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Esse trabalho de Malinowski teve como resultado um pequeno livro com 17 capítulos,
onde - para conseguir cumprir com o objetivo desejado - o autor dividiu a obra em duas partes,
sendo na primeira proposto uma reflexão sobre “a lei e a ordem primitivas” (contendo 13
capítulos) e a segunda é direcionada para o debate sobre o “crime primitivo e sua punição” (4
capítulos). Antes do início da divisão do livro, há uma pequena introdução onde o antropólogo
situa rapidamente o leitor sobre o estado da arte dos estudos da lei “selvagem” e já pontua seu
posicionamento, afirmando que - sobre esse tema - já houve pesquisas desqualificadas
elaboradas por pessoas despreparadas para produção etnográfica (ibdem, p. 12) e que na
modernidade os etnógrafos profissionais cometiam erros metodológicos ao conferirem uma
ênfase demasiada, o que acabava os dando uma noção exagerada do assunto (Malinowski, p.
13).
Nos dois primeiros capítulos da primeira parte, Malinowski busca desmistificar alguns
pontos recorrentes nas etnografias sobre as leis entre os “selavagens”. Sendo o primeiro
direcionado para argumentar contra a visão que esses povos oferecem naturalmente uma
resistência mínima as regras sociais estabelecidas (ibdem, p. 17), para isso ele faz aproximações
das sociedades “selvagens” e “civilizadas”, seu objetivo com isso é mostrar a similitude das
condições legais em toda sociedade humana para assim poder justificar que sua procura pela
“lei” e forças legais tem como foco “descobrir e analisar todas as regras concebidas e postas
em ação como obrigações vinculantes, para descobrir a natureza das forças vinculantes e
classificar as regras de acordo com a maneira como elas são tornadas válidas” (ibdem, p. 20).
Já no segundo o que Malinowski buscou desconstruir foi a teoria do comunismo primitivo,
para isso ele trará o exemplo da pesca entre os trobiandeses, mostrando que uma observação
profissional e criteriosa notará que o uso da canoa é uma atividade regulada por leis que
ordenam privilégios em um sistema complexo de obrigações, sendo equivocadas as análises
que apontam esses povos como possuindo um modelo comunista (ibdem, p. 23).
Quanto aos capítulos referentes as questões cíveis, no sexto é tratado sobre as regras da
lei nos atos religiosos, nele Malinowski irá defender que o aspecto legal está em todos os
domínios cíveis da vida “tribal”, nisso ele toma como exemplo os ritos de luto, mais
especificamente o de uma esposa que perdeu o marido, mostrando como ele é uma forma de
garantir a ligação entre a mulher viva e o homem morto, consequentemente entre as famílias
dela e dele que estabeleceram o vínculo através do casamento. No sétimo será melhor
explorado as questões que envolvem a lei de casamento, nele é mostrado como a união de um
homem com uma mulher é parte dos acordos de duas famílias, já que quando um homem se
casa ele estabelece uma relação de reciprocidade permanente com a família da esposa, mas
especificamente com seu irmão.
A primeira parte do livro é encerrada com uma conclusão que está no décimo terceiro
capítulo, nela Malinowski apresenta uma nova perspectiva para trabalhar com o direito
“selvagem” onde “a reciprocidade, a frequência sistemática, a publicidade e a ambição seriam
consideradas como sendo os principais fatores na maquinaria vinculante da lei primitiva”
(Malinowski, p. 53).
Os quatro capítulos da segunda parte do livro têm um mesmo objetivo: analisar “o crime
e sua punição”, eles são encaminhados no sentido de mostra como o sistema legal entre os
“selvagens” está articulado com as dinâmicas sociais para dá abertura ou punição a
determinadas práticas divergentes das normativas do grupo sem desorganizar as relações
estabelecidas. Já no primeiro é trazido um caso de violação das leis da exogamia com um
desfecho complexo, onde Malinowski mostra que a possibilidade de transgressão não será
punida se o caso não for a público, nisso ele indica esse movimento como uma tendência a
restauração da ordem e do equilíbrio “tribal”. No segundo é apresentado a bruxaria e o suicídio
como meios duais onde ao mesmo tempo se pode atingir a fuga e o cumprimento da punição,
pois elas se condensam em um arranjo heterogêneo que torna possível o restabelecimento do
equilíbrio da ordem “selvagem”. O terceiro é onde o antropólogo mostra a existência de pontos
conflitantes do sistema legal dos povos que estudou, para isso ele usa o exemplo das obrigações
impostas pelo sistema de parentesco no deserdar de um homem que sai da infância e que deve
passar a vida adulta no clã da mãe, todavia muitas vezes o vínculo com o pai pode gerar tensões
na separação, o intelectual mostra que a saída dos “selvagens” para esse problema também está
no parentesco, já que com o casamento de primos cruzados a possibilidade de aproximação de
pai e filho se reestabelece em outro tipo de relação. Quanto ao último capítulo, ele é apresentado
como similar a uma conclusão do livro, Malinowski faz uma síntese do trabalho, marca mais
assertivamente sua posição - se colocando contra a visão dos costumes “tribais” como um
“bolo” ou “crosta” que pressiona de fora para dentro toda superfície da vida nativa (ibdem, p.
85) - e propõe que na pesquisa das leis entre os “selvagens” “o verdadeiro problema não é
estudar como a vida humana se submete as regras – ela simplesmente não faz isso; o problema
real é como as regras se tornam adaptadas à vida” (ibdem, p. 87).
Nesse trabalho Malinowski tensionou contra a compreensão de que não existia uma
lógica legalista e tradicional firme nos costumes dos povos “primitivos”, pois ele entendia que
essa visão era a mais recorrente entre os antropólogos de maior destaque no contexto
euro/norte-americano daquele período, o que fazia eles produzirem suas etnografias
considerando as dinâmicas de interação dos povos estudados como apenas movidas por apetites
bestiais e pagãos. Neste sentido é que Malinowski defenderá uma tese funcionalista do direito
“primitivo”, onde é colocado que as necessidades biológicas, mentais e sociais - comuns a
natureza humana – exigem a produção de tradições e leis rigorosas que organizam mais os
povos do que as paixões. Com essa perspectiva, o intelectual produz seu trabalho em uma linha
inovadora entre o grupo de antropólogos que compunha, abrindo novos precedentes
importantes para elaboração de pesquisas etnográficas entre as/os que viriam posteriormente
nas escolas antropológicas que ele influencia.