivro, a América Latina e seus espaços feiras

A fotografia não precisa de grandiloquência para existir, para ser impressa


em cenas e transformar-se em livro. Distintamente dos filmes, que para serem
partilhados necessitam de projetores, a fotografia pode ser distribuída arcaicamente.
O que vem a distinguir as fotografias das demais imagens técnicas é a sua facilidade
em circularem, por serem folhas (Flusser, 1985).

E talvez a história da fotografia contemporânea venha a ser contada por


meio de seus livros, ou como os fotógrafos gostam de chamá-los: fotolivros. A cada
ano, o termo fotolivro vem tomando força e pede atenção. Nunca se publicou tanto
livro de fotografia como antes. E em nenhum outro momento se publicou de uma
forma tão diversa e com qualidade. Os livros praticados nas décadas anteriores (em
especial entre 1960 e 1990) eram em grande formato (na sua maioria), em alta tiragem
e realizados por grandes editoras. Geralmente feitos para estarem na mesa de centro
e cujas temáticas eram o encontro com o não visto (expedições) ou mesmo temas de
destaque ou investigações. Os formatos e temas atuais se tornaram mais complexos.
Grandes editoras seguem a publicar livros, porém são as pequenas que realizam
edições de pequena tiragem e específicas para o público especializado.

64
O livro fotográfico20, de acordo com Paulo Silveira, em sua expressão, é
tão amplo e variado que merece ser olhado atentamente.

“Após a lenta afirmação (às vezes, libertação) conquistada pela


ilustração (com o reconhecimento de valores criativos e artísticos,
com a experimentação visual e industrialização da litografia), foi a
vez da fotografia insinuar-se no livro, o que também foi feito com a
convicção de ser conhecimento, isso propiciou uma série ininterrupta
de obras especialmente significativas. Talvez a fotografia encontre
o seu melhor espaço na página impressa, o que proporcionaria a
atenção e o contato muito próximos (que as paredes das galerias
raramente conseguem oferecer)” (SILVEIRA, 2004, p. 145).

Silveira no mesmo artigo destaca o quão os fotógrafos, no final dos anos


1970 e início dos 1980, não realizavam livros fotográficos como um objeto de expressão
artístico (dada algumas exceções). O pesquisador brasileiro exemplifica isso com a fala
do fotógrafo Thomas Dugan (1979) na qual este afirma que há uma subutilização dos
livro como meio de expressão pelos fotógrafos.

De 1980 a 2010, o livro passou de uma mídia subutilizada para ser


superutilizada. Nos anos 2010, muitos fotógrafos iniciam sua história imprimindo suas
imagens por meio de autopublicações ou nas editoras menores e, muitas vezes,
iniciam no livro e não mais em exposições. Apesar disso, o estudo sobre fotolivros é
considerado novo para os pesquisadores que utilizam o termo (DI BELLO, WILSON,
ZAMIR: 2012).

O termo fotolivro passou a ser usado por pesquisadores e fotógrafos


após o estudo de Martin Parr e Gerry Badger (2011). Todavia, a utilização do termo
fotolivro é recheada de meandros e localiza-se entre uma história documentarista
e um posicionamento da arte contemporânea. Em especial, na América Latina a
vertente documentarista foi realizadora de livros pós-redemocratização. Iniciativas
editoriais se formaram para atuarem em livros de cunho documental. Quanto aos
meandros da denominação fotolivro, há um forte empenho teórico em dar a ele uma
característica de gênero e uma autonomia com relação à tradição das publicações
(sejam livros de artista ou mesmo da arte postal, por exemplo) e também em relação
20
Paulo Silveira não se utiliza da palavra fotolivro e nem livro de fotografia. Em seu artigo de 2004,
ele prefere a palavra livro fotográfico. Importante dizer que na época a nomenclatura fotolivro não
era utilizada e não existiam as coletâneas de Parr e Badget.

65
à própria fotografia.

Neste capítulo mapeio algumas denominações e posicionamentos


referentes ao termo; contudo, não é objetivo realizar uma definição ou cerrar o
tema.

Afinal, o que é um fotolivro? Na pesquisa de Parr e Badger, algumas


pistas são dadas:

o fotolivro está entre o romance e o filme,

o fotolivro é um evento específico,

o fotolivro é um acontecimento dramático,

o fotolivro reside no interstício entre a arte e os meios de comunicação21.

Outro ponto que merece destaque na pesquisa de Parr e Badger (2012)


são citações de críticos da fotografia e fotógrafos sobre o fotolivro.

Para o crítico Raph Prins, um fotolivro é uma forma de arte autônoma,


comparável com uma peça de escultura, uma peça de teatro ou um filme. A figura
do fotógrafo é deslocalizada no fotolivro e o acontecimento dramático localiza-se na
publicação.

Já o fotógrafo estadunidense John Gossage define o que deve vir a ser


um fotolivro da seguinte forma:

O fotolivro, em primeiro lugar, deve conter um grande trabalho.


Em segundo lugar, deve fazer essa função de trabalho como um
mundo conciso dentro do próprio livro. Em terceiro lugar, ele deve
ter um design que complementa o que está sendo tratado. E,
finalmente, ele deve lidar com os conteúdos que sustentam um
interesse contínuo (GOSSAGE apud PARR; BADGER, 2012, p. 6-7).

Como a narratividade é um aspecto importante no fotolivro, ele está entre


um romance, prosaico, e um filme, que nos conduz por uma linha narrativa inscrita

Muitos autores já escreveram sobre a fotografia estar entre a arte e a comunicação. Ver CHEVIER,
21

2007.

66
no tempo e no espaço. Ele é um entrelugares:

(…) ele reside no interstício como vital entre a arte e os meios


de comunicação de massa, entre a viagem e o artista, entre o
estético e o contextual. É um assunto irregular e alastrando, com
mais do que seu quinhão de anomalias, e estes irão surgir durante
o curso da narrativa (PARR; BADGER, 2012, p. 6-7).

No fotolivro há mais proximidade com o leitor, assim destacam os


pesquisadores Patrizia di Bello, Colette Wilson e Shamoon Zamir. Existem várias
formas de ler um fotolivro.

As imagens em livros sempre têm o potencial para serem lidas


independentemente da narrativa construída pelo texto e sequência.
O leitor é ricamente convidado ao abrir o livro ao acaso, sacudindo
as páginas para trás a partir do final. Fotografias interrompem o
fluxo de palavras escritas e invadem a estrutura da alfabetização.
A qualquer momento, podemos ser tocados por uma questão ou
estratégia do livro como um todo, definindo-nos fora em um trem
involuntário de reminiscências proustianas e sensações (DI BELLO;
WILSON; ZAMIR, 2012, p. 12).

O fotolivro é um meio de expressão que pode ser de um artista ou de um


jornalista. Martin Parr afirma ser o livro a casa natural da fotografia. Di Bello; Wilson
e Zamir (2012) afirmam que há um interesse acadêmico emergente pelo fotolivro,
e os pesquisadores estão, cada vez mais, preocupados com o desenvolvimento de
maneiras de ler a fotografia no livro.

Compreender como os significados são moldados pela


interação de uma imagem com a outra, ou o seu lugar em um grupo
ou sequência, ou através de sua coexistencial dialética com texto
na base sobre a qual histórias, bem como conceituações estéticas
e culturais (...) (DI BELLO; WILSON; ZAMIR, 2012, p. 11).

No fotolivro, a fotografia é o principal veículo de expressão e de


comunicação, ou ela está em igual parceria com a palavra escrita, nas vezes em
que não há conflito. E, em termos de pesquisa da história da fotografia, o fotolivro
é a fronteira final do desconhecido (DI BELLO; WILSON; ZAMIR, 2012). O fotolivro
tem um caráter específico, não é um mero apanhado de imagens fotográficas dentro

67
de um suporte. Tampouco é um espaço onde há uma grandiloquência de imagens
impressas em qualidade superior (fine art, por exemplo).

Aqui cabe outra reflexão proposta por Parr e Badger:

Grandes fotolivros podem ser feitos de fotografias não tão


grandes;

O texto pode coexistir com as fotografias, no interior do


fotolivro;

O fotolivro deve ter um tema específico, um determinado


assunto;

No fotolivro, o editor é tão merecedor de reconhecimento


quanto o fotógrafo;

O fotolivro estabelece um lugar para a fotografia. Ele propõe


um desafio histórico para a fotografia (PARR; BADGER, 2012, p.
9-11).

O fotolivro é um conceito em constante transformação. Iatã Cannabrava,


fotógrafo, agitador cultural, coordenador do Paraty em Foco e do Fórum Latino-americano
de Fotografia de São Paulo, falou um pouco sobre fotolivro (informação verbal):

O fotolivro é um conceito em mutação, em evolução. Faz


pouco tempo que se iniciaram as pesquisas pelos colecionadores,
principalmente o Martin Parr. O próprio Horacio Fernández, que fez
o Fotolivros latino-americanos, também fez o Fotografia pública
(grifo nosso). Um catálogo de uma exposição no Photoespaña
sobre a fotografia que vai para o espaço público. Aqui há um ponto
interessante da relação da fotografia, do livro, e do espaço público.
Não estou dizendo que uma galeria não é um espaço público, mas
é um espaço público mais restrito. A fotografia quando vai para os
cartazes, quando vai para livros, se torna mais pública. E a partir
dessas pesquisas do Martin Parr, eu sou parceiro dele no livro do
Horacio, hoje eu sei que tem história de fotolivro das coleções suíças,
fotolivro alemão, japonês. O Martin Parr está fazendo do chinês.
Tem o do fotolivro latino-americano; eu participei da pesquisa e me
fez virar uma pessoa que se preocupa com o assunto, que estuda
o assunto, então a primeira coisa que eu percebi disso tudo é que
é uma definição em mutação. Em mutação enquanto definição, e
em mutação enquanto produto, ou seja, o fotolivro vai também se
adequando às características da época em que ele é realizado (...).
O que é que a gente chama de formato de fotolivro? É um livro onde
a fotografia é elemento principal ou um dos elementos principais,

68
já que se combina muito bem o fotolivro com texto e imagem
(CANNABRAVA, 2013)22.

Há muitas formas de se encontrar com um fotolivro, ele permite relações


subjetivas e novas construções:

Entramos em um fotolivo no calor do momento e por nossa


própria fantasia. Nossa leitura define como fotolivros podem
ser tactuais, interrompendo ou subvertendo o desenvolvimento
sequencial de livros, mas, quando nós o fechamos, todas as
fotografias saltam de volta novamente (...). (DI BELLO, WILSON,
ZAMIR, 2012, p. 12).

Walter Costa, um dos idealizadores do TRAMA, Grupo de Estudo de


Fotolivros, durante o evento “Livro de Fotografia bem além da mesa de centro”23,
relacionou o fotolivro com suas diversas definições. Utilizando-se do livro de Ulisses
Carrion, A nova arte de fazer livros24, Costa substitui livro por fotolivro e palavra
por fotografia e estabelece uma relação interessante: “Fotolivro é uma sequência de
imagem, uma sequência de momento. Porém, um fotolivro não é um mostruário de
fotografia ou um portador de fotografias ou portador de imagens”25.

No mesmo evento, o pesquisador inglês Paul Melo e Castro falou das


relações das pesquisas em literatura e do fotolivro, e sobre realizar uma pesquisa
além dos cânones estabelecidos. Depois da Segunda Guerra, há uma diversificação
dos objetos de estudo dentro da academia. O que dá um grande impulso para o
estudo do fotolivro, juntamente à pesquisa realizada por Parr e Gerry. Para Melo
e Castro, o fotolivro ocupa uma área estreita entre o romance e o filme (MELO e
CASTRO, 2014)26.

Na América Latina, os fotolivros tomaram corpo com a retomada


democrática. A história deles coincide com a abertura dos países, e também com

22
CANNABRAVA, Iatã. Entrevista concedida no Estúdio Madalena, São Paulo, SP, 27/3/2013.
23
COSTA, Walter. Participação na mesa “Fotolivro, a coleção e a pesquisa”. In: LIVRO DE
FOTOGRAFIA – MUITO ALÉM DA MESA DE CENTRO. Fauna Galeria: São Paulo: agosto/2014.
24
Livro clássico sobre livro de artista, já teve edições realizadas em diversas línguas. A edição
brasileira foi feita pela Com Arte e tem tradução do pesquisador Amir Brito Cadôr.
25
A frase original de Carrión é: “um livro não é um mostruário de palavras, nem um saco de palavras,
nem um portador de palavras”. (CARRIÓN, 1975, p. 1).
26
MELO E CASTRO, Paul. Participação na mesa “Fotolivro, a coleção e a pesquisa”. In: LIVRO DE
FOTOGRAFIA – MUITO ALÉM DA MESA DE CENTRO. Fauna Galeria: São Paulo: agosto/2014.

69
as iniciativas intercontinentais: os colóquios, depois os festivais e por fim as feiras
de fotolivro. Vale a pena falar brevemente desse contexto latino-americano.

O México, por exemplo, possui uma coleção de livros de fotografia no


Centro de la Imagen. Não é à toa que, nos anos 1980, a fotógrafa e editora María
Cristina Orive fez a curadoria da primeira exposição de livros de fotografia. María
Cristina também é pioneira como editora. Guatemalteca de origem, trabalhou
muitos anos como fotojornalista e, juntamente à fotógrafa argentina Sara Facio,
fundou em Buenos Aires a editora La Azotea27, especializada em publicar o trabalho
de fotógrafos latino-americanos. Isso inclui livros de Marcos López, da Argentina,
e Martín Chambi, do Peru. E trabalhos de mulheres fotógrafas, como Annemarie
Heinrich, Grete Stern e Adriana Lestido.

A coleção mexicana relaciona-se com os Colóquios Latino-americanos


de Fotografia. De acordo com Boris Kossoy, o 1o Colóquio Latino-americano de
Fotografia28 detonou todo um processo de interesse internacional pela fotografia da
América Latina:

A fotografia latino-americana entrava no circuito. Em 1979,


ano seguinte ao colóquio, essa produção se fazia presente em
bloco através de exposições, conferências e debates nos eventos
de Veneza, “La fotografía”. O tema do colóquio de Veneza foi “Como
nos vemos a nós mesmos e como nos veem de fora os centros do
poder?” (KOSSOY, 2007)29.

Logo a seguir, a fotografia do continente tomou o mundo, contam


seus protagonistas no Fórum Latino-americano: ela foi o tema em Arles, no Les
Rencontres Internationales de la Photographie, e formou-se uma coleção de
fotografias no então Consejo Mexicano de Fotografía (atual Centro de la Imagen),
instituição organizadora do 1o Colóquio.

27
A primeira empresa desse tipo na América do Sul e já publicou o trabalho de cerca de cem
fotógrafos, além de muitas outras publicações em execução para a segunda ou terceira edição.
28
Encontro de fotografia, iniciado em 1978, no México. O último aconteceu em 1996. Eles permitiram
o intercâmbio entre fotógrafos da região, bem como formação de iniciativas diversas.
29
KOSSOY, Boris. Trabalho apresentado na mesa “Circuitos na Fotografia Latino-americana”. In:
PRIMEIRO FÓRUM LATINO-AMERICANO, 2007, ITAÚ CULTURAL. Transcrição disponível em: <
http://www.forumfoto.org.br/disponivel-em-pdf-as-transcricoes-das-mesas-e-entrevistas/>. Acesso
em: 29 maio 2014.

70
De acordo com Fernando de Tacca, o conjunto de fotografias conservado
no Centro de la Imagen faz parte de um grande esforço que teve lugar no final
dos anos 1970 e início dos anos 1980, com o objetivo de realizar uma reunião
crucial entre fotógrafos e pesquisadores que discutem uma possível fotografia e a
identidade latino-americana (TACCA, 2013).

Os colóquios foram cruciais para ensejar discussões críticas (e


acaloradas) sobre a fotografia e também estabelecer um lugar muito específico para
a produção local: o documental. Isso devido à retomada democrática, e também à
necessidade de mostrar-se tanto interna quanto internacionalmente. Todavia, os
colóquios e suas proposições criaram um dever-ser latino-americano muito atrelado
ao documentarismo, prática muito enraizada até os dias atuais, como destaca a
pesquisadora Ana Carolina Lima Santos:

A visibilidade que a fotografia documental latino-americana


recebeu a partir dos Colóquios Latino-americanos de Fotografía deu
a ver uma rica produção fotográfica que passou a ser conhecida
local e internacionalmente. Entretanto, ela também foi responsável
por eclipsar aqueles fotógrafos que tinham seus trabalhos realizados
segundo outras propostas. No México, sede do colóquio, isso se
tornou patente desde o princípio, no momento da fundação do
Consejo Mexicano de Fotografía. Por não se sentirem representados
pelo CMF, contrários à defesa do documental como essência da
fotografia local, alguns fotógrafos ‘desaconselhados’ reuniram-
se em associações paralelas, como Fotógrafos Independientes,
El Rollo e Taller de la Luz. Neles, Carlos Jurado (1927), Salvador
Lutteroth (1938), Lourdes Grobet (1940), Aníbal Angulo (1943),
Jesús Sánchez Uribe (1948), Francisco Barriga (1950), Lourdes
Almeida (1952), Adolfo Patiño (1954), Carlos Somonte (1954),
Javier Hinojosa (1956), Rogelio Villarreal (1956) e Rubén Ortiz
Torres (1964), entre outros, investiram sobretudo na fotografia de
intervenção, não direta, como uma forma de se opor ao cânone
engajado delimitado pelo CMF, que entendiam como limitador de
suas produções.

A exemplo do que aconteceu com esses fotógrafos


mexicanos, outros de distintas nacionalidades latino-americanas
produziram imagens que não compartilhavam da suposta essência
da fotografia local. Eles estavam preocupados, antes de qualquer
coisa, em dar forma aos seus anseios artístico-expressivos e em
articular discursos experimentais e conceituais – mais que em se
comprometerem com aspectos políticos. E são a prova de que a

71
fotografia da América Latina não pode ser resumida às prescrições
da documentação social explicitamente delimitada entre as décadas
de 1970 e 1980 (SANTOS, 2013, p. 9).

Na experiência dos colóquios nasceram realizações editoriais muito


fortes, a mais conhecida foi a Río de Luz, coordenada por Pedro Meyer e Pablo Ortiz
Monastério. O projeto concretizou vinte livros latino-americanos e foi patrocinado
pelo Fundo da Cultura Econômica do México. Entre os livros está Dulce sudor
amargo30, de Miguel Rio Branco. Pablo Ortiz Monastério conta, em sua fala no I
Fórum Latino-americano, ter sido a construção do livro um trabalho de muitas horas
juntos, dele e de Rio Branco.

Depois da experiência de Río de Luz, Monastério criou Luna Córnea,


uma revista de crítica e reflexão, ainda em circulação no México. A primeira edição,
dedicada a Manuel Alvarez Bravo, mostrou não só fotos mas textos também.

Outro livro importante nascido naquela época foi Buena memória,


de Marcelo Brodsky, de 1997, que já teve quatro edições. Um livro sobre os
desaparecidos e uma memória dos tempos de ditadura. Por meio de uma imagem
de escola, Brodsky resgata histórias de vida de seus antigos companheiros, mapeia
quantos ficaram desaparecidos e fala da memória de seu irmão Fernando, morto
pela ditadura argentina. O tema dos desaparecidos é recorrente no trabalho de
Brodsky, como no vídeo Los Condenados de la Tierra (2001) e no livro Tiempo
de Árbol (2013).

Em entrevista, Brodsky conta um pouco sobre seu trabalho:

Todo o meu trabalho é baseado na criação e no revisitar


imagens. A etapa de produção de imagens é essencial no
processo criativo, assim como a edição e seleção de imagens
que são realmente utilizadas em um determinado projeto. No meu
trabalho, o tempo volta a algumas imagens fundamentais da minha
produção, referências visuais que dão um novo significado para
estar em outro contexto mais tarde. Nós todos mudamos o tempo
todo, e da mesma forma muda a nossa percepção das imagens.
30
Primeiro livro de Miguel Rio Branco, composto por oitenta fotografias coloridas, dispostas
isoladamente ou como duplas em páginas retangulares (21 x 27 cm). As fotografias foram realizadas
na cidade de Salvador, na Bahia, em um período de aproximadamente três anos, no final da década
de 1970. Algumas imagens que compõem o livro formam um conjunto particular sobre a região de
prostituição do Maciel, no bairro do Pelourinho (AQUINO, 2005, p. 19-20).

72
Marcelo Brodsky, Tiempo de Árbol, 2013, 100 páginas, 17cm x 23 cm

Dependendo de como somos, onde estamos, em que contexto


publicar a imagem, ela vai adquirir significados diferentes, e irá
desempenhar um papel diferente. Em um diálogo/jogo visual com
outro autor, em uma exposição coletiva ou várias, em um livro, outro
livro... cada vez que uma imagem é publicada ou exibida em seus
vários significados. Especialmente quando, como no meu caso, a
imagem pode ser alterada, ou que é apresentada em conjunto com
outras imagens que a acompanham. A imagem é polissêmica, e
as variáveis ​​de tempo, lugar e contexto afetam o seu significado,
sua polissemia. Todas as imagens são devolvidas, na medida em
que não podemos esquecer aqueles que amamos, e não podemos
esquecer as suas imagens. As imagens estão presentes em nossa
imaginação, em nosso banco de dados, no nosso trabalho e são
tomadas quando necessárias para comunicar uma ideia, e, cada
vez que são utilizadas ou incluídas em um novo projeto, fazem-no
ganhar força (BRODSKY, 2014)31

Nos anos 1990, iniciam-se os festivais de fotografia, que são experiências


distintas dos colóquios. Têm por objetivo a disseminação da fotografia do país onde
ocorrem e também de outros, mas não há uma característica latino-americana. Nos
anos 2000, de acordo com José Antonio Navarrete, a fotografia passou a fortalecer-
se nos festivais.

Neste modelo, o festival de fotografia que tomar parte em


cada país ou cada site (e mais do que em cada país, em cada
local) tem as mais diversificadas variantes e denominações. Por
31
BRODSKY, Marcelo. Entrevista concedida por e-mail, 10/7/2014.

73
continuidade e proporções são Fotoseptiembre, talvez, no México,
e Encuentros Abiertos, na Argentina, que é formado a partir da
década de 1990 em continental referência à aplicação deste modelo
de festival (NAVARRETE, 2007)32.

Também nos anos 2000 começaram duas importantes experiências: as


feiras de livro de fotografia (como a Feria de Libros de Foto de Autor, na Argentina,
e a Feria Internacional de Libro de Artista, no México) e o Fórum Latino-americano
de Fotografia (2007).

E, para falar destes últimos anos, retomo uma pergunta seminal que
Marcelo Brodsky fez à plateia do 1º Fórum Latino-americano de Fotografia: como
serão a fotografia, a distribuição e os livros de fotografia em dez, vinte ou trinta anos33?

Não tenho intenção de responder completamente esta pergunta; porém,


acredito que a partir dela se possa mapear um pouco das estratégias realizadas
em livro, em especial nas redes formadas desde os tempos de colóquios latino-
americanos e que seguiram até a formação das feiras e ações em livros.

No que tange à circulação, as feiras são essenciais: elas também atrelam


a distribuição ao caráter difusor de projetos e permitem a visibilidade, a exposição e
a venda de fotolivros que não estão nos ambientes comuns de vendas, nas livrarias
físicas, além de ano a ano formarem público.

A primeira feira a existir é a Feria de Libros de Foto de Autor, evento


pioneiro no gênero na América Latina. A primeira edição argentina foi em 2002 e,
desde então, já foram realizadas itinerâncias no México, Uruguai, Peru e Brasil. A
curadora, Julieta Escardó, conta que a iniciativa partiu da vontade de um grupo de
fotógrafos para trocar e conhecer cada um a sua produção. As edições subsequentes
ocorreram como um processo que foi continuamente crescendo, ano a ano.

“A feira tornou-se uma tradição, há fotógrafos que pensam


32
NAVARRETE, José Antonio. Trabalho apresentado na mesa “Circuitos na Fotografia Latino-
americana”. In: PRIMEIRO FÓRUM LATINO-AMERICANO, 2007, ITAÚ CULTURAL. Transcrição
disponível em: <http://www.forumfoto.org.br/disponivel-em-pdf-as-transcricoes-das-mesas-e-
entrevistas/>. Acesso em: 29 maio 2014.
33
BRODSKY, Marcelo. Trabalho apresentado na mesa “Circuitos na Fotografia Latino-americana”.
In: PRIMEIRO FÓRUM LATINO-AMERICANO, 2007, ITAÚ CULTURAL. Transcrição disponível em:
<http://www.forumfoto.org.br/disponivel-em-pdf-as-transcricoes-das-mesas-e-entrevistas/>. Acesso
em: 29 maio 2014.

74
seus livros para a feira, outros vêm à feira para se inspirarem,
editores vêm em busca de novos títulos para seus catálogos. Além
da visita, oferecemos encontros, lançamentos e um prêmio de
fotolivro”, comenta Escardó (informação verbal)34.

O que era um final de semana tornou-se um evento de três semanas –


sempre durante o mês de agosto e de quinta a domingo.

A metodologia da feira foi sendo construída por meio da experiência que


Julieta Escardó possuía como curadora no Espacio Ecléctico e também com o apoio
da produção executiva de Eugenia Rodeyro. A metodologia foi aplicada em todas
as itinerâncias, inclusive na mexicana, que criou a Feria Internacional de Libro de
Artista. Princípios como horizontalidade na exposição dos livros e divisão temática
como categorias para a exposição (como biografia, viagens, documentais, estudos
ou ficções, fotografia plástica ou outras linguagens) são aplicados à expografia. A
expografia é um misto de biblioteca, sala de estar e ponto de encontro. Na feira
são encontrados livros únicos, editados ou protótipos. Um lugar para sentar e ficar
por horas. Ao chegar, as pessoas recebem um catálogo, buscam um espaço para
ficar, olham o livro escolhido, e tal ação pode ser repetida para cada um dos livros
expostos. A feira é um ato político com relação ao livro, como mesmo afirmou
Escardó para mim, em conversa.

A média de visitas em 2012 foi de 3 mil pessoas. A feira é um momento de


encontro com o livro e o seu autor. “Uma experiência única, íntima e tátil”, comenta a
curadora. Para ela, o mais especial da feira é que os bibliotecários são os próprios
autores. Eles fazem a intermediação entre os livros e o espectador. “É a essência da
feira e, assim, levamos a metodologia para todos os espaços que visitamos.” A feira
não conta com qualquer apoio ou incentivo do governo. Ela existe pela própria força
das pessoas que a coordenam e pelo público, que a frequenta ano a ano, segundo
conta Escardó:

A feira cresce anualmente, como a importância de manter um


projeto por tanto tempo. A feira é um milagre também, francamente,
porque ela é totalmente independente. Na Argentina, diferente do
Brasil e do México, não há nenhum subsídio público para este tipo
34
NAVARRETE, José Antonio. Trabalho apresentado na mesa “Circuitos na Fotografia Latino-
americana”. In: PRIMEIRO FÓRUM LATINO-AMERICANO, 2007, ITAÚ CULTURAL. Transcrição
disponível em: <http://www.forumfoto.org.br/disponivel-em-pdf-as-transcricoes-das-mesas-e-
entrevistas/>. Acesso em: 29 maio 2014.

75
de atividade (ESCARDÓ, 2013)35.

A cada ano, meses antes da feira, abre-se uma convocatória para receber
livros, forma-se um comitê de seleção e são escolhidos os livros que comporão a
feira do ano. Em 2012, foram em média 250 livros, sendo que em 2013 houve mais
livros e o espaço foi maior. E com as itinerâncias já realizadas forma-se uma rede
de feiras independentes. Julieta Escardó explica (informação verbal) que não se
pode falar da feira sem chamar a atenção para políticas culturais. De fato, a feira é
um motor de ações para livros de fotografia na Argentina e em outros países, e gera
uma conexão de trabalhos latino-americanos sobre livro. Falar da feira na Argentina
é falar de autogestão de espaços culturais e de autonomia, algo essencial a todos
os países da região.

A feira também é um espaço de venda para editoras argentinas e artistas


independentes, o mês de agosto passa a ser o mês do fotolivro em Buenos Aires,
ações são realizadas. E, desde 201336, a feira passa a ocupar uma galeria de arte,
a Central Newberry.

No Brasil não existe uma feira similar, e sim ações em livros, como a
Biblioteca do Livro de Fotografia do FotofestPoa e a livraria itinerante do Estúdio
Madalena, que funciona nos festivais de fotografia. Viviane Vilela (2014) conta que a
Livraria Madalena significa uma oportunidade de ter acesso aos mais variados livros
de fotografia e fotolivros e a possibilidade de torná-los acessíveis às pessoas que
se interessam por livros e fotografia. Ela conta que a livraria foi iniciada de maneira
despretensiosa e “hoje vejo que ocupamos um espaço, ainda que timidamente,
importante de pesquisa, difusão e discussão de livros de fotografia e fotolivros”.
A livraria que também acontece no Festival Paraty em Foco tem um aumento
significativo de lançamentos ano a ano. “Vejo o cenário do fotolivro no Brasil mais
consolidado e com as pessoas entendendo melhor o conceito e o papel do fotolivro
para a fotografia” (VILELA, 2014)37.

35
ESCARDÓ, Julieta. Op. cit.
36
Em 2013, contribuí com a feira realizando uma curadoria de livros brasileiros: levei todos os livros
brasileiros pesquisados em Experiências de artistas, além de livros de forte repercussão, como
Mulheres centrais, do Coletivo Garapa, por exemplo.
37
VILELA, Viviane. Entrevista concedida por e-mail, 12/9/2014.

76
Em 2013, ocorreu a exposição dos Fotolivros Latino-americanos,
em São Paulo e no Rio de Janeiro no Instituto Moreira Salles. A exposição é
um desdobramento da pesquisa homônima e contou com participação de Iatã
Cannabrava e Marcelo Brodsky, com curadoria do historiador da fotografia Horácio
Fernandez. Para Fernandez, o livro é um conjunto. Uma soma.

A exposição do Rio de Janeiro exibiu livros de todo o continente, desde


1920, ora expostos como projeto gráfico, página a página, como no caso de
Soturna Nervioso, de Bárbara Brändli, ora como instalação, como no caso do livro
Amazônia, de Claudia Andujar. A instalação colocada em uma capela foi composta
por projetismo gráfico (peça gráfica sendo exibida), vídeo (com livro sendo folheado)
e fotografias. Livros importantes para a história editorial brasileira, como o já citado
Paranoia, de Roberto Piva e Wesley Duke Lee, estavam em exibição.

Na exposição, bem como no livro, eles falam de fotolivro de artista.


Localizam esse “tipo” de fotolivro a partir dos anos 1970. Reproduzo o texto da
exposição:

Durante os anos 70, vários artistas achavam que o processo


de criação era mais importante que a obra final. A fotografia era
meio para documentar processos criativos que não deixam outros
vestígios. Os artistas da América Latina seguiam esta tendência.
Entre os fotolivros de artistas decorrentes desse movimento latino-
americano, há registros de performances, como Auto-Pho­tos
(1978), da artista brasileira Gretta, e os trabalhos sobre o corpo,
como Autocópias, de 1975, do artista venezuelano Claudio
Perna, com projeto gráfico de Álvaro Sotillo. Há também inúmeras
documentações de trabalhos experimentais no espaço urbano,
como Sin saber que existias y sin poderte explicar (1975), de
Eduardo Terrazas e Arnaldo Coen. Fotolivro que é, ao mesmo tempo,
catálogo de mercadorias, aventuras cromáticas e uma celebração
do projeto gráfico. A reflexão sobre a linguagem artística é tema
dos fotolivros tão importantes quanto Fallo fotográfico (1981),
obra conceitual de Eugenio Dittborn, ou Ediciones económicas de
fotografÍa chilena (1983), um projeto editorial de outros livros em
fotocópias, com imagens de Paz Errázuriz, Maurício Valenzuela e
Luis Weinstein (FERNANDEZ, 2011).

77
No México, no marco do Festival Fotoseptiembre, acontece a Feria
Internacional de Libro de Artista. O evento, bianual, é uma iniciativa governamental,
a única dessa natureza. O festival teve início em 1993 e já foram realizadas dez
edições. A feira, por sua vez, é uma das atividades do festival e teve início em 2009,
com o convite feito à Feria de Libros de Foto de Autor da Argentina.

Os organizadores consideram que a feira é resultado da expansão


internacional do festival. Assim conta o coordenador do festival, Valentín Castelán
(informação verbal):

Como resultado dessa expansão internacional, o festival tem


tido nas últimas seis edições convidados internacionais, ou seja, um
país ou uma série de autores que pertencem a um país determinam
o núcleo do festival, embora todo o festival não tenha que girar em
torno disso, mas esse seja o maior atrativo. Na edição de 2009, o
país convidado foi a Argentina, então, como parte das iniciativas de
trabalhar com eles, convidou-se a Feria de Libros de Foto de Autor
(CASTELÁN, 2013).38

Junto à feira foi realizado um concurso com prêmios, tanto para protótipos
de livros quanto para livros únicos. Na última, de 2011, foram exibidos cerca de
150 exemplares e entre estes havia livros brasileiros, enviados por Carlos Carvalho
do FestFotoPoA. Em 2009, um dos livros vencedores foi Jorge Soldado, de Juan
António Sánchez Rull, juntamente com o livro Choques, de Diego Levy (Argentina).

Quando criada, em 2009, o nome da feira foi intencional. A curadora


Mariana Gruener (2013)39 disse que foi uma tentativa de abarcar um pouco da
diversidade dos livros produzidos: tanto livros independentes nas mais variadas
propostas fotográficas, bem como livros de pequena tiragem.

Percebi que havia pessoas, como Patricia Lagarde, que


faziam livros impecáveis, muito caros, muito bons e em pequenas
edições. E, em seguida, tinha que ter uma categoria na feira para
pessoas que trabalham assim como ela. E havia a produção em
livros dos fotógrafos documentaristas mexicanos, que querem
publicar o seu livro (GRUENER, 2013).40
38
CASTELÁN, Valentín. Entrevista concedida no Centro de la Imagen, Cidade do México, México,
28/1/2013.
39
GRUENER, Mariana. Entrevista concedida no Centro Nacional de las Artes, Cidade do México,
México, 5/2/2013.
40
GRUENER, Mariana. Op. cit.
78
Como forma metodológica, baseou-se na feira argentina, sendo também
dividida em seções, só para proporcionar ao público um caminho, como marcações de
trabalho. São elas: construções, documentais, entornos, indagações e intimidades,
além de a cada ano ter editoras convidadas.

Nas feiras encontramos os caminhos diversos do livro contemporâneo.


Há uma aproximação do gesto, do olhar e também das relações do suporte livro.

Hoje em dia, tamanhos, formatos e também tiragens são diversas. Há


coleções de fotolivros. Alguns fotógrafos iniciam seus trabalhos em livros. Jovens
fotógrafos elaboram trabalhos com o livro e para o livro. Um exemplo dos anos 2000
é o livro Paisagem submersa, de Pedro David, Pedro Motta e João Castilho. Um
livro coletivo editado por uma grande editora, a Cosac Naify. Editora que também
publicou outros livros de fotografia importantes, como o primeiro livro do fotógrafo
German Lorca e Silent Book, de Miguel Rio Branco, que será analisado no capítulo
seguinte. E ao falar de livro de fotografia dos anos 2000, não se pode esquecer da
importância do curador Eder Chiodetto, que traçou parceria com a editora Cosac
Naify, coordenando edição de livros e coleções.

Entre os jovens artistas, há aqueles que dão atenção especial ao livro. Um


exemplo é João Castilho, um artista que pensa o suporte do livro e estuda os seus
diversos procedimentos. Já lançou três livros, e em edições de autor: Peso morto,
Pulsão escópica e Hotel Tropical, títulos completamente distintos em formato,
tamanho e também em pensamento de edição. O último, Hotel Tropical, é um livro em
grande formato (distinto dos outros dois, pequenos), que se assemelha ao tamanho
de livros de mesa de centro, porém faz todo o sentido. Ele traz edições cromáticas e
jogos de repetição que só fariam sentido em um livro do tamanho em que está, com a
possibilidade do branco e do ato de inclusão de imagens página a página.

Pedro David teve seu mais recente livro, Rota raiz, lançado pela editora
Tempo D’Imagem. Rota raiz é um inventário afetivo. De acordo com David, o livro
parte da influência dos seus pais sobre sua cultura. Ele me contou que cresceu com
uma saudade do sertão, da fazenda, do interior. Visitou muito estes lugares, mas a
saudade sempre foi maior que a visita.

79
Pedro David, Rota Raiz, 2014, 128 páginas, 14 cm x 21cm
Imagens cedidas pelo autor

Aí cresci, tornei-me independente, fotógrafo, fotógrafo


independente, isto é o principal. Na busca desta independência,
profissional, fui buscar um trabalho pessoal para fazer, que fosse
realmente pessoal, íntimo, que, ao final, resolveria minha motivação,
minha saudade (...). A ancestralidade é realmente revisitada, na
forma destas viagens, que eu precisava fazer para crescer, e para
41
ter meu primeiro trabalho (DAVID, 2014) .

41
DAVID, Pedro. Entrevista realizada por e-mail, 29/6/2014.

80
Há outros casos latino-americanos, inclusive. A brasileira Maíra Soares,
por exemplo, publicou seu primeiro livro, Este seu olhar, na Espanha e rodou com
ele em todos os festivais de fotografia do mundo, bem como nas principais feiras
de livro.

O livro é interessante por ser um objeto permanente e por


ser fácil de ser transportado. E também porque tem baixo custo,
tornando-se acessível a muito mais pessoas. A ideia de que ele
possa ser “descoberto” em uma estante de um canto qualquer do
mundo a qualquer momento me atrai bastante. É um registro de
algo que existiu, que pode ter passado em branco, mas que sempre
estará lá (SOARES, 2014)42.

Arrisco dizer que o intercâmbio latino-americano entre os fotógrafos não


seria o mesmo se não existissem os livros, as editoras e as ações coletivas.

Há uma tendência dos fotolivros contemporâneos de serem publicados


por pequenas editoras. Pipocam a cada ano novas editoras, e são iniciativas de
pessoas jovens. Há iniciativas coletivas, como a Vibrant, coordenada pelas irmãs
Isadora Brant e Martina Brant, que iniciaram a editora com o livro Minotauro, para
citar casos brasileiros.

Isadora Brant, Juliana Nadin, Luiza Sigulem e Martina Brant, Minotauro, 2014, 32 páginas, 20cm x 30cm

42
SOARES, Maíra. Entrevista por email, 19/7/2014.

81
Há também iniciativas vinculadas a uma estrutura gráfica como a
PingadoPrés (que iniciou publicando jovens artistas com reconhecimento dentro da
fotografia, como Gui Mohallem e Breno Rotatori).

As novas editoras também prestam serviços a outros artistas que decidem


realizar autopublicações, como é o caso do livro Campo cego, de Ivan Padovani,
lançado em 2014 e que teve grande repercussão nacional e internacional, um livro
com miolo impresso em laser filme e edição trabalhada para carregar ainda mais o
aspecto transparente das imagens.

Ivan Padovani, Campo cego, 2014, 45 páginas, 21cm x 17cm


Imagens cedidas pelo autor

82
No mesmo ano, Felipe Russo lançou Centro: com tiragem de mil, o livro é
resultado de um processo de pesquisa e trabalho do fotógrafo pelo centro da cidade
de São Paulo e foi impresso com a ajuda de Cartase. Russo tem uma forte relação
com o livro, realiza bonecos e planos de edição para estudar o processo de edição
das imagens. Seu processo é meticuloso. O livro vem em uma luva que contém
apenas seu título, e ao tirar o livro entrega-se o miolo, trabalhado com imagens que
trazem um tempo de espera sobre a cidade e sua fragilidade, de relações efêmeras.

Outros livros e iniciativas foram realizados nos últimos anos. Fazer um


mapeamento seria exaustivo e não esgotaria a diversidade das iniciativas. Há uma
crescente internacionalização, intercâmbio do fotolivro. A própria portabilidade
do livro e as iniciativas em rede, que são características da circulação, permitem
que o conhecimento, a reflexão e o estudo sobre o fotolivro sejam ampliados. A
portabilidade do livro é levada ao extremo e compreende-se a circulação como uma
iniciativa própria de quem constrói e de quem difunde o livro.

Felipe Russo, Centro, 2014, 64 páginas, 27cm x 22cm


Imagens cedidas pelo autor. O livro Centro participou da lista da Revista Life, feita por Martin Parr, dos melhores
fotolivros de 2014.

83
84
4) Artistas e seus livros

O presente capítulo estabelece um diálogo, por meio de textos ensaísticos,


com quatro livros. Eles foram companheiros de jornada ao longo do mestrado. O
primeiro, Silent Book, de Miguel Rio Branco, é um livro-referência. Os outros três
encontrei em processos de feiras de publicações, são eles: El Paraiso en el Piso
de 37, da mexicana Patricia Lagarde; Welcome Home, de Gui Mohallem, e Salud,
de Eduardo Carrera.

Trago aproximações entre o livro, sua temática e a literatura. Uma


tentativa de abordagem e diálogo sobre livros.

Silent Book teve sua primeira edição em 1998 pela editora Cosac Naify.
Rio Branco realiza livros desde os anos 1980. Dulce Sudor Amargo foi seu primeiro
livro, publicado em 1985 pelo Fundo de Cultura Económica, México. O segundo,
Nakta, com um poema de Louis Calaferte, foi publicado em 1996 pela Fundação
Cultural de Curitiba.

Já El Paraiso en el Piso 37 é um livro de 2005. Patrícia Lagarde realizou


todo o processo do livro sozinha, da fotografia à edição, passando pela finalização.
Lagarde é uma fotógrafa mexicana que já realizou doze livros, todos de forma
artesanal e baixa tiragem. Já expôs em diversos espaços de livros. Em 2011, criou
a editorial Élitros.

Gui Mohallem é um fotógrafo brasileiro cujo primeiro livro foi Welcome


home. É formado em cinema, tendo participado de residências e exposições. E já
realizou seu segundo livro em 2014, intitulado Tcharafna, editado pela Pingado Prés.

Salud é o primeiro livro de Eduardo Carrera e demorou quase dez anos


para ser editado. Carrera é fotógrafo e escritor argentino.

A seguir, um pouco de cada livro.

85
4.1) Silent Book: a montagem inatual

Não vou fazer sentido onde se costuma


fazer, não, obrigado. Eu faço pouco sentido
onde me não encontram. Sou inatual.
Herberto Helder

O caráter não atual – de ser inatual –, oposto à novidade, ao acontecimento


do momento e ao fabrico capitalista dado como novo, é uma característica do poeta
Herberto Helder, que mais se aproxima de Miguel Rio Branco.

Miguel Rio Branco é um dos artistas mais estudados na fotografia.


Polêmico, iconoclasta, anarquista e recluso. Quando aparece, nunca cumpre
protocolos ou responde perguntas.

A relação dele com a poesia é uma constante, tanto nas curadorias quanto
na academia. Lívia Aquino (2005) relaciona a obra de Rio Branco com imagem-
poema, e a define como metáfora visual. David Levi Strauss (2003) qualifica Miguel
Rio Branco como poeta da luz e da cor. Contudo, há poucos estudos existentes
sobre seus livros e seu processo de montagem. A mim, o que mais instiga é a
maneira como Rio Branco pensa seus livros. A partir do mais famoso, Silent Book –
brevemente abordado aqui, como obra-referência –, estabeleço um paralelo com o
poeta Herberto Helder, cuja montagem contém a essência da poésis de Miguel Rio
Branco. Foi a montagem que me aproximou dos livros.

Breve contexto: Miguel Rio Branco


Os livros de Miguel Rio Branco são importantes pois vão além de um
modelo estabelecido na época como livros fotográficos ou livros de fotógrafo, os
quais transitaram entre o livro portfólio – de apresentação histórica ou antológica
de um grande nome – e o livro documental temático – tradição inaugurada com
The Americans, de Robert Frank. Dadas raríssimas exceções, tanto em um tipo
de proposta quanto em outra, o livro era apenas um suporte de imagens, e nunca
um objeto com questões formais próprias, propostas por um fotógrafo enquanto
pensador de um livro com conteúdo e forma. Com Rio Branco, os livros saem da mesa

86
de centro e da necessidade estática e contemplativa das antologias fotográficas, e
vão para as mãos, como um objeto pequeno, tátil e móvel.

Assim, nos livros de Miguel Rio Branco, em especial Silent Book, há


uma violação das normas do que se considerava livro de fotografia. Rio Branco
inaugura um outro lugar para eles, tornando-os muito mais próximos do livro de
artista e do caráter intermídia da arte contemporânea.

A primeira edição de Silent Book é de 1998, a segunda saiu em 2012.


O livro é áspero e rude: não tem um tema ou uma proposta de narrativa com início,
meio e fim. Diversamente das obras documentais da época, que possuíam como
tema garimpo, índios ou retratos da cultura brasileira (como carnaval ou festa
junina), o livro de Rio Branco não é temático nem retrata uma dada situação a priori.
O mais interessante é que o artista foi ao garimpo, esteve em Serra Pelada em seu
auge, visitou tribos indígenas amazônicas, foi à periferia de Salvador, ao Maciel e
ao Pelourinho antes da sua reforma, mas as imagens realizadas em tais lugares são
dispostas de uma forma distinta,, com uma proposta de montagem em instalações,
vídeos e livros.

No final dos anos 1970 e início dos 1980, Rio Branco conhecia a produção
brasileira, tanto de arte quanto de cinema. Trabalhou com artistas como Waltercio
Caldas, bem como com cineastas, fazendo direção de fotografia, como é o caso
do trabalho realizado com a diretora Lucia Murat. Porém, o trabalho de Rio Branco
foi para outro lugar. Sua produção em livros1, por exemplo, não partiu do campo do
que se convencionou chamar de arte conceitual na época, e sim da deslocalização
do documentarismo para o campo da arte contemporânea2. Na obra de Miguel
Rio Branco, a fotografia é componente central do processo e dos livros, vídeos e
instalações que realiza. Elementos como espaço, enquadramento, cor e luz fazem
parte do seu trabalho.

1
Seus vídeos também se localizam no campo da videoarte, não do cinema, mas o tema aqui são
os livros.
2
No campo do livro de artista, os livros de Miguel Rio Branco também são bons para pensar, já que,
anteriormente, os livros de artista que tinham utilização de fotografia, no Brasil e na América Latina,
eram pautados em conceitos de montagem muito ligados à poesia concreta e à arte visual.

87
Silent Book: imagens erupções

Em Silent Book as imagens são buracos que, quando alinhados,


possibilitam armar e desarmar o jogo de imagens e a sequencialidade do próprio
livro. A dobra, que aparece em momentos específicos, pode ser vista como uma
fenda móvel, pois, ao abri-la, conforma dípticos, trípticos e polípticos. Obviamente,
alinhados pelo formato códex, contudo realinhados pela abertura e fechamento das
dobras e pelo ritmo das páginas.

O enquadramento e o uso de elementos como luz e cor trazem uma


atmosfera áspera, rude e dissonante ante o que era praticado pela tradição
documentarista da época, que se utilizava de luz e enquadramentos clássicos.

Outro elemento interessante no livro de Rio Branco é o aspecto formal.


Tanto pela montagem quanto pelo aspecto de objeto, seu tamanho não era praticado
no final dos anos 90: é um livro pequeno, 20 x 20 cm. Um livro para ver próximo. Um
tamanho de livro de fotografia que passou a ser realizado apenas pelas gerações
nos anos 2010 no Brasil.

Em Rio Branco, luz e cor são características formais da imagem levadas


para a edição e a sequencialidade das páginas. Elas são as sensações do plano de
montagem, não por uma narrativa prosaica e convencional – com início-meio-fim –,
mas com uma sequencialidade pautada na composição: um outro lugar.

Montagem, como o próprio Helder expõe, é uma noção narrativa própria.


Contudo, não é uma questão do início-meio-fim, do contar uma história por si e atribuir a
ela a passagem cronológica do tempo. Trata-se das relações estabelecidas no interior
de uma obra, seja ela um poema, uma película cinematográfica ou um livro. “Quanto
mais sutil, furtiva, secreta, desentendida, complexa e ambígua for a montagem, mais
penetrante e irrefutável a sua força hipnótica.” (HELDER, 1987, p. 151).

É possível aproximar o conceito de montagem para o poeta português dos


procedimentos realizados por Rio Branco. Esse artista dialoga com o experimentalismo
e o conceito de livro de artista. Experimentalismo, por ser um livro sem uma proposta
linear de edição, o qual tem dobraduras que ampliam os dípticos formados pelas
páginas duplas em trípticos e, muitas vezes, em uma edição com quatro imagens.
Isso a depender da forma como o leitor realiza a leitura visual da obra.

88
Miguel Rio Branco, Silent Book, 1998, 98 páginas, 20x20 cm (fechado) , capa dura

A dobradura pode ser aberta e, logo, fechada; um ato compartilhado


dentro de uma proposta de montagem unida pelo formato códex. Por meio do códex,
pode manter-se aberta e tornar-se um tríptico, que vai se justapondo e construindo
novas relações de montagem até surgir outra dobradura.

89
Ou pode-se voltar e olhar a imagem que está atrás da dobradura,
percebendo a sua relação com a dobradura posterior, e formar um jogo de quatro
imagens.

90
A edição perpassa por uma proposta cromática, alegórica e formal:
cromática, porque os jogos de edição variam em cores; alegórica, por trabalhar com
formas-escombros, ruínas e temporalidades; formal, visto que, em todo momento,
o formato livro e seu trabalho de montagem são conceituados na obra. Há uma
proposta labiríntica (“sutil, furtiva, secreta”, para usar palavras de Herberto Helder)
em Silent Book.

O próprio Miguel relaciona a sua montagem de livros com a poesia e o


descolamento da imagem com o factual, sendo a narratividade (a montagem do livro
em si) uma proposta que parte do poema e da criação de outros lugares, por meio de
imagens e suas conexões entre tempos distintos, bem além da representação do real.

Aspectos como sombras, vultos e movimentos sinalizam o tempo no livro,


o que permite uma leitura a respeito da montagem também, como se, ao passarem
as páginas, sua sequencialidade velasse e desvelasse o tempo. Isso diz respeito
tanto ao tempo no interior do dispositivo fotográfico – mostrando o movimento, o
vulto e levando ao limite a fragmentação e a decomposição de ações vivenciadas
pelo corpo do fotógrafo e o aparelho fotográfico como dispositivo –, quanto ao tempo
cronológico/psicológico, com as cicatrizes, as ruínas e as formas-escombros dos
espaços habitados e desabitados. Talvez o silêncio do livro seja a materialidade de
um discurso sobre o tempo e suas temporalidades.

Aspectos técnicos, como enquadramento, luz e cor, são parte do


processo, da montagem. O enquadramento é incomum ao documental, ora de cima
para baixo, ao retratar corpos de pessoas ou ao desfigurar ações, dando ao detalhe

91
o primeiro plano. O frame pode ser visto como cena, onde a construção da luz e, por
consequência, a sombra, bem como a cor, mantêm aproximações com os cânones
da pintura, como Caravaggio e Goya (LÉVI-STRAUSS, 2003).

Outro ponto pertinente é a relação de quem realiza o ato fotográfico com


o fotografado. O outro (fotografado) não é um tema. Há um jogo de cumplicidade, de
entrega e de participação em cena; existe, a todo momento, a visitação do habitar
das coisas e das pessoas, do estado das coisas pelo desenho do tempo.

Estátuas e símbolos religiosos são apresentados na montagem pelo


jogo de aproximações de imagens; eles mantêm-se em estado profanizado,
quase trazendo o gozo do momento, conformando ações de montagem e outras
significações.

A faca, o sangue, a cor – azul, vermelha ou marrom –, o detalhe, a grade.


Corpos masculinos e femininos estão à mostra. Seios. Meio corpo. Fendas, buracos
que são vulvas à mostra. A edição invade e não encerra uma história.

O tempo – sempre o tempo – pode ser ruína, vestígio, buraco ou


movimento. E não importa muitas vezes se percebemos fragmentos de ritos ou
situações, como a cauda do vestido da noiva e o saco de boxe. Talvez porque os
trechos de cerimônias religiosas, seus santos de pau oco ou mesmo seus pedaços
de pintura compreendam uma outra perspectiva, um plano aquém do documento.
Algo na iminência, mas nada acontece. Não há um personagem que se case, reze
e peça permissão. Talvez seja a força hipnótica do livro.

4.2) El Paraíso en el Piso 37: o tempo matéria perecível

Todo lo arrastra y pierde este incansable


Hilo sutil de arena numerosa.
No he de salvarme yo, fortuita cosa
De tiempo, que es materia deleznable.
Jorge Luis Borges, El reloj de arena

El Paraíso en el Piso 37 trata da inconsistência do tempo. Do tempo que


é construtor e destruidor da vida. Do tempo que é matéria de pouca solidez e pouco
duradoura. Do tempo que nos é entregue e, concomitantemente, se desmaterializa
e se esparrama.

92
O tempo é a matéria desprezível (deleznable), nas palavras do escritor
Jorge Luis Borges. A matéria inconsistente que se rompe, desagrega, desfaz-se
facilmente. A matéria que invade, destroça, consome e está fora e dentro de nós.
O tempo é a própria impermanência. E, certamente, foi o perene do tempo o fio
condutor de Patricia Lagarde em seu livro.

Patricia Lagarde, El Paraíso en el Piso 37, 2005, 42 páginas, 23x17 cm (fechado) , capa dura, com lombada
de 2,5 cm, vertical

O Paraíso de Lagarde se deu em uma sucessão de encontros. Certo


dia, ela decidiu visitar o 37o andar de um edifício histórico de sua cidade: a Torre
Latino-Americana. É o primeiro arranha-céu mexicano, edifício datado de 1949,
ponto turístico da Cidade do México.

93
Lá, no penúltimo andar do edifício, a fotógrafa entrou em contato com um
aquário contendo os mais variados tipos de peixes tropicais. Ao visitá-lo pela primeira
vez, a artista Patricia Lagarde teve a certeza de que aquilo era “a representação
exata do paraíso” e de que havia estado ali na infância. Foi e voltou diversas vezes,
acompanhada de uma câmera digital compacta. Ao fotografar o lugar, descobriu
que era impossível ter estado ali quando criança: o aquário havia sido construído
quando ela já estava na juventude.

Enquanto fotografava e editava as imagens, ela pensava o livro em si e,


por esse motivo, a autora considera El Paraíso en el Piso 37 seu melhor livro. O
processo de fotografar ocorreu concomitantemente ao processo de construção do
projeto, bem como sua finalização.

A morte do paraíso não é apenas simbólica, Patricia Lagarde foi


testemunha da destruição real do aquário. Foi durante a edição que a autora soube
que o local estava sendo desconstruído e seria substituído por uma lanchonete. É
da construção e da perda do paraíso, do que é mais perene na vida, que diz o livro,
e nesses dois momentos que ele está dividido.

No Paraíso: construção e perda

O Paraíso começa com a conformação dos rios, sua flora exuberante e


os peixes habitantes do paraíso e finaliza com a sua destruição pela ação humana.
Imageticamente, o livro tem início com imagens da flora; depois, os peixes em
primeiro plano; aos poucos, aparece a cidade em segundo plano; por fim, surge a
cidade que anuncia o relógio.

Relatos mitológicos cristãos são trazidos em texto. O livro se inicia com um


indicativo do Gênesis, ao citar Pierre d’Ally31, que informa que os braços dos quatro
rios se formam e produzem o nascimento do mundo na mesma fonte: um lago.

O redondo do mundo, a formação dos quatro rios e o nascimento


do que somos e seus mitos invadem a construção do livro. A teofania cristã se
presentifica nas imagens, nas palavras e na edição. As citações falam entre si e por

3
Teólogo da Escolástica, Pierre d’Ally foi o primeiro a discorrer sobre a forma redonda da Terra, bem
antes de Copérnico.

94
meio das imagens. O lago nutre e dá vida aos peixes dos mais variados tamanhos.
Aparentemente, o paraíso encontra-se no Oriente.

O aquário é território de convívio da diversidade de espécies de vários


mares. É o espaço de uma proposta de paraíso. As imagens são compostas por
tons de cinza. Os enquadramentos mostram, ora em primeiro plano, os detalhes
das plantas e dos animais, ora distantes, em construções do cenário aquático.

Todavia, aos poucos, a cidade surge. O lago não é um local alhures ou


envolto em redemoinho, como os narrados pelas primeiras histórias de viajantes
europeus rumo ao idílico, ao selvagem, ao que precisava ser dominado, domesticado
e evangelizado. O Paraíso tem território; o encontro de todos os mares está em
uma cidade grande, na imensidão de uma megalópole.

Até os mitos e citações cristãs são base de fundo para outro personagem
real e mexicano: o aloxote. É ele que, em contraste com a luz do aquário, apresenta
o paraíso. Suas patas, corpo alongado e cabeça são apresentados.

À primeira vista, ele parece um animal montado, muito similar aos animais
do projeto Fauna, de Joan Fontcuberta. Mas o aloxote existe; é um animal que
vive em ambientes escuros e águas doces. Um ser que está sempre com os olhos
abertos e de rápida regeneração. Em asteca, aloxote significa monstro aquático.
Na mitologia local, ele é encarnação do deus Xolotl, o deus asteca do caminho, do
fogo e da iluminação, aquele que conduz as almas durante sua jornada por Mictlan.
Aqui, é ele o condutor da criação e destruição do paraíso. O animal errante, natural
da Cidade do México, bem como a Torre Latino-americana, o aquário e a autora.

95
Na última parte do livro, a destruição, o aquário vazio, o preto invade o
cinza, os peixes mortos. A simbologia do tempo se materializa na figura do relógio,
que vem logo na sequência de uma imagem da cidade. O que as imagens nos
informam é nossa condição humana, nossa mortalidade; só nos cabem a expulsão
do Paraíso e o passar dos dias.

96
Pode-se dizer que o trabalho de Lagarde se aproxima do conceito
denominado contravisão, de Joan Fontcuberta (1998)41. De acordo com o autor, um
dos “papéis” contemporâneos da fotografia é desenvolver o ilusório e produzir as
tramas do simbólico, que são compartimentos de um recipiente no qual se constrói
nossa experiência.

Por meio daquilo que se experimenta vem o fantástico e, dele, uma


grande aproximação com a literatura. Isso porque o Paraíso de Lagarde nos orienta
a um campo latino-americano, presente nos seres imaginários de Jorge Luis Borges
e de seus textos sobre o tempo, ou mesmo na Comala, de Rulfo, cuja narrativa
fragmentada se reverte em jogos de primeira e terceira. Os viajantes e suas mitologias
dão pistas falaciosas e ambivalentes sobre o que é o paraíso. Isidoro e Pierre d’Ally
aparecem em textos com imagens de Adão e Eva (representados pelas placas do
banheiro), porém os protagonistas da história são o aloxote e a Cidade do México.

Talvez seja Jorge Luis Borges o grande companheiro de jornada da


artista, pois, segundo ele, as ações do rio que arrebata, destroça, consome são
agente e ação. Pode ser eu ou você:

El tiempo es un río que me arrebata, pero yo soy el río; es un tigre


que me destroza, pero yo soy el tigre; es un fuego que me consume,
pero yo soy el fuego. El mundo, desgraciadamente, es real; yo,
desgraciadamente, soy Borges.

Jorge Luis Borges, Nueva refutación del tiempo

4.3) Welcome Home: a experiência do campo comum

When the moon is full the drum is sounded on the main


square. Trestle tables are erected glasses of every colour are put
out and bottles containing differently coloured liquids.

Monique Wittig, Les Guérillères

4
“A contravisão aspira a perverter o princípio de realidade assinalado à fotografia e não representa
tanto uma crítica à visão, mas à intenção visual. Trata-se, portanto, de uma atitude e não de um estilo.
Uma atitude elástica que dependerá dos marcos das circunstâncias sociais, culturais e políticas nos
quais se envolve cada fotógrafo” (FONTCUBERTA, 1998, p. 32).

97
Welcome Home, de Gui Mohallem, é um livro que compartilha uma
experiência. Uma experiência de campo comum. Do lugar. Do lar. Da comunidade.
Do conviver. Welcome Home é o relato de uma experiência, o lugar onde arte e
vida não possuem fronteiras. Um livro em estado de corpo lírico. Um lirismo pulsante
que é percebido na edição, no página a página.

O ritmo da edição varia entre jogos de imagens menores e maiores. No


final, os jogos são bem curtos. O ritmo aumenta. A gramatura do papel (mais grossa)
reforça a atenção ao folhear, a capa dura vermelha e o clichê rebaixado em dourado
levam os leitores ao livro sagrado da casa.

Você tem uma sequência, um ritmo que não deixa você saber
o que vem na próxima página, você olha com frescor para cada
coisa à qual você está sendo apresentado. É um jeito só de quebrar
a previsibilidade também. Então esse ritmo do livro tem um pouco
a ver com isso. As pausas, o jeito como as pausas são feitas, os
soluços e os gaps (...). As imagens estouradas têm muito a ver com
elementos da experiência que eu queria sublinhar. Então, cada uma
das imagens, pra mim, elas representam um aspecto importante
dessa experiência. É óbvio que é o conjunto todo, mas as imagens
maiores, elas têm questões (...) (MOHALLEM, 2013).51

5
MOHALLEM, Gui. Entrevista concedida na Casa Tomada, São Paulo, SP, 5/4/2013.

98
Gui Mohallem, Welcome Home, 2013, 168 páginas, 25x17cm (fechado), capa dura, 1000 cópias, publicação
independente

99
O lugar. O lar.

As imagens surgiram quando Mohallem foi realizar, junto a outras


pessoas, a celebração do Beltane, em um santuário localizado nos Estados
Unidos. O Beltane é um ritual de origens celtas que nos primórdios era feito em
homenagem aos ciclos naturais, à fertilidade e à comunhão de energias, tanto a
masculina quanto a feminina, e também estava vinculado ao Renascimento. O ritual
contemporâneo, que contou com a participação de Mohallem, tem como temas
essenciais a sexualidade e o reencontro com a vida. E o santuário é denominado
como um santuário queer.

O autor me contou que o livro surgiu depois, ele jamais pensara em fazer
um livro, nunca imaginara fazer as imagens. Ele levou a câmera sem a pretensão de
as imagens se tornarem um trabalho. “Welcome Home é uma experiência de vida,
ele não é um trabalho. Ele nunca foi premeditadamente um livro. Ele foi a vida.”
(MOHALLEM, 2013).

As primeiras fotos que Mohallem fez eram imagens “roubadas”, com


pessoas de costas. Ele as considera imagens projetivas, em que o outro emprestava
a carcaça para ele; depois o trabalho foi tomando um rumo diferente. Ele conta sobre
o momento em que assumiu a vulnerabilidade de expressar o próprio desejo. E
também foi o momento no qual tomou a iniciativa de perguntar para as pessoas: “Eu
posso fazer uma foto sua?”. Ele diz que chegou a ser fotógrafo de um casamento
ocorrido no local. Na terceira e última visita que fez, uma das pessoas pediu para
ser fotografada. A pessoa está com todos os adornos, paramentada para o ritual,
isso tudo é dela e ela fala: “Gui, tira uma foto minha?”. Aí, Gui leva a pessoa para
seu lugar preferido, o local onde ele tinha feito a exposição na floresta, e faz a foto.
Ele conta que essa foto é uma colaboração, uma foto em que o desejo do outro
está presente. Gui Mohallem declara que esse trabalho caminha para tal momento,
dessa imagem, que considera ser o momento da transformação dele.

A sexualidade, o encontro com a vida e os acordos éticos e políticos que


fazemos em nossas tomadas de decisões e nas realizações no campo artístico
são chaves importantes para pensar e compartilhar o trabalho de Gui Mohallem.
O curador Gabriel Bogossian acompanhou o processo de Mohallem e escreveu
sobre isso:

100
A casa original nos poupa do fastígio de renomear tudo, pois
fornece, além da continuidade (sempre irrepreensível, no começo,
e depois totalmente repreensível) das coisas, uma continuidade dos
nomes, um hábito dos nomes, dos fonemas, dos idioletos. Primeiro
a continuidade do nome da mãe, depois do nome do pai, e suas
ramificações. É sempre dessa casa, e desses nomes, que se parte,
portanto; dessa interpretação do mundo, ao mesmo tempo familiar
e alheia, que se foge. E com esta série se retorna a uma ideia de
casa; o espaço e os termos do encontro (antes de se tornar retorno,
e condição para ele) são especiais: em uma fazenda no interior dos
EUA, pessoas se reúnem para celebrar o Beltane, festa celta entre o
começo da primavera e o do verão que marcava o reinício dos ciclos
naturais; o encontro é de orientação queer, e no entanto casais e
indivíduos não vinculados a essa identidade vão ali compartilhar a
expressão de princípios de convivência radicalmente diferentes do
que se experimenta em qualquer outro lugar. As regras, mínimas,
são respeitadas; e porque o são, e dizem respeito essencialmente
ao cuidado, o encontro se dá como retorno: aqui temos novamente
uma casa, que é preciso conhecer e definir.
Todo retorno a casa é a aparição de um fantasma; é um
reencontro. Aprendemos a nos sentir em casa, aos poucos; todo
retorno traz acolhimento e medo – é o retorno ao pertencimento, à
proteção, ao assombro da força que a casa encerra e revela.
Esta casa nos rejuvenesce; retornar a ela é religar-se ao espaço
em que criamos os nossos personagens, e revemos a intimidade do
desejo. A casa é onde ficamos a sós com a solidão das origens, e é o
descanso nessa solidão. Onde as pessoas se reúnem em seu nome,
a casa existe novamente; e com ela suas potências. A celebração
do Beltane o reitera: o festival remete ao silêncio dos ciclos naturais,
desde o momento obscuro das sementes até a nova floração; a
fertilidade ganha sua expressão mais carnal e o corpo se adorna,
preparando-se para o ofício sagrado. É daí que vêm essas imagens:
elas são o registro de um ritual de retorno – e ao mesmo tempo o
próprio encontro, a sua voz (BOGOSSIAN, 2012, p. 131-132).

Welcome Home faz da relação com o outro a relação com a arte. E


essa relação perpassa pelo espaço da sexualidade e da vida criativa, que estão em
comunhão. Uma comunhão bem além dos campos binários de significação entre
sujeitos e coisas. Um lugar de encontro com o outro, mas não é qualquer lugar: é o
do encontro político com o outro.

Segundo Jacques Rancière, a atividade política é o que desloca os


corpos, é o que dá o caráter humano das pessoas e faz repensar a divisão entre

101
os grupos sociais visíveis e invisíveis. “A política se ocupa do que se vê e do que
se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade
para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis tempos.” (RANCIÈRE,
2005, p. 11). É por meio dessa perspectiva de política que Rancière fala da arte.
Completamente vinculada ao signo da transformação, “a arte ressignifica o que
se vê e o que se diz e intervém na distribuição das maneiras de fazer e suas
relações com as maneiras de ser e formas visíveis”. (RANCIÈRE, 2005, p. 16).
Segundo Rancière, a arte é o testemunho do encontro com o irrepresentável que
desconcerta todo pensamento. E a partilha do sensível seria uma tarefa da arte,
que é a realização da humanidade comum.

O comum não é o institucionalizado como norma; pelo contrário: é o que


desconcentra, o que desvia, o que não se consegue categorizar. O comum pode
ser criado, formado pela sexualidade criativa, além das normalizações e do que
é socialmente considerado “normal”. Importante retomar a definição de Foucault
sobre a sexualidade:

A sexualidade é o nome que se pode dar a um dispositivo


histórico: não à realidade subterrânea que se apreende com
dificuldade, mas à grande rede da superfície em que a estimulação
dos corpos, a intensificação dos prazeres, a incitação ao discurso,
a formação de desconhecimentos, o reforço dos controles e das
resistências encadeiam-se uns aos outros, segundo algumas
grandes estratégias de saber e de poder (FOUCAULT, 2005, p. 100).

E seria o queer um posicionamento político em estar aberto à diversidade


e ir além das normatizações sexuais, que definem as pessoas em função de seus
órgãos sexuais.

Queer é um conceito, uma crítica das identidades, ele vai para o campo
das singularidades no qual cada um pode vivenciar e ter a experiência do seu desejo,
de sua sexualidade, como lhe for permitido. É um campo de liberdade e acordos
éticos entre sujeitos, já que a sexualidade é um campo relacional, de acordos éticos.

Há uma coisa que se prega que eu aprendi nessa comunidade.


Eles pregam uma relação, uma construção de relações sujeito-
sujeito. Isso é muito raro, isso é muito especial. Então você, numa
comunidade em que é encorajado a expressar o seu desejo, também

102
é encorajado a entender o outro como uma fonte desse desejo,
um sujeito com o próprio desejo. Então os encontros têm que ser
intermediados, o encontro dos desejos, né? Se eles... E aí, você tem
uma real liberdade. Tem uma questão do conceito de liberdade, né?
A gente vive muito o conceito de liberdade muito burguês, que é a
liberdade como território, então, a minha liberdade termina quando
começa a sua. Não é verdade, eu não acredito nisso (MOHALLEM,
2013)61.

E é no campo da dignidade e da ética que o trabalho de Gui Mohallem


pode ser visto. Ao trazer o queer para a partilha, e ao levar seu livro para o espaço
da comunidade, ele ressignifica a alteridade e faz da arte um espaço de atuação
ético bem como estético.

Ser público é estar exposto à alteridade. Consequentemente,


artistas que querem aprofundar e estender a esfera pública têm
uma tarefa dupla: criar trabalhos que: 1) ajudam aqueles que foram
tornados invisíveis a ‘fazer sua aparição’; e 2) desenvolvem a
capacidade do espectador para a vida pública ao solicitar-lhe que
responda a essa aparição, mais do que contra ela (DEUTSCHE,
2009, p. 178).

Ao afirmar que ser público é estar exposto à alteridade, diz Deutsche que
retoma isso de Emmanuel Lévinas, bem como a noção da terceira parte.

Lévinas entra no discurso da esfera pública, pois a terceira


parte suscita o encontro com o outro que está além do espaço do
encontro face a face diádico e o firma em espaço público. A terceira
parte é a humanidade inteira que me olha, é a relação com a face,
visto que é também e sempre uma relação com a terceira parte,
‘coloca-se na mais completa luz da ordem pública’. A abordagem do
outro, ‘ou a aparição, pressupõe o mundo social, mas me diz que eu
não consigo encontrar esse mundo a partir da posição de completo
entendimento, o que faria o mundo ser ‘meu’. O mundo não me
pertence. Lévinas escreve: a presença do outro é equivalente a
colocar em questão minha prazerosa posse do mundo (DEUTSCHE,
2009, p. 177).

Para Lévinas, quando nos relacionamos com o outro sempre estamos


nos relacionando com o terceiro.

6
MOHALLEM, Gui. Entrevista concedida na Casa Tomada, São Paulo, SP, 5/4/2013.

103
A relação com o outro, a transcendência, consiste em dizer o
mundo ao outro. (...) A generalidade da palavra instaura um mundo
comum. O acontecimento ético, situado na base da generalização, é
a intenção profunda da linguagem. (...) A linguagem não exterioriza
uma representação preexistente em mim: põe em comum um
mundo até agora meu. (...) A visão do rosto não se separa deste
oferecimento que é a linguagem. Ver o rosto é falar do mundo.
A transcendência não é uma ótica, mas o primeiro gesto ético
(LÉVINAS, 2005, p. 44).

A ética e a relação com o outro são faces do mesmo. Para Lévinas, o


espaço da outrocidade é o espaço do enigma e da ética. Assim, podemos afirmar que
o outro nunca é nosso espelho nem alguém exposto em desigualdade. A liberdade
e a igualdade só contribuem para a construção de relações sociais pautadas sob
o prisma da ética e da dignidade. Dessa forma, todos deveríamos retornar a casa.

4.4) Salud: a narrativa menor

SALUD. El Conde olía a tabaco y


perfume y chocaba autos. Mi primer recuerdo
del Conde es con vendas; siempre estaba
vendado o, peor, enyesado. El perfume que
usaba tenía un rastro de whisky, pero yo
entonces no podía saberlo.

Eduardo Carrera, Salud

Como em português, salud (saúde) é uma forma de saudação à vida, aos


bons presságios. Salud é uma evocação, uma palavra pública quando brindamos
ou quando nos despedimos. É o que desejamos a uma criança recém-nascida ou
a alguém que se encontra doente. Saúde é o almejado, é o bem-estar, a saudação
que nos fortalece. Na ausência de uma pessoa, brindamos à saúde dela. Ao saudar
à saúde, tornam-se presentes todos que pertencem à nossa linhagem de amigos e
parentes. Saúde é presentificar.

O livro de Carrera não poderia ter outro nome. Isso porque talvez sejam
as lembranças do Conde e a sua história que Carrera saúda. As suas cartas, suas
bebedeiras e suas angústias também são saudadas.

104
Salud fala do pequeno. Salud é um livro menor, tanto em formato como
em proposta. Menor no sentido de literatura menor, da memória dos dias, das dores
e do pequeno do ser. Literatura menor é termo cunhado por Deleuze e Guattari
(2008) sobre o trabalho de Kafka, a literatura menor e a desterritorização do outro.

Assim, Salud não é um livro épico: seu personagem principal não é um


herói, nem de uma beleza estonteante; até seu título de Conde é forjado, ele poderia
ter convivido com qualquer um de nós; quem nunca teve um tio, um amigo beberrão
que já foi dado como louco pelos seus?

O autor me contou que Salud poderia chamar-se “Como contar uma vida”.
Contudo, eu discordo: em Salud, não apenas se conta, também se reverencia a
vida. As diversas plataformas, como o texto, o frame de vídeo, a fotografia de álbum
de família e a fotografia do passado, vão além do relato, do contar uma história; elas
recriam um tio, o Conde: “o único adulto com quem se podia brincar a sério”.

A face lúdica do tio, de ser ele um adulto que sabia estar entre as
crianças, é muito reforçada no livro, com imagens jocosas, ora brincando com quem
o fotografa, ora fazendo cenas ao sentar em um cavalo ao contrário. Outra face
também muito “dita” em texto e imagem era a de ele ser um personagem excêntrico,
com uma vida na qual a liberdade tenha sido levada às últimas consequências. Um
tio que fedia a tabaco, a perfume banhado a uísque.

O livro de Carrera nasceu de uma promessa feita ao Conde um dia:


era a de contar a história do tio. E a promessa foi cumprida anos depois: quando
Carrera tinha a mesma idade do tio quando morreu, o autor realizou o feito. Carrera
visitou todos os escritos familiares, os vídeos e as fotografias. Reviu a história da
família e construiu o livro, que ele denomina como uma máquina, um artefato criado
para que, cada vez que alguém o abrisse, o colocasse para trabalhar por meio das
memórias, da morte e da vida. Era como trazer de volta o seu tio, narrar, por meio de
documentos ficcionais, a história que apenas Carrera poderia contar. Uma máquina
do tempo, bem como é a fotografia. Para o pesquisador Maurício Lissovisky, em
cada fotografia inscreve-se o nosso destino:

De cada fotografia emana a radiação ultravioleta que glosa


o texto de nossas vidas. Em cada uma delas, inscreve-se o nosso

105
destino. E o nosso destino não é o que nos tornamos ou o que
deixamos de ser. Nosso destino é “aprender a ler” (LISSOVISKY,
2011, p. 6).

Eduardo Carrera, Salud, 2011, 76 páginas, 15x15cm (fechado)

106
Salud é um livro que demorou oito anos para ser publicado. O cenário para
o livro de fotografia é completamente diferente em 2003 (ano do primeiro boneco) e
em 2011 (quando o livro foi enfim publicado). A história do livro se confunde com a
história da Feira do Livro de Foto de Autor da Argentina. O autor, Eduardo Carrera,
mostrou pela primeira vez o boneco do livro nos primórdios da Feira, quando ela
era apenas um espaço pequeno de encontro de fotógrafos de Buenos Aires. Em
2011, a obra é de fato publicada pela editora da Feira, e ganha uma tiragem de
duzentos exemplares. A feira, pioneira no gênero, já é um encontro internacional:
possui itinerâncias em muitas partes da região.

Textos escritos à máquina, frames de vídeo, fotografias de álbum de


família e fotografias feitas do passado compõem o livro, que o autor prefere chamar
de artefato (informação verbal):

Eu não tinha nada a encher a forma de uma estrutura, uma


página após a outra e há elementos que estão caindo como se
fossem beat-beat, como se fossem batidas que são fotos em preto
e branco que dão um ritmo, um sopro e, em seguida, começam a
funcionar como uma caixa de música (CARRERA, 2013).71

As fotos em preto e branco, que dão o ritmo, são as imagens feitas do


passado. Carrera criou uma maneira muito peculiar do que chama “fotografar o
passado”. Quando seu tio morreu, Carrera era menino. Ele poderia ter sido uma
criança fotógrafa, mas não o foi. Porém, para trazer a proximidade temporal entre
ele e o tio, Carrera passou a pesquisar um método de como fotografar o passado.
Buscou objetos comuns à família (como o relógio e uma escopeta da família) e
os fotografou forçando ao máximo o detalhe. Quando imprimia analogicamente
as imagens, ele as apoiava em um vidro que produzia marcas, batidas, e criou
manchas aleatórias no objeto, dando a impressão de serem fotos mais antigas do
que eram. Assim ele diz que conseguiu fotografar o passado (informação verbal):

Eu inventei um método para fazer imagens do passado,


poeticamente. E eu disse: quando estas coisas aconteceram eu era
muito jovem e não era um fotógrafo... fotógrafo poderia ter sido uma
criança, mas a realidade é que não fui. Então eu disse: ‘Como posso
tirar fotos do passado?’. Eu comecei a pesquisar um método

7
CARRERA, Eduardo. Entrevista concedida no ateliê do artista, Buenos Aires, Argentina, 30/4/2013.

107
até que eu tenha esse tipo de imagens que têm um máximo de
detalhes e força nas sombras e destaque também (...). Desenvolvi
com um ampliador em um papel em branco... eu tive que aprender
muitas coisas, muitas coisas sobre a técnica para conseguir essas
fotos. Mas quando eu as coloquei para imprimir, de tanto que apoiei
um vidro para ficarem bastante planas, porque você sabe que
até mesmo um pouco de separar apenas como borrões e colocar
um vidro não saiu tão pesado como para evitar manchas, mas foi
enquanto eu estava usando um copo cortado e então tinha feridas
e as feridas apareceram por acaso. E eu disse: minhas fotos terão
as feridas de vidro, são todas as marcas de batidas de corte. E foi
esse não gerenciável que eu incluí no processo. A ferida apareceu
de forma aleatória e os borrões são aleatórios (CARRERA, 2013)81.

E só poderia ser a fotografia a ritmar e dar o tom do livro, ao trazer o


passado, já que é ela a condensação de múltiplas temporalidades e sobrevivente
de um naufrágio, como diz Lissovisky:

Toda fotografia que vejo agora escapou deste torvelinho de


tempos. Toda fotografia é conden­sação de múltiplas temporalidades
e sobrevivente de um naufrágio. Como toda sobrevivente, cada
fotografia guarda em si a difícil pergunta sobre o propósito de sua
sobrevida, a pergunta sobre o que nela, a despeito de tudo o que
passou, ainda será (LISSOVISKY, 2011, p. 9).

A pesquisadora argentina Graciela Speranza escreveu um artigo, em


2003, em que relacionava Salud à questão do colecionismo, e refere-se ao livro
como uma coleção em páginas. De acordo com Speranza, em Salud, há momentos
em que o texto não se refere a qualquer imagem, e a relação foto e texto se evita
sabiamente: isso se deve à incapacidade de reconstruir o passado, mas a coleção,
pacientemente organizada em páginas, dá ao conjunto uma plenitude inesperada
(SPERANZA, 2003).

O suporte livro, com suas regras, é o que permitiu a Carrera dar a


estrutura que o conteúdo pedia. Ele produzia as imagens, colhia as informações
e as fotos de família, ao mesmo tempo em que redigia a parte textual em uma
máquina de escrever.
8
CARRERA, op. cit.

108
Na época em que fazia Salud estava trabalhando todos os dias
em um jornal no computador. E, de repente, eu escrevi à máquina
antes de ir para o jornal ou quando regressava à noite com um copo
de vinho, era como jogar-me de um penhasco. Se eu errasse algo
com a máquina de escrever tinha que refazer... ou riscar ou retirar o
papel e recomeçar... Mas você não pode fingir que não aconteceu.
A pegada de papel quebra, foi marcante para mim (...). Então, isso
significava que eu tinha que escrever uma outra densidade. Você
escreve muito menos e com uma concentração muito mais elevada.
E de alguma forma relaciono isso com o improvisar no jazz, não?
Como na música. Pode-se corrigir algo em que você ficou fora de
mão, mas não dá para dizer que não tocou, não? (CARRERA,
2013).92

A não linearidade e o espaço múltiplo de linguagem só seriam possíveis


no suporte livro e, ao olhar Salud, faz muito sentido a conversa entre narratividade,
fotografia e a união da diversidade que o livro permite. Saúde!

9
Idem.

109
110
111
112
5) recôncavo

La utopía está en el horizonte. Camino dos


pasos, ella se aleja dos pasos y el horizonte se
corre diez pasos más allá. ¿Entonces para qué
sirve la utopía? Para eso, sirve para caminar.
Eduardo Galeano

recôncavo nasce da utopia, da construção do caminho e de uma tentativa


de falar sobre fronteiras e outras possibilidades.

Falar de fronteiras é falar de política. E falo de política também como um


ato público. E o ato público de publicar é o que mais me interessa.

A publicação e o uso dos meios de produção gráfica podem ser atos


políticos de difusão em larga escala das artes visuais. Por isso, recôncavo nasce
com o desejo de ser em tiragem graúda, de quinhentas cópias, e pensado para o
offset. Os protótipos são impressos em índigo, uma impressão digital muito próxima
do offset1.

O calendário de feiras e eventos de publicações independentes aumenta


a cada ano e muitos artistas se encontram e se reconhecem nesses espaços. Desta
maneira, neste projeto, interessa-me também viabilizar a reprodução e a difusão
do livro e levá-lo para a cena das Feiras de Arte Impressa e, especialmente, para
a Tenda de Livros, local de troca, compra e conversa sobre livros, que ocorre todo
domingo na Feira de Artesanato do Parque da Independência. Este é um projeto que
idealizei e com o qual tenho trabalhado desde julho de 2014. Assim, recôncavo não
termina com a defesa do mestrado, ele também estará nos espaços de circulação.

1
Índigo é conhecida como offset digital.

113
5.1) O produzir: fotografia, poesia e livro

Assim como Fontcuberta, acredito ser a câmera fotográfica uma valiosa


ferramenta para negociar com o mundo.

A poesia é a engrenagem para construir significados.

O livro é uma ferramenta de apresentação de devolução para o mundo.

Dentro da feitura do livro, a montagem é o que une a poesia e a fotografia


e dá ao livro uma proposição política.

A montagem é um procedimento interno do livro. Suas dobras e


desencadeamento de imagens. O pequeno formato tira da imagem qualquer
tentação ou exuberância. E, como afirma Helder, memória é montagem, memória é
poder (HELDER, 1996).

As imagens partem de momentos e situações solitárias. Ora em viagens,


cruzando fronteiras, ora em momentos de extrema tensão interior em lugares
próximos. É por isso que recôncavo pode ser um antro, um buraco, uma cova ou
uma região geográfica delimitada. recôncavo fala dos riscos internos de viver e
das situações externas. A captura de pensamentos e repetições de fragmentos de
imagens. A poesia enquanto captura, pois, para Herberto Helder, ela é um rapto.

“A realidade é um repto. A poesia é um rapto. De uma para a outra


queimam-se os dedos, e como é de fogo que aqui se trata, tudo se ilumina” (HELDER,
1996, p. 23).

Eu cheguei à palavra recôncavo a partir da edição das imagens


fotográficas. Elas me remetiam à ideia de buraco fundo. Fui atrás de significados
e cheguei a recôncavo por um exercício de dicionário e busca de palavras que
remetiam a lugares, territórios e formações geográficas.

114
recôncavo:

antro

seio

cavidade

gruta

enseada

Ao transitar pelos significados de recôncavo, busquei apenas os


substantivos formados por uma só palavra. Feita a escolha das palavras (antro,
seio, cavidade, gruta, enseada), procurei os significados de cada uma e percebi
que eram cíclicos, uma imagem poderia estar contida na outra e o recôncavo formar
uma imensa paisagem.

[antro] → [cova] → [caverna] → [abismo] → [seio]

[seio] → [âmago] → [cerne] → [origem] → [cavidade]

[cavidade] → [cova] → [buraco] → [depressão] → [gruta]

[gruta] → [caverna] → [lapa] → [antro] → [enseada]

[enseada] → [angra] → [porto] → [recôncavo]

Os lugares físicos (o antro, a cavidade, a gruta, a enseada), seus centros


e suas paisagens poderiam ser paisagens minhas, pessoais, e ser parte do meu
corpo, como o seio, por exemplo.

115
O plano geral de recôncavo é dado no desenho. Para que isso ocorresse,
busquei imagens aéreas de um recôncavo e fiz, a partir delas, um mapa tracejado,
onde linhas se encontravam, cruzavam-se e se conformavam. Ao finalizar o
tracejado, percebi que ele mantinha a visão aérea, mas o mapa aproximava-se
muito mais de traços que queriam ser escritos, de rabiscos rudimentares. Era a
minha primeira experiência com o desenho.

O mapa é um momento importante do livro. Ele marca o projeto gráfico e


o ritmo do livro, pois está em repetição e também em traços. A divisão do desenho
em aproximações e distâncias. No livro ele aparece perto ou longe, como um jogo
de aproximação de troca de lentes, que aproxima e distancia.

Assim, como a fotografia, o desenho foi construído por meio de um


aparelho, um dispositivo, no caso o computador. Ele é mecânico, a repetição dos
traços foi dada por ferramentas do software.

O desenho nasce de uma ferramenta, e posso reproduzi-lo ao infinito.


Assim como a fotografia. Ambos, desenho e fotografia, partem de uma matriz e
relacionam-se com o aparelho que os produziu. No caso do desenho, o computador.
Na fotografia, a câmera.

Lâmina capa - frente e verso

116
Walter Benjamim (1994) já apontava a importância do artista (no caso do
texto, o escritor) em apropriar-se dos meios de produção e realizar novas formas
artísticas a partir dos novos meios técnicos disponíveis. A tentativa em recôncavo
é trabalhar desde o princípio com a produção técnica e a reprodutibilidade tanto nas
imagens fotográficas, no desenho e no livro, fazendo do protótipo pensado para o
mestrado uma matriz para o livro que será reproduzido em quantidade. Assim, os
princípios gráficos de reprodução em série (como a folha gráfica, os cadernos do
livro) foram respeitados. Mesmo com as dobras e com o fato de elas vazarem o
tamanho do livro aberto, o formato códex mantém-se, pois ainda há uma sequência
proposta e fixada pelos três cadernos, a costura e a lombada. A seguir, as lâminas
de impressão do miolo:

Lâmina 1 - frente Lâmina 1 - verso

Lâmina 2 - frente Lâmina 2 - verso

Lâmina 3 - frente Lâmina 3 - verso

Lâmina 4 - frente Lâmina 4 - verso

117
Lâmina 5 - frente Lâmina 5 - verso

Lâmina 6 - frente Lâmina 6 - verso

Lâmina 7 - frente e verso

Lâmina 8 - frente Lâmina 8 - verso

Lâmina 9 - frente Lâmina 9 - verso

118
Lâmina 10 - frente Lâmina 10 - verso

Lâmina 11

Lâmina 12 - frente Lâmina 12 - verso

Lâmina 13 - frente Lâmina 13 - verso

119
5.2) Narratividade experimental

O livro é o suporte, por excelência, da narratividade experimental e a


página é seu princípio formador. De acordo com Silveira (2008), o livro de artista
relaciona-se com a narratividade, seja por meio de sinais ou por um meio eloquente.

Todo livro visual é uma obra sequencial, ou seja, a apreensão


do trabalho se dá pelo folhear (um ‘momento’ por vez, como no caso
de um códice), desenrolar (com momentos interligados no mesmo
plano espacial, como no caso de um rolo), etc. O livro comporta os
tempos passado, presente e futuro reais (não narrativos) no seu
uso, em adição aos tempos da narração. Além disso, a sequência
de exame, quando linear, poderá ser feita página a página (página
1, depois a 2, depois a 3, etc.) ou em páginas duplas, de abertura
em abertura (página 1, depois as páginas 2 e 3 simultaneamente,
depois as 4 e 5, etc.) (SILVEIRA, 2008, p. 23/24).

Em recôncavo, a tentativa é trabalhar com página a página, com as


páginas duplas, triplas e quádruplas (já que existem dobras), além do desenho, da
fotografia e da palavra.

A página relaciona-se com o ritmo e o “desenvolvimento” do livro, e com


a relação poesia e fotografia, essenciais ao meu trabalho.

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125
Silveira afirma ser a página um espaço temporalizado.

No momento em que é enxergada, ela (a página) é o presente.


Está na iminência de ser passado ou é o presságio do futuro. É
evocadora da memória (a nossa memória, a lembrança) da página
que a precedeu e da expectativa daquela que a seguirá. Como
celebração (formalização) de uma memória per se também poderá
estar travestida como um arquivo. Será um fichário, uma gaveta,
um escaninho de elementos que contam algo sobre algo ou sobre
alguém a outro alguém. Em qualquer caso ela – em códice, em bloco,
em rolo – terá limites físicos para sua superfície e neles deverá haver
relações de força baseadas numa gramática tão antiga quanto é
antiga a arte. Ao olharmos a página e os elementos que a compõem
(linhas, formas, etc.), reencontraremos vínculos de equilíbrio, não
apenas internos, mas plurais, como nas relações com a página ao
lado. Reconheceremos as formas e as configurações, atribuiremos
significados e propósitos a elas. Identificaremos a sempre presente

126
relação entre figura e fundo e as tensões no jogo de espaços.
Perceberemos a dinâmica de movimentos sugeridos, o uso das
áreas de impressão e das cores (quando houver). E, sobretudo,
imergiremos no projeto expressivo que nos é proposto, munidos de
todo nosso conhecimento acumulado, de todas as nossas certezas
e desconfianças, de nossa bagagem intelectual, de nosso acervo
mnemônico. Tudo isso ajudando a confirmar os princípios particulares
de eloquência na percepção visual (SILVEIRA, 2008, p. 112).

As páginas em recôncavo são construídas por três relações – a fotografia,


o desenho e a palavra –, que se constroem de formas distintas na primeira e na
segunda parte do livro.

A fotografia, na primeira parte, transita por um campo delimitado por uma


linha, ora menor, ora maior, de acordo com o lugar que ocupa. O contraste é que
importa.

127
Na segunda parte, a fotografia sangra, e a luz, mesmo difusa, muda.

O desenho que parte sempre de um mesmo todo também é distinto nas


duas partes.

O traço assemelha-se a escritos, todavia não é marca de um lugar


existente (pois o recôncavo é imaginário), nem são marcas para serem lidas como
um alfabeto a decifrar. São repetições de traços, feitos no copiar e no colar do
programa Ilustrator, que se unem em desenhos que remetem à escrita cuneiforme
ou a pinturas rupestres, mas que não têm em si a menor intenção de dizer algo além
ou representar algo que foi, ou existiu, ou se viu. São falsos sinais ou marcações.
São traços que transitam pelo livro, como elementos de design e marcação de ritmo;
e aparecem compondo um todo no final.

Na primeira parte, ele aparece delimitado pela linha inferior, ou aparece


em espaços em branco, ora aproximando, ora distanciando.

128
Na segunda parte, ele toma todas as páginas, sangra, propõe caminhos.
E aparece impresso em transparência que invade a imagem, a vela.

5.2.1) E antes de recôncavo, o que vem    

Seria impossível falar do livro recôncavo e seu processo sem falar um


pouco do que veio antes.

Durante dez anos, trabalhei com o ativismo de movimentos sociais, usando


ferramentas de comunicação (texto, fotografia, vídeo e som) como plataforma de
diálogo com o mundo. No ano de 2008, depois de um forte processo de ruptura
pessoal, decidi pensar em outras propostas. Não é à toa que os meus primeiros
trabalhos em fotografia foram livros.

Tornei-me artista por acaso, e de maneira tardia. E, por ter uma formação
transdisciplinar, tenho forte influência de artistas de vários campos, em especial
dos documentaristas ficcionais (Chris Marker, Cao Guimarães e Kazuo Hara), dos
artistas que trabalham com impressos e publicações (Juan Carlos Romero, Paulo
Bruscky e Antonio Vigo) e dos que trazem o político para dentro de seus projetos
(Eustáquio Neves e Lucila Quieto).

E, para mim, por que livros?

A poesia e a fotografia estão presentes em todos os meus livros e são


ferramentas de trabalho para a realização deles.

129
Seja um livro experimental de fusão da poesia com a fotografia (como é
em Reticente), seja como uma proposta de edição em diálogo com a poesia de outro
autor, como é o caso de De longe muito longe desde o início, livro que parte do
poema “Com fúria e raiva”, de Sophia de Mello Breyner Andresen. Ou, por fim, como
o meu primeiro livro publicado, Retratos da Garoupa, do qual falarei mais adiante.

No ano de 2009, fiz meu primeiro livro, Reticente. Um livro no formato 10


x 15 (fechado), acabamento em costura de fotografias em preto e branco, que traz
um texto no final, um falso haikai:

Olho.

Apalpo.

O cinza sonhado.

O ruído, a palavra e a imagem: assim é o descritivo do livro. Uma relação


com a cidade de São Paulo, meu local de moradia, onde quase tudo aprendi, onde
eu me descobri como sujeito. Uma cidade em que estabeleci uma relação reticente.
Uma relação contemplativa, calada e silenciosa.

A montagem do livro foi estabelecida por meio de duas relações: o cinza


da imagem e o surgimento da palavra (que sai do apagamento e se estabelece
diminuta). O formato pequeno e suas poucas páginas, catorze mais a capa, também
são propositais.

A partir de Reticente e, com ele, passo a investigar a edição de imagens


e a construção do formato livro.

130
131
Fernanda Grigolin, Reticente, 2009, 14 páginas, 10x15 (fechado)

Já o livro De longe muito longe desde o início é uma homenagem


à poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. Um minilivro (5 x 5 cm,
fechado) de catorze páginas, com imagens tiradas por um dispositivo portátil
em diversos momentos do ano de 2012. A costura manual e a dobra japonesa,
juntamente ao formato, reforçam o aspecto de fragilidade do livro e suas imagens
banais.

132
O trecho do poema “Com fúria e raiva”, de Sophia, que cito no meu livro,
vem a seguir:

De longe muito longe desde o início

O homem soube de si pela palavra

E nomeou a pedra a flor a água

E tudo emergiu porque ele disse

Aqui, o eu lírico da poeta fala da relação da palavra com os tempos


imemoriais (no princípio era o verbo): a potência da palavra faz emergirem a cultura
e a nomeação das coisas. O imemorial une-se à banalidade das imagens feitas de
situações cotidianas de uma pessoa (uma criança, um menino), lugares e paisagens.

133
5.2.2) Retratos da Garoupa

Trabalhar em barco foi uma das piores coisas que já fiz. Todo
dia era aquela solidão esticada. De noite, diante do mar, não havia
nada além da escuridão.
Pouco se conversa nesses momentos. A audição deve ser
o principal sentido, pois o invisível prega peças e o mar braveia a
qualquer hora.
Quantas madrugadas de mar revolto. Afoito. Passei a odiar
meu antigo companheiro. Justo ele, que sempre foi meu confidente,
minha memória e meu pensamento. Embarcado, era meu inimigo.
Não havia mulheres e músicas compactuando cigarros e
beijos. Não havia trapiche. Havia apenas outros inseguros homens
à espera do porto: nossa mais ansiosa promessa. Em terra firme
teríamos o amor rápido e a pesagem do camarão.

Fernanda Grigolin, Retratos da Garoupa

Retratos da Garoupa é um livro lançado em 2010 que demorou três


anos para ser realizado. É uma ficção que nasceu da necessidade de criar o contato
com o passado, fazer presente a história de vida de meu pai, João José Moraes,
morto aos 31 anos. Eu tinha apenas sete meses.

João José Moraes (conhecido pelos amigos e familiares como Moraizinho)


era catarinense, natural de Rio Negrinho, nascido em 16 de janeiro de 1949. Ele
passou a primeira infância em um sítio em Congonhas, Camboriú (SC). Aos dez,
mudou para Porto Belo (SC) com a família.

Retratos da Garoupa é uma ficção, meu pai nada deixou escrito. Construí
um narrador masculino que tinha um primeiro encontro com a escrita. Também era
meu primeiro encontro como filha com meu pai e com minha escrita ficcional.
Meu pai era um homem de classe média baixa, que viveu no Brasil no
final dos anos 1970 em plena ditadura militar.

Ele é personagem e narrador, e é apresentado nas imagens e no texto.


A história se desenrola entre os anos de 1978 e 1980. O livro tem 64 páginas, 20
x 20 (fechado). O narrador comenta sobre sua vida na cidade de São Paulo, em

134
Curitiba; contudo, suas digressões e flashbacks remetem sempre à cidade de Porto
Belo (SC).

O nome Garoupa faz alusão ao primeiro nome de Porto Belo: Enseada


da Garoupa. E a Garoupa do livro é muito mais uma cidade imaginária à qual o
narrador sempre recorre ao escrever suas memórias.

Retratos da Garoupa não é um livro de literatura, apesar de haver texto;


o livro parte do fotográfico.

As lembranças que tenho de meu pai foram construídas por histórias


familiares e por duas fotografias que temos juntos: uma eu, ele e minha mãe, e
a outra eu e ele. A segunda sempre foi a mais significativa e presente todas as
vezes em que falavam no nome dele. Uma foto atípica de álbum de família. Em
decorrência de um erro de paralaxe, a imagem parece cortada: apenas a mão do
meu pai, e meu corpo e membros de recém-nascida sem a cabeça. O meu pé e a
mão dele estão próximos. Há uma luz provinda do canto esquerdo da imagem e isso
faz perceber que estávamos próximos a uma janela. Minha tia materna foi a autora
da fotografia e lembra que falavam dos meus pés, que seriam grandes.

135
Por anos, quando via fotos de pais e filhos, essa era a imagem que eu
retomava. A foto era um testemunho de que eu estive com ele, apesar de não saber
muito bem como era isso (o estar com ele). Diferente de Barthes (1984), não sinto
a minha inexistência nas roupas do meu pai, sinto a prova do afeto, um momento
quase único, pois logo após houve a morte, a separação e anos de ausência.

Ao iniciar minhas pesquisas em fotografia, reencontrei esta imagem. A


fotografia, até então, tinha sido uma ferramenta para produzir registros pessoais
ocasionais e registros de trabalho. Como ativista, eu fazia intervenções, publicações
e textos, sentia a necessidade de produzir; porém, era tudo vago, intransitivo e
vinculado ao contexto dos encontros, conferências, atividades vinculadas a uma
agenda dos movimentos sociais.

A pesquisa, que culminou em Retratos da Garoupa, teve início em 2007,


quando um dia resolvi mostrar os meus álbuns de fotografia para uma amiga mexicana
que estava hospedada em minha casa. Ao ver o álbum de meu nascimento, minha
amiga parou na imagem onde estavam meu pai e eu, e me disse: “Impressionante,
Fer, como essa imagem é impactante”. A frase dela reatou o vazio, o velho fosso,
tudo o que não vivi com meu pai retornou. Imediatamente, agradeci, e repeti a ela:
“De fato, impactante”. Tirei a imagem do álbum e coloquei no mural junto a bilhetes
de amor, fotos diversas, imagens do meu avô, também falecido, e outras colheitas.
Em 2008, depois de uma separação amorosa, ao retornar à casa que sempre foi
minha, olhei para o mural, era como se todas as histórias de afeto fossem a mesma.

No mesmo ano, ao fazer uma pesquisa sobre as relações de arte e ativismo,


encontrei os trabalhos da organização Hijos21 e, por consequência, o trabalho de
Lucila Quieto sobre seu pai, Carlos Quieto, morto pela ditadura argentina32.

A mãe de Lucila estava grávida dela quando o pai morreu. Sendo ele
marinheiro, Lucila não tinha imagens com seu pai; por este motivo, ela decidiu fazer
um álbum de família.
2
Hijos é uma rede nacional argentina contra o esquecimento e o silêncio. A organização teve início
em 1999. Um grupo de filhos de desaparecidos se uniu para pedir justiça, mas foi com a exposição
Arqueología de la Ausencia que a rede se ampliou.

3
Importante dizer que diversos coletivos e artistas realizam trabalhos até hoje sobre a ditadura
na Argentina, como os já citados Marcelo Brodsky e Juan Carlos Romero. O fotógrafo brasileiro
Fernando de Tacca realizou importante ensaio denominado “Pañuelos”, vencedor do Prêmio Pierre
Verge e que trata do movimento de resistência e luta das mães da Praça de Maio e sua “marca
indicial” pela cidade de Buenos Aires (Tacca, 2004).

136
Uma das frases de Lucila falando do próprio trabalho foi motivadora, era
assim: “Vejo o mar nos olhos do meu pai”. O trabalho dela e a frase simples fizeram
com que eu compreendesse muitas possibilidades de fazer uma pesquisa em arte.

Bom dizer que, na Argentina, a prática política e a prática artística se


fundem, basta lembrar que há forte participação de artistas na Marcha da Resistência,
que é realizada sempre em dezembro, com mães de desaparecidos.

O momento de maior comoção é quando os sentimentos se


afloram em corrente humanitária e afetiva. Primeira manifestação
pública contra a ditadura militar elas também se voltam para questões
políticas, não somente locais, e se envolvem com novas lutas, mas
lembram sempre o direito de colocar uma flor na sepultura de seu
filho, como disse uma mãe (TACCA, 2004).

Naquele ano em que encontrei o trabalho de Lucila, resolvi passar meses


em Porto Belo. Fui fotografar e entrevistar meus tios e os amigos mais próximos do
meu pai. Realizei um total de quinze entrevistas, revi todas as cartas familiares e as
fotos de álbum de família, construí uma primeira versão do texto e recortei os fatos
da vida do meu pai que considerei mais significativos. Fui aos lugares de que meu
pai gostava e busquei personagens que me fizessem lembrá-lo. Soube de histórias,
de momentos, encontrei documentos familiares antes nunca vistos.

Mas nada daquilo significava tanto quanto a cidade. Porto Belo era o
nosso ponto de encontro. Seria como Ítaca no poema de Kavafis (1982)43. Para
chegar a ela, devem-se enfrentar “lestrigões” e “ciclopes”.

Porto Belo é a cidade da minha adolescência, dos carnavais, o lugar


do sossego do meu pai e nosso vínculo espacial. E, por mais que soubesse quem
fora meu pai e o que tinha construído, nunca havia aprofundado uma investigação
sobre ele. Temia ser considerada vítima por ter sido órfã antes de me reconhecer
como sujeito. Por anos busquei não tocar em algumas recordações, o que causou
espanto na minha família quando iniciei as entrevistas com eles. Fui questionada
por um tio: “Por que agora, depois de quase trinta anos, quer saber de tudo isso?”.

Com a pergunta do meu tio iniciou-se o primeiro impasse e percebi que a


resposta ia além do campo do pragmatismo, da objetividade e de tudo que eu tinha
4
Poema “Ítaca”, do poeta greco-egípcio Konstantino Kavafis.

137
feito até então. Teria que ir por outro lugar. Falar do meu pai é, por consequência,
falar de mim, da minha família e da cidade de Porto Belo. A cidade onde vivemos no
passado, tanto eu quanto meu pai, seria o lugar de encontro. E assim começamos
a caminhar.

O mais inusitado é que agora, depois de quatro anos do lançamento de


Retratos da Garoupa, do esgotamento do livro, a única foto minha e de meu pai é
retomada em recôncavo.

138
5.3) recôncavo, a edição, as versões

A primeira versão de recôncavo foi realizada no primeiro semestre de


2013. Apresentei-a ao meu orientador. Era um protótipo 10 x 15 (fechado).

A edição ainda partia de uma perspectiva de ensaio, editado originalmente


entre o preto, verde, vermelho, verde e azul. Ainda eram imagens sequenciais sem
aprofundamento em livro, o que foi completamente modificado para a qualificação.

Eis a sequência da primeira versão:

139
140
Na qualificação, o livro já tinha um nome, uma proposta de edição e um
pensamento de livro. Nesse momento, realizei uma edição em jogos de imagens
entre trípticos com dobras (para fora na página ímpar), divididos em quatro jogos
(divididos aqui em linhas) e dois jogos de imagens com outras propostas de edição
que trabalham com imagens verticais, horizontais e respiros (na terceira linha) e
imagens horizontais e verticais com uma dobra invertida (para dentro e em páginas
paralelas). Estava muito inspirada nos livros que pesquisava para a dissertação, em
especial naqueles de que falo no quarto capítulo. A seguir versão de maio de 2014.

141
O protótipo impresso foi munição para a conversa com o artista Eustáquio
Neves ao longo de três semanas, fruto da residência artística que realizei no estúdio
dele. Junto a Eustáquio, revisitei meus arquivos de imagens e também meu álbum
de família. Com o auxílio de Karina Francis Urban, designer de livros, montei mais
um boneco. Karina era minha parceira em Publicações Iara51 e estava comigo na
impressão e montagem desde o primeiro boneco.
5
Em outubro de 2010, Publicações Iara nasce inspirada no mito da sereia amazônica. A mãe d’água que leva con-
sigo a todos que ao seu canto ouvem. Na Iara, a publicação era pensada em todas as etapas, desde a concepção
e o design, escolha do papel e tipo de impressão até a distribuição. Em 2012, por exemplo, realizou o evento: Iara e
Amigos na Serralheria dez horas com diversas atividades. Em 2014, a iniciativa dividiu-se em outros projetos.

142
143
Achei que na residência artística havia solucionado o livro e poderia me
concentrar nas outras partes da dissertação. Todavia, ao pôr o livro em diálogo com
várias pessoas provindas de vários espaços, percebi que ainda faltava uma relação
entre as imagens e o lugar: o recôncavo.

E a partir de uma imagem aérea de um recôncavo criei um caminho, um


tracejado em formato de mapa, como já explicitado no início deste capítulo.

144
Ao criar o caminho, voltei ao livro. Reeditá-lo. E neste momento, Herberto
Helder tomou-me a mão, foi meu parceiro de jornada. No seu livro percebi relações
interessantes entre memória, montagem e política.

O acaso não existe senão para quem está demasiadamente fora. (Herberto
Helder)

O tema é uma experiência radical do espírito, para Helder. E “O ritmo, o


criador das coisas” (HELDER, 1996, p. 131).
Poderia ser o livro um organismo vivo, um espaço de negociação. Assim,
eu me aproprio de Herberto Helder. E mais, para Helder, memória é montagem.
Memória é poder. E, em recôncavo, os elementos da engrenagem do livro seriam:
política, arte e poder. A montagem como movimento, como um desenrolar das
páginas e uma dinâmica de tempo do livro. A montagem como apropriação das
coisas dadas.

Eu pergunto se o poeta cria as coisas, pergunto se as


reconhece, ou então se as ordena. Sei que há este intento: o da
relação, segundo uma forma básica, entre a intensidade pessoal
e a intensidade do mundo. Essa forma básica é o ritmo orgânico,
a imposição rítmica do corpo. Talvez seja esse ritmo que cria as
coisas, a sua insistência, a figura e a ordem em que se encontram
(HELDER, 1996, p. 131).

145
Memória é Montagem. Montagem é poder. Logo, Poesia é montagem. (...) Montagem total:
memória como tecido ininterrupto ou a permanência rigorosa do imaginário no tempo; e a ilusão do
mundo, inesgotável (HELDER, 1996, p. 141).

(...) o que se vê no poema não é a apresentação da paisagem, a narrativa das coisas, a


história do trajeto, mas um nó de energia como o nó de um olho ávido,o fulcro de uma corrente
electromagnética, um modelo fundamental de poder, de alimentação (HELDER, 1996, p. 131).

Assim, o poder é a engrenagem que nos leva ao ritmo, ao ruído e à


dobra. Foi embebida de Herberto Helder que pensei na edição do livro, unindo o
tracejo e a fotografia.

146
Versão de setembro

147
Versão de setembro

148
Na edição de 52 páginas, o livro foi pensado para as imagens fotográficas
transitarem pela mesma linha inferior, sendo ela o limite entre a foto e o desenho,
que transita abaixo da linha e nas páginas em fragmentos.
As fotografias em páginas ímpares eram menores, há uma linha superior
que também as delimita. Já nas imagens em páginas pares ou duplas, a linha
superior inexiste, e pode-se jogar com imagens horizontalizadas ou verticais lado a
lado. As dobras também são trabalhadas na frente de um jeito (seguindo a marcação
das páginas ímpares) e nas pares de outro (seguindo a marcação das pares). Os
fragmentos do mapa caminham lado a lado com as fotos e depois compõem o
escrito que aparece no final.

A palavra escrita remete aos significados de um lugar. Relaciona-se com o


todo do desenho e também com as partes do fragmento posto em páginas. Todavia,
o texto não foi pensado para comportar-se como legenda ou para ser justaposto às
palavras. Não se pensou em buscar a gruta no desenho, por exemplo. As palavras
são indicativos de lugares ou de modos de transitar entre as linhas do mapa, e as
dobras das páginas também conformam uma história.

O recôncavo aqui não é o da Bahia, mas pretende-se gerar ruído com a


escolha deste nome. Em nada deseja-se gerar a documentação de um lugar. São
encontros com vários contextos, contudo o livro nasce das imagens, e da edição
delas. Não do registro dos lugares. Ao aproximar imagens provindas de contextos,
histórias distintas, criou-se um lugar. Isso é o que mais me interessava.

No livro não se fugiu muito do que é a página, um espaço gráfico. E de


ser o livro um exercício de ler, ver e montar. O formato, pequeno, foi escolhido para
facilitar a circulação. Em setembro o livro estava assim:

O livro tem 18 x 14 cm (fechado), com 52 páginas que nesta versão tinha


sete dobras. Cheguei a este formato e tamanho a partir da edição das imagens e
depois montando-o.

Até este momento, eu tinha a parceria de Karina na parte gráfica; contudo,


tomei a decisão de que eu realizaria todas as etapas do livro para a dissertação.
Editei as imagens, escolhi o formato do livro e suas dobras, bem como a forma que
teria a relação: palavra, imagem e mapa.

Com a versão de setembro em mãos (que eu considerava ser a final),


visitei pessoas e artistas, mostrei o livro para o artista Fábio Morais, os curadores

149
Eder Chiodetto e Paula Borghi, os fotógrafos Talita Virginia e Walter Costa, a
biblioteconomista Ruth Simões e as jornalistas Carina Baladi e Graziela Vancine,
que deram importantes opiniões para compreender o processo do livro. Também tive
a contribuição da artista e designer Laura del Rey, que acompanhou e me auxiliou
na montagem das lâminas e também na edição do livro.

5.4) recôncavo: edição de novembro

Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem

nos quartos.

É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a

entre os braços. E há roupas vivas, imóvel

relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta

pelo meio

o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras

um pouco loucas

engolfadas, entre as mãos sumptuosas.

A doçura mata.

A luz salta às golfadas


Herberto Helder

150
Setembro não trouxe o livro final. As imagens subiram. Retirei o branco
da parte de cima da página. Desafoguei as imagens. O lugar, recôncavo, ampliou-
se. O sufocamento matemático das divisões não funcionou. Não comportou o livro.

Com uma luneta, o côncavo se duplicou, entrou, uma, duas vezes.


Novamente, em Herberto Helder a companhia, os seus dias côncavos. A edição
renasce com dias e paisagens densas, o preto, a noite e as cores quentes, crianças
como se estivessem a dançar. O movimento da edição se inicia com jogos de
imagens e páginas a dobrar. Os desenhos, quase escritos, ora mínimos ora em
explosão, aproximam-se e afastam-se da ideia de mapa, ficam os traços. A imagem
da casa – com a televisão, porta cerrada – fecha a primeira etapa da edição. Depois
disso, duas dobras duplas fechadas para dentro, com jogos de quatro páginas.
São as únicas dobras para dentro. Pode ser uma janela, um portal. Uma mesma
imagem cortada ao meio, um caminho de terra marrom, uma savana, à luz do dia
ao ser aberta encaminha para uma imagem pequenina: um toque de afeto, a única
imagem que tenho com meu pai.

151
Muda o ritmo. E muda o ritmo no meio físico do livro, meio de um caderno,
com a costura a surgir tímida. Talvez eu já tenha nascido, simbolicamente, outras
vontades de imagem. A luz das imagens é outra, o movimento mantém-se, mas não
é enterrado no preto, no contraste. Mesmo quando há preto e branco, a sombra
dilui-se. Contornos aparecem. O dia mesmo turvo. Paisagens cruzam e cortam a
página. O desenho se verticaliza, vem em transparência para que no final se veja
completo e o livro se cerra.

Um livro convida a um arrancar os pés do contexto do agora, a avançar um outro


real, outro tempo (Galciani Neves).

recôncavo é um antro. Um lugar. Uma investigação que não termina.


Recomendo que vá ao início desta dissertação e tire-o da capa.

152
Página a página da última versão

153
154
155
156
157
O lugar, o seio e a cavidade acontecem.

5.5) O circular

O livro apresentado na dissertação é uma matriz. O seu estudo de papel,


dobra, impressão e costura foi pensado para o offset. O livro também será editado
em uma tiragem de quinhentos exemplares no segundo semestre de 201561. E será
lançado na Tenda de Livros, projeto de livraria pública que desenvolvo na Feira de
Artesanato do Parque da Independência (Museu do Ipiranga, em São Paulo).
A Tenda de Livros é uma iniciativa que parte de uma proposta de circulação
de livros no espaço público, em uma feira de artesanato convencional, sem estar
em um espaço de trânsito próprio para a arte. Assim, ela parte da ideia de gerar um
espaço político de publicações dentro do cotidiano, dentro da rotina das pessoas.
Ao aproximar do que Simon Sheikh fala sobre o intelectual público e sobre a relação
da arte com a política, ser um artista produtor e realizador de espaços, por meio de
discursos e criações de plataformas, que seriam os contrapúblicos:

Em tempos de capitalismo global expansivo, de privatização


da cultura e criminalização da esquerda crítica, não somente é
apropriado, como certamente crucial debater e avaliar modos de
crítica, participação e resistência no campo no qual se dá entre
o âmbito cultural e a esfera política (...). Acreditamos firmemente
que o âmbito da cultura é uma ferramenta para usar na criação de
plataformas políticas e novas formações políticas mais que uma
plataforma de base em si (SHEIKH, 2013, p. 4).

Além do lançamento na Tenda de livros, recôncavo será distribuído para


escolas e universidades, e será vendido a preços populares em feiras e locais de
circulação de livros.

6
Com recursos provenientes do edital PROAC 16, edição inédita de livro de artista, (2014), da
Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo no qual fui aprovada com o projeto do livro recôncavo.

158
Considerações finais

A conclusão da dissertação é a realização de recôncavo. Vivi recôncavo.


E por acreditar que todo e qualquer livro precisa do encontro, ele só poderia ser
testado e pensado para ser múltiplo. Um livro com propostas específicas de edição
é uma matriz a ser replicada como é.

Em recôncavo, sua materialidade papel, dobra e tamanho foi testada


e discutida à exaustão com diversos protagonistas do livro. A construção de
recôncavo é simultânea aos capítulos e às escolhas do que se fala e como se fala.
Assim, é inseparável do teórico. Ele é o mais portátil da dissertação, nela e com ela.

Os atos de produzir e editar o livro e a dissertação foram simultâneos.


E não poderia deixar de falar dos meus outros livros ao falar de recôncavo, em
especial de Retratos da Garoupa, e a imagem gatilho que fez a Garoupa nascer.
A mesma imagem que retorna em recôncavo bem no meio físico do livro, brotando
de duas dobras dentro de um caminho de savana. O ato de pisar a terra e construir
um caminho traz em si a tentativa de construir o livro e fazê-lo encontrar e realizar-
se com o outro.

O encontro e seus riscos são dois fortes motivos que me fazem realizar
livros. Os atos de produzir, editar e circular constituem uma forma de conduzir o
pensamento e compreender as relações do livro de artista, da fotografia e suas
reprodutibilidades.

Preferi produzir a conceber, por exemplo, por acreditar na prática do


livro como uma questão do reprodutível e vincular a isso a tomada aos meios de
produção. O editar para que, de certa forma, tivesse a possibilidade de falar um
pouco do quão são próximos os universos dos editores artesanais e dos artistas que
se autopublicam. Por fim, escolhi circular por acreditar ser o livro uma proposição
contrapública de ação, e não somente um objeto a ser distribuído em redes de venda.

Obviamente, aqui foi apresentada uma proposta de caminho, levando em


conta o meu histórico pessoal e minha relação com o livro, a relação de alguém que
produz, edita e faz circular livros.

159
160
Referências

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CADÔR, Amir Brito. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, na Feira Plana/MIS,


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CANNABRAVA, Iatã. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no Estúdio


Madalena, São Paulo, SP, 27/3/2013.

CARRERA, Eduardo. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no ateliê do artista,


Buenos Aires, Argentina, 30/4/2013.

CARVALHO, Carlos. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no escritório


FestFotoPoA, Porto Alegre, RS, 23/3/2013.

CASTELÁN, Valentín. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no Centro de la


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da Avenida Paulista, São Paulo, SP, 19/4/2013.

DAVID, Pedro. Entrevista realizada por e-mail, concedida a Fernanda Grigolin,


29/6/2014.

DERDYK, Edith. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no ateliê da artista, São


Paulo, SP, 25/4/2013.

ESCARDÓ, Julieta. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no escritório pessoal,


Buenos Aires, Argentina, 29/4/2013.

FONSECA, Ana Luiza. Entrevista por e-mail, concedida a Fernanda Grigolin,


25/8/2014.

GRUENER, Mariana. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no Centro Nacional


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MELIM, Regina. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no escritório da


pesquisadora, Florianópolis, SC, 14/3/2013.

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Paulo, SP, 5/4/2013.

NEVES, Nik. Entrevista por e-mail, concedida a Fernanda Grigolin, 7/7/2014.

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artista, Buenos Aires, Argentina, 3/5/2013.

SILVEIRA, Paulo. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, na Livraria Palavraria,


Porto Alegre, RS, 21/3/2013.

SOARES, Maíra. Entrevista por e-mail, concedida a Fernanda Grigolin, 19/7/2014.

VASCHETTI, Lorena Guillén. Entrevista concedida a Fernanda Grigolin, no Monte


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VILELA, Viviane. Entrevista concedida por e-mail, 12/9/2014.

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