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Nessa mesmíssima alheta, Luís Guilherme Vieira textua que o fato de o
Ministério Público, na condição de titular da ação penal, poder oferecer denúncia,
sem a precedência de inquérito policial, desde que estadeada, em suporte pro-
batório mínimo, rediga-se, não o autoriza, por si só, a instaurar inquérito, com o
desiderato de colher tais elementos indiciários, na ausência de tal lastro probante.
Demais disso, acresce o predito autor que “não é pelo fato de o Ministério
Público poder o mais (controle externo das atividades da polícia judiciária e legi-
timidade ativa exclusiva para promover os processos de natureza penal pública)
que o legislador, implicitamente (‘teoria dos poderes implícitos’’) lhe conferiu poder
o menos (investigar crimes), em virtude de limitações legais (explícita limitação
22
àqueles argumentos sofistas)”.
Linhas adiante, preceitua, novamente, Luís Guilherme Vieira:
Com efeito, a teoria dos poderes implícitos, interpretada
à luz do Direito Constitucional, é desenvolvida a partir de
doutrina norte-americana, a qual teve seu marco histórico
no julgamento Mc. Cullough vs. Maryland, realizado em
fevereiro de 1819 (BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação
e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática
constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, 1996. p.
371
120, 122). Porém, sabe-se que ‘as palavras empregadas na
Constituição devem ser entendidas no seu sentido geral e
comum, a menos que resulte claramente de seu texto ao
seu sentido técnico-jurídico’ (Quintana, Segundo V. Linares.
Regias para Ia interpretación constitucional. Buenos Aires:
Plus Ultra, 1987. p. 65 apud BARROSO, Luis Roberto. op.
cit., p. 121. Grifos nossos), e, no caso em estudo, a carta da
República não deixou qualquer fenda, a mais mínima brecha,
a autorizar o intérprete, com fundamento na lição alienígena,
a ter qualquer outra interpretação, a não ser a que restou
promulgada. Isso é fato incontroverso.
‘As palavras têm sentidos mínimos que devem ser respeita-
dos, sob risco de se perverter o seu papel de transmissoras
de idéias e significados. E a interpretação gramatical literal que
delimita o espaço dentro do qual o intérprete vai operar,
embora isso possa significar zonas hermenêuticas muito
extensas. A esse propósito, já decidiu o Tribunal Federal
Alemão: Através da interpretação não se pode dar a uma
lei inequívoca em seu texto e em seu sentido um sentido
oposto; não se pode determinar de novo, no fundamental,
o conteúdo normativo da norma que há de ser interpretada;
não se pode faltar ao objetivo do legislador em um ponto
essencial (BARROSO, op. cit, p. 122-123).

21
VIEIRA, op. cit., p. 25-64.
22
Ibidem, p. 25-64.

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Em texto constitucional não existem palavras supérfluas


‘nem se deve partir do pressuposto que o constituinte
incorreu em contradição ou obrou com má-fé’. (BAR-
ROSO, op. cit., p. 123); é de se concluir que a teoria dos
poderes implícitos, muito derramada pelo Ministério Público
para lhe dar pseudo-supedâneo constitucional/legal de dire-
tamente conduzir investigações criminais, não tem a menor
aplicabilidade à espécie, porque, repise-se, não há lacuna
na Constituição da República, ao revés, há norma expressa,
motivo pelo qual, aqui, não há espaço para se importar a
teoria estrangeira.
Ademais, nem de longe ousaríamos sustentar que, assim,
o representante do Ministério Público ficaria, na fase admi-
nicular, restrito aos desconfortáveis limites impostos a um
convidado de pedra, que nada poderia fazer para que esta
ou aquela prova, por ele tida como indispensável à formação
de sua opinio delict, fosse produzida pela autoridade policial.
Pode-deve o Promotor de Justiça ter ciência, no prazo de lei,
de todos os feitos que foram registrados em sede policial.
Se houver inércia da autoridade processante, que se lance
23
372 mão dos meios coercitivos disponíveis.

A esse prol, ouçam-se, novamente, os escólios de José Afonso da Silva:


Essa concepção da doutrina dos poderes implícitos,
com a devida vênia, não é correta. Primeiro, é pre-
ciso indagar se entre a investigação penal e a ação
penal ocorre uma relação entre meio e fim.
O meio para o exercício da ação penal
consiste no aparato institucional com a habilitação, com-
petência adequada e condições materiais para fazê-lo.
O fim (finalidade, objetivo) da investigação penal não é
a ação penal, mas a apuração da autoria do delito, de
suas causas, de suas circunstâncias. O resultado dessa
apuração constituirá a instrução documental - o inquérito
- (daí, tecnicamente, instrução penal preliminar) para fun-
damentar a ação penal e serve de base para a instrução
penal definitiva. Segundo, poderes implícitos só existem
no silêncio da Constituição, ou seja, quando ela não tenha
conferido os meios expressamente em favor do titular ou
em favor de outra autoridade, órgão ou instituição. Se ela
outorgou expressamente a quem quer que seja o que se
tem como meio para atingir o fim previsto, não há falar em
poderes explícitos. Como falar em poder implícito onde
ele foi explicitado, expressamente estabelecido, ainda
que em favor de outra instituição? [...]. Primeiro, o poder
.
23
VIEIRA, op. cit., p. 25-64.

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implícito só ocorre quando a Constituição não se ocupa


da matéria; segundo, não cabe a determinado órgão a
competência que está prevista para outro. No caso sob
nossas vistas, a Constituição se ocupou do tema, confe-
rindo a investigação na esfera penal à Polícia Judiciária;
logo, ela não cabe a nenhum outro órgão ou instituição,
nem, portanto, ao Ministério Público.24

Lado outro, não há justificativa plausível para a ingerência do MP, em tal


espaço de investigação, já que, em hipótese de deficiência da atuação policial,
existem mecanismos, à disposição do Ministério Público, para supri-la.
25
Nesta mesma trilha argumentativa, estribilha Luís Roberto Barroso,
para quem a investigação criminal não seria um minus, em relação à competên-
cia para promover a ação penal. Tratar-se-ia, na verdade, de uma competência
diversa e que foi atribuída, de forma expressa, pelo constituinte a outro órgão,
não sendo aplicável, portanto, a lógica dos poderes implícitos, até porque,
só e somente, poderia ser admitida a invocação dessa regra de interpretação
onde houvesse lacuna constitucional, ou então, se houvesse uma competência
explícita e justificável que se pretendesse aprofundar e não alargar. E chega
a ser enfático o autor, ao pontuar que, indubitavelmente, não seria o caso em 373
análise. Primeiramente, porque não há lacuna constitucional, na competência,
em foco, já que a norma do art. 144, da CF/88, atribui, claramente, a função de
polícia judiciária às polícias civis, federal e estaduais. Em segundo lugar, não
se cuidaria de aprofundar competência do Ministério Público, mas de criá-la, uma
vez que, expressamente, a Constituição não atribuiu poderes investigatórios ao
órgão ministerial, no âmbito processual penal.
Em outro giro de enfoque, ponha-se, em relevo, que não é crível invocar,
para justificar o elastério pretendido às atribuições ministeriais, o princípio da
máxima efetividade, conhecido, também, como princípio da eficiência.
Ouçam-se, a propósito do predito princípio constitucional, Gilmar Ferreira
26
Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, ao pontu-
arem que o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta
os aplicadores da Lei Maior, para que interpretem as suas normas, em ordem a
otimizar-lhes a eficácia, sem alterar, contudo, o seu conteúdo, veiculando, ainda,
um apelo aos realizadores da Constituição, para que, em toda situação hermenêu-
tica, sobretudo em sede de direitos fundamentais, buscarem densificar os seus
preceitos, sabidamente abertos e predispostos a interpretações expansivas.
Em sinopse, os operadores do direito haverão de imprimir a máxima eficácia
às normas constitucionais, sem, contudo, alterar-lhes o conteúdo, como bem
24
SILVA, op. cit., p. 376-377.
25
BARROSO, Luís Roberto. Parecer intitulado “Investigação pelo Ministério Público. Argumentos contrários e a favor.
A síntese possível e necessária”. In: TEMAS de direito constitucional, t. 3, 2005.
26
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 118-119.

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asseverado pelos precitados autores. Afinal de contas, não é dado ao herme-


neuta, sob o incurial pretexto de “otimizar” os preceitos magnos, extrapolar os
lindes de sua atuação, agindo como se vero legislador positivo fosse, usurpando,
assim, a função de inovar no ordenamento jurídico-constitucional.
Sabe-se e ressabe-se que os princípios não devem ser analisados, ao
sabor das paixões do aplicador do direito, como se pudessem ser moldados,
plasticamente, a toda e qualquer interpretação que se pretenda, artificialmente,
cobrir com o manto constitucional, ainda que em detrimento dos vetores desta
mesma Constituição.
Ainda em tema de princípios, calha trazer à baila o princípio da unidade da
Constituição, em consonância com o qual “as normas constitucionais devem ser
vistas não como normas isoladas, mas como preceitos integrados, num sistema
unitário de regras e princípios, que é instituído na e pela própria Constituição.
Em conseqüência, a Constituição só pode ser compreendida e interpretada
corretamente se nós a entendemos como unidade, do que resulta, por outro lado,
que, em nenhuma hipótese, devemos separar uma norma do conjunto em que ela
se integra, até porque – relembre-se do círculo hermenêutico – o sentido da parte
27
e o sentido do todo são interdependentes”.
374 Resumindo-se, de um só lance, dir-se-á que não guarda visos de juridici-
dade a tentativa de se atribuir demasiada amplitude a um princípio constitucional,
incompatibilizando-o, por via de consequência, com todo o sistema, sobre o qual
este mesmo princípio foi edificado. Se tal viesse a ocorrer, tal interpretação repre-
sentaria um supremo dislate, um supremo paradoxo.
A propósito da hipótese, vale adminicular que a divisão de atribuições,
entre a polícia e o Ministério Público, foi discutida, em editorial do IBCCrim (134/1,
2004), sob o título “Poderes investigatórios do Ministério Público”, em o qual se
defendeu ser de todo inadequada a atribuição de poderes investigatórios penais
ao órgão ministerial. Não, apenas, sob o argumento histórico, mas, também,
sob o aspecto jurídico, já que as interpretações sistemática, lógica e, até
mesmo, gramatical, do art. 129, da Constituição Federal, não permitiriam extrair
outra conclusão, salvante aquela de que o Ministério Público não possui poderes
para a investigação criminal. Exatamente porque a função de apurar as infrações
penais teria sido, expressamente, atribuída, no próprio texto constitucional, às
polícias civis e à polícia federal, no art. 144. A exclusão da investigação criminal
das funções ministeriais teria sido deliberada e proposital pelo constituinte de 1988.
Por sem dúvida, por meio dela, mantém-se o imprescindível equilíbrio, entre as
demais instituições envolvidas, na apuração das infrações penais, a polícia judiciária,
o Poder Judiciário e a advocacia.
Corolariamente, no sistema constitucional, incumbiria à polícia judiciária
investigar os delitos; ao Ministério Público promover a ação penal pública – requisi-
tando para tanto da polícia judiciária, sob o crivo do Poder Judiciário, as diligências
.
27
Ibidem, p. 114.

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necessárias –, e à advocacia, zelar pela observância dos direitos fundamentais


do investigado e pela legalidade do procedimento, para tanto, socorrendo-se do
Judiciário nessa tarefa.
Nessa mesmíssima alheta, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo28 asseve-
ra ser de todo inadmissível “inventar” atribuição, ou competência, contrariando
a Lei Magna. A atuação administrativa interna do Ministério Público, federal ou
estadual, não pode fazer as vezes de polícia judiciária. Cada instituição deve
desempenhar a sua específica função, no processo penal, em conjugação
com o Poder Judiciário. Nesse contexto, a condução de inquérito policial seria
atividade exclusiva da polícia judiciária.
Veja-se, por igual, a lição irrepreensível de Jacinto Nelson de Miranda
Coutinho,29 Luís Guilherme Vieira30 e José Carlos Fragoso,31 que chegam mesmo
a asseverar não ser possível permitir que o Ministério Público acumule as fun-
ções de investigador (que a ninguém presta contas) e de instituição, encarregada
de promover a persecução criminal, pois isso significaria um acúmulo perigoso
de atribuições, que, sobre ser ilegal e inconstitucional, seria, absolutamente,
inconveniente, por isso que cederia espaço, pelo excesso de poder, a abusos
intoleráveis.
Sobreleve-se, por oportuno, na trilha de excelência desse raciocínio, 375
que não se poderia excogitar de eventual engessamento do Ministério Público,
como afirmado por alguns operadores do direito, entre eles, Mauro Fonseca
Andrade.32 Até porque engessar, em sentido figurado, significaria imobilizar,
paralisar, ou mesmo mumificar o órgão ministerial. Tal pensamento, somente,
seria defensável, caso se pretendesse, ilegitimamente, suprimir funções ge-
nuínas do parquet.
Luís Guilherme Vieira,33 tonitruantemente, textua: “nem de longe ousa-
ríamos sustentar que [...] o representante do Ministério Público ficaria, na fase
adminicular, restrito aos desconfortáveis limites impostos a um convidado de
pedra, que nada poderia fazer para que esta ou aquela prova, por ele tida como
indispensável à formação de sua opinio delicti, fosse produzida pela autorida-
de policial. Pode-deve o Promotor de Justiça ter ciência, no prazo de lei, de
todos os feitos que foram registrados em sede policial. Se houver inércia da
autoridade processante, que se lance mão dos meios coercitivos disponíveis”.
28
PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Procedimento administrativo criminal, realizado pelo Ministério Público.
Boletim do Instituto Manoel Pedro Pimentel, São Paulo, n. 22, 2003.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A inconstitucionalidade de lei que atribua funções administrativas do inquérito
29

policial ao Ministério Público. Revista de Direito Administrativo Aplicado, Curitiba, n. 2, p. 447-451, 1994.
30
VIEIRA, op. cit., p. 25-64.
31
FRAGOSO, José Carlos. São ilegais os “procedimentos investigatórios” realizados pelo Ministério Público Federal.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 37, p. 241 et seq., 2002.
32
ANDRADE, Mauro Fonseca. Ministério Público e sua Investigação Criminal. Porto Alegre: Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, 2011. p. 135.
33
VIEIRA, op. cit., p. 25-64.

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Os legisladores constituintes, cônscios da importância da instituição do


Ministério Público, prodigalizaram-lhe atribuições, as mais numerosas, para
que bem pudesse desempenhar a sua vocação magna. Entretanto, no leque
de prerrogativas, deveres e poderes conferidos, não se incluiu presidir ou
capitanear inquérito policial, não se havendo olvidado, contudo, de permitir
a requisição de diligências ao órgão constitucionalmente competente.
Argumente-se, enfim, que a realização da investigação criminal direta
pelo Ministério Público ultraja a garantia do due process of law, e, especifi-
camente, as preceituações estampadas, nos incs. LIV e LV do art. 5° da CF,
uma vez que o processo legalmente devido deverá primar pela garantia da
paridade de armas, visando à igualdade substancial, entre as partes.
No particular, sublinha Rogério Lauria Tucci34 a necessidade de, no
devido processo legal, ser garantida a isonomia processual às partes, prin-
cípio que deita suas nascentes, na “igualdade de todos perante a lei”, em
sua largueza constitucional.
Novamente, forte em Tucci,35 dir-se-á que, “mesmo para os que enten-
dem ser admissível, apenas, a efetividade da defesa no âmbito da investigação
criminal, no qual não haveria lugar para o contraditório, a realização desta pelo
376 Ministério Público implica, inequivocamente, inadmissível desequilíbrio entre
as partes na persecutio criminis, sendo a infração penal de ação pública”.
Nessa toada, dilucida Tucci, em citação remissiva de Calamandrei, que:
[...] ainda que se tenha o ‘absurdo psicológico’ de o membro
do Parquet ser, ao mesmo tempo, ‘um advogado sem paixão’
e um ‘juiz sem imparcialidade’; não há como desconsiderar,
já agora com Carnelutti, que “partes nascuntur iudices fiunt”,
de sorte que quem não é juiz, em sede processual, assume
a posição de parte.
Daí por que seria, como de fato é, um contra-senso a outorga,
a sujeito parcial, qual seja o órgão ministerial, do poder de
realizar investigação criminal, colhendo elementos probatórios
determinantes de acusação preconcebida, numa insólita atu-
ação, posto que dirigida ao resultado exitoso de subseqüente
postulação condenatória.”
[...]
Em epítome, e, já agora, com Guilherme de Souza Nucci, não
devendo existir qualquer instituição superpoderosa, permitir,
ao Ministério Público, por melhor que seja a intenção de seus
membros, a realização da investigação criminal isoladamente, à
socapa do investigado, e sem qualquer vigilância ou fiscalização,
‘[...] significaria quebrar a harmônica e garantista investigação
de uma infração penal [...]’.

34
TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e Investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 82.
.
35
Ibidem, p. 82-83.

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Mais do que isso, representaria, como de fato representa,


uma indesejável e inadmissível ditadura ministerial, na fase
pré-processual da persecutio criminis, com afronta aos direitos
e garantias constitucionais do investigado, e determinante da
ilicitude de toda a sua atuação, e, outrossim, da nulidade dos
atos praticados, bem como de todos os que deles venham a
ser conseqüentes.36

Em verdade, o sistema de investigação, agora e aqui, exprobrado,


caminha na direção oposta à tendência mundial de se preservar, ainda nas
palavras de Evaristo de Moraes Filho,37 o respeito à paridade de armas, o
que, só por isso, bastaria para não se lhe dar abrigo de juridicidade.
Nessa diretiva, Nélio Roberto Seidl Machado38 sublinha que a Cons-
tituição estabelece uma verdadeira simetria, uma absoluta paridade, entre
as funções da acusação pública e da defesa. Põe, em relevo, outrossim, o
fato de os doutrinadores afirmarem, em uníssono, que deve haver igualdade,
entre as partes, circunstância que ensejou fosse cunhada a expressão, de
uso corrente, no jargão processual, paridade de armas, sem a qual não se
alcança o justo processo, finalidade almejada como inarredável exigência
para a prestação jurisdicional, no estado de direito. 377
Estribilha, ainda, o precitado autor:
[...] Não há preceito no texto da Carta Política que
possa ensejar exegese permissiva para que o parquet
assuma atribuições de natureza policial. [...]. A par disso,
o Ministério Público, assim procedendo, na seara do
processo criminal, estaria como que assumindo papel
de parte não justaposta, nem paritária, mas sim o de
parte privilegiada, em detrimento do sistema acusatório,
prejudicando, visceralmente, a tarefa de valoração dos
elementos de investigação coligidos no inquérito policial,
até porque estaria a estimar a avaliar conduta própria,
fora por completo dos contornos e limites estabelecidos
no art. 144 da Constituição Federal.39

Na trilha de excelência desse raciocínio, Evaristo Moraes Filho40 timbra


em afirmar que a imparcialidade do investigador restaria comprometida, na
medida em que a investigação haveria de seduzi-lo, “de maneira a torná-lo

36
Ibidem, p. 80-84.
37
MORAES FILHO, op. cit., p. 110.
38
MACHADO Nélio Roberto Seidl. Notas sobre a investigação criminal, diante da estrutura do processo criminal no
Estado de Direito Democrático. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, ano 3,
n. 5/6, p. 152-153, 1./2. sem. 1998.
39
Ibidem, p. 153.
40
MORAES FILHO, op. cit., p. 106.

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daltônico na apreciação das conclusões de indagações ulteriores [...] uma


vez internalizada na mente do policial, do promotor e do juiz, a procedência
da hipótese provisória, cria-se em seu espírito a necessidade de demonstrar
o que considera verdade, ‘à qual ele liga uma especial razão de orgulho’”.
Luís Guilherme Vieira, por igual, explicita:
Aliás, não venham argumentar que isto estaria sepulta-
do com o advento da Súm. 234, do STJ, porque esta,
embora indesejada – ideal seria adotarmos o sistema
processual que, instituindo o Juiz das Garantias, vedasse,
consequentemente, tal possibilidade, pois é natural que
o Promotor que funcionou na fase pré-processual esteja
embevecido por suas ‘verdades’, ou seja, que a exordial
só fosse deduzida, e recebida, depois que houvesse
ampla oportunidade para a defesa técnica contraditá-la
–, não tem qualquer relação com a figura do Promotor-
-investigante. A súmula faz menção ao representante do
Ministério Público que oficia, no exercício, do controle
externo das atividades policiais, na fase inquisitorial,
não sendo defeso ofertar denúncia sobre aquilo que foi
378 colhido no caderno policial.41

Aliás, no que tange à imparcialidade, Aury Lopes Jr.42 tece-lhe crítica


severa, sublinhando que constitui gravíssimo inconveniente a construção da
instituição, como parte imparcial, pois a prática demonstra que o promotor
não é mais que um órgão acusador e, como tal, uma parte parcial que não
vê mais que uma direção. Por sua própria índole, está inclinado a acumular
exclusivamente provas contrárias ao imputado. Portanto, não convém a cons-
trução de uma parte polivalente no processo penal, pois sob o manto protetor
da imparcialidade, o que se faz é atribuir a cada dia mais poderes para uma
das partes (MP), ao mesmo tempo em que se dá maior credibilidade à sua
atuação, o que torna patente o desequilíbrio e faz cair, por terra, qualquer
pretensão de transformar o processo, numa luta franca, entre duas partes
iguais, com igualdade de armas.
Volvendo-se a anteriores precedentes do Supremo Tribunal Federal,
colhe-se a melhor exegese para a hipótese. No julgamento do Recurso Ex-
traordinário 233.072-4/RJ, asseverou o Min. Maurício Corrêa:
[...] Se, de um lado não é obrigatória a existência de inqué-
rito policial para a instauração da ação penal, por outro,
quando se fizer necessário, é mister que seja realizado de
acordo com as normas vigentes, sob pena de nulidade. Não

41
VIEIRA, op. cit., p. 30.
42
LOPES JR. Aury. Sistemas de Investigação Preliminar no Processo Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003..
p. 91-93.

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vejo impedimento para que o Ministério Público requisite


algum documento ou mesmo um processo administrativo
para melhor fundar a ação penal que irá propor; o que não
pode é que solitariamente realize investigação criminal
à margem de qualquer controle.
Isto porque o Ministério Público só poderá proceder a
investigações preliminares criminais quando houver no
sistema jurídico positivo normas que venham a presidir
sua atuação, regrando-a; não pode ele, entretanto, motu
próprio, criar normas novas e ignorar as existentes, sob
pena de comprometer a segurança jurídica da sociedade
e, mais, a dele própria [...] ; e,
[...] Em suma, o inquérito penal fora do controle norma-
tivo transformar-se-á inevitavelmente, em alguns casos,
num escoadouro de paixões subalternas, como revela a
história, que é pródiga em exemplos, e, porque não dizer,
a própria experiência adquirida neste Tribunal, onde não
raro percebe-se procedimentos marcados com enorme
carga passional. Veja, Senhor Presidente, que não estou
referindo-me ao caso concreto, mas a este enorme Brasil
em que, como sabemos, acontece de tudo, absolutamen-
te de tudo, mormente em unidades federadas onde as
379
influências políticas são praticamente incontroláveis, ou,
por outra, são controladas por desígnios pouco ou nada
edificantes [...].43

Nessa mesmíssima direção, sinaliza o voto do Ministro Marco Aurélio,


verbis:
[...] O Ministério Público não pode fazer investigação
porque ele será parte na ação penal a ser intentada pelo
Estado e, também, não pode instaurar um inquérito no
respectivo âmbito.
A Constituição Federal encerra um grande todo. E, se
formos adiante, se formos à parte que versa sobre a se-
gurança pública, veremos, no artigo 144, § 4°, a existência
de um preceito a revelar que:
§ 4.° Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União,
as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares.
Incumbem as tarefas supra às polícias civis e não ao
Ministério Público.
Ora, na espécie dos autos, tivemos a propositura de uma
ação penal a partir dos elementos coligidos em inquérito
que não se mostrou, vez alguma, policial, mas administra-

43
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. Recurso Extraordinário 233.072-4/RJ, julgamento 18.05.1999.

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tivo, implementado pelo Ministério Público. Ressuscitou-se


uma pretensão, que fez prevalente, mesmo não possuindo
o Ministério Público o poder constituinte originário que
possuiu a Assembléia de 1988. Olvidou-se o que foi
rejeitado por essa Assembléia na tentativa que ocorreu
de se transportar para o cenário brasileiro o que se tem,
por exemplo, na Itália, com a atuação do Ministério Público
no próprio inquérito, a feitura do inquérito pelo próprio
Ministério Público.
Senhor Presidente, aqueles que têm poder – já se disse,
isso é vala comum – tendem a exorbitar no exercício desse
poder. É preciso que se coloque um freio nessa tentativa.
Vejo esse processo como revelador de uma precipitação
do Ministério Público, que, ao invés de provocar a aber-
tura do inquérito policial, como lhe cabia fazer, já que o
passo seguinte não seria a propositura de uma ação civil
pública, mas de uma ação penal, resolveu ele próprio - não
sei se teria desconfiado da polícia - promover as diligências
para a coleta de peças, objetivando respaldar a oferta,
a propositura da ação penal e a formalização, portanto,
380 da própria denúncia.
O Supremo Tribunal Federal – aprendi isso desde cedo,
nas sessões da Segunda Turma, com V. Exa. – é uma
Corte comprometida com princípios. Diria que é a Corte
encarregada, pelo Legislador Constituinte Originário de
1988, de exercer a guarda quanto à prevalência dos pre-
ceitos constitucionais. As normas constitucionais em vigor
obstaculizam, a mais não poder, a atitude do Ministério
Público retratada nestes autos [...].

Mais recentemente, o voto condutor do Ministro Nelson Jobim, no Re-


curso Ordinário, no Habeas Corpus 81.326-7/DF (DJU 1º.8.2003), explicitou,
mediante interpretação histórica, a evolução do tema:
[...] 2. Falta de legitimidade do Ministério Público.
Quanto à falta de legitimidade do Ministério Público
para realizar diretamente investigações e diligências em
procedimento administrativo investigatório, com o fim de
apurar crime cometido por funcionário público, no caso
Delegado de Polícia, a controvérsia não é nova.
Faço breve exposição sobre sua evolução histórica.
Em 1936, o Ministro da Justiça Vicente Ráo, tentou in-
troduzir, no sistema processual brasileiro, os juizados
de instrução.
A Comissão da Segunda Secção do Congresso Nacional
do Direito Judiciário, composta pelos Ministros Bento de
Faria, Plínio Casado e pelo Professor Gama Cerqueira,.

Revista Populus | Salvador | n. 1 | setembro 2015

LivroPopulos.indb 380 23/10/2015 09:53:18

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