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AFOGADOS DA INGAZEIRA-PE
2019
AUTARQUIA EDUCACIONAL DE AFOGADOS DA INGAZEIRA
FACULDADE DO SERTÃO DO PAJEÚ- FASP
CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
AFOGADOS DA INGAZEIRA-PE
2019
Quem é que não se lembra
Daquele grito que parecia trovão?!
– É que ontem
Soltei meu grito de revolta.
Meu grito de revolta ecoou pelos
vales mais
Longínquos da Terra,
Atravessou os mares e os oceanos,
Transpôs os Himalaias de todo o Mundo,
Não respeitou fronteiras
E fez vibrar meu peito...
Meu grito de revolta fez vibrar os peitos de todos os
Homens,
Confraternizou todos os Homens
E transformou a Vida...
... Ah! O meu grito de revolta que percorreu o
Mundo,
Que não transpôs o Mundo,
O Mundo que sou eu!
Ah! O meu grito de revolta que feneceu lá longe,
Muito longe,
Na minha garganta!
Na garganta de todos os Homens.
Este trabalho de conclusão de curso traz como proposta analisar as relações étnico-
raciais e o processo de construção identitária dos discentes da escola Levino
Cândido, no Leitão da Carapuça de Afogados da Ingazeira-PE. Visto que esse tema
é de suma importância, é pertinente que saibamos na integra o significado do
conceito de Identidade, e sua influência nas relações intrapessoais e interpessoais
das pessoas negras. Procurei utilizar conhecimentos de cunho histórico já que
perpassei um olhar para a escravatura, indicando um provável surgimento do
racismo nessa época, como também fiz uma breve analise sobre a origem da
palavra raça e o conceito de racismo e suas implicações na construção identitária do
sujeito, utilizei sociólogos como Florestan Fernandes, Stuart Hall e outros, que
contribuíram de forma satisfatória no embasamento teórico desse trabalho. O
racismo é um processo sistemático de discriminação que tem a raça como
fundamento para atribuírem desvantagens e privilégios para determinados
indivíduos que pertencem a raças que não estão dentro das normas e padrões do
branco europeu. A partir disso é possível constatar que é necessário um olhar
aprofundado sobre aquilo que chamamos de naturalização do racismo, e como se
desenvolve e se solidifica a identidade das pessoas negras ao longo da sua história.
This course conclusion paper proposes to analyze the ethnic-racial relations and the
process of identity construction of the teachers of Levino Cândido school, in the
Carapuça da Afogados da Ingazeira-PE. Since this theme is of paramount
importance, it is pertinent that we fully understand the meaning of the concept of
Identity, and its influence on the intrapersonal and interpersonal relationships of black
people. I tried to use historical knowledge since I looked at slavery, indicating a
probable emergence of racism at that time, as well as a brief analysis on the origin of
the word race and the concept of racism and its implications on the identity
construction of the subject, I used sociologists such as Florestan Fernandes, Stuart
Hall and others, who contributed satisfactorily in the theoretical basis of this work.
Racism is a systematic process of discrimination based on race as the basis for
assigning disadvantages and privileges to certain individuals belonging to races that
are not within the norms and standards of European white. From this it can be seen
that it is necessary to take a deep look at what we call the naturalization of racism,
and how it develops to solidify the identity of black people throughout their history.
1
Sabendo que Judith Butler é uma filosofa que discorre principalmente sobre questões como feminismo e
teoria queer, é importante ressaltar que utilizei o seu discurso de corpos abjetos para ressaltar como a
sociedade utilizou-se da cor da pele para determinar o sujeito, e de como os corpos abjetos utilizados pela
autora também se aplicam em relação as pessoas negras, ora marginalizadas e oprimidas.
Todos esses fatores afetam e desfalcam a construção de uma identidade que
realmente abranja todos de maneira igualitária, e é exatamente essa questão que
interfere de maneira tão negativa na perspectiva identitária da pessoa negra, pois no
que tange esse processo de construção, vemos que as opressões sofridas e as
inúmeras representações de imagens eurocêntricas levaram a pessoa negra a
negação de si próprio; sua cor, sua ancestralidade e sua cultura para se adequar ao
modelo lhes imposto.
Modelo esse que resultou em uma imagem estereotipada do negro que foi se
propagando ao longo dos séculos, e acabou acarretando em uma identidade
desfalcada e inferiorizada, tanto nas relações socioeconômicas como culturais.
Reflexo sempre dessa padronização europeia, branca e heteronormativa, a cor da
pele e as peculiaridades do negro foram culturalmente desvalorizadas.
Segundo Ferreira (2009, p.41) “A elite brasileira auto identifica-se como
branca. Assume as características do branco-europeu como representativas de sua
superioridade étnica. Em contrapartida, o negro é visto como o tipo étnico e
culturalmente inferior”. O modelo ideal a ser seguido é o modelo do branco-europeu,
seja nas vestimentas, na religiosidade ou na cultura, visto que as pessoas que
possuem uma classe econômica superior são brancas. Ferreira deixa claro no seu
discurso o fato da influência dessa classe econômica ser tão prejudicial aos negros,
tanto que as relações serão moldadas a partir das mesmas.
2
Erving Goffman (1990) antropólogo e sociólogo, conceitua a referida palavra no seu livro Estigma,
como uma marca presente no indivíduo que pode vir a ser tanto uma característica social como física.
Esta característica se torna um estigma quando desde já no primeiro contato social entre os
indivíduos é percebida e socialmente reprovada, gerando assim a discriminação ou a distância social
entre os sujeitos.
3
O mito da democracia Racial, foi utilizado por Florestan Fernandes na análise crítica da obra “casa
grande & senzala” do autor Gilberto Freyre, onde Freyre considerou o Brasil como um país tradicional
e contrário a admissão do preconceito e a discriminação entre raças.
desaparecendo sob a coação do progressivo clareamento da população do
País. Tal proposta foi recebida com elogios calorosos e grandes sinais de
alivio otimista pela preocupada classe dominante. ”
NASCIMENTO, Abdias do, O genocídio do negro brasileiro: processo de
racismo mascarado/ Abdias Nascimento. 3.ed. São Paulo: perspectivas,
2016.
Essa ordem produzida pelo mito da democracia racial não afeta somente a
sociedade externa, mas afeta também as relações internas para os negros, pois
estipula padrões hierárquicos, naturaliza formas de dominação, e justifica as práticas
racistas como incoerentes. Sendo o racismo como elemento constituinte da política
e da economia, os opressores utilizam-se dessa ideologia da democracia racial para
produzir um discurso racista e que legitima a violência e a desigualdade racial.
4
Prefácio, in F.H. Cardoso e Octávio Ianni. “Cor e mobilidade social em Florianópolis”. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1960.
O grande e talvez maior problema que esse mito ocasionou foi a
desigualdade socioeconômica5 para os negros no Brasil, e é possível afirmar isso
pois inúmeras pesquisas apontaram o fato de que a raça é um marcador
determinante nessa desigualdade. Até no âmbito escolar isso se faz presente visto
que ao abordarmos a educação vemos que a taxa de analfabetismo em relação as
pessoas negras são altas, segundo o PNAD 20096, as pessoas de 15 anos ou mais
tem uma taxa de 26,7% de analfabetismo, contra 5,9% dos brancos. O tempo de
estudo também varia, enquanto os brancos têm em média 8,4 anos de estudo, a
população negra frequenta somente 6,7 anos de estudo na escola. Até o ensino
superior essa realidade se mostra presente, pois onde 10% da população negra tem
curso superior completo, os brancos em suma maioria conquistam 15% nessa
totalidade.
7
Silvio Almeida (2018) entende como Racismo estrutural o conjunto de práticas históricas, institucionais e
culturais que compõem privilégios a determinados grupos étnicos de uma sociedade, e que se propagam a
partir da reprodução das práticas sociais racistas
A linguagem é inerente ao ser humano, pois é a partir dela que a sociedade cria
seus discursos, se legitima e estabelece vínculos sociais com seus semelhantes. O
homem se torna sujeito visível quando entra no universo da linguagem e se torna um
ser falante, ocupando assim um lugar de fala. Quando a visibilidade se torna
concreta e o homem tem poder de fala e se reconhece no discurso do outro como
importante, isso influi na construção da sua identidade. Mas se isso é necessário
para construção identitária, o que é feito dos negros que não tem nenhuma
representação de fala ou não se reconhecem como essenciais no discurso do outro?
Ora, isto é o que sempre ocorreu na sociedade brasileira, muitos espaços ocupados
por brancos, e lugares de fala feitos por brancos e propostos para brancos.
Um dos principais meios de comunicação onde a linguagem é intensificada é
no processo midiático. A mídia hoje se tornou um canal de veiculação de
informações e ideias mais visado da modernidade. Porém, além de benefícios como
a informação na palma da mão, ela trouxe também malefícios, interferindo de
maneira negativa no processo identitário, pois além de propagar a subalternização
do negro, visa principalmente a estética e a padronização de corpos e
comportamentos.
Se as mídias têm o poder de influência sobre as pessoas, é por meio delas que
muitas das disputas sociais ocorrem, sejam por casos individuais ou por grupos que
se auto denominam melhores pela forma que estão estabelecidos socialmente. Isso
é o que nos afirma Freire Filho quando vem discutir sobre os estereótipos da mídia,
segundo ele:
A análise do discurso midiático trazido aqui por Filho (2005, p.21), remete ao
poder que a mesma detém perante os homens, enquanto vinculadora de
representações, a mídia influência a exclusão simbólica da imagem social do negro,
quando valoriza determinada cultura em detrimento de outras, e essa cultura está
arraigada no modelo eurocêntrico. A partir do momento que isso ocorre, as relações
de representatividade e espaço para as pessoas negras configuram-se praticamente
nulas nesses âmbitos midiáticos.
Um grande exemplo de como pessoas negras são representadas na mídia, é
nas telenovelas, pois o racismo ali se torna sutil e constrói todo um complexo de
imaginário social da situação dos negros, visto que décadas observando mulheres
negras representarem somente empregos domésticos e homens negros oscilarem
em papeis de ingênuos ou criminosos, enquanto brancos ocupam grandes cargos,
acaba estereotipando e determinando qual o lugar de ocupação dos negros; sempre
em favelas, como criminosos ou empregadas.
Esse imaginário racista se constitui em cima tanto no campo econômico, como
no político, pois os dois são os principais responsáveis pela pobreza e a situação de
miséria impostos a sociedade. O sistema econômico, político e jurídico perpetua a
condição de subalternidade para com os negros, suas políticas sempre voltadas
para o favorecimento dos brancos, são negligentes e excludentes para o homem e a
mulher negra, representação disso está nos baixos salários, nos diversos tipos de
violência e na falta do poder de fala nos espaços de decisões.
A invisibilidade e exclusão no setor midiático, e a falta de políticas no sistema
político remete e interfere nos vários setores na sociedade brasileira, no que se
refere a representatividade e a presença dos negros em escolas e universidades, é
possível constatar que há uma desigualdade de oportunidade entre negros e
brancos, uma vez que dados concretos mostram que são os brancos que
concentram maior presença nas escolas brasileiras.
Este fator interfere negativamente na formação escolar e identitária dos negros,
visto que, nos âmbitos preponderantemente ocupados por pessoas brancas, os
privilégios serão imputados a grande maioria, e as desvantagens propagadas e
generalizadas para as minorias. Um grande exemplo disso está presente altas taxas
de evasão nas escolas, pois os conteúdos excludentes e a falta de
representatividade nas salas de aula, causam um impacto grande nas relações
sociais dos alunos, visto que os mesmos não conseguem enxergasse naquele
ambiente constituído, construído e dominado por brancos.
Fato esse tão constatado que os alunos passam uma vida escolar inteira
aprendendo sobre o império romano, o feudalismo a revolução industrial e francesa,
e sabem muito pouco sobre o continente africano pois muitos facilitadores do
conhecimento transmitem para os alunos a história de um continente inteiro em
apenas algumas horas, uma vez por ano, embarcada somente no tema escravidão,
ou no dia da consciência negra, e mesmo a escravidão é abordada do ponto de vista
do colonizador. Commented [U3]: Tem que ser fala dos autores e não as
suas. Esta parecendo que são as suas falas.
O rendimento da criança negra na escola também é tangível no que diz
respeito a essas práticas racistas, visto o elevado número de analfabetos entre a
população negra, aproximadamente 9,9% não estão alfabetizados, cerca do dobro
em relação as pessoas brancas (4,2%) de acordo com os dados da pesquisa
nacional por amostra de domicílios contínua: educação, divulgados pelo IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além disso pode-se perceber
também os altos índices de desistência e repetência, e o desestímulo a ir à escola
pela falta de uma representatividade seja nos livros didáticos, seja pelos
professores.
Segundo Luz (Apud, 1989:13):
O autor deixa bem claro nas suas palavras todo o processo neocolonialista
que os alunos passam em toda sua vida escolar, pois as práticas de muitos
educadores hoje em dia, consistem muitas vezes no baseio de uma sociedade
discriminatória, onde predominam em sala de aula falas preconceituosas, atitudes
discriminatórias, e uma didática excludente contribuindo de forma significativa no
incitamento da discriminação e, por conseguinte a desistência.
A escola reforça o racismo quando não toma medidas educativas contra o Commented [U4]: Aqui você pode utilizar o texto a escola
Conservadora de Bourdieu ao explicar estrutura objetiva e
mesmo, visto que a criança ao ingressar na escola já traz de casa uma amplo estrutura subjetiva mediados pelo Habittu.
vivencia, pois ela vê televisão, escuta o rádio, assiste jornais, tem acesso a redes
sociais e várias inúmeras atividades fora do âmbito escolar, e a escola produz e
reproduz a discriminação racial, desigualdades de oportunidades e preconceito
racial na sua didática, quando ela baseasse e prendesse a esses estereótipos
representados todos os dias pela mídia.
Todos esses fatores montam uma sequência de acontecimentos, pois com os
altos índices de desistência, as grandes taxas de analfabetismos e a falta de
políticas eficazes para erradicar esse problema, impedem de maneira significativa o
ingresso de alunos negros em universidades, e como consequência disso, cada vez
menos é encontrado a presença de negros em profissões graduadas, e assim volta
ao patamar de empregos mal remunerados e subalternos.
A inviabilidade para Benedita da Silva, ex-governadora fluminense, é tida como
uma das piores formas de racismo, pois ao passo que o mito da democracia racial
propaga a ausência de racismo, ele vai acontecendo de forma velada, nas camadas
sociais intrínsecas e assim impede um olhar mais aprofundado sobre o lugar que os
negros ocupam em sociedade em decorrência da desigualdade social. Nas palavras
da mesma: “A invisibilidade é uma das grandes crueldades do racismo. (...) é um dos
maiores instrumentos para perpetuar o preconceito e o racismo no nosso país”
(Silva, 2002, p. 22 e 25).
Ao passo que a mídia é elemento participativo da sociedade, e através dela os
estereótipos e o racismo velado é propagado, se torna necessário frisar que a
mesma pode se reestruturar nas suas relações, visto que há sim como romper a
inviabilidade do negro na sociedade brasileira, contanto que um olhar mais
aprofundado dos representantes e a construção de políticas públicas nessa
intersecção entre identidade e visibilidade sejam efetivados.
Reconhecer que a construção identitaria é necessária, promove o
posicionamento e a reinvindicação de uma organização política igualitária, se
enxergar como essencial e potencialmente capaz em todos os espaços da
sociedade é o primeiro passo para um processo de organização e luta de direitos.
2- A ESCOLA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NEGRA
Abordar o tema currículo nos dias atuais, necessita de uma ampla visão dos
vários conceitos e perspectivas diferentes que se tem do mesmo, pois são vários os
autores que tentam compreender e cingir o seu significado e papel no âmbito
escolar. Esse processo de compreensão do currículo perpassa pela visão simplista
de meros conteúdos aleatórios e enxerga o mesmo como uma construção cultural
que deve ser sempre analisado como um aspecto que vive em constante
modificações e reconstruções no decorrer no tempo.
A palavra currículo, em seu termo etimológico, vem do latim curriculum, que
resinifica o conjunto de dados e conhecimentos específicos para cada ser humano,
analisando as habilidades, necessidades, interesses e problemas que contribuem
para o desenvolvimento individual e coletivo do mesmo. Atualmente segundo
Soares, 1993, p. 68. O currículo tem sido interpretado como “lista de materiais a
estudar sob orientação do professor, experiências de aprendizagem para
desenvolver habilidades que preparem para a vida; seriação de estudos realizados
na escola” (apud Lima Campos, 2009, p.31). Como afirma o mesmo, além da
importância de desenvolver habilidades para a vida, o mesmo de uma forma ampla
torna o papel de se moldar a organização da sociedade e o contexto histórico que se
está inserido.
A sociedade sendo principal produtora de conhecimento, se responsabiliza
por aquilo que a mesma considera importante a ser ensinado, sendo assim, torna
fácil ressaltar que o currículo baseasse nos conhecimentos e perspectivas do povo
em que se está inserido, por tanto, as disciplinas estão relacionadas a aquilo que
devesse ser ensinado de acordo com o que é considerado benéfico para a ordem
social e para o êxito desenvolvimento dos discentes. O conhecimento levado para o
âmbito escolar, pautado nos desejos e anseios da sociedade são vistos como
necessários para atingir as metas propostas pelos currículos, geralmente motivados
para atingir as metas políticas de um país.
Observando a história do currículo é possível perceber que o mesmo surgiu
gradualmente, e foi perpassando por um processo de transformações básicas com o
intuito de manter uma relação direta entre os alunos e a escola, e
consequentemente também com à sociedade. Logo de início, por volta do início do
século XIX a proposta de trabalho e abordagem dos assuntos girava na formalidade
dos conteúdos, estes que eram resultantes da influência da era industrial vivida na
época, então a aritmética, artes plásticas, linguagem, estudos sociais entre outros
conteúdos eram trabalhados com maior enfoque e rigorosidade.
Ao longo do tempo, o currículo passou a ser analisado a partir de duas
partições: as teorias conservadoras tradicionais que se resumiam ao conhecimento
centrado no professor, e o aluno era somente um sujeito passivo que deveria
absorver esse conhecimento, para desenvolver por si só suas características
políticas e sociais, e as concepções críticas onde o aluno passa de ser passivo, que
recebe conteúdos, a ser um ser ativo, que produz e já traz de casa um amplo
repertorio de vida e conhecimento. Foi a partir da década de 30, por influência de
John Dewey8 que se passou a pensar em um currículo que fosse voltado para o
modo de vida e contexto em que se vive o aluno, como também um currículo que
incluísse na sua integra, a transmissão de alguns valores que eram tidos como
necessários para a construção social do mesmo.
Nessa mesma linha de construção, Dewey (1959, p.80) já afirmava que:
8
Professor e filósofo americano, que defendeu a ideia de unir a teoria e a prática no ensino. Foi um
dos fundadores da escola filosófica de Pragmatismo, pioneiro em psicologia funcional, e
representante principal do movimento da educação progressiva.
mental, porquanto, segundo ele, tudo se resume na atividade em que entra
a inteligência reagindo ao que lhe é externamente apresentado” (Apud Lima
Campos, 2009. P.31)
9 Palavra cujo significado; 1. Que psicologiza 2. Que tem cunho psicológico: Atribuir às frustrações da
sociedade a causa da violência, é uma visão psicologizante.
procurava-se encontrar o foco de habilidades dos indivíduos e tentavam desenvolvê-
las com primazia para denominar qual a ocupação de trabalho que o indivíduo
desempenharia com maior afinco, dotados de etnocentrismo10 a objetificação do ser,
proposto pelas teorias do currículo que se tinham na época acabavam reproduzindo
as estruturas sociais11 e as desigualdades sociais.
As primeiras teorias críticas do currículo decorreram dessa visão de um
currículo voltado para a preparação do indivíduo para o mundo do trabalho, e o
questionamento pertinente de como a sociedade era organizada. Teóricos como
Pierre Félix Bourdieu (1930-2002) e Jean Claude Passeron (1930) começaram a
questionar a realidade marcada pelas desigualdades sociais e injustiças decorrentes
da organização da sociedade da época, e também, como a escola reproduzia essas
desigualdades, e contribuía para a reprodução da estrutura social. O papel da escola
passou a ser colocado em pauta, visto que as teorias emergentes que se tinham da
grade curricular levantavam maiores interesses a classe dominante, em detrimento
dos grupos menos favorecidos.
Segundo os autores anteriormente citados, a sociedade capitalista tende a
reproduzir as práticas econômicas, e a escola, sendo um fruto da sociedade também
propaga a estratificação social, visto que os grupos sociais que constroem e
determinam o conhecimento e conteúdo a serem transmitidos no currículo
beneficiam prioritariamente os conceitos e interesses das classes dominantes. Essa
insatisfação com o modelo de escola seletivo e excludente se tornou visível
principalmente pelos novos movimentos sociais, que se incomodavam com o
desprendimento de preocupação da educação acerca do tradicionalismo e marcas
conservadoras na época.
EYNG (2010, p. 36) aponta que:
10 Visão de mundo característica de quem considera o seu grupo étnico, nação ou nacionalidade
socialmente mais importante do que os demais.
11 O termo estrutura social usado por autores como Alexis de Tocqueville e Karl Marx, significa um
sistema de organização da sociedade que decorre da inter-relação e posição (status social) entre
seus membros.
como forma de libertação da opressão econômico-capitalista e possibilidade
de emancipação a partir da conscientização. EYNG (2010, p. 36).
12
No marxismo, totalidade das formas de consciência social, o que abrange o sistema de ideias que
legitima o poder econômico da classe dominante (ideologia burguesa) e o que expressa os interesses
revolucionários da classe dominada (ideologia proletária ou socialista).
mesmo no meio social, e faze-lo enxergasse como protagonista, livre da alienação
que torna cego o sistema.
A educação sempre foi primordial desde o começo das eras, onde o homem
já sentia a necessidade do aprender e a ânsia do conhecimento. Tida como um
processo de desenvolvimento, a educação se tornou responsável em pautar os
grupos sociais e faze-los corresponder às expectativas da sociedade, sendo esta,
composta e profusa, cada povo tomou como fundamental adequar as
especificidades necessárias da educação, para compor um modelo ideal de homem
a ser seguido de acordo com os padrões ali exigidos. Durkheim (1858-1917. P. 10)
retrata a educação como “algo eminentemente social”, que pode ser diversificada e
especifica de acordo com o meio social apresentado, portanto não existe um modelo
de educação pronta e acabada, ela se adequa as necessidades e sistemas
organizacionais do contexto inserido.
Pierre Bourdieu13, como citado anteriormente, procurou analisar e
compreender como alguns grupos de indivíduos tomaram por si a determinação do
gosto predominante e os espaços mais privilegiados, vindo então a se apoderarem
dos meios de dominação, e como o sistema escolar sendo fruto de uma sociedade
completamente estruturada, se posiciona e legitima essas desigualdades sociais.
Ora, vimos que a cultura de uma determinada sociedade é o fator principal
para a seleção de conteúdos culturais presentes no currículo da mesma, e que é a
partir da ação do privilegio cultural14 que irá determinar os conhecimentos passados
aos alunos, sendo assim; maior enriquecimento para os indivíduos com alto poder
aquisitivo e menor favorecimento para a classe trabalhadora.
Essa hierarquização então, determinará quem irá ficar no topo da escala
social, e estas, determinarão quais os valores, hábitos, e costumes serão
considerados “culturais” para que sejam propagados e seguidos pelos grupos
dominados. Bourdieu em suas obras vem apontar como a sociedade não é um
13
Pierre Bourdieu, (1930-2002) foi um importante sociólogo e pensador francês, autor de uma série
de obras que contribuíram para renovar o entendimento da Sociologia e da Etnologia no século XX.
14 Aqui usado para designar o valor sociocultural positivo, atribuído a um determinado grupo em
detrimento de outro.
espaço harmônico, mas sim estruturado a partir das distâncias e posições sociais
que separam os agentes, e do capital adquiridos pelo os mesmos.
15 Bourdieu utiliza a palavra agente para superar a noção de sujeito, pois para o mesmo, os agentes
são aqueles que agem e lutam dentro do campo de interesses, superando assim a posição de ser
estático.
16
Conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições,
afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada
coletividade, época ou região.
O nível de capital cultural proposto a uma criança de uma classe social
elevada, vai ser mais enriquecedor no que diz respeito, a educação e as
oportunidades que os pais oferecerão a mesma, seja na língua, no conhecimento e
informações de mundo, na educação ou na visão simplificada e fácil de como
ascender no meio social, enquanto as classes baixas que continuam tendo uma
visão subalternizadas e oprimidas, irão propagar para seus filhos, uma falta de
perspectiva para com o ensino, e o capital cultural que também foram recebidos
pelos seus pais e avós ao longo dos anos.
A classe operaria não enxerga uma possibilidade de ascensão por meio dos
estudos devido a forma com que o ensino superior é passado, geralmente essa
modalidade de ensino tem um alto custo e devem ser financiadas pelos pais, com
isso também vem o reflexo das estatísticas, pois “as chances objetivas de chegar ao
ensino superior são quarenta vezes mais fortes para um jovem de camada superior
que para um filho de operário” como afirma o autor. Além da baixa estatística que o
aluno da classe operaria tem para concluir o ensino superior, e a falta de
perspectivas em prol do ensino apresentadas pelo pais referente ao modelo
curricular, o aluno ainda irá se deparar com a influência negativa da visão da
educação sobre sua própria condição, educação esta, que deveria ser igualitária e
universal, porém propaga as desigualdades e favorece a estratificação social.
As crianças dos meios mais favorecidos não se beneficiam somente do capital
econômico dos pais, onde detém e provem de todos as regalias que o dinheiro
podem oferecer, mas também desfrutam dos saberes, gostos refinados para a arte,
estética, para o teatro e outros lugares de espaço ocupados por essas classes com
alto poder aquisitivo. Por outro lado, até a língua utilizada pelas classes baixas serão
um empecilho a sua vida acadêmica, onde a falta de um refinamento das palavras
ou de um vocabulário extenso será visto pela instituição escolar com maus olhos,
pois o sistema educacional é voltado para uma cultura aristocrática17 que privilegia
as relações econômicas e o alto poder aquisitivo.
Para Bourdieu a educação escolar sendo um patrimônio adquirido pelo capital
cultural, assim como o capital econômico, determina onde os agentes irão
permanecer ou se locomover nas classes sociais, por tanto a distribuição de
conhecimento estratificasse de indivíduo para indivíduo de acordo com o patrimônio
dos mesmos. Geralmente o espaço escolar contribui para a reprodução dos capitais
entre gerações e gerações, eliminando e marginalizando os alunos das classes
populares, estes que são forçados a receber uma educação em que a cultura
preponderante é de um nível social muito acima dos deles.
17
Aristocracia significa nobreza. É a classe social superior. O termo aristocracia tem origem no grego
“aristokrateia”, que significa “governo dos melhores”. Aristocracia é uma forma de organização social
e política em que o governo é monopolizado por uma classe privilegiada.
18
Aqui utilizado como ideia proposta.
estar condenados a uma crise de “queda de nível” 19 e se constituirão acreditando
que o espaço escolar pouco pode fazer por si, e que as condições de
subalternização são inerentes e irreversíveis.
Como ressalta Pierre (1964, p.59), a escola “transforma as desigualdades de
fato em desigualdades de direito, as diferenças econômicas e sociais em “distinção
de qualidade”, e legitima a transmissão de herança cultural” pois reproduz a
ideologia de um sistema social que permite a elite, ser detentora do conhecimento e
dos benefícios e privilégios ao longo da vida, e legitima as desigualdades quando
enclausura as classes sociais desfavorecidas a sua própria condição de
subalternidade, levando-os a acreditar que suas inaptidões são resultado da sua
condição de inferioridade e que este é seu destino de berço.
19
O sociólogo utiliza essa expressão para descrever o ato de decair socialmente, ou seja, pessoas
economicamente privilegiadas tendem a serem cada vez mais sucedidas, e indivíduos de classes baixas tendem
a cada dia mais descerem ao nível da pobreza.
20 O Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (2003)
Em 2003 o primeiro modelo de plano elaborado para com a educação em
direitos humanos veio a público realizado pelo comitê em consonância com os
representantes dos estados da confederação, foi revisado e lançado novamente em
2007. Na sua vertente, a proposta seria de ressaltar a importância do mesmo em
todos os modelos de educação, fosse ela formais ou não-formais21 articulando
“valores, atitudes e práticas sociais que expressam a cultura dos direitos humanos
em todos os espaços da sociedade” (BRASIL, 2009, p. 25), como também a
construção coletiva de práticas sociais em defesa e proteção dos direitos, bem como
o combate as diversas violações nos âmbitos institucionais de educação.
Ficou definido então que a educação voltada para os direitos humanos
poderia ocorrer segundo as diretrizes instituídas pelo conselho nacional de
educação com:
21
O sistema de educação não-formal, configura-se em uma educação que não é formalizada, mas
que pode ocorrer em lugares fora do âmbito escolar.
22
Plano nacional de educação em direitos humanos.
“Deve ser um dos eixos fundamentais da educação básica e
permear o currículo, a formação inicial e continuada dos profissionais da
educação, o projeto político pedagógico da escola, os materiais didático-
pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação” (BRASIL, 2009, p. 32)
A pesquisa qualitativa como bem nos informa os autores, é realizada por meio
das observações constantes com o objeto ou sujeito de estudo, podendo assim ser
recolhido os dados após o contato direto do sujeito no seu contexto e analisados de
uma perspectiva ampla e participativa. Bogdan & knopp (1964, P. 16) ressaltam que,
para que a análise seja bem-sucedida, o pesquisador deve ter em mente o objetivo
da sua pesquisa para que assim consiga guiar-se nos seus estudos, pois,
determinar as interrogativas ao longo do trabalho ajudam-no a conseguir melhores
resultados. O investigador antes de sair a campo deve fundamentar-se teoricamente
para compreender as nuances e informações recolhidas, procurando sempre
desprender-se de preconcepções, pautando sua pesquisa puramente nos seus
estudos teóricos.
O ambiente natural é imprescindível para o êxito da investigação, é a partir da
convivência e o contato direto, que serão recolhidos os dados necessários; esses
dados podem ser reunidos tanto por blocos de papel ou por ferramentas
audiovisuais. Os investigadores qualitativos visitam frequentemente o ambiente de
estudo por que intentam a analisar todo o contexto, podendo assim investigar desde
os protagonistas primários de sua pesquisa até os secundários, com entrevistas,
visitas, observações, etc. A pesquisa qualitativa é descritiva pois utiliza-se de
imagens ou palavras, podendo assim variar seu tempo de estudo dependendo do
grau de intensidade e dificuldade em recolhimentos dos dados dispostos ao longo do
objeto a ser estudado.
Para toda pesquisa se torna necessário que o pesquisador tenha em mente
os objetivos e a delimitação do seu estudo, levando sempre em conta o tema da
investigação como também os métodos mais eficazes para o recolhimento dos
dados, visto que é imprescindível que ele não se distancie do caminho a ser
seguido. O assunto a ser trabalhado deve condizer comas perspectivas éticas a ele
destinado, ou seja, o mesmo deve ter o comprometimento de não estar intimamente
envolvido com o objeto a ser estudado, pois isso poderá atrapalha-lo, principalmente
no que concerne as conclusões que irá divulgar ao público alvo.
3.3. OS RESULTADOS
Por meio dessas indagações, é possível inferir que o alunado enxerga como
ato de discriminação somente a representação de agressões físicas ou verbais
explícitas, desconsiderando todos os indícios de falta de representatividade nos
espaços sociais, invisibilidade e impedimento ao direito da fala. A partir disso é
inegável que cada vez mais concebe-se intrinsecamente contido no aluno o mito da
democracia racial, este que foi-se propagando ao longo dos séculos e ainda
continua presente no discursos e percepções dos sujeitos na contemporaneidade.
Florestan (1989): na década de 60 já discorria sobre os perigos da
convencionalidade desse pensamento, visto que os resultados de nada seriam
favoráveis aos negros.
O mito - não os fatos - permite ignorar a enormidade da preservação
de desigualdades tão extremas e desumanas como são as desigualdades
raciais no Brasil; dissimula que as vantagens relativas ‘sobem’ - nunca
‘descem’ - na pirâmide racial; e confunde as percepções e as explicações -
mesmo as que têm como ‘críticas’, mas não vão ao fundo das coisas - das
realidades cotidianas.