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ARTIGOS ORIGINAIS

Motrivivência Ano XXV, Nº 40, P. 13-24 Jun./2013

http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2013v25n40p13

A INSERÇÃO DOS CONTEÚDOS DE EDUCAÇÃO


FÍSICA NO ENEM: entre a valorização do componente
curricular e as contradições da democracia

Anoel Fernandes1
Heitor Andrade Rodrigues2
Tiago Aparecido Nardon3

Resumo

O presente ensaio teve como intuito discutir a inserção dos conteúdos de Educação
Física no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Para tanto, situa o referido exame
no cenário da educação nacional, buscando evidenciar o paradoxo representado
por uma avaliação dita “democrática”, que cobra dos alunos os conteúdos de uma
disciplina – Educação Física – que uma parcela de alunos por estudarem no período
noturno não tem acesso.

Palavras-chave: Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM); Educação Física escolar;


Ensino Médio.

1 Doutorando em Educação. LETPEF/UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil. E-mail: anoelfernandes@ig.com.br.


2 Doutorando em Educação Física. LETPEF/UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil. E-mail: triheitor@yahoo.com.br.
3 Especialista em Educação Física Escolar. LETPEF/UNESP. Rio Claro/São Paulo, Brasil.
E-mail: tnardon@bol.com.br.
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INTRODUÇÃO entanto, longe de secundarizar a relevância


destas problemáticas, aponta-se aqui uma
O Exame Nacional do Ensino Mé- questão que, em nosso entender, antecede
dio (ENEM) consolidou-se, a partir de qualquer discussão sobre a inserção dos
2009, como instrumento de seleção uni- conteúdos da Educação Física no ENEM,
ficada dos processos seletivos de diversas a saber: a facultatividade da disciplina aos
universidades brasileiras, afastando-se pro- alunos com prole, aos alunos que trabalham
gressivamente de seus objetivos originais de mais de 6 horas diárias, aos militares e às
avaliação das competências e habilidades pessoas com mais de 30 anos, aspectos que
dos alunos, com vistas à definição de polí- vêm justificando a ausência da disciplina
ticas públicas educacionais. nos cursos noturnos do Ensino Médio, assim
No bojo dessas transformações a como apontado em pesquisa realizada por
Educação Física, como componente curri- Feitosa et. al. 2011, em escolas da rede
cular da Educação Básica, passou a integrar pública de Caruaru5.
a matriz de Linguagens, Códigos e suas Diante dessa facultatividade im-
Tecnologias (LCT), uma das áreas de co- posta pela legislação, associada com o
nhecimento do exame. Desde então, foram oferecimento do Ensino Médio no período
elaboradas 6 provas do ENEM – das quais 4 noturno, o objetivo do presente estudo
foram validadas e 2 provas acabaram sendo foi discutir as contradições geradas pela
canceladas devido ao vazamento dos seus ausência da Educação Física em algumas
conteúdos. Nestas provas foi possível iden- escolas no Ensino Médio noturno frente à
tificar pelo menos 18 questões relacionadas inserção desse componente curricular como
ao objeto da Educação Física na escola. conteúdo do processo de seleção ao Ensino
Frente ao cenário da inserção dos Superior, representado pelo ENEM.
conteúdos da Educação Física no ENEM, Para tanto, optou-se por uma des-
poderíamos voltar nossa atenção para as te- crição da constituição do ENEM e seus
máticas das questões, ou para os currículos desdobramentos, em seguida resgatou-se
de Educação Física presentes nas diversas alguns pressupostos legais da Educação Físi-
redes de ensino – públicas (municipais e ca na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
estaduais) e privadas - e os conteúdos que Nacional e, por fim, realizou-se discussão
estão sendo “cobrados” no ENEM 4. No buscando articular a inserção dos conteúdos

4 Sobre essa discussão, vale destacar o trabalho de Fensterseifer et. al. (2011) apresentado no I Ciclo de Simpósios:
Avaliação da Educação Básica em Debate, o qual traz elementos que podem enriquecer o debate sobre a
inserção do componente curricular Educação Física no âmbito do ENEM.
5 Ao longo do presente estudo, apesar do esforço investigativo, enfrentamos dificuldades para encontrar pesqui-
sas e dados oficiais sobre a situação da Educação Física no Ensino Médio Noturno. A alternativa encontrada,
no âmbito de nosso grupo de estudos, foi realizar uma pesquisa de campo com o objetivo de mapear a situa-
ção da Educação Física no Ensino Noturno em algumas cidades do interior paulista, no sentido de encontrar
subsídios para uma análise aprofundada. Os dados dessa pesquisa são elucidativos da complexidade do prob-
lema, contudo o artigo produto dessa pesquisa está em análise em periódico especializado e, portanto, não
pôde ser citado no presente artigo. Deste modo, apesar dos dados indicarem a ausência da Educação Física no
Ensino Médio Noturno em grande parte das escolas pesquisadas, no presente estudo optamos por colocar o
problema em evidência, evitando generalizações prematuras.
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de Educação Física no ENEM com um dos De forma crescente e a cada ano obtendo
princípios que entendemos estabelecer avanços numéricos, o ENEM voltou a bater
“forte” relação com o eixo norteador de um novo recorde no ano de 2011, com
uma sociedade dita democrática, a saber: a 5.366.780 de participantes, na qual entre os
igualdade de oportunidades dos indivíduos. estudantes matriculados no último ano do
ensino médio (concluintes), 1.224.157 são
oriundos de escola pública (INEP, 2012)6.
A CONSTITUIÇÃO DO ENEM E SEUS Atualmente são mais de 600 IES
DESDOBRAMENTOS cadastradas no Instituto Nacional de Estudos
e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
O ENEM foi criado em 1998 com o (INEP) para utilizar os resultados do ENEM
objetivo de avaliar o desempenho do estu- em seus processos seletivos, seja de forma
dante ao fim da escolaridade básica. Devido complementar ou substitutiva. Um fator
às suas especificidades, o ENEM foi consi- que vale ser ressaltado é que as universi-
derado pelos seus idealizadores como um dades têm autonomia para organizar seus
exame inovador por enfatizar a avaliação processos seletivos, porém, muitas delas já
de competências e habilidades individuais substituíram ou estudam substituir o vesti-
e por apresentar questões baseadas em bular pelo ENEM.
situações do cotidiano, que se organizam Devido a esse rápido desenvolvi-
a partir da solução de problemas e que de- mento nos últimos dez anos o ENEM aca-
mandam o relacionamento interdisciplinar bou inferindo mudanças organizacionais e
e contextualizado dos conhecimentos. curriculares que atingiram todas as etapas e
Na sua 1ª edição, em 1998, o modalidades de educação, da pré-escola à
ENEM contou com um número “modes- educação superior. De antemão ressalta-se
to” de 157,2 mil inscritos e de 115,6 mil aqui que não nos ateremos em discutir todas
participantes. Na 4ª edição, em 2001, já as peculiaridades de mudanças internas da
alcançava a marca expressiva de 1,6 milhão educação devido à criação do ENEM, mas
de inscritos e de 1,2 milhão de participantes. sim, buscar-se-á discutir a inserção dos conte-
A popularização definitiva do ENEM veio údos de Educação Física no referido exame.
em 2004, quando o Ministério da Educação Fator decisivo para a discussão aqui
(MEC) instituiu o Programa Universidade apresentada foi o fato de que no ano de
para Todos (PROUNI) e vinculou a con- 2009 o ENEM adquire uma nova função,
cessão de bolsas em Instituições de Ensino passando a compor o processo de seleção,
(IES) privadas à nota obtida no Exame. No principalmente das universidades federais.
ano seguinte, o ENEM alcançava a marca O MEC definiu quatro formas de utilização
de 3 milhões de inscritos e 2,2 milhões de do novo ENEM para ingresso nas universi-
participantes. Em 2006, o ENEM estabe- dades, a saber:a) o ENEM como primeira
leceu novo recorde, com 3,7 milhões de fase; b) o ENEM como fase única para as
inscritos e 2,8 milhões de participantes. vagas ociosas, após o vestibular;c) o ENEM

6 Em 2012, (embora na elaboração deste texto ainda não estejam disponíveis os dados oficiais) as informações
dispostas no Inep denotam que houve aproximadamente 6.4 milhões de inscritos.
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combinado ao atual vestibular da institui- ainda no século XIX, entretanto, de acordo


ção; d) Neste último caso, fica a cargo da com Betti (1991), apenas em 1937 uma
universidade definir o percentual da nota constituição referiu-se diretamente a ela, por
do ENEM a ser utilizado junto com a nota meio de seu artigo 131, quando determina
do vestibular. a obrigatoriedade da Educação Física nas
Neste mesmo ano outro fator – que escolas de ensino primário. Já no ensino
é o foco da presente análise - chama a
secundário a Reforma Capanema garantiu
atenção, mais precisamente, o fato de a
sua obrigatoriedade para todos os alunos até
Educação Física passar a integrar a matriz
21 anos de idade (BETTI, 1991).
de Linguagens Códigos e suas Tecnologias
(LCT), e, por conseguinte, tornar-se uma das Dando um “grande salto” na histó-
áreas de conhecimento do exame. Desde ria, e, analisando a Lei de Diretrizes e Bases
então – conforme já mencionado -, foram da Educação Nacional (n° 4.024), promul-
elaboradas e divulgadas 6 provas do ENEM gada em 20 de dezembro de 1961 (LDBEN
até o ano de 2012, todas elas com questões 4.024/61), percebe-se um importante acon-
relacionadas à área de Educação Física. tecimento: a inclusão da obrigatoriedade da
O que vale ser destacado aqui é que, Educação Física para os níveis de ensino
em meio a esse movimento de inserção de primário e médio, até a idade de 18 anos.
seus conteúdos em um exame de referência De acordo com a referida lei: “Art. 22. Será
nacional, a Educação Física nesta discussão obrigatória a prática da educação física em
ficou diante de uma situação dual, na qual, todos os níveis e ramos de escolarização,
de um lado, aponta-se a valorização da com predominância esportiva no ensino
disciplina que, por sua vez, traz arraigada
superior.”. Na interpretação de Betti (1991)
um histórico meramente ligado ao fazer.
tal medida consolidou definitivamente a
Por outro lado, a inserção dessa disciplina
introdução da Educação Física no sistema
como conteúdo em uma avaliação de âm-
bito nacional traz a tona um fato que não educacional brasileiro.
deve ser desconsiderado antes de avançar Posteriormente, a Lei de Diretrizes e
em qualquer discussão sobre a relação Bases da Educação Nacional (n° 5.692) de
Educação Física/ENEM, a saber: o principio 11 de agosto de 1971 (LDBEN 5.692/71),
básico de uma sociedade “dita” democráti- em seu artigo 7° estabelece a obrigatorieda-
ca que é a igualdade de oportunidades. A de da Educação Física nos ensinos de 1° e
relevância de tal discussão é aqui apontada, 2 ° graus, juntamente com Educação Moral
pois parece fato que uma parcela dos alunos e Cívica. No mesmo ano o Decreto 69.450,
do Ensino Médio noturno não tem acesso à de 1 de novembro de 1971 determinou que:
Educação Física.
Art. 1º A educação física, atividade que
por seus meios, processos e técnicas,
A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS LEIS DE desperta, desenvolve e aprimora-forças
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO físicas, morais, cívicas, psíquicas e so-
NACIONAL ciais do educando, constitui um dos
fatores básicos para a conquista das fi-
nalidades da educação nacional.
A inserção da Educação Física Art. 2º A educação física, desportiva
oficialmente na escola brasileira ocorreu e recreativa integrará, como atividade
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escolar regular, o currículo dos cursos Art. 26 § 3o A educação física, integra-


de todos os graus de qualquer sistema da à proposta pedagógica da escola,
de ensino. é componente curricular obrigatório
da Educação Básica, ajustando-se às
faixas etárias e às condições da popu-
Quase três décadas depois a Educa- lação escolar, sendo facultativa nos
ção Física vislumbrou novas determinações cursos noturnos. (Redação dada pela lei
do ponto de vista legal. Na atual Lei de n° 10.328, de 12/12/2001)
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
sancionada em 20 de dezembro de 1996 A facultatibilidade da Educação
(LDBEN 9.394/96) a Educação Física está Física nos cursos noturnos se manteve res-
definida como componente curricular da paldada na legislação até o ano de 2003,
educação básica integrada à proposta pe- quando a Lei 10.793 aprovada em 1° de
dagógica da escola. dezembro de 2003 alterou a redação até
No entanto, segundo Silva e Ve- então vigente conforme o disposto no Art.
26 da Lei no 10.793.
nâncio (2005), tal alteração não expressou
mudanças significativas, pois como o texto
Art. 26 § 3o A educação física, integra-
inicialmente era bastante generalista não da à proposta pedagógica da escola, é
ficando garantida a presença das aulas componente curricular obrigatório da
de Educação Física em todas as etapas da educação básica, sendo sua prática fa-
cultativa ao aluno: (Redação dada pela
Educação Básica.
Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
A aprovação da Lei 10.328 em 12 de I– que cumpra jornada de trabalho
dezembro de 2001, alterando a redação do igual ou superior a seis horas; (Incluído
§3° do artigo 26 da LDB, incluindo o termo pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
II – maior de trinta anos de idade; (Inclu-
“obrigatório” após “componente curricular” ído pela Lei nº 10.793, de 1º.12.2003)
foi uma tentativa de garantir o ensino de III – que estiver prestando serviço mili-
Educação Física em todos os níveis da Edu- tar inicial ou que, em situação similar,
estiver obrigado à prática da educação
cação Básica. No entanto, tal fato não gerou
física; (Incluído pela Lei nº 10.793, de
transformações importantes, pois, segundo 1º.12.2003)
Silva e Venâncio (2005) “não ficava claro IV – amparado pelo Decreto-Lei
que a mesma devesse ser ministrada, por no 1.044, de 21 de outubro de 1969;
(Incluído pela Lei nº 10.793, de
exemplo, em todas as séries da Educação 1º.12.2003)
Básica (p.56)”. V – (VETADO) (Incluído pela Lei
Apesar do avanço conquistado nº 10.793, de 1º.12.2003)
VI – que tenha prole. (Incluído pela Lei
através da LDB 9394/96 – atualmente em nº 10.793, de 1º.12.2003)
vigência - a Educação Física ainda enfrenta-
va - ou enfrenta - alguns retrocessos no que Mesmo com a mudança no texto da
tange, principalmente, ao Ensino Médio, legislação, os mecanismos que viabilizam a
uma vez que a mesma lei que lhe confere evasão, ou mesmo o não oferecimento das
o status de componente curricular obrigató- aulas de Educação Física no Ensino Médio
rio, paradoxalmente, a torna facultativa nos noturno continuaram presentes. Um fator
cursos noturnos. que vale ser ressaltado é que tais mecanismos
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foram inspirados numa legislação com mais Embora na nova LDB 9394/96 a
de 40 anos, uma vez que os termos da fa- expressão “facultativa nos cursos noturnos”
cultatibilidade expressos na Lei 10.793 já tenha deixado de existir, torna-se perceptí-
estavam presentes no Decreto 69.450/71, vel a não obrigação para com o componente
que assim determinava. curricular em questão, uma vez que a lei
torna facultativa a participação dos alunos
Art . 6º Em qualquer nível de todos os com prole, os alunos que cumpram jornada
sistemas de ensino, é facultativa a par- de trabalho igual ou superior 6 horas diárias,
ticipação nas atividades físicas progra-
os alunos que estejam prestando o serviço
madas:
a) aos alunos do curso noturno que militar e os alunos com mais de 30 anos, o
comprovarem, mediante carteiraprofis- que viabiliza diversos mecanismos para que
sional ou funcional, devidamente assi- os alunos sejam dispensados não apenas das
nada, exercer emprego remunerado em
atividades práticas do componente curricu-
jornada igual ou superior a seis horas;
b) aos alunos maiores de trinta anos de lar, mas inclusive da presença nas aulas.
idade; Esse fato torna-se ainda mais agra-
c) aos alunos que estiverem prestando vante se considerarmos o percentual de
serviço militar na tropa;
alunos do Ensino Médio atendidos no
d) aos alunos amparados pelo Decreto-
-lei nº 1.044, de 21 de outubro de período noturno, conforme demonstram
1969, mediante laudo do médico assis- os dados do Instituto Nacional de Estudos
tente do estabelecimento. e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(INEP) (Quadro 1).

Quadro 1- Dados do Censo Escolar 2010.

Matrícula no Ensino Médio Regular Noturno - Brasil -2007 -2010

2007 2008 2009 2010


41,2% 39,1% 37,0% 34,4

Fonte: INEP

De acordo com dados obtidos atra- ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A LEGIS-


vés do censo escolar realizado em 2010, LAÇÃO, A EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA
quase 35% dos alunos do Ensino Médio INSERÇÃO NO ENEM
estão matriculados no curso noturno. Os
dados têm demonstrado uma diminuição Diante dos elementos até aqui
no número de alunos atendidos no período apresentados, considera-se relevante aden-
noturno ao longo dos últimos anos, contudo trar o conceito de igualdade presente na
o percentual atual é bastante significativo. Constituição Federal de 1988 e inferir uma
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análise crítica visando apreender as próprias como a brasileira regida pelo sistema capi-
ambiguidades internas do objeto discuti- talista, e que a educação como parte deste
do, neste caso a inserção dos conteúdos sistema é por ele regida, torna-se fato que
de um componente curricular - Educação não temos a igualdade de oportunidades na
Física – em um exame que dá acesso ao educação, na qual se destaca – dentre outras
Ensino Superior que, por sua vez, desde – uma questão que em nosso entender é a
2009 apodera-se de um conteúdo que uma mais visível das diferenças nas oportunida-
parcela de alunos do Ensino Médio noturno des dadas aos sujeitos, mais precisamente,
não tem acesso. a constituição de redes de ensino, sendo as
Dessa forma, torna-se questionável a públicas – para os filhos dos pobres – e a
legalidade da cobrança de um conteúdo ao rede privada de ensino destinada aos filhos
qual nem todos os estudantes têm acesso. da elite.
Tal como proferido na Constituição Federal Bourdieu e Passeron (1970) contri-
de 1988 no seu Art. 5º buem com essa discussão ao apresentarem
os resultados de uma ampla pesquisa so-
Todos são iguais perante a lei, sem dis- bre as experiências do sistema escolar da
tinção de qualquer natureza, garantin- França, onde o foco recaiu sobre o sistema
do-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do universitário, mais precisamente acerca
direito à vida, à liberdade, à igualdade, do processo de seleção e passagem para
à segurança e à propriedade, nos ter- o Ensino Superior. Os autores criticaram o
mos seguintes: modo de ver e pensar da escola francesa,
I - homens e mulheres são iguais em
direitos e obrigações, nos termos desta definindo-a como espaço da reprodução so-
Constituição; cial e um eficiente domínio de legitimação
das desigualdades, ou seja, a escola é vista
Conforme a legislação vigente torna-se pelos autores como um local, uma institui-
patente o principio de igualdade em direitos ção que reproduz a sociedade e seus valores
e obrigações, ou seja, princípios de uma e que efetiva e legaliza as desigualdades em
sociedade “dita” democrática. Embora possa todos os aspectos, pois é na escola que o
haver várias definições de democracia, aqui legado econômico da família transforma-se
serão tomados como base dois princípios que em capital cultural.
são comuns a qualquer definição: 1)Todos os Se o legado das classes menos
membros da sociedade têm igual acesso ao abastadas materializa-se no capital cultu-
poder; 2) Todos os membros da sociedade ral, tal discussão também pode ser aqui
gozam de liberdades e garantias universal- explorada, uma vez que, o acesso aos bens
mente reconhecidas (MIRANDA, 2012). culturais – nesse caso a Educação Física e
Mediante o concebido na Constitui- seus conteúdos - que proporcionam acesso
ção Federal de 1988 e na própria definição ao ensino superior acabam sendo negados a
de democracia, um fator parece ser patente uma parcela de estudantes pertencentes às
e relevante para a presente discussão, a classes baixas, sendo, por conseguinte, um
saber: o principio da igualdade de direitos. fator reforçador das desigualdades.
Embora saibamos inexistir a igual- Diante disso, a inserção dos conte-
dade de oportunidades numa sociedade tal údos da Educação Física no ENEM frente
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à precariedade de oferecimento desse ensino superior não significa a vitória


componente curricular no Ensino Médio da formação cultural (GIOVINAZZO
JUNIOR, 2009, p.1-2).
noturno acaba sendo mais um fator para
aumentar as discrepâncias de oportunidades
As assertivas do autor sobre o acesso
dos indivíduos, uma vez que, estes sequer
aos bens culturais – que na presente discus-
têm acesso ao conhecimento que será co-
são insere-se na escola e a possibilidade de
brado com “falsa igualdade”, haja vista que
formação por ela oferecida - e sua reflexão
no discurso oficial que propugna o ENEM,
sobre pseudodemocracia baseado em Ador-
“todos são iguais”. No entanto, tal igualdade
no, parecem ter um caráter válido também
não é a de oportunidades, e sim igualdade
para a relação Educação Física/ENEM, uma
de “obrigações”, pois a avaliação dos con-
vez que, no caso dos alunos que cursam o
teúdos é a mesma para todos os indivíduos.
Ensino Médio no período noturno a escola
Essas condições concorrem/reforçam
acaba não oferecendo acesso a determinado
as contradições da democracia, uma vez que,
bem cultural, que neste caso seria o acesso
a “Educação para todos” é a bandeira tanto
a todos os alunos ao conteúdo de um com-
de governos mais conservadores quanto
ponente curricular – Educação Física - na
dos ditos de esquerda para a afirmação da
qual eles serão cobrados quando no mo-
democracia. No entanto, diante da inserção
mento de sua inserção no Ensino Superior,
dos conteúdos de Educação Física - em um
materializando-se dessa forma a “relação”
exame que dá direito de acesso ao Ensino
entre formação e democracia. Não se trata
Superior - significa romper de vez com os res-
de anexar diretamente o oferecimento (ou
quícios de democracia na educação. Isso se
não) de determinado conteúdo escolar à
torna patente na medida em que nem todos
democracia, mas sim refletir como Adorno
os estudantes têm acesso aos conhecimentos
concebe a formação, para, em seguida
deste componente curricular.
discorrer sobre como se consubstanciam
Embora não discutindo a Educação
a formação dos alunos com o processo
Básica nem questões relativas ao ENEM,
democrático.
Giovinazzo Junior (2009) ao discutir o
Ao posicionar-se sobre como se
processo de democratização do Ensino
dá a formação dos indivíduos Adorno
Superior no Brasil faz uma reflexão interes-
(1996, 388), afirma que “a formação nada
sante para a presente discussão. Conforme
mais é que a cultura tomada pelo lado de
o autor:
sua apropriação subjetiva”. No entanto,
(...) o Ensino Superior no Brasil está Crochik (2000, p. 163) afirma que a socie-
envolvo no que Adorno denomina dade burguesa privou a formação de sua
de ideologia da pseudodemocracia, base, surgindo a pseudoformação que é “a
pois a maneira como os bens culturais integração e domesticação do indivíduo”
chegam àqueles que antes não tinham
acesso à cultura é determinada pelo (...), na qual “a pseudoformação impede
desenvolvimento econômico e tecno- o pensamento”. Tais reflexões ganham
lógico – orientado, é claro, pela lógica relevância no presente embate, pois se a
do capital e da mercadoria. O fato de sociedade burguesa privou os indivíduos
que cada vez mais pessoas possam ter
acesso aos bancos das instituições de da real possiblidade formativa, tal privação
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é materializada na “falsa” igualdade das determinações também devem ser apreen-


experiências formativas oferecida aos in- didas fora do âmbito estritamente cultural
divíduos. Em outros termos, considera-se e pedagógico. Dessa forma, a apreensão do
que a formação oferecida às classes menos processo da formação e pseudoformação, e
favorecidas acaba sendo uma falsa integra- sua relação com a democracia, precisam ser
ção aos bens culturais que, sob o véu da analisadas no próprio âmbito de reprodução
pseudoformação mascara as diferenças de da vida real dos homens, ou seja, é necessá-
oportunidades dos indivíduos. rio considerá-la no conjunto da sociedade
Seguindo essa linha de raciocínio, em que ela se manifesta, ou seja, para
Pucci (1998) traz para reflexão o fato de que analisar a formação e a pseudoformação é
quando os trabalhadores, depois de muitas preciso considerá-las, “no plano da própria
lutas, conseguiram adquirir direitos que lhes produção social da sociedade em sua forma
possibilitaram uma melhoria das condições determinada” (MAAR, 2003, p.471).
de vida e, por conseguinte, um acesso maior Mediante tais reflexões, e a relação
à formação cultural, a burguesia manteve com a temática discutida, as considerações so-
sua exclusão deste processo através da se- bre formação e democracia “entrelaçam-se”,
uma vez que traz a tona a necessidade de
miformação, como uma falsificação de for-
não perder de vista a “forma social” em que
mação. Bandeira e Oliveira (2012, p. 230)
se dá a formação dos indivíduos, nesse caso,
apontam que “A semiformação, ao contrário
os alunos que cursam o ensino Médio no
do ideal da formação, que pretende ser um
período noturno. Em outros termos, de uma
processo de emancipação dos indivíduos,
parte, considera-se que o oferecimento de
enquanto sujeitos da práxis social, produz
uma formação de qualidade a todos se torna
a acomodação destes sujeitos à situação de
condição necessária para um real processo
dominação a que estão submetidos”.
democrático, e, por outra parte, o não ofe-
Entremeio as tais assertivas, conside-
recimento de um determinado conteúdo
ra-se que para analisar a formação e a pseu- – nesse caso os conteúdos de Educação
doformação na sociedade contemporânea é Física aos alunos - a uma parcela de alunos
necessário apreender a dialética imanente da rede pública que estudam no período
ao próprio processo de reprodução material noturno, torna-se ainda mais reforçador da
da sociedade, considerando a forma social pseudodemocracia.
em que a formação se encontra, mais preci- Ressalta-se aqui que não se trata de
samente, vale a reflexão de que se a escola é denunciar a já tão evidente discrepância de
constantemente apontada tanto por pessoas qualidade entre a escola pública oferecida
de menor erudição, assim como pelos inte- às classes menos favorecidas e a privada às
lectuais e formuladores das políticas como classes mais favorecidas economicamente,
o local designado para a formação, em uma mas sim trazer a tona mais um elemento
análise crítica não se pode perder de vista reforçador da pseudodemocracia da edu-
os nexos que a escola estabelece com os cação no Brasil que, por sua vez acaba
processos formativos de forma geral. sendo sedimentada na cobrança de um
Tal reflexão torna-se pertinente, conteúdo em um exame oficial - ENEM -,
pois a crise da formação é resultante de um na qual uma parcela significativa de alunos
processo social amplo, por conseguinte, as não tem acesso.
22

CONSIDERAÇÕES FINAIS aqui discutida, uma vez que, quando se


cobra do individuo um conteúdo que ele
Este breve ensaio teve como eixo não teve a oportunidade de ao menos ter
norteador a inserção dos conteúdos de acesso - devido às desigualdades econômi-
Educação Física no ENEM, e suas implica- cas -, a democracia parece caminhar para
ções para os alunos que cursam o Ensino uma pseudodemocracia – falsa democracia.
Médio noturno. Seguindo essa linha de reflexão,
Frente a estas discussões - e sem a Touraine (1997) ao apontar os caminhos
intenção de esgotar este assunto – ressalta-se em busca da democracia, enfatiza que
que a relação entre a Educação Física e em qualquer país é preciso que o apelo
o ENEM não pode ser tomada de forma à liberdade democrática seja mobilizado
abstrata e fragmentada, isolada do contexto no sentido de impedir a conquista de uma
social, ou seja, deve-se levar em conta a democracia falsa, consolidada sobre a
realidade brasileira – social, econômica e exclusão social e a manipulação política
política – e o conceito de democracia que a da grande maioria. Tais assertivas do autor
norteia. Uma vez que, se de um lado, temos ganham representatividade na discussão
o Estado como órgão central com o poder aqui proposta, uma vez que, reforçam o
de realizar inferências diretas em todas as questionamento se a relação ENEM/Educa-
instâncias organizacionais, por outro lado, ção Física não estaria sendo mais um fator
este mesmo Estado acaba estabelecendo e que concorre para reforçar a já existente
implementando politicas que definem tanto pseudo/falsa democracia.
as condições objetivas dos indivíduos, uma Diante das inquietações e reflexões
vez que mais de 30 % dos alunos do Ensino aqui assinaladas, tivemos o cuidado de an-
Médio – composto em sua maioria pelos tes de cairmos em um discurso corporativis-
alunos oriundos das classes menos favo- ta – uma vez que, os autores deste texto são
recidas que trabalham no período diurno professores de Educação Física - em torno
- cursam o período noturno. da inserção deste componente curricular
Tais condições acabam interferindo no ENEM, optou-se em apresentar e discutir
diretamente no processo formativo dos indi- algumas contradições internas desta temá-
víduos e, por conseguinte, materializando-se tica, na qual o intuito é possibilitar futuras
em um exame - ENEM – que possui con- reflexões e proposições.
teúdos que estes indivíduos não tiveram
acesso. Esses questionamentos colocam em
xeque o princípio de igualdade tão procla- REFERÊNCIAS
mada na Constituição Federal, bem como
nos discursos proferidos pelos gestores e ADORNO, T. W. Teoria da Semicultura.
representantes do ENEM. Educação e Sociedade, Campinas, Ano
Ao apontar o que significa a de- XVII, nº 56. Editora Papirus, dezembro,
mocracia, Chauí (2000) enfatiza que a p. 388-411, 1996.
democracia declara os direitos universais do BANDEIRA, Belkis Souza2012BANDEIRA,
homem e do cidadão. Tal definição remete B. S; OLIVEIRA, A. R. Formação cultural
novamente ao questionamento da temática e semiformação: contribuições de
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THE INSERTION OF THE CONTENTS OF PHYSICAL EDUCATION IN ENEM: between


the valuation of the curricular component and the contradictions of democracy

Abstract

This article, bibliographical, had the intention to discuss the inclusion of the contents
of Physical Education in the National High School Exam (ENEM), in Brazil. Therefore,
this examination is located on the national education scene, seeking to highlight the
paradox represented in the Exam called “democratic”, that requires students the content
of a discipline - Physical Education - that a portion of students for studying at night does
not have access.

Keywords: National High School Exam (ENEM); Physical Education; School.

Recebido em: janeiro/2013


Aprovado em: maio/2013

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