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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA DOS SERTÕES

ADALGISA MARIA ALENCAR DUTRA

A ENTRE O PODER DA HISTÓRIA E A RESISTÊNCIA DA MEMÓRIA NOS


SERTÕES: A CONSTRUCÃO IDENTITÁRIA DA CIDADE DE JANDUÍS E A
REMEMORAÇÃO DE SEU PASSADO INDÍGENA (SÉCULOS XX E XXI)

CAICÓ

2018
ADALGISA MARIA ALENCAR DUTRA

ENTRE O PODER DA HISTÓRIA E A RESISTÊNCIA DA MEMÓRIA NOS


SERTÕES: A CONSTRUCÃO IDENTITÁRIA DA CIDADE DE JANDUÍS E A
REMEMORAÇÃO DE SEU PASSADO INDÍGENA (SÉCULOS XX E XXI)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Especialização em
História dos Sertões, do Centro de Ensino
Superior do Seridó, da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
requisito final para a obtenção do título de
Especialista em História dos Sertões, sob a
orientação do Prof. Dr. Evandro dos
Santos.

CAICÓ
2018
ADALGISA MARIA ALENCAR DUTRA

ENTRE O PODER DA HISTÓRIA E A RESISTÊNCIA DA MEMÓRIA NOS


SERTÕES: A CONSTRUCÃO IDENTITÁRIA DA CIDADE DE JANDUÍS E A
REMEMORAÇÃO DE SEU PASSADO INDÍGENA (SÉCULOS XX E XXI)

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Especialista em


História dos Sertões, do Centro de Ensino Superior do Seridó, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos professores:

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________

Professor Doutor Evandro dos Santos Departamento de


História UFRN (Professor Orientador)

_________________________________________________________

Professor Mestre Cleryston Rafaell Wanderley de


Medeiros Departamento de História UFRN (Avaliador)

_____________________________________________________________

Professor Doutor Helder Alexandre Medeiros de Macedo Departamento de História


UFRN (Avaliador)

Caicó, 12 de setembro de 2018


À minha amada mãe Clemilda Dutra de Almeida (In memoriam), com
amor, carinho e gratidão!
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente e excepcionalmente à minha saudosa mãe Clemilda Dutra de


Almeida (In memoriam), por ter me dado uma base educacional e o apoio para que eu
pudesse trilhar o caminho do conhecimento.
À minha família, minha Avó Rita Dutra de Almeida e meu irmão Adelgício Dutra de
Almeida, pelo incentivo dado durante o percurso de escrita.
A meu companheiro, Thiago Richard Duarte Costa, pelo apoio, carinho, compreensão
e por sempre estar presente em meus momentos de tristeza e desânimo nessa trajetória.
A meu orientador, Evandro dos Santos, por ter compartilhado comigo seus
conhecimentos de forma significante e ter aceitado o desafio proposto de me orientar, em
meio a todas as dificuldades. Muito poderia ser dito, mas as palavras são insignificantes
diante de tamanha gratidão e respeito, não apenas por ser um grande mestre/orientador, mas
principalmente pelo ser humano incrível e compreensivo que é, me ensinou que os
conhecimentos acadêmicos também podem ser passados de forma leve e amigável.
Em Janduís, os agradecimentos são muitos, agradeço o apoio da minha amada
madrasta Maria José Bezerra (Zezinha) por ter me acolhido e por sempre apoiar meus
projetos acadêmicos, às minhas amigas Íris Dária Bezerra e Ingryd Santana Brito, pelo apoio
e a ajuda nas indicações da minha colônia de recordadores. Gratidão sempre.
Agradeço ainda, aos recordadores Antonio Estevam Sobrinho, Cácio Santos, Valdécio
Fernandes, Wallace Rodrigo e ao senhor Alberto Gomes, por terem disponibilizado seu
tempo e suas memórias para serem estudadas como fontes em nossa pesquisa. Como também,
a receptividade e cordialidade com a qual me receberam no trajeto das entrevistas, a
valorização dada à pesquisa e por contribuírem para a história de Janduís.
Aos professores Helder Alexandre Medeiros Macedo e Cleryston Rafaell Wanderley
de Medeiros, pelas valorosas contribuições para a qualificação desta defesa, bem como as
sugestões de aprimoramento do trabalho e de leituras.
Aos meus professores do Ceres/Caicó, que contribuíram de forma significativa para
minha formação acadêmica na graduação e na especialização com seus vastos
conhecimentos.
Agradeço aos meus amigos(as) que sempre me apoiaram e tiveram uma palavra de
conforto nos momentos de aflição.
RESUMO

A pesquisa apresentada tem como foco temático, entender como se constroem os discursos
sobre os indígenas tendo como base os escritos da Revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte (1906) no início do século XX. Também buscamos compreender
como se preserva a memória indígena na cidade de Janduís no século XXI, através de relatos
memoriais de pessoas naturais da cidade. A metodologia utilizada, de modo geral, parte da
análise qualitativa das fontes escritas, e a coleta das entrevistas orais, bem como suas
transcrições. Utilizamos de aparato conceitual em Michel de Foucault (1970), para pensarmos
como o discurso pode ser utilizado como manutenção de poder. Michel de Certeau (2007)
norteou o nosso trabalho por suas indicações teóricas e metodológicas de se pensar o lugar de
fala, e a influência na escrita. Pierre Nora (1993) nos ajuda a pensar a relação de história,
memória e lugares de memória, o lugar de memórias estudado pelo autor trata-se de um lugar
de consagração coletiva de um acontecimento, são lugares que guardam em sua simbologia
suas memórias. O sociólogo Maurice Halbwachs (1950), contribui para pensarmos o
conceito de memória coletiva, já que o mesmo afirma que toda memória é individual e
coletiva, pois os sujeitos sociais compõem o mesmo meio, e com isso, compartilham de
memórias coletivas. Assim, podemos perceber as diferenças ligadas aos discursos produzidos
pelo IHGRN e a memória guardada pela cidade de Janduís.

Palavras-chave: Memória. Poder. Discurso. Janduís. IHGRN.


ABSTRACT

The present research has the thematic focus to understand how the discourses on the Indians
are constructed based on the writings of the Revista do Instituto Histórico e Geográfico
(1906), beginning of the 20th century. We also sought to understand how indigenous memory
is preserved in the city of Janduís in the 21st century, through memorable accounts of natural
people in the city. The methodology used, in general, part of the qualitative analysis of
written sources, and the collection of oral interviews, as well as their transcriptions. We use a
conceptual apparatus in Michel de Foucault (1970) to think how the discourse can be used as
maintenance of power. Michel de Certeau (2007) guided our work by its theoretical and
methodological indications of the place of speech and influence on writing. Pierre Nora
(1993) helps us to think about the relation of history, memory and places of memory, the
places of memories studied by the author, it is a place of collective consecration of an event,
are places that keep in their symbology their memories . The sociologist Maurice Halbwachs
(1950) helps us to think of the concept of collective memory, since it affirms that all memory
is individual and collective, since social subjects compose the same medium, and with that,
they share collective memories. Thus, we can perceive the differences related to the
discourses produced by the IHGRN and the memory kept by the city of Janduís.

Keywords: Memory. Power. Speech. Janduís. IHGB.


LISTA DE ABREVIATURAS

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


IHGRN – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
RIHGRN – Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 6
2 O domínio da escrita: o olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1906) ...................................... 11
2.1- O IHGB e a origem do discurso nacional ................................................................. 12
2.2. Um lugar de memória: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
(IHGRN)............................................................................................................................ 16
2.3. “Nem pau, nem pedra sobre pedra”: a sublevação dos Janduys nos séculos XVI E
XVII .................................................................................................................................. 20
2.4. Índios celebres do Rio Grande do Norte: o índio Camarão à moda europeia ............ 24
3 “Há tantas memórias quantos grupos existem”: resquícios do passado indígena na
cidade de Janduís. ................................................................................................................... 30
3.1. O vivido e o lembrado ................................................................................................ 31
3.2. Os laços sociais do passado ........................................................................................ 33
3.3. O (ser) tão indígena .................................................................................................... 41
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................54
FONTES: ................................................................................................................................. 54
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 57
1 INTRODUÇÃO

A investigação deste trabalho surgiu de um propósito repleto de curiosidade e de


pertencimento. Circunscritos à história e à memória, os discursos apresentam-se como meios
para serem desvelados e assim confrontados, respeitando o seu lugar e o seu tempo. Nosso
desafio constituiu-se em analisar esses discursos, bem como entendê-los como fontes de
nossas construções enquanto sociedade. Dessa forma, a pesquisa aqui apresentada tem como
objeto de estudo analisar como se constroem os discursos acerca dos indígenas no século XX,
partindo dos escritos da revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte,
no ano de 1906, tendo sua temporalidade histórica na primeira metade do século XX. A
memória construída por essa instituição, entra em confronto com a resistência da memória da
cidade de Janduís-RN, que resgata e tem sua formação identitária baseada na preservação de
um passado indígena nos sertões.
A pesquisa desenvolvida objetivou a análise das fontes, para entendermos como se dá
a construção de uma narrativa sobre os indígenas nos séculos XX e XXI. Para tal, utilizamos a
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte RIHGRN, na primeira
metade do século XX, analisando a sua criação que se deu por meio da pretensa recuperação
de documentos que construíssem uma história oficial do Rio Grande do Norte, com a
participação exclusiva de uma elite letrada, comprometida em oficializar uma história que
estivesse em consonância com os interesses políticos e econômicos, paralelos aos interesses
históricos. Em confronto com o resgate memorial, por meio da História Oral, que construiu
uma identidade indígena nos sertões, mais precisamente na cidade de Janduís-RN, partimos
dessa tensa construção para entendermos como se mantém a preservação da identidade
indígena a despeito da história oficial construída pelo IHGRN.
Para entendermos como, em temporalidades distintas e com discursos com lugares de
pertencimentos diferentes, se constroem narrativas que influenciam na estruturação de uma
sociedade, contaremos com alguns aportes teóricos e conceituais. Para Michel de Certeau
(2008), a particularidade do lugar de onde se fala e do domínio em que se realiza uma
investigação, é uma marca indelével na escrita da história.
Nesse mesmo sentido, para Jacques Le Goff, com a evolução da historiografia no
século XX, tornou-se uma referência para se discutir a importância da memória para a escrita
da História, em sua obra “História e Memória” (1990). Le Goff contribuiu para o
entendimento da importância do tempo e da memória. “O tempo histórico encontra-se, num
nível muito sofisticado, o velho tempo da memória, que atravessa a história e a alimenta” (LE
6
GOFF, 1990, p.18). O conceito de memória transcende várias gerações e tem um valor
subjetivo múltiplo, as memórias referem-se às histórias. No início da década de 1970, com a
Terceira Geração da Escola dos Annales, surgiu no campo da História novas metodologias de
se fazer a história, as discussões historiográficas tomaram as memórias como fonte e objeto
históricos, e com isso incentivou-se a produção historiográfica no âmbito da chamada História
Oral.
. A metodologia utiliza-se do segmento da História Oral, com aporte teórico e
metodológico em Alberti (2013), em sua obra: Manual de História Oral. A História Oral pode
ser utilizada em qualquer tema, desde que haja pessoas que estejam vivas e tenham algo a
dizer sobre ele. A escolha do tipo de entrevista utilizada na pesquisa, parte da entrevista
temática, que considera um determinado tema a ser focado/pesquisado e que tenha uma
relação intrínseca com o entrevistado.
As entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a participação
do entrevistado no tema escolhido. Buscamos tecer nossa metodologia, escolhendo narradores
que estivessem em consonância com os objetivos pretendidos na pesquisa. Assim, a colônia
de narradores se consistiu de pessoas que estão ligadas à tradição indígena e que já
participaram de forma direta em projetos que viabilizassem a cultura indígena na cidade de
Janduís. Sendo, portanto, pessoas ligadas em sua maioria à educação.

Esse estudo objetivou, ao analisar os discursos nas fontes documentais e orais, o


entendimento das subjetividades presentes nos respectivos lugares de produção historiográfica
e de memória, bem como examinou a influência do espaço e do tempo nos quais as narrativas
foram construídas. Algumas das indagações que nos inspiraram foram as seguintes: se um
discurso que foi gestado nas páginas da revista do IHGRN acerca do indígena, construiu uma
representação negativa dos mesmos, como se explica a preservação da identidade indígena
dos janduienses? Assim, a articulação entre a história e a memória, nos levou à busca do
entendimento do que é escrito pelo IHGRN e quais as imagens versadas acerca dos indígenas
no interior do Rio Grande do Norte. Além disso, refletimos sobre como se constrói uma
identidade de forma afirmativa, que se reconhece enquanto descendente dos Janduí, e se
sustenta na formação social e identitária referentes a esses indígenas, com seu passado
transmitido pela tradição.

O presente trabalho está estruturado em quatro partes: Introdução, Conclusão e como


desenvolvimento dois capítulos, tal qual se segue: no primeiro capítulo, tematizamos acerca

7
dos discursos na Revista do IHGRN do ano de 1906, tal escolha, justifica-se pelo fato de se
tratar de importante documentação sobre o grupo étnico ora estudado e sua presença nos
sertões nos séculos XVI e XVII. O primeiro capítulo é denominado: O domínio da escrita: o
olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte – RIHGRN 1906.
No segundo capítulo, problematizamos por outro lado, que os sertões podem ser
entendidos como lugares de memória, que recuperam uma identidade indígena por meio de
um grupo social, a cidade de Janduís, no século XXI, criando uma afirmação identitária
positiva da descendência do grupo nativo janduí. Percebemos como esses discursos são
mutáveis, e se faz necessário sua historicização, percebendo até que ponto o sertão torna-se
um espaço socialmente aberto à recuperação da identidade indígena.
O desejo de estudar sobre a cidade de Janduís, parte das vivências da autora deste
trabalho que, desde sua infância conviveu com a ideia da existência de índios na cidade, em
um passado anterior a sua fundação (1962). Por ser natural da cidade de Janduís, as memórias
coletivas que remontam o passado da cidade, associavam-nos como descendentes do grupo
Janduí, de forma a exaltação desse grupo, construindo-se assim uma identidade positiva.
Durante a Graduação em História (2013-2016), foi perceptível a importância de se estudar
sobre os variados grupos indígenas, os quais, alguns foram extintos e outros negados pela
historiografia. Essa negação é notável nos escritos oficiais das Revistas do IHGRN na
primeira metade do século XX, quando buscam retratar o indígena como sendo um devastador
de vidas, como também representam um modelo baseado nas características do índio
Camarão, um índio notadamente à moda europeia.
No entanto, na cidade de Janduís, localizada no sertão potiguar, nota-se uma exaltação
cultural da construção de um passado indígena, sendo de suma importância social, o estudo
desses grupos e como há nas memórias a representação dos mesmos, que foram
negligenciados e tiveram muito da sua história apagada pela historiografia brasileira. O estudo
desses grupos é culturalmente importante, pois seus vestígios são visíveis em detalhes como
denominações de cidades na região oeste do Rio Grande do Norte e nos relatos de memória.
A análise da presença indígena e as suas representações no imaginário das pessoas é
de extrema importância para a academia, pois investiga a presença indígena na região oeste do
Rio Grande do Norte, bem como as apropriações em que foram absorvidas da presença
indígena, que resultou na nomenclatura da cidade de Janduís.

8
Para a composição de nosso aparato conceitual, utilizamos, entre outros, Michel de
Certeau (2008); Le Goff (1924); Pollak (1992) e Nora (1993). A reflexão presente na
pesquisa, inicia-se por meio da reflexão de autores como Manoel Luís Salgado Guimarães,
Michel de Certeau, Bruno Balbino Aires Costa, para entendermos como se operacionaliza o
processo de escrita no IHGB, partindo de uma análise da história da historiografia, para o
entendimento da composição do mesmo, e também o seu respectivo local de produção. Como
também autores que tratam sobre a presença Indígena nos Sertões.
O memorialista Câmara Cascudo (1968), retrata em sua obra: “Nomes da Terra” a
ocupação de grupos indígenas nas aproximações do vale do Assu, região próxima da atual
cidade de Janduís. Segundo descreve o autor, o grupo indígena Janduí seria nômade, que
migrava de acordo com as condições climáticas da região, e hoje onde se encontra a atual
cidade de Janduís-RN, supostamente seriam acampamentos de colheitas, onde esse grupo
habitava periodicamente. A obra de Cascudo nos proporciona uma maior aproximação com a
relação entre o grupo indígena Janduí e a sua importância para a nomenclatura da cidade.
A autora Fátima Martins Lopes (2003), em sua Dissertação de Mestrado, “Índios,
colonos e missionários na colonização da Capitania do Rio Grande do Norte”, retrata os
respectivos lugares de ocupação indígena no interior da Capitania do Rio Grande do Norte,
bem como as localizações que identificam a presença do grupo Janduí, retratando a resistência
destes na Guerra dos Bárbaros. A guerra estudada pela autora ocorreu na segunda metade do
século XVII, consistindo em conflitos heterogêneos contra grupos indígenas nos sertões do
Norte. A trajetória dos índios Janduí, é estudada por Lopes (2003) e aberta a vários
questionamentos, dentre estes o apagamento da história desse grupo indígena.
Partindo da perspectiva do apagamento dessas culturas indígenas, é necessário analisar
como no início do século XXI, uma cidade na região oeste do Rio Grande do Norte, passa a
chamar-se Janduís. Refletir sobre essas questões, nos propõe perceber que mesmo com o
apagamento cultural desse grupo, há vestígios que reforçam sua identidade, notavelmente no
topônimo da cidade de Janduís e em sua construção identitária.
A autora Joana do Céu Régis (2011), retrata as memórias compartilhadas por idosos
janduienses, permite-nos perceber lacunas na história da cidade, em relação à trajetória e a
implantação do seu nome, “Janduís”. O presente trabalho parte de uma construção empírica,
na qual a autora Régis, compartilha memórias de idosos que remontam histórias da cidade de
Janduís-RN, pouco a pouco sendo desvelada, com tais problemáticas: Como eles recordavam?
Por quê? E quais as circunstâncias na qual o faziam? A base do trabalho parte das

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representatividades das memórias dos idosos de Janduís, que recordam acontecidos do
passado, como o momento de socialização nas feiras livres.
Régis (2011), buscou investigar fatos que ligassem o passado indígena ao presente
performatizado nos relatos dos recordadores, no entanto, a mesma encontra e problematiza
uma lacuna na história da cidade, que há pouca literatura sobre a região, particularmente sobre
a cidade de Janduís. A iniciativa da autora propôs uma vertente a ser preenchido neste
trabalho, quanto a problematizar uma investigação de um passado indígena na região e a
relação desse passado com a identidade presente na cultura dos janduienses.
Expostas algumas das reflexões teóricas e aportes bibliográficos, o primeiro capítulo
trata de expor a investigação realizada na revista do IHGRN, no ano de 1906, da qual foram
analisados os textos selecionados com o suporte da noção de operação historiográfica de
Certeau (2008), acerca dos discursos que são produzidos pelas elites ao referir-se aos
indígenas, e quais representações são formadas ao tratar-se sobre estes nativos na primeira
metade do século XX, bem como seus respectivos lugares de fala, e com isso entendermos
como são os discursos do início do século XX.

10
2 O domínio da escrita: o olhar das elites sobre as populações indígenas na revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1906)

O IHGRN tem sua origem posteriormente à criação do Instituto Histórico e


Geográfico Brasileiro em 1838 no século XIX. Com o objetivo de ampliar o projeto de
construção de uma identidade nacional, em 1902 criou-se o Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte IHGRN, para consolidar a integração desse Estado aos propósitos
pretendidos na história da nação.
O IHGRN tornou-se então um espaço de escrita e memória, assim, o mesmo integraria
a origem da formação de um discurso nacional. Esse discurso é construído através de
representações, e com isso, patenteamos o nosso estudo sobre a representação atribuída aos
indígenas e quais discursos são proferidos em consequência do lugar social de fala que é
constituído o IHGB e suas ramificações nos Estados.
Pensar o IHGRN é, portanto pensarmos o lugar de fala, por quem eram ocupados os
cargos do IHGRN, de que forma esse projeto influenciou para a representação sobre os
indígenas do Rio Grande do Norte. É também entender o processo de formação de uma
identidade nacional como um ato político, que por meio da escrita exerce o poder sobre os
demais segmentos. A escrita proposta pelo IHGRN é a consolidação de um projeto político de
dominação, pois se tem o domínio para nomear, estereotipar e exaltar.
O IHGB e o IHGRN eram responsáveis pela escrita de uma memória nacional, uma
memória constituída com fins de afirmação política, de manutenção de poder. Tal memória é
predominantemente branca, europeia e excludente. Os responsáveis pela construção dessa
memória eram em sua maioria, pessoas da elite brasileira, conhecedora das letras e com
merecimento na escrita.
A história construída a partir dos discursos do IHGB foram a tentativa de resgatar a
gênese da formação brasileira, porém, com uma marca fortemente excludente, pois era a
tentativa de se resgatar a história e as façanhas dos homens brancos, europeus e seus “grandes
feitos”. Excluindo-se assim, os demais segmentos da sociedade brasileira, os negros e
indígenas.
Para um maior entendimento sobre a formação do discurso nacional, propostos pelos
institutos, analisaremos por meio da história da historiografia, a criação do IHGB em âmbito
nacional e suas ramificações nos estados. Assim, partiremos para uma análise dos discursos
propostos com base em Certeau (2007), para entendermos como o lugar de produção
influencia diretamente na construção dos discursos sobre os indígenas nas linhas do IHGRN.
11
2.1- O IHGB e a origem do discurso nacional

Este tópico constitui uma análise historiográfica acerca da Revista do Instituto


Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (RIHGRN), órgão fundado em 1902. Partindo
da sua origem e também buscando consonância com o lugar social nele gradualmente
constituído, pretendemos compreender os significados e atribuições patenteados em sua
escrita. Para com isso, entendermos quais as representações atribuídas aos indígenas que
habitaram o sertão norte rio-grandense.
Dessa experiência de leitura de tais narrativas, buscamos analisar alguns fragmentos
textuais, na procura do entendimento do poder que a escrita possui, ao narrar e significar um
discurso que representa e atribui características aos grupos étnicos nos sertões. Observamos
principalmente, a força que o IHGRN possui no que diz respeito a essa função, isto é, o
exercício da escrita e de registrar uma narrativa definida sobre os indígenas que habitaram os
sertões, que por sua vez, torna-se excludente, por não tratar dos que não se enquadram ao
padrão desejado.
Para tanto, partiremos de uma análise da história de criação do Instituto Histórico e
Geográfico na primeira metade do século XIX e suas ramificações nos demais estados,
demonstrando assim, quais histórias deveriam ser escritas em suas produções. Para tal
percepção, é imprescindível entendermos os interesses da criação dos Institutos Históricos nos
estados, que perpassa por um projeto de construção da História Nacional, favorecendo em
exaustão os homens brancos, portugueses e seus grandes feitos.
A criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGB deu-se em 1838,
posteriormente sendo o órgão beneficiado por incentivos do Governo Imperial, favorecendo
seu maior crescimento na segunda metade do século XIX, com produções historiográficas
ligadas aos interesses da monarquia de Bragança. Com isso, as produções intensificaram-se
significativamente, ao reforçar o IHGB como local de produção de “história e memória” para
a construção de uma identidade nacional.

O Instituto Histórico colocava-se sob a proteção do Imperador, que com ajuda


financeira correspondente a 75% do seu orçamento que financiava as produções
(GUIMARÃES, 1988, p.4). As discussões acerca do IHGB são de grande importância para
pensarmos, anos depois, as criações dos demais institutos regionais que foram instalados pelo
Brasil, com a finalidade de pesquisar e escrever sobre a história estadual que integraria a
12
história nacional. Portanto, passamos a entender o IHGB como uma instituição de
fundamental importância para a escrita de uma história nacional, condicionada às elites que se
propuseram e protagonizaram em todos os aspectos a construção de uma identidade brasileira
de caráter homogêneo, com uma busca incessante pelo resgate das vastas realizações de
homens brancos portugueses. A Revista do IHGB (RIHGB), criada em 1839, tornou-se um
meio de difusão de debates e ideias, fato que se justifica, já que boa parte dos seus sócios
eram pessoas que transitavam em meios políticos do governo Imperial.
Tendo a função de construir uma memória nacional, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB), era composto por segmentos elitistas da sociedade, como políticos,
intelectuais e letrados que buscavam catalogar documentos considerados relevantes, para
produzirem trabalhos considerados importantes para descreverem a “História do Brasil”.
Manoel Luís Salgado Guimarães afirma que:

O lugar privilegiado da produção historiográfica no Brasil permanecerá até


um período bastante avançado do século XIX vincado por uma profunda
marca elitista, herdeira muito próxima de uma tradição iluminista. E este
lugar de onde o discurso historiográfico é produzido, para seguirmos as
colocações de Certeau, desempenhará um papel decisivo na construção de
uma certa historiografia e das visões e interpretações que ela proporá na
discussão da questão nacional (GUIMARÃES, 1988, p.05).

O IHGB foi criado com o intuído de ser “um lugar de memória”, na medida em que foi
idealizado para ser o local de produção de histórias e memórias nacionais. Para Guimarães
(1988), a ideologia desta instituição seria implantar um Estado Nacional, para tal, formando
um perfil da “Nação brasileira”, garantindo por meio deste uma identidade própria.
Entretanto, esta gestação idealizada não condizia com a gênese de formação brasileira,
marcada pela diversidade de grupos étnicos, como as populações indígenas e pelo trabalho
escravo.
O perfil idealizado da identidade brasileira, e que é reforçado nos discursos do IHGB
foi pensado a partir de um Brasil homogêneo, construído por homens brancos e portugueses,
reconhecendo-se enquanto sucessora da civilização iniciada pela coroa portuguesa. Guimarães
(1988), ao estudar a gênese ideológica do IHGB, bem como sua função social na escrita e
construção de uma identidade brasileira homogênea afirma que:

Ao definir a Nação brasileira enquanto representante da ideia de civilização


no Novo Mundo, esta mesma historiografia estará definindo aqueles que
internamente ficarão excluídos deste projeto por não serem portadores da
noção de civilização: índios e negros. O conceito de Nação operado é
13
eminentemente restrito aos brancos, sem ter, portanto, aquela abrangência a
que o conceito se propunha no espaço europeu (GUIMARÃES, 1988, p.07).

No espaço nacional brasileiro, o conceito de nação idealizado era voltado


exclusivamente para os brancos, excluindo assim os demais segmentos que constituíam a
gênese de formação brasileira como: os indígenas e negros. Ao definir a nação brasileira
enquanto civilizada, de acordo com critérios europeus, a ideia de civilização esteve definindo
aqueles que não se enquadram nesses padrões, sendo os indígenas automaticamente excluídos
deste projeto de nação. Para Guimarães (1988), a nação brasileira é carregada de uma forte
marca excludente, com isto, contribuiu intensamente para a exclusão de outros segmentos da
sociedade que não se enquadravam nesse projeto de nação, carregada de imagens
depreciativas do outro e que a sua reprodução vai além do momento histórico preciso de sua
criação.
A história construída pelo IHGB é por sua vez, marcada por um projeto que tenta
reconstruir a gênese brasileira, para que por meio desta, fossem construídas a História oficial
da Nação brasileira. Inserindo nos trópicos os conceitos de progresso e civilização. Contudo,
este projeto buscava destacar que a nação brasileira, exclusivamente com traços europeus e,
portanto, constituída em sua origem por brancos.
A criação dos Institutos Históricos, pertencentes às províncias brasileiras surgiu com a
premissa de agregar a história das mesmas ao projeto de criação de uma história da nação.
Portanto, com o objetivo de agregar as partes ao todo, constituindo-se assim, a unificação de
um projeto político de nação. Segundo Bruno Balbino Aires Costa (2018), no momento da
criação do IHGB, o Brasil passava por ápice de instabilidades políticas, decorrentes das
tensões políticas vividas entre a corte e as províncias, para tal o autor afirma que:
No momento de sua criação, o Brasil passava por um período de
instabilidades políticas, decorrente, em grande medida, das tensões políticas
vivenciadas entre a corte e as províncias, implicando diretamente em
dificuldades no processo de construção do estado nacional. Diante desse
cenário de volubilidades políticas, tendo como ponto nevrálgico a iminência
da fragmentação de seu território, a neófita nação teve o árduo trabalho de se
estabelecer como uma unidade espacial e política em face às lutas
provinciais que afligiam o país, tais como: a Cabanagem, a Sabinada, a
balaiada e a Revolução Farroupilha etc. Em meio ao perigo da iminente
fragmentação devido às querelas políticas com as províncias, para a elite a
elite política e intelectual da corte, se fazia necessário construir um discurso
histórico unificado, centralizado (COSTA, 2018, p.36).

14
Como descreve o excerto acima, por Bruno Costa (2018), o projeto de criação dos
institutos provinciais, partiu de interesses políticos do governo para unificarem a nação. O
cenário brasileiro mostrava vulnerabilidade, decorrente de tensões políticas nas províncias
brasileiras que buscavam a cisão para com o todo, a nação. Dessa forma, a criação dos
Institutos nas províncias, parte de um projeto político de unificação, e para tal, a história surge
como meio que proporcionaria uma identidade brasileira de unificação, contrapondo as
diferenças presentes em cada província. E com isso, evitando a fragmentação iminente do
território brasileiro, utilizando-se da construção de um discurso histórico unificado, que
propusesse a centralidade das partes.
Percebemos, então, a História, como meio estratégico, utilizado pelo governo para, a
partir de um discurso centralizado, apaziguar as tensões sociais, e com isso permanecer no
controle. A História, nesse contexto, é notavelmente um lugar de poder, que politicamente é
utilizada para os interesses do governo e para o favorecimento de uma elite política letrada.
Para Michel de Foucault (1970), o discurso é aquilo que é o objeto de desejo, que circula entre
o desejo e o poder, no que se refere a evitar a perda do controle.
É nos discursos, para Foucault (1970) que a política exerce os seus mais temíveis
poderes e os discursos não são simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas, é aquilo pelo qual e com o qual se luta, é o próprio poder que procuramos
assombrear-nos. Ou seja, o discurso é o poder, que é utilizado para a manutenção da ordem,
entendamos ordem como sendo o conjunto de práticas sociais preestabelecidas por
determinados segmentos da sociedade, que designam formas e práticas a serem seguidas.
O IHGB encarregou-se de produzir um discurso centralizado, com o objetivo de
apresentar a nação como sendo uma unidade política, centralizada e unificada. Para tal, se
congregou as particularidades das províncias em uma narrativa unificadora, produzida em um
lugar social, o IHGB, comprometidos com os interesses do estado e de uma classe elitista. Era
necessário consagrar um discurso que unificasse as províncias, aglutinando as particularidades
das histórias provinciais a um discurso de uma história geral do país. Para a consolidação
deste projeto nacional, as províncias tiveram uma importância evidenciada, quando pensam a
suas respectivas histórias como um processo incluso da história geral da nação.
A história geral da nação brasileira seria não só uma forma de construir uma narrativa
unificada para a construção de uma identidade nacional, mas seria uma forma pela qual se
resolveria as diferenças nos discursos que diferenciavam as regiões. Sendo o Brasil um país

15
continental, a eminência das diferentes regiões, mostrava-se como um fator que levaria a uma
fragmentação territorial de cunho separatista frente à centralidade do Império.
Partiremos, na análise, com ênfase dada à criação do Instituto Histórico e Geográfico
do Rio Grande do Norte, para entendermos como este local de produção intelectual constrói
em seus escritos uma narrativa que os vincula a um lugar de memória, bem como
entendermos os discursos amplamente divulgados pela Revista do Instituto Histórico e
Geográfico RIHGRN, que se tornou um meio de divulgação de ideias produzidas
exclusivamente por uma classe social letrada. Por conseguinte, compreender os interesses
políticos, econômicos e sociais que estavam ligados ao IHGRN, bem como analisar o local
socioeconômico das personalidades que compunham o corpo de integrantes vinculados à
escrita do IHGRN e quais histórias propuseram-se escrever para a integração de um projeto
político nacional vinculado ao IHGB.

2.2. Um lugar de memória: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte


(IHGRN)

A análise que nos propusemos a fazer nessa seção refere-se ao entendimento da


criação do IHGRN e seu lugar social de fala. Para com isso, explanarmos quais discursos são
retratados nos escritos de seu periódico aqui estudado, a partir das considerações sobre o lugar
de produção em Certeau (2007), que afirma ser em função deste lugar que se instauram os
métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os documentos e as questões lhes
são propostas, se organizam, dessa forma articulando a história com o seu lugar de fala para
estabelecer uma análise de sociedade.
O IHGRN teve seu marco de fundação em março de 1902, com sede e domicílio na
cidade de Natal, capital do Estado do Rio Grande do Norte, tendo como finalidade metodizar,
arquivar e publicar arquivos e documentos pertencentes à história, geografia, arquivologia e
etnografia do Estado. O Instituto Histórico e Geográfico era composto por diversos homens
de letras, que se comprometeram em construir um acervo para o estado e, assim, por meio de
uma produção intelectual, publicar periodicamente temas referentes ao Rio Grande do Norte,
e desse modo registrar e servir de base para futuras pesquisas. Segundo Bruno Costa (2017):

A criação do IHGRN foi orquestrada, portanto, pelo próprio desembargador


Vicente de Lemos. A ideia de fundar o IHGRN surgiu em suas idas ao
Recife, em fins de 1901, para pesquisar nos arquivos públicos da cidade. Ao
pesquisar, Vicente de Lemos aproximou-se de nomes importantes para a

16
historiografia pernambucana, sobretudo, vinculado ao IAGP, como Regueira
Costa, Alfredo de Carvalho e Pereira da Costa. O contato com esses eméritos
cultores das letras históricas, despertou-o para a necessidade de criar no Rio
Grande do Norte uma instituição capaz de reunir investigadores abnegados,
que através da pesquisa documental pudessem preparar o material para a
construção solida da história regional, ao mesmo tempo, servindo para
dirimir as contendas que, de futuro, surgissem relativamente aos limites
deste Estado com seus vizinhos (COSTA, 2017, p.223).

A afirmação acima, remonta à criação do IHGRN. Bruno Costa (2017) reconstitui a


partir de uma história da historiografia, os interesses políticos e econômicos concomitantes
aos interesses históricos que levaram à criação daquele Instituto, levando-se em consideração,
o fato de que o mesmo surgiu de uma necessidade de junção documental para a afirmação de
seus limites territoriais em relação aos do Ceará. Para tanto, o IHGRN surgiu com a
justificativa de organizar a documentação, e com isso, reunir pesquisadores para construírem
a memória histórica do Estado. O IHGRN serviria para recuperar as documentações dentro e
fora do Estado, para com isso, escrever a história e registrar as memórias do Rio Grande do
Norte.
A Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte RIHGRN,
tornou-se o principal meio responsável por escrever uma história “oficial” do Rio Grande do
Norte, bem como serve-nos como meio para aprofundarmos o nosso olhar para as tradições de
uma classe social elitista, que exercia o poder por meio da escrita. Para tal, podemos notar no
que concerne aos discursos no Estatuto do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte Art.7-
do Capítulo III – Dos Sócios e da sua admissão, retirado da Revista do IHGRN, Volume,
XXIII E XXIV do ano de 1906:

Art.7- para ser admitido como sócio effectivo devera o candidato residir na
cidadeDo Natal ou em logar que esteja em comunicação fácil e constante
com ella, ser cidadão de merecimento nas letras, sciencias, industrias ou
artes e ter de edade vinte e um anos, pelo menos (REVISTA DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1906, p.05).

O lugar ocupado por aqueles que pertenciam ao cargo de efetivo no Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte IHGRN, era explicitamente voltado para uma classe
social conhecedora das letras e pertencente à elite Os critérios de admissão acima reforçam
com clareza a distinção social das pessoas que poderiam ocupar-se de tal cargo. As normas
estatutárias para o pertencimento ao IHGRN são notadamente excludentes, pois exigia-se uma

17
qualificação e “merecimento nas lettras”, fato que demarcava o espaço, pertencendo somente
a este local de escrita uma parte da sociedade, exclusivamente letrada. Certeau (2007), afirma
que:

Toda pesquisa historiográfica se articula com um lugar de produção sócio-


econômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que
circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um posto de
observações ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela está, pois,
submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em uma
particularidade. É em função deste lugar que se instauram os métodos, que
se delineia uma topografia de interesse, que os documentos e as questões,
que lhes serão propostas, se organizam (CERTEAU, 2007. p.66).

Para Certeau (2007), o lugar de produção está intrinsecamente articulado com o tipo
de pesquisa que se pretende executar; no qual a instituição produtora de pesquisas
historiográficas parte de seus interesses políticos, econômicos e sociais, para a elaboração de
seus discursos, atendendo dessa forma aos seus interesses próprios. No IHGRN, percebemos
que dentre as suas determinações, encontram-se critérios de admissão para a ocupação dos
cargos, nos quais, só se pode pertencer a essa instituição a classe exclusivamente de homens
letrados. Fato este, que exclui todos que não pertencem a essa cultura das letras, demarcando
com isso o seu local de produção. Partindo da particularidade desse lugar de fala do IHGRN,
é perceptível que a escrita exerce um poder pautado em privilégios, que se instauram por meio
de seus interesses, quais documentos serão estudados e quais as formas que as histórias
devem ser contadas.
No Art.18, do estatuto que regia a instituição, contido na Revista de (1906)
percebemos também que para os sócios se efetivarem em seus respectivos cargos, teriam que
pagar um valor cobrado da joia de (50$000). Para Certeau (2007), a particularidade do lugar
de onde se fala e do domínio em que realiza-se uma investigação é uma marca indelével na
escrita, em que representa a relação com o lugar. A reflexão acerca da escrita das Revistas do
IHGRN deve ser pensada partindo do seu lugar de produção, que possibilita-nos compreendê-
la como produto do meio no qual está inserida.
A sua escrita se constrói em função de uma instituição, que dita suas próprias regras e
determina suas prioridades. Sendo exposto de forma clara nos discursos da Revista do
IHGRN em 1906, o interesse discursivo em buscar ressaltar o culto à história e às tradições,
homenageando em seus escritos os feitos e acontecimentos dos “Grandes homens”, por meio
de datas comemorativas como o Centenário em alusão ao nascimento de D. Pedro II, bem

18
como, exaltando os bustos em praças públicas, como forma de mantê-los vivos e seus feitos
no passado histórico.
A memória produzida no IHGRN é uma memória exclusiva e excludente, fato que se
justifica aos interesses políticos que estavam atrelados ao mesmo. Por isso, é recorrente a
exaltação aos portugueses, por meio de homenagens aos seus feitos heroicos, pois a memória
que se pretendia guardar é a memória dos portugueses, como forma de manutenção do poder,
mantendo-os vivos na memória brasileira, para que não caíssem no esquecimento. A criação
do IHGRN foi pensada para servir como a Instituição que organizaria a memória histórica do
estado, em que escolheriam acontecimentos a serem preservados, na qual a partir destes
acontecimentos construir-se-ia uma memória histórica para o estado, que reforçasse quais
leituras que eles queriam ter sobre si e seus antepassados. Segundo Bruno Costa:
É a partir dos personagens envolvidos nos mencionados eventos históricos
e de suas ações no tempo, que a identidade norte-rio-grandense foi sendo
urdida, ao mesmo tempo que se constituía o lugar do estado na constituição
da memória nacional. Não é sem razão que os referidos acontecimentos
históricos foram os mais recorrentes assuntos publicados pela RIHGRN, no
período compreendido entre 1903 e 1927 (COSTA, 2017, p.235).

A memória histórica construída pela RIHGRN, como afirma Bruno Costa (2017), foi
idealizada para a edificação de uma identidade norte-rio-grandense, em que, se ressaltavam
eventos históricos por meio de personagens e suas ações no tempo. O interesse principal da
construção dessa memória histórica para o estado tinha como objetivo a ocupação de um
espaço na memória nacional, no sentido de elevar o Rio Grande do Norte aos interesses do
IHGB no seu projeto de unificação nacional do Brasil.
Surge então a necessidade, entre os sócios, de escrever sobre acontecimentos datados
e com personagens que deveriam ser resguardados na memória do Estado. Contudo, não se
pretendia versar sobre grupos étnicos como: negros e indígenas em suas mais amplas
subjetividades culturais, fato que torna esta memória inscrita na RIHGRN, seletiva e
caracterizada por seus interesses políticos e culturais. O interesse dessas memórias
encontradas nos escritos na Revista de 1906, não era de protagonizar a construção identitária
norte-rio-grandense por meio das subjetividades, culturas e dos grupos indígenas que
habitavam o Rio Grande do Norte, mas destinavam sua atenção para homenagens, datas
comemorativas e celebrações alusivas aos feitos passados dos portugueses, demonstrando
assim, quais atribuições seriam adquiridas por meio da sua memória, fazendo-a como meio
que servisse para o seu uso político do passado.

19
Não obstante, na busca incessante pela reconstrução do passado histórico norte-rio-
grandense, a Revista do IHGRN de 1906, ao tentar buscar documentos do passado colonial
depara-se em seus escritos uma carta escrita por Pedro Carrilho de Andrade, encontrada na
Biblioteca Nacional, e com isso acaba por resgatar a memória dos indígenas Janduís, grupo
étnico que habitou os sertões nos séculos XVI e XVII. Proporcionando-nos assim, a pensar
como são descritas as narrativas sobre esses grupo étnicos, como também, quais suas áreas de
habitações nos sertões. Nesse sentido, analisaremos quais são as construções discursivas que
retratam a presença indígena dos Janduí nos sertões, bem como a produção historiográfica do
IHGRN e o tratamento dado a este grupo em seus escritos.

2.3. “Nem pau, nem pedra sobre pedra”: a sublevação dos Janduís nos séculos XVI E
XVII

Na perspectiva de analisar por meio de documentos memoriais, retratados na Revista


do IHGRN em 1906 que remontam o período dos séculos XVI e XVII, procuramos entender
de que forma essas memórias representam os grupos étnicos Janduí e Pegás, pois estes são
citados em suas falas, quais eram os seus lugares de habitações nos sertões, como também se
deu o processo de resistência por estes contra a colonização portuguesa. Evidenciando assim,
presença de vários grupos étnicos como os Janduí e os Pegás nos sertões, nas regiões do
Assú, Mossoró e Apodi, demonstrando com isso, os sertões como local de resistência e
habitação indígena.
Os relatos de memórias feitos por Pedro Carrilho de Andrade (sem data), que consta
na hata n° 27 – Brasil em Geral – da Bibliotheca Nacional (doc. N°1), citado pela Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, volume – IV, de Janeiro de 1906,
demonstram a presença de um grupo étnico, os Janduí, nas imediações das ribeiras do Assú,
Mossoró e Apodi, nos anos de 1687-1688.

20
Figura 1: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – 1906

Fonte: Acervo pessoal da pesquisadora.

O excerto retirado acima remonta o relato memorial de Pedro Carrilho de Andrade


(sem data), demonstrando em suas memórias, a presença do grupo étnico Janduí, que
habitaram os sertões nos séculos XVI e XVII, bem como a sua resistência quanto ao processo
de colonização, que tinha como objetivo o projeto expansionista de exploração dos territórios
nos sertões, anteriormente ocupados pelos indígenas. Por sua vez, o documento aponta que
essa resistência dos Janduí, foi vitoriosa em relação ao Governo de Pernambuco, que não
obstante, expediu forças militares sob o comando de Manuel Abreu.
O olhar descrito na frase “matando toda cousa viva, etc”, nos leva a refletir como o
grupo indígena resistiu ao processo de ocupação. Por essa resistência, o indígena é
estereotipado como um devastador de vidas nos discursos dos colonizadores que adentravam
os sertões. Acima, o excerto de memória demonstra a caracterização de que esse indígena
seria hostil e que devastava vidas ao seu entorno. Porém, devemos atentar, que na verdade,
tais grupos étnicos não aceitaram pacificamente que suas terras, mais precisamente nas
ribeiras do Assú, Mossoró e Apodi fossem tomadas por colonos portugueses. Em uma
memória de Pedro Carrilho sobre os indígenas Janduí lê-se:

Depois estavam tambem os Janduys, quando se levantaram nas ribeiras do


Assú, Mossoró e Apody, em os anos, em os anos de 1687 para 88, matando a
toda cousa viva e ao depois queimando e abrazando tudo, não deixando páu
nem pedra sobre pedra, de que ainda hoje não apparecem as ruínas.
Consideravel perda de tantas mil cabeças de gado levaram nessa ocasião
aquelles barbaros aos pobres moradores daquellas capitanias, alguns tambem
21
lá perderam a vida. (REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1906, p.39).

O discurso proferido nas memórias do período colonial dos sertões demonstra como
ocorreu a resistência por parte dos Janduí, no século XVII. Resistência essa, que se deu
devido estes não aceitarem serem submetidos ao processo de colonização. Nos escritos da
Revista do IHGRN (1906), este indígena é representado como um ser bárbaro, destruidor de
vidas, que não deixa “nem pau nem pedra sobre pedra”, expressão caracterizada por significar
a destruição no mais amplo sentido.
A destruição das vidas das pessoas que habitavam aquela capitania também é
enfatizada, bem como a morte de suas cabeças de gados. Este grupo, ao resistir à ocupação de
suas terras naturais, é visto pelos colonizadores como seres destruidores de vidas, bárbaros.
Estes discursos justificam-se, pois o interesse político era a ocupação das vastas terras nos
sertões, e para isso consolidarem-se estes indígenas teria que ceder-lhes, fato que
evidenciamos o contrário, os indígenas dos sertões do Norte, resistiram e lutaram pela não
ocupação do seu território.
Fátima Martins Lopes (2003) retrata em sua dissertação de mestrado, que no período
colonial existiu a presença de grupos étnicos na região do vale do Assú, bem como houve um
protagonismo exercido por estes grupos, ao lutarem na “Guerra dos Bárbaros”1. Para Lopes
(2003), foram esses grupos que desencadearam uma grande resistência à presença de colonos
nos Sertão. Em 17 de maio de 1757, Sebastião José de Carvalho comunicava a autoridade da
colônia, que foram encontradas minas de ouro na região do Apodi.

Em carta posterior do mesmo Governador e que consta do mesmo códice Á


pag. 92 (doc. n° 4) de 22 de setembro de 1757, diz o seguinte, depois de ter
affirmado a existencia das minas na ribeira do Apody em consequencia de lá
ter mandado uma commisão exploradora: Pela carta de 17 de Maio fiz
presente a V. Ex. o novo descoberto da ribeira do Apody dando parte de ter
vindo 117 oitavas e 39 grãos de ouro, e demorando a ordem por onde
mandava fechar, por não parecer conveniente pela vizinhança marinha, a
repeti o mesmo efeito no receio de que o interesse das pessoas que o
procuravam a fizesse desencaminhada. (REVISTA DO INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1906.
p.12).

1
A Guerra dos Bárbaros ocorreu na segunda metade do século XVII, consistindo em conflitos heterogêneos
contra grupos indígenas no sertão das capitanias.
22
A descoberta de minas de ouro nas regiões do Apodi, despertou o interesse do
Governo de Pernambuco em ocupar esses territórios, buscando inclusive, acordos com o
grupo étnico (Pegás ou Pegas) que se encontravam situados em uma aldeia junto a Serra de
João do Vale 2, no Rio Grande do Norte, propondo aos Índios do Apodi, para estabelecerem-
se e constituírem-se juntos aos moradores daquela missão, umas 150 casas, mas os indígenas
Pegás rejeitaram a proposta, por considerarem estes proponentes seus inimigos, rejeitando a
ideia de morarem com eles. Para a conveniência da Fazenda Real, foi-se convocando mestres
de escolas para o Apodi, assim como alguns mestres de ofícios, para ali se estabelecerem e
supostamente manterem uma relação de apaziguamento para com os indígenas que resistiam
em mudar de território. E com isso, reforçando o domínio e exploração das terras ocupadas
por estes.

Ainda mais. No officio de 19 de maio de 1761, constante do mesmo códice,


o governador, communicando a sublevação dos Pegas, situados em uma
aldeia junto a serra de João do Valle ou Pegás no Rio Grande do Norte, diz:
... propuz aos indios Pegas do Apody para o seu estabelecimento e para
constituírem com os moradores daquela bôa missão o número de 150 casaes,
e. como não quizeram, reputanto inimigos aquelles seus vizinhos,
esperancei-os na sua conservação etc. (REVISTA DO INSTITUTO
HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1906.
p.13).

Relata os mesmos documentos, que, para a conclusão dos preparativos que seriam
úteis para a Fazenda Real, a côngrua que poupa dos Missionários e para conveniência dos
indígenas, para melhorarem de terreno, o mesmo busca achar e chamar mestres de escolas e
mestres de ofícios para ali estabelecerem-se. O processo de colonização e ocupação dos
territórios dos Sertões é perceptível nesses discursos presentes nos documentos acima.
Os interesses da Colônia estavam inteiramente ligados aos recursos naturais que a
região do Apodi acabara de descobrir, e com isso, é evidente que com a resistência dos
indígenas a relutarem por para não sair de suas terras, não foi satisfatório aos governantes, que
de imediato buscaram meios, convocando mestres de escolas, para aproximarem-se dos
indígenas e assim conseguirem seus objetivos de ocupação das terras pertencentes aos índios.
Nos sertões do Norte, havia vários grupos étnicos espalhados, que desencadearam uma
seria resistência à ocupação de suas terras por colonos portugueses e seus rebanhos, fato

2
A Serra de João do Vale está a uma distância de aproximadamente 270 km da cidade de Natal, o acesso pode
ser feito através da BR-226 até Jucurutu, e então se segue por uma estrada carroçável até a área da Serra.
Também o acesso pode ser feito por uma estrada carroçável partindo do município de Triunfo Potiguar.
23
marcado pela “Guerra dos Bárbaros”3. Sendo estes índios vencidos pela colonização, o
próximo passo seria “sossegá-los” em aldeamentos oferecidos por grupos religiosos ligados a
Igreja Católica, os então conhecidos, “missionários”.
Para Lopes (2003), os indígenas eram direcionados aos aldeamentos com a
justificativa de estarem servindo a Deus, sua majestade e ao bem comum dos colonos,
reforçando o discurso civilizatório, para com isto “sossegá-los”, como também manterem-lhes
resguardados em locais pré-determinados, fato que ocasionava a liberação das terras para a
ocupação. Os sertões habitados por esses gentios da terra eram tidos como “vazios”, mesmo
sendo ocupados por Indígenas.

2.4. Índios celebres do Rio Grande do Norte: o índio Camarão à moda europeia

O propósito pretendido parte do entendimento das representações dos Indígenas que


tiveram suas histórias marcadamente registradas e exaltadas nas memórias da Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (RIHGRN), em 1906. Para tal,
dedicou-se uma inusitada sessão intitulada por “Índios Célebres do Rio Grande do Norte”.
Para entendermos quem eram esses índios que ganharam destaque e foram amplamente
exaltados, bem como perceber quais representações eram significativas para serem registradas
no IHGRN. Destacam-se as narrativas acerca do índio Camarão e sua esposa Clara Camarão.
Em relato na seção estudada, destacava-se um acontecimento que nos proporcionou
pensarmos quais eram esses índios representados nos escritos da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1906). Em um domingo do ano de 1612 na
aldeia de Igapó, notava-se um acontecimento inusitado, havendo flautas em harmonia,
cantigas e expectativas para o seguinte dia. Amanhecendo, o dia que se seguia, as festividades
esperadas, eram por motivo da comemoração do Batismo de Camarão. Mas, que personagem
é este que teve destaque nos escritos da seção Indios Celebres Rio Grande do Norte da
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (RIHGRN). Por
conseguinte, qual seria a intenção de relatar o batismo de um Indígena nos dogmas da Igreja
Católica? O que se legitimaria com o batismo do Indígena denominado por Camarão nos
preceitos católicos? Qual o interesse do IHGRN em trazer para seus escritos o relato de

3
Para Lopes (2003) a Guerra dos Bárbaros consistiu em um confronto entre o mundo do europeu com o mundo
do nativo, que levou a quase um aniquilamento total desses grupos étnicos, que durou por quase cem anos nos
sertões da Bahia até o Maranhão.

24
batismo de um gentio da terra? Indaguemo-nos dessas questões no decorrer do texto para
pensarmos quais os interesses ligados a essa exaltação do Índio Camarão, nos relatos de uma
história do Rio Grande do Norte. Em memória ao batismo do Índio Camarão temos:

Amanheceu finalmente o dia e o solemnisssimo baptismo do Camarão do


Camarão, causa única de todas essas festas, ia realizar-se. Vestido de Gala
precedido de grande e festival acompanhamento e seguido de todos os seus
vassalos, sahiu de casa o poderoso chefe e dirigiu-se á egreja, onde o
esperavam os padre que tinham de presidir a cerimônia. (REVISTA DO
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO
NORTE, 1906, p 90).

É pela percepção do discurso e a interpretação do mesmo, que atentamos para o que se


pretendia a história versada sobre Camarão, logo percebemos qual imagem é construída e
retratada nos relatos da RIHGRN. A representação acima refere-se a um indígena que toma
para si a cultura portuguesa referente à religião católica, como também se trata de um
indígena com vestimentas europeias, fato que demonstra a aproximação do mesmo à cultura
portuguesa. O índio Camarão é ressaltado com veemência pelo IHGRN, por ser ele uma
figura representativa de passividade, no sentido de ser um índio que adquire para si a
caracterização da cultura do colonizador e em consonância com o que a colonização lhes
ofertava, não lhes oferecendo perigo.
Portanto, partindo da análise do lugar de produção da (RIHGRN), escrita por pessoas
pertencentes às elites letradas, que por meio dos discursos afirmavam o seu poder para a
construção de uma história oficial do Rio Grande do Norte com o apoio do Estado. É notável
a omissão nos discursos quando não retrata o indígena que preservava os traços de seus
ancestrais, e que não tinha as características do índio Camarão (caracterizado por vestir
roupas europeias e falar a Língua Portuguesa) e não preservava os traços de seus ancestrais.
Segundo Jailma Nunes de Oliveira:
Portanto, o negativismo colocado sob o índio que não contribuiu com o
português, dá lugar a um tipo de índio privilegiado como um exemplo
determinado do que se queria para a instituição de um herói indígena
encontrado em Felipe Camarão. (OLIVEIRA, 2013. p.24).

A construção retratada do Índio Camarão nos discursos da fonte utilizada na pesquisa


é a representação de um indígena à moda europeia, Camarão ocupa o espaço nas escritas das
Revistas, como sendo o gentio que solenemente estava sendo batizado nos preceitos católicos,
e culturalmente tinha fortes traços portugueses como o uso de vestimentas de gala e o

25
acompanhamento de todos seus vassalos4, conceito medieval que significava súdito de um
soberano. Logo percebemos qual o lugar de pertencimento do Índio Camarão nos discursos da
Revista do IHGRN, seria o de herói do Estado, e que o Rio Grande do Norte, originou-se das
virtudes do mesmo, exaltadas por sua coragem e liderança. Há evidentemente uma negação
nos escritos acerca dos indígenas que não colaboraram com a colonização, os que resistiram e
lutaram contra o processo, não são enaltecidos e não aparecem com a mesma representação e
evidência que o índio Camarão teve.

Para Bruno Balbino Aires da Costa (2017), a naturalidade do índio Camarão parte do
interesse em se construir um discurso que reforçasse a identidade regional, sendo a afirmação
identitária e a naturalidade do mesmo, importantes para os projetos em construção da
identidade das Províncias/Estados. Para tanto, convocar a identidade de um herói de guerra, o
índio Camarão, foi uma estratégia que demonstraria a centralidade na memória nacional de
forma que a Província/Estado se construísse enquanto identidade partindo das ações de
Camarão na guerra entraria para a “história da pátria”. A narrativa acerca do índio Camarão
são evidências pela exaltação dos grandes feitos e das virtudes pertencentes a este, que por
sua vez, são advindas da sua participação militar na guerra contra os holandeses. Para Costa
(2017):
A narrativa em torno da participação de Felipe Camarão na guerra contra os
holandeses foi o foco mais ressaltado, justamente por ser este aspecto o
responsável por evidenciar os grandes feitos e as virtudes do índio (COSTA,
2018. p.498).

Assim, explica-se a incansável recuperação da memória do índio Camarão nos escritos


da Revista do IHGRN, para com isso definir a origem dos norte rio-grandenses, bem como as
características ligadas à figura do índio Camarão, que estaria perpetuando-se as manutenções
dessas virtudes a quem nascesse em solo potiguar. O valente índio Camarão, o dominador das
paragens, considerado o terror das tribos inimigas, marcou a história do Rio Grande do Norte,
como o guerreiro que tinha prestígio em lutas e que inspiraria os demais potiguares a se
reconhecerem com tais características.

4
Vassalo significa súdito de um soberano. É um conceito próprio da Idade Média e está relacionado com o
sistema de feudalismo. O vassalo era o indivíduo que pedia algum benefício a um nobre superior e em troca fazia
um juramento de absoluta fidelidade. Os vassalos eram geralmente recompensados com um feudo que poderia
ser terras, cargos, lugar num sistema de produção ou outros benefícios. Suserano é o nome atribuído àquele que
doa o bem ou oferece proteção. Esse tipo de relação era conhecido como vassalagem.

26
Ao ser batizado nos preceitos católicos, relata-se que o índio Camarão recebeu o
nome de Antônio e o de sua esposa o de Clara, todavia, o mesmo continuou por ser apelidado
por Camarão, pois já era conhecido como tal. No dia em que se seguia o batismo de Camarão,
foram consagrados os votos de seu matrimônio com a mulher que o mesmo escolheu para
unir-se monogamicamente nos ritos católicos, como vemos nas descrições abaixo:

No seguinte, com a mesma pompa e éguas festejos, Antonio Camarão


recebeu em matrimônio aquella que entre as demais mulheres escolhera para
sua legítima consorte, despedindo as outras, e durante ainda muitos dias
recebeu as felicitações dos visinhos, que em distância de vinte leguas
vinham obsequial-o: homenagem de que se fazia merecedor por seu bom
gentio e relevantes serviços já prestados a’ nascente civilização de seu povo.
(REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO
GRANDE DO NORTE, 1906, p.92).

No fragmento extraído acima, é notável, que para além da aliança mantida entre
Camarão e os portugueses há uma exaltação em o porquê de se fazer tantas homenagens ao
mesmo, justificando-se pelo fato de que o mesmo seria merecedor por ser um “bom gentio”,
demonstrando com isto, a aliança entre os mesmos, como também remete-nos a pensar quais
características era preciso ter para ser considerado como “bom gentio”, suponhamos que para
ser um “bom” índio, era necessário que este fosse rendido aos interesses portugueses, e que
lutasse em guerras aliados aos mesmos, para com isso consolidar o projeto de colonização.
O fato de o índio Camarão ser considerado célebre para o olhar dos escritores da
RIHGRN, é que o mesmo representava os interesses dos “grandes homens”, os interesses dos
conquistadores, e como forma de afirmar o poder dos portugueses e a submissão que se
pretendia para com os demais povos. Por conseguinte, é ressaltado que em homenagem aos
feitos já realizados em guerras a favor dos portugueses por Camarão, o mesmo se fazia
merecedor de gentilezas e pompas. Camarão também é claramente homenageado por ter
contribuído por seus feitos em favor da “nascente civilização”, civilização esta, que pode ser
entendida como a imposição de costumes e culturas europeias, durante o processo de
expansão territorial no interior dos sertões aos povos gentios da terra.
Assim, como Camarão ganha respaldo nos escritos das Revistas do Instituto Histórico
e Geográfico do Rio Grande do Norte, sua esposa Clara Camarão é exaltada como guerreira e
heroína, por estar junto ao mesmo em batalhas e guerrear na restauração do Pernambuco
contra os holandeses. Os discursos voltados sobre a vida da índia Clara Camarão, são

27
destaque para por seus grandes feitos cívicos, bem como o valor de superioridade, atribuídos à
mesma, em relação aos outros Indígenas. Como podemos ver abaixo:

Ahi, monstada a cavalo e de espada em punho, “combateu com um denodo


que seu sexo fazia incrivel, afrontando todos os perigos; carregou por muitas
vezes o inimigo e penetrou nos mais cerrados batalhões. Ao passo que
combatia, exohrtava os soldados a cumprirem seus deveres, prometendo lhes
victoria e dando assim exemplo a outras que procuravam imital-a.
(REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO
GRANDE DO NORTE, 1906, p.94).

Clara Camarão, também se torna uma figura de representação Indígena que é exaltada,
para além de ser esposa de Camarão, como também por sua braveza em combates junto ao seu
marido. Na descrição acima, Clara é um modelo a ser seguido pelas outras mulheres, por ser
valente e corajosa em campos de batalhas, e principalmente por ser uma mulher indígena que
combatia junto aos homens nos batalhões, e que sendo mulher, afrontava todos os perigos.
Assim como Camarão, comandava os “seus índios” em guerra, Clara Camarão
também era comandante da esquadra feminina em batalha. Ela destacou-se na história por
lutar junto ao seu marido em batalhas, e por isso, foi admirada pelos portugueses. A memória
de Clara é sobreposta à memória de outras mulheres que também foram guerreiras como:
Zonobia rainha dos Palmares e Sémiramis, rainha da Babilônia. Sobre a exaltação das
memórias de Clara Camarão na Revista do Instituto Histórico do Rio Grande do Norte: “Sua
memória será eterna no templo da fama, para que em todo tempo seja celebrado seu nome
com os elogios que soube merecer seu varonil esforço. ” (RIHGRN, 1906, p.95). Percebemos
a partir desse fragmento, que os feitos de Clara Camarão deveriam ser resguardados na
memória oficial do Estado, imortalizando seu nome e ressaltando-a como brava, mulher
guerreira que merecia receber elogios por seu heroísmo.
A História imortalizou seus feitos e a poesia suavizou-a em suas homenagens. José da
Natividade Saldanha cantou em seus versos a memória de Clara Camarão:

Vibrando a longa espada,


Ao lado marcha do brazilio esposo
A nobre esposa amada:
No campo dos Troianos
Camila furiosa,
Voando sobre a grimpa da seara,
Mais triumphos a’ morte não prepara.

Assoberbam o Batavo nefando;


O quente sangue espuma;
28
Qual Belga foge, qual Brazilio fere;
Quem evita o Mavorte
Na espada feminil encontra a morte;
Ambos assim cobertos de gloria
Alcançam do Hollandez clara vitória.

Há na história poucos dados sobre a morte de Clara Camarão, não deixando claro a
forma em que morreu. A forma de representação de Clara Camarão nos registros do IHGRN
trata-se de uma heroína, que deve ter sua história de vida resguardada na memória por sua
grandeza e seu valor cívico. Clara, é tida como um tipo de “classe superior” dos indígenas,
mostrando-a como no olhar dos registros do IHGRN, a mesma é tida como superior aos
demais índios. Superior também por ser mulher, que se elevou ao mesmo nível dos homens
conquistadores.
Esse casal teve mais de um filho, mas somente um aparece com clareza nos escritos, o
então denominado D.Antonio João Camarão, que por sua vez, teria sido recolhido pelo então
governador Francisco de Brito Freire5 para então ser doutrinado e ter um tratamento devido,
em retribuição ao que seu pai havia feito em benefício da Coroa portuguesa. A preocupação
dada à educação do filho de Camarão, Antônio João Camarão é voltada para o interesse de
continuidade da dominação, uma vez que este deveria substituir seu pai no governo dos
índios.
O seguinte capítulo tratará a seguir, sobre como a resistência da memória indígena
permanece nos sertões no século XXI, na atual cidade de Janduís. Para fins de pesquisa,
utilizamos como metodologia o uso da História Oral, método que proporcionou uma
investigação sobre os vestígios de um passado indígena na cidade, por meio das memórias dos
recordadores janduienses. O vivido e o lembrado constroem o objeto de estudo no segundo
capítulo, ao incorporar uma narrativa de grupos étnicos que tiveram suas histórias silenciadas
pela historiografia, proporcionando assim, sua (re) construção e (re) significação a partir das
memórias dos janduienses. Como também, o entendimento de sertão como um espaço aberto
à identidade indígena.

5
Citado na sessão “Índios celebres do Rio Grande do Norte”, referente ao governador que declara ter recolhido o
filho do índio Camarão para cuidar de sua educação em serviço da coroa.

29
3 “Há tantas memórias quantos grupos existem”: resquícios do passado indígena na
cidade de Janduís

O dever da memória faz de cada um historiador de si mesmo (NORA, 1993, p.17).

O presente capítulo é dedicado ao estudo das memórias de um grupo de pessoas,


naturais da cidade de Janduís-RN, que se propuseram a rememorar no mais íntimo do seu ser,
suas experiências e relatarem suas lembranças, na intenção de contribuir para a construção de
uma memória social da cidade. Por meio da análise das narrativas de suas vivências, numa
abordagem qualitativa, busca-se evidenciar aspectos que remetem a história da cidade e a
reminiscência de seu passado indígena.
Partimos das lembranças dos narradores, e alicerçado nelas, para com isso, (re)
significar a história e a identidade de Janduís por meio das memórias de seu passado indígena.
A metodologia utiliza-se do segmento da História Oral, com aporte teórico e metodológico
em Alberti (2013), em sua obra: Manual de História Oral. A metodologia consiste em um
método de pesquisa e não na pesquisa em si. A História Oral pode ser utilizada em qualquer
tema, desde que haja pessoas que estejam vivas e tenham algo a dizer sobre ele. A escolha do
tipo de entrevista utilizada na pesquisa, parte da entrevista temática, que considera um
determinado tema a ser focado/pesquisado e que tenha uma relação intrínseca com o
entrevistado.
As entrevistas temáticas são aquelas que versam prioritariamente sobre a participação
do entrevistado no tema escolhido. Buscamos tecer nossa metodologia, escolhendo narradores
que estivessem em consonância com os objetivos pretendidos na pesquisa. Assim, a colônia
de narradores se consistiu de pessoas que estão ligadas à tradição indígena e que já
participaram de forma direta em projetos que viabilizassem a cultura indígena na cidade de
Janduís. Sendo, portanto, pessoas ligadas em sua maioria à educação. Para Alberti (2013):

Em geral, a escolha de entrevistas temáticas é adequada para o caso de temas


que têm estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos depoentes,
como, por exemplo, um período determinado cronologicamente, uma função
desempenhada ou o envolvimento e a experiência acontecimentos ou
conjunturas específicas (ALBERTI, 2013, p.38)

Partindo do pressuposto acima, buscamos escolher a colônia de narradores, de forma


que os mesmos se adequassem aos objetivos da temática. As experiências de vida
proporcionou a construção da narrativa dos recordadores, partindo de suas funções
30
desempenhadas na cidade, seja no âmbito educacional, cultural ou em suas experiências de
vida.
As lembranças recordadas pelos narradores são pertencentes ao mesmo grupo de
pessoas que são janduienses. As memórias coletivas constroem e distinguem esse grupo dos
demais, são pessoas que lembram do cotiado em comum, e que por meio de suas lembranças
traduzem sentimentos e sentidos para a cidade de Janduís.
Na pesquisa, os relatos colhidos são relatos de vidas, com o recorte temático voltado à
identidade indígena construída e guardada na cidade, e vivenciada pelos narradores em suas
trajetórias de vida. Para Nora (1993, p.14) “A necessidade de memória é a necessidade de
história”. Ao pesquisarmos sobre a referida temática, nos aprofundamos por sua vez, nas
memórias individuais e coletivas, para com isso, preencher uma lacuna, que deixa a desejar,
na história da cidade, sobre reminiscências de um passado indígena na região. A memória é
por sua vez, o meio mais viável para recuperar esse passado, que foi silenciado ao longo da
história.

3.1. O vivido e o lembrado

O vivido e o lembrado constroem o objeto estudado neste segundo capítulo, na medida


em que, as perguntas elaboradas na entrevista, direcionam os entrevistados para aspectos
característicos da cidade, como exemplo, o seu passado indígena e de que forma esse passado
permanece vivo nas memórias dos janduienses. Assim, objetivou-se também rememorar e (re)
contar, a partir das lembranças desses sujeitos, aspectos de um grupo étnico, os Janduí, que
habitaram os sertões e permanecem vivos nas memórias destes recordadores.
Por meio de depoimentos orais e a análise desses relatos, revelou-se aspectos
subjetivos sobre a identidade da cidade e a sua ligação com os Janduí. Sendo sua história,
marcada por lendas indígenas que compõem o imaginário das pessoas que moram na cidade.
Esses aspectos, quando lembrados no presente, constroem uma narrativa de pertencimento,
ligando diversos elementos das duas temporalidades passado e presente. As lembranças
relatadas remontam a um lugar de especificidade, que se articula entre a história e memória.
Pelas narrativas, atualizam a história e mantém vivo o imaginário social de grupos étnicos, de
tradições orais, que habitavam os sertões e compuseram práticas que permanecem nas
lembranças dos moradores da cidade.

31
A memória presente no estudo é, portanto, delineada do passado vivido e lembrado.
Uma memória que (re) vive o passado no presente, e que demonstra tanto permanências como
também rupturas. Para tal abordagem, a teoria da memória coletiva, trazida pelo sociólogo
Maurice Halbwachs (1950), tenta entender a formação da memória do indivíduo e suas
projeções no coletivo, prestando atenção ao seu contexto social. Para ele, a memória sempre
tem uma função social. O conceito de memória coletiva, criado pelo autor em 1920, no campo
da Sociologia, estabelece que a memória seja influenciada pelo que a antecede e a determina.
Segundo o autor, a memória é uma construção social, são aqueles que lembram que decidem o
que deve ser guardado e os lugares onde essa memória deve ser preservada.
Pensar a memória como fonte, é pensar a sua representatividade para a sociedade na
qual ela está presente. Qual o lugar da memória? Qual memória é guardada? Partindo das
discussões acima, percebemos que pensar a memória de Janduís, é também pensar o lugar na
qual ela está inserida. Os lugares de memórias, pensado por Nora (1993), são espaços
construídos simbolicamente e são caracterizados por acontecimentos ou experiências vividas
por determinadas pessoas. Assim, os laços sociais do passado, pretendem demonstrar os elos
entre narradores, suas vivências e os lugares de memórias.
Segundo Michel Pollak (1992), a memória é, portanto, seletiva, no plano individual e
coletivo. A memória não grava tudo, nem tudo fica registrado. A memória não se refere
apenas à vida física das pessoas, elas sofrem mudanças que variam de acordo com o momento
em que é exposta. As preocupações do momento levam a uma estruturação do momento em
que é recordada. A memória é também um reflexo de preocupações pessoais e políticas. É
seletiva e é política, é construída de forma direta e indiretamente. O que a memória grava,
exclui e relembra é o resultado de um fenômeno construído socialmente e individualmente.
A memória faz das pessoas historiadores de si mesmos. Quando pensadas em seus
laços socialmente construídos, a memória ganha simbologia de pertencimento. É, portanto,
uma ligação coletiva entre memória e os laços do passado que ligam um grupo a uma
determinada identidade. A memória dos recordadores de Janduís é construída de forma
individual e coletiva, uma vez que por meio da memória, cria-se um sentimento de identidade.
Assim, buscamos entender de que forma essa memória se constrói, enquanto laços sociais que
ligam uma sociedade a uma identidade.

32
3.2. Os laços sociais do passado

[...] O povo que não conhece a sua história, é como se não existisse... se nós
sabemos de onde estamos vindo, nós sabemos pra onde nós queremos ir [...]
(ROCHA, 2018).

O processo de construção da colônia de narradores articulou-se da seguinte forma:


inicialmente houve um primeiro contato informal com os narradores, possibilitando uma
aproximação com os objetivos pretendidos da pesquisa, como também um momento de
rememoração sobre experiências e vivências, que contribuiriam significativamente para a
construção discursiva na entrevista, posteriormente. Através de conversas casuais entre os
entrevistados e a pesquisadora, surgiu a concordância da relevância do trabalho, bem como a
significativa solicitude com que os recordadores se colocaram perante o estudo.
Dessa forma, surgiu um misto de alegria e gratidão por parte da pesquisadora, por ter a
oportunidade de poder trazer para as linhas imortais da história, um pouco da sua história
individual enquanto janduiense, historiadora e amante de suas raízes. Também se constatou o
sentimento de gratidão imensurável pela presteza, com a qual os narradores propuseram-se a
abrir suas memórias mais íntimas, e contribuírem para a construção de histórias que
perpassará gerações.
Com isso, organizou-se o percurso metodológico adequado às necessidades da
pesquisa, com a revisão das perguntas elaboradas anteriormente, de forma que as mesmas
direcionassem os entrevistados ao objetivo/foco da pesquisa, visto que, a entrevista seria
voltada à temática indígena. Foram utilizados o Termo de Cessão de Direitos Autorais, o
gravador de voz e o caderno de anotações, como também os cuidados com a utilização da
História Oral, possibilitando que os narradores estivessem à vontade para uma melhor fluidez
de suas lembranças. Por fim, a transcrição das entrevistas, que ocorreu posteriormente e com
o devido cuidado, para manter a autenticidade das palavras dos recordadores.
As entrevistas ocorreram com alternância de dias. A colônia de narradores foi
composta por pessoas de vários âmbitos da cidade. Foram entrevistados, professores
(História, Pedagogia, Língua Portuguesa), como também um Conselheiro Tutelar da cidade e
o porteiro da Escola Estadual Professor Daniel Gurgel. Para fins desta pesquisa, foram
entrevistadas cinco pessoas: Antonio Estevam Sobrinho, Antonio Cácio dos Santos, Valdécio
Fernandes Rocha, Wallace Rodrigo Lopes da Silva e Alberto Dantas dos Santos.

33
Antonio Estevam Sobrinho, cidadão janduiense, atualmente exerce o cargo de
conselheiro tutelar na Cidade de Janduís e participou nos anos 90, do Projeto Recriança, cuja
função era artística e cultural, o que propiciou o contato com temas ligados à história da
cidade. Neste trabalho, havia o investimento na transformação das lendas indígenas ligadas
aos Janduí, em peças teatrais, com o objetivo de mantê-las vivas na memória. Como também
tinha um caráter de recuperar a história de Janduís, para que a população conhecesse suas
origens indígenas.
Para a descrição das falas dos personagens, na escrita, escolheu-se a sigla P que
representa as perguntas feitas aos recordadores, e as iniciais de seus nomes para representar
suas falas. Elencando-se às falas partindo das perguntas que foram analisadas, a saber:

P: Partindo das suas vivências no município de Janduís, me fale um pouco


do por que a cidade foi nomeada por Janduís?
AES: É, essa questão do nome Janduís... Eles falam muito, na questão de
que se deu devido uma tribo passava aqui no nosso município. Que até hoje
a gente não sabe se aqui realmente existiu índio ou se aqui era só caminho
deles, onde eles passava. E essa tribo se chamava com o nome de Janduís.
Tribo Janduís, esse negócio assim. E tem até um chefe da tribo que se chama
Nanduí, então, por isso que se deu esse nome Janduís (SOBRINHO, 2018).

Ao colocar em análise a narrativa do entrevistado, percebe-se que o mesmo associa a


outras pessoas não citadas diretamente, utilizando-se do termo “eles falavam” que o nome
Janduís, estaria ligado a uma tribo também chamada por Janduís, que passava onde hoje é a
atual Cidade. Mas, o recordador faz uma ressalva, de que até hoje não se sabe se realmente
existiram índios, ou se seria só passagem deles. Percebe-se, com isto, o cuidado do narrador
para não afirmar uma informação desconhecida.
No entanto, o relato levanta duas hipóteses: a de que não se sabe se eles existiam
realmente no atual território da cidade, ou se eles apenas passavam pela mesma. Por
conseguinte, o recordador relembra que o grupo indígena tinha um chefe conhecido por
Nanduí, nome este, que o mesmo associa à nomenclatura Janduís. Segundo os estudos de
Maurice Halbwachs (1877-1945), as memórias são reminiscências de um passado que afloram
no presente. A partir de seus estudos se pensa uma a memória não mais no plano individual,
mas no plano coletivo.
Considerando que às memórias de um indivíduo não são únicas, mas pertencem
também à sociedade em que está inserida, a memória coletiva tem sua fundamentação na
memória individual. Quanto mais inseridos em grupos, mais há chances de guardarem suas

34
memórias, pois não será apenas lembrada por um indivíduo, mas por um grupo de pessoas. As
memórias relembradas pelos narradores pertencem ao mesmo grupo, com isso são
rememoradas no plano coletivo. Assim, temos as memórias que relacionam o teatro às
histórias indígenas da cidade:

P: Porque a cultura da cidade exalta as histórias indígenas em suas peças


teatrais e na poesia?
AES: É, eu acredito que tenha alguma coisa a ver com a questão indígena,
né. E muitos espetáculos que foram criados aqui em Janduís, inclusive na
época dos anos 90 que a gente teve aqui um professor de teatro, que chama
Rai Lima, ele sempre ressurgia essas coisas, essas lendas no nosso
município. A história do município, né? Ele sempre gostava de transformar
tudo isso num espetáculo, peças teatrais, né. Que ultimamente assim, vem
um pouco... Perdeu muito questão do nome cultural que sempre teve, mas
que também ainda não morreu, só tá passando um tempo assim... Mas
acredito que deva ressurgir novamente (SOBRINHO, 2018).

O recordador rememora espetáculos teatrais em que fez parte nos anos 90, nos quais,
afirma que era recorrente se trabalhar com as lendas indígenas, que faziam parte da cultura e
do imaginário janduiense. Ressalta a participação do professor de teatro, que era o idealizador
em trazer para a arte às lendas indígenas, o mesmo chama-se Raí Lima.
O depoente destaca o interesse da parte do professor Rai Lima em transformar em
espetáculo aspectos da história da cidade. O pesquisado, também argumenta que ultimamente,
vem se perdendo muito a questão do nome cultural que a cidade sempre teve no passado.
Mas, o mesmo acredita ser um momento passageiro e que deva voltar em breve.
O segundo entrevistado foi o Antonio Cácio dos Santos, graduado em Pedagogia pela
UERN e especialista em Gestão Educacional pela Faculdade Integrada de Patos (FIP).
Professor da rede municipal de ensino, a 20 anos e atuando temporariamente da rede estadual
da Cidade de Janduís, também é uma personalidade bastante conhecida e respeitada por seus
conterrâneos por exercer o trabalho de produção artística, como produtor de eventos culturais
através de exposições, eventos como desfiles e mostras de artes. A seguir a entrevista:

P: Partindo das suas vivências no município de Janduís, professor. Eu


gostaria que o senhor me falasse um pouco sobre o porquê da cidade ser
nomeada por Janduís.
ACS: Pra falar sobre Janduís, a gente vai precisar voltar bem antes, né.
Então, no período da coroa portuguesa, domínio da coroa portuguesa no
Brasil, aqui era apenas só, vamos dizer, floresta, né. Questão da mata nativa
e tinha a questão dos índios, os índios como diz o estudo, segundo Câmara
Cascudo em seu livro “Terras Potiguares”, que tem uma coletânea falando
sobre todas as cidades do Rio Grande do Norte. Janduís apresenta como
canto de descanso dos índios, exatamente da tribo de Janduís que viriam da
35
cidade Catolé do Rocha da Paraíba para a cidade de Assú, que lá seria a
grande concentração, onde seria, onde eles morariam. Já que eles eram
nômades e ficavam nessa questão. Então Janduís era um ponto de parada
aqui. E depois desse pouco da história indígenas que nós temos nesse
período, a gente começa agora a falar sobre Janduís, quando começa a
fazenda. São Bento Velho, do outro lado do rio, né. Do outro lado do rio, o
rio das Croas, como é o nome do nosso rio. E foi lá que a família de Vicente
Gurgel do Amaral começou a fazer esse trabalho, fez, teve a fazenda. Ele
tinha onze filhos e Vicente faleceu, o seu filho Canuto tomou conta do
trabalho, juntamente com seu irmão Daniel. Dos onze filhos, Canuto que
mais se destacou, porque ele é considerado o fundador do Janduís. Que ele
doou terras a padroeiro da época e aqui do outro lado, de onde hoje a cidade,
né. Do lado de lá fica a fazenda São Bento Velho e aqui foi começando um
povoado, uma vila, né. Foi construindo a Igreja, pequenas casas e foi se
instalando, até que 1926 foi feita a primeira feira no município. A primeira
feira de Janduís ta datada de 1926, com isso aquela vila que passa a ser São
Bento, o sitio é São Bento Velho, ai do lado de cá do rio ficou sendo
chamado de São Bento, vilarejo, depois a gente recebeu o nome distrito
Getúlio Vargas e no ano de 1943 que a gente recebeu o nome de Janduís.
Até então pertencente ainda a cidade de Caraúbas. Somente no ano de 1962
que nós fomos emancipado. Mas o nome Janduís ele vem em 1943, aí a data
de emancipação que é 62. De lá pra cá o nome permanece em homenagem
aos índios da tribo de Janduís e em especial aqui ao chefe guerreiro que seria
Nanduí, que aqui a gente tem grande referência nessa questão histórica aqui
da nossa cidade (SANTOS, 2018).

Analisando a entrevista cedida pelo professor Cácio Santos, percebemos a relação


direta de suas recordações memoriais com o tema estudado. O professor recorda com riquezas
de detalhes, fatos e datas que fazem parte da história de Janduís. Mostrando com clareza o
quão é conhecedor de suas origens, cujas memórias são ricas de subjetividades.
O fato que mais surpreendeu a pesquisadora foi a segurança das afirmações, pautadas
em leituras cientificas e respaldadas em conceitos das ciências humanas. Nessa avaliação,
também se constatou que o professor entrevistado participa da pesquisa com cordialidade,
gentileza e sensibilidade. Fato que acreditamos ser, pela importância dada à pesquisa, e a
significação dada ao mesmo, enquanto personagem de suma importância para contribuição
desta narrativa, que é falar sobre Janduís. Referenciando o memorialista Câmara Cascudo em
sua obra “Terras Potiguares”, mas que ao aprofundarmos em sua fala, percebemos que o livro
citado pela fonte é de autoria de Macrcus Cesar Cavalcante de Morais. O livro fala sobre onde
hoje é a Cidade de Janduís, o professor Cácio Santos, também se refere ao território estudado
como local de descanso de uma “tribo” indígena “Janduís”, que vinham da cidade de Catolé
do Rocha localizada no Estado da Paraíba e completariam seu trajeto na região de Assú.
A intelectualidade e o saber prático do professor Cássio Santos, contribuíram de forma
significativa também a repassar conhecimentos específicos da cidade, bem como,
36
aprofundarmos no processo de transformações territoriais e nas mudanças de suas
nomenclaturas, desde a Fazenda São Bento Velho à atual Cidade Janduís. O professor recorda
com clareza as mudanças de extensões do território, ressaltando as datas precisas, como
também as mudanças dos nomes que foram atribuídos a em cada período.
Ao responder à pergunta sobre o porquê de a Cidade ter sido nomeada por Janduís, o
recordador faz uma análise complexa que remete aos primórdios da colonização portuguesa.
O mesmo enfatiza que as terras pertencentes à Coroa portuguesa eram compostas por plantas
nativas como também índios. Tomando mais uma vez, como referência, “Terras Potiguares”,
para falar sobre onde hoje é a Cidade de Janduís, o professor Cácio Santos, também se refere
ao território estudado, como local de descanso de uma tribo indígena denominada por Janduís,
em que, estes por sua vez habitavam a região onde hoje é conhecida por Catolé do Rocha, e
que viriam em direção à região do Assú. Com isso, a presença na atual Cidade de Janduís, por
esse grupo Indígena seria para um momento de repouso, descanso no percurso até Assú.
O recordador remonta que a região de Assú, seria o local de concentração desses
grupos e que a história fala pouco sobre os índios. Partindo desse momento, o mesmo agora
rememora o processo de mudanças e a origem territorial da Cidade de Janduís.
No interior do Rio Grande do Norte, eis que surge em meio ao Rio das Croas no
sertão, a velha fazenda de gado e algodão chamada por “Fazenda São Bento Velho”, de
pertencimento do Sr. Vicente Gurgel do Amaral, que tinha onze filhos, e ao falecer, Vicente
Gurgel deixa a responsabilidade de suas terras para seus filhos, Canuto Gurgel e Vicente
Gurgel. Canuto Gurgel, ao herdar as terras de seu pai, doa um pedaço de terra ao padroeiro
católico (São Bento), para assim, iniciarem o processo de ocupação daquelas terras doadas e
fundarem posteriormente, Janduís.
Segundo o recordador pesquisado, a partir das terras doadas surge a primeira Vila, que
teve sua Igreja construída e algumas casas ao seu entorno. O mesmo recorda com precisão
que a primeira feira acontecida na Vila foi em 1926, na primeira metade do século XX. E com
isto, a Vila que passa por um processo de ocupação, passa a ser chamada de Vila São Bento.
O nome deu-se por que a Fazenda do então Canuto Gurgel do Amaral e seus irmãos era
chamada de São Bento Velho. E ainda, segundo o mesmo, o rio denominado de Rio das
Croas, seria o marco divisório entre a vila e a fazenda, antes do rio localizava-se a fazenda, do
outro lado do rio, seria o então vilarejo.
A autora Joana do Céu Régis (2011), buscou em sua dissertação, compartilhar
memórias de idosos que remontam a história da cidade de Janduís-RN, pouco a pouco sendo

37
desvelada, com tais problemáticas, como eles recordavam? Por quê? E quais as circunstâncias
nas quais eles o faziam? A base do trabalho parte da representatividade das memórias dos
idosos de Janduís, que recordam acontecidos do passado, como o momento de socialização
nas feiras livres, hábitos familiares, e que tinham a mesma característica em comum: terem
vivido em Janduís. Régis (2011), em sua pesquisa elenca dados sobre as mudanças de
nomenclaturas, na qual ela vai dizer que:

Esse itinerário histórico põe em evidência as motivações que levam os


políticos a denominarem as cidades. Referimo-nos a esse tema para explicar
o tempo em que depois de Vila São Bento, a atual Janduís se chamou
Getúlio Vargas (1938-1943). Quando perguntamos aos sujeitos recordadores
da cidade sobre a vila São Bento ter sido chamada de Getúlio Vargas,
nenhum deles soube explicar a razão para tal. Assim, recorremos à escassa
referência bibliográfica local, (SEMED, 2005), remetendo-o ao contexto
político nacional e (estadual), para a sua explicação, descobrimos que a
então vila, foi alçada à condição de distrito, em 1938, em plena era
Vargas(1930-1945). À época, o Rio Grande do Norte era governado pelo
interventor Rafael Fernandes Gurjão, (nomeado pela ditadura varguista),
permanecendo no cargo de 1937 a 1943. Nesse período, o Estado,
especificamente a cidade de Mossoró, recebeu a visita do Presidente Getúlio
Vargas, ocasião em que o governante visitou o munícipio de Caraúbas, no
dia 14 de setembro de 1933, à época sob a administração do Prefeito Jonas
Gurgel (1930-1935). Contudo, mais importante que a denominação Distrito
Getúlio Vargas (1938-1943), foi a assunção de vila à condição de distrito,
passando a ser denominado Distrito de Janduís, pelo decreto de lei estadual
n°268, de 30-12-1943, condição em que permaneceu até 1962, ano que
ocorreu sua emancipação política do munícipio de Caraúbas e o seu
consequente desdobramento territorial preservando-se a atual denominação,
por meio do Decreto-Lei n° 2.746, datado de 1° maio de 1962, instituiu o
distrito com a sede e a divisão territorial, com o ato de criação assinado pelo
então vice-governador Monsenhor Walfredo Gugel, sendo o governador da
época o Sr. Aluízio Alves. (RÉGIS, 2011).

A autora acima citada remonta, em sua pesquisa, dados históricos e pertencentes ao


contexto político da primeira metade do século XX. Período em que a então Vila São Bento,
passa a constituir-se em Distrito e a ser nomeada por Distrito Getúlio Vargas. Os
desdobramentos apontados por Régis (2011) mostram que o atual município de Janduís teve
seu processo de emancipação, desmembrando-se da Cidade de Caraúbas, em maio de 1962.
Por meio do decreto de Lei 2.746.
O professor Cácio Santos, em seu depoimento, esclarece estes processos de mudanças
territoriais e de nomenclatura, especificando as datas e nomes. Nessa avaliação, também se
38
constatou que, segundo o entrevistado, o nome “Janduís” teria sido mudado em 1943, e que
seria em homenagem aos índios Janduís. “De lá pra cá o nome permanece em homenagem aos
índios da tribo de Janduís e em especial aqui ao chefe guerreiro que seria Nanduí, que aqui a
gente tem grande referência nessa questão histórica aqui da nossa cidade”.
É perceptível a partir da narrativa acima, que existem ressonâncias de um passado
indígena, que permanece presente enquanto referência cultural da Cidade. O nome da Cidade
de Janduís está relacionado a uma homenagem de cunho positivo, e que exalta a cultura de um
grupo de índios, e que os janduienses acreditam que estes já passaram por aquele território.
Nesse sentido, há uma ligação entre o grupo indígena homenageado e as referências históricas
na atual cidade de Janduís. Corroborando essa visão, segue-se a entrevista:

P: Então o senhor acredita que existe uma relação que o nome é simbólico e
homenageia esses índios que por aqui habitaram? Mesmo que de passagem?
ACS: Sim. O nome ele é porque ele é Janduís, ele é uma homenagem ao
índio Nhanduí. Que significa ema ligeira, pequeno, corredor, veloz. Então
esse nome Janduís é tanto homenagem a própria tribo que passava aqui,
mesmo que fosse ponto de descanso, mas eles tinham um vínculo com
Janduís, como um ponto, que eles estavam cansados e um ponto estratégico.
De descanso deles, desde a questão do rio, acredito que desde a questão da
agricultura que tem por perto. Da questão para alimentação. Então Janduís
vem para homenagear tanto a tribo dos índios, mas em especial Nanduí. E na
nossa bandeira aparece o símbolo, que aí eu acho importante dizer, que é o
símbolo da ema, que o símbolo da ema quer dizer que ali é a presença
mesmo da simbologia da ema quanto ave, mas do chefe Nanduí. Que Nanduí
quer dizer ema veloz, pequeno, corredor. Então na nossa bandeira a gente faz
essa alusão a esse chefe Nanduí, que seria o grande homenageado
(SANTOS, 2018).

Ao ser indagado acerca da relação entre o significado da nomenclatura de “Janduís”, e


a relação com o grupo étnico Janduí, o entrevistado aponta indícios de que o nome seria uma
homenagem ao cacique do grupo, denominado por Nhanduí. Que tem como significado: ema
ligeira, veloz, pequeno e corredor, com isto, o significado Janduís, estaria ligado não só ao
grupo indígena, que tinha como local de descanso o território da atual cidade, como também
ao cacique de seu grupo Nhanduí. O recordador afirma que, o território de descanso desse
grupo era também um local estratégico, pois era um local que eles escolhiam para o descanso
devido o Rio das Croas6 que era utilizado para alimentarem-se, por isso, era um local
estrategicamente escolhido para o descanso em seus longos percursos.

6
O Rio das Croas, a qual o professor Cácio Santos, refere-se ao Rio que dividiu no passado a Fazenda São Bento
Velho, de pertencimento, do Sr. Vicente Gurgel do Amaral e a Vila São Bento. Esse Rio é reconhecido por seu
marco divisório entre o Rural e o Urbano.
39
De acordo com o narrador, e o mesmo ressalta com veemência, a importância das
simbologias da atual bandeira da cidade. Na qual, tem-se o símbolo da ema que representa
não somente a ave, mas o chefe Nhanduí. O significado da palavra Nhanduí, quer dizer
pequeno, corredor; então, o mesmo afirma que a bandeira da cidade faz alusão
metaforicamente ao chefe Nhanduí, sendo homenageado de forma expositiva na bandeira da
Cidade. A seguir mostraremos a bandeira de Janduís, para analisarmos o principal elemento
caracterizado na mesma, à ema.

Figura 2: Bandeira da cidade de Janduís-RN, 2018

Fonte: Valdécio Fernandes Rocha

A atual bandeira da Cidade de Janduís é composta por elementos que caracterizam sua
história e reforça sua identidade cultural, o elemento central, metaforicamente representado
pela ema, é o símbolo que reconstrói o seu passado indígena na imagem metaforicamente
utilizada do animal. A ema faz alusão ao Chefe do grupo étnico Janduí, que segundo Cácio
Santos, cujo significado, já dissemos anteriormente, Como podemos observar, a ema é a
representação de mais destaque dentre os demais elementos da bandeira, mesmo havendo
outros símbolos que remetem à história da Cidade, como o símbolo do algodão que faz
referência à fazenda de gado e algodão (São Bento Velho), pertencente a família Gurgel que
a posteriori doaria terras para a fundação de Janduís. Assim, segundo Halbwachs (1950):

Assim, quando retornamos a uma cidade onde estivemos anteriormente,


aquilo que percebemos nos ajuda a reconstituir um quadro em que muitas
partes estavam esquecidas. Se o que vemos hoje tivesse que tomar lugar
dentro do quadro de nossas lembranças antigas, inversamente essas

40
lembranças se adaptariam ao conjunto de nossas percepções atuais
(HALBWACHS, 2006, p.25).

A compreensão abordada por Halbwachs (1950), em sua obra póstuma Memória


Coletiva (2006), é entendida no sentido que a memória individual contribui para a
composição da memória coletiva de uma sociedade. Para o mesmo, a memória é composta de
lembranças, que são construídas com base no meio em que são vivenciadas. Sendo assim, a
memória está atrelada ao conjunto de percepções de quem a guarda.
A lembrança individual estudada pelo teórico é ressaltada e significada, a partir das
lembranças de outras pessoas que também compartilham das mesmas. Para o mesmo, as
pessoas nunca estão a sós, e sempre compartilham de vivências e lembranças, que ao serem
rememoradas, terão intensidades distintas, mas, que serão guardadas pelas lembranças de
outras pessoas que compõem o mesmo meio social.
As memórias narradas pelos recordadores janduienses, são reconstruídas por meio de
lembranças de pessoas que compõem um mesmo grupo, mesmo que aparentemente essas
memórias pareçam individuais, as mesmas remetem-se a um grupo especifico, a cidade de
Janduís. Para tal entendimento, buscou-se compreender como essas diferentes pessoas, de
diferentes segmentos sociais, guardavam suas memórias, e de que forma essas interagiam na
sociedade; ressaltando que o indivíduo carrega em si lembranças e estas são parte de um
grupo.
Nesse sentido, passamos a entender a relação entre recordador, suas memórias e seu
lugar de memória. Buscamos compreender em Ser (tão) indígena, a relação de espaço
socialmente construído, sujeitos que habitam no mesmo e suas características culturais por
meio das memórias. Retratando o sertão como um lugar aberto à preservação da identidade
indígena, ao estudarmos especificamente a cidade de Janduís e suas memórias, é perceptível
que o sertão onde se localiza a cidade, é um lugar que guarda em suas memórias,
reminiscências de grupos étnicos que tiveram suas histórias silenciadas, mas que resistem à
ausência de escritos e permanecem vivos por meio das memórias que guardam e transmitem a
diferentes gerações. Pensar sertão é também analisar suas diversas identidades, dentre as tais,
as identidades indígenas.

3.3. O (ser) tão indígena

Define-se sertão como interior, região agreste, lugar recôndito, numa relação
dialética com o litoral, estabelecendo uma alteridade espacial do colonizado em

41
contraposição ao território do poder e do padrão cultural, mas também traduzindo
força imagética, de sentimentos e de sentidos, manifestada em diversas formas de
expressão artística (NEVES, 2003, p. 153).

Almejando aventurar-se sobre os desdobramentos conceituais acerca do sertão, é


indispensável fazermos um levante histórico a respeito das metamorfoses de concepções e
(Re) escrita de sentidos, que se vem produzindo, acerca das percepções de sertão. Para tanto,
buscaremos entender esse espaço territorial e imagético, como um lugar de construção e
preservação da identidade indígena; um sertão construído no plano cultural, que abriga
tradições, identidades e memórias.
Nessa perspectiva, o espaço territorial e cultural estudado, será o sertão construído
pela fala dos próprios sujeitos históricos, que culturalmente é aberto à recuperação da
identidade indígena no século XXI. Pensando o espaço, como lugar de ressignificação da
cultura indígena e preservação cultural da memória.
O estudioso do conceito de sertão, Erivaldo Fagundes Neves (2003), faz uma análise
histórica do conceito utilizado para a construção espacial e cultural. Para tal análise, o mesmo
inicia a sua discussão, na perspectiva de se pensar o sertão como referência espacial e
sociocultural. Para a análise do conceito o mesmo vai dizer que:
Durante a ocupação e povoamento da América portuguesa, sertão expressou
fronteira da colonização, campo de atividades bandeirantes, lugar onde se
procuravam minérios e guerreavam-se contra os índios, degolando os
homens e escravizando mulheres e crianças (NEVES, 2003, p. 154).

Segundo Neves (2003), o sertão no período de ocupação da América Portuguesa tinha


a função de fronteira da colonização, lugar onde se buscava mineração e guerreavam com
índios, escravizando mulheres e crianças indígenas e matando os homens. Com o avanço da
colonização para o interior, surge uma alteridade entre colonizador e colonizado, o avanço da
ocupação no interior se deu em final do século XVIII, e com isto definiu-se uma nova
alteridade entre sertão e litoral. O sertão, o espaço do outro, que seriam constituídos por
negros, indígenas, vaqueiro e tropeiros, enquanto o litoral era sinônimo de desenvolvimento,
território de poder, lugar de ocupação portuguesa.
No século XIX, a partir dos estudos do autor citado acima, o sertão toma outro
significado que o define enquanto espaço e suas características. O primeiro sentido atribuído
ao sertão é o de local de clima semiárido, articulado à pecuária (criação de gado). Entendido
também como local de habitação social, sendo sua geografia associada às práticas culturais.

42
Pensar o sertão enquanto espaço, é pensá-lo também às suas subjetividades sociais. O
imaginário de sertão, a partir da descrição de cronistas da época expressava a ideia de que o
sertão seria o espaço do interior, pouco povoado e distante do litoral. Diante desta dicotomia,
sertão e litoral, a sociedade brasileira se configura entre a dialética do progresso e do atraso,
atribuindo ao sertão e ao litoral, características distintas. Assim, para Neves (2003) há uma
generalização do conceito de sertão, sendo este caracterizado por:

Generalizou-se o conceito de sertão para vasta área do interior brasileiro que


expressa pluralidade geográfica, social, econômica, cultural, equiparando-se
a ideia de região, exposta como espacialização destacada num continente,
país ou subunidade setorial de poder, caracterizada pelas relações sociais e
de trabalho, condições materiais, recursos ambientais, natureza do que
produz, espécies de bens comercializados, formação étnica, manifestações
culturais. Como categoria analítica da divisão espacial, sertão exprime
condição de território interior de uma região ou unidade administrativa
interna (NEVES, 2003, p. 157).

A generalização do conceito de sertão é abordada pelo autor, de forma que o sentido


de “sertão” é expresso como vasta área do interior brasileiro, na qual há uma pluralidade
social, geográfica, econômica e cultural caracterizada como região. O sertão é visto como um
recorte espacial em determinados territórios, caracterizado por seus recursos ambientais, sua
natureza e suas manifestações culturais. Portanto, entende-se por sertão o território interior de
uma região ou unidade administrativa, em geral, que apresentasse o conjunto de
características geográficas e culturais semelhantes. Sendo por sua vez, associado a vários
territórios que possuíam mesma caracterização geomorfológicas e culturais.
O sertão como imaginário cultural, é evidenciado pelo autor, segundo a afirmação de
antecedência sociocultural, que exprime sentimentos e sentidos, construídos ao longo de sua
história. O autor considera o sertão por dois vieses, o geográfico e o cultural. Sendo as
músicas sertanejas parte dessa cultura, e que se expande para os demais estados como uma
marca característica da mesma.
Janaina Amado (1995), também estuda o conceito de sertão sob o viés cultural. Em
consonância com o pensamento da mesma, o sertão tem um lugar importante na literatura
brasileira. Ao investigar historicamente o conceito de sertão a autora retorna ao sentido dado a
sertão no século XVI, período colonial, para entender a historicidade do conceito, a mesma
considera o sertão como:
Sertão, designava não apenas os espaços interiores da Colônia, mas também
aqueles espaços desconhecidos, inacessíveis, isolados, perigosos, dominados

43
pela natureza bruta, e habitados por bárbaros, hereges, infiéis, onde não
havia chegado as benesses da religião e da cultura (AMADO, 1995, p.149).

Para a autora, o sertão no século XVI, designava espaços desconhecidos, os quais não
haviam sido adentrados pela colonização portuguesa. Estes espaços eram habitados por
indígenas, que eram estereotipados como seres “bárbaros” por não fazerem parte da cultura
portuguesa; “hereges”, pois não comungavam da religião católica (“religião oficial de
colonização”), e eram tidos como seres sem “cultura” pela visão eurocêntrica. Pensar o sertão
à época é pensá-lo como um constructo social, definido pelos olhares dos colonizadores,
como também entendê-lo em oposição ao litoral. Lugar este, o qual era ocupado em oposição
ao sertão que era tido como um espaço “vazio”.
Para o colonizador, o sertão constituiu o espaço do outro, um espaço desconhecido,
um espaço de alteridade. E partindo dessa diferenciação entre o litoral e o sertão, o europeu se
definiu enquanto identidade. O sertão, por vezes, rico em diferentes sentidos, ao mesmo
tempo em que representava lugar perigoso e rico em mortandade, era também, um lugar
desejado pelos dirigentes das capitanias. Era também um lugar predestinado ao degredo
daqueles que haviam sido relegados aos seus serviços prestados à coroa portuguesa. A seguir,
o sertão como espaço de liberdade:
Para alguns degredados, para os homiziados, para os muitos perseguidos
pela justiça real e pela Inquisição, para os escravos fugidos, para os índios
perseguidos, para os vários perseguidos, para os vários os vários miseráveis
e leprosos, para, enfim, os expulsos da sociedade colonial sertão
representava liberdade esperança; liberdade em relação a uma sociedade que
os oprimia, esperança de outra vida melhor, mais feliz (AMADO, 1995,
p.150).

Para autora citada acima, o sertão é também no século XVI, um lugar que representava
liberdade para todos aqueles que eram perseguidos/excluídos da sociedade vigente, entre eles
estavam: escravos fugidos, índios perseguidos, miseráveis e leprosos. Assim, para estas
pessoas, o “sertão” representava liberdade, e ao serem expulsos da sociedade colonial, fugiam
para o sertão em busca de uma sociedade que não os oprimissem, buscando nos sertões, uma
vida melhor.
Segundo Janaina Pires Ferreira (2004), definir a etimologia de uma palavra pode ser
uma armadilha, uma vez que se corre o risco de entrar em fanatismo. Ocorre o mesmo com o
conceito sertão, pois, o conceito perde-se em seus variados sentidos, permanecendo tão
indefinido e ilimitado em seu significado.
44
É no sertão que se preserva identidades, constroem significados e rememoram suas
raízes socioculturais. Nesse sentido, buscamos em nossa narrativa entender o sertão onde fica
localizada a cidade de Janduís, em seus mais amplos sentidos e identificações. Por meio de
vestígios de memórias preservadas pelos janduienses, o sertão se (re) descobre enquanto
espaço social e cultural aberto à preservação da identidade indígena. Nesse sentido, buscamos
investigar fatos a partir das histórias e memórias preservadas, que associam Janduís ao seu
passado indígena, e entender de que forma essa identidade é preservada, quais são os lugares
de memórias, quais delas são preservadas, como elas são passadas de geração em geração
pelos janduienses.
O (Ser) tão indígena constitui a rememoração de um sertão, que guarda em suas
memórias reminiscência de um passado indígena. Dessa experiência, por meio da memória
das pessoas de Janduís, buscamos (re) contar e (re) significar narrativas sobre as memórias
indígenas, que compõem a tradição oral e cultural da cidade. Falar sobre as memórias
indígenas é antes de tudo um ato político, que nos leva a ter outras percepções acerca dos
índios, é também não deixar cair em esquecimento, e trazer para a história de Janduís sua
identidade cultural.
Para Nora (1993), a memória é transportada do passado para o presente. Os lugares de
memórias são onde consagramos e resguardamos nosso passado. Se a memória não caísse em
esquecimento não haveria motivos para a consagração de seu lugar. Então, não haveria
lugares, por que não teríamos memórias transportadas pela história. O lugar de memória é o
lugar de consagração do passado no presente, é a necessidade de uma referência para se
lembrar da história que passou há tempos.
Partindo da perspectiva conceitual utilizado por Nora (1993), os narradores remontam
a história indígena a partir das lendas que perpassam de geração em geração, reconstruindo e
preservando lugares de memórias que representam a consagração do passado no presente.
Utilizaremos do estudo das lendas indígenas que compõem o imaginário cultural das
memórias dos narradores, como a lenda da “ Pedra da Lua” e a lenda da “Pedra do índio”.
Para tal, buscamos entender quais os lugares de memórias rememorados, e onde é preservada
a identidade cultural indígena da cidade de Janduís:

P: Professor, o senhor poderia me falar mais sobre essa lenda? O que é?


Como as pessoas a guardam? Como era ela?
ACS: essa lenda, ela é assim. Antigamente pouquíssimas pessoas falavam
sobre essa lenda, mas aí foi surgindo um grupo de pessoas que sempre estava
indo nesse local próximo ao rio Adequeon, que tem uma pedra lá, que é
chamada Pedra da Lua. E com essas visitas, dessas pessoas, essas pessoas
45
começaram a falar Pedra da Lua, Pedra da Lua, tem uma lenda. E foi feita
uma pesquisa. Junta a pesquisa, pessoas de Janduís, da nossa cidade. Pessoas
mais experientes, pessoas de idade mais avançadas, quando descobriu que lá
seria o local onde teria acontecido toda história de amor entre dois indígenas.
Eles seriam de tribos rivais, mas em certo dia teriam se encontrado e naquele
primeiro encontro, segundo a lenda, teria acontecido um flerte deles. Teriam
flertado e eles já teriam se apaixonado. Mas os seus pais por conviverem em
brigas constantes, né. Que eram de outras tribos não aceitaram o namoro,
mas eles ficaram alimentando e até que um dia eles tiveram coragem e
fugiram. Fugiram e aqui onde é a Pedra da Lua hoje, onde temos um cuidado
muito grande. Tem visitas, os alunos vão pra lá. Esse local seria, seria o local
que eles, escolheram para se esconder de seus pais, da tribo. Então, se
esconderam aqui, só que viveram aqui, viveram nas margens do rio
Adequeon, tava vivendo em harmonia em questão do amor entre os dois.
Mas o deus Tupã não teria gostado dessa, vamos dizer, dessa ofensa. O amor
deles seria uma espécie de ofensa, então, teria jogado um raio. Esse raio não
atingiu os índios, o casal de índios, atingiu a pedra. Essa pedra o seu formato
era redonda, uma espécie de uma lua cheia. A lenda diz que quando eles se
conheceram, estava numa lua cheia. Então, quando eles chegaram aqui e
viram a pedra, aquele cenário natural, teriam remetido as lembranças do dia
do primeiro encontro. Então eles passam a morar la, e esse raio parte a pedra
ao meio. Então lá tem um canto, um ponto x que quem fica e fotografa vê
que a pedra de fato que seria uma completa, em forma mesmo da lua cheia e
no determinado ponto que a gente faz a fotografia, é como se fosse um
quebra cabeça se você fizer mentalmente um cacho, você tem bem
direitinho. Então, partiu da visita do povo lá, sem nem mesmo saber da lenda
e o próprio nome Pedra da Lua foi, é quando como ponto de visitação até ser
feita essa pesquisa pra se chegar a lenda da Pedra da Lua. Que é falando do
amor de dois jovens índios que moravam na região que se esconderam aqui,
ou seja, mais uma vez o Janduís aparece não como ponto que eles tinham
tribos (SANTOS, 2018).

Ao ser indagado sobre uma das lendas indígenas que compõem o imaginário cultural
da cidade, o professor rememora e narra a história de amor sobre dois índios, conhecida como
a lenda da “Pedra da Lua”. Segundo o mesmo, a lenda da “Pedra da Lua” passou a ser contada
a partir de uma pesquisa feita por pessoas que tinham curiosidade de sabê-la. Por meio da
pesquisa feita com algumas pessoas idosas e de certa experiência, descobriram que lá havia
sido palco de uma história de amor. O nome da lenda “Pedra da Lua”, faz menção a um local
próximo ao Rio das Croas, onde existe uma pedra com o formato de uma lua. Para Nora
(1993):
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta a dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
de revitalizações (NORA, 1993, p.9).

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Pierre Nora (1993), ao discutir sobre o conceito de memória afirma que a mesma
pertence sempre aos grupos vivos, nesse sentido está em permanente evolução, possibilitando
ser esquecida ou lembrada no decorrer dos anos. A memória é inconsciente de suas formas e
deformações, é vulnerável a usos e manipulações, pode ser guardada a longos períodos e
reconstruída repentinamente. A memória é antes de tudo, vida, um elo vivido sempre no
presente. O autor também discute o conceito de história, em contraposição ao significado de
memória:

A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não


existe mais. A memória é sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a
história, uma representação do passado. Porque é afetiva e mágica, a
memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de
lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes, particulares ou
simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras ou projeções
(NORA, 1993, p.9).

Nora (1993), ao discutir a dialética entre história e memória, entende que a história
toma sentidos e significados diferentes da memória. A história busca o resgate de uma
problemática que não mais existe, entretanto, a memória é um elo vivido entre o passado no
presente, a memória é afetiva e não se prende somente a detalhes, ela se alimenta de
lembranças particulares e sensíveis a cada recordador. A memória é por natureza, múltipla,
coletiva, individual e plural. Já a história é a representação do passado, sendo uma operação
intelectual e crítica que demanda a análise do discurso.
A memória se enraíza no concreto, no espaço no gesto, na imagem no objeto. Nas
memórias que reconstroem o passado indígena de Janduís, há sempre uma relação entre o que
é representado e os lugares de memórias que consagram as lembranças. Assim, a lenda
rememorada diz que no local onde está a “Pedra da Lua” foi no passado um local de encontros
amorosos entre dois indígenas. Para Nora (1993) se habitássemos ainda nossa memória, não
teríamos necessidade de consagrar lugares, pois não haveria memórias transportadas para a
história.
O narrador ao rememorar a lenda indígena que remete ao lugar específico, o lugar de
memória, no qual ocorreu a lenda indígena por ele relatada, discorre que a pedra seria um
local de encontro entre dois indígenas de “tribos” rivais, que escolheram a pedra para ser um
local de encontros às escondidas de seus país e de sua “tribo”. O recordador também relata
que o Deus “Tupã” não teria gostado dessa ofensa, e então teria jogado um raio para partir a
pedra e “Esse raio não atingiu os índios, o casal de índios, atingiu a pedra. Essa pedra tinha o

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seu formato redondo, uma espécie de uma lua cheia. A lenda diz que quando eles se
conheceram, estava numa lua cheia” (SANTOS, 2018).
Segundo Cácio Santos, a lenda diz que o casal de índios, ao chegarem ao local,
associou a pedra ao primeiro encontro que seria numa noite de lua cheia, e ao chegar na
“Pedra da Lua” teriam se lembrado do dia em que se conheceram, e então passaram a morar
no local. O mesmo reforça que a atual Cidade de Janduís, seria novamente um local da
presença indígena, pois, inicialmente Janduís aparece como local estratégico para descanso, e
a posteriori é seria um local de encontro amoroso entre estes indígenas. Mostremos abaixo
uma fotografia para materializar o local da lenda indígena da “Pedra da Lua”.

Figura 3: Pedra da Lua, localizada no Município de Janduís-RN

Fonte: Valdécio Fernandes Rocha.

A Pedra da Lua localiza-se próximo ao rio que banha a cidade de Janduís, o Rio das
Croas. Ao vermos a imagem acima notamos o que foi narrado pelo entrevistado, o professor
Cácio Santos, que a pedra na qual abriga a lenda indígena é partida ao meio, assim como diz a
lenda. Para Nora (1993), os lugares de memórias são estudados em três sentidos: o material, o
simbólico e o funcional, simultaneamente. As lendas indígenas apresentam esta
caracterização descrita na teoria de Nora (1993), apresentam-se em espaços materiais, como a
Pedra da Lua, tornando-a um lugar propriamente da memória. Esta memória pertence ao

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coletivo sendo guardada nesse lugar especifico o lugar só se torna simbólico se for revestido
de memórias, ou seja, se para as pessoas significarem algo e a relacionarem com o material.
O nosso quarto entrevistado, o professor Walace Rodrigo Lopes da Silva, é atualmente
docente da rede estadual de ensino, tem sua formação em História pela Universidade Estadual
do Rio Grande do Norte (UERN), possui pós-graduação (especialização) Latu Sensu em
Políticas Públicas de Igualdade Racial na escola, pela Universidade Federal Rural do
Semiárido (UFERSA) e atualmente é mestrando em Ensino de História (ProfHistória) pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Buscamos analisar a entrevista cedida
pelo professor Walace Rodrigo, na perspectiva de entender outros lugares de memórias
indígenas na cidade de Janduís.. Para tal, o professor fala sobre a lenda da “Pedra do Índio”:

P: O senhor já ouviu falar de alguma lenda indígena da cidade? Se sim, me


fale sobre.
WRLS: Sim, como eu falei no início quando era estudante do ensino
fundamental, os meus professores falavam muito de duas lendas que me
recordo que era, que era, acho que a maioria dos meninos da minha geração
também ouviram a mesma coisa da lenda da Pedra da lua e da Pedra do
índio, são as duas mais famosas que são contadas nas escolas, nessas épocas,
nessas datas comemorativas. Que dizia, por exemplo, que a Pedra do índio, o
relato que me chegou, que houve um conflito aqui pertinho, acho que um 1
km e pouco daqui da cidade e que um guerreiro foi ferido com uma fecha,
com uma lança e lá permaneceu seu sangue, que escorreu na pedra e que
permanece até hoje. Essa é uma lenda que os meninos ainda visitam, vão
visitar, embora se saiba que talvez nem seja, talvez seja resquícios minerais
saindo da pedra (SILVA, 2018).

Ao ser indagado sobre as lendas indígenas, o professor Walace Rodrigo, afirma já ter
ouvido sobre essas lendas quando o mesmo era aluno do ensino básico em Janduís. Essas
lendas, segundo o narrador, eram estudadas no ambiente escolar, e afirma que não só ele, mas
outros meninos da mesma faixa etária que eles também ouviam essas histórias. As duas
principais lendas indígenas rememoradas por Walace Rodrigo, foram as da “Pedra da Lua” e a
da “Pedra do Índio”, o professor afirma que estas são as mais conhecidas na cidade e que
geralmente são trabalhadas em datas comemorativas.
Mostraremos abaixo a imagem da Pedra do Índio, localizada no Munícipio de Janduís,
com o objetivo de materializar o local de memória relatado pelo recordador, o professor
Walace Rodrigo. O exercício de rememoração faz com que as pessoas busquem
pertencimento ao que se é lembrado, ao refletir sobre si e sobre as lendas indígenas, o
professor Walace é tocado por um sentimento de identidade que foi vivido coletivamente no
passado.
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Figura 4: Pedra do Índio, localizada no Munícipio de Janduís

Fonte: Valdécio Fernandes

A lenda da “Pedra do Índio” relatada pelo professor consiste em um conflito que


aconteceu a pouco mais de um quilometro da cidade, e que diante deste conflito, um guerreiro
indígena acabou sendo ferido por uma flecha, e na pedra escorreu seu sangue, que segundo o
mesmo, permaneceu até os dias atuais. O entrevistado afirma que atualmente, os alunos vão
até a pedra para fazer visitações escolares, e que essas histórias indígenas são contadas aos
mesmos. O mesmo faz uma ressalva, que talvez não seja mesmo o sangue indígena, e que
provavelmente seja resquícios de minerais saindo da pedra. O mesmo continua narrando suas
experiências enquanto estudante ao visitar esses locais de memórias:

WRLS- Estou aqui num local que passaram índios, que viveram. Caiu
sangue na pedra, realmente viveram, agora eu tô sentindo isso de perto, da
minha identidade, na minha cidade. Agora eu tô entendendo porque
homenagearam a minha cidade com nome de Janduís. Era assim que a gente
se sentia. Outra lenda é a famosa Pedra da lua, dizem que, o que eu ouvi que
ainda lembro é que por lá se visitava muito um casal de índios namorados e
essa pedra foi partida ao meio por um raio, uma espécie de castigo de um
deus indígena. Então um local que nós também visitávamos e nós sentíamos
maravilhados enquanto crianças em tá ali, em ouvir aquelas histórias, que e
também pertinho daqui da zona urbana, cerca de 1 ou 2 km distantes da
cidade, dava pra irmos, dá pra irmos caminhando a pé. Atravessando aí o rio
que circuncida a nossa cidade. Essas são as duas principais que cresci
ouvindo e ainda é, ouço por aí alguns jovens ainda relatarem. Então elas não
se perderam, apesar de todas as dificuldades que eu relatei, as tecnologias,
das escolas trabalharem só de modo pontualmente, elas ainda estão presentes
no cotidiano, esses meninos conseguem ouvir, conseguem recontar um
pouco dessas lendas, desses povos indígenas da região (SILVA, 2018).

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O narrador rememora seu passado, para buscar em suas experiências os sentidos, os
quais lhe foram passados quando ainda estudava o ensino básico em Janduís, ao visitar o local
onde fica localizada a pedra do índio, o professor revive seu passado, ao afirmar que quando
criança ao visitar a “Pedra do Índio”, acreditava que era um local onde os índios passaram e
que se sentia perto do passado indígena, e com isso, aproximava-se da identidade da cidade
em que havia crescido. É perceptível na fala do professor Walace Rodrigo, o sentimento de
pertencimento. A pedra deixa de ter apenas sua característica geomorfológica e passa a
significar uma simbologia materializada de um passado indígena.

Para Nora (1993), os lugares de memórias nascem e vivem nas memórias espontâneas
e por ser vivida no interior, necessitam de espaços que a legitimem enquanto materialidade. O
que percebemos a partir da narrativa do recordador, é que as lendas indígenas ganham espaços
ao ser visitadas, gerando com isso, um sentimento de pertencimento, a pedra torna-se,
portanto, um lugar de memória. Há uma simbologia atribuída à pedra, que se materializa
quando se visita.
Michel Pollak (1992), busca por meio dos seus estudos, entender a relação entre
memória e identidade social. Este por sua vez, fala de dois elementos constitutivos da
memória individual e coletiva que são: os acontecimentos vividos pessoalmente e os
acontecimentos vividos por “tabela”. Os acontecimentos vividos pessoalmente acontecem de
forma direta, já os acontecimentos vividos por “tabela”, para o autor, são fatos vividos pelo
grupo ou pela coletividade, à qual a pessoa acredita pertencer. São acontecimentos em que
não necessariamente a pessoa vivenciou, mas no imaginário tomaram tamanho significado
que no fim é impossível saber se ela vivenciou ou não.
O nosso terceiro entrevistado, o professor Valdécio Fernandes Rocha, é docente da
rede municipal de ensino da cidade de Janduís desde 1985. O mesmo também participou do
projeto “Recriança” na cidade. É natural da zona rural de Janduís, possui graduação em
Pedagogia e Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Problematizamos a narrativa do professor Valdécio Fernandes Rocha, para pensarmos
como Janduís guarda em sua identidade e nas suas memórias, reminiscências de um passado
indígena, pois assim como a “Pedra da Lua” e a “Pedra do Índio” existem outras lendas que
compõem o imaginário cultural dos narradores. O professor Valdécio Fernandes, conhecedor
da cultura e identidade de Janduís, nos contou com veemência, como essa identidade é
guardada nas memórias da cidade. Abaixo, o mesmo conta que:

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P: Você acredita que Janduís, guarda essa identidade indígena em suas
memórias?
VFR: Em alguns aspectos sim. Porque como essa questão cultural, porque
você, por mais que a imprensa, a cultura elitista se apresente, mas o que é da
raiz mesmo, ela vai se apresentando em uma coisa ou outra porque, não no
traço físico das pessoas porque fisicamente nós não temos muita essa
questão física do traços indígena não. Mas em algumas coisas a memória
indígena ela ainda prevalece. Eu diria nessa questão da alimentação, na
questão de alguns costumes como dormir de rede e na questão da
solidariedade. Porque o índio se ele tem esse aspecto solidário, a
comunidade de Janduís também tem essa forma solidaria. Porque se você, tá
todo mundo aqui, mas se acontece algo que precisa todo mundo se juntar em
prol daquilo, então, todo mundo tá junto ali. Então, acho que isso tem a ver
com essa questão da memória, de você trazendo dessas raízes (ROCHA,
2018).

O professor Valdécio Fernandes, ao ser entrevistado demonstrou bastante interesse em


discorrer sobre a história indígena de Janduís. O mesmo ressaltou a importância de se
pesquisar sobre a cultura indígena, já que, a História pouco fala sobre esse assunto. No
percurso da entrevista, ao ser questionado sobre Janduís, sua cidade natural e a identidade
indígena, o narrador afirma que a cidade ainda preserva, de certo modo, a sua identidade
indígena. Ao tratar sobre identidade, Michel Pollak (1992), afirma que:

Nessa construção de identidade - e aí recorro à literatura da psicologia social,


e, em parte, da psicanalise – há três elementos essenciais. Há a unidade
física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras físicas, no caso do copo da
pessoa, ou fronteiras de pertencimento ao grupo, no caso de um coletivo; há
a continuidade dentro do tempo, no sentido físico da palavra, mas também
no sentido no sentido moral e psicológico; finalmente há o sentimento de
coerência, ou seja, que os diferentes elementos que formam um indivíduo
são efetivamente unificados. De tal modo isso é importante que, se houver
forte ruptura desse sentimento de unidade ou de continuidade, podemos
observar fenômenos patológicos. Podemos, portanto, dizer que a memória é
um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual como
coletiva, na medida em que ela é um fator extremamente importante do
sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo
em sua reconstrução de si (POLLAK, 1992, p.5).

A memória dos recordadores é construída e pensada pela perspectiva de seu passado


indígena, é, portanto, a memória que liga o sentimento de pertencimento ao grupo. Pollak
(1992) faz afirmações pontuais, em relação ao sentimento de pertencimento a um grupo
especifico, o mesmo fala que a memória, tanto no plano individual como no coletivo é um
elemento extremamente importante para a construção de um sentimento de pertencimento. A

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identidade de um grupo é construída pela imagem de si e dos outros, ou seja, é um conjunto
de características que ligam um grupo, por meio do sentimento de pertencimento.

53
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar as concepções da escrita, proposta pelo lugar social de fala do IHGRN,


significa entendê-las em seu contexto sociocultural, portanto, pensar o lugar de fala e o poder
da escrita. Sendo o IHGB e IHGRN, lugares responsáveis por construir a escrita de uma
memória nacional e que tem o poder de ditar suas representações. A tentativa de construir
uma memória partindo da gênese brasileira é marcada por uma forte exclusão dos demais
segmentos que compõem a sociedade, como os indígenas, sendo assim a caracterizada por ser
uma história feita para significar brancos, europeus e seus feitos.
Os discursos construídos sobre os indígenas pelo IHGRN são, por sua vez, pautados
numa narrativa que privilegia os brancos europeus e exclui os indígenas. Tratando-os como
seres bárbaros, hostis e devastadores de vidas, que, ao analisarmos no contexto de fala, esse
discurso de superioridade de brancos e europeus é uma forma de manutenção de poderes,
fisicamente com a ocupação do sertão, como historicamente com a representação de cunho
depreciativa atribuída aos indígenas.
A história é notavelmente um lugar de poder, que politicamente é utilizada para
manutenção de uma classe elitista, branca e letrada. Recorremos a Foucault (1970), para
pensarmos qual a relação de poder exercida pelo discurso construído politicamente pelos
Institutos Históricos, e é partindo dos discursos que a política exerce seus poderes mais
temíveis, é a partir dos discursos que há uma manutenção do poder, a memória dos grandes
feitos é significada pelo local de escrita que é o IHGRN.
Nossa incursão no universo da pesquisa nos permitiu analisar como eram descritos os
indígenas, que aparecem muito pouco na escrita do IHGRN e quais suas representações.
Assim, percebemos que a caracterização tratada dos indígenas Antônio Camarão e Clara
Camarão, é notadamente à moda europeia. Estes ocuparam um espaço maior nos escritos da
Revista do IHGRN, pois se tratavam de dois indígenas que tinham marcas fortemente
europeias, desde suas vestimentas a sua cultura. A narrativa construída do índio Camarão é a
de guerreiro e lutador a favor da colonização portuguesa, um índio destemido e que lutava
lado a lado com o projeto de colonização. A importância dada aos índios Camarão nos
escritos do IHGRN é para divulgar uma identidade construída, para as demais pessoas
naturais do Rio Grande do Norte.
Desse modo, buscamos através da história oral de pessoas naturais da Cidade de
Janduís, suas memórias e experiências, (re) significar e (re) contar a identidade indígena, que
permanece em alguns aspectos da cidade, como no meu nome e na sua cultura. O vivido e o

54
lembrado construiu o objeto de estudo, trazendo outro olhar sobre os indígenas Janduí.
Através das memórias dos narradores, percebemos que alguns aspectos indígenas são
cultivados no imaginário cultural da cidade de Janduís. As memórias relatadas pela colônia de
narradores pertencem a um mesmo grupo, sendo, portanto uma memória coletiva.
Ademais, também percebemos que, há uma relação que liga os recordadores, suas
memórias e seus lugares de memórias. Compreendemos assim, o sertão indígena, como um
espaço socialmente construído por sujeitos e práticas culturais. O sertão passa a ser entendido
como um lugar de preservação da memória e identidade indígena, ao estudarmos Janduís. O
sertão janduiense, passa a ser um lugar de preservação de reminiscências de um passado
indígena.
Com essas considerações, reconhecemos que o objeto de nossa análise nos levou a
pensarmos como as sociedades se edificam, tanto no âmbito físico como no âmbito social. As
práticas e representações o imaginário e os discursos são constructos sociais que por vezes são
repletos de interesses; as memórias são meios de preservação cultural, resistem fazem parte
do viés cultural de cada sociedade.

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FONTES:

REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO


NORTE. Natal: Typographia D’o Seculo,. v.1, n.1, 1906-1907, p. 6-396.

ENTREVISTAS:
ROCHA, Valdécio Fernandes. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à
aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o
poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de
Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SANTOS, Antônio Cássio. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à aluna
da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o poder da
história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de Janduís e
a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SILVA, Alberto Gomes da. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à aluna
da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o poder da
história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de Janduís e
a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SILVA, Wallace Rodrigo Lopes da. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista
cedida à aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia:
Entre o poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da
cidade de Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).
SOBRINHO, Antônio Estevão. História de Janduís. Janduís, jul. 2018. Entrevista cedida à
aluna da UFRN, Adalgisa Maria Alencar Dutra, para a produção da monografia: Entre o
poder da história e a resistência da memória nos sertões: a construção identitária da cidade de
Janduís e a rememoração de seu passado indígena (Séculos XX e XXI).

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REFERÊNCIAS
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oral. Rio de Janeiro: Fgv, 2004.
_______. Formação da equipe. In: ALBERTI, Verena. Manual de história oral. Rio de
Janeiro: Fgv Editora, 2004. Cap. 2. p. 43-49.
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15, n. 8, p.145-151. 1995.

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