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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
CAICÓ
2018
ADALGISA MARIA ALENCAR DUTRA
CAICÓ
2018
ADALGISA MARIA ALENCAR DUTRA
BANCA EXAMINADORA
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A pesquisa apresentada tem como foco temático, entender como se constroem os discursos
sobre os indígenas tendo como base os escritos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte (1906) no início do século XX. Também buscamos compreender
como se preserva a memória indígena na cidade de Janduís no século XXI, através de relatos
memoriais de pessoas naturais da cidade. A metodologia utilizada, de modo geral, parte da
análise qualitativa das fontes escritas, e a coleta das entrevistas orais, bem como suas
transcrições. Utilizamos de aparato conceitual em Michel de Foucault (1970), para pensarmos
como o discurso pode ser utilizado como manutenção de poder. Michel de Certeau (2007)
norteou o nosso trabalho por suas indicações teóricas e metodológicas de se pensar o lugar de
fala, e a influência na escrita. Pierre Nora (1993) nos ajuda a pensar a relação de história,
memória e lugares de memória, o lugar de memórias estudado pelo autor trata-se de um lugar
de consagração coletiva de um acontecimento, são lugares que guardam em sua simbologia
suas memórias. O sociólogo Maurice Halbwachs (1950), contribui para pensarmos o
conceito de memória coletiva, já que o mesmo afirma que toda memória é individual e
coletiva, pois os sujeitos sociais compõem o mesmo meio, e com isso, compartilham de
memórias coletivas. Assim, podemos perceber as diferenças ligadas aos discursos produzidos
pelo IHGRN e a memória guardada pela cidade de Janduís.
The present research has the thematic focus to understand how the discourses on the Indians
are constructed based on the writings of the Revista do Instituto Histórico e Geográfico
(1906), beginning of the 20th century. We also sought to understand how indigenous memory
is preserved in the city of Janduís in the 21st century, through memorable accounts of natural
people in the city. The methodology used, in general, part of the qualitative analysis of
written sources, and the collection of oral interviews, as well as their transcriptions. We use a
conceptual apparatus in Michel de Foucault (1970) to think how the discourse can be used as
maintenance of power. Michel de Certeau (2007) guided our work by its theoretical and
methodological indications of the place of speech and influence on writing. Pierre Nora
(1993) helps us to think about the relation of history, memory and places of memory, the
places of memories studied by the author, it is a place of collective consecration of an event,
are places that keep in their symbology their memories . The sociologist Maurice Halbwachs
(1950) helps us to think of the concept of collective memory, since it affirms that all memory
is individual and collective, since social subjects compose the same medium, and with that,
they share collective memories. Thus, we can perceive the differences related to the
discourses produced by the IHGRN and the memory kept by the city of Janduís.
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6
2 O domínio da escrita: o olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1906) ...................................... 11
2.1- O IHGB e a origem do discurso nacional ................................................................. 12
2.2. Um lugar de memória: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
(IHGRN)............................................................................................................................ 16
2.3. “Nem pau, nem pedra sobre pedra”: a sublevação dos Janduys nos séculos XVI E
XVII .................................................................................................................................. 20
2.4. Índios celebres do Rio Grande do Norte: o índio Camarão à moda europeia ............ 24
3 “Há tantas memórias quantos grupos existem”: resquícios do passado indígena na
cidade de Janduís. ................................................................................................................... 30
3.1. O vivido e o lembrado ................................................................................................ 31
3.2. Os laços sociais do passado ........................................................................................ 33
3.3. O (ser) tão indígena .................................................................................................... 41
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................54
FONTES: ................................................................................................................................. 54
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 57
1 INTRODUÇÃO
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dos discursos na Revista do IHGRN do ano de 1906, tal escolha, justifica-se pelo fato de se
tratar de importante documentação sobre o grupo étnico ora estudado e sua presença nos
sertões nos séculos XVI e XVII. O primeiro capítulo é denominado: O domínio da escrita: o
olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte – RIHGRN 1906.
No segundo capítulo, problematizamos por outro lado, que os sertões podem ser
entendidos como lugares de memória, que recuperam uma identidade indígena por meio de
um grupo social, a cidade de Janduís, no século XXI, criando uma afirmação identitária
positiva da descendência do grupo nativo janduí. Percebemos como esses discursos são
mutáveis, e se faz necessário sua historicização, percebendo até que ponto o sertão torna-se
um espaço socialmente aberto à recuperação da identidade indígena.
O desejo de estudar sobre a cidade de Janduís, parte das vivências da autora deste
trabalho que, desde sua infância conviveu com a ideia da existência de índios na cidade, em
um passado anterior a sua fundação (1962). Por ser natural da cidade de Janduís, as memórias
coletivas que remontam o passado da cidade, associavam-nos como descendentes do grupo
Janduí, de forma a exaltação desse grupo, construindo-se assim uma identidade positiva.
Durante a Graduação em História (2013-2016), foi perceptível a importância de se estudar
sobre os variados grupos indígenas, os quais, alguns foram extintos e outros negados pela
historiografia. Essa negação é notável nos escritos oficiais das Revistas do IHGRN na
primeira metade do século XX, quando buscam retratar o indígena como sendo um devastador
de vidas, como também representam um modelo baseado nas características do índio
Camarão, um índio notadamente à moda europeia.
No entanto, na cidade de Janduís, localizada no sertão potiguar, nota-se uma exaltação
cultural da construção de um passado indígena, sendo de suma importância social, o estudo
desses grupos e como há nas memórias a representação dos mesmos, que foram
negligenciados e tiveram muito da sua história apagada pela historiografia brasileira. O estudo
desses grupos é culturalmente importante, pois seus vestígios são visíveis em detalhes como
denominações de cidades na região oeste do Rio Grande do Norte e nos relatos de memória.
A análise da presença indígena e as suas representações no imaginário das pessoas é
de extrema importância para a academia, pois investiga a presença indígena na região oeste do
Rio Grande do Norte, bem como as apropriações em que foram absorvidas da presença
indígena, que resultou na nomenclatura da cidade de Janduís.
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Para a composição de nosso aparato conceitual, utilizamos, entre outros, Michel de
Certeau (2008); Le Goff (1924); Pollak (1992) e Nora (1993). A reflexão presente na
pesquisa, inicia-se por meio da reflexão de autores como Manoel Luís Salgado Guimarães,
Michel de Certeau, Bruno Balbino Aires Costa, para entendermos como se operacionaliza o
processo de escrita no IHGB, partindo de uma análise da história da historiografia, para o
entendimento da composição do mesmo, e também o seu respectivo local de produção. Como
também autores que tratam sobre a presença Indígena nos Sertões.
O memorialista Câmara Cascudo (1968), retrata em sua obra: “Nomes da Terra” a
ocupação de grupos indígenas nas aproximações do vale do Assu, região próxima da atual
cidade de Janduís. Segundo descreve o autor, o grupo indígena Janduí seria nômade, que
migrava de acordo com as condições climáticas da região, e hoje onde se encontra a atual
cidade de Janduís-RN, supostamente seriam acampamentos de colheitas, onde esse grupo
habitava periodicamente. A obra de Cascudo nos proporciona uma maior aproximação com a
relação entre o grupo indígena Janduí e a sua importância para a nomenclatura da cidade.
A autora Fátima Martins Lopes (2003), em sua Dissertação de Mestrado, “Índios,
colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte”, retrata os
respectivos lugares de ocupação indígena no interior da Capitania do Rio Grande do Norte,
bem como as localizações que identificam a presença do grupo Janduí, retratando a resistência
destes na Guerra dos Bárbaros. A guerra estudada pela autora ocorreu na segunda metade do
século XVII, consistindo em conflitos heterogêneos contra grupos indígenas nos sertões do
Norte. A trajetória dos índios Janduí, é estudada por Lopes (2003) e aberta a vários
questionamentos, dentre estes o apagamento da história desse grupo indígena.
Partindo da perspectiva do apagamento dessas culturas indígenas, é necessário analisar
como no início do século XXI, uma cidade na região oeste do Rio Grande do Norte, passa a
chamar-se Janduís. Refletir sobre essas questões, nos propõe perceber que mesmo com o
apagamento cultural desse grupo, há vestígios que reforçam sua identidade, notavelmente no
topônimo da cidade de Janduís e em sua construção identitária.
A autora Joana do Céu Régis (2011), retrata as memórias compartilhadas por idosos
janduienses, permite-nos perceber lacunas na história da cidade, em relação à trajetória e a
implantação do seu nome, “Janduís”. O presente trabalho parte de uma construção empírica,
na qual a autora Régis, compartilha memórias de idosos que remontam histórias da cidade de
Janduís-RN, pouco a pouco sendo desvelada, com tais problemáticas: Como eles recordavam?
Por quê? E quais as circunstâncias na qual o faziam? A base do trabalho parte das
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representatividades das memórias dos idosos de Janduís, que recordam acontecidos do
passado, como o momento de socialização nas feiras livres.
Régis (2011), buscou investigar fatos que ligassem o passado indígena ao presente
performatizado nos relatos dos recordadores, no entanto, a mesma encontra e problematiza
uma lacuna na história da cidade, que há pouca literatura sobre a região, particularmente sobre
a cidade de Janduís. A iniciativa da autora propôs uma vertente a ser preenchido neste
trabalho, quanto a problematizar uma investigação de um passado indígena na região e a
relação desse passado com a identidade presente na cultura dos janduienses.
Expostas algumas das reflexões teóricas e aportes bibliográficos, o primeiro capítulo
trata de expor a investigação realizada na revista do IHGRN, no ano de 1906, da qual foram
analisados os textos selecionados com o suporte da noção de operação historiográfica de
Certeau (2008), acerca dos discursos que são produzidos pelas elites ao referir-se aos
indígenas, e quais representações são formadas ao tratar-se sobre estes nativos na primeira
metade do século XX, bem como seus respectivos lugares de fala, e com isso entendermos
como são os discursos do início do século XX.
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2 O domínio da escrita: o olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1906)
O IHGB foi criado com o intuído de ser “um lugar de memória”, na medida em que foi
idealizado para ser o local de produção de histórias e memórias nacionais. Para Guimarães
(1988), a ideologia desta instituição seria implantar um Estado Nacional, para tal, formando
um perfil da “Nação brasileira”, garantindo por meio deste uma identidade própria.
Entretanto, esta gestação idealizada não condizia com a gênese de formação brasileira,
marcada pela diversidade de grupos étnicos, como as populações indígenas e pelo trabalho
escravo.
O perfil idealizado da identidade brasileira, e que é reforçado nos discursos do IHGB
foi pensado a partir de um Brasil homogêneo, construído por homens brancos e portugueses,
reconhecendo-se enquanto sucessora da civilização iniciada pela coroa portuguesa. Guimarães
(1988), ao estudar a gênese ideológica do IHGB, bem como sua função social na escrita e
construção de uma identidade brasileira homogênea afirma que:
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Como descreve o excerto acima, por Bruno Costa (2018), o projeto de criação dos
institutos provinciais, partiu de interesses políticos do governo para unificarem a nação. O
cenário brasileiro mostrava vulnerabilidade, decorrente de tensões políticas nas províncias
brasileiras que buscavam a cisão para com o todo, a nação. Dessa forma, a criação dos
Institutos nas províncias, parte de um projeto político de unificação, e para tal, a história surge
como meio que proporcionaria uma identidade brasileira de unificação, contrapondo as
diferenças presentes em cada província. E com isso, evitando a fragmentação iminente do
território brasileiro, utilizando-se da construção de um discurso histórico unificado, que
propusesse a centralidade das partes.
Percebemos, então, a História, como meio estratégico, utilizado pelo governo para, a
partir de um discurso centralizado, apaziguar as tensões sociais, e com isso permanecer no
controle. A História, nesse contexto, é notavelmente um lugar de poder, que politicamente é
utilizada para os interesses do governo e para o favorecimento de uma elite política letrada.
Para Michel de Foucault (1970), o discurso é aquilo que é o objeto de desejo, que circula entre
o desejo e o poder, no que se refere a evitar a perda do controle.
É nos discursos, para Foucault (1970) que a política exerce os seus mais temíveis
poderes e os discursos não são simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas, é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder que procuramos
assombrear-nos. Ou seja, o discurso é o poder, que é utilizado para a manutenção da ordem,
entendamos ordem como sendo o conjunto de práticas sociais preestabelecidas por
determinados segmentos da sociedade, que designam formas e práticas a serem seguidas.
O IHGB encarregou-se de produzir um discurso centralizado, com o objetivo de
apresentar a nação como sendo uma unidade política, centralizada e unificada. Para tal, se
congregou as particularidades das províncias em uma narrativa unificadora, produzida em um
lugar social, o IHGB, comprometidos com os interesses do estado e de uma classe elitista. Era
necessário consagrar um discurso que unificasse as províncias, aglutinando as particularidades
das histórias provinciais a um discurso de uma história geral do país. Para a consolidação
deste projeto nacional, as províncias tiveram uma importância evidenciada, quando pensam a
suas respectivas histórias como um processo incluso da história geral da nação.
A história geral da nação brasileira seria não só uma forma de construir uma narrativa
unificada para a construção de uma identidade nacional, mas seria uma forma pela qual se
resolveria as diferenças nos discursos que diferenciavam as regiões. Sendo o Brasil um país
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continental, a eminência das diferentes regiões, mostrava-se como um fator que levaria a uma
fragmentação territorial de cunho separatista frente à centralidade do Império.
Partiremos, na análise, com ênfase dada à criação do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte, para entendermos como este local de produção intelectual constrói
em seus escritos uma narrativa que os vincula a um lugar de memória, bem como
entendermos os discursos amplamente divulgados pela Revista do Instituto Histórico e
Geográfico RIHGRN, que se tornou um meio de divulgação de ideias produzidas
exclusivamente por uma classe social letrada. Por conseguinte, compreender os interesses
políticos, econômicos e sociais que estavam ligados ao IHGRN, bem como analisar o local
socioeconômico das personalidades que compunham o corpo de integrantes vinculados à
escrita do IHGRN e quais histórias propuseram-se escrever para a integração de um projeto
político nacional vinculado ao IHGB.
16
historiografia pernambucana, sobretudo, vinculado ao IAGP, como Regueira
Costa, Alfredo de Carvalho e Pereira da Costa. O contato com esses eméritos
cultores das letras históricas, despertou-o para a necessidade de criar no Rio
Grande do Norte uma instituição capaz de reunir investigadores abnegados,
que através da pesquisa documental pudessem preparar o material para a
construção solida da história regional, ao mesmo tempo, servindo para
dirimir as contendas que, de futuro, surgissem relativamente aos limites
deste Estado com seus vizinhos (COSTA, 2017, p.223).
Art.7- para ser admitido como sócio effectivo devera o candidato residir na
cidadeDo Natal ou em logar que esteja em comunicação fácil e constante
com ella, ser cidadão de merecimento nas letras, sciencias, industrias ou
artes e ter de edade vinte e um anos, pelo menos (REVISTA DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1906, p.05).
O lugar ocupado por aqueles que pertenciam ao cargo de efetivo no Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte IHGRN, era explicitamente voltado para uma classe
social conhecedora das letras e pertencente à elite Os critérios de admissão acima reforçam
com clareza a distinção social das pessoas que poderiam ocupar-se de tal cargo. As normas
estatutárias para o pertencimento ao IHGRN são notadamente excludentes, pois exigia-se uma
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qualificação e “merecimento nas lettras”, fato que demarcava o espaço, pertencendo somente
a este local de escrita uma parte da sociedade, exclusivamente letrada. Certeau (2007), afirma
que:
Para Certeau (2007), o lugar de produção está intrinsecamente articulado com o tipo
de pesquisa que se pretende executar; no qual a instituição produtora de pesquisas
historiográficas parte de seus interesses políticos, econômicos e sociais, para a elaboração de
seus discursos, atendendo dessa forma aos seus interesses próprios. No IHGRN, percebemos
que dentre as suas determinações, encontram-se critérios de admissão para a ocupação dos
cargos, nos quais, só se pode pertencer a essa instituição a classe exclusivamente de homens
letrados. Fato este, que exclui todos que não pertencem a essa cultura das letras, demarcando
com isso o seu local de produção. Partindo da particularidade desse lugar de fala do IHGRN,
é perceptível que a escrita exerce um poder pautado em privilégios, que se instauram por meio
de seus interesses, quais documentos serão estudados e quais as formas que as histórias
devem ser contadas.
No Art.18, do estatuto que regia a instituição, contido na Revista de (1906)
percebemos também que para os sócios se efetivarem em seus respectivos cargos, teriam que
pagar um valor cobrado da joia de (50$000). Para Certeau (2007), a particularidade do lugar
de onde se fala e do domínio em que realiza-se uma investigação é uma marca indelével na
escrita, em que representa a relação com o lugar. A reflexão acerca da escrita das Revistas do
IHGRN deve ser pensada partindo do seu lugar de produção, que possibilita-nos compreendê-
la como produto do meio no qual está inserida.
A sua escrita se constrói em função de uma instituição, que dita suas próprias regras e
determina suas prioridades. Sendo exposto de forma clara nos discursos da Revista do
IHGRN em 1906, o interesse discursivo em buscar ressaltar o culto à história e às tradições,
homenageando em seus escritos os feitos e acontecimentos dos “Grandes homens”, por meio
de datas comemorativas como o Centenário em alusão ao nascimento de D. Pedro II, bem
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como, exaltando os bustos em praças públicas, como forma de mantê-los vivos e seus feitos
no passado histórico.
A memória produzida no IHGRN é uma memória exclusiva e excludente, fato que se
justifica aos interesses políticos que estavam atrelados ao mesmo. Por isso, é recorrente a
exaltação aos portugueses, por meio de homenagens aos seus feitos heroicos, pois a memória
que se pretendia guardar é a memória dos portugueses, como forma de manutenção do poder,
mantendo-os vivos na memória brasileira, para que não caíssem no esquecimento. A criação
do IHGRN foi pensada para servir como a Instituição que organizaria a memória histórica do
estado, em que escolheriam acontecimentos a serem preservados, na qual a partir destes
acontecimentos construir-se-ia uma memória histórica para o estado, que reforçasse quais
leituras que eles queriam ter sobre si e seus antepassados. Segundo Bruno Costa:
É a partir dos personagens envolvidos nos mencionados eventos históricos
e de suas ações no tempo, que a identidade norte-rio-grandense foi sendo
urdida, ao mesmo tempo que se constituía o lugar do estado na constituição
da memória nacional. Não é sem razão que os referidos acontecimentos
históricos foram os mais recorrentes assuntos publicados pela RIHGRN, no
período compreendido entre 1903 e 1927 (COSTA, 2017, p.235).
A memória histórica construída pela RIHGRN, como afirma Bruno Costa (2017), foi
idealizada para a edificação de uma identidade norte-rio-grandense, em que, se ressaltavam
eventos históricos por meio de personagens e suas ações no tempo. O interesse principal da
construção dessa memória histórica para o estado tinha como objetivo a ocupação de um
espaço na memória nacional, no sentido de elevar o Rio Grande do Norte aos interesses do
IHGB no seu projeto de unificação nacional do Brasil.
Surge então a necessidade, entre os sócios, de escrever sobre acontecimentos datados
e com personagens que deveriam ser resguardados na memória do Estado. Contudo, não se
pretendia versar sobre grupos étnicos como: negros e indígenas em suas mais amplas
subjetividades culturais, fato que torna esta memória inscrita na RIHGRN, seletiva e
caracterizada por seus interesses políticos e culturais. O interesse dessas memórias
encontradas nos escritos na Revista de 1906, não era de protagonizar a construção identitária
norte-rio-grandense por meio das subjetividades, culturas e dos grupos indígenas que
habitavam o Rio Grande do Norte, mas destinavam sua atenção para homenagens, datas
comemorativas e celebrações alusivas aos feitos passados dos portugueses, demonstrando
assim, quais atribuições seriam adquiridas por meio da sua memória, fazendo-a como meio
que servisse para o seu uso político do passado.
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Não obstante, na busca incessante pela reconstrução do passado histórico norte-rio-
grandense, a Revista do IHGRN de 1906, ao tentar buscar documentos do passado colonial
depara-se em seus escritos uma carta escrita por Pedro Carrilho de Andrade, encontrada na
Biblioteca Nacional, e com isso acaba por resgatar a memória dos indígenas Janduís, grupo
étnico que habitou os sertões nos séculos XVI e XVII. Proporcionando-nos assim, a pensar
como são descritas as narrativas sobre esses grupo étnicos, como também, quais suas áreas de
habitações nos sertões. Nesse sentido, analisaremos quais são as construções discursivas que
retratam a presença indígena dos Janduí nos sertões, bem como a produção historiográfica do
IHGRN e o tratamento dado a este grupo em seus escritos.
2.3. “Nem pau, nem pedra sobre pedra”: a sublevação dos Janduís nos séculos XVI E
XVII
20
Figura 1: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – 1906
O discurso proferido nas memórias do período colonial dos sertões demonstra como
ocorreu a resistência por parte dos Janduí, no século XVII. Resistência essa, que se deu
devido estes não aceitarem serem submetidos ao processo de colonização. Nos escritos da
Revista do IHGRN (1906), este indígena é representado como um ser bárbaro, destruidor de
vidas, que não deixa “nem pau nem pedra sobre pedra”, expressão caracterizada por significar
a destruição no mais amplo sentido.
A destruição das vidas das pessoas que habitavam aquela capitania também é
enfatizada, bem como a morte de suas cabeças de gados. Este grupo, ao resistir à ocupação de
suas terras naturais, é visto pelos colonizadores como seres destruidores de vidas, bárbaros.
Estes discursos justificam-se, pois o interesse político era a ocupação das vastas terras nos
sertões, e para isso consolidarem-se estes indígenas teria que ceder-lhes, fato que
evidenciamos o contrário, os indígenas dos sertões do Norte, resistiram e lutaram pela não
ocupação do seu território.
Fátima Martins Lopes (2003) retrata em sua dissertação de mestrado, que no período
colonial existiu a presença de grupos étnicos na região do vale do Assú, bem como houve um
protagonismo exercido por estes grupos, ao lutarem na “Guerra dos Bárbaros”1. Para Lopes
(2003), foram esses grupos que desencadearam uma grande resistência à presença de colonos
nos Sertão. Em 17 de maio de 1757, Sebastião José de Carvalho comunicava a autoridade da
colônia, que foram encontradas minas de ouro na região do Apodi.
1
A Guerra dos Bárbaros ocorreu na segunda metade do século XVII, consistindo em conflitos heterogêneos
contra grupos indígenas no sertão das capitanias.
22
A descoberta de minas de ouro nas regiões do Apodi, despertou o interesse do
Governo de Pernambuco em ocupar esses territórios, buscando inclusive, acordos com o
grupo étnico (Pegás ou Pegas) que se encontravam situados em uma aldeia junto a Serra de
João do Vale 2, no Rio Grande do Norte, propondo aos Índios do Apodi, para estabelecerem-
se e constituírem-se juntos aos moradores daquela missão, umas 150 casas, mas os indígenas
Pegás rejeitaram a proposta, por considerarem estes proponentes seus inimigos, rejeitando a
ideia de morarem com eles. Para a conveniência da Fazenda Real, foi-se convocando mestres
de escolas para o Apodi, assim como alguns mestres de ofícios, para ali se estabelecerem e
supostamente manterem uma relação de apaziguamento para com os indígenas que resistiam
em mudar de território. E com isso, reforçando o domínio e exploração das terras ocupadas
por estes.
Relata os mesmos documentos, que, para a conclusão dos preparativos que seriam
úteis para a Fazenda Real, a côngrua que poupa dos Missionários e para conveniência dos
indígenas, para melhorarem de terreno, o mesmo busca achar e chamar mestres de escolas e
mestres de ofícios para ali estabelecerem-se. O processo de colonização e ocupação dos
territórios dos Sertões é perceptível nesses discursos presentes nos documentos acima.
Os interesses da Colônia estavam inteiramente ligados aos recursos naturais que a
região do Apodi acabara de descobrir, e com isso, é evidente que com a resistência dos
indígenas a relutarem por para não sair de suas terras, não foi satisfatório aos governantes, que
de imediato buscaram meios, convocando mestres de escolas, para aproximarem-se dos
indígenas e assim conseguirem seus objetivos de ocupação das terras pertencentes aos índios.
Nos sertões do Norte, havia vários grupos étnicos espalhados, que desencadearam uma
seria resistência à ocupação de suas terras por colonos portugueses e seus rebanhos, fato
2
A Serra de João do Vale está a uma distância de aproximadamente 270 km da cidade de Natal, o acesso pode
ser feito através da BR-226 até Jucurutu, e então se segue por uma estrada carroçável até a área da Serra.
Também o acesso pode ser feito por uma estrada carroçável partindo do município de Triunfo Potiguar.
23
marcado pela “Guerra dos Bárbaros”3. Sendo estes índios vencidos pela colonização, o
próximo passo seria “sossegá-los” em aldeamentos oferecidos por grupos religiosos ligados a
Igreja Católica, os então conhecidos, “missionários”.
Para Lopes (2003), os indígenas eram direcionados aos aldeamentos com a
justificativa de estarem servindo a Deus, sua majestade e ao bem comum dos colonos,
reforçando o discurso civilizatório, para com isto “sossegá-los”, como também manterem-lhes
resguardados em locais pré-determinados, fato que ocasionava a liberação das terras para a
ocupação. Os sertões habitados por esses gentios da terra eram tidos como “vazios”, mesmo
sendo ocupados por Indígenas.
2.4. Índios celebres do Rio Grande do Norte: o índio Camarão à moda europeia
3
Para Lopes (2003) a Guerra dos Bárbaros consistiu em um confronto entre o mundo do europeu com o mundo
do nativo, que levou a quase um aniquilamento total desses grupos étnicos, que durou por quase cem anos nos
sertões da Bahia até o Maranhão.
24
batismo de um gentio da terra? Indaguemo-nos dessas questões no decorrer do texto para
pensarmos quais os interesses ligados a essa exaltação do Índio Camarão, nos relatos de uma
história do Rio Grande do Norte. Em memória ao batismo do Índio Camarão temos:
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acompanhamento de todos seus vassalos4, conceito medieval que significava súdito de um
soberano. Logo percebemos qual o lugar de pertencimento do Índio Camarão nos discursos da
Revista do IHGRN, seria o de herói do Estado, e que o Rio Grande do Norte, originou-se das
virtudes do mesmo, exaltadas por sua coragem e liderança. Há evidentemente uma negação
nos escritos acerca dos indígenas que não colaboraram com a colonização, os que resistiram e
lutaram contra o processo, não são enaltecidos e não aparecem com a mesma representação e
evidência que o índio Camarão teve.
Para Bruno Balbino Aires da Costa (2017), a naturalidade do índio Camarão parte do
interesse em se construir um discurso que reforçasse a identidade regional, sendo a afirmação
identitária e a naturalidade do mesmo, importantes para os projetos em construção da
identidade das Províncias/Estados. Para tanto, convocar a identidade de um herói de guerra, o
índio Camarão, foi uma estratégia que demonstraria a centralidade na memória nacional de
forma que a Província/Estado se construísse enquanto identidade partindo das ações de
Camarão na guerra entraria para a “história da pátria”. A narrativa acerca do índio Camarão
são evidências pela exaltação dos grandes feitos e das virtudes pertencentes a este, que por
sua vez, são advindas da sua participação militar na guerra contra os holandeses. Para Costa
(2017):
A narrativa em torno da participação de Felipe Camarão na guerra contra os
holandeses foi o foco mais ressaltado, justamente por ser este aspecto o
responsável por evidenciar os grandes feitos e as virtudes do índio (COSTA,
2018. p.498).
4
Vassalo significa súdito de um soberano. É um conceito próprio da Idade Média e está relacionado com o
sistema de feudalismo. O vassalo era o indivíduo que pedia algum benefício a um nobre superior e em troca fazia
um juramento de absoluta fidelidade. Os vassalos eram geralmente recompensados com um feudo que poderia
ser terras, cargos, lugar num sistema de produção ou outros benefícios. Suserano é o nome atribuído àquele que
doa o bem ou oferece proteção. Esse tipo de relação era conhecido como vassalagem.
26
Ao ser batizado nos preceitos católicos, relata-se que o índio Camarão recebeu o
nome de Antônio e o de sua esposa o de Clara, todavia, o mesmo continuou por ser apelidado
por Camarão, pois já era conhecido como tal. No dia em que se seguia o batismo de Camarão,
foram consagrados os votos de seu matrimônio com a mulher que o mesmo escolheu para
unir-se monogamicamente nos ritos católicos, como vemos nas descrições abaixo:
No fragmento extraído acima, é notável, que para além da aliança mantida entre
Camarão e os portugueses há uma exaltação em o porquê de se fazer tantas homenagens ao
mesmo, justificando-se pelo fato de que o mesmo seria merecedor por ser um “bom gentio”,
demonstrando com isto, a aliança entre os mesmos, como também remete-nos a pensar quais
características era preciso ter para ser considerado como “bom gentio”, suponhamos que para
ser um “bom” índio, era necessário que este fosse rendido aos interesses portugueses, e que
lutasse em guerras aliados aos mesmos, para com isso consolidar o projeto de colonização.
O fato de o índio Camarão ser considerado célebre para o olhar dos escritores da
RIHGRN, é que o mesmo representava os interesses dos “grandes homens”, os interesses dos
conquistadores, e como forma de afirmar o poder dos portugueses e a submissão que se
pretendia para com os demais povos. Por conseguinte, é ressaltado que em homenagem aos
feitos já realizados em guerras a favor dos portugueses por Camarão, o mesmo se fazia
merecedor de gentilezas e pompas. Camarão também é claramente homenageado por ter
contribuído por seus feitos em favor da “nascente civilização”, civilização esta, que pode ser
entendida como a imposição de costumes e culturas europeias, durante o processo de
expansão territorial no interior dos sertões aos povos gentios da terra.
Assim, como Camarão ganha respaldo nos escritos das Revistas do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, sua esposa Clara Camarão é exaltada como guerreira e
heroína, por estar junto ao mesmo em batalhas e guerrear na restauração do Pernambuco
contra os holandeses. Os discursos voltados sobre a vida da índia Clara Camarão, são
27
destaque para por seus grandes feitos cívicos, bem como o valor de superioridade, atribuídos à
mesma, em relação aos outros Indígenas. Como podemos ver abaixo:
Clara Camarão, também se torna uma figura de representação Indígena que é exaltada,
para além de ser esposa de Camarão, como também por sua braveza em combates junto ao seu
marido. Na descrição acima, Clara é um modelo a ser seguido pelas outras mulheres, por ser
valente e corajosa em campos de batalhas, e principalmente por ser uma mulher indígena que
combatia junto aos homens nos batalhões, e que sendo mulher, afrontava todos os perigos.
Assim como Camarão, comandava os “seus índios” em guerra, Clara Camarão
também era comandante da esquadra feminina em batalha. Ela destacou-se na história por
lutar junto ao seu marido em batalhas, e por isso, foi admirada pelos portugueses. A memória
de Clara é sobreposta à memória de outras mulheres que também foram guerreiras como:
Zonobia rainha dos Palmares e Sémiramis, rainha da Babilônia. Sobre a exaltação das
memórias de Clara Camarão na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte: “Sua
memória será eterna no templo da fama, para que em todo tempo seja celebrado seu nome
com os elogios que soube merecer seu varonil esforço. ” (RIHGRN, 1906, p.95). Percebemos
a partir desse fragmento, que os feitos de Clara Camarão deveriam ser resguardados na
memória oficial do Estado, imortalizando seu nome e ressaltando-a como brava, mulher
guerreira que merecia receber elogios por seu heroísmo.
A História imortalizou seus feitos e a poesia suavizou-a em suas homenagens. José da
Natividade Saldanha cantou em seus versos a memória de Clara Camarão:
Há na história poucos dados sobre a morte de Clara Camarão, não deixando claro a
forma em que morreu. A forma de representação de Clara Camarão nos registros do IHGRN
trata-se de uma heroína, que deve ter sua história de vida resguardada na memória por sua
grandeza e seu valor cívico. Clara, é tida como um tipo de “classe superior” dos indígenas,
mostrando-a como no olhar dos registros do IHGRN, a mesma é tida como superior aos
demais índios. Superior também por ser mulher, que se elevou ao mesmo nível dos homens
conquistadores.
Esse casal teve mais de um filho, mas somente um aparece com clareza nos escritos, o
então denominado D.Antonio João Camarão, que por sua vez, teria sido recolhido pelo então
governador Francisco de Brito Freire5 para então ser doutrinado e ter um tratamento devido,
em retribuição ao que seu pai havia feito em benefício da Coroa portuguesa. A preocupação
dada à educação do filho de Camarão, Antônio João Camarão é voltada para o interesse de
continuidade da dominação, uma vez que este deveria substituir seu pai no governo dos
índios.
O seguinte capítulo tratará a seguir, sobre como a resistência da memória indígena
permanece nos sertões no século XXI, na atual cidade de Janduís. Para fins de pesquisa,
utilizamos como metodologia o uso da História Oral, método que proporcionou uma
investigação sobre os vestígios de um passado indígena na cidade, por meio das memórias dos
recordadores janduienses. O vivido e o lembrado constroem o objeto de estudo no segundo
capítulo, ao incorporar uma narrativa de grupos étnicos que tiveram suas histórias silenciadas
pela historiografia, proporcionando assim, sua (re) construção e (re) significação a partir das
memórias dos janduienses. Como também, o entendimento de sertão como um espaço aberto
à identidade indígena.
5
Citado na sessão “Índios celebres do Rio Grande do Norte”, referente ao governador que declara ter recolhido o
filho do índio Camarão para cuidar de sua educação em serviço da coroa.
29
3 “Há tantas memórias quantos grupos existem”: resquícios do passado indígena na
cidade de Janduís
31
A memória presente no estudo é, portanto, delineada do passado vivido e lembrado.
Uma memória que (re) vive o passado no presente, e que demonstra tanto permanências como
também rupturas. Para tal abordagem, a teoria da memória coletiva, trazida pelo sociólogo
Maurice Halbwachs (1950), tenta entender a formação da memória do indivíduo e suas
projeções no coletivo, prestando atenção ao seu contexto social. Para ele, a memória sempre
tem uma função social. O conceito de memória coletiva, criado pelo autor em 1920, no campo
da Sociologia, estabelece que a memória seja influenciada pelo que a antecede e a determina.
Segundo o autor, a memória é uma construção social, são aqueles que lembram que decidem o
que deve ser guardado e os lugares onde essa memória deve ser preservada.
Pensar a memória como fonte, é pensar a sua representatividade para a sociedade na
qual ela está presente. Qual o lugar da memória? Qual memória é guardada? Partindo das
discussões acima, percebemos que pensar a memória de Janduís, é também pensar o lugar na
qual ela está inserida. Os lugares de memórias, pensado por Nora (1993), são espaços
construídos simbolicamente e são caracterizados por acontecimentos ou experiências vividas
por determinadas pessoas. Assim, os laços sociais do passado, pretendem demonstrar os elos
entre narradores, suas vivências e os lugares de memórias.
Segundo Michel Pollak (1992), a memória é, portanto, seletiva, no plano individual e
coletivo. A memória não grava tudo, nem tudo fica registrado. A memória não se refere
apenas à vida física das pessoas, elas sofrem mudanças que variam de acordo com o momento
em que é exposta. As preocupações do momento levam a uma estruturação do momento em
que é recordada. A memória é também um reflexo de preocupações pessoais e políticas. É
seletiva e é política, é construída de forma direta e indiretamente. O que a memória grava,
exclui e relembra é o resultado de um fenômeno construído socialmente e individualmente.
A memória faz das pessoas historiadores de si mesmos. Quando pensadas em seus
laços socialmente construídos, a memória ganha simbologia de pertencimento. É, portanto,
uma ligação coletiva entre memória e os laços do passado que ligam um grupo a uma
determinada identidade. A memória dos recordadores de Janduís é construída de forma
individual e coletiva, uma vez que por meio da memória, cria-se um sentimento de identidade.
Assim, buscamos entender de que forma essa memória se constrói, enquanto laços sociais que
ligam uma sociedade a uma identidade.
32
3.2. Os laços sociais do passado
[...] O povo que não conhece a sua história, é como se não existisse... se nós
sabemos de onde estamos vindo, nós sabemos pra onde nós queremos ir [...]
(ROCHA, 2018).
33
Antonio Estevam Sobrinho, cidadão janduiense, atualmente exerce o cargo de
conselheiro tutelar na Cidade de Janduís e participou nos anos 90, do Projeto Recriança, cuja
função era artística e cultural, o que propiciou o contato com temas ligados à história da
cidade. Neste trabalho, havia o investimento na transformação das lendas indígenas ligadas
aos Janduí, em peças teatrais, com o objetivo de mantê-las vivas na memória. Como também
tinha um caráter de recuperar a história de Janduís, para que a população conhecesse suas
origens indígenas.
Para a descrição das falas dos personagens, na escrita, escolheu-se a sigla P que
representa as perguntas feitas aos recordadores, e as iniciais de seus nomes para representar
suas falas. Elencando-se às falas partindo das perguntas que foram analisadas, a saber:
34
memórias, pois não será apenas lembrada por um indivíduo, mas por um grupo de pessoas. As
memórias relembradas pelos narradores pertencem ao mesmo grupo, com isso são
rememoradas no plano coletivo. Assim, temos as memórias que relacionam o teatro às
histórias indígenas da cidade:
O recordador rememora espetáculos teatrais em que fez parte nos anos 90, nos quais,
afirma que era recorrente se trabalhar com as lendas indígenas, que faziam parte da cultura e
do imaginário janduiense. Ressalta a participação do professor de teatro, que era o idealizador
em trazer para a arte às lendas indígenas, o mesmo chama-se Raí Lima.
O depoente destaca o interesse da parte do professor Rai Lima em transformar em
espetáculo aspectos da história da cidade. O pesquisado, também argumenta que ultimamente,
vem se perdendo muito a questão do nome cultural que a cidade sempre teve no passado.
Mas, o mesmo acredita ser um momento passageiro e que deva voltar em breve.
O segundo entrevistado foi o Antonio Cácio dos Santos, graduado em Pedagogia pela
UERN e especialista em Gestão Educacional pela Faculdade Integrada de Patos (FIP).
Professor da rede municipal de ensino, a 20 anos e atuando temporariamente da rede estadual
da Cidade de Janduís, também é uma personalidade bastante conhecida e respeitada por seus
conterrâneos por exercer o trabalho de produção artística, como produtor de eventos culturais
através de exposições, eventos como desfiles e mostras de artes. A seguir a entrevista:
37
desvelada, com tais problemáticas, como eles recordavam? Por quê? E quais as circunstâncias
nas quais eles o faziam? A base do trabalho parte da representatividade das memórias dos
idosos de Janduís, que recordam acontecidos do passado, como o momento de socialização
nas feiras livres, hábitos familiares, e que tinham a mesma característica em comum: terem
vivido em Janduís. Régis (2011), em sua pesquisa elenca dados sobre as mudanças de
nomenclaturas, na qual ela vai dizer que:
P: Então o senhor acredita que existe uma relação que o nome é simbólico e
homenageia esses índios que por aqui habitaram? Mesmo que de passagem?
ACS: Sim. O nome ele é porque ele é Janduís, ele é uma homenagem ao
índio Nhanduí. Que significa ema ligeira, pequeno, corredor, veloz. Então
esse nome Janduís é tanto homenagem a própria tribo que passava aqui,
mesmo que fosse ponto de descanso, mas eles tinham um vínculo com
Janduís, como um ponto, que eles estavam cansados e um ponto estratégico.
De descanso deles, desde a questão do rio, acredito que desde a questão da
agricultura que tem por perto. Da questão para alimentação. Então Janduís
vem para homenagear tanto a tribo dos índios, mas em especial Nanduí. E na
nossa bandeira aparece o símbolo, que aí eu acho importante dizer, que é o
símbolo da ema, que o símbolo da ema quer dizer que ali é a presença
mesmo da simbologia da ema quanto ave, mas do chefe Nanduí. Que Nanduí
quer dizer ema veloz, pequeno, corredor. Então na nossa bandeira a gente faz
essa alusão a esse chefe Nanduí, que seria o grande homenageado
(SANTOS, 2018).
6
O Rio das Croas, a qual o professor Cácio Santos, refere-se ao Rio que dividiu no passado a Fazenda São Bento
Velho, de pertencimento, do Sr. Vicente Gurgel do Amaral e a Vila São Bento. Esse Rio é reconhecido por seu
marco divisório entre o Rural e o Urbano.
39
De acordo com o narrador, e o mesmo ressalta com veemência, a importância das
simbologias da atual bandeira da cidade. Na qual, tem-se o símbolo da ema que representa
não somente a ave, mas o chefe Nhanduí. O significado da palavra Nhanduí, quer dizer
pequeno, corredor; então, o mesmo afirma que a bandeira da cidade faz alusão
metaforicamente ao chefe Nhanduí, sendo homenageado de forma expositiva na bandeira da
Cidade. A seguir mostraremos a bandeira de Janduís, para analisarmos o principal elemento
caracterizado na mesma, à ema.
A atual bandeira da Cidade de Janduís é composta por elementos que caracterizam sua
história e reforça sua identidade cultural, o elemento central, metaforicamente representado
pela ema, é o símbolo que reconstrói o seu passado indígena na imagem metaforicamente
utilizada do animal. A ema faz alusão ao Chefe do grupo étnico Janduí, que segundo Cácio
Santos, cujo significado, já dissemos anteriormente, Como podemos observar, a ema é a
representação de mais destaque dentre os demais elementos da bandeira, mesmo havendo
outros símbolos que remetem à história da Cidade, como o símbolo do algodão que faz
referência à fazenda de gado e algodão (São Bento Velho), pertencente a família Gurgel que
a posteriori doaria terras para a fundação de Janduís. Assim, segundo Halbwachs (1950):
40
lembranças se adaptariam ao conjunto de nossas percepções atuais
(HALBWACHS, 2006, p.25).
Define-se sertão como interior, região agreste, lugar recôndito, numa relação
dialética com o litoral, estabelecendo uma alteridade espacial do colonizado em
41
contraposição ao território do poder e do padrão cultural, mas também traduzindo
força imagética, de sentimentos e de sentidos, manifestada em diversas formas de
expressão artística (NEVES, 2003, p. 153).
42
Pensar o sertão enquanto espaço, é pensá-lo também às suas subjetividades sociais. O
imaginário de sertão, a partir da descrição de cronistas da época expressava a ideia de que o
sertão seria o espaço do interior, pouco povoado e distante do litoral. Diante desta dicotomia,
sertão e litoral, a sociedade brasileira se configura entre a dialética do progresso e do atraso,
atribuindo ao sertão e ao litoral, características distintas. Assim, para Neves (2003) há uma
generalização do conceito de sertão, sendo este caracterizado por:
43
pela natureza bruta, e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não
havia chegado as benesses da religião e da cultura (AMADO, 1995, p.149).
Para a autora, o sertão no século XVI, designava espaços desconhecidos, os quais não
haviam sido adentrados pela colonização portuguesa. Estes espaços eram habitados por
indígenas, que eram estereotipados como seres “bárbaros” por não fazerem parte da cultura
portuguesa; “hereges”, pois não comungavam da religião católica (“religião oficial de
colonização”), e eram tidos como seres sem “cultura” pela visão eurocêntrica. Pensar o sertão
à época é pensá-lo como um constructo social, definido pelos olhares dos colonizadores,
como também entendê-lo em oposição ao litoral. Lugar este, o qual era ocupado em oposição
ao sertão que era tido como um espaço “vazio”.
Para o colonizador, o sertão constituiu o espaço do outro, um espaço desconhecido,
um espaço de alteridade. E partindo dessa diferenciação entre o litoral e o sertão, o europeu se
definiu enquanto identidade. O sertão, por vezes, rico em diferentes sentidos, ao mesmo
tempo em que representava lugar perigoso e rico em mortandade, era também, um lugar
desejado pelos dirigentes das capitanias. Era também um lugar predestinado ao degredo
daqueles que haviam sido relegados aos seus serviços prestados à coroa portuguesa. A seguir,
o sertão como espaço de liberdade:
Para alguns degredados, para os homiziados, para os muitos perseguidos
pela justiça real e pela Inquisição, para os escravos fugidos, para os índios
perseguidos, para os vários perseguidos, para os vários os vários miseráveis
e leprosos, para, enfim, os expulsos da sociedade colonial sertão
representava liberdade esperança; liberdade em relação a uma sociedade que
os oprimia, esperança de outra vida melhor, mais feliz (AMADO, 1995,
p.150).
Para autora citada acima, o sertão é também no século XVI, um lugar que representava
liberdade para todos aqueles que eram perseguidos/excluídos da sociedade vigente, entre eles
estavam: escravos fugidos, índios perseguidos, miseráveis e leprosos. Assim, para estas
pessoas, o “sertão” representava liberdade, e ao serem expulsos da sociedade colonial, fugiam
para o sertão em busca de uma sociedade que não os oprimissem, buscando nos sertões, uma
vida melhor.
Segundo Janaina Pires Ferreira (2004), definir a etimologia de uma palavra pode ser
uma armadilha, uma vez que se corre o risco de entrar em fanatismo. Ocorre o mesmo com o
conceito sertão, pois, o conceito perde-se em seus variados sentidos, permanecendo tão
indefinido e ilimitado em seu significado.
44
É no sertão que se preserva identidades, constroem significados e rememoram suas
raízes socioculturais. Nesse sentido, buscamos em nossa narrativa entender o sertão onde fica
localizada a cidade de Janduís, em seus mais amplos sentidos e identificações. Por meio de
vestígios de memórias preservadas pelos janduienses, o sertão se (re) descobre enquanto
espaço social e cultural aberto à preservação da identidade indígena. Nesse sentido, buscamos
investigar fatos a partir das histórias e memórias preservadas, que associam Janduís ao seu
passado indígena, e entender de que forma essa identidade é preservada, quais são os lugares
de memórias, quais delas são preservadas, como elas são passadas de geração em geração
pelos janduienses.
O (Ser) tão indígena constitui a rememoração de um sertão, que guarda em suas
memórias reminiscência de um passado indígena. Dessa experiência, por meio da memória
das pessoas de Janduís, buscamos (re) contar e (re) significar narrativas sobre as memórias
indígenas, que compõem a tradição oral e cultural da cidade. Falar sobre as memórias
indígenas é antes de tudo um ato político, que nos leva a ter outras percepções acerca dos
índios, é também não deixar cair em esquecimento, e trazer para a história de Janduís sua
identidade cultural.
Para Nora (1993), a memória é transportada do passado para o presente. Os lugares de
memórias são onde consagramos e resguardamos nosso passado. Se a memória não caísse em
esquecimento não haveria motivos para a consagração de seu lugar. Então, não haveria
lugares, por que não teríamos memórias transportadas pela história. O lugar de memória é o
lugar de consagração do passado no presente, é a necessidade de uma referência para se
lembrar da história que passou há tempos.
Partindo da perspectiva conceitual utilizado por Nora (1993), os narradores remontam
a história indígena a partir das lendas que perpassam de geração em geração, reconstruindo e
preservando lugares de memórias que representam a consagração do passado no presente.
Utilizaremos do estudo das lendas indígenas que compõem o imaginário cultural das
memórias dos narradores, como a lenda da “ Pedra da Lua” e a lenda da “Pedra do índio”.
Para tal, buscamos entender quais os lugares de memórias rememorados, e onde é preservada
a identidade cultural indígena da cidade de Janduís:
Ao ser indagado sobre uma das lendas indígenas que compõem o imaginário cultural
da cidade, o professor rememora e narra a história de amor sobre dois índios, conhecida como
a lenda da “Pedra da Lua”. Segundo o mesmo, a lenda da “Pedra da Lua” passou a ser contada
a partir de uma pesquisa feita por pessoas que tinham curiosidade de sabê-la. Por meio da
pesquisa feita com algumas pessoas idosas e de certa experiência, descobriram que lá havia
sido palco de uma história de amor. O nome da lenda “Pedra da Lua”, faz menção a um local
próximo ao Rio das Croas, onde existe uma pedra com o formato de uma lua. Para Nora
(1993):
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
de revitalizações (NORA, 1993, p.9).
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Pierre Nora (1993), ao discutir sobre o conceito de memória afirma que a mesma
pertence sempre aos grupos vivos, nesse sentido está em permanente evolução, possibilitando
ser esquecida ou lembrada no decorrer dos anos. A memória é inconsciente de suas formas e
deformações, é vulnerável a usos e manipulações, pode ser guardada a longos períodos e
reconstruída repentinamente. A memória é antes de tudo, vida, um elo vivido sempre no
presente. O autor também discute o conceito de história, em contraposição ao significado de
memória:
Nora (1993), ao discutir a dialética entre história e memória, entende que a história
toma sentidos e significados diferentes da memória. A história busca o resgate de uma
problemática que não mais existe, entretanto, a memória é um elo vivido entre o passado no
presente, a memória é afetiva e não se prende somente a detalhes, ela se alimenta de
lembranças particulares e sensíveis a cada recordador. A memória é por natureza, múltipla,
coletiva, individual e plural. Já a história é a representação do passado, sendo uma operação
intelectual e crítica que demanda a análise do discurso.
A memória se enraíza no concreto, no espaço no gesto, na imagem no objeto. Nas
memórias que reconstroem o passado indígena de Janduís, há sempre uma relação entre o que
é representado e os lugares de memórias que consagram as lembranças. Assim, a lenda
rememorada diz que no local onde está a “Pedra da Lua” foi no passado um local de encontros
amorosos entre dois indígenas. Para Nora (1993) se habitássemos ainda nossa memória, não
teríamos necessidade de consagrar lugares, pois não haveria memórias transportadas para a
história.
O narrador ao rememorar a lenda indígena que remete ao lugar específico, o lugar de
memória, no qual ocorreu a lenda indígena por ele relatada, discorre que a pedra seria um
local de encontro entre dois indígenas de “tribos” rivais, que escolheram a pedra para ser um
local de encontros às escondidas de seus país e de sua “tribo”. O recordador também relata
que o Deus “Tupã” não teria gostado dessa ofensa, e então teria jogado um raio para partir a
pedra e “Esse raio não atingiu os índios, o casal de índios, atingiu a pedra. Essa pedra tinha o
47
seu formato redondo, uma espécie de uma lua cheia. A lenda diz que quando eles se
conheceram, estava numa lua cheia” (SANTOS, 2018).
Segundo Cácio Santos, a lenda diz que o casal de índios, ao chegarem ao local,
associou a pedra ao primeiro encontro que seria numa noite de lua cheia, e ao chegar na
“Pedra da Lua” teriam se lembrado do dia em que se conheceram, e então passaram a morar
no local. O mesmo reforça que a atual Cidade de Janduís, seria novamente um local da
presença indígena, pois, inicialmente Janduís aparece como local estratégico para descanso, e
a posteriori é seria um local de encontro amoroso entre estes indígenas. Mostremos abaixo
uma fotografia para materializar o local da lenda indígena da “Pedra da Lua”.
A Pedra da Lua localiza-se próximo ao rio que banha a cidade de Janduís, o Rio das
Croas. Ao vermos a imagem acima notamos o que foi narrado pelo entrevistado, o professor
Cácio Santos, que a pedra na qual abriga a lenda indígena é partida ao meio, assim como diz a
lenda. Para Nora (1993), os lugares de memórias são estudados em três sentidos: o material, o
simbólico e o funcional, simultaneamente. As lendas indígenas apresentam esta
caracterização descrita na teoria de Nora (1993), apresentam-se em espaços materiais, como a
Pedra da Lua, tornando-a um lugar propriamente da memória. Esta memória pertence ao
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coletivo sendo guardada nesse lugar especifico o lugar só se torna simbólico se for revestido
de memórias, ou seja, se para as pessoas significarem algo e a relacionarem com o material.
O nosso quarto entrevistado, o professor Walace Rodrigo Lopes da Silva, é atualmente
docente da rede estadual de ensino, tem sua formação em História pela Universidade Estadual
do Rio Grande do Norte (UERN), possui pós-graduação (especialização) Latu Sensu em
Políticas Públicas de Igualdade Racial na escola, pela Universidade Federal Rural do
Semiárido (UFERSA) e atualmente é mestrando em Ensino de História (ProfHistória) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Buscamos analisar a entrevista cedida
pelo professor Walace Rodrigo, na perspectiva de entender outros lugares de memórias
indígenas na cidade de Janduís.. Para tal, o professor fala sobre a lenda da “Pedra do Índio”:
Ao ser indagado sobre as lendas indígenas, o professor Walace Rodrigo, afirma já ter
ouvido sobre essas lendas quando o mesmo era aluno do ensino básico em Janduís. Essas
lendas, segundo o narrador, eram estudadas no ambiente escolar, e afirma que não só ele, mas
outros meninos da mesma faixa etária que eles também ouviam essas histórias. As duas
principais lendas indígenas rememoradas por Walace Rodrigo, foram as da “Pedra da Lua” e a
da “Pedra do Índio”, o professor afirma que estas são as mais conhecidas na cidade e que
geralmente são trabalhadas em datas comemorativas.
Mostraremos abaixo a imagem da Pedra do Índio, localizada no Munícipio de Janduís,
com o objetivo de materializar o local de memória relatado pelo recordador, o professor
Walace Rodrigo. O exercício de rememoração faz com que as pessoas busquem
pertencimento ao que se é lembrado, ao refletir sobre si e sobre as lendas indígenas, o
professor Walace é tocado por um sentimento de identidade que foi vivido coletivamente no
passado.
49
Figura 4: Pedra do Índio, localizada no Munícipio de Janduís
WRLS- Estou aqui num local que passaram índios, que viveram. Caiu
sangue na pedra, realmente viveram, agora eu tô sentindo isso de perto, da
minha identidade, na minha cidade. Agora eu tô entendendo porque
homenagearam a minha cidade com nome de Janduís. Era assim que a gente
se sentia. Outra lenda é a famosa Pedra da lua, dizem que, o que eu ouvi que
ainda lembro é que por lá se visitava muito um casal de índios namorados e
essa pedra foi partida ao meio por um raio, uma espécie de castigo de um
deus indígena. Então um local que nós também visitávamos e nós sentíamos
maravilhados enquanto crianças em tá ali, em ouvir aquelas histórias, que e
também pertinho daqui da zona urbana, cerca de 1 ou 2 km distantes da
cidade, dava pra irmos, dá pra irmos caminhando a pé. Atravessando aí o rio
que circuncida a nossa cidade. Essas são as duas principais que cresci
ouvindo e ainda é, ouço por aí alguns jovens ainda relatarem. Então elas não
se perderam, apesar de todas as dificuldades que eu relatei, as tecnologias,
das escolas trabalharem só de modo pontualmente, elas ainda estão presentes
no cotidiano, esses meninos conseguem ouvir, conseguem recontar um
pouco dessas lendas, desses povos indígenas da região (SILVA, 2018).
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O narrador rememora seu passado, para buscar em suas experiências os sentidos, os
quais lhe foram passados quando ainda estudava o ensino básico em Janduís, ao visitar o local
onde fica localizada a pedra do índio, o professor revive seu passado, ao afirmar que quando
criança ao visitar a “Pedra do Índio”, acreditava que era um local onde os índios passaram e
que se sentia perto do passado indígena, e com isso, aproximava-se da identidade da cidade
em que havia crescido. É perceptível na fala do professor Walace Rodrigo, o sentimento de
pertencimento. A pedra deixa de ter apenas sua característica geomorfológica e passa a
significar uma simbologia materializada de um passado indígena.
Para Nora (1993), os lugares de memórias nascem e vivem nas memórias espontâneas
e por ser vivida no interior, necessitam de espaços que a legitimem enquanto materialidade. O
que percebemos a partir da narrativa do recordador, é que as lendas indígenas ganham espaços
ao ser visitadas, gerando com isso, um sentimento de pertencimento, a pedra torna-se,
portanto, um lugar de memória. Há uma simbologia atribuída à pedra, que se materializa
quando se visita.
Michel Pollak (1992), busca por meio dos seus estudos, entender a relação entre
memória e identidade social. Este por sua vez, fala de dois elementos constitutivos da
memória individual e coletiva que são: os acontecimentos vividos pessoalmente e os
acontecimentos vividos por “tabela”. Os acontecimentos vividos pessoalmente acontecem de
forma direta, já os acontecimentos vividos por “tabela”, para o autor, são fatos vividos pelo
grupo ou pela coletividade, à qual a pessoa acredita pertencer. São acontecimentos em que
não necessariamente a pessoa vivenciou, mas no imaginário tomaram tamanho significado
que no fim é impossível saber se ela vivenciou ou não.
O nosso terceiro entrevistado, o professor Valdécio Fernandes Rocha, é docente da
rede municipal de ensino da cidade de Janduís desde 1985. O mesmo também participou do
projeto “Recriança” na cidade. É natural da zona rural de Janduís, possui graduação em
Pedagogia e Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Problematizamos a narrativa do professor Valdécio Fernandes Rocha, para pensarmos
como Janduís guarda em sua identidade e nas suas memórias, reminiscências de um passado
indígena, pois assim como a “Pedra da Lua” e a “Pedra do Índio” existem outras lendas que
compõem o imaginário cultural dos narradores. O professor Valdécio Fernandes, conhecedor
da cultura e identidade de Janduís, nos contou com veemência, como essa identidade é
guardada nas memórias da cidade. Abaixo, o mesmo conta que:
51
P: Você acredita que Janduís, guarda essa identidade indígena em suas
memórias?
VFR: Em alguns aspectos sim. Porque como essa questão cultural, porque
você, por mais que a imprensa, a cultura elitista se apresente, mas o que é da
raiz mesmo, ela vai se apresentando em uma coisa ou outra porque, não no
traço físico das pessoas porque fisicamente nós não temos muita essa
questão física do traços indígena não. Mas em algumas coisas a memória
indígena ela ainda prevalece. Eu diria nessa questão da alimentação, na
questão de alguns costumes como dormir de rede e na questão da
solidariedade. Porque o índio se ele tem esse aspecto solidário, a
comunidade de Janduís também tem essa forma solidaria. Porque se você, tá
todo mundo aqui, mas se acontece algo que precisa todo mundo se juntar em
prol daquilo, então, todo mundo tá junto ali. Então, acho que isso tem a ver
com essa questão da memória, de você trazendo dessas raízes (ROCHA,
2018).
52
identidade de um grupo é construída pela imagem de si e dos outros, ou seja, é um conjunto
de características que ligam um grupo, por meio do sentimento de pertencimento.
53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
54
lembrado construiu o objeto de estudo, trazendo outro olhar sobre os indígenas Janduí.
Através das memórias dos narradores, percebemos que alguns aspectos indígenas são
cultivados no imaginário cultural da cidade de Janduís. As memórias relatadas pela colônia de
narradores pertencem a um mesmo grupo, sendo, portanto uma memória coletiva.
Ademais, também percebemos que, há uma relação que liga os recordadores, suas
memórias e seus lugares de memórias. Compreendemos assim, o sertão indígena, como um
espaço socialmente construído por sujeitos e práticas culturais. O sertão passa a ser entendido
como um lugar de preservação da memória e identidade indígena, ao estudarmos Janduís. O
sertão janduiense, passa a ser um lugar de preservação de reminiscências de um passado
indígena.
Com essas considerações, reconhecemos que o objeto de nossa análise nos levou a
pensarmos como as sociedades se edificam, tanto no âmbito físico como no âmbito social. As
práticas e representações o imaginário e os discursos são constructos sociais que por vezes são
repletos de interesses; as memórias são meios de preservação cultural, resistem fazem parte
do viés cultural de cada sociedade.
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FONTES:
ENTREVISTAS:
ROCHA, Valdécio Fernandes. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à
aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o
poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de
Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SANTOS, Antônio Cássio. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à aluna
da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o poder da
história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de Janduís e
a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SILVA, Alberto Gomes da. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à aluna
da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o poder da
história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de Janduís e
a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SILVA, Wallace Rodrigo Lopes da. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista
cedida à aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia:
Entre o poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da
cidade de Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SOBRINHO, Antônio Estevão. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à
aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o
poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de
Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
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REFERÊNCIAS
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oral. Rio de Janeiro: Fgv, 2004.
_______. Formação da equipe. In: ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de
Janeiro: Fgv Editora, 2004. Cap. 2. p. 43-49.
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do Norte. Natal: Sebo Vermelho, 2002.
CERTEAU, Michel de. A Escrita da História. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
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FERREIRA, Jerusa Pires. Um Longe perto: os segredos do sertão da terra. Légua & Meia:
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POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 10,
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