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Homenagem: Milhares foram à cremação do Nobel da Literatura

“É só para bater palmas”


A derradeira homenagem fúnebre a José Saramago teve mais cravos do que livros ao alto, durante os
15 minutos de palmas ininterruptas no cemitério do Alto de São João. Alguns dos presentes, em que
dominavam os camaradas do PCP, ainda clamaram ‘Cavaco, a luta continua!’, mas as ordens eram
para respeitar o recolhimento. "Dizem para só se bater palmas", explicava um veterano do partido a
uma camarada, emocionada por, além de Nobel, o escritor sempre ter sido da sua barricada.

Por:João Vaz

Quando o féretro avançou pela área de entrada do cemitério, coberto pela bandeira nacional, os
aplausos foram ainda mais fortes do que uns minutos antes, à passagem de duas carrinhas cheias de
coroas de flores. Precipitadamente, alguns lançaram logo os cravos sobre os tejadilhos das viaturas.
Houve ainda muitos cravos vermelhos para levantar ao alto, pouco depois, à passagem da urna, aos
ombros de quatro funcionários da funerária, seguida por Pilar del Rio, a mulher e musa do Nobel,
pela única filha deste, Violante Matos, e por outros familiares e amigos preciosos, como o editor
Zeferino Coelho, no meio de milhares de camaradas e admiradores.

Na espera, o contágio mais forte era já de recolhimento. Ninguém levantou a voz para cantar o hino
nacional ou a ‘A Internacional’. Só se soltaram alguns sorrisos quando, ao surgir no céu um
helicóptero das televisões, começou a correr o bitate de que "era Cavaco Silva a chegar dos Açores".

O predomínio dos cravos diminuiu quando o estado-maior do PCP, com Jerónimo de Sousa,
Domingos Abrantes e Carlos Carvalhas, se retirou, sob aplausos e levando muitos atrás. Pôde, então,
impor-se o dos livros ao alto, que levaram ao adeus o melhor que Saramago lhes deu. Foram eles os
resistentes que reservaram afectuosa despedida a Pilar del Rio às 14h00, enquanto a filha do Nobel
ficava a acompanhar o demorado processo de cremação. No caixão foi colocada, por Eduardo
Lourenço, uma cópia de ‘Memorial do Convento’.

CINZAS VÃO 'DESCANSAR' NA CAPITAL

"As cinzas de José Saramago descansarão na cidade de Lisboa", garantiu ontem o presidente da
Câmara, António Costa, ao intervir na sessão de homenagem fúnebre realizada no mesmo Salão
Nobre, onde o antigo presidente da Assembleia Municipal falou pela última vez, em inícios de
Fevereiro de 2009, numa emocionante cerimónia de entrega da Medalha da Cidade a Jorge Sampaio.

A decisão tem a ver com a decisão de Pilar del Rio de vir trabalhar na Fundação Saramago, sediada
na histórica Casa dos Bicos, e de querer cumprir o desejo do marido de, de vez em quando, depositar
uma flor sobre as suas cinzas. Da vontade da família depende, por outro lado, a iniciativa de colocar
as cinzas no Panteão Nacional.

"LISBOA FOI UMA DAS PERSONAGENS"

O presidente da Câmara, António Costa, salientou que Saramago regressou à cidade onde está a sede
da sua Fundação. "Lisboa não foi só o cenário de muitas das suas obras, foi uma das personagens
mais queridas e a que dedicou mais amor", disse.

"DEIXOU DE LUTO O POVO TRABALHADOR"

A militância do escritor foi vincada pelo secretário-geral do PCP. Em nome de "milhares de


camaradas", Jerónimo de Sousa disse que o Nobel "deixou-nos de luto, a nós e ao povo português, em
particular ao povo trabalhador, a quem amou e foi fiel".

"USOU A ESCRITA PARA REFLEXÃO"


Para Gabriela Canavilhas, Saramago "usou a escrita para uma reflexão sobre as grandes causas da
Humanidade". Além disso, a ministra da Cultura, que foi a Lanzarote buscar o seu corpo, disse que o
autor fez "uma obra coerente" e contribuiu para a "união do mundo lusófono".

"SOMOS ÓRFÃOS DA FIGURA TÃO QUERIDA"

"Todos somos órfãos da sua figura tão querida e das suas palavras tão confortantes", disse ontem a
vice--presidente do governo de Espanha, María Teresa Fernández de la Vega, que veio a Lisboa
despedir-se de um defensor do ideal da união ibérica.

CAVACO GARANTE TER CUMPRIDO OBRIGAÇÕES

"O que um Chefe de Estado deve fazer é diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos", observou
o Presidente da República, Cavaco Silva, ontem de manhã, em Ponta Delgada, garantindo ter
cumprido com todas as suas obrigações a propósito do funeral de José Saramago.

"Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, que me recorde, de alguma vez conhecer ou
encontrar José Saramago", explicou, reforçando que emitiu "uma nota oficial de homenagem à obra
literária de José Saramago" e que os chefes da sua Casa Civil e Casa Militar apresentaram
condolências

Correio da manha
José Saramago (1922-2010)
A Cultura Portuguesa está de luto. José Saramago, o único escritor
português a ganhar o Prémio Nobel, morreu, aos 87 anos.
Republicamos a última entrevista que o escritor deu ao JL, em 21
Outubro de 2009. FOTOGALERIA de Lucília Monteiro, nas Correntes
d'Escritas da Póvoa
Luís Ricardo Duarte
13:13 Sexta-feira, 18 de Jun de 2010

Polémico e convicto. José Saramago está de regresso com um novo romance, Caim,
já a gerar controvérsia, como sucedeu com outros livros seus. Mas chocar não é o
seu objectivo, nunca foi. Nem agora, nem quando publicou o Evangelho Segundo
Jesus Cristo.

Ao falar sobre os principais episódios do Antigo Testamento, o escritor apenas quis


abordar um tema que há muito o inquieta: o jugo que Deus, ou quem o representa,
exerce sobre a Humanidade, que se deixou escravizar pela sua própria criação, sem
que com isso tenha evitado a guerra, o sofrimento e a miséria. Como explica nesta
entrevista, Caim é o testemunho de alguém que, acima de tudo, defende "o valor
do ser humano".

Jornal de Letras: Reagindo ao que disse na sessão de lançamento de Caim (que a


Bíblia é um "manual de maus costumes"), o porta-voz da Conferência Episcopal
portuguesa acusouo de afronta, jacobina e sectária, aos católicos, depois do poeta
José Tolentino Mendonça, na qualidade de director do Secretariado da Cultura da
mesma entidade, haver observado que tem uma visão ingénua do Antigo
Testamento, muito influenciada pela sua ideologia.

Como comenta?

José Saramago: Com outra pergunta: a resposta deles também não é uma
declaração marcada pela fé que dizem ter? Eu não tenho nada a ver com isso, mas
acontece que eles me aconselham humildade, não sei se é bem esse o termo. Ora,
essa palavra devia queimar a língua da Igreja, que se caracteriza por muitas coisas,
incluindo uma tremenda falta de humildade. Porquê?

Consideram-se detentores da verdade suprema, se é que existe tal coisa. Do alto


desse orgulho permitem-se opinar sobre tudo, recomendar e ordenar pautas de
comportamento aos fiéis. Arrogam-se o direito de usar esse poder sobre o comum
dos mortais. E como sou uma pessoa, e acabo de publicar um livro, ele decidem
opinar. Se for uma leitura ingénua, é a mesma que fizeram e ainda fazem milhões
de pessoas que lêem a Bíblia tomando à letra o que lá está, provocando com isso a
morte de uma enorme quantidade homens e mulheres. As guerras mais cruéis que
se observaram até hoje foram provocadas pela religião. O que é estranhíssimo,
porque se há um deus, não há dois, três ou quatro. Portanto, não é uma guerra
entre deuses, mas um conflito que só existe na cabeça dos homens. Tudo em nome
de alguém que nunca viram, com quem nunca se sentaram à mesa a tomar café.
Mas considera que é urgente questionar Deus e os seus fundamentos?

Não sei se é urgente. Eu sinto essa necessidade. Há pessoas que vivem


perfeitamente com a fé que têm, e não tenho nada a ver com isso. Não me meto,
apenas trato dos meus assuntos.Um deles é este. Olho para o mundo, para a
história, para o que aconteceu, o que está acontecendo agora mesmo, para os
conflitos religiosos entre cristianismo e islamismo, e escrevo.Este livro não é um
apelo à reflexão, um conselho que dá aos leitores?
Tenho um princípio sagrado desde que nasci: não dou conselhos, porque isso
representa uma postura de autoridade que não se tem. Uma pessoa que dá um
conselho em nome da sua própria experiência ou do que julga melhor está de certa
maneira a colonizar o Outro. Até pode ser algo que venha a revelar-se útil, mas a
questão é saber se temos o direito de o fazer. Deixemos as pessoas viver. Vão
errar?, pois que errem, vão acertar?, estupendo. O que eu peço é que pensem e
reflictam. Não digo: aqui está o caim que vai mudar as vossas vidas.

É uma afirmação de que Deus é algo que diz respeito a todos, mesmo para os não
crentes, tal é a sua influência na nossa sociedade?

Apenas digo que o mal maior não é o homem ter criado deus, é ter-se escravizado a
ele depois de o criar. É incompreensível. E tudo se complicou quando surgiu uma
instituição encarregada de gerir os seus supostos interesses. Surgiu o pecado, cuja
invenção foi um golpe de génio. A partir desse momento, passa-se a controlar não
tanto as almas, mas os corpos. Como escritor, sou eu que escolho os temas.

Não vou, nem fui, nem nunca irei pedir autorização à Conferência Episcopal.

Internacional da bondade

Nessa perspectiva, consegue entender por que razão o homem se deixou escravizar
pela sua própria criação?

Tem a ver com uma grande raiz que é a morte.

Se fossemos imortais não teríamos inventado deus. Como não somos, foi nascendo
na cabeça dos povos abandonados na terra estas criaturas de produção divina.
Morremos. E rapidamente se pensou se não haveria outra vida, já que esta é tão
má, tão curta, tão absurda. Ou que poderia haver um outro lugar onde fosse
possível ser feliz. A partir daqui tudo é possível.

Daí que o homem se escravize àqueles que dizem o que devemos pensar, fazer,
sentir e até comer, com o jejum, o Ramadão e a proibição de comer carne à sexta.
É uma rede que aprisiona até aquelas pessoas que não sendo crentes, como é o
meu caso, não ignoram nem negam os valores do cristianismo. O ateu absoluto não
existe. Fazer uma leitura simbólica do Antigo Testamento pode ser perigoso?

Como se pode fazer uma leitura simbólica da ordem que deus dá a Abraão para
matar o filho? Com que simbolismo se pode justificar isto? Esta ordem que, honra
seja feita a deus, não terá de ser cumprida tem uma correspondência na outra
ponta da Bíblia.

No Novo Testamento, também deus condena o seu filho à morte, supostamente


para salvar a Humanidade. Que deus é este que não tem poder para salvar a
Humanidade se não sacrificando o seu filho?

Podemos ver neste Caim um contraponto a Evangelho Segundo Jesus Cristo, numa
espécie de 'Bíblia segundo José Saramago'?

Não, até porque nunca o vi ou pensei assim. Num texto que escrevi para uma nova
versão de As Sete Últimas Palavras de Cristo, de Joseph Haydn, salientei o lado
humano de Jesus. E nas falas que ele dirige a deus há uma em que se refere ao
túmulo, do qual parece que ressuscita dentro de dois dias. Aí, a preocupação dele é
como sairá do túmulo. "Já se notarão nas minhas mãos e na minha cara as marcas
da podridão?".

É a preocupação de um homem, que não era muito diferente dos milhares de


judeus crucificados pelos romanos. Se a Conferência Episcopal não percebe o que
está por trás, por dentro, por fora e por baixo do que eu escrevo, o problema não é
meu, é de quem não consegue ir mais além. Se eu fiz uma leitura superficial ou
ingénua, eles estão instalados na exegese, da qual não querem sair.

Na epígrafe de As Intermitência da Morte escreveu: "Sabemos cada vez menos o


que é um ser humano". Este é o grande tema dos seus últimos livros? É que não há
nada mais: o valor do ser humano, da vida humana, cada um por si e por todos. É a
primeira coisa que há que respeitar, reconhecer e valorizar. Temos de criar outro
tipo de relações entre nós.

Só assim é possível encontrar uma nova Humanidade, que de certa forma também
aborda neste livro? Isso já foi tentado. Deus, descontente com a Humanidade,
gerou um dilúvio. Mas o que se pretende? Acabar outra vez com a humanidade,
criar outro noé e voltar a povoar a terra? Ou, pelo contrário, acabar com a fome, dar
condições de vida dignas e educação séria a toda a gente? Não nego que a Igreja
tenha sido útil em alguns momentos. Mas é uma carga terrível que a Humanidade
leva às costas.

A bondade pode ser a palavra-chave para o homem se reencontrar com a sua


humanidade?

É algo que nós deveríamos reconsiderar. Digamos que a bondade tem má


imprensa. Ninguém quer pensar nela, nem ser bom. E ser bom, na sua versão mais
simples, é aquela recomendação moral que diz: não faças aos outros aquilo que não
gostas que te façam a ti.

É utilitário e egoísta, mas funciona. Há dias ouvi uma gravação minha em que dizia
que se a alguém ocorrer fundar uma internacional da bondade eu inscrevo-me. Ela
é fundamental, e eu coloco-a acima de qualquer atributo humano, incluindo a
inteligência e a sensibilidade.

Imperativos literários

Numa passagem irónica de Caim, deus admite que possa haver no universo "uma
outra força, diferente e mais poderosa que a sua". Essa força pode ser a literatura?
Ela pode ser um elemento de mudança do mundo?

Até agora não mudou. Basta olhar para as grandes obras-primas do passado que
influenciaram uma época ou um conjunto de pessoas, mas nunca conseguiram
mudar o mundo. Para atingir esse objectivo, é preciso reduzir ou limitar o poder
absoluto de certas forças muito materiais deste planeta. Veja o que se está a passar
com a crise. Toda a gente pensava que ia ser o pretexto para uma reconversão
moral, o que não se verificou. Brecht tinha razão quando escreveu:

"Pior que assaltar um banco é fundar um banco". Estamos nas suas mãos, e o
próprio Obama já percebeu que contra eles não se pode fazer nada.

Resta-nos alguma esperança? Este livro é um pouco pessimista...

Não é nada. O livro acaba com uma negação total. Caim nega tudo. Atreve-se a
isso. Se essa é a minha posição pessoal?

Sim. Nego muita coisa. Digo não muitas vezes.

Falava na força da literatura, porque ela parece dar-lhe energia para, por exemplo,
estar três horas a dar autógrafos, mesmo estando fisicamente fragilizado.

Tive a sorte de escapar a uma doença gravíssima. Mas não recebi daí força. Talvez
tenha recebido outra coisa: um certo sentimento de urgência, como se fosse um
aviso.

Em que sentido?

Não estou obrigado, por nada que me seja exterior, a fazer isto ou aquilo. Qualquer
livro que tenha escrito, e este é um deles, responde a algo que é importante para
mim. A um imperativo.

A figura de Caim não me apareceu de repente. Anda na minha cabeça há muito


tempo.

E quando às vezes se fala da minha produtividade nos últimos anos, eu respondo de


uma maneira que a Pilar não gosta nada: uma vela nunca se apaga por
esmorecimento contínuo. No último momento, como uma espécie de canto do
cisne, a chama é mais alta, ilumina mais. Levanta-se, alarga-se e acaba. Mas o
importante é que estamos vivos. E que já estou a escrever um novo livro.

JL

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