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As Doze Camadas da Personalidade: Entrevista a Wagner Carelli

OLAVO DE CARVALHO

Extra do filme O Jardim das Aflições de Josias Teófilo

[versão provisória]
Para uso exclusivo dos alunos do Seminário de Filosofia.
O texto desta transcrição não foi revisto ou corrigido pelo autor.
Por favor, não cite nem divulgue este material.

A Teoria
– Uma das teorias que eu desenvolvi é sobre a investigação, sobre natureza da psique: o que é a
psique, no fim das contas? Também é preciso estudar um pouco daquilo que se chama “psicologia
evolutiva”, que é a formação da personalidade. E, é aí que entra a teoria das camadas da
personalidade. A personalidade humana, [a personalidade do indivíduo], vai evoluindo ao longo do
tempo, em torno de certos eixos de interesses, que duram um certo tempo e que depois são integrados
em um outro círculo, definido por outro eixo.
a. 1ª Camada
Se vemos um bebê que acabou de nascer. O que ele está fazendo? Ele está tomando posse do seu
corpo. O bebê não tem acesso a objetos ainda. O único objeto acessível a ele é seu próprio corpo.
Então, ele fica mexendo nos dedos do pé, mexendo na boca, e assim por diante. Aos poucos ele vai
tomando consciência do seu poder de mexer em objetos, daí muda o patamar.
b. 2ª Camada
O centro de interesse já não é o corpo dele. São os objetos nos quais ele vai mexer. Então, ele passa
para a experiência, passa a medir o seu poder. Por exemplo, o bebê que tenta alcançar do bercinho
uma coisa que ele quer, mas que ele não alcança. Ele vê aí um limite do seu poder. O conhecimento
dos seus poderes é a segunda camada. O primeiro é o conhecimento do próprio corpo.
c. 3ª Camada
Depois a pessoa entra numa outra etapa, a de comunicação com os seres humanos. Quando a pessoa
tenta interagir com os seres humanos e, sobretudo, agir sobre eles. É a pessoa fazer da sua palavra um
instrumento de ação. Por exemplo, o que ela pede. Ela obtém ou não? Quando a criança pede uma
mamadeira. A mãe traz a mamadeira imediatamente ou ela só traz quando dá na cabeça dela? Ou seja,
a mamãe é manipulável por mim, ou, é ela que manda no pedaço? Aí temos toda uma fase de
aprendizado da interação e da ação humana através da palavra e isso aí vai até a adolescência.
d. 4ª Camada
Quando vai terminando a adolescência, a pessoa começa a ter um mundo emocional próprio. Ela já
tem uma história afetiva. E, essa história afetiva começa a se fechar e a dar a essa pessoa uma
identidade emocional própria, uma identidade conhecível. Quer dizer, ela conhece o conjunto dos
seus sentimentos e ela tenta dirigir a sua vida emocional no sentido que lhe parece melhor, ou mais
agradável. Ela tenta conquistar objetos de valor emocional. É aí que a pessoa começa a namorar, por
exemplo.
e. 5ª Camada
Logo em seguida, e também associado a isso, a pessoa salta para uma outra etapa, a etapa na qual a
pessoa começa a testar a si mesma. Começa a tentar conhecer o seu poder novamente. Agora, não só
no sentido físico, como quando ela era pequena, mas no sentido global. No sentido de assumir
desafios e vencê-los. Quando chega nesse ponto as pessoas já se diferenciaram de uma maneira
absolutamente extraordinária. Porque, por exemplo, vai haver um tipo de sujeito que topa todos os
desafios, enquanto outro tipo, foge de todos. Então, evidentemente, o domínio que cada um desses
tem sobre si mesmo é completamente diferente.
f. 6ª Camada
Em seguida, a pessoa tem uma outra fase onde ela penetra na vida social. Ela passa a ter um papel na
vida social, onde já não interessa ela mostrar para si mesma os seus poderes, mas interessa exercê-los
de maneira eficaz dentro de uma situação objetiva. Por exemplo, o primeiro emprego que ela arruma
já é isso. Não interessa se ela é gostosona ou se é uma coitadinha, ela vai ter que fazer este serviço, e
vai ter de funcionar dentro desses termos.
Só essa pessoa, que passou por essas seis etapas, pode ter a noção de um papel social dela em um
sentido mais amplo. Um papel, não para com o seu emprego, ou para com a sua família, mas para
com a sociedade inteira. É o que chamamos de ‘cidadania’. Todo mundo fala sobre cidadania, mas
tem pessoas que estacionaram na camada três ou quatro. Estas pessoas falam de cidadania, mas elas
simplesmente não podem saber o que é.
É claro, que conforme a camada de desenvolvimento que a pessoa está, é assim que ela entende os
outros. Por exemplo, se ela está na camada quatro, o problema básico dela é um problema de ordem
emocional: é a conquista da felicidade, é evitar incômodos, é fugir das tristezas etc. – ela vai
interpretar tudo assim. Todas as ações humanas terão para ela uma motivação emocional. E,
evidentemente, ela não entenderá a conduta de pessoas que estejam já na camada seis e que estão
agindo por exigências objetivas da sua profissão e de maneira totalmente impessoal. Estes, para a
pessoa que está na camada quatro, não serão entendíveis. Por exemplo, se alguém a prejudica, ela vai
dizer: “ora, você não gosta de mim, o que você tem contra mim?” Mas, o problema não é esse. É uma
coisa muito mais impessoal.
– E essas camadas são sucessivas? Ou o indivíduo pode chegar a camada doze sem ter passado pela
camada oito?
– Não. Isso não existe, isso é impossível. A pessoa pode ocupar uma posição social que corresponde
àquela camada, porém sem que ela esteja nela. Por exemplo, tem a camada dez, que é a da pessoa que
se vê como se fosse o governante. A pessoa entendeu a estrutura do poder, ela entendeu a sua
sociedade, e ela olha as coisas da perspectiva do governante. O Eric Weil diz que o único ponto de
vista legítimo em política é o ponto de vista do governante. O quê que ele quer dizer com isso? Se a
pessoa não é capaz de se colocar na posição do sujeito que tem o poder, que tem os meios de ação, e
assim poder julgar ele, então ela não está entendendo a política de jeito nenhum. Ele não quer dizer
que é este governante concreto e individual que tem sempre razão, não é isso que ele quis dizer. Ele
quis dizer que se a pessoa não é capaz de julgar as coisas desde um ponto de vista de um governante,
então ela não entende a política. Isso é certíssimo.
Porém, é possível ter pessoas que estão no governo realmente, mas que não são capazes de ter essa
perspectiva. O que é exatamente o caso, não só do Brasil, mas de muitos países. Se nos perguntarmos:
será que a Dilma Roussef é capaz de ver as coisas do ponto de vista do governante? É claro que não.
Ela vê as coisas de um ponto de vista mafioso, que é um ponto de vista inferior. O centro de referência
dela não é o governo, não é uma função de governo, mas o interesse de um grupo. E o interesse de
grupo é o quê? É camada quatro, ainda. É a camada da pessoa ser aceita, ser adorada, dela diferenciar
as pessoas ao seu redor pelo critério das que gostam ou não dela. É uma coisa de adolescente isso.
“Favorecer os amigos, e ferrar com os inimigos” – é essa a máxima. Essa não é a perspectiva de um
governante, é perspectiva de um garoto que está entrando numa patota e está contra a patota contrária.
Que nem eu, quando era pequeno: tinha uma patota lá na outra rua que não gostava da gente e nós
não gostávamos deles também; e um dia eles queriam me bater e daí juntou lá uns dez caras e eu saí
correndo; nisso, eu tinha um amigo, que era um rapaz nordestino, chamado Severino, forte pra
caramba, largo, e eu passei correndo na frente na casa do Severino e ele perguntou o que foi, daí eu
disse que os rapazes de lá estavam querendo me bater, e ele perguntou porque eu não o chamei, eu
disse que não, que não queria incomodar, e ele disse que não, que tem que chamar, que não pode ser
assim, que quem é orgulhoso se fode. [risos] Isso daí já dava todo esse problema da patota – eu
pertenço a essa patota, aqui tem os meus defensores e ali tem os meus inimigos. Isso é uma coisa de
adolescente, a pessoa aprende isso na adolescência.
Vemos que hoje o espírito de patota governa o Brasil. O que é o PT? É uma patota. “Os nossos
interesses” – é o que eles buscam. Que eles identificam como se fossem o interesse do país ou do
mundo. Mas, não são. Essa é uma perspectiva diminuída. Não é uma perspectiva de governante.
A busca de uma patota, que é a pessoa distinguir quem são os amigos e quem são os inimigos dela,
para certas pessoas é a preocupação máxima da vida. “Quem gosta de mim e quem não gosta?” – elas
pensam. E, o que eles vêm os outros fazendo, naturalmente, eles sempre explicarão por essa clave.
Quer dizer, a camada é o limite do horizonte de consciência da pessoa numa certa etapa. Não tem
como pular, pois essas passagens são condições necessárias para que a pessoa amplie seu horizonte
de consciência. Se ela está na camada quatro, se está buscando uma patota, etc., se ela não se colocar
o problema de quem é ela, qual é a capacidade dela, qual é a força dela, independentemente da ajuda
dos seus amigos, ela não vai sair dessa camada. Mas, se ela se coloca nesse problema do desafio,
então ela já está na camada seguinte. O centro de interesse dela já não é mais a conquista da afeição,
da proteção, da felicidade, etc., mas o sentimento de poder pessoal que ela tem. Poder este na qual
ela só pode adquirir se ela enfrentar um desafio, que pode ser uma competição esportiva, pode ser
uma briga qualquer etc.
90% do Brasil está na camada quatro. [0:10] Para esses sujeitos, a única pergunta deles é se eles gostam
de alguém, ou se alguém gosta deles. Veja, a pergunta que frequentemente me fazem: quê que você
acha de fulano de tal? A resposta é simples eu não acho nada. Eu não vejo por que a minha antipatia
ou simpatia por pessoas deva significar alguma coisa a respeito delas objetivamente. Pois posso não
gostar de uma pessoa e ela ser muito boa. Então, eu tenho que centrar a minha atenção nas atitudes
reais dela, nas suas obras, nos seus feitos, etc., isso já é outra coisa. Se me perguntarem o que eu acho
do que o fulano escreveu. Aí sim, eu terei uma opinião. Mas, o quê que eu acho dele? Ora, por que
motivo eu tenho que achar alguma coisa de cada pessoa que eu conheço? E, no entanto, no Brasil isso
é obrigatório.
– E é o que vai definir a pessoa ao mundo.
– É o que vai definir a pessoa – de quem ela gosta e de quem ela não gosta. Então, é um bando de
moleques, todos na camada quatro, todos com carência afetiva, isso é evidente. Imagine uma
discussão pública onde as pessoas entram com este espírito: será tudo subjetivo.
– E as pessoas irão prestar mais atenção no que foi dito sobre elas do que naquilo que elas mesmas
têm a dizer.
– Sem sombra de dúvida. E também haverá a impregnação da imagem da pessoa pelo que dizem dela.
O que dizem será muito mais importante que aquilo que o ela está realmente fazendo.
– Que é o seu caso...
– Isso eu experimento todos os dias – não só eu, todo mundo experimentou isso. Veja, por exemplo,
a discussão sobre escritores brasileiros. Geralmente esse pessoal reclama: “o Olavo fala muito
palavrão.” Eu me lembro do tempo em que o pessoal dizia isso do Jorge Amado. Perguntavam: “você
gosta do Jorge Amado?” “Ah, ele fala muito palavrão” – respondiam. Mas espera aí, falar ou não
falar muito palavrão não é um critério de julgamento literário. Pode haver uma obra excelente, cheia
de palavrão e outra muito boa sem nenhum palavrão. Literariamente isso não faz diferença. A
pergunta era se a pessoa gostava do Jorge Amado enquanto escritor, mas as pessoas respondiam com
essa reação, que é uma antipatia imediata a uma conduta dele. O Paulo Francis: “eu acho que ele é
muito arrogante”. Mas espera aí, o que ele diz é verdadeiro ou é falso, tem importância ou não tem
importância? Ele o estava julgando na base da camada quatro.
Nenhum de nós é um tratado de lógica. Todos temos impulsos antagônicos e os temos todos ao mesmo
tempo. Perante um perigo: há o impulso de reagir e o de fugir. Perante qualquer bem que se deseje: a
pessoa pode ter o impulso de roubá-lo, por exemplo – muita gente tem –, e tem também o impulso de
permanecer na honestidade, a pessoa pode tê-los os dois ao mesmo tempo. É o negócio do palco
giratório do qual falava Szondi: os vários impulsos nossos são como vários cenários dentro de um
palco giratório; ele vai girando, mas enquanto um está à mostra, o oposto deste está no fundo; na
verdade ele não deixou de existir; então, se nós não temos noção desse caráter contraditório da nossa
própria estrutura, como é que nós vamos lidar com as contradições na realidade exterior? A maior
parte das pessoas não têm esta noção. Elas não percebem como elas mesmas são contraditórias e de
como essa contradição não é um erro, mas sim a própria estrutura delas. E, lidar com isso, isto é, a
pessoa tentar encontrar um caminho no meio dessas contradições, desses impulsos antagônicos, isso
é a própria vida humana, mesmo sem levar em conta as influências externas. Quer dizer, a pessoa
mesmo já traz essas contradições dentro dela. Por quê? Porque são os antepassados que estão lá na
sua genética. Há uma fórmula genética que também não é um primor de coerência. Ela também é
feita de impulsos contraditórios.
– E você tem de ir atrás, de conhecer o que são, o que fazem esses impulsos.
– Mas é evidente. Quer dizer, a pessoa é aquilo que ela fez com esse conjunto. Ela, de certo modo, é
a sua história. Não os elementos básicos herdados. É por isso que eu acho um absurdo as pessoas que
vão estudar a biografia de alguém e dão importância para a vida sexual dela. Isto é, o sexo é um dos
elementos menos pessoais que existem em nós, ele é inteiramente hereditário. O sujeito tem atração
pelas pessoas que estão no seu código genético, quer dizer, é um tipo que corresponde a um modelo
genético e o sujeito vai atrás daquilo. Ou seja, o sexo não é um elemento pessoal, o sujeito é que terá
de personalizá-lo, se conseguir. E, ele o personaliza através de escolhas estéticas, morais, sociais que
o sujeito faz ao longo da sua vida, quer dizer, as escolhas fazem a personalidade. Mas, essas escolhas
também não são fáceis, pois tão logo o sujeito escolheu uma coisa, a coisa contrária fica lá atrás
clamando, exigindo a presença dele. Então, lidar com todos esses antagonismos e criar uma biografia.
Eu comparo isso com andar de bicicleta: não é possível andar perfeitamente reto, a pessoa oscila para
um lado e para o outro e é jogando com essa oscilação é que ela mantém a bicicleta em pé.
Foi estudando isso, essa coisa da estrutura e das camadas da personalidade, que eu vi que a ideia de
explicar neuroses, doenças mentais, etc., a partir de traumas causados pela repressão do impulso
sexual é uma coisa absolutamente inviável, não dá para acontecer isso. Porque há outros elementos
muito mais traumáticos que qualquer repressão sexual que a pessoa possa sofrer. O primeiro elemento
traumático é o seguinte: a pessoa nasce dentro de um mundo, de uma sociedade que já tem sua
estrutura, sua ordem ou desordem, etc., e ela está dentro disso. Dentro disso, um instrumento que ela
tem para lidar com isso chama-se “razão” – a capacidade de raciocinar, ordenar as coisas etc.
Acontece que, apesar de nascer com a razão, a pessoa tem de tomar posse dela, e isso se faz através
do aprendizado da linguagem, da absorção da cultura etc. Então, para poder exercer a razão num nível
mais ou menos eficiente, a pessoa já tem de ser adulta, e os problemas que se colocam para ela já
exigem um aporte total da razão muito antes disso. Ou seja, ela não tem os meios racionais para lidar
com os problemas, mas eles chegam a ela como se ela já os tivesse. E o que ela faz? Bom, ela tem
este ideal de domínio racional da situação: eu entendo tudo, estou sabendo de tudo o que acontece –
esse é um ideal, mas ela não tem os meios de realizá-lo. Então, o quê que ela faz? Ela se apega a
símbolos da razão. Qual é o primeiro símbolo da razão? A autoridade. Principalmente a autoridade
do pai. Então, o seu pai é o símbolo do domínio racional da situação. Mas, o fato é que ela não tem o
domínio racional da situação e o pai também não.
Esses símbolos podem adquirir uma grande autoridade sobre a pessoa. Supomos que ela é católica e
pega a autoridade do Papa. Bom, a igreja diz que o Papa é infalível. Mas ele é infalível em matéria
de doutrina e moral, isso não quer dizer que ele não vai falhar, mas que, se falhar, então ele não é o
papa, portanto ele será tirado de lá. Então, não é uma infalibilidade ontológica. É uma infalibilidade,
por assim dizer, honorária. E no resto ele é autoridade? Ele é autoridade em política ou economia?
Não, não é nada, ele sabe tanto quanto qualquer um. Mas, se o Papa falou, então ela tem de aceitar.
E se aparece um cara contestando o Papa quando este fala uma tremenda besteira, todo mundo fica
escandalizado. Veja que coisa: nas sociedades antigas ninguém ficava; na Idade Média todo mundo
discutia com o Papa de igual para igual; agora, se ele falasse um negócio sobre doutrina e moral, aí
não, aí eles tinham de obedecer. Então, o Papa é um símbolo de autoridade.
Outros símbolos de autoridades podem ser os seus ídolos: Che Guevara, Fidel Castro, Barack Obama,
etc. Todos eles são símbolos da razão, são símbolos da ordem do mundo, da ordem transparente do
mundo, são símbolos do conhecimento, que enxergam tudo claramente e que sabem o que fazer. E, a
pessoa vai se apegando a esses símbolos e quanto mais ela se apega a eles menos a sua razão se
desenvolve. Pode haver o símbolo negativo também. Aquilo que para ela representa o caos, a
desordem, etc., mas tudo isso são símbolos.
– Quer dizer que o que a pessoa tem que fazer todo dia é uma lavagem cerebral...
– Exato. Lutar pelo desenvolvimento da sua razão e pela sua consciência. Nós ganhamos a razão, a
consciência, a inteligência, quando nascemos. Porém, é aquele negócio do Goethe: “o que hás
herdado de teus pais, adquire, para que o possuas”. Não adianta ter uma fortuna num banco se a
pessoa não sabe que tem o dinheiro lá, nem que banco é, e nem onde fica. Ela nunca vai pegá-lo.
Então, tomar posse daquilo que é seu, tomar posse da sua inteligência – esse é o lema do meu curso.
Não é desenvolvê-la, pois ela já está aí.
Na medida em que a pessoa toma posse da sua inteligência, ela está se fortalece automaticamente.
Por exemplo, é [00:20] a pessoa tentar fazer com que o seu guiamento na vida seja feito pela consciência
e não pelos sentimentos, impulsos, temores, etc., não pela via emocional. Os sentimentos são dados,
eles estão aí. O que é o sentimento? É uma ressonância. Quer dizer, é o quanto os acontecimentos
ocupam do seu espaço interior, é só isso. É só uma reação passiva, por assim dizer. Essa reação pode
mudar de acordo com o tempo.
Eu lembro da história A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiros. Que tem um personagem que
um dia vê três malandros, fica morrendo de medo e sai correndo. No dia seguinte ele encontra os três
e dá um cacete neles. Uai, o cara era o mesmo, os personagens eram os mesmos, mas o sentimento
foi diferente.
Então, não podemos nos deixar guiar pelos sentimentos, porque eles nos sugerem coisas inteiramente
arbitrárias, subjetivas. A pessoa tem de levar os sentimentos em conta, ela não pode negá-los, não
pode fazer de conta que não os tem. Eles são mais um elemento, externo na verdade, que ela tem que
integrar na sua consciência. É a consciência que tem que dirigir a sua conduta – se ela quiser fazer
alguma coisa objetiva no mundo; agora, se ela quiser ser mais uma derrotada, ela que faça do jeito
que ela quiser. Seguir o sentimento é se candidatar a uma derrota, a um fracasso – agora, no Brasil
sentimento é sacrossanto.
g. 7ª Camada
Partindo do princípio de que o sujeito venceu a sexta camada, quer dizer, ele é um sujeito que sabe
fazer alguma coisa, ele responde pelo seu trabalho perante a sociedade, então ele está capacitado para
desenvolver uma função na vida civil – até aí eu chamo de vida civil. Na sétima camada é quando o
indivíduo começa a exercer uma função perante a sociedade como um todo. Não somente no círculo
das pessoas que estão ao seu alcance, como seu patrão, seus amigos etc. Isso aí é o que se chama
propriamente a “cidadania”. Para ser um cidadão ele precisa conhecer – até onde for possível – as leis
do seu país, quais são as suas obrigações como cidadão etc. Essa é uma condição que a maior parte
das pessoas já não cumpre. E, se elas não cumprem a sexta camada, ou seja, se elas não respondem
pelo seu próprio trabalho, então como é que elas vão entender o que é cidadania? Isso é absolutamente
impossível. Em suma, a sétima camada é a dos direitos e deveres perante a sociedade inteira.
h. 8ª Camada
Quando o sujeito passa disso, então aí ele é um homem adulto. E quando ele é um homem adulto ele
pode rever a sua vida no sentido da responsabilidade moral total. “O quê que é o sentido do que eu
estou fazendo, quem sou eu, eu valho alguma coisa ou não valho” – são perguntas que ele faz a si
mesmo. Eu a chamo de “a camada da crise”. É aquilo que as pessoas chamam de “a famosa crise dos
quarenta anos” – ou crise dos cinquenta anos, crise dos sessenta, a idade varia, mas algum dia a pessoa
chega nessa crise; se, é claro, ela tiver passado por todas essas camadas anteriores; se ela não tiver
passado, então o que pode simular a crise é apenas um problema de quarta camada, ou seja uma crise
de afeição, ou um questionamento a respeito do próprio contentamento ou descontentamento com a
vida.
i. 9ª Camada
Se a pessoa passar essa camada, a da autoconsciência moral como um todo – não só a autoconsciência
moral de julgamento de um ato ou outro, mas sim julgar o tônus moral da própria vida, o desempenho
moral como um todo, se ela foi fiel às suas metas ou se não foi, etc., em suma, ela se julgar moralmente
–, então chega um momento em que a função da sua inteligência, da sua auto-consciência,
definitivamente se torna o centro da sua pessoa. Isso é a nona camada, que eu a chamo de
personalidade intelectual. Ou seja, o indivíduo tem uma personalidade intelectual, as ideias dele são
importantes para ele, elas não são só pretextos, não são só muletas. Elas começam a ser o centro da
consciência e, portanto, aí tem uma personalidade intelectual.
Evidente que o mundo das atividades intelectuais está repleto de pessoas que não têm personalidade
intelectual nenhuma, que jamais saíram nem da quarta camada.
j. 10ª Camada
Em seguida, a décima camada, é o ponto de vista do governante. A pessoa pode responder pelo poder
– mesmo que ela não o tenha. Ela se coloca na posição de um presidente, de um rei, de um imperador,
e ela pode assumir responsabilidade pelo que ela está propondo – mesmo que ela não esteja no cargo.
Quer dizer, é como se ela pensasse: “se eu estivesse lá, eu saberia fazer isto, eu não estou apenas
exigindo ou reivindicando uma coisa, estou sugerindo algo que eu seria capaz de fazer”.
k. 11ª Camada
A décima-primeira camada é quando ela sabe quem é ela na história humana. Ela é capaz de julgar o
seu papel como um todo diante de um horizonte histórico maior. Por exemplo: “quem serei eu no
futuro, qual é o legado que eu estou deixando” – ela pensa.
Veja, leia o Memorial de Santa Helena, que são as notas que o médico tomou sobre o que Napoleão
dizia. Isso é um livro de décima-primeira camada. Napoleão já não está mais falando como um
governante, mas como personagem da história. “O que eu fiz, o que vai ficar, o que vai resultar para
as gerações vindouras, de onde eu vim e para onde eu vou do ponto de vista histórico” – ele fala. É
claro, o número de pessoas que chega a isso é ínfimo.
l. 12ª Camada
A décima-segunda camada é aquilo que o Mário Ferreira dos Santos condensou na forma “o homem
perante o infinito”. É quando a pessoa está diante de Deus. Ela sabe o que ela está fazendo diante de
Deus.
Veja, todas as pessoas, todos os crentes da religião, fazem isso. Mas não é isso que dirige a vida deles.
Agora, se estudarmos a vida de Padre Pio: não tem um único ato dele que não seja determinado nessa
camada; tudo que ele faz foi Deus que mandou.
Nessa camada estão os santos, os profetas, os grandes místicos, etc.
Isso, [chegar até a décima-segunda camada], não é o desenvolvimento ideal do ser humano. É o
desenvolvimento possível. Isto é, é aquilo que o ser humano pode fazer e que a vida, de certo modo,
o empurra para fazer. Acontece que a vida pode colocar o sujeito em posições que são muito
superiores à camada que ele está. Isto pode ser uma oportunidade, para ele subir de camada, ou pode
ser a origem de uma série de erros e desgraças.
Veja, essa teoria das camadas é fundamental em educação. O professor tem que saber onde está o seu
aluno, qual é o centro motivador da vida dele. De modo que o professor possa empurrar o aluno para
que ele salte uma etapa, se necessário.
Também para que a pessoa possa julgar suas próprias motivações. Por exemplo, ela pode ser alguém
que estuda muito, que lê muito, já leu até Aristóteles, leu Shakespeare, mas que está na quarta camada
ainda. O problema não é a atividade que ela está metida, ou a classe social que ela está, ou o cargo
que ela tem, ou a posição social, o que importa é o centro motivador. Em cada etapa da vida ela está
buscando fundamentalmente algo e tudo o que ela faz é em função disto.
Eu posso ver, se o que eu estou falando exige a compreensão de uma determinada camada e o sujeito
está compreendendo numa camada inferior, isso acontece quase que inevitavelmente. Mas, eu acho
que ao longo do meu curso as pessoas têm evoluído muito. Elas mesmas confirmam isso. Elas se
tornam pessoas mais adultas, mais sérias. E chega um ponto em que eu vejo, por exemplo, a
consciência de cidadania, as pessoas a têm mesmo. Elas sabem o que elas podem falar e o que não
podem. “Eu tenho consciência, tenho maturidade, tenho conhecimento, para falar até aqui. Daqui para
diante eu não posso” – elas admitem. Agora, brasileiro em geral não. Em geral brasileiro é obrigado
a ter opinião sobre tudo.
– Você não pode não saber.
– Olha, tem um haikai, do Alberto da Cunha Melo, que diz o seguinte: “Quem não se procura se acha.
Diga ‘não sei’ e receba uma aula de graça”. [risos] “Não sei” é absolutamente fundamental – duas
palavrinhas que resolvem muitos problemas. [00:29:30]

Transcrição: Rahul Gusmão, Israel Kralco Machado e Nielton Dayve


Revisão: Rahul Gusmão

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