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SONIA MONTAÑO
RESUMO.....................................................................................................................05
INTRODUÇÃO............................................................................................................06
1. TELEVISÃO E REALIDADE...................................................................................10
1.1 A sociedade transparente.....................................................................................11
1.2 A telerrealidade.....................................................................................................20
1.2.1 O telejornalismo.................................................................................................33
2. TV E SOCIEDADE NO BRASIL..............................................................................45
2.1 O Brasil pós-64. A televisão e a TV Globo...........................................................46
2.2 O Brasil na Globo..................................................................................................52
2.2.1 A cena brasileira na teledramaturgia.................................................................54
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................121
RESUMO
compreender o País, suas histórias, suas culturas, sua gente. Junto com toda essa
auto-observação, notei que uma das tentativas mais fortes, mais claras (ou
transparentes) e mais insistentes de “explicar-mostrar” o Brasil era a da Globo.
Como objetivo geral, delimitei o estudo dos mecanismos usados pela Rede
Globo de Televisão para criar a telerrealidade no programa Linha Direta, programa
da emissora que, baseado em casos reais de crimes não resolvidos pela polícia,
realiza em torno deles uma construção cheia de elementos ficcionais. O projeto
encaminhava a pesquisa para descobrir como e por que o programa realizava
aquela construção.
A tevê apresenta um efeito de realidade que não está dado somente por
algumas semelhanças que o mundo televisivo tem com o mundo fora da tela. Trata-
11
se de uma forma de visibilização da sociedade que parece estar toda ali, na tela,
muito mais do que fora dela. A tevê, dessa forma, concorre com a realidade.
Segundo o autor, essa distância, que não permite confundir os dois espaços,
é construída com elementos como, por exemplo, o "fora-do-campo", que é o lugar do
potencial, do virtual, mas também da desaparição e da ausência: lugar do futuro e
do passado, sendo o campo o lugar do presente (Ibid)2.
1
Esses fatos, longe de mostrar uma equivalência entre realidade e ficção por parte do espectador,
são o indicativo de um processo histórico particularmente violento naquela época, que interferiu nos
modos de percepção do real.
2
Para compreender, posteriormente, a visibilidade na qual a televisão se constrói, é interessante
prestar atenção nesse fato: a vista de Lumière institui um campo visual e, com ele, um fora-de-campo,
um "mais além" da imagem. E essa é a imagem do cinema, uma imagem "imperfeita": sua presença
impõe igualmente uma ausência.
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Mas o caráter auto-evidente das imagens nada tem a ver com o grau de sua
definição. A visibilidade televisiva é uma construção técnica e estética. Nessa
construção, há um primeiro aspecto a assinalar: para atingir o grande público, é
preciso facilitar a compreensão. Os acontecimentos devem apresentar-se em sua
máxima visibilidade, ou seja, que se reduza ao máximo sua complexidade. O
objetivo da visibilidade não é o conhecimento, e sim o reconhecimento. E, para
favorecer esse reconhecimento, a imagem deve perder sua complexidade e se
tornar transparente. Haveria, então, uma sociedade transparente, que poderia ser
totalmente vista (e, portanto, compreendida) na televisão.
Muniz Sodré (2002: 21) considera que a estética televisiva é uma estética das
aparências, porque a representação é apresentativa. Isso significa que o mundo e o
seu fluxo estão vinculados e estão quase presentes dentro de nossos olhos.
Seguindo sua hipótese, o autor avalia que a dimensão crítica e a dimensão
argumentativa desaparecem, enfraquecem nessa nova constelação da
representação apresentativa. Nem todos os autores concordam com a idéia de que
seja essa a conseqüência da representação apresentativa da TV. Lúcia Santaella
(1990:89-90), por exemplo, acredita que o potencial de aprofundamento da
percepção da TV seja tão grande que, para enxergá-lo, é preciso ler o modo como
essa linguagem se articula e transforma os mecanismos de apreensão e reação
diante da realidade.
3
Por que a sociedade desconfiaria de um cinema que não toma partido e se contentaria em restituir
tudo aquilo que a câmera registra? O cineasta da evidência, do mesmo modo que o repórter, tende à
invisibilidade.
18
Até aqui poderia se concluir que, se Lumiére foi elogiado por conseguir
imagens e sons realistas, a televisão injeta nas imagens efeitos de realismo. Seria
muito mais realista partir de que as imagens só falam de si mesmas. Nesse sentido,
Canevacci (Ibid: 345) fala de novas e mutantes formas de ideologia que se recusam
a submeter o todo à parte e a justificar esses mecanismos para achatar-se dentro
dos fragmentos da nova cultura visual.
Parece que o indivíduo contemporâneo não tem uma dimensão subjetiva, familiar ou
amistosa, a não ser que seja mediada por imagens visuais.
Pelas razões mencionadas até aqui, posso concordar com Fecé (1998) que o
discurso sobre a visibilidade ou a sociedade transparente e, implícito nele, o
discurso sobre a confiança absoluta na tecnologia, deveriam se contrastar mais
freqüentemente com outros que questionassem a plenitude, a evidência das
imagens. O autor lembra que, se as ficções do visível proporcionam ao espectador a
ilusão de que é possível ver tudo, na realidade as instituições selecionam e
autorizam tudo aquilo suscetível de ser mostrado.
1.2 A telerrealidade
A telerrealidade, então, pode ser uma realidade televisiva tanto quanto uma
ficcionalidade televisiva, uma nova realidade em que não existem as categorias
separadas de realidade e ficção, deixando essas categorias como próprias de uma
sociedade pré-televisiva, pré-tecnológica, pré-moderna.
Um dos recursos que fazem com que a imagem televisiva exerça uma forte
atração sobre as pessoas, transformando um novo estilo de vida em familiar e
cotidiano, é a invenção do primeiro plano.
O primeiro plano entra nas casas de forma tal que constitui os rostos
próximos e familiares. McLuhan (1964: 357) comentou a familiaridade que o primeiro
plano traz com o seguinte exemplo:
Para o autor toda cultura visual gira ao redor do corpo, e o corpo é o rosto por
excelência. Canevacci atribui o sucesso mundial dos seriados americanos e das
novelas brasileiras ao uso do primeiro plano. O valor dramatúrgico dos primeiros
planos consegue comunicar, à forma transcultural, uma seqüência de paixões, todas
reduzidas a um módulo elementar. Há, portanto, uma conexão muito estreita entre a
acentuação dos planos de seqüência e a proliferação dos primeiros planos nesse
gênero da comunicação televisiva, o que pode parecer que empobrece a gramática
visual, enquanto a globaliza e multiplica sua produção de sentido emitida pelos mais
micrológicos traços faciais (Ibid: 131).
rosto em primeiro plano, que servem de pano de fundo, como num quadro, e que,
geralmente, são sinais reconhecíveis de uma extrema modernidade (computadores,
arranha-céus, roupas da moda (...) códigos da civilidade (Ibid:142).
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Segundo o autor, apesar das transformações sociais da instituição familiar, a família, como espaço
das relações curtas e da proximidade, é tomada pela televisão e reproduzida.
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Haveria, por parte da indústria cultural, uma hibridação dos tempos. O ao-vivo
copia da edição gravada seu acabamento, e a programação pré-gravada copia do
ao vivo seu efeito de tempo real, chegando a um produto asséptico e bem
apresentado, "completo", que sempre parece estar sendo transmitido em tempo real
com o acabamento dos programas gravados.
Machado chama a atenção para o fato de o tempo real ser o alvo da crítica de
alguns intelectuais5. Para o autor, o tempo real é um dos tempos mais democráticos
do veículo. Ele discorda do filósofo francês Paul Virílio (apud Machado, 2000: 129),
dizendo que a transmissão ao vivo não faz a guerra chegar às nossas casas trop
tard (como teria declarado o filósofo), mas em condições tais de atualidade que
ainda torna possível a intervenção. Em outras palavras, como o processo chega ao
telespectador quando está em andamento, permite com que ele ainda possa
interagir sobre o fato e modificá-lo.
O macrodiscurso televisivo tem uma lógica diferente, já que está formado por
uma colagem de imagens e sons que iguala todos os discursos. Na lógica televisiva,
há pequenos tempos mortos que são eliminados no que Fernández (1997: 113-114)
chama de "elipses de montagem", instaurando o ritmo da narrativa. Há uma nova
continuidade que o autor chama de Raccord e seria o ajustamento das seqüências
para dar continuidade ao relato, feito na mesa de edição. Para Fernández, é direto
quando não omite nenhum detalhe e, quando é indireto, é sempre lógico.
como pode a transmissão ao vivo ser tão nociva aos olhos dos
intelectuais e, ao mesmo tempo, tão perigosa aos olhos das
autoridades, dos censores e guardiões das mídias? (...) Não por
acaso, em situações políticas perigosas, a maioria das lideranças
políticas e autoridades militares evita dar depoimentos ao vivo,
preferindo o conforto do material pré-gravado (e evidentemente,
censurado).
A tendência a imitar o ao-vivo é tal que, de fato, fica muito difícil saber quando
uma programação é ao vivo e quando é pré-gravada. Muitas vezes, os
telespectadores ligam para a emissora com a certeza de que o programa que estão
vendo está acontecendo naquela hora, e nem sempre é assim. Segundo Umberto
Eco (1984), um dos sinais do ao-vivo (que era muito usado na programação gravada
para dar a ilusão de tempo real, na época em que Eco escreveu esse livro, na
década de 80) é o olhar do apresentador fixo na câmera.
Mesmo que hoje esse recurso esteja superado, e existam outras formas de os
programas imitarem o tempo real, acho válido o comentário de Umberto Eco, não
tanto para marcar duas formas de mostrar os tempos da telerrealidade, e sim duas
estratégias diferentes para aproximar o telespectador. Aquela que aconteceria como
se o telespectador não estivesse apela à sua curiosidade e voyeurismo, colocando-o
em situação de espião, testemunha ou cúmplice. Quando o apresentador ou outro
personagem televisivo olha para a câmera, sublinhando a presença do
telespectador, está apelando a um interlocutor consciente, amigo, companheiro,
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Algumas dessas formas de fragmentação se dão através de programas com limites temporais bem
precisos, mas que carecem de autonomia temática, porque seu único objeto é remeter - anunciar,
apresentar, publicitar - outros programas da emissora. Outros que fazem referência, do interior de um
deles, a outro(s) programa(s) da própria emissora, etc.
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Para o autor, isso não significa uma crise dos tipos de gêneros tradicionais;
eles se mantêm perfeitamente reconhecíveis, aumentando a velocidade e a
intensidade de sua fragmentação e combinação múltipla. O que Requena (1999:38)
destaca é a aparição de novos tipos ou "formatos" de programas, caracterizados
pela presença em seu interior dessa heterogeneidade de gêneros que distingue o
discurso televisivo dominante.
1.2.1 Telejornalismo
horário da programação diária ao serviço noticioso. Esta lei, assim como vários
autores (Puente 1999: 166; Maciel, 1995: 30) estão apoiados no pressuposto de que
o telejornal é necessário para ajudar as pessoas a tomarem melhores e mais
informadas decisões.
Isso pode ser notado, entre outras coisas, na linguagem verbal dos
telejornais. Os manuais recomendam que ela seja adequada às características da
oralidade própria do veículo, como se o apresentador estivesse sentado na sala do
telespectador numa conversa de amigos. A linguagem deve ser simples, direta,
objetiva, com a maior clareza possível, coloquial. (Maciel, 1995: 31).
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A teoria chama a atenção para todos aqueles elementos que dão significado à
notícia, de forma tal que poderia haver outros significados do mesmo fato. Segundo
a teoria construtivista, a notícia revela informações sobre o que faz sentido, sobre o
que importa, sobre o tempo e o lugar em que vivemos. As coisas são noticiáveis
porque representam a natureza conflituosa do mundo. Elas trazem os fatos ao
horizonte do “significativo” (Ibid).
Até aqui, poderíamos, a grosso modo, ver dois grandes grupos em relação à
forma de conceber a notícia: aqueles que a interpretam como um reflexo da
realidade (“objetivo” ou não, parcial ou não, com maior ou menor autonomia do
jornalista, etc) e aqueles que vêem nela uma outra construção (re-construção, um
outro acontecimento, um contar histórias, etc...). E se buscamos algo em comum,
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Para Soledad Puente (1999) a notícia está ligada à mudança. O homem e seu
entorno vivem numa alteração própria de sua liberdade, que na maioria das vezes
implica progresso. Se não há mudança, não há notícia. As notícias são os relatos
dessas mudanças. Puente distingue notícia de informação e de novidade; a primeira
inclui informações recentes, e a novidade tem como característica a atemporalidade
(algo que já existia, mas não foi trazido ao horizonte do interesse ou da
compreensão), mas se constitui em notícia na medida em que interessa a um
grande número de pessoas.
Um dos critérios para que um fato seja notícia é a proximidade. O que mais
interessa no mundo a todo ser humano é ele próprio e, depois, as coisas próximas a
ele, a seu corpo e sua mente: seu trabalho, sua saúde, sua casa, sua família, seus
amigos, associados, clubes, Igreja, hobbies, recreações e entretenimento (Ibid: 44).
Esta proximidade teria também um outro significado no tempo: aquilo que ocorreu
recentemente; o imediato. Embora este valor se tenha acrescentado à notícia na
medida em que foram crescendo suas possibilidades técnicas de cobertura quase
instantânea. Seguindo o pensamento da autora, talvez poderíamos dizer que o
veículo, especialmente através do telejornalismo, leva o telespectador a querer ver e
ouvir o que está acontecendo, em definitivo, com ele próprio e tudo o que “ele”
abrange. Mas, muitas vezes, a proximidade segue o caminho inverso, isto é, uma
proximidade conseguida através de repetição do fato e assim ele acaba
interessando.
42
Reiven Frank (apud Puente 1999: 68), produtor dos telejornais da NBC, foi o
primeiro a dizer, em 1960, que a notícia de televisão deve estar estruturada como
minidrama, com um problema e seu desfecho; um princípio, um meio e um final.
Para o jornalista, essa seria a estrutura da notícia que permitiria ao público seguir o
acontecer sem perceber as notícias como tema para iniciados.
7
A pirâmide invertida é uma forma de estruturar a notícia na qual é seguida a seguinte ordem: fatos
culminantes; fatos importantes ligados à entrada; pormenores interessantes e detalhes dispensáveis.
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emissoras e, segundo Maria Rita Kehl (1979-1980: 13), influenciou as outras formas
de arte que pretendem atingir o grande público.
Para Maria Rita Kehl (1979-1980: 21), os diversos fatores que estão em jogo
vão apagando o regional. Uniram-se a busca de um público maior, a industrialização
generalizada da produção de bens materiais no País e a penetração massiva da
indústria cultural em todas as áreas de produção de bens simbólicos. Agora, o
circuito pequeno, regional ou local, parece inútil. Segundo a autora, o fenômeno não
é causado pela televisão, mas pelo desenvolvimento do País que incorpora novas e
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diferenciadas faixas sociais ao mercado de consumo cultural. O que ela, sim, atribui
à TV é a diluição da contradição, contornando as barreiras de classe e de
linguagem, transformando a qualidade em quantidade e estendendo a mão para os
produtores de cultura.
É nesse contexto que surge a TV Globo. Um ano depois do golpe militar, ela
estava indo ao ar, no Rio, em 26 de abril de 1965. Roberto Marinho era o dono da
emissora. Seu pai havia fundado o jornal O Globo em 1925, mas morreu logo
depois. Aos 26 anos, em 1931, Roberto Marinho era o diretor do jornal. Na década
de 40, ele deu início às transmissões da Rádio Globo.
projeto econômico. Se não tem uma rede nacional, não se pode cobrar por um
minuto de comercial o que se cobra. Então, a questão é econômica.
A historiadora Maria Rita Kehl (apud Anahia Mello, 1994: 38) tenta perceber a
interação entre o Brasil telerreal da Globo e a sociedade fora da tela. A impressão
que eu tenho é que a Globo conseguiu, melhor do que qualquer política repressiva
de proibição ou censura, alterar a consciência do brasileiro sobre sua condição.
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Devemos ter em conta que a TV está (geralmente em um lugar de destaque) em 87,7% dos
domicílios brasileiros
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Para Barthes, mito é uma fala roubada.
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Essa, entre outras mudanças, faz parte do que a Rede Globo aprendeu com a
Time-Life: um novo espírito de empresa para a produção de mercadoria massiva. A
influência do grupo americano ajudou a Globo a criar um modelo empresarial próprio
e sem precedentes nas empresas de comunicação, no qual adequava o modelo
multinacional à realidade brasileira, com "a cara" do Brasil. Uma das mercadorias
com as quais a Emissora melhor consegue atingir as massas e colocar o "Brasil" em
cena seriam as telenovelas e minisséries.
qualidade visual dos programas) e coincidindo com o pico da euforia consumista das
classes médias.
Maria Rita Kehl (1986, 277) enumera uma série de razões pelas quais a
novela é a forma preferida de entretenimento dos brasileiros.
Por outro lado, segundo Hamburger (1998: 440), a telenovela apresenta uma
compreensão metaforizada da vida fora das telas.
Essa nova visão levou a Globo a uma série de mudanças, adotando em sua
grade de programação a horizontalidade e verticalidade inventada pela TV Excelsior,
para criar espaços permanentes nos quais alimentou essa relação afetiva com o
telespectador e comercial com o patrocinador. A Rede burocratizou suas decisões
artísticas, criando diretores de núcleo, diretores gerais de departamento e por aí a
fora. Isso acarretou uma homogeneização de estilo, como lembra Gilberto Braga, um
dos criadores de novelas globais (In Almeida-Araújo, 1995: 29).
A Globo se transforma, assim, numa emissora "séria", que promete não dar
baixaria (e realmente não dá... baixaria técnica), como avalia Kehl (1986: 247),
sendo que ela se transforma numa emissora à altura de participar do ambiente da
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nova sala-de-estar, onde o ouvinte de classe média dos anos 70 brinca de futuro
executivo de sucesso, enquanto acompanha os comerciais de cadernetas de
poupança.
Diversos autores concordam que o PGQ foi quem resolveu de vez os grandes
problemas brasileiros de miséria e desigualdade econômica, social e cultural - dentro
da telerrealidade Global-, é claro. Para Valter Avancini (apud Kehl, 1979-1980: 99-
100), o PGQ tornou-se um parâmetro de “perfeição”, de “eugenia”, de “limpeza de
imagem”, o que concorreu, tanto quanto a censura oficial, para abortar ou alterar
projetos de veiculação da realidade brasileira.
Para Maria Rita Kehl (1979-1980: 13), a linguagem Global não só influenciou
as outras linguagens televisivas, mas também toda a produção artística de massa.
Portanto, com seu PGQ, e mais no geral, a Rede Globo optou por uma
estética primeiro-mundista, uma estética clean. Um dos exemplos mais claros do
uso do clean está na logomarca da Emissora, o globo virtual de Hans Donner, cujo
movimento é seguido pelo toque sonoro do plim-plim eletrônico. Segundo Esther
Hamburger (1998: 448), a vinheta da Globo se posiciona entre iguais (à diferença do
indiozinho da TV Tupi, por exemplo, com uma antena de cocar, feito à mão livre, que
indicava apropriação de uma tecnologia exógena).
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A própria Globo contradiz essa premissa com diversas exceções, apresentando produtos massivos
de muita qualidade tecnológica e social. Existem, de vez em quando, na Emissora, obras de alto valor
social, no sentido em que Walter Benjamin (1985) entendia o valor social de uma obra de arte: maior
será o valor social da obra quanto menor é a distância entre fruição e crítica.
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qualidade própria. Um sistema coerente de exigências para que uma obra alcance
determinado gênero (patético/trágico/dramático, cômico/grotesco/satírico) no interior
da dinâmica da produção artística. A categoria responde tanto pela produção e
estrutura da obra quanto pela ambiência afetiva do espectador, na qual se
desenvolve o gosto, na acepção da faculdade de julgar ou apreciar objetos,
aparências e comportamentos.
A Rede Globo, sem deixar de ser clean e sem abandonar seu PGQ, que dá
sua reputação de "qualidade" em todos os produtos, tem adotado, em alguns dos
seus programas, o grotesco chocante, especialmente desde que as outras
emissoras ganharam audiência com essa estética.
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Ribeiro e Botelho (In Kehl, 1979-1980: 93-102) fazem uma descrição dos
elementos que redefinem o conceito de notícia para a Globo. Segundo eles, a boa
imagem passou a representar um dado importante no critério de seleção do
noticiário, ou, pelo menos, influir no tempo de duração da matéria: se o filme tinha
bom contraste, belas cores, foco perfeito, então valia a pena estender a reportagem.
O Fantástico, por exemplo, tem uma forma muito definida de trazer a notícia
para dentro do seu espetáculo. Ele fornece um bom exemplo dessa grade de fait-
divers aplicada à leitura de acontecimentos reais. Um de seus responsáveis
estabelece uma espécie de pauta geral na qual se baseiam para selecionar
assuntos e temas fantásticos; o programa é especialista em noticiar coisas que
acontecem de fato, mas sem importância relativa no contexto dos acontecimentos
sociais. Os fait-divers, na televisão, têm essa característica: tornam-se o próprio
modelo de interpretação dos fatos.
emoção fez parte, na verdade, de todo um projeto que caracterizava o novo estilo de
telejornalismo.
"Boa noite. Medo. Impotência. Desamparo. São sentimentos cada vez mais
presentes no cotidiano de todos nós. Nós que vivemos no dia-a-dia cercados por
uma violência cega, uma violência que nos oprime. A partir de hoje, você está em
linha direta com seu direito, em linha direta com a cidadania". Com essas palavras
de seu âncora na época, Marcelo Rezende, o programa Linha Direta ia ao ar no dia 27 de
maio de 1999, na TV Globo, iniciando com palavras que expressavam a matéria-prima que construiria um
programa de utilidade pública, jornalístico e com um lugar reservado ao telespectador para ajudar a resolver os
casos de criminosos que estão fugitivos da polícia. O programa chegou a estar em quarto lugar no Ibope da
Rede, logo após a novela das 20h, o Jornal Nacional e o Fantástico.
Para Mendonça (2002: 55), Linha Direta foi inspirado no programa norte-
americano 48 horas e 60 minutos, além de tomar inspiração também no rádio
brasileiro - em programas como Rádio Patrulha, da rádio Globo, e Dial Paulista, com
Gil Gomes - e na TV brasileira: o programa Aqui Agora, hoje extinto, do SBT, foi o
grande inaugurador desse gênero na televisão, utilizando uma estratégia de
representar assassinatos. O programa retoma também outras experiências
televisivas como O Grande Júri, da TV Manchete, em que eram simulados todos os
passos de um tribunal simbólico.
Para Daniel Filho (2001: 341), o Linha Direta surgiu porque não havia na TV
Globo nenhum programa popular com caráter de utilidade pública. Curiosamente fui
pegar um programa antigo que havíamos feito em 1990: O Linha Direta: um
programa forte, popular, que podia ser feito como utilidade pública e funcionar para
essa determinada faixa de público.
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A condição para fazer parte do programa é tratar-se de algum crime que não tenha sido
solucionado, seja porque a justiça não pôde chegar a uma conclusão, seja especialmente porque o
acusado, assassino ou suspeito encontra-se foragido.
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É nesse aspecto que o programa pretende ser uma Linha Direta entre o cidadão e a polícia para a
solução dos casos apresentados.
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responsáveis pelo caso, assim como com material de telejornais que apresentaram
alguma informação sobre o caso na época em que aconteceu. Tudo conduzido pela
voz off e pelas aparições do apresentador, amarrando a trama, enquanto caminha
por um cenário, que tem, nos fundos, uma tela onde está a imagem, ora da vítima,
ora do foragido, e, do outro lado, o nome do programa.
13
Os únicos acontecimentos a serem mostrados são antecedentes criminais, que contribuem para
confirmar sua maldade.
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Kléber Mendonça (2002) chama a atenção para muitos casos em que são
incluídas cenas impossíveis de comprovação (porque a vítima foi assassinada, e o
assassino está foragido, e não houve testemunhas). Essas cenas, segundo o autor,
são criadas para colaborar na construção de um determinado perfil do acusado. Há
em todos os programas uma construção de um perfil, tanto do criminoso quanto da
vítima, com características praticamente idênticas de um programa para outro. O
84
Para realizar essa pesquisa, gravei seis edições do programa, exibidas nos
dias 14 e 21 de março, 4, 18 e 25 de abril e 2 de maio de 2002, além de
acompanhar quase todos os programas exibidos de março a outubro de 2002. Numa
primeira análise, identifiquei os elementos comuns nas diferentes edições do
programa e, depois, escolhi o programa de 25 de abril para analisar mais
especificamente. A escolha desse programa deve-se a que ele mostra os quatro
momentos diferentes do programa com muita clareza. Em primeiro lugar, dois crimes
que abordam situações particularmente preferidos pelo Linha Direta: o primeiro é
violência contra uma criança, e o segundo, uma chacina, fruto de uma paixão não-
correspondida. Após esses dois casos, um criminoso que já fora detido "porque você
denunciou", é mostrado e interrogado, além de serem repetidas as simulações já
veiculadas em programa anterior, quando o foragido foi mostrado pela primeira vez.
Há, também, um epílogo didático, ensinando o uso da internet, para que os
telespectadores entrem em contato, denunciem e votem na interativa da semana.
Poderíamos dizer, então, que essa é uma edição bastante expressiva da proposta
editorial do Linha Direta.
4 TELERREALIDADE NO LINHA DIRETA
Essa forma de dividir o Linha Direta em cinco momentos não está relacionada
aos blocos do programa ou à duração desses momentos, mas sim à tentativa de
abordar elementos diversos que o programa apresenta.
Esse caso conta a história de uma mulher separada, com uma filha pequena,
que é insistentemente assediada por um amigo da família a quem ela rejeita. O
homem não correspondido descobre que a mulher que ama tem um romance com
um amigo dos dois. O caso acaba no homicídio da mulher, de seu parceiro e de uma
amiga dela, que na ocasião estava junto com eles. O assassino tenta também matar
a filha dela, mas um vizinho consegue salvá-la. O criminoso está foragido, mas
quase no fim do programa aparece uma legenda dizendo que ele se entregou à
justiça pouco antes de o programa ir ao ar.
(o se “fazer ver” de Canevacci), um pouco mais desenvolvida, agora, pelo aporte dos
autores que iluminaram este trabalho.
4.1.1 Introdução
religiosa. Ela diz: “É que meu filho nasceu perfeito”. Novamente a presença do
apresentador dizendo: “O crime assustador (...) ainda continua sem punição”. Na
seqüência, aparece um homem sentado na frente de estantes com livros. Ele diz:
“Eu considero ele uma pessoa cruel, fria e calculista”. Encerrando, aparece o
apresentador dizendo: “Tudo agora (...) em Linha Direta”.
Na edição desse material, foi impresso grande ritmo à narrativa. O trecho tem
como fundo a trilha do programa que mistura ação e suspense. A trilha, junto com os
ruídos usados, seja o tiro, os gritos, os ruídos de ambientes, etc., são fundamentais
na marcação do ritmo e na produção de emoções, provocando reações e sensações
no espectador. Não há silêncios. A maioria dos planos são fechados, o que mostra,
junto com os elementos restantes citados, que prevalece a dramaticidade sobre a
descrição; a ficção sobre a informação. O “realismo” do programa está mais
fortemente ancorado na técnica do que na descrição de fatos históricos.
4.1.2 Abertura
• Âncora
terno e gravata escuros, sério, Meirelles parece ser uma figura escolhida (ou
construída) para neutralizar o sentimento de impunidade que as situações
apresentadas inspiram. Sua postura e seu olhar sempre fixo na câmera mostram
autoridade. Por outro lado, sua figura parece um contraponto à dos criminosos.
Ambos na faixa dos 20 anos, um deles negro, ambos com movimentos violentos, em
oposição ao pausado e “respeitoso” ritmo dos movimentos e da fala do
apresentador. Por outro lado, há também uma oposição com as vítimas que sempre
são exageradamente inocentes, confiantes e distraídas (sobretudo na simulação),
enquanto Meirelles não afasta em nenhum momento o olhar da câmera, por mais
que esta esteja em movimento. O apresentador parece nunca ser tomado de
surpresa nem pelo movimento da câmera que o está focando, nem pela troca de
câmeras.
“Nesta foto a filha de Tânia aparece abraçada a João (...) o futuro assassino
da mãe”.
• A voz off
“Flávio costuma trabalhar na hora do almoço para sair mais cedo. Sai do
hospital e vai direto para a academia”.
100
No segundo caso: João insiste: vai matar Camila. O vizinho luta para salvar a
menina.
As falas da voz off só são construídas em passado quando ele fortalece mais
a compreensão do presente, como no seguinte exemplo:
As vozes “reais”, a meu entender, têm uma função muito mais simbólica do
que informativa. Em primeiro lugar, por se tratar de pessoas reais que estiveram
próximas do crime por vínculos familiares com as vítimas (família, amigos); por
vínculos institucionais (professor, colegas de trabalho, delegado e promotora); ou
por causa do conhecimento especializado que justifica essa pessoa depor,
explicando algum aspecto do crime (radiologista e psicanalista). A presença destes,
assim como a presença de notícias sobre o caso veiculadas na TV na época em que
ocorreu o crime, dão o caráter de documentário. Independente do que dizem, é o
que elas são ou foram o que o programa mais utiliza.
A primeira voz “real” a falar no primeiro caso é um médico que foi professor
do acusado. Ele é professor universitário e aparece num ambiente que,
provavelmente, seja a universidade. Ele, em pé num pátio, com pessoas jovens que
passam por trás com livros nas mãos, diz que o criminoso parecia normal: “Levava
uma vida normal, não tinha indícios de algum problema psiquiátrico. Ele sempre se
mostrou uma pessoa absolutamente normal”.
Para explicar o que ela ouvia quando o acusado entrava ao quarto da criança:
“ Não era choro de fome, era choro de dor de alguma coisa. E a coincidência (...) Ele
podia estar quieto (...) Flávio entrava (...) ele chorava forte".
"Eu vi ele e pensei (...) aí vem o Flávio (...) Eu fiquei de olho (...) O
bebê estava quieto. Quando ele entrou no quarto (...) eu escutei pá,
pá, pá (...) comecei a desconfiar (...) Pensei (...) está acontecendo
alguma coisa e passei a observar mais".
Quando viu que o estudante estava batendo no menino: “Aí foi a hora em que
eu vi batendo no menino (...) Dava soco com a mão fechada (...) A vez que eu vi foi
com a mão fechada.”
“É um crime bastante bárbaro (...) três pessoas jovens (...) 22 anos tinha a
Jocemara (...) 22 anos tinha o Fabiano (...) e 23 anos tinha Tânia".
“abre“ um novo espaço para apresentar o caso (“como ele aconteceu”) e o próprio
telespectador, a partir de elementos mostrados pelo programa, chegue a uma
conclusão. Desta vez, o julgamento não é segundo os procedimentos tradicionais e
sim os midiáticos. Aquela instituição que tradicionalmente interroga agora é
interrogada. Os fatos em que mais se apóia a culpabilidade dos acusados são
visíveis para o telespectador: gestos, olhares, etc.
O psicanalista fala dos psicóticos em geral, tenta dar uma possível explicação
para o caso. Está sentado numa poltrona vermelha e diz:
Os planos nos quais eles são enquadrados são fechados, o que permite
maior abertura na hora de traduzir os fatos às cenas de simulação na criação de
ambientes. As falas dos familiares são as que mais mostram repetições e problemas
de linguagem. Isso pode reforçar o nervosismo (que seria supostamente o natural...)
e uma possível espontaneidade, além de dissolver a informação . Vejamos diversos
casos.
A mãe da vítima no primeiro caso disse: “Vejo que a tristeza dele hoje é a
mesma porque (...) eu vejo que ele sofre na rua”.
108
“Ele era amigo de todo o mundo (...) Era amigo de Tânia(...) era
amigo meu (...) era amigo desse que morreu (...) era amigo de todo
o mundo (...) Ele era um rapaz que (...) enganou a gente de uma
coisa tão (...) dessa maneira que a gente nunca esperava. Quando
bateu na minha porta para dizer que ele tinha feito isso (...) eu não
acreditei”.
O irmão gêmeo de Jocemara, uma das vítimas, disse: “Todo dia primeiro no
caso eu faço aniversário e ela (...) ela sempre está chegando (...) sempre está
chegando”.
Esta linha editorial, que poderíamos resumir como uma opção pela ficção e o
dramatismo numa construção estética do grotesco, sob um revestimento de sério
procedimento jornalístico, dando preferência a temas que despertem a indignação
da população, direciona a construção da notícia e, segundo a teoria, é essa linha
editorial que os trabalhadores da notícia absorvem por osmose e procuram realizar
sem uma explicitação dessa linha por parte da Empresa e sim numa convivência
diária ao modo recompensa-punição.
A teoria levaria em conta também, na sua visão do programa, que, como toda
empresa jornalística, há um negócio que está em jogo. Portanto, analisaria as
tramas com sua forte influência da teledramaturgia (em um país muito acostumado à
telenovela), com sua dose de romance e violência e seu grotesco chocante que
procura manter o telespectador ligado à trama, e outros elementos em função de
uma emissora que está concorrendo com outras na disputa pela audiência e pelos
anunciantes.14
Um ponto de partida da teoria (assim como das outras duas que surgiram a
partir da construtivista: estruturalista e interaccionista) seria a idéia de que o Linha
Direta na construção dos dois casos apresentados está construindo dois
acontecimentos diferentes dos que sucederam historicamente, mas esses novos
acontecimentos encontraram nesses casos alguns enquadramentos. Ao mesmo
tempo, a nova realidade criada revela informações sobre o tempo e o lugar em que o
programa e a Emissora se inserem, porque não haveria uma dicotomia entre a
realidade e as mídias que devem refletir essa realidade, já que esses meios estão
dentro da realidade e ajudam a construí-la.
A teoria chama a atenção para todos aqueles elementos que dão significado à
notícia, de forma tal que poderia haver outros significados do mesmo fato. Dessa
112
forma, chamaria a atenção do recurso da voz off na forma como ele dá significado
às simulações, e das imagens simuladas (guiada pela voz off) na construção do
sentido das figuras principais, assim como a presença do apresentador na
construção do sentido dos depoimentos que aparecem. Seria mais forte no
programa a presença de explicações e enunciados que dão sentido do que os
próprios fatos e pessoas.
realidade são telerreais. Essas pessoas, através de muitos sinais (mas geralmente
os mesmos em cada caso) são identificadas, desde o início do programa, de tal
forma que o telespectador esperará só coisas boas de uma e só coisas ruins da
outra, sendo as outras vozes secundárias como breves ecos que reforçam a
maldade de um e a bondade do outro. A tensão não está introduzida por uma ação
e, sim, personificada em alguém e reforçada não por ações e, sim, por mecanismos
visuais e auditivos. Longe de pretender que o telespectador se posicione (sinta
indignação, revolta, compaixão, pena) em relação à história que está sendo (de
alguma maneira) referida, busca-se que o telespectador sinta essas emoções sem
uma referência, ou melhor, em referência ao programa. Um telespectador distraído
poderia dizer que é um programa que lhe faz sentir indignação pela injustiça, sendo
que os mecanismos do Linha Direta se interpõem de maneira que o telespectador
não tenha contato com essas realidades e, sim, com eles próprios.
O drama, da forma como foi tratado antes, daria um Linha Direta muito
diferente. Permito-me aqui citar o cineasta inglês Alfred Hitchcock, autor e diretor de
tantos dramas para cinema e televisão, em entrevista ao jornal The Saturday
Evening Post, no dia 27 de julho de 1957 (In Altmann,1996: 222). O cineasta
114
explicou sua forma de construir o drama, deixando que a audiência saiba, por
exemplo, onde a bomba está, mas não as personagens.
Apesar de Hitchcock não estar falando de histórias “reais”, elas realmente dão
uma participação ao telespectador que o programa Linha Direta lhe retira. É como se
o programa em nenhum momento pudesse deixar sozinho o telespectador diante
dos fatos e sempre recorresse à mediação dele próprio para toda e qualquer
interpretação.
Por último, então, haveria uma análise que precisa ser feita e que tem a ver
com o lugar que o programa dá a si mesmo e ao telespectador. A teoria do
espetáculo ajuda a fazer essa análise. O programa apresenta um único ângulo de
visão, e isso não se refere exclusivamente à característica técnica que a TV tem de
que os diversos ângulos (das diversas câmeras) chegam ao telespectador como
uma única possibilidade de visão.
qual só saem vencedores “sua gente” (só na medida em que são telespectadores)
porque são lutadores, alegres e fraternos, entre outras coisas, e (como não podia
ser de outra maneira) a Emissora; o lugar onde esses brasileiros podem viver felizes
e protegidos. Essa idéia repete-se de diversos modos nos programas da Emissora,
na forma como ela apresenta a si mesma, às pessoas e às instituições. As
possibilidades tecnológicas da Globo lhe permitem uma imagem de altíssima
qualidade na qual os brasileiros aprenderam a “se reconhecer”. Os programas
Globais referem-se a elementos da realidade brasileira, falas, cenários,
acontecimentos, etc., que mostram o cuidado da Emissora no efeito de
verossimilhança, visto como mais “progressista” que outras formas e que permite
uma maior identificação por parte dos telespectadores.
novo lugar social; um meio mais rápido, eficiente e efetivo que vem para resolver o
problema da impunidade, que as instituições não conseguem resolver. Nessa
sociedade, emerge o telespectador como um novo “cidadão”, que está ligado ao
programa e ajuda15 a resolver o caso. Ao mesmo tempo, a utilidade pública e o
número de pessoas procuradas pela justiça que foram capturadas (222 até o
momento) é uma das cartas de apresentação nas quais o programa se escuda para
justificar suas práticas e abordagens.
15
A ajuda do telespectador, na gramática do programa, já inicia com o fato de ele assistir o programa,
sentir a tensão, o medo e a revolta que o programa tenta produzir com seus efeitos especiais. Parece
que a ilusão de estar dividindo o drama com a família já está ajudando.
120
Na arena do Linha Direta se ouvem muitas vozes, mas elas funcionam como
ruídos que confirmam e reforçam a voz do programa. O que realmente o programa
simula são as histórias reais. Há uma simulação de polifonia, mas na realidade há
um único discurso, o do Linha Direta: um discurso único, absolutista, sobre várias
coisas. Um único enunciador com diversos enunciados sobre a justiça, sobre a
emissora, sobre a sociedade, sobre a mídia e a tecnologia, sobre as instituições
tradicionais e sobre os poderes públicos; sobre o público e o privado.
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