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A Terceira Cultura

Enviado por Redação • agosto 18, 2002 • PONTOS DE VISTA • 0 Comentários


O empresário John Brockman, agente literário de alguns dos mais destacados
cientistas escritores do mundo, publicou em 1991 um ensaio intitulado “A Emergência da
Terceira Cultura”. Suas reflexões causaram uma sucessão de debates cujas
conseqüências e revelações não podem ser ignoradas pelos gestores que consideram
seriamente sua missão de criar conhecimento e se manter na vanguarda das mudanças
que se sucedem nas relações humanas e nos negócios. Entre 1991 e 1994, Brockman
conversou com muitos cientistas envolvidos nas mais avançadas pesquisas dos mais
variados campos do conhecimento humano e publicou, em 1995, o livro “A Terceira
Cultura: Muito Além da Revolução Científica”.
Não se trata de uma mera antologia sobre descobertas científicas ou teorias sobre
cosmologia. É o registro vivo e documental de um novo sistema de conhecimento e a
apresentação pessoal dos protagonistas de uma nova visão de mundo que está
revolucionando completamente o modo como fazemos cultura. A partir das revelações
espantosas feitas pela ciência nas últimas décadas, esses estudiosos conduzem
reflexões sobre as mais importantes questões do nosso tempo. Brockman criou uma
organização para agrupar esses cientistas e congregou suas manifestações no site da
Internet www.edge.org, de onde tiro algumas das análises que se seguem.
“Para chegar ao limite do conhecimento, encontre as pessoas cujas mentes são as
mais complexas e sofisticadas, coloque-as juntas numa sala e peça que façam umas às
outras as perguntas que estão fazendo a si mesmas”. Esse é o conselho de John
Brokman, que ele próprio seguiu à risca, tornando-se por essa simples razão o cronista de
um novo e transformador universo cultural que está redefinindo praticamente todas as
relações humanas, desde o modo como iremos educar nossos filhos até as escolhas que
faremos na compra de tecnologia ou o estilo com que faremos negócios ou arte daqui
para a frente. O que estamos testemunhando é muito mais do que uma revolução
científica: é o limiar do tempo que chamamos de Era do Conhecimento.
O conceito de duas culturas dominantes na nossa sociedade foi definido em 1959
pelo cientista, escritor e administrador público britânico Charles Percy Snow, Barão de
Leicester, no livro “As Duas Culturas”. Snow observou que o mundo cultuava, de um lado,
os intelectuais literatos e do outro, os cientistas, que desde Einstein vinham
revolucionando o conhecimento do universo. Mas ele notou que os literatos haviam
tomado para si com exclusividade o título de intelectuais, como se não houvesse outros
seres pensantes fora do seu círculo. A expressão “homem de letras” excluía cientistas
como o próprio Albert Einstein, com seus colegas físicos Niels Bohr e Werner
Heisenberger, o astrônomo Edwin Hubble e o próprio criador da cibernética, Norbert
Wiener.
Snow constatou ainda que, embora escrevessem muitas vezes para o público em
geral, influenciando o modo de pensar da sociedade, os cientistas não manifestavam
interesse pelas implicações sociais de suas obras. Editores, críticos, jornalistas e outros
consumidores e ampliadores de cultura ignoravam o valor e a importância das idéias dos
cientistas como frutos de atividade intelectual. Numa segunda edição de As Duas
Culturas, em 1963, Lord Snow acrescentou um ensaio no qual sugeria que uma nova
cultura, uma “terceira cultura”, iria emergir e fazer frutificar a comunicação entre os
intelectuais literatos e os cientistas, para benefício da humanidade.
Não aconteceu exatamente como ele previu, porque os intelectuais literatos
continuam ignorando a cultura produzida pelos cientistas, mas uma “terceira cultura”
realmente pode ser observada nas livrarias, cinemas, na televisão, na Internet e nas
conversações corriqueiras. Os cientistas estão se comunicando diretamente com o
público em geral e ignorando os profissionais de mídia, procurando expressar seus
pensamentos de uma forma acessível ao público leitor inteligente. Os intelectuais da
velha cepa desprezam o fenômeno e dizem que esses livros representam uma anomalia:
são comprados mas ninguém os lê. O fato, porém, é que físicos, biólogos, geneticistas,
cientistas da computação, jornalistas científicos, psicólogos, antropólogos e outros
estudiosos do comportamento humano, e grande número de filósofos científicos, estão
traduzindo para a vida real as constatações feitas nos laboratórios. “Esses cientistas e
outros pensadores do mundo empírico, através do seu trabalho e do texto expositivo,
estão tomando o lugar dos intelectuais tradicionais ao tornar visíveis os mais profundos
significados de nossas vidas, redefinindo quem e o que somos”, diz John Brockman.
E o que é que isso tem a ver conosco? Um indivíduo muito pragmático certamente
se perguntaria o que uma tese de cosmologia tornada factível por um matemático teria a
ver com a anatomia de resultados de uma organização ou um projeto de negócio. Fiel ao
perfil conservador que marca a gestão de negócios e organizações dos mais variados
tipos, e avesso a especulações filosóficas, é típico do gestor torcer o nariz para questões
dessa ordem. Talvez ele também nunca se tenha perguntado quanto do conhecimento
científico de ponta se transforma em benefícios para a vida real e, por extensão, quanto
desse conhecimento poderia gerar oportunidades para seus projetos. A ponta visível da
revolução científica das últimas décadas é a tecnologia, e apenas uma mínima parte dela
está embarcada nos processos produtivos que nos tocam diretamente. Com certeza, uma
fração ainda menor dessas descobertas informa e instrumentaliza o conhecimento que
aplicamos.
Brockman observa que nossa educação mais elaborada, consolidada nos anos
1950 com base em Freud, Marx e o modernismo, já não proporciona qualificação
adequada para um indivíduo pensante no início do século XXI. De fato, os pensadores
tradicionalistas se revelam claramente reacionários, muitas vezes arrogantes e ignorantes
de muitos dos feitos intelectuais do nosso tempo. Sua cultura, que despreza a ciência, é
costumeiramente não empírica, recorrente em seus próprios jargões, auto-referente e
caracterizada por amontoados de citações, numa espiral de comentários que
progressivamente se distancia da realidade, diz o autor.
O alerta do criador de edge.com não pode ser ignorado por quem cria cultura e
move a economia, pela simples razão de que todo conhecimento aplicado à gestão se
alimenta em uma fonte de cultura. Portanto, investir numa educação que rompa velhas
premissas é o passo inicial para criar modelos mentais mais progressistas e evolutivos, e
sobre eles fazer brotar uma cultura que valorize a criação contínua e permanente de
conhecimento na sociedade. Afinal, não é disso que tratamos aqui, em última instância?
Voltando à emergência da “terceira cultura”, por que é importante atentar para essa
forma de criar conhecimento? Porque, sendo referendada por descobertas científicas,
pela constatação empírica e por formulações matemáticas inquestionáveis, ela forma uma
base muito mais sólida do que a alternativa do livre-pensar. Além disso, ao tomar contato
com as verdades mais profundas que o conhecimento humano pode alcançar pela via da
razão, os cientistas também obtêm acesso às metáforas essenciais da existência, que
são indicadoras de modos sociais mais gratificantes, naturais e respeitosos em relação à
humanidade e ao universo. O livre-pensar, o exercício do livre-arbítrio, se torna mais
valioso se estiver fundamentado no conhecimento científico e na experiência, rejeitando
as ilusões. Por outro lado, o conhecimento científico ganha o status de “terceira cultura”
pela disposição de deixar os laboratórios e assumir sua responsabilidade social, trazendo
o saber obtido na experimentação como fundamento para uma revolução no modo como
nos relacionamos, como lidamos com produção e valores.
Em nenhuma hipótese estamos propondo o fim do livre pensamento ou sua
marginalização como prática sem valor. Trata-se apenas da velha e boa questão da
relação custo-benefício: exercitado sobre a base de conhecimento real e pragmático, o
arbítrio humano certamente serve melhor à humanidade. Vale também reforçar o inverso
da moeda: o conhecimento científico ou sua derivação, a tecnologia, com certeza serve
melhor ao ser humano quando desenvolvido sobre uma base de respeito à vida. A
chamada era digital será uma passagem natural para a era do conhecimento ou um hiato
na história da humanidade, dependendo da causa a que servir.
Luciano Martins Costa é jornalista e escritor, autor do livro de contos “Histórias sem
Salvaguardas”, do romance “As Razões do Lobo” e do livro de ensaio “Escrever com
Criatividade”, sobre o uso da oralidade secundária no desenvolvimento da escrita. Ex-
diretor da Amana-Key, Desenvolvimento e Educação, trabalha como consultor de
empresas na área de comunicação corporativa. Email: lucmartins@hotmail.com.br

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