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http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2013v25n40p13
Anoel Fernandes1
Heitor Andrade Rodrigues2
Tiago Aparecido Nardon3
Resumo
O presente ensaio teve como intuito discutir a inserção dos conteúdos de Educação
Física no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Para tanto, situa o referido exame
no cenário da educação nacional, buscando evidenciar o paradoxo representado
por uma avaliação dita “democrática”, que cobra dos alunos os conteúdos de uma
disciplina – Educação Física – que uma parcela de alunos por estudarem no período
noturno não tem acesso.
4 Sobre essa discussão, vale destacar o trabalho de Fensterseifer et. al. (2011) apresentado no I Ciclo de Simpósios:
Avaliação da Educação Básica em Debate, o qual traz elementos que podem enriquecer o debate sobre a
inserção do componente curricular Educação Física no âmbito do ENEM.
5 Ao longo do presente estudo, apesar do esforço investigativo, enfrentamos dificuldades para encontrar pesqui-
sas e dados oficiais sobre a situação da Educação Física no Ensino Médio Noturno. A alternativa encontrada,
no âmbito de nosso grupo de estudos, foi realizar uma pesquisa de campo com o objetivo de mapear a situa-
ção da Educação Física no Ensino Noturno em algumas cidades do interior paulista, no sentido de encontrar
subsídios para uma análise aprofundada. Os dados dessa pesquisa são elucidativos da complexidade do prob-
lema, contudo o artigo produto dessa pesquisa está em análise em periódico especializado e, portanto, não
pôde ser citado no presente artigo. Deste modo, apesar dos dados indicarem a ausência da Educação Física no
Ensino Médio Noturno em grande parte das escolas pesquisadas, no presente estudo optamos por colocar o
problema em evidência, evitando generalizações prematuras.
Ano XXV, n° 40, junho/2013 15
de Educação Física no ENEM com um dos De forma crescente e a cada ano obtendo
princípios que entendemos estabelecer avanços numéricos, o ENEM voltou a bater
“forte” relação com o eixo norteador de um novo recorde no ano de 2011, com
uma sociedade dita democrática, a saber: a 5.366.780 de participantes, na qual entre os
igualdade de oportunidades dos indivíduos. estudantes matriculados no último ano do
ensino médio (concluintes), 1.224.157 são
oriundos de escola pública (INEP, 2012)6.
A CONSTITUIÇÃO DO ENEM E SEUS Atualmente são mais de 600 IES
DESDOBRAMENTOS cadastradas no Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
O ENEM foi criado em 1998 com o (INEP) para utilizar os resultados do ENEM
objetivo de avaliar o desempenho do estu- em seus processos seletivos, seja de forma
dante ao fim da escolaridade básica. Devido complementar ou substitutiva. Um fator
às suas especificidades, o ENEM foi consi- que vale ser ressaltado é que as universi-
derado pelos seus idealizadores como um dades têm autonomia para organizar seus
exame inovador por enfatizar a avaliação processos seletivos, porém, muitas delas já
de competências e habilidades individuais substituíram ou estudam substituir o vesti-
e por apresentar questões baseadas em bular pelo ENEM.
situações do cotidiano, que se organizam Devido a esse rápido desenvolvi-
a partir da solução de problemas e que de- mento nos últimos dez anos o ENEM aca-
mandam o relacionamento interdisciplinar bou inferindo mudanças organizacionais e
e contextualizado dos conhecimentos. curriculares que atingiram todas as etapas e
Na sua 1ª edição, em 1998, o modalidades de educação, da pré-escola à
ENEM contou com um número “modes- educação superior. De antemão ressalta-se
to” de 157,2 mil inscritos e de 115,6 mil aqui que não nos ateremos em discutir todas
participantes. Na 4ª edição, em 2001, já as peculiaridades de mudanças internas da
alcançava a marca expressiva de 1,6 milhão educação devido à criação do ENEM, mas
de inscritos e de 1,2 milhão de participantes. sim, buscar-se-á discutir a inserção dos conte-
A popularização definitiva do ENEM veio údos de Educação Física no referido exame.
em 2004, quando o Ministério da Educação Fator decisivo para a discussão aqui
(MEC) instituiu o Programa Universidade apresentada foi o fato de que no ano de
para Todos (PROUNI) e vinculou a con- 2009 o ENEM adquire uma nova função,
cessão de bolsas em Instituições de Ensino passando a compor o processo de seleção,
(IES) privadas à nota obtida no Exame. No principalmente das universidades federais.
ano seguinte, o ENEM alcançava a marca O MEC definiu quatro formas de utilização
de 3 milhões de inscritos e 2,2 milhões de do novo ENEM para ingresso nas universi-
participantes. Em 2006, o ENEM estabe- dades, a saber:a) o ENEM como primeira
leceu novo recorde, com 3,7 milhões de fase; b) o ENEM como fase única para as
inscritos e 2,8 milhões de participantes. vagas ociosas, após o vestibular;c) o ENEM
6 Em 2012, (embora na elaboração deste texto ainda não estejam disponíveis os dados oficiais) as informações
dispostas no Inep denotam que houve aproximadamente 6.4 milhões de inscritos.
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foram inspirados numa legislação com mais Embora na nova LDB 9394/96 a
de 40 anos, uma vez que os termos da fa- expressão “facultativa nos cursos noturnos”
cultatibilidade expressos na Lei 10.793 já tenha deixado de existir, torna-se perceptí-
estavam presentes no Decreto 69.450/71, vel a não obrigação para com o componente
que assim determinava. curricular em questão, uma vez que a lei
torna facultativa a participação dos alunos
Art . 6º Em qualquer nível de todos os com prole, os alunos que cumpram jornada
sistemas de ensino, é facultativa a par- de trabalho igual ou superior 6 horas diárias,
ticipação nas atividades físicas progra-
os alunos que estejam prestando o serviço
madas:
a) aos alunos do curso noturno que militar e os alunos com mais de 30 anos, o
comprovarem, mediante carteiraprofis- que viabiliza diversos mecanismos para que
sional ou funcional, devidamente assi- os alunos sejam dispensados não apenas das
nada, exercer emprego remunerado em
atividades práticas do componente curricu-
jornada igual ou superior a seis horas;
b) aos alunos maiores de trinta anos de lar, mas inclusive da presença nas aulas.
idade; Esse fato torna-se ainda mais agra-
c) aos alunos que estiverem prestando vante se considerarmos o percentual de
serviço militar na tropa;
alunos do Ensino Médio atendidos no
d) aos alunos amparados pelo Decreto-
-lei nº 1.044, de 21 de outubro de período noturno, conforme demonstram
1969, mediante laudo do médico assis- os dados do Instituto Nacional de Estudos
tente do estabelecimento. e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) (Quadro 1).
Fonte: INEP
análise crítica visando apreender as próprias como a brasileira regida pelo sistema capi-
ambiguidades internas do objeto discuti- talista, e que a educação como parte deste
do, neste caso a inserção dos conteúdos sistema é por ele regida, torna-se fato que
de um componente curricular - Educação não temos a igualdade de oportunidades na
Física – em um exame que dá acesso ao educação, na qual se destaca – dentre outras
Ensino Superior que, por sua vez, desde – uma questão que em nosso entender é a
2009 apodera-se de um conteúdo que uma mais visível das diferenças nas oportunida-
parcela de alunos do Ensino Médio noturno des dadas aos sujeitos, mais precisamente,
não tem acesso. a constituição de redes de ensino, sendo as
Dessa forma, torna-se questionável a públicas – para os filhos dos pobres – e a
legalidade da cobrança de um conteúdo ao rede privada de ensino destinada aos filhos
qual nem todos os estudantes têm acesso. da elite.
Tal como proferido na Constituição Federal Bourdieu e Passeron (1970) contri-
de 1988 no seu Art. 5º buem com essa discussão ao apresentarem
os resultados de uma ampla pesquisa so-
Todos são iguais perante a lei, sem dis- bre as experiências do sistema escolar da
tinção de qualquer natureza, garantin- França, onde o foco recaiu sobre o sistema
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do universitário, mais precisamente acerca
direito à vida, à liberdade, à igualdade, do processo de seleção e passagem para
à segurança e à propriedade, nos ter- o Ensino Superior. Os autores criticaram o
mos seguintes: modo de ver e pensar da escola francesa,
I - homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta definindo-a como espaço da reprodução so-
Constituição; cial e um eficiente domínio de legitimação
das desigualdades, ou seja, a escola é vista
Conforme a legislação vigente torna-se pelos autores como um local, uma institui-
patente o principio de igualdade em direitos ção que reproduz a sociedade e seus valores
e obrigações, ou seja, princípios de uma e que efetiva e legaliza as desigualdades em
sociedade “dita” democrática. Embora possa todos os aspectos, pois é na escola que o
haver várias definições de democracia, aqui legado econômico da família transforma-se
serão tomados como base dois princípios que em capital cultural.
são comuns a qualquer definição: 1)Todos os Se o legado das classes menos
membros da sociedade têm igual acesso ao abastadas materializa-se no capital cultu-
poder; 2) Todos os membros da sociedade ral, tal discussão também pode ser aqui
gozam de liberdades e garantias universal- explorada, uma vez que, o acesso aos bens
mente reconhecidas (MIRANDA, 2012). culturais – nesse caso a Educação Física e
Mediante o concebido na Constitui- seus conteúdos - que proporcionam acesso
ção Federal de 1988 e na própria definição ao ensino superior acabam sendo negados a
de democracia, um fator parece ser patente uma parcela de estudantes pertencentes às
e relevante para a presente discussão, a classes baixas, sendo, por conseguinte, um
saber: o principio da igualdade de direitos. fator reforçador das desigualdades.
Embora saibamos inexistir a igual- Diante disso, a inserção dos conte-
dade de oportunidades numa sociedade tal údos da Educação Física no ENEM frente
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Abstract
This article, bibliographical, had the intention to discuss the inclusion of the contents
of Physical Education in the National High School Exam (ENEM), in Brazil. Therefore,
this examination is located on the national education scene, seeking to highlight the
paradox represented in the Exam called “democratic”, that requires students the content
of a discipline - Physical Education - that a portion of students for studying at night does
not have access.