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MACROECONOMIA

Regra de ouro e crise fiscal

José Roberto Afonso Leonardo Ribeiro


Pesquisador da FGV/IBRE e Analista do Senado Federal
professor do mestrado do IDP e especialista em finanças públicas

O prolongado desequilíbrio das inversões financeiras (empréstimos


contas públicas do governo central do setor público) e amortização da
colocou em evidência a chamada dívida, incluindo o refinanciamen-
regra de ouro, até então pouco dis- to da dívida pública.
cutida pelos especialistas em contas Em um cenário fiscal ideal, com
públicas. Prevista na Constituição, a resultado primário superavitário e
regra objetiva limitar o uso de ope- orçamento equilibrado, o ente pú-
rações de crédito realizadas por ente blico utilizaria somente recursos
da Federação para cobrir despesas próprios para custear gastos cor-
correntes. Muitos acreditam que seu rentes e investimentos, sem precisar
objetivo é proibir o setor público de de crédito. Os limites da regra de-
se endividar para bancar gastos de pendem do volume de gastos com
custeio. Mas, no país da criatividade juros, investimentos e inversões
contábil, receitas financeiras atípicas financeira, e do montante arreca-
desvirtuam o espírito da tradicional dado com receitas financeiras. Por
regra de ouro. outro lado, em um cenário de for-
O dispositivo constitucional te desequilíbrio, com persistentes e
veda “a realização de operações de elevados déficits primários, a regra
crédito que excedam o montante de ouro tende a ser descumprida e o
das despesas de capital, ressalva- déficit primário pressiona os limites
das as autorizadas mediante cré- da regra de ouro.
ditos suplementares ou especiais No modelo institucional brasi-
com finalidade precisa, aprovados leiro, a norma constitucional prevê
pelo Legislativo por maioria abso- uma exceção: são permitidas opera-
luta”. As operações de crédito são ções de crédito em montante supe-
a forma como governos captam re- rior às despesas de capital (ou seja,
cursos – hoje no país, somente o para financiar gastos correntes),
Tesouro Nacional pode emitir títu- desde que o Poder Legislativo apro-
los para se financiar, por exemplo. ve a correspondente dotação no or-
As despesas de capital, por sua çamento mediante maioria absoluta
vez, compreendem três categorias dos membros. É natural que o gover-
de gastos: investimentos públicos, no procure evitar depender do parla-

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mento, mas driblar a regra de ouro Tesouro Nacional a financiar des- No ano passado, a regra de
não deveria se tornar uma tentação pesas primárias correntes à custa ouro só foi formalmente respeita-
a qualquer preço. de emissão de títulos: em 2016, da porque o resultado do Bacen
O Brasil se encontra no pior dos por exemplo, R$ 52,2 bilhões de gerou uma receita financeira vir-
cenários. A combinação de forte benefícios da Previdência Social tual que aumentou o volume de
queda na arrecadação federal e cres- foram pagos graças a essa fonte de despesas de capital do orçamento
cimento contínuo das despesas pri- financiamento. federal. Como o limite de endivi-
márias, particularmente salários e Aí surge a questão: como foi damento da regra de ouro depende
benefícios previdenciários, tem obri- possível cumprir a regra de ouro do montante dessas despesas, isso
gado o governo a emitir títulos para em 2016 quando volumes tão ex- ampliou o espaço para financiar o
bancar gastos correntes. pressivos de gastos correntes fo- enorme déficit primário. Isto sem
Desde 2014, o déficit primário ram pagos com recursos de emis- contar que a dívida consolidada
acumulado do governo federal já são de títulos? da União e a sua dívida mobiliária
soma R$ 385,9 bilhões (a preços Em um país onde as leis finan- ainda não tiveram seus limites fi-
de 2017). No período de janeiro ceiras flertam recorrentemente xados pelo Senado e pelo Congres-
a julho últimos, as suas principais com a criatividade, a regra pare- so, respectivamente, como exigido
despesas correntes – Previdência ce que deixou de ser de ouro. No pela Constituição.
e salários – cresceram 7% e 11% orçamento onde o jogo de fontes No caso do Bacen, a Lei no
em relação ao mesmo período do de recursos pode abrir portas para 11.803/2008, mais um legado des-
ano passado, em termos reais. Já a políticas fiscais expansionistas, é trutivo para as finanças públicas da
receita federal primária, líquida de preciso atentar como o resultado era petista, adotou um mecanismo
transferências intergovernamen- semestral do Banco Central (Ba- de transferência de seus lucros para
tais, sofreu queda real de 3,1% na cen) e mesmo a devolução de em- o Tesouro que contraria as melhores
mesma base de comparação. préstimos concedidos ao BNDES práticas contábeis internacionais.
Esse desequilíbrio entre receitas permitem, indiretamente, afrouxar Ela permite que a valorização contá-
e despesas primárias tem forçado o os limites daquela regra. bil do estoque das reservas interna-

Antes da Lei 11.308, de 2008 (9 anos) Após a Lei 11.308, de 2008 (9 anos)

Pagamento efetivo Pagamento efetivo Pagamento efetivo Pagamento efetivo


Ano Ano
(valores correntes) (a preços de 2017) (valores correntes) (a preços de 2017)
2000 0,0 0,0 2000 151,4 249,8
2001 1,4 3,9 2001 47,4 74,9
2002 5,5 14,5 2002 21,8 32,5
2003 25,3 59,2 2003 147,0 206,2
2004 8,0 17,1 2004 46,2 61,2
2005 - - 2005 36,2 45,2
2006 1,0 1,9 2006 123,3 145,0
2007 - - 2007 174,8 185,7
2008 3,2 5,7 2008 42,7 42,7
Total 44,4 102,3 Total 790,5 1,043,3

Fontes: 52- Resultado do Banco Central e SIOP

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cionais no Banco Central seja apu- mentos e inversões financeiras.


rada como lucro do banco sem que O desenho constitucional da regra
ocorra venda de moeda estrangeira De janeiro a julho as de ouro pouco afeta a política fiscal
para tornar financeiro o ganho con- dos governos subnacionais, inclusive
tábil. Pior, tal lucro, mesmo sem ser principais despesas porque estão proibidos de emitir tí-
realizado, é convertido em depósito tulo. Mesmo os espaços para novos
em espécie do Bacen na conta única correntes do orçamento créditos autorizados pelo Tesouro
do Tesouro. foram em volume muito inferior ao
Em 2016, cumpriu-se a regra federal - previdência e montante gasto com despesas de ca-
de ouro no governo federal com pital, que inclui a parcela da dívida
margem de R$ 86 bilhões, ou seja, salários – cresceram, em renegociada. Segundo dados do Si-
as despesas de capital superaram confi, as operações de crédito dos
nesse valor as operações de crédi- termos reais, 7% e 11%, governos estaduais não chegam a re-
to. Por outro lado, a fonte virtual presentar um quarto das despesas de
do Banco Central injetou R$ 116,7 respectivamente capital, na média.
bilhões na conta única para ban- Experiências internacionais en-
car despesas de capital. Sem esse sinam que a regra de ouro é ado-
recurso adicional, o Poder Execu- tada pela Europa, por países mais
tivo teria sido obrigado a solicitar desenvolvidos, como Japão, ou
ao Congresso autorização para ceira. Parte da dívida pública será não, como Costa Rica. Não se
operações de crédito, como exige abatida com os recursos devolvi- trata de uma inovação do modelo
a Constituição. dos, aumentando assim a despesa institucional brasileiro. Mas a nos-
Desde 2009, a preços de 2017, de capital e o limite de endivida- sa versão é muito mais ampla pois
a União já gastou mais de R$ 1,0 mento da regra de ouro necessário envolve o montante das receitas
trilhão com recursos do resultado para cobrir parte do déficit primá- de operações de crédito e o total
do Bacen, conforme tabela abaixo. rio sem aval do Congresso. das despesas de capital. No palco
Uma média de R$ 115,9 bilhões por Os empréstimos ao BNDES, em internacional, a regra geralmente
ano. Antes de 2009, essa média cor- sua origem, como é notório, foram permite operações de crédito para
respondeu a R$ 11,4 bilhões, o que provenientes de emissão de títulos. financiar somente investimentos.
mostra o relevante efeito da Lei no O seu retorno, classificado como Com a crise financeira global de
11.803, de 2008. amortização de empréstimos con- 2008, alguns países, como Reino
Com a valorização cambial, que- cedidos, se tornou uma forma de Unido e Alemanha, abandonaram a
da da inflação e redução da taxa de disfarçar a essência da operação. regra. O Brasil segue o caminho ao
juros Selic, se tornou necessário en- Mais uma vez, a regra de ouro será tentar contorna-la no lugar de discutir
contrar outra fonte para cumprir a violada no lugar de seguir o man- francamente seus efeitos e utilidades.
regra de ouro sem precisar do aval damento constitucional de reco- O país já reconheceu a dificuldade em
do Congresso Nacional. Aqui entra nhecer a disfunção e pedir autori- cumprir metas de superávit primário
em cena o BNDES. zação parlamentar para superá-la. e não somente assumiu, recorrente-
A devolução dos recursos em- A prática não será uma exceção mente, as de déficit primário como
prestados ao banco pelo Tesouro, em 2017 porque o governo federal a elevou recentemente, a pedido do
por fora do orçamento, escondidos vai continuar enfrentando déficits pri- Executivo e aprovado pelo Congres-
pela gestão petista, se enquadra em mários nos próximos anos, conforme so. Melhor seria estender tal política
mais um truque para driblar a re- projeções do próprio Ministério da à regra de ouro do que apelar para
gra de ouro quando ingressa no or- Fazenda. As despesas obrigatórias subterfúgios que acabam minando a
çamento como uma receita finan- continuarão comprimindo investi- credibilidade da política fiscal.

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