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Um mosaico de possibilidades
© Juarez Dayrell, Maria Ignez Costa Moreira e Márcia Stengel (Organizadores)
Todos os diretos reservados.
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sem autorização escrita da editora.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Grão-Chanceler • Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Reitor • Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Vice-reitora • Patrícia Bernardes
Pró-reitoria de Pesquisa e de Pós-graduação • Sérgio de Morais Hanriot
Editora PUC Minas
Coordenação editorial • Cláudia Teles de Menezes Teixeira
Assistente editorial • Maria Cristina Araújo Rabelo
Revisão • Michel Gannan
Divulgação • Danielle de Freitas Mourão
Comercial • Maria Aparecida dos Santos Mitraud
Projeto gráfico e formatação • www.joseaugustobarros.carbonmade.com
Comissão editorial • João Francisco de Abreu (PUC Minas); Maria Zilda Cury (UFMG); Mário
Neto (Fapemig); Milton do Nascimento (PUC Minas); Oswaldo Bueno Amorim Filho (PUC
Minas); Regina Helena de Freitas Campos (UFMG)
Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira (4. : 2010. : Belo Horizonte, MG)
S612j Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades / Organizadores:
Juarez Dayrell, Maria Ignez Costa Moreira, Márcia Stengel. Belo Horizonte: Ed. PUC
Minas, 2011.
448p.: il.
ISBN: 978-85-60778-71-3
1. Juventude – Aspectos sociais. 2. Juventude - Brasil. 3. Juventude – Comportamento
sexual. 4. Juventude e violência. I. Dayrell, Juarez. II. Moreira, Maria Ignez Costa. III. Stengel,
Márcia. IV. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
CDU: 362.8
Juarez Dayrell
Maria Ignez Costa Moreira
Márcia Stengel
Organizadores
Prefácio . ................................................................................................................................................................... 8
Introdução............................................................................................................................................................ 12
A socialização da juventude
e os espaços institucionais
Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias,
tensiones y emergencias ............................................................................................................................. 43
Marcelo Urresti
Prefácio
Os organizadores
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dade civil, lideranças jovens que estão à frente de grupos e redes, entre outros,
tendo em média 800 participantes e mais de 500 trabalhos inscritos.
O Jubra tem contado com o apoio das instituições oficiais de fo-
mento CNPq, Capes e das fundações estaduais de amparo à pesquisa. É um
evento que vem se consolidando como um importante espaço para os pes-
quisadores da juventude.
Considerando a importância da temática da juventude no contexto
da realidade brasileira e a relevância da produção de conhecimento cientí-
fico como subsídio para a elaboração de políticas públicas que respondam
às demandas e necessidades das juventudes, os pesquisadores da área, reu-
nidos neste IV Jubra, solicitam ao CNPq que lance um edital de pesquisa
específico sobre a temática da juventude, de caráter interdisciplinar, para po-
tencializar a produção científica na área.
Introdução
A socialização da juventude
adquirida nesses espaços se assemelha a “uma senha para uma fila de espera”
que pode não chegar ao seu fim ou que pode apontar em uma direção bas-
tante diferente daquela para a qual o indivíduo se preparou.
Finalmente Franzoi analisa algumas experiências educativas consi-
deradas exitosas, evidenciando que a escola pública pode vir ao encontro
das demandas e anseios dos jovens e que é necessária uma vontade polí-
tica para que o novo possa nascer do velho. Ao descrever algumas dessas
experiências, ela vai pontuando alguns aspectos considerados essenciais.
Em termos mais gerais, lembra a autora, é fundamental um reforço na ofer-
ta de ensino técnico de nível médio e de ensino médio integrado e, nestes,
criar uma rede de suporte aos jovens alunos, por meio de bolsas associadas
a estágios efetivamente supervisionados e/ou outros tipos de auxílio, como
alimentação, transporte, entre outros. Em termos da organização curricular,
ela pontua a necessidade de formar os jovens não apenas para o consumo ou
adaptação de tecnologias, mas também para a sua produção. Nesse sentido,
torna-se necessário educar cidadãos capazes de intervir, em diferentes níveis,
nos rumos dados à sua produção e utilização.
Outro aspecto é a necessidade de superar a visão reduzida de ensino
para articular, de forma orgânica, o ensino e a pesquisa produzida no pró-
prio processo de formação. Acrescenta-se ainda a importância da formação
cultural dos jovens, em uma articulação entre ciência, tecnologia e cultura,
levando para a escola pontos de contato com a identidade juvenil. Conclui
evidenciando a importância de a escola deslocar a ênfase das carências dos
alunos, daquilo que lhes falta, para o que os alunos já trazem, para as suas
experiências socioculturais, ou seja, reforça a posição de Leão ao lembrar a
necessidade de a escola reconhecer o jovem existente no aluno.
Finalmente, o último artigo desse bloco, “Participación en proyectos
y desarrollo integral de adolescentes y jóvenes”, de Olga Niremberg, trata da
participação dos jovens em projetos sociais, um âmbito muito presente na
socialização dos jovens, principalmente dos mais pobres, trazendo uma rica
reflexão sobre possíveis critérios para sua avaliação.
20
um “nós” por oposição a “eles”, no exercício contínuo que produz ações ora
emancipatórias, que são fontes de autonomia dos sujeitos, ora reguladoras
de dominação desses sujeitos.
Essas são reflexões importantes que possibilitam compreender os
jovens como atores na cena política, não só reivindicando os seus direitos
específicos, mas influindo e participando ativamente da vida coletiva, da or-
ganização das cidades e da negociação política.
Considerações finais
Juarez Dayrell
Maria Ignez Costa Moreira
Márcia Stengel
A socialização da juventude
e os espaços institucionais
Adolescentes, jóvenes y socialización:
entre resistencias, tensiones y emergencias
Marcelo Urresti
omitidas y se ramifica en las series que definen cursos de vida y las historias
personales que resultan del plegamiento del espacio social en su devenir, de-
jando como sedimento esa esfera interiorizada de compromisos, disposicio-
nes y memoria en la que con el tiempo reconocemos a la subjetividad adul-
ta. Por eso, la juventud es una condición inestable, llena de promesas, pero
también de incertidumbres y temores, pues el futuro se presenta abierto y
desdibujado. El proceso de maduración hacia la adultez supone, entre otras
cosas, el progresivo paso de las promesas acompañadas de incertidumbre a
la realización de los proyectos, lo que implica un descarte de promesas en
favor de márgenes crecientes de solidez y seguridad. De modo que el adulto
sería en promedio un sujeto que ha eliminado la angustia de la falta de segu-
ridades, a cambio de una objetiva reducción de oportunidades.
La juventud como moratoria vital recupera la idea de la moratoria
social y la complementa en un marco más amplio. Así, la juventud es período
de gracia existencial y social, suspendido temporalmente, en el que comien-
zan a asumirse poco a poco los compromisos duraderos por los que cada
sujeto va entrando en la vida adulta. Esas decisiones, a veces queridas a veces
no, en ocasiones conscientes, en ocasiones inconscientes, tejen las tramas de
contingencias que luego devienen necesidades y que a la larga constituyen
verdaderos condicionamientos para las decisiones futuras. Esa suerte de ca-
denas que con cada decisión tomada en el presente recortan el espacio de lo
posible en el futuro, acotándolo y dándole forma, tienen su grado cero en la
juventud, que es el momento en el que comienzan a realizarse los proyec-
tos. Ese reino ambiguo de incertidumbres y promesas virtualmente infinitas
que supone la apertura y la moratoria vital y social es en parte limitado por
los proyectos que se van realizando, por los logros parciales o exitosos que
recortan la experiencia futura y que van dejando una estela de recuerdos por
detrás. Cuando la memoria se acrecienta y el tiempo de experiencias se acu-
mula, aunque no se completen las vías de acceso a la adultez, la juventud se
achica inexorablemente y el nacimiento va quedando atrás, el mundo social
ya no es tan nuevo y la redundancia se hace presente y esto, nuevamente, sin
52 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
que importe la clase social y las dos moratorias – vital y social – pueden no
coincidir en su maduración, como ocurre en los sectores populares, o pue-
den agotarse simultáneamente, como sucede en los sectores medios y altos.
hecho que plantea una alteración muy importante respecto a los modos vi-
gentes de plantear la diferencia generacional, la transmisión educativa en tér-
minos de valores y la imposición de la autoridad. Los adultos alcanzados por
la juvenilización se encuentran – al igual que los adolescentes que entran en
relación con ellos – con conflictos desconocidos, con la consecuente des-
orientación que sufren y que generan. Este proceso ha llevado en extremo a
plantear una sociedad de la adolescencia (LIPOVETSKY, 1998; DI SEGNI,
2004), en la que cada vez menos personas estarían dispuestas a asumir el rol
adulto, deslegitimado entre otros factores por la insistencia de una cultura
narcisista empeñada en glorificar al adolescente como modelo de belleza y
de buena vida.
Pero este proceso, supone otras manifestaciones. El proceso de
juvenilización no se centra exclusivamente en el cuerpo y la imagen, sino
que también implica un estilo de vida cambiante e innovador por el cual
los adultos contemporáneos procuran hacer nuevos proyectos allí donde
los adultos del pasado tendían a aceptar como un destino sus decisiones
previas. Los adultos actuales cambian de pareja con más frecuencia, buscan
segundas oportunidades, conforman nuevos hogares. Estas búsquedas que
en el extremo pueden conducir a la ya mencionada “adultescencia”, son un
síntoma de los cambios sociales que alteran los grupos de edad. Este nuevo
adulto no tradicional, reciclado, con ganas de renovarse es minoritario por el
momento, pero se encuentra en crecimiento, especialmente entre los secto-
res urbanos medios y medios altos. Este adulto se aleja definitivamente del
modelo tradicional, más rígido y autoritario, propicio para la oposición ado-
lescente y define un terreno deslizante para los conflictos generacionales, la
transgresión y los desafíos a la autoridad.
Este clima es el resultado exacerbado de una larga tendencia que
se inicia en los años 60. En ese contexto, las nuevas generaciones cuestio-
naban a las anteriores, procurando estilos de vida diferentes y distantes
de aquello que esas sociedades les destinaban. Buena parte de la llamada
cultura juvenil es una reacción estetizada, con base en la música, el cine
Adolescentes, jóvenes y socialización: entre resistencias, tensiones y emergencias 55
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66 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
bora se saiba que no contexto moderno cada uma das instâncias formadoras
desenvolva campos específicos de atuação, lógicas, valores éticos e morais
distintos, considera-se ainda que são os próprios jovens e ou os indivídu-
os que tecem as redes de sentido que os unificam em suas experiências de
socialização. É o indivíduo que tem a capacidade de articular as múltiplas
referências propostas ao longo de sua trajetória. É ele o sujeito da unidade
social na qual se podem efetivar diferentes sentidos de ações, estas últimas
derivadas das suas múltiplas esferas de existência. Nele cruzam-se e intera-
gem sentidos particulares e diferentes. Ele não é apenas o único portador
efetivo de sentidos, mas a única sede possível de relações entre eles.1
Assim sendo, opta-se por uma perspectiva sociológica. Ou seja,
busca-se a relação dialética entre indivíduo e sociedade e procura-se
uma forma de interpretar as ações sociais, as práticas coletivas, com base
em uma troca incessante entre as duas faces de uma mesma realidade (o
indivíduo e suas matrizes sociais de cultura). Analisando o processo de
socialização considerando a articulação das ações educativas de várias
instâncias produtoras de bens simbólicos, pretende-se compreender
os jogos da reciprocidade, interação e sociabilidade estabelecidos pe-
los jovens. Em outras palavras, busca-se apreender a dinâmica do cam-
po da socialização e, como decorrência, o campo das sociabilidades na
contemporaneidade, observando a tensão entre agentes sociais, e, dessa
forma, busca-se a apreensão de uma luta simbólica de valores entre eles.
Parte-se metodologicamente da experiência de jovens social, temporal
e culturalmente diferenciados.
Trabalha-se pois com a hipótese da existência de vários modelos de
articulação entre as matrizes de sentido responsáveis pela formação de su-
jeitos sociais singulares. Assim sendo, cabe perguntar, qual o papel de cada
uma dessas instâncias na vida dos jovens? Quais os pontos de ruptura ou
convergência entre elas que ampliariam outras frentes de sociabilidade?
1 As noções de indivíduo, sujeito e agente social são usadas como sinônimos, ainda que se tenha consciência
das distinções teóricas dadas pela sociologia e pela filosofia.
70 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
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Juventude e escola – elementos para
a construção de duas abordagens
Mônica Peregrino
nal, constituísse o grupo que nos permitisse acesso às respostas que buscá-
vamos em nossa investigação.
Trataremos aqui de maneira bastante breve apenas dos primeiros
dados levantados pela investigação. As análises aqui apresentadas são fruto
dos dados constantes no cadastro do programa Projovem Trabalhador (que
no caso de São Gonçalo contava com 6473 jovens de ambos os sexos) e
dos resultados da aplicação de questionários fechados a 5% da amostra (e
que obedecia a um plano de aplicação que buscava captar a diversidade de
jovens matriculados a partir da variedade de cursos oferecidos e dos locais
de oferta). Se nossos dados, portanto, ainda não permitem conclusões mais
consistentes, eles abrem caminho, certamente, para a construção de algumas
hipóteses bastante fecundas.
9,5% estão na faixa entre dois e cinco salários mínimos e apenas 3,5% estão
na faixa entre cinco e dez salários mínimos. As mulheres estão mais repre-
sentadas nas faixas etárias mais altas cobertas pelo programa (os rapazes são
predominantes nas faixas etárias mais baixas) e têm menor acesso a e-mail
(ao contrário dos rapazes).
Por fim, quando cruzamos os dados sobre a renda familiar com a
variável sexo, percebemos que se a predominância e a importância relativa
da faixa que agrupa aqueles que têm renda familiar de um a dois salários mí-
nimos são semelhantes para os dois sexos, a situação é outra quando com-
paramos os percentuais presentes nas faixas de renda das “extremidades”.
Há maior percentual de mulheres nas mais baixas faixas de renda e menor
percentual de mulheres nas faixas de renda mais altas. O contrário acontece
com os rapazes. Eles estão mais representados nas faixas mais altas e menos
representados nas faixas mais baixas.
Quando relacionamos renda e distrito de moradia, percebemos que,
apesar de operarem com faixas percentuais mais ou menos próximas, os dis-
tritos mais bem equipados (em termos de equipamentos públicos de con-
sumo coletivo), Neves e São Gonçalo, são aqueles que apresentam menores
percentuais das mais baixas faixas de renda e maiores percentuais das mais
altas faixas de rendimento. Essas diferenças ficam ainda mais claras quando
tomamos os dois distritos mais distantes dos dois primeiros distritos em ter-
mos de provimento de equipamentos, os distritos de Monjolos e de Ipiíba.
íba, que, como já sabemos, são aqueles que concentram as condições mais
adversas na cidade.
Constatamos, em primeiro lugar, a impressionante preponderância
das mulheres nesse programa (como já nos mostravam os dados do cadas-
tro, elas perfazem quase 70% dos matriculados). Nesse caso, é possível per-
ceber a presença de mulheres mais velhas, casadas ou solteiras, em busca
de reinserção no mercado de trabalho. É significativo também o número de
mulheres mais velhas e casadas que buscam no programa sua primeira inser-
ção no mercado de trabalho.
Os mais jovens, tanto do sexo feminino quanto do sexo masculino,
também estabelecem um “tipo” no conjunto. Com idades que variam de 18
a 20 anos, e ensino médio completo feito sem reprovações, são jovens que,
apesar de nunca terem trabalhado, ou de o terem feito por períodos mui-
to curtos, acumulam uma infinidade de cursos de preparação/qualificação
para o trabalho,3 e que nos casos mais promissores agregam um conjunto de
funções que caracterizam uma área de formação.
Mesmo trabalhando com um grupo relativamente homogêneo (todos
com ensino médio completo, matriculados em cursos de preparação/ingresso
no mundo do trabalho, moradores de cidade situada na periferia da metrópole
carioca), foi possível a captação de nuances importantes para a investigação.
Como era de se esperar, os jovens das regiões mais providas eram
também aqueles de maior renda, os que frequentavam as escolas públicas
de referência na região, os que conseguiam articular suas poucas e efêmeras
experiências de trabalho com cursos de capacitação que permitiam a confi-
guração de uma “área de atuação”. Estes eram também os jovens “mais no-
vos” e que não apenas afirmavam circular nos núcleos mais dinâmicos das
cidades como Rio de Janeiro e Niterói, mas que indicavam querer ampliar
seu acesso a tais núcleos.
3 Nesses cursos também já é possível perceber “tipos” diferentes. Há os cursos que chamaremos de “básicos”,
como inglês, espanhol, cursos de informática, digitação, e cursos que chamaremos de capacitação para ativi-
dades mais dirigidas.
Juventude e escola – elementos para a construção de duas abordagens 95
Conclusão
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Entre sonhos e projetos de jovens, a escola…
Geraldo Leão
2 A pesquisa foi realizada como uma das ações do Projeto Diálogo com o Ensino Médio, uma coopera-
ção técnica entre o Observatório da Juventude da UFMG, o Observatório Jovem da UFF e a Secretaria de
Educação Básica do MEC em 2009. O projeto foi coordenado pelo professor doutor Juarez Tarcísio Dayrell
(UFMG) e pelo professor doutor Paulo César Carrano (UFF). No Pará, a equipe foi coordenada pela profes-
sora doutora Jacqueline Cunha da Serra Freire (UFPA).
102 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
pelo Estado e pelas políticas públicas? Como esperar que sejam “protagonis-
tas” se as experiências de participação estimuladas pela escola indicam uma
visão estreita e limitada como essa?
Outro quadro muito comum nas escolas do Pará era a falta de pro-
fessores. Em algumas disciplinas, havia uma grande carência de docentes.
Os alunos ficavam longos tempos sem aulas ou com aulas improvisadas por
falta de professores contratados para lecionar. Quando não faltavam pro-
fessores, os professores faltavam. Muitos jovens relataram que era comum
ficar esperando o professor, que chegava sempre atrasado ou simplesmente
faltava, deixando os alunos sem qualquer atividade. Tantos outros narraram
que, frequentemente, tinham apenas parte das aulas do dia. Tal situação gera
um quadro de desânimo que, principalmente para os jovens que estudam à
noite, aumenta durante o correr do ano letivo.
Ainda no quadro da precariedade das escolas, temos a situação dos
laboratórios e bibliotecas. Em quase todas as escolas havia laboratórios de
informática e de ciências instalados, mas o seu funcionamento não ocorria
porque não havia um profissional específico ou não havia projetos desen-
volvidos pela escola que utilizassem esses espaços. Muitas vezes, os eles
funcionavam apenas na parte da manhã, deixando os alunos do noturno
prejudicados.
Esse quadro, aliado a outros fatores, gerava uma situação de desi-
gualdade de acesso ao conhecimento proporcionado pela escola. Os dados
oriundos das avaliações sobre a atuação dos sistemas de ensino têm mostra-
do o baixo desempenho das escolas públicas. Essa realidade tem gerado nos
alunos um sentimento de incapacidade para dar continuidade aos estudos.
Muitos jovens revelaram uma grande descrença na sua capacidade para dis-
putar uma vaga nas universidades do Pará em função da “baixa qualidade
do ensino oferecido” nas escolas em que estudavam. Podemos dizer que se
trata de uma pedagogia da precariedade em dois sentidos: primeiro porque
na sua materialidade a escola é precária em si, mas também porque alimenta
entre os jovens estudantes o sentimento de que seus projetos de vida têm
Entre sonhos e projetos de jovens, a escola… 107
celular. Os jovens estão inseridos em redes sociais via mídia como Orkut,
Twitter, Blog e Facebook. No entanto, a desigualdade quanto ao acesso a
esses bens de consumo e a novas mídias ocorre de uma forma desigual.
O que significa essa experiência social? Quais dilemas e perspectivas
isso traz para a experiência cotidiana nas escolas brasileiras? Uma questão
a ser considerada refere-se à maior possibilidade de distanciamento (refle-
xividade) em relação às suas experiências sociais. Muitos alunos não estão
dispostos a assumir de uma maneira passiva a “autoridade pedagógica” tão
cara à escola republicana. Não se subjetivam como “estudantes” da mesma
forma que antes. Como nos lembram alguns autores como Bernard Charlot
(2000) e François Dubet (1998), o ser aluno é uma construção subjetiva.
Os sujeitos não se tornam alunos apenas por uma imposição externa. Trata-
se hoje, cada vez mais, de uma escolha. Assim, a questão dos sentidos atribu-
ídos à experiência escolar é central.
Ao mesmo tempo, eles se defrontam com um discurso social em
torno do valor da educação que emerge quase que como uma “imposição”,
um discurso regulador das condutas num quadro de crise da mobilidade
social. No campo do mercado de trabalho, mesmo que os empregos se
ampliem, a expansão se dá em atividades precárias ou com um status social
baixo. Como diziam muitos estudantes na pesquisa desenvolvida no Pará:
“Hoje em dia, até para ser gari, tem que ter ensino médio.” Os jovens se veem
coagidos a estudar por exigências sociais (reconhecimento social, acesso a
alguns postos de trabalho etc.), mas sabem de antemão que o retorno do seu
investimento em termos de mobilidade social não está garantido. Estudar é
uma necessidade, mas não uma garantia.
Uma jovem de 19 anos deu o seguinte depoimento:
A gente tem o colégio tão perto da nossa casa e, às vezes, vê pessoas que po-
deriam estar estudando, procurando se formar, procurando ser uma pessoa
melhor. Só Deus sabe pelo que nossos pais passaram, pelo que a gente passa.
Então a gente tem que ver essa situação e pensar: “Não, eu não quero viver o
que meu pai e minha mãe viveram.” Não quero passar pelas mesmas dificul-
dades que eles passaram. Quero ser uma pessoa melhor para dar uma vida
Entre sonhos e projetos de jovens, a escola… 111
boa para meus filhos. (...) O mundo hoje está muito difícil. A gente pensa
que é fácil, mas não é. Tá muito difícil. A gente tem que ter esse pensamento...
De ser alguém.
de seus planos de continuidade dos estudos: “a escola não prepara para o vesti-
bular”, “não dá informação e orientação”, “os professores não se comprometem
com os alunos”, “os alunos também não se envolvem”. Esses jovens parecem
querer dizer: como posso provar minha capacidade nessas condições? Como
provar o meu valor concorrendo em condições tão desiguais?
Martuccelli (2007) nos lembra ainda que a prova escolar sanciona
um sentimento de orgulho, uma sanção positiva sobre si: “eu tenho valor”, “eu
sou capaz”. No contexto da experiência escolar vivida por muitos jovens das
camadas populares no Brasil, a possibilidade de construir uma visão positi-
va sobre si como estudantes é muito pequena. Muitos alunos se queixavam
da falta de confiança que os professores depositavam neles e valorizavam
aqueles que os estimulavam. Eles citavam exemplos de professores que di-
ziam que “aluno de escola pública não passa nas universidades públicas”. Por
outro lado, valorizavam os professores e as escolas que incentivavam e bus-
cavam estratégias de preparação dos jovens para o vestibular.
Isso traz uma séria dificuldade para os jovens que se veem na situ-
ação de dar conta da prova escolar, mas em instituições nas quais não en-
contram sentido para estudar. É comum encontrar jovens que pararam de
estudar e não sabem o porquê. Em uma pesquisa recente sobre a evasão es-
colar no ensino médio, constatou-se que a maior parte dos evadidos parou
de estudar por “falta de interesse” (NERI, 2008). É muito comum a figura do
jovem reincidente, que já se matriculou várias vezes no primeiro ano do en-
sino médio e desiste no meio do caminho. Muitas vezes, a única reação vis-
lumbrada, como diz Dubet (2001), é se retrair, retirando-se do jogo escolar
ou se colocar contra a escola, como alternativas para salvar a sua dignidade.
vários aspectos que indicariam uma visão mais positiva não foram conside-
rados. O contato com as escolas brasileiras, além de seus problemas, ofere-
ce exemplos de muitos profissionais engajados que, apesar do descaso do
Estado, desenvolvem projetos inovadores e de escolas que são criativas na
sua forma de organização. No entanto, tais ações ainda se constituem como
uma reação à falta de políticas públicas que sustentem atos contínuos e em
condições adequadas para o trabalho com jovens. Nossa escola parece estar
situada diante de um dilema. Ela pode continuar prometendo ser um passa-
porte para um futuro distante, do qual os jovens desconfiam, tendo em vista
que a sua experiência lhes ensina que o futuro é incerto nessa sociedade. Por
outro lado, ela pode ser uma referência para os jovens, o lugar de acolher e
discutir com eles seus medos, angústias, dilemas e alternativas.
Dubet (2004), em um dos seus textos, pergunta-nos: o que é uma
escola justa? Para ele, não é uma escola que desconhece o mérito dos alunos,
o potencial de cada um, mas uma escola que também se compromete com
os vencidos na competição escolar. Não se trata de uma escola redentora da
sociedade, mas que cria mecanismos para que as desigualdades produzidas
em outras esferas (do trabalho, das relações raciais e de gênero etc.) não se
transformem em desigualdades escolares. É também uma escola preocupa-
da em não produzir outras desigualdades.
Talvez a escola pudesse começar se perguntando o que seria uma
escola justa para os jovens das camadas populares no Brasil, esses novos her-
deiros que chegam aos sistemas escolares. Essa escola exigiria uma série de
ações como a concessão de bolsas de estudos, o desenvolvimento de proje-
tos de formação técnico-profissional, a oferta de oportunidades de cumprir
estágios, a elaboração de novas formas de organização escolar e de novos
currículos etc. Mas exigiria, como primeiro passo, reconhecer os jovens nas
suas especificidades e identidades. Talvez ao enxergá-los como jovens possa-
mos construir canais para um diálogo maior em que eles possam ver sentido
em se produzirem como alunos-jovens ou jovens-alunos. Talvez possamos
começar por aí nossa ideia de construir uma escola para todos.
Entre sonhos e projetos de jovens, a escola… 115
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Juventude, trabalho e educação:
crônica de uma relação infeliz1 em quatro atos
Naira Lisboa Franzoi
1 Parafraseio Guy Jobert sobre a relação entre educação e trabalho (apud CORREIA, 2003). Algumas das
reflexões contidas no presente texto já foram apresentadas em trabalhos anteriores, tais como Franzoi (2009)
e Fischer e Franzoi (2009).
118 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
cação é que o ensino médio, nas condições atuais de oferta – sem medidas de
apoio à permanência do jovem na escola – chegou ao limite de absorção des-
sa população, constrangida pelos imperativos do mundo do trabalho, como
mostram as estatísticas apontadas anteriormente.
O que leva vários autores a utilizar o termo juventudes no plural é que
há uma diferença muito grande entre a relação que os jovens das camadas
pobres e a que os jovens de classes médias e altas estabelecem com o traba-
lho e a escola. Mesmo no ramo propedêutico, distinguem-se: enquanto uns
fazem seu percurso em escolas de qualidade, dedicando-se exclusivamente
ao estudo; outros estudam em escolas pobres, dividindo seu tempo entre o
estudo e o trabalho e frequentam cursos noturnos aos quais chegam com di-
ficuldade, depois de uma jornada de trabalho exaustiva e até há bem pouco
tempo sem direito à merenda. A merenda escolar, obrigatória para o ensino
fundamental, apenas recentemente tornou-se obrigatória no ensino médio.
Entretanto, em muitas escolas, ela não foi implantada por falta de estrutura
adequada – cozinhas, refeitórios e/ou merendeiras.
Uma pesquisa realizada sobre o ensino médio noturno (EMN)
(PERONI; FARENZENA; FRANZOI, 2004)2 mostrou que, apesar de suas
especificidades – que acarreta a necessidade de maior atenção, por atender
basicamente jovens de baixa renda e trabalhadores –, o mesmo não é tópico
específico nos documentos escolares, nas reuniões dos profissionais ou nas
atividades de capacitação dos docentes. Na explicitação da metodologia de
ensino, na oferta de atividades ou programas especiais, não são contempla-
das as necessidades singulares de alunos trabalhadores nem as características
do turno em que acontecem as aulas, assim como das jornadas de trabalho
dos profissionais.
2 Todos os dados sobre EMN aqui apresentados são extraídos da pesquisa sobre o ensino médio noturno da
rede estadual do Rio Grande do Sul. A pesquisa foi realizada em 2003, como parte de estudo desenvolvido em
nível nacional em atendimento à solicitação da Semtec/MEC, com o objetivo de conhecer a realidade do ensi-
no médio noturno, visando subsidiar as políticas públicas nacionais e estaduais. Além de dados secundários
sobre o ensino médio noturno (EMN), a pesquisa abrangeu, em especial, uma investigação qualitativa em dez
escolas públicas estaduais que oferecem ensino médio noturno, as quais foram selecionadas pelo suposto de
oferecerem condições de oferta de um ensino de qualidade (PERONI; FARENZENA; FRANZOI, 2004).
Juventude, trabalho e educação: crônica de uma relação infeliz em quatro atos 121
7 A Cadeia Produtiva do Skate (CPS) foi um projeto derivado do Programa Empreendedorismo Juvenil da
Secretaria Nacional da Juventude, para abarcar e financiar projetos voltados a jovens oriundos das Políticas
Públicas Juvenis que tivessem como objetivo o trabalho associativo. A CPS acolheu 30 jovens egressos do
Consórcio Social da Juventude, contemplando a fabricação pelos jovens de pistas e skates, roupas, acessórios,
serigrafia e calçados, resultando em uma cadeia produtiva de skate, que aglutinou cinco entidades executoras,
cada uma responsável por um item da cadeia. Os dados apresentados aqui são extraídos da dissertação de
mestrado, defendida em 2009, por Claudete S. Oliveira. A metodologia de pesquisa incluía a troca de cartas
entre a pesquisadora e os jovens.
130 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
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Participación en proyectos y desarrollo integral
de adolescentes y jóvenes
Olga Nirenberg
Antecedentes
La perspectiva de género
4 Véanse al respecto Grotberg (2001); Kotliarenco et al. (1998); Kotliarenco; Mardones; Me-
lillo; Suarez Ojeda (2000).
142 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
lia (reflejado en las relaciones entre los miembros de la misma) que da acceso
al capital humano de los adultos, depende de la presencia física de éstos en el
hogar y de la atención que prestan a los niños o adolescentes. La ausencia física
de los adultos puede ser descrita como una deficiencia estructural en el capi-
tal social familiar. Esta ausencia puede darse en hogares monoparentales, pero
también en familias en las que uno o los dos progenitores trabajan excesivas
horas (o por largas temporadas) fuera del hogar, puesto que en este caso falta
el capital social que se recibiría mediante la presencia cotidiana de las personas.
Aún si los adultos están presentes físicamente hay una carencia de capital so-
cial si las relaciones entre padres e hijos no son significativas, sólidas, estrechas
y fluidas. Esas carencias en las relaciones pueden influir para que los hijos se
centren en su grupo de pares y los padres en las relaciones con otros adultos
disminuyendo o anulando el cruce entre generaciones. En estos casos, a pesar
de que los padres dispongan de un gran capital humano los hijos corren el ries-
go de no beneficiarse del mismo debido a la carencia de capital social.
Por lo tanto, el capital social debe ser un aspecto a considerar cuando
se habla de la adquisición y mantenimiento del capital humano, puesto que
una política exclusiva de acumulación de capital humano puede no resultar
efectiva, al menos a largo plazo, debido a que los individuos necesitan que su
capital humano sea valorado y recompensado, no sólo por su propio entor-
no o sus “superiores”, sino por la sociedad en general, lo cual sólo se puede
conseguir cuando existe un cierto grado de capital social. Así pues, el capital
humano puede no resultar útil o, por lo menos, no ser todo lo productivo
que cabría esperar, en situaciones de carencia de capital social.
Pueden identificarse dos estrategias básicas para desarrollar el capital
social de un grupo. La primera es el empoderamiento, o acciones tendientes
a aumentar la capacidad de movilización del grupo mediante la transforma-
ción del liderazgo existente en el grupo, en liderazgo para el grupo. La segun-
da es la asociatividad o acciones orientadas a expandir o fortalecer las redes
en que participan los miembros del grupo, lo que potencia la cooperación
con otros grupos mediante nuevos enlaces de sus redes.
146 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
jóvenes, así como otros actores implicados7 – puedan expresar sus propios
intereses y preferencias, así como sus conocimientos y puntos de vista acerca
de sus problemáticas y sobre las estrategias más eficaces y recomendables
para solucionarlas.
En cuanto a los fundamentos pragmáticos, se supone que la viabi-
lidad y efectividad de las intervenciones sociales será mayor si las personas
forman parte desde el principio y en todas las etapas de la gestión: desde
el diagnóstico, la detección y priorización de problemas y necesidades, la
toma de decisiones acerca de qué acciones implementar, la ejecución de ac-
tividades, el seguimiento y la evaluación (NIRENBERG; BRAWERMAN;
RUIZ, 2003).
Los proyectos sociales como ámbitos de participación
Un proyecto social es un conjunto interrelacionado de actividades para
resolver un problema social determinado en un espacio territorial y/o poblacional
definido; constituye una intervención planificada con tiempo y recursos acotados
(NIRENBERG; BRAWERMAN; RUIZ, 2003). Desde una perspectiva
amplia, un proyecto puede ser visto además como:
• Un instrumento de cambio insertado en procesos preexistentes y
contextos más amplios;
• Un escenario de interacción entre actores sociales con distintos inte-
reses y perspectivas;
• Un espacio de intercambio de información y articulación entre grupos e
instituciones donde tienen lugar alianzas y negociaciones así como
resistencias y conflictos frente a los cambios que promueve;
• Un ámbito para el aprendizaje social de todos los actores;
• Un proceso de elaboración de diagnósticos y estrategias de acción y de
aplicación, monitoreo y ajuste de dichas estrategias (ROBIROSA;
CARDARELLI; LAPALMA, 1990).
7 Fantova utiliza esa expresión para la traducción del inglés del término stakeholders, para identificar a aquellos
que en forma directa o indirecta tienen algún tipo de vinculación más o menos significativa con la población
objetivo (como puede ser el caso de los maestros o entrenadores deportivos). Véase Fantova, 2005.
152 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
Del análisis de los proyectos que se han llevado a cabo con moda-
lidades participativas de gestión y teniendo en cuenta que los adolescentes,
sobre todo en las edades menores del tramo, atraviesan un período particu-
larmente significativo para su formación y la construcción de su subjetivi-
dad e identidad, surge que la figura y el rol de los agentes externos es relevante
(NIRENBERG; PERRONE; CARDARELLI, 1995). Aunque podría pa-
recer que existe una tensión entre la intervención de adultos tales como los
educadores, los miembros del equipo de salud, los líderes comunitarios, los
entrenadores deportivos y otros, en los proyectos de adolescentes y jóvenes
(habida cuenta de lo antes dicho acerca del riesgo de “adultocentrismo”), lo
cierto es que ello no implica per-se contradicciones insalvables entre jóve-
nes y adultos o entre la participación y la direccionalidad del proceso. Puede
ocurrir, por el contrario, que dicha intervención sea la condición de posibili-
dad para que los adolescentes se acerquen y agrupen en torno a programas y
proyectos socialmente relevantes. Para resolver esa tensión son importantes
y estratégicos los estilos de liderazgos adultos democráticos y transformado-
res, en detrimento de los verticales, jerárquicos o autoritarios (BLEJMAR;
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Juventude, sexualidade, gênero e violência
Visibilidade e invisibilidade do trabalho
de garotos de programa1
Rubens de Camargo Ferreira Adorno
Geraldo Pereira da Silva Junior
1 Este texto apresenta resultados parciais da pesquisa de campo realizada como parte de tese de doutoramen-
to orientada na linha de pesquisa Saúde Pública, Ciências Sociais e Sociedade Contemporânea do Programa
de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP.
164 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
4 O termo “performático” é central na obra de Butler (2008), que considera a expressão como um ato reit-
erado e que, desse modo, se aplica ao sexo.
170 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
(...) também disse sobre clientes fixos que às vezes passam por ali somente
para bater papo e eles tem que conversar para não perderem o cliente numa
próxima vez. (Diário de Campo, 9/4/2010, diálogo entre pesquisadora e R)
Ele havia entendido que provavelmente esse rapaz havia “dado uma pegada”
(referindo-se a pegar no pênis de Sebastião) e depois quisera cair fora, pois
alguns clientes ou caras a fim de cassação tentam fazer isto e alguns GPs, por
exemplo, Sebastião, não aceitavam e tinham o lema de que só pelo fato de
tirá-los do lugar já tinha que pagar, ou se colocassem a mão tinham que pagar.
(Diário de Campo, 5/6/2010)
Por sua vez, criticam outros rapazes que também atuam na rua e que
não necessariamente correspondem à “performance” considerada por eles
como profissional. Isso porque, muitas vezes, esses outros garotos terminam
aceitando as “pechinchas” dos clientes em virtude de usarem o valor recebi-
do para usarem drogas:
Depois continuamos conversando e percebi que havia uma divisão na rua,
várias vezes eles haviam mencionado que eram profissionais e os que fi-
cavam na parte mais escura da rua não eram profissionais, que não valia
a pena que eu me aproximasse deles, que eram garotos que faziam vícios
(sexo sem cobrar), que usavam drogas, que banalizavam o trabalho deles.
Afirmaram por outro lado que eles eram os garotos luxuosos, cheirosos
e de bom papo e os demais que ficavam depois dos caminhões, na parte
mais escura eram mal arrumados, fedidos, roubavam. (Diário de Campo,
30/4/2010)
Visibilidade e invisibilidade do trabalho de garotos de programa 173
aspecto viril naquele terreno era o de usar poucas roupas ou agasalhos (mes-
mo em dias muito frios), isso justificado pela atração que teriam os clientes
pelos corpos que mostrassem mais evidentes algumas partes, como o abdô-
men ou mesmo o pênis.
(...) Perguntei se não estava sentindo frio, pois eu estava com três blusas de lã,
jaqueta de couro, duas meias, ele respondeu que não, que estava acostuma-
do, porque os clientes pediam para eles levantarem a camisa para mostrar o
peito, a barriga, também pediam para eles mostrarem o pênis (...). (Diário de
Campo, 9/4/2010)
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O lugar dos homens e das masculinidades
no debate sobre juventude
Jorge Lyra
mas o filho é da mãe e o pai abre a carteira pode ser atestada pelos intentos que
empreendemos para encontrar dados demográficos sobre o pai da criança
brasileira (LYRA, 1997; LYRA; MEDRADO, 2000).
Na pesquisa desenvolvida no mestrado (LYRA, 1997), com o intui-
to inicial de identificar o número de pais adolescentes no Brasil, analisamos
questionários e formulários usados por diferentes instituições que coletam
ou sistematizam informações demográficas, entre as quais: o Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Ministério da Saúde, a Sociedade
Civil Bem-Estar Familiar no Brasil (Bemfam) e, em São Paulo, a Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados – Fundação Seade7 (FUNDAÇÃO
SEADE, 1988, 1990, 1992, 1994, 1995).
Entretanto, se o objetivo inicial da nossa investigação era chegar a
uma estimativa da paternidade na adolescência e sua variação percentual
ao longo dos anos, a dificuldade de localizar dados sobre a paternidade, em
todas as faixas etárias, levou-nos a uma mudança de foco. A ausência de in-
formação tornou-se, assim, nosso objeto de interesse e estudo.
Naquele texto, enfatizamos que o cuidado para com os filhos é uma
atividade relacionada à reprodução da existência humana e, portanto, asso-
ciada culturalmente às mulheres e ao feminino (IZQUIERDO, 1994); seja
no espaço da intimidade, seja no espaço público (BEATTY, 1989), essa as-
sociação entre as mulheres e o cuidado para com a criança foi naturalizada.
Essa naturalização de um modelo social gerou uma série de dis-
cursos e práticas institucionalizadas, dando sustentação a certos modelos,
valores e prescrições que impossibilitam o registro de certas informações,
contribuindo para a manutenção do princípio herdado do direito romano
mater semper certa est, pater nunquam,8 que reforça e legitima a ausência pater-
na (FONSECA, 2005; LYRA; MEDRADO, 2000; PERUCCHI, 2008).
Passados dez anos em relação à pesquisa do mestrado (LYRA,
1997), observamos que a ausência de informações ainda é um dos pro-
7 Essas instituições serão daqui em diante grafadas apenas como Seade, IBGE e Bemfam.
8 A mãe é sempre certa, o pai nunca.
O lugar dos homens e das masculinidades no debate sobre juventude 189
11 Satanização dos homens, ou seja, os homens são o motivo, origem e causa; responsáveis e executores das
desigualdades de gênero, eles são vistos como vitimizadores das mulheres (DIGBY, 1998).
O lugar dos homens e das masculinidades no debate sobre juventude 191
12 Aqui vale assinalar e agradecer a pronta resposta das professoras responsáveis pelos Jubras a Lucia Rabello
de Castro da UFRJ (2004), Neuzinha Guareschi da PUCRS (2006), Sônia Margarida Gomes Sousa da PUC
Goiás (2008) e Maria Ignez Costa Moreira da PUC Minas (2010).
O lugar dos homens e das masculinidades no debate sobre juventude 193
Dois anos depois, em 2006, o Jubra desce para Porto Alegre atra-
vés de uma parceria entre a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul (PUCRS) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
sob o título Ecos na América Latina, é interessante que ao estar localizado na
fronteira, no contexto dos diálogos com o Mercosul, apesar de ter menos
trabalhos inscritos, 108 trabalhos, sem divisão por eixos ou GT, o encontro
dialoga com a América Latina e o material do evento é produzido em portu-
guês e em espanhol, ou seja, Simpósio Internacional sobre a Juventude Bra-
sileira não é internacional apenas pela presença de convidados estrangeiros,
mas em função de ter estabelecido diálogos entre a realidade brasileira e de
países vizinhos.
Em 2008, o simpósio se desloca mais para o centro do país, para a
cidade de Goiânia, sediado na Pontifícia Universidade Católica de Goiás
em parceria com a Universidade Federal de Goiás, e com o título Juventu-
des no mundo contemporâneo: desafios e perspectivas recebe 367 trabalhos que
foram distribuídos em sete eixos de trabalho, são eles: 1) Ações públicas e
intervenções com adolescentes e jovens; 2) Garantia de direito e inclusão
social de adolescentes e jovens; 3) Jovens: sexualidade e gênero; 4) Ju-
ventude, escola e trabalho; 5) Processos de subjetivação de adolescentes
e jovens; 6) Relações internacionais e família; 7) Sociabilidades juvenis,
processos culturais e espaços educativos. É interessante notar que o eixo
“saúde” sai das subtemáticas, mas ganha relevância o debate sobre os espa-
ços públicos de reflexão sobre a adolescência e a juventude, imagino que
influenciada pela proximidade territorial com o governo federal e os ato-
res oriundos dos movimentos sociais de defesa dos direitos das crianças,
dos adolescentes e dos jovens.
Na edição mais recente, em 2010, o simpósio volta para a região Su-
deste, o IV Jubra é realizado em Belo Horizonte, na Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC Minas) com o título Juventudes contemporâ-
neas: um mosaico de possibilidade. Observamos um crescimento do encontro
com a inscrição de 403 trabalhos, que foram organizados em 10 grupos de
198 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
15 Encontramos esse debate sobre o uso das nomeações e argumentos como categoria teórico-metodológica
na tese de Medrado-Dantas (2002) e na dissertação de Vera Menegon (1998).
200 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
nos títulos dos resumos, usamos como estratégia complementar o artigo “o”
para as expressões genéricas. Algumas das expressões que buscamos foram:
homem(ns), jovem(ns), adolescente(s), aluno(s), rapaz, moço, menino,
pai(s), paternidade, sexo, sexualidade, masculino, masculinidades, gênero,
relações de gênero, entre outras.
Assinalamos aqui que nossa proposta não foi empregar uma das
estratégias da metodologia de análise de conteúdo também concebida por
Bardin (1977), a da quantificação das palavras que aparecem nos discursos.
Em nossa abordagem, pelo contrário, seguindo caminhos qualitativos para
a análise das suas trajetórias, entendemos que as nomeações são elementos
importantes para a compreensão de como as pessoas de modo geral e, em
particular, os textos produzidos para os resumos orientam práticas cotidia-
nas e estabelecem prioridades de temas e de construção de conhecimento.
A compreensão dos significados da nomeação não pode se dar de
modo isolado, observando apenas a palavra, mas no âmbito de um contexto,
no qual a palavra foi usada. De qualquer maneira, chamam a atenção algu-
mas presenças e algumas ausências de nomeações. Isso não significa que os
pesquisadores/as em seus trabalhos inscritos deixaram de falar sobre esses
temas, mas apenas que não os nomearam.
A partir da análise das nomeações, é bastante cara a polissemia de
sentidos que o debate assume a partir da análise dos títulos dos resumos. Po-
rém, verifica-se que essa multiplicidade de sentidos não convive de maneira
tranquila, harmônica; pelo contrário, é um campo marcado por tensões e
disputas semânticas.
Apresentamos, a seguir, alguns exemplos dos resultados da análise
dos dados que se referem às nomeações, aos termos e às expressões utiliza-
dos nos título dos resumos para se referir aos homens e ao masculino.
Quando buscamos os termos “homem”, “masculino”, “masculinida-
de”, “rapaz”, “moço”, “menino” não encontramos nenhum registro. Resolve-
mos então fazer uma nova busca a partir de possíveis temas nos quais os
homens e as masculinidades poderiam ser incluídos, por exemplo, “sexo”,
O lugar dos homens e das masculinidades no debate sobre juventude 201
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Enigmas do medo – juventude,
afetos e violência
Glória Diógenes
Morreu com treze balas, quando uma só bastava (...). Esta é a lei. Mas há al-
guma coisa que, se me fez ouvir o primeiro tiro com um alívio de segurança,
no terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me
cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de
horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo-primeiro
digo em espanto o nome de Deus, no décimo-segundo chamo meu irmão. O
décimo-terceiro tiro me assassina – porque eu sou o outro. Porque eu quero
ser o outro. (LISPECTOR, 1978)
1 Fato destacado desse fenômeno é o surgimento dos programas policiais e dos jornais com forte apelo para
questões relativas ao crime e enfrentamentos entre polícia, “bandidos” e traficantes. Os meios de comuni-
cação mais destacados, no Brasil, nesse quesito são: os jornais populares como O Dia e O Povo do Rio, no
Rio de Janeiro, Na Polícia e nas Ruas, do Distrito Federal e Agora e Jornal da Tarde em São Paulo, além dos
extintos Luta Democrática e Notícias Populares. Na televisão, destacam-se os programas A Hora da Verdade
(TV Jornal) Cidade Alerta (Rede Record), Brasil Urgente (TV Bandeirantes), Repórter Cidadão (RedeTV!),
Linha Direta (TV Globo) e Cadeia (CNT). Para entender melhor o tema: Jornalismo policial na televisão:
gênero e modo de endereçamento dos programas Cidade Alerta, Brasil Urgente e Linha Direta. In: http://
www.poscom.ufba.br/arquivos/Poscom-Producao_Cientifica-annilo_Duarte_Oliveira.pdf
Enigmas do medo – juventude, afetos e violência 211
Pode-se afirmar que até a década de 1970, antes do ápice dos pro-
cessos de metropolização, da intensificação da migração campo-cidade, da
integração dos mercados e a ampliação de novas tecnologias da comunica-
ção, a violência assumia no Brasil traços e dinâmicas diferenciadas. Tratava-
se de uma geografia que até então inspirava o planejamento urbano das ci-
dades e ativava seus fluxos. Tentativas de zoneamento pretendiam definir
usos e ocupações do espaço e acabavam produzindo cidades partidas e desi-
guais, compondo o mesmo cenário. A segregação espacial, a separação entre
o lugar dos ricos e os espaços reservados para o confinamento da pobreza,
subsistiu por décadas no Brasil. Em quase todas as grandes metrópoles bra-
sileiras, podia-se identificar facilmente os limites dessas fronteiras.
É por tal razão que os estudos sociológicos que marcaram a década
de 1970 no Brasil tinham como tônica as temáticas voltadas para os pro-
cessos de “favelização”, “marginalidade urbana”, “crescimento desordenado”,
dentre outros. As favelas representavam ampliados enclaves urbanos, com
dinâmicas e modos de sociabilidade bem delimitados. Quem nunca atraves-
sasse as linhas imaginárias entre pobreza e riqueza poderia crescer na con-
vivência com seus pares sem ser nunca sobressaltado pelo encontro com
o outro. Georges Duby (1998) escreveu um livro instigante denominado
Ano 1000 ano 2000 – na pista dos nossos medos. Ele assinala cinco: o medo
da miséria, o medo do outro, o medo das epidemias, o medo da violência, o
medo do além. O medo do outro facilitou a construção de um discurso jus-
tificador da lógica da guerra e do enfrentamento da violência que balizaram
e estreitaram o campo de identificações entre política urbana e estratégias de
segurança pública no Brasil.
Perlongher (1993, p. 138) ressalta que o imaginário antropológico
se conduziu através da ideia do “outro” e inspirado no referente “identida-
de contrastiva”: “A aplicação da noção de identidade contrastiva baseia-se
numa circunstância política e histórica: a conquista e a colonização. Os
outros – sobre os quais se vai falar – são os primitivos, ou como diríamos
modernamente, os oprimidos”. Observa-se que os outros transmudam seus
212 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
pistas dos medos, pode-se dizer que o “medo do outro” nos tornou presa
fácil para outro temor avizinhado do primeiro: o da violência. Como bem
expressou Calvino (1991), nas suas Cidades invisíveis, é possível compreen-
der as razões e vocações de uma cidade através das linhas que aproximam e
afastam o contato com os diferentes e as diferenças.
A violência vai sendo utilizada, paradoxalmente, como elemento
acionado para a segurança, como alerta para o risco de não misturar-se, do
armar-se contra a possibilidade latente de aniquilamento e diluição das fron-
teiras ocasionada pelo temor do diferente. A violência torna-se o motivo e o
dínamo da construção do ideário da segurança pública. Movemo-nos atra-
vés do medo. Como bem afirma Khoury (2004, p. 5), “o medo do outro pa-
rece enclausurar o sujeito, sobretudo de classe média, que tem dificuldades
de relacionamento e sentimento de solidão amplificado”. Chegamos assim
no ponto inquietante dessa costura entre cidade e medo: qual o lugar da ju-
ventude nessa encenação alardeada da violência?
de, nem que seja pelo confronto ou pela via da depredação, pichação, pelas
tretas3 incessantes com a polícia.
Eles precisam andar, movimentar-se para exibir signos de estilos e
filiações juvenis muitas vezes sombreados no mundo invisível das periferias.
A dimensão tradicional de cidade, baseada na geografia física, tem como
referente o caráter de materialidade, de lugar fixo e concreto assumido por
suas paisagens. De outro modo, as cidades modernas têm como estatuto de
existência o conjunto de imagens que são capazes de acionar através de sig-
nos que circulam e produzem linguagem.
3 Gíria usada pelas gangues e galeras em Fortaleza para definir brigas, confrontos que acontecem no cenário
das ruas.
Enigmas do medo – juventude, afetos e violência 217
4 Juarez Dayrell, no seu livro sobre o rap e o funk na socialização da juventude, destaca que “as trajetórias
desses jovens mostram que, nos limites dos recursos a que têm acesso, eles vivenciam processos riquíssimos
de socialização” (2005, p. 179).
Enigmas do medo – juventude, afetos e violência 219
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Casamento forçado e violência.
O contexto francês
Edwige Rude-Antoine1
abalo emocional que ela provoca. Digamos de imediato que é difícil con-
ceber a falta de liberdade do consentimento dos esposos que resultaria de
pressões físicas no momento da cerimônia do casamento. Como a expres-
são da vontade deve ser verbal, não é possível a uma pessoa exprimir sob o
efeito de uma coação direta uma vontade que não seja a sua. No casamento
civil, no momento de consentir e de pronunciar o “sim”, a ausência de von-
tade só pode resultar, portanto, de uma coação moral: o indivíduo dá seu
consentimento para evitar um mal maior. A pessoa escolhe o mal menor. A
violência, se não é aplicada usualmente, também não é rara. As decisões ju-
diciais revelam violências físicas anteriores, deixando subsistir no momento
da celebração uma coação moral.3 Os tribunais puderam acolher demandas
de anulação de casamento com base em argumentos diversos: o consenti-
mento fora obtido a pauladas,4 por imposição hierárquica e paterna.5
Assim, esses casos evidenciam a pluralidade de experiências de co-
ação moral no momento da celebração do casamento e documentam toda
uma filosofia da prática de casamentos forçados. Os juízes fazem o seguinte
raciocínio: uma coação foi exercida com o objetivo de levar a pessoa a con-
trair casamento? Essa coação era suficientemente caracterizada para viciar
seu consentimento? Existia no momento da celebração? Os juízes pesqui-
sam se essa coação consiste em meios injustos (ameaças verbais, pressões
reconhecidas e insuperáveis). Eles introduzem uma distinção entre coação
física e coação moral. No primeiro caso, trata-se de uma coação física direta,
que eles retêm apoiando-se em considerações materiais. No segundo caso,
a coação pode ser física, mas indireta. Os juízes a reconhecem baseando-
se em considerações psicológicas (a influência, o estado mental interno dos
esposos, o efeito à distância e no tempo). A análise das decisões mostra que
vários critérios são considerados pelos juízes para identificar uma coação no
momento do casamento.
3 Ver Cass. Civ., 4 de novembro de 1822, S., 1823, 1, 219; CA Alger, 14 de junho de 1890, DP., 1891, 2, 153.
4 T. C. Tarbes, 28 de agosto de 1822, D., 1891. 2. 153; S., 1893. 2. 4.
5 .C. Montpellier, 16 de julho de 1946, G. P., 1946. 2. 183.
Casamento forçado e violência. O contexto francês 233
6 Civ. 1re, 17 de março de 1959, D., 1959, 540; Bull. civ. I, nº 162; RTD civ. 1960. 86, Obs. H. Desbois. Cassant
Bastia 25 de março de 1957. Ver também CA Paris, 20 de março de 1872, DP., 1872, 2, 109: Antigamente, era
quase sempre os pais da jovem grávida ou simplesmente apaixonada que intimidavam o sedutor volúvel para
incitá-lo ao casamento. Civ. 1re, 17 de dezembro de 1968, D., 1969, 410; RTD civ., 1970, 154, Obs. Nerson;
Bull. civ. I, nº 325, agora Bastia, 13 de dezembro de 1966 (nessa última espécie, as ameaças foram julgadas
insuficientes para constituir um vício do consentimento).
7 CA Colmar 28 de abril de 2005, Dr. Fam. 1006, nº 1, obs. V. Larribau-Terneyre.
234 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
esteja presente. Basta que exista, para o futuro esposo, o temor de um mal
cuja realização estaria, a seus olhos, relativamente próxima. Também não se
exige que o mal seja considerável, que ele tenha uma gravidade objetiva em
relação a uma pessoa particularmente corajosa. Basta que ele seja de nature-
za a alterar a vontade daquele que o sofre. A gravidade do mal se reduz a uma
apreciação pelo juiz da determinação do consentimento.13
Nesta etapa da análise, é importante sublinhar que o exercício da au-
tonomia nunca é abstrato, mas se insere sempre no interior de um contexto
específico. Segundo as famílias, pode-se observar significações diferentes do
que seria o parceiro ideal e da forma que uma relação deve tomar. As ex-
pectativas que os futuros esposos depositam em seu casamento explicam a
emergência de dificuldades que essas pessoas encontram enquanto sujeitos
quando seus ideais se chocam com a maneira pela qual os pais percebem a
união. Pode-se desde já sugerir que esses casamentos provocam para aque-
les que os sofrem um sentimento de vergonha, um sentimento de humilha-
ção e uma afronta à subjetivação. Pergunta-se se esses casamentos forçados
podem ser fundadores para o sujeito.
ma forma que podem infligir essas violências a seus pais ou sua comunidade.
Quais argumentos (RUDE-ANTOINE, 2005, p. 31) as famílias usam para
perenizar esses casamentos? São eles justificados por princípios sólidos?
O argumento mais recorrente é a proteção da família, que repousa
numa cultura patriarcal e que implica o respeito pela palavra do pai, a impor-
tância de manter a honra da família e a preocupação em preservar a virgindade
da jovem. Mas outros argumentos ligados à sua migração são também usados
pelos pais: seu desejo de reafirmar a identidade de origem, que se cristaliza
mais particularmente na educação de suas filhas, sua vontade de evitar que as
crianças percam suas tradições e seus códigos culturais e se tornem muito “eu-
ropeizadas”; a importância dada ao fato de pagar sua dívida, isto é, de retribuir
os serviços econômicos recebidos. Quando uma família emigra para a França,
a família no país pode, com efeito, oferecer sua ajuda visando a assegurar os in-
teresses econômicos e/ou guardar os bens adquiridos na imigração para a fa-
mília. Essas razões econômicas explicam, aliás, a preferência dada ao casamento
endogâmico entre primos para permitir a transmissão dos bens da família. Um
terceiro argumento, não menos importante, é a preocupação com a proteção
social: as famílias pensam que serão mais bem protegidas e cuidadas, quando
atingirem a terceira idade, por um esposo escolhido no quadro familiar. Um
outro argumento normativo é a crise do casamento e da sexualidade vivida
por certas comunidades e a dificuldade de ir conquistar o outro sexo. É patente
que, para muitos pais, escolher um parceiro num outro grupo religioso pode
representar uma iniciativa oposta à tradição. Os pais argumentam que esses ca-
samentos correm o risco de gerar dificuldades para as crianças. Entretanto, essa
norma de endogamia religiosa perde sua importância quando o casamento
permite adquirir um status social mais elevado. A norma de endogamia social
prevalece então sobre a norma de endogamia religiosa. O casamento é assim
percebido pelos pais como podendo contribuir para o poder, o crescimento e
a perpetuação do grupo, pois as crianças a nascer pertencerão a ele. Em outras
palavras, os pais avaliam que os casados ganharão direitos e terão um status pri-
vilegiado segundo sua cultura.
238 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
forçado pôde ter um efeito decisivo. Ele pode igualmente permitir a uma
pessoa desembaraçar-se da alienação familiar e assim emergir enquanto su-
jeito. O casamento forçado pode também representar, durante certo tempo,
a possibilidade de uma ruptura, a derrubada de um estigma, a possibilidade
da libertação; ele pode definir um momento que se revele necessário à sub-
jetivação. Se o casamento forçado não tem efeito fundador para o sujeito é
porque ele não autoriza o indivíduo a assegurar uma correspondência entre
sentido e ação.
O casamento forçado surge longe da fórmula matrimonial moder-
na, em que a relação íntima entre os casados é o fundamento do acordo con-
jugal, sobre o qual toda influência do exterior é heteronômica. O casamento
forçado é percebido como algo que atenta contra os interesses das pessoas
que o vivenciam. Qual é o papel do Estado, sabendo que, numa sociedade
liberal, ele deve guardar uma neutralidade em relação às diferentes concep-
ções do bem, assegurando a liberdade matrimonial, que é uma liberdade
fundamental, e protegendo os indivíduos contra toda espécie de entrave
que venha limitá-la?
acrescentar que o Estado deve permanecer neutro diante dos ideais da vida
boa, entre os ideais individualistas e os tradicionalistas, e que ele não tem de
privilegiar um em detrimento do outro. Podemos também considerar o ca-
ráter reversível do casamento forçado, já que a pessoa casada a contragosto
tem sempre a possibilidade de requerer a anulação de seu casamento ou o
divórcio, portanto a possibilidade de sair dessa união.
Mas não é essa via que seguirei, pois muitos outros argumentos vêm
reforçar a ideia da necessidade de uma infração específica. Com base no pen-
samento kantiano, podemos dizer que aqueles que forçam uma pessoa a se
casar não a tomam como um fim, mas como um meio. Os pais, fazendo um
acordo com outra família, instrumentalizam seu filho(a). A pessoa casada a
contragosto é um meio para os pais realizarem seus próprios objetivos, e não
os de seu filho(a). Da mesma forma, se nos apoiarmos no princípio do não
prejuízo formulado por John Stuart Mill, que “quer que os homens só sejam
autorizados, individualmente ou coletivamente, a inibir a liberdade de ação
de quem quer que seja quando para impedi-lo de prejudicar a outros” (1990,
p. 74), pode parecer perfeitamente legítimo, dado que o casamento forçado
prejudica os esposos, que o Estado intervenha para prevenir esses atos e ulte-
riormente impor sanções aos que os cometeram ou foram cúmplices deles.
Os esposos não são livres, porque seus pais lhes impuseram o casamento.
Os esposos não têm livre-arbítrio, seja porque não têm suficiente maturi-
dade por causa de sua idade no caso de casamento de criança, seja porque
estão sob o efeito de um temor reverencial. Os esposos não são livres por-
que vivem num quadro social em que a escravização é total. Podemos ainda
sustentar que o casamento forçado é uma afronta ao direito fundamental do
respeito à vida privada e familiar. A escolha do parceiro, a escolha de se casar
são ações fundamentalmente privadas. A liberdade do casamento deve ter
prioridade quando ela entra em conflito com outros valores, uma prioridade
fundada na importância de decidir a escolha de seu cônjuge, o momento de
seu casamento e sua sexualidade. Podemos entretanto nos interrogar sobre
a questão da autonomia no caso particular do casamento arranjado, em que
Casamento forçado e violência. O contexto francês 249
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Adolescentes, jovens, direito e família
Questionando saberes sobre proteção
a direitos sexuais e reprodutivos1
Mary Garcia Castro
Ingrid Radel Ribeiro
1 Adaptado de versão apresentada no IV Jubra – Simpósio Internacional de Juventude, PUC Minas, Belo
Horizonte, 16 a 18 de junho de 2010.
252 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
4 Aprovada por unanimidade nos dois turnos a PEC da Juventude tramita no Congresso desde 2003. A
luta pela sua aprovação, no entanto, ganhou força com a realização da 1ª Conferência Nacional de Juventude,
encerrada em abril de 2008. O encontro envolveu 400 mil jovens em todos os estados do país e elegeu a PEC
da Juventude como símbolo da luta pela ampliação das políticas públicas de juventude. Nos últimos dias a
campanha pela aprovação da PEC da Juventude foi intensificada e conquistou o apoio de parlamentares e
artistas. Utilizando o site de microblog Twitter para eliminar as dificuldades da mobilização presencial, o Con-
selho Nacional de Juventude (Conjuve), e outras entidades do movimento juvenil convidaram jovens de todo
o país a falar com seus representantes no Senado e exigir a aprovação da proposta”, Catherine Fátima Alves
“Vitória da Juventude”. Disponível em: <www.juventude.gov.br>, última modificação 8/7/2010, 17h51min.
260 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
o que fica patente por alguns depoimentos é a importância dos jovens não
dependerem economicamente de seus pais e não serem tutelados por esses
no plano da sexualidade, o que para muitos vai contra seu direito humano à
privacidade.
Anexo
Tabela 1
Distribuição da população jovem (15 a 29 anos) segundo indicação
se os jovens hoje estão melhor ou pior comparados com seus pais,
segundo algumas dimensões, Brasil - 2004.
Possibilidade de estudar:
Melhor 37.779.681 79,0 %
Pior 8.891.802 18,6 %
Possibilidade de trabalhar:
Melhor 19.445.952 40,7 %
Pior 26.422.643 55,2 %
Possibilidade de diversão:
Melhor 33.221.434 69,5 %
Pior 12.824.034 26,8 %
Condições quanto a segurança:
Melhor 12.001.334 25,1 %
Pior 33.953.186 71,1 %
Quanto à participação na vida política:
Melhor 26.383.131 55,2 %
Pior 17.210.664 36,0 %
Quanto à liberdade sexual:
Melhor 34.429.447 72,0 %
Pior 11.539.385 24,1 %
Fonte: Tabela elaborada a partir de dados da Pesquisa “Juventude, juventudes: o que une e o que separa”. Unes-
co/Ibope (coordenação Miriam Abramovay e Mary Castro, 2006)
Adolescentes, jovens, direito e família. Questionando saberes sobre proteção a direitos sexuais... 271
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Discussões de gênero e sexualidade
no meio escolar e o lugar da jovem mulher
no ensino médio
Wivian Weller
Iraci Pereira da Silva
Nivaldo Moreira Carvalho
A escola tem uma tarefa bastante importante e difícil. Ela precisa se equilibrar
sobre um fio muito tênue: de um lado, incentivar a sexualidade “normal” e, de
outro, simultaneamente contê-la. (LOURO, 2001, p. 26)
6 Utilizamos um sistema de transcrição – denominado TiQ Talk in Qualitative Research que busca desta-
car a entonação do discurso assim como pausas e outros elementos da fala. O modelo foi desenvolvido e
utilizado em pesquisas coordenadas por Ralf Bohnsack da Universidade Livre de Berlim, guardando algumas
semelhanças com sistemas de transcrição adotados na Análise da Conversação (cf. WELLER, 2006). O leitor
deverá observar que a pontuação nas citações de entrevistas não segue as normas gramaticais, mas a entona-
ção da voz. Somente as falas que iniciam após a conclusão de uma pergunta ou comentário dos interlocutores
iniciam com letra maiúscula. Os códigos de transcrição utilizados encontram-se no final deste artigo.
7 Este grupo de discussão (GD) foi realizado em maio de 2006 e contou com a participação de três pro-
fessores/as: Am (masculino), 43 anos e professor de matemática há 12 anos, Bf (feminino), 34 anos e profes-
sora de educação artística há 9 anos, Cf (feminino), 37 anos e professora de história há 12 anos. Optamos
por não indicar o local/cidade em que foi realizado o GD para garantir o anonimato dos/as professores/as
que participaram da experiência piloto do curso Gênero e Diversidade na Escola. Para informações sobre o
trabalho de campo, ver: Grösz (2008, p. 37-47).
278 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
você tem que se comportar como uma moça você né [...] uma moça bonita
e tal e (ficam com aqueles tipos de comportamento) então as falas da gente
muita ve – muitas vezes também a gente (...) a gente existe um tratamento
diferente quando você vai falar com meninos você fala de um jeito e quando
vai se falar com as meninas sempre tá colocando
Y: Hum
Cf: o exemplo ó meninas tem que ser comportadas (menina é isso) sem-
pre na escola tem isso
Am: Até o jeito de sentar às vezes você fala: Ó isso é jeito de sentar me-
nina?
?f: É na roupa que (é cobrado)
Am: O menino senta lá escancarado a menina não pode sentar com as
perna aberta por que
Y: Hum
Am: tudo bem se ela tiver saia tudo mais mas e se ela tiver de calça com-
prida
Y: Hum
Am: aí: pô isso é jeito de sentar? A mãe faz isso com a filha: isso é modo
de sentar menina?
Y: Hum
Am: quer dizer que ela não pode sentar à vontade
?f: Porque porque a sociedade cobra isso
Am: Exatamente
?f: Isso é
Am: Porque se se a menina sentar tudo largadona é machona
?: (.)
Am: Ééé isso aí é machão isso aí eu tô fora...
8 Veja também análises relativas a esse fragmento realizadas por Grösz (2008, p. 68-70).
9 Esse grupo de discussão (GD) foi realizado em março de 2009 e contou com a participação de cinco
jovens: Af 17 anos, Bf 17 anos, Cf 16 anos, Df 17 anos e Ef 16 anos. Para informações sobre o grupo, ver: Silva
(2010, p. 90-92).
280 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
Ef: É que nem dizem se você quer respeito você tem que se dá o respeito
Y: Se ela colocar uma roupa que ela gosta ela não dá o respeito?
Ef: Olha o ambiente que ela tá
Df: Na escola (...) na escola é uniforme, é calça jeans. Sendo que você vem
pra escola com uma roupinha curtinha toda insinuante você não vai querer
que os meninos mexam com você?
Ef: Ainda acha ruim Como é que não vão mexer com você se tá trajada como
todo homem gosta, né? Com uma blusinha curtinha aquela menina que vem
bem bronzeada com aquelas marquinha short apertado com a calcinha, nos-
sa não sei nem onde é que vai
ordem existente e assim como os espaços até então ocupados somente por
jovens do sexo masculino, como observado a seguir (Grupo Esperança, 3º
ano Agropecuária, Guanambi-BA):10
Bf: Agora uma coisa também que a escola pode melhorar se:: os administra-
dores quiserem sei lá eu num sei eu acho se já tem na questão de de (2)
internato feminino é isso gente porque duas casinha pra porque o número de
meninas tá aumentando todo mundo tá percebendo que cabou aquele ne-
gócio de antes que homem só era maioria; ainda é maioria mais o número de
mulher o número de meninas tá crescendo bastante aqui tá vindo pra cá en-
tão acho que nós as meninas as meninas [...] elas merecem eh também mais
oportunidade de morar na escola [...] então tem que aumentar o número de
vagas no internato tem que fazer outras outros prédios outras eh ampliar o
internato feminino pra dá mais oportunidade pras outras meninas
Cf: Outra coisa porque que os meninos podem estudar aqui à noite e a gente
não pode? É com medo de algum casal se encontrar aumento o número de
segurança aqui na escola
Ef: (2)
Ff: Ou então faz um local lá pra gente estudar lá; pronto (1) a gente não pre-
cisa vim pra cá muitas vezes a gente já pediu as salas da=da=da agroindústria
pra gente estudar lá a gente pegava autorização estudava e depois devolvia a
chave; em vez disso porque que não deixam uma sala específica pra gente
estudar lá uma menina responsável pela sala ou coisa do tipo eu acho que
tinha como implantar sim tem o local pra implantar e sinceramente a escola
precisa pensar nisso
11 Dificuldades semelhantes também foram observadas pela equipe do Geraju, que durante o ano de 2009
ministrou o curso Gênero e Diversidade na Escola para professores/as do Distrito Federal. Para detalhes so-
bre o curso e equipe, ver: <www.fe.unb.br/geraju>.
284 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
12 Nos grupos de discussão realizados com jovens do sexo masculino esse tema também foi abordado (cf.
CARVALHO, 2010, p. 96).
13 Gostaríamos de agradecer aos comentários de Silvia Yannoulas que durante a defesa da dissertação de
Carvalho (2010) chamou a atenção para esse aspecto.
Discussões de gênero e sexualidade no meio escolar e o lugar da jovem mulher no ensino médio 285
Df: Eu era disciplinada pra fazer jiu-jítsu (.) eu era a única menina que fazia
jiu-jítsu lá na academia
Bf: Sempre as pessoas têm discriminação porque (2) que nem na família eu
sou a caçula sou aquele visorzinho aquela porcelana que não pode quebrar Aí
vou invento de fazer esse curso técnico lá de técnico de segurança no trabalho
e meu pai ele trabalha em uma empresa que mexe com obra essas coisas. Meu
pai disse eu nunca que eu vou sustentar uma mulher técnica de segurança e que
não sei o quê (.) Então discriminação vem de casa também desde pequeno já
Gênero ainda é uma categoria que não está presente no cotidiano da esco-
la. Por mais que nas reflexões dos/as professores/as seja possível identificar
que eles e elas percebem a desigualdade de gênero instalada no cotidiano da
mesma. Sobretudo, percebem a desigualdade de gênero nas atitudes dos/
as alunos/as. No entanto, as práticas dos profissionais da educação não de-
monstram nenhuma ação sistemática, planejada e refletida para o enfrenta-
mento das desigualdades. Essas desigualdades, sobretudo as de gênero, não
se constituem em um “problema” para a escola, algo que deva ser “resolvido”
imediatamente. Ela parece estar tão naturalizada, assimilada e internalizada
nos/as professores/as, no cotidiano da escola, na organização e normas esta-
belecidas, que mesmo sendo percebida em alguma faceta, ela não está “inco-
modando” o status quo da escola. (2008, p. 138)14
Y: Hum
Am: Mas com ((trecho inaudível)) você não vê falar dificilmente a não ser
que seja um trabalho voltado um projeto voltado só pra isso
Y: Hum
Am: Aí discute-se uma palestra e tal. Fora isso (dificilmente você vê) no dia
da consciência negra você vê realmente os os representantes vão a escolas
dão palestra e tal você não vê eh a classe. Na verdade você não vê os os (ho-
mossexuais) fazendo uma palestra sobre os direitos deles os deveres
[...]
Am: Então na verdade eles também se escondem. E a escola não abre pra
esse tipo de coisa. Não que eu ache acho que a escola deveria no papel dela
de deixar a pessoa demonstrar o seu lado.
Y: Hum
Am: Que realmente é opção dele. Mas eu não vejo sinceramente
(Bf): (A gente vê) alguns casos isolados
Am: Bem isolados mesmo
(Bf): De um professor com um projeto e tal
Am: Exatamente
(Bf): (Agora) na escola em si eu nunca vi
CF: Também trabalhando sobre essa questão de de diferenças de papeis en-
tre homem e mulher eu nunca vi isso aí ser trabalhado né eu já fui em tantas
feiras de ciências em tantas escolas diferentes eu nunca nem nem em projeto
de feira de conhecimento
Y: Hum
Cf: Eu nunca nunca vi (trabalhado)
casa quem manda é minha mãe. Então (2) somos separados (.) eu moro com
a minha avó (2) eles são separados mais fazem lá em casa eles fazem cara de
apaixonados Minha mãe tipo (2) meu pai nunca levantou a mão pra ela.
Af: A minha mãe espancou meu pai (.) lá em casa é tudo o contrário minha
mãe é chefe da casa meu pai ela ta falando ele abaixa a cabeça.
Ainda que não tenham conhecimento sobre o tema, uma das jovens
busca marcar de imediato uma posição contrária – “não curto muito não” –,
demonstrando o intuito de bloquear a discussão sobre o assunto. Em segui-
da inicia-se uma discussão que remete à ideia de que qualquer simpatia pelo
movimento pode ser interpretada como uma ultrapassagem de limites, e, na
fala de uma das jovens, “cada um tem que ter seu limite”. No entanto, as jo-
vens não questionam como são colocados esses limites e quem – por assim
dizer – os colocou. Na perspectiva do grupo, existem limites instituídos a
priori para homens e mulheres. Nesse sentido, não podem ser questionados
nem contestados como tenta fazer o movimento feminista. A interpretação
do movimento feminista realizada pelas jovens se reduz a definição de “mu-
lher quer[er] ser praticamente ser o homem” e de mulheres que querem ficar
“mandando na outra”. Em outras palavras: se reduz a uma proposta que elas
rejeitam, na medida em que já internalizaram um modelo que estabelece li-
mites fixos e que está em conformidade com a ordem dominante na qual se
sentem contempladas. No entanto, as jovens não percebem a contradição
existente no próprio discurso, uma vez que elas atestam que suas mães ultra-
passaram os limites instituídos e inverteram os papéis, passando a “espancar”
e fazendo com que os maridos “abaixem a cabeça” enquanto estão falando.
No exemplo a seguir, oriundo de um grupo de discussão realizado com
jovens do primeiro ano do ensino médio que estudam em uma outra escola no
período noturno, também é possível perceber a ausência de informações sobre o
tema, mas, ao mesmo tempo, uma abertura e interesse em querer conhecer me-
lhor o assunto (Grupo Feminino, 1º ano EM noturno, Planaltina-DF):15
15 Este grupo de discussão (GD) foi realizado em junho de 2006 e contou com a participação de cinco
jovens: Af 15 anos, Bf 15 anos, Cf 15 anos, Df 15 anos e Ef 16 anos. Para mais informações sobre o grupo, ver:
Silva (2006, p. 26-34).
290 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
16 Este grupo de discussão (GD) foi realizado em maio de 2006 e contou com a participação de seis jovens:
Af 29 anos, Bf 16 anos, Cf 21 anos, Df 17 anos, Ef 17 anos e Ff 20 anos. Para mais informações sobre o grupo,
ver: Silva (2006, p. 26-34).
292 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
Cf: Até mesmo hoje em dia tem o direito de qualquer uma de nós aqui um
dia estar na Presidência da República esse é de direito nosso isso foi conquis-
tado não no século XXI e assim há muito tempo atrás.
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to, por meio da pergunta “Os jovens podem falar?”, faço alusão às oposições
fala/silenciamento, igualdade/opressão, política/servidão, fundamentais
para poder compreender as vicissitudes e as contradições desse processo di-
fícil e penoso de emancipação, quando se luta para transformar as condições
de opressão.
Parto, então, da premissa de que os jovens têm sido objeto do dis-
curso do outro – seja o da autoridade conferida à geração mais velha, seja
o dos saberes disciplinares – e que, portanto, silenciados e enredados nas
estruturas de dominação as quais eles mesmos desconhecem, continuam
a se subjetivar como tutelados, invisíveis e “não falantes”. No entanto, al-
gumas mudanças recentes produziram uma situação de muito maior vi-
sibilidade para a juventude, inclusive por meio da demanda para que a ju-
ventude “fale”, como aquela que aparece, por exemplo, no slogan “Levante
suas bandeiras!!”. Então se verifica, aqui e ali, uma resposta da juventude
que busca se tornar um pouco mais visível na vida social. Nessa suposta
passagem a uma posicionalidade de fala e ação, me interessa questionar,
voltando à minha pergunta-título: “Os jovens podem efetivamente falar?”.
Como analisar essas falas que aparecem diante da demanda de um outro
para que os jovens falem?
Minha reflexão se propõe a analisar que discursos juvenis são esses
que têm aparecido no cenário atual e se eles concorrem para o devir político
dos jovens, ou seja, se essas falas denunciam situações de opressão e injusti-
ça, sofridas pelos próprios jovens, mas que, ao mesmo tempo, nos fazem ver
e querer ampliar os sentidos da igualdade e da justiça entre nós. Neste sen-
tido, as falas juvenis promoveriam, desse ponto singular em que os jovens
estão, deslocamentos contra-hegemônicos, pelo fato de articularem novas
linguagens para a verificação da igualdade e da justiça. Em outras palavras,
os jovens falam (enquanto sujeitos políticos) na condição de, a partir de seu
lugar singular na sociedade, poderem dizer/falar de alguma injustiça que,
mesmo sofrida mais por eles do que pelos outros, nos concerne a todos, ain-
da que nem todos a experienciem em igual intensidade.
Os jovens podem falar? Sobre as possibilidades políticas de ser jovem hoje 301
Para dar uma ideia geral do meu argumento, vou rastrear modos e
posições de fala dos jovens produzidos ao longo do século XX, sem que,
contudo, queira atribuir uma cronologia a essas posições. E, como veremos
no final, essas posições não são etapas que se vencem e que são deixadas para
trás, mas estruturas que se superpõem e se alternam. Pretendo, então, examinar a
situação bastante complexa em que a posição de silenciamento dos jovens,
que, necessariamente, implica se ver falado e traduzido por um outro, vem
se alterando a partir de uma nova conjuntura sob a qual as falas dos jovens
e as falas em nome dos jovens se embaralham, dificultando que os próprios
jovens possam desvendar o enigma da opressão que os atinge.
Gostaria, antes de tudo, de esclarecer o uso do termo “fala” no con-
texto deste trabalho, que significa a articulação pública de um discurso por
parte de um sujeito coletivo, diferentemente de usar “fala” como um dizer no
espaço privado. Esta “fala” no espaço público implica constituir-se enquanto
um sujeito que pode dizer, que tem o que dizer e tem a quem dizer. Portanto, a
“fala” na qualidade de ação política constitui o sujeito político neste mesmo
ato. Mesmo que os jovens tenham podido falar, como sujeitos humanos do-
tados da capacidade de comunicação, não quer dizer que tenham podido
constituir-se como sujeitos políticos, ou seja, sujeitos capazes de uma fala
pública potente para influir no curso e no destino da vida coletiva. É isto que
me proponho a examinar aqui com vocês.
nham podido romper esse silêncio. Ianni (1968) nota, a esse respeito, que
a radicalidade daqueles jovens que contestam o sistema vigente quando se
dão conta de suas contradições nem sempre os conduz a uma apreensão
totalizadora da situação de opressão produzida pelo capitalismo. Por mais
que a imaturidade, segundo esse mesmo autor, possa favorecer a condição
subjetiva de arroubos e inconformismos, estes nem sempre vão servir para
denunciar as contradições do sistema, porque, frequentemente, os jovens
têm que se subordinar às pautas e normas vigentes e adequar suas expectati-
vas às do seu papel social de adulto e às recompensas que isso lhe trará. Mas
será que é a partir da radicalidade, tal como compreendida por Ianni, que a
posição de silenciamento pode ser rompida? Afinal, a radicalidade do jovem
constitui um recurso efêmero, pois, como coloca o autor, logo o jovem de-
sejará se inserir na ordem social como adulto, abdicando de sua posição de
contestação.
Se o inconformismo e a radicalidade puderam ser pensadas como dis-
positivos, mesmo que temporários e insuficientes para uma ação política efê-
mera, quais são as possibilidades de rompimento do silêncio nos nossos dias?
II
acreditemos que ele, o gozo, estará sempre ali, ao nosso alcance, onde quer que
estejamos, ou seja, que nos tornemos seus “eternos consumidores”. A diversão
consiste então em “estar de acordo”, como diz Adorno, e o sentido de tal afir-
mação aponta para a necessidade de se desacostumar da própria subjetividade,
isto é, de abdicar do próprio pensamento enquanto possibilidade de negação e
de resistência. Nesse contexto, transforma-se por completo a sintaxe subjetiva
de como se vive e como se busca a felicidade hoje.
O que significa ser feliz? A resposta de um jovem a essa pergunta
pode nos ajudar: “ter tudo o que não tenho, e não ter o que pensar, não ter
obrigações a fazer (…)”. A esse jovem Adorno retrucaria que, ao acreditar
que seu prazer e felicidade possam estar encerrados nas coisas mesmas que
ele não tem, ele se tornaria o fiel consumidor de gozos que ele é incessante-
mente instado a acreditar como sua felicidade. Uma felicidade que se resu-
me a não ter o que pensar, não ter o que fazer, e que, dessa forma, o dispensa
de resistir, de pensar, de se não conformar. Por outro lado, essa estrutura sen-
timental – tal como expressa nas palavras do jovem – parece extremamente
distante da maneira como a felicidade foi há não muito tempo experimenta-
da na sua dimensão de “promessa rompida” e, por que não dizer, de renúncia.
Nesses termos, a felicidade é possível aqui e agora, mas só como o entrever
do que não existe ainda, no ter esperança a respeito de uma realidade que
ainda e talvez jamais se possa alcançar.
Assim, na dominante cultural do capitalismo de consumo se efetuam
transformações radicais em relação ao que somos convocados a crer e a viver
– a própria noção de felicidade, por exemplo, se transforma. Nosso consumo
atual de felicidade – como diversão e reconciliação – é feito sob a forma textu-
alizada das imagens produzidas industrialmente pelas novas tecnologias que,
como mostrou Debord (1967) nos idos anos 1960, têm a pretensão de abar-
car e dar o sentido à vida social. Dessa forma, diz Debord, o “espetáculo é o mo-
mento em que a mercadoria ocupa a vida social” e nos devolve uma imagem
reificada de nós mesmos, uma vez que nossas referências simbólicas do que
somos e do que queremos ser estão cada dia mais sujeitas a serem esculpidas
Os jovens podem falar? Sobre as possibilidades políticas de ser jovem hoje 309
não por nós mesmos ou por nossas ações no cotidiano, pelos conflitos e pelas
lutas que travamos, mas pela autonomização de um sistema financeiro avassa-
lador que nos impõe modelos, ideais e modos de ser.
Como dominante cultural, o processo de estetização e espetaculari-
zação impôs a visibilidade como requisito de subjetivação: aparecer para ser
e aquele que aparece logram ser muito mais daquele que não é percebido.
A cultura da imagem traz para o instante da percepção – o vívido presente
imagético – uma chave única com a qual temos que nos haver para desven-
dar os sentidos da realidade em nossa volta. Assim, reduz-se drasticamente a
historicidade possível dos acontecimentos e das relações sociais àquilo que
é presenciado, sentido e vivido no momento.
Queria então trazer essas reflexões para pensar especificamente seus
efeitos de subjetivação na juventude hoje, além de analisar como o cenário
atual contribui ou, pelo contrário, mina, implode, arrefece a luta pela eman-
cipação e que vai contra o silenciamento e a opressão dos jovens.
Os jovens se tornaram alvos preferenciais da cultura de consumo
que, por meio da publicidade, textualiza a juventude nas imagens de potên-
cia, felicidade e bem-estar, num jogo que embaralha fragmentos textuais
com vistas à manutenção da lógica cultural do capitalismo. A imagem hege-
mônica da “juventude” hoje enreda-se na cadeia de significantes em torno
do prazer, do desfrute, da experimentação e da intensidade. Por meio dessa
construção da juventude se formata um estilo de vida que serve e se torna co-
optado pela renovação econômica ilimitada de produtos. Dessa forma, esse ideal
cultural atrelado a um estilo jovem de ser se dissemina como forma cultural
dominante convocando quem quer que seja a se incluir como protagonista.
Não que tal construção textual sobre a juventude exclua outras, mas essa
promove um modo de subjetivação de acordo com a dominante cultural. É
importante observar que outros “textos” sobre a juventude também existem
e dão conta de interesses mais específicos dentro dessa mesma lógica domi-
nante que vão de encontro à manutenção hegemônica da repartição desigual
das riquezas. São textos que retratam a juventude de outro modo, por exem-
310 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
III
ceira idade, e assim por diante. O que significa tal concentração de esforços
para definir especificidades e diferenças que delimitam fronteiras identitá-
rias? Sem dúvida, tal esforço de fazer surgir identidades deságua nas possibi-
lidades de que essas possam valer na cena pública enquanto demandas legí-
timas por parte desses novos atores. Esse esforço se respalda na descoberta
recente de que qualquer nova identidade pode valer em termos de validar
reivindicações por direitos, recursos e/ou reconhecimento.
Nessa linha, vale a pena questionar em que sentido e sob que condi-
ções a diferença pode inaugurar lutas políticas e, no nosso caso, em que con-
dições a diferença de ser jovem, por exemplo, pode ser o mote “para que o
jovem fale”, tal como nos perguntamos de início, “Os jovens podem falar?”
O desvelamento da opressão se dá no processo histórico cujos em-
bates permitem que os sujeitos re-signifiquem sua posição frente a outros
e se re-posicionem, assim como se expanda a consciência coletiva sobre as
formas de opressão, até então naturalizadas e não desveladas. Nesse sentido,
o desvelamento das formas de opressão se constitui sempre como luta polí-
tica empenhada em “verificar o princípio da igualdade entre homens e mu-
lheres”, na expressão de J. Rancière (1996, 1995). O discurso sobre “direitos”
pode fornecer hoje uma condição de subjetivação política para aqueles que,
tendo na prática seus direitos negados, sejam interpelados a se indignar e a
lutar. Chantal Mouffe (1987) chama esse processo de “interpelação contra-
ditória”, justamente porque posições subjetivas contraditórias – ter direitos,
em princípio, e não tê-los, de fato – potencializam antagonismos e lutas polí-
ticas. Assim como o discurso sobre direitos, outros discursos podem exercer
o mesmo efeito, como, por exemplo, o discurso sobre a igualdade, a noção
de democracia e a ideia ou o sentimento de justiça. Mas é o discurso sobre
direitos que se constitui um discurso social hegemônico nos nossos dias.
No entanto, com qual idioma o discurso sobre direitos tem se coloca-
do e tem sido apropriado? Prevalentemente, o discurso sobre os direitos tem
propugnado a diferença como seu idioma default (padrão) – a do jovem, a do
idoso, a do negro etc. Contudo, as lutas que têm como bandeira a diferença
Os jovens podem falar? Sobre as possibilidades políticas de ser jovem hoje 319
bilização de jovens em todo o país. Nesse processo, tomo este aspecto, que
parece anódino e insignificante, mas para mim se traduziu em uma lição.
A temática trazida nesta conferência pelos jovens de todo o país que mais
aglutinou adesões, totalizando cerca de 1.087 propostas, foi a referente à
educação, número que representa o dobro de adesões à segunda proposta,
referente à temática trabalho.
Queria enfatizar, aqui, a importância que a temática educação rece-
beu como “interesse coletivamente acordado” pelos jovens. Esse interesse se
definiu, no texto da própria conferência, como a formação do jovem desde
o ensino fundamental, até o superior. A demanda por educação pública e
de qualidade para todos foi a demanda que se sobressaiu na conferência;
ela é também a que tem sido reiterada em vários outros estudos com jovens
brasileiros realizados por grupos distintos de pesquisadores. Embora a de-
manda por educação não seja a única que os jovens encampem – muitas
pesquisas têm apontado a diversidade de demandas, muitas delas contem-
plando outras especificidades da condição juvenil, gostaria de tecer algumas
considerações sobre o que essa demanda por educação sinaliza.
Em primeiro lugar, a demanda por educação transversaliza reivin-
dicações que não seriam apenas dos jovens, mas também das crianças e de
todos aqueles fazem parte da “geração mais nova”. O alcance dessa demanda,
do ponto de vista político, a meu ver, é duplo: primeiro, ela consegue justa-
mente articular, a partir de situações específicas de desigualdade, equivalên-
cias entre tais situações, todas elas advindas das mesmas condições de opres-
são; segundo, essa demanda se insere em uma agenda ampla, qual seja, a que
questiona a reprodução geracional e seus destinos, em que a geração mais
nova reivindica a dívida simbólica que a geração mais velha tem na transmis-
são do legado cultural. A demanda por educação não significa tão somente
algo que a geração mais nova demanda aos mais velhos como seu direito. O
metatexto dessa demanda inscreve esta dívida, no cenário contemporâneo,
no âmbito da politização da transmissão cultural, ou seja, ele representa o
prenúncio da politização da relação entre mais novos e mais velhos.
Os jovens podem falar? Sobre as possibilidades políticas de ser jovem hoje 321
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Notas sobre o passe livre
e o poder e o fazer de uma juventude
Leo Vinicius Maia Liberato
se via desde 2005, porém sem adesão de um espectro mais amplo da po-
pulação como naquele ano. Através dessas manifestações, pôde-se apre-
ender o “Passe Livre” como significação no imaginário dessa juventude
e o processo de formação – ou pelo menos o potencial de formação – de
uma cultura ou tradição de protestos em torno da questão do transpor-
te público em meio a uma juventude. À primeira vista, a percepção era
de que, em sua grande maioria, os participantes em 2010 não haviam
estado presentes nas revoltas de 2004 ou na de 2005, porém, de alguma
forma, sua ação política no presente poderia ser considerada o mais sig-
nificativo e importante resultado daquelas jornadas de lutas. Em grande
parte, eram outros participantes, mas ainda eram os mesmos, isto é, os
estudantes. Esse “de alguma forma” é na verdade quase tudo que impor-
ta do ponto de vista sociológico, apontando um amplo e interessante
caminho de investigações: como se deu a transmissão de memória, de
conhecimento, do que ocorreu em anos anteriores? Quais foram e estão
sendo os mecanismos e caminhos de difusão de ideias, de significações
e de bandeira política?4
As formas dessa transmissão e os caminhos que levaram ao engaja-
mento e à participação certamente são múltiplos e diferenciados, conforme
a história de cada participante, as quais levam provavelmente a diversos fato-
res. A própria anualidade das manifestações contra os aumentos das tarifas
certamente é um deles, que, mesmo sem tanta adesão em alguns anos, pro-
porcionou visibilidade, continuidade ao longo do tempo e alguma experi-
ência de contato. No Colégio de Aplicação da UFSC,5 como exemplo de
4 Talvez a principal dificuldade que venha se apresentar à investigação dos meios e formas que
têm levado à transmissão de memória, à formação desse imaginário, à participação em manifesta-
ções contra os aumentos de tarifas de ônibus e à aparente constituição de uma tradição política
dessa juventude de Florianópolis, seja a relativa fugacidade e fluidez do objeto, ele se torna particu-
larmente visível e concreto apenas nos ciclos de protestos contra os aumentos. Fora deles, torna-se
relativamente difícil identificar e discriminar o jovem ou estudante “manifestante” dos demais.
5 Os estudantes do Colégio Aplicação foram os primeiros a saírem às ruas em 2004, e formavam a princi-
pal base das lutas de 2004 e 2005, em termos de quantidade e engajamento.
330 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
6 Documentário produzido por Carlos Pronzato sobre os protestos estudantis que irromperam em Salvador
durante agosto de 2003 após um aumento das tarifas de ônibus.
Notas sobre o passe livre e o poder e o fazer de uma juventude 331
nome “Passe Livre”.7 Desse modo, “Passe Livre” foi ganhando também a sig-
nificação de manifestação contra aumentos das tarifas do transporte coletivo. Tal
significação transparece, por exemplo, quando, para conter as manifestações
em 2007, a Polícia Militar de Santa Catarina levou a cabo o que denominou
por “Operação Passe Livre”, ou quando, em maio de 2010, um emo8 que es-
tava num bar no centro de Florianópolis sugeriu aos amigos passarem lá no
“Passe Livre”, referindo-se com isso à concentração em frente ao Terminal
do Centro, de onde partiam as manifestações. Pode-se observar jovens que,
embora nunca terem participado de uma reunião do MPL, se colocam em
suas falas como integrantes do mesmo, por participarem das manifestações
contra o aumento das tarifas de ônibus, reproduzindo assim uma identidade
total entre MPL e manifestações com o aumento.
Se em 2004 e 2005 os membros da Campanha pelo Passe Livre/
MPL não puxavam gritos de guerra e slogans pelo “passe livre” em meio às
manifestações contra aumentos das tarifas, por considerarem ser uma rei-
vindicação diferente daquela específica da manifestação, já em 2010, duran-
te as manifestações contra o aumento, pôde-se observar que estudantes, que
não eram e nunca foram orgânicos do MPL, puxavam o coro “Passe, Passe,
Passe Livre Já”, tradicional das manifestações pelo passe livre estudantil or-
ganizadas pela Campanha pelo Passe Livre na primeira metade da década.
Ou até mesmo, quando cercados pela polícia, que os impedia de passar, can-
tavam/gritavam: “Sai da frente, que o Passe Livre é muita gente”. Mais uma
vez, tal comportamento indica que havia uma forte identidade em meio aos
7 Episódio que ilustra bem a identificação que autoridades faziam entre as revoltas e o “Passe Livre” se deu em
30 de novembro de 2005, dia em que foi convocada uma manifestação pelo MPL contra a suspensão da Lei
do Passe Livre estudantil pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, lei que havia sido aprovada e sancionada
em 2004. O chamado para essa manifestação foi motivo para que, em uma decisão inédita, o presidente do
TJSC suspendesse o expediente às 16h e o TJSC fechasse as portas com medo da manifestação que estava
marcada para as 17h. Um enorme contingente policial se encontrava na porta do TJSC e nas ruas do centro
de Florianópolis nesse dia. Mas a manifestação atraiu apenas 300 pessoas, como era mais ou menos esperado
pelo MPL, sendo a grande maioria estudantes.
8 Emo é o nome dado a um estilo ou subcultura juvenil, caracterizada hoje em dia por um determinado tipo
de roupa, corte de cabelo e rock melódico com letras emotivas.
332 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
O poder e o fazer
9 Aqui nos referimos não especificamente à juventude participante do “Passe Livre” e de protestos contra
aumentos de tarifas, mas à juventude que constitui movimentos sociais e ações coletivas de forma autônoma,
isto é, autodeterminada, em geral.
334 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
tor mais conhecido é Antonio Negri, é aquela que por excelência incorporou
dentro de uma teoria de dinâmica social baseada no antagonismo de classes os
movimentos estudantis, contraculturais e de juventude que emergiram a par-
tir da década de 1960. Mais do que isso, esses movimentos e comportamentos
de juventude foram fundamentais e estiveram na base da própria formulação
de conceitos e das teorias pós-operaístas. A título de exemplo, os movimentos
e contraculturas emergentes nos anos 1960 teriam, segundo eles, acentuado
o valor social da cooperação e da comunicação e as formas de experimenta-
ção cultural: e a valorização de uma dinâmica de criatividade mais flexível e
de formas de produção imateriais, teria tido, para Hardt e Negri (2001), assim
como para demais pós-operaístas, efeito político e econômico profundo, em-
bora tenha sido considerada pela esquerda mais tradicional como um desvio
ou distração das lutas políticas e econômicas “verdadeiras” e efetivas.
Tomando proletariado na definição de Hardt e Negri (2001), isto é,
“uma vasta categoria que inclui todo trabalhador cujo trabalho é direta ou in-
diretamente explorado por normas capitalistas de produção e reprodução, e
a elas subjugado” (p. 71), para além de uma representação e categoria social,
podemos postular que a juventude se tornou também um modo de existên-
cia do proletariado (mas não só dele), com o processo de massificação ocorri-
do no século XX. Deve-se ter claro também que o conceito de trabalho para
os pós-operaístas como Michael Hardt e Antonio Negri é amplo, incluindo
atividades e fazeres que normalmente são postos na esfera da cultura, da re-
produção, do tempo fora do trabalho.
Seguindo o raciocínio dos pós-operaístas, a reação do capital a essa
nova produção de subjetividade do proletariado – diríamos de uma juven-
tude – teria tido como resultado o regime pós-fordista.14 O pós-fordismo se
14 Para os pós-operaístas a luta dos trabalhadores e as novas subjetividades emergentes na classe trabalhadora
levariam a uma recomposição do capital, na sua busca de desfazer essa composição de classe. A recusa ao trabalho,
expressa no absenteísmo, nas sabotagens e no conteúdo das greves em massa dos operários das fábricas fordistas,
assim como no êxodo da chamada contracultura nos anos 1960 e 1970, teria sido o impulsionador do desenvol-
vimento do capitalismo pós-fordista. Respondendo a essa militância e a essa subjetividade, a empresa se reorga-
niza, o lócus da produção é descentralizado da fábrica industrial e disperso ao conjunto da sociedade (o superde-
senvolvimento do terciário e da terceirização seria um aspecto espetacular, mais perceptível, dessa mudança).
Notas sobre o passe livre e o poder e o fazer de uma juventude 337
15 Necessário frisar que aqui falamos de autonomia relativa de uma categoria ou grupo social em relação a
dispositivos de controle e subordinação social, e não de autonomia individual em relação à família, ao Estado,
ao patrão, a outro indivíduo etc.
Notas sobre o passe livre e o poder e o fazer de uma juventude 339
16 Se se quiser manter um quadro teórico marxista em que apareça o conceito de mais-valia, proponho o
conceito de mais-valia difusa a esses casos. São casos que não se enquadram nas características de intensidade
e controle do trabalho dos regimes de mais-valia relativa e de mais-valia absoluta.
17 Ver “Jovens tiram proveito de distúrbio”, Estado de S. Paulo, 11 nov. 2005, p. A18.
18 Sobre o Provos, cf. Guarnaccia (2001).
19 Em 2004 uma lei concedendo a gratuidade no transporte coletivo foi aprovada e sancionada na Câmara
de Vereadores de Florianópolis, fruto da atividade e pressão da Campanha pelo Passe Livre na cidade. Em
2005 o Tribunal de Justiça de Santa Catarina suspendeu a lei, antes mesmo de ela se tornar efetiva.
340 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
20 Pode-se questionar evidentemente se não se tratou antes de tudo da tentativa de persuasão por parte do
jornalista para conseguir realizar seu trabalho. De todo modo, a plausibilidade do argumento, recebendo acei-
tação, é por si só um fato relevante.
Notas sobre o passe livre e o poder e o fazer de uma juventude 341
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25 Como, por exemplo, João Pedro Stédile deixa claro em entrevista à revista Carta Capital de 21 de setembro
de 2005: “Parte das nossas energias se destina a construir essa unidade com os outros. Na nossa avaliação, hoje
o alvo principal é a juventude das grandes cidades. Não mais o operariado industrial, que está debilitado e
destruído política e ideologicamente. É possível que daqui por diante se construam novos movimentos. Por
exemplo, dos jovens desempregados... (...). E essas manifestações que houve em Florianópolis, Vitória, de ju-
ventude de segundo grau fazendo movimento de massa contra as tarifas de ônibus. São muito emblemáticas.
Não houve partido por trás, a garotada foi pra rua. Um movimento que está ampliando e se massificando é o
hip-hop (...). E nós temos interlocução com eles” (p. 31).
Notas sobre o passe livre e o poder e o fazer de uma juventude 345
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Hierarquias, sujeitos políticos e juventudes:
os chamados “movimentos” juvenis
circunscrevem um sujeito político
na contemporaneidade?
Marco Aurélio Maximo Prado
Juliana Perucchi
Não seria pouco então imaginar que essa visão exige alguma inteligibi-
lidade social da ação. Mas, então, qual a relação dessa experiência subordinada
com a constituição de um campo de intervenções científicas que parece a cada
dia tornar-se um campo privilegiado de regulação? Por que “juventude” passa a
ser uma experiência privilegiada como específica para o conhecimento das ciên-
cias atuais? Hoje, escutamos um dialeto próprio sobre essa experiência: projetos
de jovens para jovens, protagonismos juvenis, juventude, as juventudes, política
pública para jovens, sociabilidades juvenis, culturas juvenis, condição e situação
juvenil, ou seja, há algo de tão específico nessa experiência do momento atual
que a ciência e a gestão dos corpos se interessariam tanto? A questão principal é:
como as ciências constroem hoje uma inteligibilidade social dessa experiência,
definindo e impondo uma rede de legitimidade sobre o social e apontando os
parâmetros do que poderá aparecer e do que não poderá ser tornar visível na es-
fera do social. A norma converte um campo social em inteligibilidade e, portanto,
busca normalizá-lo no seio das hierarquias (RUBÍN, 1993).
Assim seria pertinente desconfiar que a juventude não reserva ne-
nhuma relação com a especificidade de ser jovem hoje, mas sim com um
complexo institucional e social que busca representar a falácia de sustentação
das hierarquias sociais quando se converte em um campo de intervenção. E,
atentando para a história, frequentemente, quando se dá a constituição de
um campo com grande capacidade de desenvolvimento de uma tecnologia
do poder científico, é revelador de que esse campo só aparece como regula-
ção a partir da revelação do seu próprio distúrbio! Aqui pode-se fazer coro
com a afirmativa de vários estudiosos de que juventude é apenas uma pala-
vra que esconde situações e inserções desigualmente distintas. Isso significa
então dizer que a constituição desse campo científico e toda a emblemática
classificatório-científica são o sintoma principal de que a experiência juvenil
interpela uma hierarquia que ora é subordinada, portanto diferencialmente
imutável, e a coloca no centro da história, ou seja, a reintroduz como limi-
te do social, rompendo assim as malhas da classificação e da inferiorização
quando emerge como sujeito político.
352 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
social na qual esses jovens promovem suas ações coletivas, procurando es-
tabelecer um consenso racional que neutralizaria o conflito. Trata-se efetiva-
mente de contemplar a dimensão do antagonismo como própria do caráter
político e cultural dos movimentos sociais, entendendo seu papel crucial na
formação das identidades coletivas e, por conseguinte, na identidade social
dos atores que constituem tais movimentos.
É importante reconhecer que a relação entre identidade e reconhe-
cimento, que caracteriza as tensões constitutivas das ações coletivas e dos
movimentos sociais que envolvem a juventude, configura momentos de
expressão política de reivindicações coletivas, culturalmente diversas. Com-
põem o que Pierucci (1999) define como a proeminência “das diferenças
de grupo, antes que individuais, no centro mesmo da ação coletiva, visando
ao reconhecimento (ou à denegação) de direitos a indivíduos que partilham
situações ou características” (PIERUCCI, 1999, p. 107). Assim, a prática po-
lítica das ações coletivas desses grupos de jovens brasileiros e portugueses,
por exemplo, não consiste na defesa dos direitos de identidades (sociais e
coletivas) constituídas a priori, mas antes na própria produção dessas identi-
dades, num terreno tenso, precário e sempre vulnerável.
Conforme afirma Prado (2001), “não há nas ações coletivas ne-
nhum caráter emancipador que possa ser predeterminado antes do pro-
cesso que se instaura na constituição da identidade coletiva”. Nesse sen-
tido, o caráter emancipatório das ações coletivas e, portanto, de qualquer
movimento social dependerá fundamentalmente do modo que o pro-
cesso de articulação grupal se configurará em relação ao contexto. Dito
de outra forma, seu grau de emancipação ou de regulação dependerá de
como um “nós” articula sua ação perante um “eles”, na forma e na estra-
tégia conforme a ação coletiva se volta para aquilo que Mouffe (2000)
define de “referência externa”. É nesse jogo de antagonismos, da igualda-
de/diferença, que a participação juvenil, em algum movimento social, se
configura como emancipatória e/ou reguladora, na qualidade de fonte de
autonomia e/ou de dominação destes sujeitos.
356 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
les mundos polêmicos que desfazem a ordem policial. Portanto são sempre
precários, sempre suscetíveis de se confundir de novo com simples parcelas
do corpo social que pedem apenas a otimização da sua parte. (RANCIÈRE,
1996, p. 378)
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Juventude e saúde:
concepções e políticas públicas
Cássia Baldini Soares
para Marx é sempre uma relação dialética, sempre mutável, com a objetivida-
de do mundo material: um toma-lá-da-cá constante entre nossas categorias de
pensamento historicamente localizadas e o mundo que existe independente-
mente dessas categorias e continuamente transforma as mesmas, submetendo-
as ao teste do experimento científico e ancorando-as, com uma exatidão cres-
cente, nos objetos do mundo material. (NANDA, 1999, p. 89).
do pela droga, trata-se então de exorcizar o jovem e isso deve ser feito com
métodos adequados que se valem da inculcação ideológica, seja trocando-se
a dependência das drogas por outras, como a da religião ou do esporte, seja
pela imposição do ato físico de subtrair o mal substituindo-o pelo trabalho
pesado e árduo.
Dessa visão, decorre a recomendação de que o certo mesmo é pre-
venir! Em assim sendo, no caso da gravidez, na medida em que fica reco-
nhecida como uma disfunção, um desvio, o certo mesmo é impedir que se
saia do padrão normatizado pelos técnicos, maciçamente transmissores de
valores pequeno-burgueses. Assim conduzidos, os programas de prevenção
conseguem reunir todas as contraindicações para se obter resultados favo-
ráveis ao fortalecimento dos jovens (SOARES, 1997), fundamentados que
estão no enfoque predominante nos serviços de saúde (STOTZ, 2007).
Nessa perspectiva, viver em si já é considerado um comportamento de risco.
Assim, sob os auspícios da velha saúde pública, eram e ainda são utilizados
métodos behavioristas baseados no amedrontamento e na repetição.
De outro lado, sob os auspícios na moderna saúde pública, representa-
da na atenção básica pela estratégia saúde da família, prevalecem outros méto-
dos, como o da escolha informada e o do desenvolvimento pessoal. Transfere-se
a responsabilidade sobre a saúde, da sociedade para o sujeito, que seria então
capaz de fazer sua eleição informada, como se a possibilidade de escolha entre
o prazer proporcionado pela droga e o proporcionado pela arte, ou pela ati-
vidade lúdica de lazer, fosse passível de ser concretizada por todos os jovens,
independentemente de sua condição de classe (STOTZ, 2007).
As propostas de intervenção tomam como referência os chamados níveis
de prevenção que daí derivam (primária, secundária e terciária), cuja lógica
é a de que o desenvolvimento no tempo da doença (o consumo de drogas
considerado agravo ou doença) pode levar a níveis patológicos mais e mais
debilitantes. Nesse caso, o que se pretende é intervir precocemente sobre os
fatores de risco, inibindo o desenvolvimento do problema em foco e/ou tor-
nando sua progressão mais lenta sem tocar, contudo, nas bases estruturais da
sociedade onde estariam localizados os determinantes do processo saúde-
doença. (SOARES, 2007, p. 7)
370 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
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378 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
Não havia mais a mão querida para acalentar-me o primeiro sono, nem a ora-
ção, tão longe nesse momento, que me protegia à noite como um dossel de
amor; o abandono apenas das crianças sem lar que os asilos da miséria reco-
lhem. A convicção do meu triste infortúnio lentamente, suavemente, aniquilou-
me num conforto de prostração e eu dormi. (POMPÉIA, 1888/1991, p. 18)
desse cenário, mas ainda estamos longe de vislumbrar reflexos nas práticas
institucionais e na percepção social da questão.
Os dados apresentados aqui têm origem em projeto de extensão –
o Projeto Parcerias: Adolescentes em Conflito com a Lei – desenvolvido
pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em
cooperação com o Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Es-
tado (Degase-RJ).4 No Rio, o Degase – vinculado à Secretaria Estadual de
Educação – é o responsável pela gestão do sistema e a ele se associam as
unidades que executam programas de privação e de restrição de liberdade,
algumas localizadas na capital e outras no interior do estado. Os dados deste
trabalho foram coletados em unidade de internação da capital, em oficinas
temáticas de discussão, das quais participaram adolescentes, e em oficinas
de discussão junto a seus familiares.
O projeto vale-se do dispositivo grupal para apreender a dinâmica
da aplicação da medida de internação: as estratégias através das quais os
operadores do direito buscam sua eficácia, mas também os efeitos de subje-
tivação que a medida produz sobre os adolescentes e sobre seus familiares.
Penso, com base nas observações de campo e nas publicações recentes, que
a noção de socioeducação que sustenta a execução das medidas socioedu-
cativas está longe de ser adequadamente compreendida. Dada essa dificul-
dade é que me proponho aqui a um exercício de aproximação que não visa
dar conta da totalidade da questão, mas, ao recortar um aspecto dela, atender
à urgência que ela coloca para os adolescentes, para seus familiares e para a
sociedade.
Os depoimentos de adolescentes que cumprem medida de inter-
nação remetem a formas de isolamento social que antecedem e excedem a
privação de liberdade. Circula entre eles uma certa unanimidade quanto à
ausência quase absoluta de laços de amizade. Numa das discussões acerca
do tema “amizade”, um jovem nomeou como seu único aliado um colega do
tráfico; imediatamente contestado pelos demais presentes, recua do próprio
4 Apoio: Programa Pibex/Pró-Reitoria de Extensão/UFRJ e CNPq/PIBIC.
Sobre a participação da família no processo socioeducativo 383
5 Todos os nomes, tanto dos adolescentes quanto dos familiares, são fictícios.
6 Refiro-me aqui aos doces, refrigerantes e artigos de higiene com que as famílias presenteiam os adolescentes
por ocasião da visita.
384 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
7 “(…) os sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo a partir de seu pertencimento
familiar, da vizinhança, do trabalho e que tecem redes de interdependência sem a mediação de instituições
específicas” (CASTEL, 2000, p. 48).
386 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
largava tudo, passava necessidade para estar com Lucas e nada aconteceu,
não ocorreu nenhuma mudança. Ela acredita que a mudança tem que partir
essencialmente dele [e] acrescenta que agora não tem como ela fazer as mes-
mas coisas que fazia antes. Diz que não vai abandonar, mas que ele também
tem que “se virar sozinho” e assim ela diz que faz visita de duas em duas se-
manas. Diz que só ela está com ele sempre e que Deus vai dar um jeito nisso.
(Projeto Parcerias, extrato dos Diários de Campo)
Pedro tem uma namorada grávida de gêmeos e diz querer sair do tráfico, mas
que para tanto precisaria quitar uma “dívida pequena” (...). Mas, ao mesmo
tempo em que dizia tudo isso, dizia também que era difícil que mudasse de
vida, pois os seus amigos, de onde morava, estavam todos lá no tráfico. Ele
pareceu permanecer nessas ambigüidades. (Projeto Parcerias, extrato dos
Diários de Campo)
visitar um filho ali; que ela tanto avisou e que ele não quis ouvir. Disse que
não gosta de depender de ninguém e que agora tinha que depender dela ir de
longe e que já pediu para ela não ir mais e que mesmo assim ela ia. Eu pergun-
tei o que isso significava e ele respondeu que “mãe é mãe”. (Projeto Parcerias,
extrato dos Diários de campo)
juiz sozinho e a mãe frisou que “ele era de menor”, meio que se dando conta
de que ela deveria ter ficado do lado dele, mas não fez nada. (Projeto Parce-
rias, extrato dos Diários de campo)
Circulando entre a desinformação e o constrangimento, as famílias
terminam destituídas do lugar que o Estatuto desenha para elas. Quando
prevê sua participação em todas as fases do processo judicial que envolve
o cometimento do ato infracional pelo adolescente, o Estatuto denota uma
preocupação com o (re)estabelecimento de laços de filiação e pertencimen-
to. Se efetivamente partícipe do processo, a família poderia encontrar – na
aliança com os operadores jurídicos, com as equipes das unidades e dos
programas – os primeiros recursos para antever e desenhar possíveis linhas
de re-inserção do adolescente. É certo que a participação, restrita a esse mo-
mento, não será suficiente para prover o conjunto de suportes sociais que,
no horizonte, situam os laços de filiação. Mas é certo que, sem as redes de
solidariedade proximal, as perspectivas de filiação se esfumaçam.
A criação dos institutos disciplinares e das colônias correcionais, no
Brasil das primeiras décadas do século XX, transferiu da família para o Estado
as funções de educação e punição, afirmando a incompetência socializadora
da família. O Estatuto quer inverter esse processo, retomando a família como
um dos polos do processo de socialização (PAULA, 2004). Essa construção
não soluciona, antes inicia o debate em torno do lugar das instituições so-
ciais e das relações entre elas nos processos de individualização e de filiação.
No Brasil, dadas as desigualdades sociais, uma das dificuldades a enfrentar
é a compreensão e o conhecimento do direito, de parte dos atores convoca-
dos a compor essa cena. Como já disse Dalmo Dallari – cito de memória –,
o primeiro passo para a proteção dos direitos é informar as pessoas sobre sua
existência e sobre a necessidade e a possibilidade de defendê-los. É certo que
o mero conhecimento não leva automaticamente à sua observância, visto
que ele coloca a obrigação de fazer (BOBBIO, 1992); é igualmente certo,
no entanto, que seu desconhecimento pela família alimenta a subordinação,
impede a cidadania e, nos processos de filiação de que tratamos aqui, termi-
Sobre a participação da família no processo socioeducativo 395
Agradecimentos
Referências
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Vinte anos do Estatuto da Criança
e do Adolescente e as políticas para infância
e juventude
Benedito Rodrigues dos Santos
C onsiderando que esta exposição foi preparada para um painel sobre po-
líticas para juventude, meu foco será na parcela adolescente da juventu-
de, compreendida na faixa etária entre os 12 e 18 anos, conforme especifica
o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Contudo, gostaria de re-
gistrar, de antemão, as minhas preocupações com a definição das categorias
juventude, adolescência e infância com base única a critérios etários. E, mais
ainda, minha preocupação com a segmentação da infância e da juventude na
forma de alteridade opostas, como vem sendo tomada por uma parcela dos
ativistas e formuladores de políticas dos direitos da criança e da juventude.
No período entre 2007 e 2010, concomitante às minhas atividades
acadêmicas, atuei como secretário executivo do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado à Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. Nessa oportu-
nidade, tomei conhecimento da tensão entre membros do Conanda e do
Conselho da Juventude (Conjuv) sobre a inclusão da faixa etária entre 14 e
18 na categoria juventude como definida no anteprojeto de lei Estatuto da
Juventude, o qual se encontra tramitando no Congresso Nacional, e sobre
as atribuições legais de estabelecimento das normais gerais da política para
400 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
Histórico do ECA
1 Paulo Afonso Garrido de Paula, Jurandir Maçura e Munir Cury, os três da Coordenação de Curadorias do
Menor do Estado de São Paulo; Antonio Carlos Gomes da Costa e Lidia Galeano, ambos do Unicef; Benedito
Rodrigues dos Santos, do MNMMR e do Secretariado Nacional do Fórum DCA; Maria do Rosário Leite
Cintra e Ruth Pistori, ambas da Pastoral do Menor; Deodato Rivera e Regina Helena Pedroso, ambos da
Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente; José Antonio Fernando do Amaral e
Silva, então juiz de Blumenau; e Edson Sêda, da Assessoria Jurídica da Funabem.
408 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
a Lei Áurea esteve para o século 20, por ser uma lei civilizatória com poder
emancipatório que equipara o ato de adquirir direitos das crianças e adoles-
centes ao ato de libertação dos escravos. Para ele, esse ato civilizatório teria po-
tencial de mudar a imagem do país: “o Brasil não precisa mais ser conhecido
no exterior como ‘um povo bárbaro que destrói suas florestas e extermina suas
crianças”, afirmou ele (RIVERA, 1990, p. 34 e 37).
Antonio Carlos Gomes da Costa, evocando a noção de que “o maior
patrimônio de um povo é a sua infância e juventude” e a ideia de “um país
que não respeita suas crianças não respeita a si mesmo”, vê no ECA potencial
para “alavancar mudanças muito profundas nas maneiras de agir e interagir
do Estado e da sociedade” e, para isso, faz necessário que “tomemos a sério”
(COSTA, 1990, p. 41). José Fernando do Amaral e Silva testemunha que
“A Lei 8.069 de 1990 criou muito mais que uma nova Justiça da Infância
e Juventude. Ela estabeleceu o estado democrático de direito numa esfera
onde esteve ausente desde a nossa formação histórica. Ela aboliu o arbítrio
e o subjetivismo, consagrando o Direito e dignificando a Justiça” (SILVA,
1990, p. 53).
Na minha própria avaliação, como membro do Grupo de Redação,
o ECA é a expressão jurídica de um projeto político de construção de cultu-
ra de cidadania para e com crianças e adolescentes, cujo caráter instrumental
e programático deve nos permitir ultrapassar a noção de cidadania liberal
rumo à radicalização da democracia verdadeiramente inclusiva e emancipa-
dora de crianças e adolescentes
No contraponto dessas imagens dos seus pioneiros, no chamado
imaginário popular, em grande parte influenciado pela mídia, o ECA se po-
pularizaria como a lei “muito avançada”, “lei de Primeiro Mundo”. Imagem
ambivalente utilizada para saudá-la como instrumento avançado e de boa
qualidade, porém como utópica e inviável para a realidade brasileira. E no
extremo desse contraponto, encontra-se a concepção de grupos moralistas
e conservadores que insistem em cunhá-la como lei que “protege bandidos”,
pela incorporação que fez dos direitos da criança e do adolescente ao leque
410 Juventudes contemporâneas: um mosaico de possibilidades
ciais e suas dificuldades operacionais são fatores cruciais para essa limitação.
Contudo, pouca experiência na formulação de políticas sociais não é uma
limitação apenas desses novos mecanismos. O Estado brasileiro possui uma
experiência irregular, fragmentada e descontínua nessa matéria. É do apa-
relho de Estado o papel de formular políticas e é esse que deve repassar aos
conselhos a expertise para tal e, dessa forma, “capacitar” a sociedade civil para
uma participação consciente e eficiente. Isso porque sociedade civil não tem
sido suficiente forte para demandar que essa transferência de competência
fosse realizada.
O estado gerido por esses governos do chamado campo progressis-
ta não logrou consolidar mecanismos que provessem sobrevivência de mais
longo prazo a políticas e programas sociais de caráter mais estrutural. Da
mesma forma, os conselhos setoriais e de direitos foram frágeis na garantia
de continuidade das políticas e programas de promoção, proteção e defesa
dos direitos de crianças e adolescentes.
Considerações finais
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Juventude, pesquisa e extensão:
interfaces, diálogos e possibilidades
Sônia M. Gomes Sousa
Juventude e contemporaneidade
vontade, mas que ela é uma função sobre a qual se tem muito mais controle
do que na infância.
Esses aspectos constitutivos da subjetividade do jovem permitem
estabelecer, à luz da teoria de Vigotski, que: a) é a partir da juventude que o
indivíduo pode compreender a sua própria inserção na sociedade, em sua
classe e na sociedade global; b) o pensamento do jovem ganha em plastici-
dade, ao operar por conceitos e ao possibilitar o uso da vontade no encami-
nhamento de sua vida; e c) as transformações por que passa implicam uma
nova consciência de si mesmo e uma mais complexa visão de mundo.
O jovem apresenta características que o capacitam a fazer escolhas e
a tomar decisões sobre suas aspirações e seu projeto de vida. Porém, de certa
forma, o jovem contemporâneo vive um paradoxo: por um lado, há uma
padronização excessiva de gostos e de atitudes e, por outro, uma condição
de jovem que o define como alguém que possui uma grande plasticidade.
Vigotski (1996) também aponta para o pensamento do jovem como muito
mais flexível do que na infância, com possibilidade de ser dialético. Mas nem
sempre os contextos nos quais esse jovem se insere contribuem para o de-
senvolvimento do pensamento dialético, questionador, transformador.
É a partir dessa perspectiva teórica que realizamos atividades de pes-
quisa e extensão sobre e com jovens.
Metodologias de abordagem
uma forma mais ampla não deixam dúvidas quanto à contribuição desse
contexto sociocultural. Falta, contudo, um conhecimento sistematizado,
que oriente as ações, públicas e privadas voltadas para esses sujeitos sociais.
Vários pesquisadores brasileiros, de diferentes áreas do conhecimento,
têm buscado preencher, com estudos e pesquisas, o “vazio” teórico e metodoló-
gico na área da adolescência e da juventude. Esse “vazio” necessita ser substituído,
com urgência, pelo esforço científico de desvelar quanto e como a formação mul-
ticultural da sociedade brasileira e a pluralidade étnica da população implicam di-
ferentes concepções de adolescência/juventude. No entanto, empreender essa
tarefa não pode redundar em mero exercício acadêmico. Essas concepções estão
vivas na sociedade e atravessam a formação dos diferentes profissionais que atu-
am na área da adolescência/juventude e que cotidianamente se relacionam de
forma direta com os adolescentes e jovens. Explicitá-las é condição necessária a
qualquer intervenção a favor da adolescência e da juventude.
No campo das ciências humanas, pesquisas oriundas de uma pers-
pectiva sócio-histórica – cujo sujeito principal das investigações é o adoles-
cente/jovem – têm privilegiado aspectos ausentes das pesquisas em outros
momentos históricos, como a violência, os contextos culturais, a convivência
com os pares. Desse modo, essas pesquisas contribuem para a construção
de um campo investigativo que privilegia a dimensão da exclusão/inclusão
na vivência dos adolescentes e dos jovens.
Para além dessas justificativas teórico/metodológicas, encontramos
no campo da realidade brasileira e mundial motivos suficientes para priori-
zar nos estudos e intervenções com o sujeito adolescente e jovem.
Para finalizar
Esses são apenas alguns aspectos que recortei dessa discussão tão
complexa e ampla. Certamente que o debate sobre o tema não se esgota
aqui e espero ter deixado vocês bastante inquietos e desejosos de aprofun-
darem mais sobre essa temática.
Espero ainda ter trazido alguns elementos para enriquecer a discus-
são que será realizada posteriormente.
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444
Sobre os autores
Edwige Rude-Antoine
Diretora de Pesquisa do CNRS, diretora do CERSES - Paris – França.
edwige.rude-antoine@parisdescartes.fr
Geraldo Leão
Professor adjunto da Faculdade de Educação e do Programa
de Pós-graduação em Educação da UFMG.
gleao2001@yahoo.com.br
Glória Diógenes
Professora do Programa de Pós-graduação de Sociologia da Universidade
Federal do Ceará, secretária de Direitos Humanos da Prefeitura de Fortaleza.
gloriadiogenes@gmail.com
Jorge Lyra
Coordenador geral do Instituto Papai, psicólogo, mestre em
Psicologia Social (PUC SP), doutor em Ciências (Fiocriz/CPqAM-NESC).
jorgelyra@papai.org.br
Juarez Dayrell
Professor Associado da Faculdade de Educação, coordenador do
Observatório da Juventude da UFMG, pesquisador do CNPq.
juareztd@uol.com.br
Juliana Perucchi
Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), pesquisadora no Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT
(NUH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisadora Fapemig.
mamprado@gmail.com
Marcelo Urresti
Sociólogo, docente e pesquisador da Facultad de Ciencias Sociales,
Universidad de Buenos Aires.
murresti@hotmail.com
Márcia Stengel
Professora Adjunta da Faculdade de Psicologia e do Programa de
Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas.
marciastengel@gmail.com
Marco Aurélio Maximo Prado
Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), pesquisador no Núcleo de Direitos Humanos
e Cidadania LGBT (NUH) e Núcleo de Psicologia Política (NPP) - UFMG,
pesquisador CNPq e Fapemig.
mamprado@gmail.com
Maria da Graça Jacintho Setton
Professora de Sociologia. Faculdade de Educação – USP.
gracaset@usp.br
Maria Ignez Costa Moreira
Professora Adjunto III da Faculdade de Psicologia e do Programa
de Pós-graduação em Psicologia da PUC Minas, coordenadora
do Grupo de Pesquisa e Intervenção Infância (PUC Minas).
maigcomo@uol.com.br
Mary Garcia Castro
Professora da Universidade Católica de Salvador no Programa de Pós-graduação
em Família na Sociedade Contemporânea e Mestrado de Políticas Sociais e Cidadania,
pesquisadora CNPq, co-coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre
Juventude, Identidade, Cultura e Cidadania-NPEJI/UCSAL/CNPq.
castromg@uol.com.br
Olga Nirenberg
Consultora / evaluadora externa de Unicef Argentina, evaluadora
del Programa Regional de Adolescencia de la Organización Panamericana
de la Salud (OPS), docente.
olganire@gmail.com
Wivian Weller
Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília,
bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.
wivian@unb.br
Este livro foi composto em Arno e
Chaparral e impresso em papel Offset 75g para a
Editora PUC Minas pela Gráfica e Editora Del Rey.
Belo Horizonte, outono de 2011.