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CHARLOTTE BuHLER
A PSICOLOGIA NA VIDA DO NOSSO TEMPO
Tradução de
Elsa Meneses de Jesus
Hannelore Eibner Roth
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKiAN
Lisboa
Tradução do original alemão intitulado:
PSYCHOLOGIE IM LEBEN UNSERER ZEIT
Charlotte Bühler
Reservados todos os direitos de harmonia com a lei
Edição da FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Av. de Berna 1 Lisboa
DEDICADO AOS MEUS FILHOS
E AOS MEUS NETOS
PREFÁCIO
O livro sobre «A Psicologia na Vida do nosso Tempo» foi concebido e escrito sob
um ponto de vista bem determinado.
Não é, como alguns leitores poderiam supor, um manual de fácil compreensão
destinado a principiantes no domínio da Psicologia e a outros curiosos, se bem
que, segundo creio, possa ser utilizado nesse sentido. Contudo, quase não se
justificaria escrever um novo manual elementar, uma vez que essas obras existem
já em tão grande abundância.
O livro não surgiu tãopouco como uma compilação folhetinesca do que há de
«interessante» na Psicologia. Tais obras existem; porém, eu, como cientista,
encontrome afastada dessa perspectiva. Esse facto não exclui, no entanto, que
eu tenha tentado escolher matéria de interesse geral e tenha procurado
apresentála de modo a proporcionar uma leitura fácil.
O verdadeiro objectivo deste livro é, no entanto, absolutamente diverso. A minha
visão geral do assunto pretende mostrar aos meus contemporâneos como a
Psicologia Moderna pode ajudálos na sua vida pessoal.
Por que motivo será isso importante? Pareceme importante por diversos motivos.
A actividade que desenvolvi como Psicóloga Infantil em diferentes países e em
diversos círculos culturais e as experiências então colhidas fizeramme ver como
os pais e professores se esforçam hoje em dia por compreender verdadeiramente os
seus filhos e alunos, em crescimento numa época extraordinariamente difícil, e
por encontrar os métodos de tratamento para eles adequados. Pareceume desejável
apresentarlhes os problemas do desenvolvimento e da educação integrados no
contexto mais amplo daquilo que hoje sabemos sobre a nossa vida anímica.
Em segundo lugar, a minha actividade e as minhas experiências como
Psicoterapeuta de Adultos fizeramme ver de dia para dia com maior nitidez que
vivemos numa época em que uma compreensão mais profunda de nós próprios bem como
dos problemas da nossa existência humana se vai tornando uma necessidade cada
vez mais premente e mais divulgada. Nunca tantos puseram tão sistematicamente em
dúvida o sentido e o valor da vida. Por esse motivo, a par da discussão da
teoria da AutoRealização, do Existencialismo e da Logoterapia, tento esboçar as
minhas ideias quanto a uma Filosofia da Vida resultante das minhas reflexões de
ordem psicológica. Contudo, em primeiro lugar, reúno tudo aquilo que possa
ajudar o homem moderno a compreenderse melhor a si próprio.
Em terceiro lugar, como ser humano que vive numa época de enormes mutações de
ordem cultural, senti a necessidade de elaborar para mim e para o próximo um
quadro daquilo que se passa na nossa cultura e em outras culturas sob o ponto
de vista psicológico. Valendome dos estudos de Sociólogos e de Antropologistas,
procurei ver em que medida a vida humana em conjunto se ordena de acordo com as
diversas circunstâncias, e tentei tornar esse conhecimento extensivo aos demais.
Só a partir dele podemos, segundo creio, dominar o problema das soluções
pacíficas para os conflitos que surgem entre os homens, quer se trate dos
pequenos quer dos grandes grupos deste mundo.
Assim, este livro apresenta a Psicologia, em primeiro lugar, sob o ponto de
vista do serviço que ela pode prestar à compreensão da vida humana e das
correlações íntimas. No entanto, para além desse aspecto, tem também, como é
natural, um carácter informativo. Esta informação não se deve compreender como
simples transmissão de factos, mas como uma exposição que resulta da meditação
sobre as relações dos factos entre si.
Se, desta forma, o presente volume não foi escrito com fins puramente
académicos, se, em vez disso, visa antes interesses educativos, clínicos e
humanísticos, fiz todavia por outro lado tudo o que estava ao meu alcance para
apresentar o conhecimento dos factos, as teorias e as questões problemáticas com
a maior objectividade possível e com a integridade relativa que o âmbito
limitado permite. Quer dizer, esforceime por tratar todos os
factos e concepções importantes e por apresentar a opinião de todos os
investigadores de significado.
Como não queria em nenhum aspecto confiar apenas no meu
juízo, pedi a um grande número de colegas europeus e americanos que lessem os
diversos capítulos com espírito crítico, fornecendome em seguida o seu
comentário. Devido aos meus conhecimentos limitados em algumas matérias e devido
à grande extensão bibliográfica, solicitei além disso a uma série de peritos que
me auxiliassem na organização da bibliografia correspondente. Tanto quanto
possível tomei em consideração as suas sugestões
e informações, quer para a organização do livro, quer do conteúdo. Desta forma
espero ter precavido o leitor contra as limitações que a especialização e a
parcialidade podem produzir, sem no entanto tirar ao livro a unidade de
concepção do conjunto.
Mal consigo encontrar as palavras adequadas para exprimir a dívida de gratidão
que sinto ter para com esses colaboradores desinteressados. Ao mencionar aqui
mais uma vez os seus nomes, tenho novamente consciência de que sem o valioso
auxílio destes peritos nunca o meu livro teria sido possível. A eles cabe,
portanto, o meu primeiro e mais profundo agradecimento.
Antes de os mencionar e de lhes exprimir o meu reconhecimento gostaria de, em
poucas palavras, dar ao leitor alguns conselhos de ordem prática. A quem se
abeirar deste livro, levado mais pelo interesse pessoal do que pelo do
conhecimento da matéria, aconselho a iniciar a leitura pelo capítulo «A
Motivação», para só mais tarde, se o desejar, proceder à leitura dos primeiros
capítulos. Talvez prefira, além disso, omitir primeiro as discussões teóricas,
nitidamente destacadas em cada capítulo. De resto, o
índice pormenorizado de assuntos remeterá cada um rapidamente aos problemas do
seu interesse. Todos os nomes próprios, escolhidos para ilustração dos casos que
referimos, são fictícios.
Com orgulho, alegria e agradecimento cito agora os nomes
dos colegas que, pelo seu conselho e pelo seu trabalho, se puseram à disposição
desta obra.
Em primeiro lugar contribuíram com indicações bibliográficas:
Dr. Franz Weinert, Instituto de Psicologia,
Universidade de Bona
Dr a Lotte SchenkDanzinger, Directora do Serviço de Psicologia Escolar do
Conselho Escolar Municipal, Viena
Dr. K. Hermann Wewetzer, Professor de Psicologia, Universidade de Friburgo em
Breisgau
Miss Ruth Leeds, Graduate Student, Department of Sociology, Columbia University,
New York, N. Y.
Mr. William L. Kimba11, Graduate Student, Department of Anthropology, University
of California, Los Angeles, Calif.
para o capítulo histórico
para o capítulo «As Funções»
para o capítulo «A Sociedade»
para o capítulo «As Culturas»
Contribuíram para o capítulo «A Personalidade»:
Lutz von Rosenstiel, Psicólogo, Assistente Científico do Instituto de Psicologia
da Universidade de Munique
Versão revista do capítulo sobre «A Teoria das Camadas da Personalidade»
Contribuíram para o capítulo sobre as «Profissões de ajuda
psicológica e psicossociológica»:
Dr. Rogers H. Wright, Clinical Psychologist, Private Practice, Long Beach,
Calif.
Dr. Franz Alexander, Director Department ofPsychiatry, Director Psychiatric and
Psychosomatic Rescarch Institute, Mount Sinai Hospital, Los Angeles, Calif.
Dr. Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,
Director Clinical Psychology Training Program, Mourit Sinai Hospital, Los
Angeles, Calif.
Dr. George Bach, Clinical Psychologist, Private
Practice, Institute of Group Psychotherapy, Beverly Hills, Calif.
Dr. J. H. Schultz, Professor, Neurologista, Berlim Charlotteriburg
Dr. Hildebrand R. Teirich, Especialista de doenças nervosas, Friburgo em
Breisgau
um caso de diagnóstico
e 1 u c i d a ç o e s
acerca de um dos seus casos
um caso de psicoterapia
Breves exposições sobre as técnicas terapêuticas especiais por eles utilizadas
Leram e pronunciaramse sobre os seguintes capítulos e
subcapítulos:
Dr. Mauríce e Dr. Fav Karpf, Private Practice,
Beverly Hills, Calif.
Dr. Franz Weinert, Instituto de Psicologia, Uni @@História da
versídade de Bona Psicologia»
Dr. Ludwig iyon Bertalanfiy, Professor, Department of Zoology, University of
Alberta, «As Raízes BioEdmonton, Alberta, Canadá
lógicas»
Dr. K. Hermann Wewetzer, Professor de Psicologia, Universidade de Friburgo em
Breisgau.
Dr. Peter Hofstdtter, Professor de Psicologia,
Universidade de Hamburgo
Dr. Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,
Director Clinical Psychology Training Program, Mount Sinai Hospital, Los
Angeles, Calif.
Dr. Hans Thomae, Professor de Psicologia, Universidade de Bona
Dr. Philipp Lersch, Professor de Psicologia,
Universidade de Munique
Dr. Gordon Allport, Professor of Psychology,
Harvard University, Cambridge, Mass.
Dr. George Bach, Clinical Psychologist, Private
Practice, Institute of Group Psychotherapy, Beverly Hills, Calif.
Dr. Gordon Allport, Professor of Psychology,
Harvard University, Cambridge, Mass.
Dr. Peter Hofstãtter, Professor de Psicologia,
Universidade de Hamburgo
Dr. Paul Lazarsfeld, Professor of Sociology,
Columbia University, New York, N. Y.
Miss Ruth Leeds, Graduate Student, Department of Sociology, Columbia University,
New York, N. Y.
Dr. Harvey Locke, Professor of Sociology, University of Southern California
(USC), Los Angeles, Calif.
Dr. Margaret Thomes, Asst. Professor in The
School of Social Welfare, UCLA, Los Angeles, Calif.
Dr. Councill Taylor, Professor of Anthropology,
University of California, Los Angeles, Calif .
Dr. Wilhelnz Arnold, Professor de Psicologia,
Universidade de Würzburg
«As Funções»
«A Motivação»
«0 Desenvolvimento»
«A Personalidade>,
«As Teorias de Kurt Lewin»
«0 Decurso da Vida Humana»
«A Sociedade»
«As Culturas»
Dr. Hildegard Hetzer, Professor de Pedagogia, Universidade de Giessen
Dr. D. Welty Lefever, Professor of Education,
University of So. California, Los Angeles, Calif.
Dr.” Lotte SchenkDanzínger, Directora do Serviço de Psicologia Escolar do
Conselho Escolar Municipal, Viena
a r. Hedda Bolgar, Chief Clinical Psychologist,
Director Clinical Psychology, Mount Sinai Hospital, Los Angeles, Calif.
Dr. Frederick Hacker, Director of Hackers
Psychiatric Clinics, Professor de Psiquiatria, Universidade de Viena
Dr. Robert Heiss, Professor de Psicologia, Universidade de Freiburgo em
Breisgau
Dr. Fay e Dr. Maurice Karpf, Private Practice,
Beverly Hills, Calif. Dr. J. H. Schultz, Professor, Neurologista, Berlim,
Charlottenburg
Dr. Paul Lazarsfeld, Professor of Sociology,
Columbia University, New York, N. Y.
«Educação e
Orientação Profissional»
«As Profissões de Ajuda Psicológica» « P s i c o 1 o g i a Económica»
Contribuíram com o seu conselho e o seu comentário em
questões isoladas:
Dr. Wilhelm Arnold, Universidade de Würzburg
Dr. George Bach, Beverly Hills, California
Dr.a Hedda Bolgar, Los Angeles, California
Dr. Felix Guggenheim, Beverly Hills, Calif.
Dr. Robert Heiss, Universidade de Friburgo em Breisgau.
Dr. Hildegard Hiltmann, Universidade de Friburgo em Breisgau
Dr. Robert e Senhora D. Ruth Jungk, Viena
Dr. Fay e Dr. Maurice Karpf, Beverly Hills, California
Dr. Paul Lazarsfeld, Columbia University, New York Miss Ruth Leeds, Columbia
University, New York
Dr. Arthur Maier, Escola Superior de Comércio, Mannheim Dr aIlse Pichottka,
Instituto Stern, Munique
Dr. John Seward, University of California, Los Angeles, California Dr. Robert
Williamson, Los Angeles State College, Los Angeles,
California
Dr. Pauline Young, Modesto, California
Puseram à disposição biografia e fotografias:
Dr. Anne Kine Holter, Oslo
Mr. e Mrs. Franklin J. Homme, Bakersfield, Calif.
Mrs. Joan Seward Mackay, San Francisco, Calif.
Miss Misako Miyamoto, Tóquio
Mr. Richard Neutra, Los Angeles, California Dr aIlse Pichottka, Munique
Mrs. Larry WeIty, Los Angeles, California
Além da gratidão pelo auxílio dos peritos na matéria, quero exprimir o meu
profundo reconhecimento pessoal a uma série de amigos e auxiliares que por
diversas formas me assistiram na realização deste livro.
A obra nunca teria sido possível sem o entusiasmo e a assistência amiga com que
o Senhor Dr. Robert Jungk e sua
Mulher nela se empenharam. É a eles que exprimo o meu primeiro agradecimento
pessoal.
a A Dr. Hedda Bolgar, Dr. Fay e Dr. Maurice Karpf, Dr. Paul
a Lazarsfeld, Dr. Ilse Pichottka, Dr a Lotte Schenk foram não só conselheiros na
matéria mas, pela sua comparticipação pessoal e pelo seu incitamento, apoiaram
me numa obra que eu sentia ser bastante arrojada.
A maior assistência prestada neste sentido devoa ao meu
generoso editor, Senhor Willy Droemer, e ao meu conselheiro científico, Senhor
Dr. Felix Guggenheim, pela sua invulgar bondade e calorosa compreensão.
Ao Senhor Fritz Bolle e ao Senhor Werner Grabinger devo agradecer a solicitude e
amabilidade com que contribuíram para os trabalhos anteriores à impressão. As
minhas secretárias Ilse Butzke e Lisbeth Schiel foram incansáveis e o interesse
que manifestaram por esta obra transformou o trabalho em alegria.
Como sempre, o meu marido, Karl Bühlcr, deume o seu conselho inteligente, nunca
me negando o seu interesse afectuoso.
O livro é dedicado aos meus filhos e netos, que contribuíram de modo essencial
para a realização da minha própria vida e a quem espero que, no futuro, ele
possa servir sob o ponto de vista intelectual e humano.
Los Angeles, Março de 1962
CHARLOTTE BuHLER
Parte A
INTRODUÇÃO
1. O NOSSO TEMPO NECESSITA DA PSICOLOGIA
Na história da Humanidade surgem e desaparecem os povos e as culturas. Se
olharmos para trás, vemos como a Humanidade, em contínua mutação e
desenvolvimento, se apoderou passo a
passo da esfera terrestre e agora se dispõe mesmo a ultrapassála e a penetrar
no espaço, rumo aos corpos celestes.
Por mais impressionante que nos pareça este processo de domínio crescente do
mundo que nos rodeia, o certo é que a
Humanidade não realizou progresso correspondente no que respeita ao autodomínio.
Apesar de todas as conquistas da civilização, apesar do progressivo requinte do
nosso modo de vida e dos nossos costumes, apesar dos conhecimentos crescentes em
todos os domínios da ciência e da técnica, da indústria, do comércio, das
comunicações, apesar de tudo isso, somos ainda em alto grau os mesmos seres que
éramos: perseguidos por medos mesmo durante o sonho; movidos por paixões e
desejos; atormentados por preocupações; despedaçados por problemas e
conflitos; prostrados pela dor e pela culpa. Ainda hoje nos continuamos a
aniquilar mutuamente pela guerra e pelo crime. Ainda hoje não conseguimos
cooperar na chefia dos nossos destinos em trabalho comum, orientado e
construtivo. E ainda hoje nos encontramos sem resposta perante a eterna questão:
Qual o sentido da existência humana?
Desde sempre que a Humanidade tentou criar um instrumento espiritual
superstição e religião, filosofia e ciência para compreender a divindade e se
compreender a si própria, para se saber orientar neste mundo e no seu próprio
íntimo e
para conseguir realizar uma vida boa e plena de sentido.
Constantemente se frustrou esta esperança da Humanidade. A última e mais amarga
destas desilusões, o deflagrar de duas guerras e o aniquilamento parcial da
nossa cultura do Ocidente, muitos de nós a experimentámos e, de momento, todos,
de respiração suspensa, nos encontramos perante o fenómeno impressionante de
movimentos espantosos nos quais se empenharam massas gigantescas de gente em
todo o globo terrestre. Que podemos, que devemos fazer?
Parece nada existir que possamos fazer. A única coisa com
sentido que podemos empreender consiste em trabalhar para adquirir uma melhor
compreensão dos fenómenos que ocorrem no mundo, com o fim de assegurarmos uma
concepção própria e de obtermos para o nosso procedimento uma linha de conduta,
uma filosofia da vida.
Na medida em que para tal necessitarmos da compreensão dos acontecimentos
exteriores que ocorrem no mundo, servirnosa
o que os jornais e as revistas, os livros, a rádio e a televisão relatam em
todos os domínios da política, da economia, da cultura. Mas, logo que tomemos em
consideração os fenómenos internos, aquilo que se passa em nós próprios, existe
hoje em
dia um único método útil provido de sentido e digno de confiança que pode
auxiliar a nossa autocompreensão e o nosso
autogoverno: esse método único é a Psicologia. Eis porque o
nosso tempo necessita da psicologia, eis porque o homem do nosso tempo necessita
dela como o único fundamento do autoconhecimento e da autoorientação em que
pode confiar.
Na exposição seguinte fazse a tentativa de proporcionar a
vastos círculos dos nossos contemporâneos o acesso à compreensão psicológica e à
autocompreensão, conferindolhes simultaneamente uma visão dos diferentes
âmbitos que a moderna psicologia abrange. Por esse motivo, apresentamos ao
leitor, em três partes principais, a Psicologia do Indivíduo, a Psicologia da
Sociedade e a utilização prática dos conhecimentos psicológicos.
Teremos alcançado o fim desta obra se, através dela, conseguirmos proporcionar
ao leitor conhecimentos e pontos de vista com o auxílio dos quais ele venha a
sentirse mais apto a compreender a vida, o mundo e a grande tarefa de ser
senhor da própria vida, do que antes de ter procedido à sua leitura.
2. O QUE É E O QUE ABRANGE A PSICOLOGIA?
A Psicologia é a doutrina da vida anímica. Esta vida anímica, que todos
conhecemos, tem para nós um acesso directo. Em primeiro lugar temos conhecimento
dela pelo constante fluir do nosso sentir e pensar, da nossa recordação e
esperança, das nossas percepções e de outras experiências semelhantes.
Depois, numa camada mais profunda, experimentamos coisas mais inquietantes e de
mais longo alcance como, por exemplo, problemas e conflitos, desejos ocultos,
sentimentos de medo e
de culpa, de aflição e felicidade.
E, se olharmos para uma camada ainda mais profunda, atingimos o domínio
daqueles enigmas da vida perante os quais nos detemos perplexos, na busca eterna
do sentido e correlação da nossa existência.
Tudo isto e ainda mais constitui a nossa vida anímica, cujas profundezas os
pensadores e poetas da Humanidade desde sempre ambicionaram pesquisar.
A moderna psicologia científica, nos seus primórdios históricos com Gustav
Fechner e Wilhelm Wundt, limitouse, como veremos, à pesquisa daqueles fenómenos
internos que são acessíveis à observação imediata e hoje se denominam funções
anímicas. Em breve, porém, a psicologia sofreu um desenvolvimento insuspeitado
em muitas direcções. Estendendose em sentido horizontal passou a abranger, a
pouco e pouco, todos os domínios da vida moderna, sobre os quais o homem tem
influência ou que actuam sobre o seu íntimo.
Existe assim uma Psicologia Funcional e Experimental, uma
Psicologia do Desenvolvimento, da Personalidade e uma Psicologia Social, uma
Psicologia Industrial, do Ensino, da Escola e das Idades, uma Psicologia do
Exército e uma Psicologia dos Serviços Públicos.
Simultaneamente, porém, a Psicologia estendeuse em profundidade. Do confronto
com a Psiquiatria moderna e a Filosofia, e do trabalho realizado em comum com
estas disciplinas, surgiram as novas orientações da Psicologia Clínica e da
Psicologia Existencial.
Estas expressões necessitam de explicação. A Psiquiatria é uma disciplina médica
que de início se ocupava, essencialmente, da vida anímica perturbada.
Modernamente a Psiquiatria desenvolveu um interesse crescente pela comparação da
vida anímica perturbada com a vida anímica sã. Isto diz respeito tanto à recente
investigação dos tipos, criada por Ernst Kretschmer, como, ainda em mais alto
grau, à moderna Psicologia Profunda, iniciada com a Psicanálise de Sigmund
Freud.
Ambos os ramos da investigação um criando uma base científica para a ideia dos
tipos humanos, o outro trazendo a motivação humana desde as profundezas do
inconsciente até à luz do dia foram prosseguidos por psicólogos no sentido do
estudo do desenvolvimento e da personalidade sãos. É hoje frequente o Psiquiatra
de formação médica e orientação psicológica e o Psicólogo Clínico, formado no
estudo tanto da vida anímica normal como perturbada, fazerem um trabalho de
colaboração, quando se trata de diagnóstico, orientação e tratamento de
problemas de vida humanos. Ambas as disciplinas utilizam aqui métodos e
concepções da Psicologia Profunda.
Finalmente o Existencialismo é, como adiante se exporá mais pormenorizadamente,
uma Filosofia moderna que investiga questões da existência humana. Também este
aspecto do problema é hoje incluído na Psicologia e manejado sobretudo por
Psicólogos Clínicos.
Assim, o Psicólogo Clínico é (como aqui apenas se indicou, mas se mostrará em
pormenor na última parte desta obra), de entre os Psicólogos o especialista que
se ocupa dos problemas da vida e da existência humanas.
A extensão em largura e em profundidade da Psicologia actual, de que este livro
pretende dar uma imagem marcante, conferenos a esperança de que esta ciência
esteja apta como nenhuma antes dela a assistirnos na compreensão de nós
próprios e dos nossos problemas e a indicarnos o caminho para uma orientação da
nossa vida, que seja a um tempo significativa e satisfatória.
3. A PSICOLOGIA ACTUAL E ALGO DO SEU PASSADO
A reflexão sobre o que a Psicologia hoje é e o que ela foi outrora abre
perspectivas interessantes. O presente livro consta de três partes: uma sobre a
Psicologia do Indivíduo, outra sobre a Psicologia das relações e grupos sociais
e outra ainda sobre a aplicação prática da Psicologia. Estas três partes têm no
nosso livro um relevo aproximadamente igual. Ou exprimindonos de modo
diferente: o significado da Psicologia para a compreensão da vida em comum e da
vida prática duplicouse, por assim dizer, em face do seu interesse inicial,
dirigido predominantemente para os problemas do indivíduo.
Mas também no seu papel de compreensão do indivíduo a Psicologia se modificou
completamente. Hoje surge em primeiro plano a interpretação psicológica da vida
humana, da personalidade humana, do desenvolvimento humano e da saúde ou doenças
anímicas, enquanto a doutrina das funções e realizações anímicas, outrora
predominante, recuou para segundo plano como problemática isolada.
No entanto, isto não quer dizer de modo nenhum que este importante período da
história da psicologia se tenha revelado
supérfluo ou erróneo. De forma alguma. Pelo contrário: sem a extraordinária
compilação de conhecimentos que a Psicologia Funcional realizou e ainda
continua a realizar, não teríamos a
possibilidade de amplificar a nossa actual investigação da maneira como hoje o
fazemos. A investigação funcional é e permanece um alicerce do edifício da
moderna Psicologia. Com efeito, se não soubéssemos como trabalham os nossos
órgãos sensoriais, o nosso equipamento perceptivo, os nossos processos de
pensar,
a nossa capacidade motora, a nossa vida afectiva como poderíamos pronunciar o
que quer que fosse sobre o homem enquanto ser que actua, se desenvolve e domina
o mundo que o rodeia?
Por outro lado, porém, a Psicologia Funcional foi influenciada retroactivamente
pelo desenvolvimento verificado nos outros domínios. A compreensão do
procedimento humano, sobretudo da motivação; a compreensão dos acontecimentos
passados dentro de grupos humanos, graças sobretudo ao extraordinário
desenvolvimento da Antropologia e do estudo experimental dos fenómenos ocorridos
em grupo; a apresentação do papel prático da Psicologia sobretudo na Saúde
Mental, Educação e Economia tudo isso se demonstrou retroactivamente ser do
maior interesse para a moderna Psicologia Funcional. Na investigação das
percepções, por exemplo, vieram à luz factos absolutamente novos, mal se teve em
consideração a influência da motivação, ou
seja, dos objectivos que elas servem.
Após estas considerações preliminares sobre a situação actual da Psicologia,
observemos, algo de mais perto, os pormenores históricos.
DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA DO INDIVÍDUO
Temse afirmado que a Psicologia é uma ciência com um longo passado mas com uma
curta história. Tal frase lança luz sobre o facto de os povos de todos os tempos
e de todas as
culturas se terem ocupado dos problemas da alma e da vida
humanas. A partir dos testemunhos escritos que nos ficaram das antigas culturas
da índia, da China, da Ásia Anterior, do Delta do Nilo, Z partir
de mitos e contos
populares bem como de obras eruditas, podemos depreender que os homens sem
pre reflectiram sobre a
alma, sobre a morte e a imortalidade, sobre o bem e o mal e sobre as causas dos
seus medos e preocupações
A nossa ciência ocidental remonta à Antiga Grécia. Do mesmo modo a psicologia
moderna radica em HelIas: o antigo escrito do filósofo grego Aristóteles (384
322 a. C.) «Acerca da Alma», quase com 2300 anos, é designado muitas vezes como
o primeiro manual de Psicologia. De facto, este grande mestre da ciência antiga
tratou de quase todos os problemas que ainda hoje nos ocupam; interessouse de
modo muito especial pela questão dos fundamentos biológicos da vida anímica e do
desenvolvimento anímico. Uma tese importante de Aristóteles foi retomada no
nosso século por Christian von
25 Os quatro temperamentos segundo a concepção medieval. À esquerda o
sanguíneo, caracterizado corno amigo da «alegria e da música, do vinho e das
mulheres». Ao lado o fleumático que, segundo se diz, gosta da «preguiça e do
sono». O melancólico tem «olhar turvo e pouca temeridade», ao passo que
**EhrenfeIs e a chamada Escola de Psicólogos de Berlim a tese
de que o todo vem antes das partes e é, portanto, mais do que o somatório das
suas partes. Uma comparação poderá ilustrar o que se entende por isto: cada
floresta é mais do que o somatório das árvores, arbustos e ervas que a
constituem e dos animais que nela habitam; é uma totalidade própria com
características especiais que pertencem à totalidade. Porém, tais totalidades
existem igualmente no domínio psíquico. Esta concepção opõese à opinião de
Wilhelm Wundt (18321920), de que o Todo da Alma é constituído a partir de
processos elementares, opinião que, a princípio, dominou a moderna Psicologia
Científica. Esta doutrina, orientada pelo pensamento atomista da Física, foi
combatida desde os primórdios do pensamento ocidental e
é ainda hoje refutada por aqueles que vêem a vida como caracterizada pela ânsia
para atingir um fim e a consideram sustentada por essa ânsia.
Os Gregos consideravam a alma como o sopro da vida, como
o que vivificava a vida. Como, porém, se realizava essa vivificação foi problema
que permaneceu tão discutido quanto insolúvel. Já muito antes de Aristóteles,
Tales de Mileto (cerca de 600 a. C.) considerou o movimento como o essencial
para a vivificação; como consequência disso, atribuiu uma alma ao magnete visto
o colérico é considerado «sempre violento, apaixonado e cheio de fogo». Os
temperamentos deveriam corresponder não só aos quatro humores como aos
«elementos» dos antigos. O sanguíneo ao ar, o fleumático à água, o melancólico à
terra e o colérico ao fogo (Segundo um manuscrito medieval)
ele movimentar o ferro. Alguns dos filósofos da Antiga Grécia pensavam que a
alma era «ar»; outros, que os odores teriam algo que ver com o elemento
«vivificante». Heinrich Gomperz, um dos mais distintos investigadores do Mundo
Antigo, referindose a um discípulo anónimo de Pitágoras (cerca de 550 a. C.),
relata a doutrina de que «almas incorpóreas vivem de aromas
e que, na realidade, alguns animais, especialmente as abelhas, fazem o mesmo».
Platão (427347 a. C.) qualifica a alma de ser espiritual; o seu discípulo
Aristóteles consideravaa como uma força, aliás incorpórea mas que movia e
dominava os corpos. A par de tais concepções, adquiridas exclusivamente pela
especulação, existiam no entanto também já na Antiguidade, estudos amplos sobre
processos cerebrais, sobre as funções dos órgãos sensoriais e
sobre perturbações destas funções em caso de lesões cerebrais.
P. P. Wiener e A. Noland, na introdução do instrutivo volume sobre as «Raízes do
Pensar Científico» por eles editado, indicam como é ainda possível reconhecer
nitidamente nas concepções actuais sobre a vida, o crescimento e o
desenvolvimento, a continuidade a partir da Antiga Grécia o que não quer dizer
que não se tenham dado simultaneamente grandes desvios em determinadas
direcções. Ainda hoje continuamos a seguir o modo
como os pensadores antigos procuravam princípios que pudessem ser considerados
inerentes aos acontecimentos ocorridos na Natureza e na vida anímica e que
pudessem tornar compreensíveis a nós, seres humanos, a Natureza que nos rodeia e
a alma que em
nós habita.
Não é possível entrar aqui no domínio das muitas relações de interesse histórico
existentes entre a investigação e a
prática psicológicas realizadas actualmente e na Antiguidade, bem como entre
elas e o pensamento e investigação dos séculos posteriores. Destacamos apenas
alguns factos que continuam a ser significativos para o nosso pensamento actual.
Ao grande médico grego Hipócrates (cerca de 400 a. C.) remonta a doutrina dos
quatro temperamentos, retomada e desenvolvida pelo médico romano
Galeno (131 até 201 a. C.). Segundo ele, existem quatro temperamentos,
determinados pela predominância de um dos quatro «humores»: o sanguíneo (sangue:
folgazão e superficial), o colérico (bílis amarela: vontade forte e iras
repentinas), o melancólico (bílis negra: pensativo e triste) e o
fleumático (muco: sossegado e
inactivo). Apesar do seu **fun67 Os quatro temperamentos segundo a
representação de Johann Kaspar Lavater nos seus célebres «Fragmentos
Fisionómicos» (1771 / 1773)
damento pseudocientífico, a doutrina dos quatro temperamentos afirmouse na
prática; os quatro tipos foram finalmente introduzidos como noções na nossa
linguagem do dia a dia.
De interesse para a Psicologia actual é o Doutor da Igreja Santo Agostinho (354
430) pelo facto de ter descoberto dois métodos importantes: o da autoobservação
e o da descrição da experiência interior.
Podemos agora passar por sobre vários séculos até chegarmos ao próximo pensador
que voltou a influenciar a Psicologia de modo decisivo: tratase de John Locke
(16321704), ao sublinhar o papel que desempenham as impressões sensoriais para
o desenvolvimento da nossa experiência. Imaginou o espírito da criança como uma
folha de papel em branco (tabula rasa) na qual são «registadas» as experiências.
Já Aristóteles se ocupara das associações, da combinação de duas ou mais
representações ou vivências parciais. O facto de David Hume (17111776) ter
retomado e aperfeiçoado a teoria aristotélica das associações demonstrou ser de
extraordinária importância, também para a actual Psicologia. Hume ensinou que as
representações eram imagens de impressões sensoriais e
se encontravam ligadas umas às outras com base em leis mecanicamente funcionais.
Continuando o pensamento de Aristóteles, formulou as leis da associação do
contacto espaçotempo (nó no lenço deitar cartas no correio), da semelhança
(pinheiro abeto), do contraste (preto branco) e da casualidade (aroma
flor). Esta doutrina não só influenciou em extremo a Psicologia como muitos dos
seus representantes reivindicaram até aos nossos dias, para este princípio de
pensamento, um tal direito de exclusividade que no período posterior a Wundt
ao qual já nos iremos referir mais pormenorizadamente se travaram vivas
discussões sobre a Psicologia Associacionista.
Toda a Psicologia fora praticada até aos meados do século XX de modo
predominantemente especulativo: julgavase poder solucionar todos os problemas
pensando. O principal impulso para o procedimento empírico na psicologia para
o método de observação e experiência proveio, como Ernest Hilgard, entre
outros, acentuou, de Charles Darwin (18091882), o fundador da moderna doutrina
genética e da hereditariedade. A obra monumental de Darwin, «A Origem das
Espécies» (1859), influenciou de modo revolucionário quase todos os domínios da
ciência; Charles Darwin, porém, a par das suas investigações biológicas
revolucionárias, ocupouse igualmente de uma série de problemas que hoje
denominaríamos psicológicos. Hilgard aponta estas relações num
estudo sugestivo sobre «A Psicologia após Darwin». Frisa como
Gustav Theodor Fechner
18011887
9 Wilhelm Wundt
18321920
10 Franz Brentano
18381917
as ideias de Darwin deram novo impulso à investigação psicológica e constituíram
o fundamento para muitos campos da moderna Psicologia: a Psicologia do
Desenvolvimento e a Psicologia Animal, o estudo da expressão dos movimentos
afectivos, a investigação das diferenças entre os diversos indivíduos, o
problema da influência da hereditariedade em comparação com
a do meio ambiente, o problema do papel da consciência e, logo a seguir, o
estudo experimental de funções anímicas e a introdução do princípio quantitativo
da investigação.
O historiador Boring, cuja formação académica remonta a
Wilhelra Wundt passando por Edward E. Titchener, afirma, em
determinado passo, acerca da psicologia americana: «Herdou o
corpo da investigação experimental alemã; o espírito, porém, provém de Darwin.»
Referese assim à tradição americana fundada com base em William James (1842
1910) e John Dewey (18591952) que diferentemente da tradição alemã criada por
Wundt transfere para primeiro plano as questões da Biologia, do Desenvolvimento
e da Actividade Anímica.
Em face disto, cabe a Wilhelm Wundt o mérito único de ter sido o primeiro a
criar em grande escala uma Psicologia Experimental, pouco depois de Gustav
Theodor Fechmer (18011887) ter demonstrado pela primeira vez como se faz uso da
experimentação, da observação exacta e da medição para os
problemas psicológicos. Historicamente é interessante verificar que as primeiras
publicações de Fechner e Wundt sobre as
11 William James
18421910
12 Wilhelm Th. Preyer
18421897
13 Iwan P. Pawlow
18491936
Percepções Sensoriais surgiram ao mesmo tempo que a «Origem das Espécies» de
Charles Darwin: os «Elementos da Psicofísica» de Fechner apareceram em 1860 e os
«Contributos para uma
Teoria das Percepções Sensoriais» de Wundt, no ano de 1862.
O lugar de primazia que Wundt ocupa entre os psicólogos e
a sua influência internacional, absolutamente espantosa, têm fundamento numa
série de circunstâncias. Wundt não se limitou a criar em 1879, em Leipzig, o
primeiro laboratório destinado à investigação experimental dos fenómenos da
consciência, facto que muitos consideraram o início da Psicologia como ciência
independente. Desenvolveu, além disso, um sistema amplo da nova ciência, desde a
Psicologia Experimental Fisiológica até à Psicologia dos Povos. E, finalmente,
possuía invulgar capacidade e fecundidade de trabalho. Boring calculou que,
entre 1853 e
1920, Wundt escreveu ou refundiu nada menos do que 53 735 páginas.
A concepção da Psicologia de Wundt era orientada pela Física. Tal como o físico,
ele pretendia encontrar elementos e
processos elementares; a partir deles pensava poder construir a
alma como um todo. No entanto, também ele próprio, no fundo, não estava
absolutamente convencido desta ideia, como demonstra o facto de ter esperado que
a Psicologia dos Povos fornecesse de qualquer modo conhecimento para os
fenómenos mais complicados da alma. Contudo como Karl Bühler apontou mais tarde
na sua «Crise da Psicologia», Wundt nunca desenvolveu
nas suas meditações o seu conceito da alma dos povos até às últimas
consequências.
Apesar da grandiosa concepção fundamental, a Psicologia dos Povos de Wundt não
levou a quaisquer resultados duradouros precisamente no que se refere à
compreensão dos fenómenos mais complicados da alma e muito menos do
desenvolvimento humano. Enquanto Wundt se agarrava teimosamente à ideia da sua
Psicologia dos Povos, outros estudavam os fenómenos de maturação por meio da
observação de animais e de crianças. Wundt não se interessou pela observação de
animais tal como
a praticaram Lloyd Morgan, Karl Groos, Robert M. Yerkes, Edward L. Thorndike e
Wolfgang Kõhler. E, como Elfriede Hõhn acentua num excelente artigo sobre a
História da Psicologia do Desenvolvimento, manteve uma atitude absolutamente
céptica perante o desabrochar da Psicologia Infantil.
Este ramo da Psicologia, que incide exclusivamente sobre a
observação do comportamento animal e humano e dos processos de maturação de tal
comportamento, foi, de início, prosseguido principalmente pelo círculo de
investigação anglosaxónico. De Francis Galton, Lloyd Morgan, William McDougall
a Thorndike, Yerkes e John B. Watson, encontramos uma série de investigações
brilhantes que se ocupam das questões da hereditariedade, do comportamento
animal, dos instintos, do comportamento infantil. John B. Watson é considerado o
verdadeiro fundador do Behaviorismo como doutrina que pretendia basear exclusi14
Sigmund Freud
18561939
15 Alfred Binet
18571911
16 John Dewey
18591952
vamente no estudo do comportamento observado todas as conclusões acerca do
desenvolvimento infantil.
Hoje em dia a Psicologia Animal e a Psicologia Infantil constituem dois ramos
espantosamente vastos e significativos da investigação psicológica. A tradição
das observações realizadas em animais foi continuada em muitos países; e, pela
comparação sagaz do comportamento animal e humano, levada a efeito nas
investigações de Wolfgang Kõhler, Howard LiddelI, Nikolaas Tinbergen, Konrad
Lorenz e Otto Koehler, permitiu que se obtivessem conhecimentos fundamentais
sobre as funções psíquicas em diferentes fases do desenvolvimento.
É do conhecimento geral o grande incremento sofrido pela Psicologia da Criança e
do Adolescente; não existem muitas ciências que se tenham desenvolvido de forma
tão admirável em extensão e em profundidade. A Psicologia da Criança o a
Psicologia do Adolescente amplificadas ao âmbito da investigação experimental,
desde Karl Bühler e David Katz até Arnold Gesell e Jean Piaget tornaramse, no
decorrer de meio século, quase impossíveis de abranger.
Ê menos conhecido o facto de Darwin ter escrito um diário sobre o
desenvolvimento do filho, simultaneamente com Hippolyte Taine, com o qual
manteve correspondência sobre o assunto. A ideia de anotar o desenvolvimento
anímico da criança sob a
forma de diário, já realizada um século antes pelo psicólogo alemão Dietrich
Tiedemann, voltou a ser retomada pela Psico
20 Kurt Goldstein * 1878
Karl Bühler * 1879
22 Arnold Gesell
18811961
logia da Criança e do Adolescente e, em consequência do livro de Wilhelra Preyer
«A Alma da Criança» (1882), experimentou uma divulgação internacional semelhante
à Psicologia Experimental de Wundt. Clara e William Stern (18711938) foram, sem
dúvida, os primeiros a prosseguir, durante anos, já em mais larga escala e com
uma grande problemática psicológica, o que Tiedemann, Darwin e Preyer tinham
iniciado. Hoje escrevemse
em todo o mundo diários infantis. Os nossos actuais estudos longitudinais no
âmbito da Psicologia Infantil ou seja, investigações que estudam o
desenvolvimento dos indivíduos fazendo um corte longitudinal representam o mais
moderno descendente deste movimento.
Na década de vinte, e em ligação com as ideias de Preyer e John B. Watson,
realizaramse, em diversos locais, observações permanentes em lactentes, as
quais se estendiam por alguns dias durante as 24 horas do dia. Esses inventários
do primeiro ano
de vida foram realizados com pequenos intervalos por A. Gesell em New Haven,
Wladimir Bechterew em S. Petersburgo, actualmente Leninegrado, bem como por
Charlotte Bühler e Hildegard Hetzer em Viena.
Mas não só na Psicologia Evolutiva como também no próprio círculo dos
continuadores de Wundt, entre os investigadores experimentais das funções
anímicas, se deu uma insurreição contra a sua Psicologia Atomista e Associativa.
Devemos referirnos primeiramente aos psicólogos da inteligência e da forma, que
seguiram a doutrina de Franz Brentano
23 Karen Horney
18851952
24 Wolfgang Kõhler * 1887
25 Kurt Lewin
18901947
(18381917), Christian von EhrenfeIs (18591932) e Edmund Husserl (18591938).
Estes dois grupos, que costumam normalmente ser designados por a Escola de
Würzburg e a de Berlim, insistiam em que a compreensão de relações de sentido e
a percepção de formas, ou seja de formas e totalidades, são processos de uma
espécie própria e não se podem explicar como sendo formados por elementos.
Apresentavam além disso a comprovação experimental para exactidão da sua
tese. Não são as representações mas sim as suas relações que decidem do sentido
de um pensamento, assim respondeu corajosamente Karl Bühler, um dos mais jovens
representantes da Escola de Würzburg, a uma crítica severa por parte do grande
mestre Wundt.
Tal como Oswald Külpe, Narziss Ach, Karl Bühler e Otto Selz demonstraram o
princípio da atribuição de sentido no
pensamento, assim mostraram Max Wertheimer, Wolfgang KõhIer, Kurt Koffka, Kurt
Goldstein, e mais tarde Kurt Lewin, os fenómenos estruturais na percepção. Estas
são operações específicas, por meio das quais se constroem as nossas percepções:
é que acontece que as impressões sensoriais não são simplesmente reflectidas e
ligadas umas com as outras, mas dáse a partir de diferentes centros cerebrais
uma projecção das impressões sensoriais em diferentes direcções. Quer dizer as
nossas percepções realizamse, tal como o nosso pensamento, através da
actividade espiritual.
26
Ernst Kretschmer
18881964
Ainda num outro sector se defendeu a
validade do princípio do sentido. «Reivindico a palavra Psicologia para a
ciência da vida provida de sentido» declarou Eduard Spranger no ano de 1922 numa
máxima verdadeiramente clássica. A palavra sentido é definida aqui de modo algo
diferente do que na
Psicologia da Inteligência, para a
qual sentido significa o contexto espiritual de um pensamento. Spranger define
sentido como
«aquilo que está integrado num
todo de valores como membro constituinte» ou, por outras palavras: provido de
sentido é aquilo que contribui para a realização de valores.
Spranger, que, seguindo as
ideias de Wilhelra Dilthey (18331911), contrapõe uma Psicologia compreensiva à
Psicologia explicativa dos experimentalistas, é de opinião que o essencial na
vida humana é a orientação dos valores. Deverseia compreender o
homem a partir do «espírito objectivo», produtor de valores.
Na linguagem da moderna Psicologia isso quereria dizer que Spranger se ocupa
exclusivamente
27 Jean Piaget com as finalidades de valor e com
1896 os produtos de cultura formados
através deles, enquanto considera o estudo da realização das acções humanas
desprovido de importância. Porém, como Karl Bühler acentua na sua obra «A Crise
da Psicologia>@, ambos os aspectos são importantes.
Um terceiro grupo ocupouse ainda de outra maneira com a relação de sentido das
finalidades. Este facto mostra cada vez
mais claramente que o ponto de vista do sentido ocupa o primeiro plano na
moderna Psicologia. É a relação de sentido da acção motivada, tal como Sigmund
Freud (18561939), o fundador da
Psicanálise, a viu e descreveu aliás, como a descreveu, no início da sua
teorização dentro dos estreitos limites daquilo que ele definiu como Libido, ou
seja, dentro dos limites da ânsia de prazer e satisfação sexuais.
Mais adiante referirnosemos mais pormenorizadamente a
Sigmund Freud e à sua obra, que não só revolucionou a Psicologia e a Psiquiatria
como todo o pensamento do nosso tempo. Por agora bastará dizer que tanto Freud
como os seus continuadores e os seus críticos só gradualmente conseguiram
encarar
numa base mais larga a relação de sentido da acção motivada.
Compreendese por isto a concepção cada vez mais divulgada hoje em dia de que
todo o nosso pensamento e procedimento humano visa a satisfação de determinadas
necessidades e adquire o seu sentido a partir de tal. Sob este ponto de vista,
todo o
procedimento é provido de sentido uma vez que é determinado por motivos.
Mesmo o pensamento e procedimento dos doentes mentais tem sentido, isto é, tem
em vista um objectivo, ainda que o sentido dos próprios objectivos seja mal
compreendido pelo doente. No entanto, uma vez que mesmo esse sentido mal
compreendido é muitas vezes susceptível de ser interpretado pelo analista, é
possível, em muitos casos, ajudar o doente a adquirir uma melhor autocompreensão
e um procedimento normal.
Também a interpretação dos sonhos é provida de sentido, visto que lhe é inerente
uma finalidade dirigida no sentido da satisfação de necessidades.
A interpretação, introduzida por Freud no pensamento psicológico como novo
princípio fundamental, deve ser utilizada sempre que a pessoa que actua oculta a
si próprio e aos outros o verdadeiro objectivo dos seus anseios. Em tais casos
ela pensa e actua simbolicamente, quer dizer (e isso acontece
inconscientemente), em vez do objectivo verdadeiro coloca um objectivo
substituto ou ilusório, para desviar a atenção de intenções que lhe parecem
contestáveis, reprováveis ou puníveis.
No princípio do sentido amplo aqui desenvolvido, encontramse incluídos tanto o
princípio da relação de sentido no
nosso pensamento, acentuado pela Psicologia da Inteligência,
como o princípio de sentido das finalidades de valor, defendido por Spranger.
A teoria do procedimento revestido de sentido, explicável pela sua motivação e
compreensível pelo seu objectivo é decisiva nas
tendências hoje em dia confluentes da Neoanálise e da Psicologia do Eu que se
desenvolveram a partir da Psicanálise de Freud e da Psicologia do
Desenvolvimento e Psicologia Clínica, fundamentadas na moderna Biologia,
orientadas analiticamente e enriquecidas por investigações psicológicosociais e
antropológicas. Compreenderemos melhor todas estas tendências quando, mediante
exemplos concretos, virmos mais nitidamente o que se passa nesta Psicologia
Moderna, tanto no aspecto teórico como prático.
No ano de 1927 surgiu, em primeira edição, a obra de Karl Bühler, «A Crise da
Psicologia». Se olharmos retrospectivamente para o período que antecedeu esta
obra, verificaremos que esta nova ciência da Psicologia experimentara no
decorrer de uma geração uma ramificação espantosa ramificação esta que não só
originou confusão como muitas dissidências no que respeita à matéria e ao
método.
As divergências na matéria foram ocasionadas pelas diferentes concepções sobre a
estrutura dos processos anímicos que surgiram logo após o início desta jovem
ciência. A principal causa para os problemas metodológicos, como Karl Bühler
demonstrou, foi sobretudo o facto de se poder abordar por diferentes lados o
objecto da Psicologia, visto este objecto ter três aspectos segundo a natureza
da coisa. Karl Bühler denominouos o aspecto das vivências interiores, o aspecto
do comportamento exterior e o aspecto dos produtos que nós criamos.
A partir deste importante juízo explicamse muitas das diferenças que se tinham
verificado quanto à fidedignidade e adequação do processo de investigação.
Nestas divergências tratase de algo mais do que de questões de ordem técnica.
Tratase antes do problema: a partir de onde se deve processar o acesso à alma,
que permita obter os resultados mais profícuos? Seja o
que for essa alma sabemolo hoje em dia tãopouco como os
antigos Gregos no início das suas buscas. Ainda hoje discutimos, como se
mostrará nos nossos capítulos sobre «Motivação» e « Personalidade », sobre o que
é o conteúdo essencial da alma e sobre se existe algo que se possa denominar um
centro de ipsidade.
Mas seja como for podemos evidentemente, como Karl Bühler aponta, apoderarnos
dessa alma a partir de três lados, em diferente grau e utilizando diversos
meios. Podemos observar, analisar, interpretar as nossas vivências e realizar
experiências com elas. Podemos observar o comportamento, estudálo utilizando a
numeração e a contagem, podemos variálo experimentalmente, podemos, a partir
dele, tirar conclusões sobre as vivências. E, finalmente, podemos, a partir dos
produtos que o espírito humano cria nos fenómenos de relação entre os homens, na
linguagem e utensílios, nas obras manuais e espirituais, na
indústria e comércio, na arte e na ciência, tirar conclusões sobre as acções e
fenómenos espirituais que os produzem.
O mérito duradouro de Karl Bühler consiste em ter apontado a legitimidade dos
três processos metodológicos e em ter mostrado a necessidade de utilizar estes
três acessos à vida anímica.
Porém, se hoje não olharmos retrospectivamente para o período que antecedeu a
obra de Karl Bühler, mas contemplarmos a geração que se lhe seguiu, podemos
comprovar com satisfação que, apesar das dissidências ainda existentes entre as
diferentes escolas, se processou, contudo, uma grande classificação numa vasta
linha. O presente livro procurará dar testemunho dela. Antes disso, porém,
consideremos as origens históricas da Psicologia Social e da Psicologia
Aplicada,
DA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA SOCIAL E DA ANTROPOLOGIA CULTURAL
Como Fay B. Karpf afirma, à maneira de introdução na sua obra clássica «American
Social Psychology», tanto se pode designar a Psicologia Social uma ciência muito
antiga como uma ciência absolutamente nova. Ambas as afirmações se justificam. É
fora de dúvida que este campo de investigação tem uma história prévia tão longa
como a Psicologia Geral. Contudo, na sua fundamentação especificamente
científica, a Psicologia Social é uma ciência muito recente.
Gordon Alport, que partilha a mesma opinião de Karpf, afirma que desde Platão e
Aristóteles até Lazarus e Steinthal, Tarde e E. A. Ross, passando por Hobbes,
Comte e Hegel, muitos pensadores foram designados « o pai da Psicologia Social».
Em todo o caso, o conceito «Sociologia» foi criado em 1839 por Auguste Cornte
(17981857), assim como foi o sociólogo Edward A. Ross quem, em 1908, escreveu o
primeiro livro com o título «Psicologia Social». No mesmo ano foi também
publicada a primeira Psicologia Social de um Psicólogo, a de W. McDougall.
Encontramonos assim já perante um problema inicial para o qual Allport chama a
atenção: não existe verdadeiramente uma demarcação nítida entre a Psicologia
Social e as outras Ciências Sociais. Em muitas obras, as Ciências Económicas, a
Antropologia Cultural e a Sociologia interpenetramse com considerações da ordem
da Psicologia Social. Todas estas ciências, às quais recentemente se juntaram a
Psicologia Teórica e Prática da Indústria e do Mercado, se encontram em estreita
ligação entre si.
G. Allport apresenta como definição que a Psicologia Social se ocupa da vida do
indivíduo isolado dentro da sociedade, e
afirma que os psicólogos sociais pretendem compreender e explicar de que modo a
maneira de pensar, de sentir e o comportamento dos indivíduos são influenciados
pela real ou imaginária presença dos outros. No entanto, para além desse
aspecto, a
Psicologia Social interessase pelos fenómenos de interacção
das relações recíprocas ‘tanto de indivíduos como de grupos, e estuda o jogo
de forças dentro de grupos, a «dinâmica de grupo», aliás sobretudo no que diz
respeito aos indivíduos actuantes, entendendo nós por grupo todo o produto
social cujos componentes se influenciam e dirigem reciprocamente.
Fay B. Karpf aponta os precursores da moderna Psicologia Social na História do
Pensamento alemão, francês e inglês do último século.
Um dos dados importantes para este nosso contexto é o da fundação da «Revista da
Psicologia dos Povos e Filologia» levado a
cabo por M. Lazarus e H. Steinthal (1860); nesta revista a Antropologia e a
Filologia encontravamse ligadas à Psicologia. Wilhelin
28 O ser humano na multidão: a Psicologia Social investiga como o modo de
pensar, o modo de sentir e o comportamento individuais são influenciados pela
presença dos outros e estuda as relações recíprocas entre os indivíduos e os
grupos sociais, bem como o jogo de forças operado no
interior desses grupos
29 A «Revista de Psicologia dos Povos e de Filologia», fundada em 1860 por M.
Lazarus e H. Steinthal, foi publicada até ao ano de 1890
(I) d) til o Wundt, pelo contrário, separando estas dis
U«
ciplinas, definiu o método de observação da Psicologia dos Povos como um
processo complementar do método experimental utilizada na Psicologia Individual.
Pe entre os Sociólogos alemães do fim do século passado e princípios do actual é
Geork Simmel (18581918) quem ainda hoje em di@ exerce maior influência na
Psicologia Social @pela sua investigação teórica dos fenómenos fundamentais da
Psicologia Social, tal como «relação social», «interacção» * outros fenómenos
semelhantes.
**Tam@ém Max Weber (18641920) voltou * adquirir recentemente um significado
crescente, sobretudo em relação com problemas de formação de grupos políticos e
económicos e com os do papel dos dirigentes. Inkeles referese a
ele como sendo talvez o maior investigador sociológico dos fenómenos sociais
considerados em extensão.
Juntamente, com Max Weber também hoje se faz abundante referência a Ferdinand
Tõnnies (18551936); o seu duplo conceito colectividade e sociedade é este
também o título da sua obra fundamental revelase, agora como outrora, muito
útil na
distinção de grupos naturais (por exemplo, a família) e grupos artificiais,
constituídos em função de uma finalidade (por exemplo, a empresa) bem como na
discussão de problemas da industrialização e das suas consequências.
Karpf caracteriza a Psicologia Social francesa como sendo próxima da vida e
confrontaa com a orientação filosóficoabstracta da Psicologia Social alemã, da
qual aliás seria necessário excluir Max Weber. Karpf nomeia como os mais
importantes representantes franceses: Gabriel Tarde, Emile Durkheim, Lucien
LévyBruh1 e Gustave Le Bon.
Tarde (18431904) e Le Bon (18411931) são geralmente conhecidos por terem sido
os primeiros a descrever os processos psicológicosociais prevalecentes na
multidão. Tarde concebe a sociedade como fundamentada na imitação; Le Bon é de
opinião que a Psicologia das massas tem de ser compreendida a partir da
sugestibilidade dos homens.
Durkheim (18581917) é geralmente citado e criticado sobretudo devido à sua
teoria de um «consciente colectivo». Assim Tarde afirma sarcasticamente a
propósito da tentativa feita por Durkheim. para compreender a sociedade e os
grupos sociais como dado primário: «Põe de parte o indivíduo a sociedade
permanecerá apesar de tudo!» No entanto, hoje em dia, Durkheim tal como Max
Weber readquire importância crescente devido, a
algumas das suas investigações especiais. O seu livro «SuicídiO» (1897) é
designado por Inkeles como um « marco», com a primeira obra moderna de
Psicologia Social. A teoria de Durkheim da integração social e da limitação
social foi introduzida por Henry e Short na moderna teoria psicodinâmica, com
seu trabalho <@Suicídio e Assassínio».
Também o conceito e a teoria da «Divisão do Trabalho» de Durkheim é considerado
hoje em dia fundamenta,39
O colaborador de Durkheim, LévyBruhl (18571 conhecido sobretudo pela
sua utilização para a antropologia s ideias de Durkheim e pela sua teoria da
mentalidade «primitiva», sobretudo dos «povos da natureza». (Esta expressão
«povo da natureza» é utilizada várias vezes no âmbito da língua ale à em vez
dos conceitos «povos primitivos», «sociedades primitivas» e «culturas
primitivas» em uso na literatura anglosaxónica, visto em inglês o sentido da
palavra primitivo não estar tão,'identificado com atraso como acontece em
alemão. No entanto, também o conceito «povos da natureza» não satisfaz
plenamente, visto cada povo da natureza possuir igualmente a sua cu@ ura.) O
pensamento primitivo era considerado por LévyBruh1 como «antelógico» e «mágico»
em oposição ao pensamento «civilizado», lógicocausal concepção esta de que ele
próprio finalmente se
distanciou nos seus «carnets».
LévyBruh1 declarouse em oposição absoluta aos antropologistas ingleses que,
segundo a sua opinião, não compreendiam o «homem primitivo» a partir do seu
ambiente mas com base
nas suas próprias ideias preconcebidas. Estas ideias baseavamse na Teoria
Evolutiva que a partir de Darwin e de Herbert Spencer (18201903) se tornou o
fundamento da Psicologia Social inglesa. Quer dizer a Psicologia Social inglesa
teve origem na Antropologia Cultural.
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Edward B. Tylor (18321917), denominado muitas vezes o
«Pai da Antropologia», foi o primeiro antropologista que, reportandose a
Spencer, definiu o conceito de cultura, na sua obra «A Cultura Primitiva», a
qual marca uma época. Cultura é para ele o todo complexo que engloba saber,
crença, moral, lei, costumes, bem como outras capacidades e hábitos que o homem
adquiriu enquanto membro da sociedade. Tylor desenvolveu em seguida dois
princípios fundamentais que são de tomar em consideração na investigação da
cultura: primeiro, o princípio da uniformidade, que provém do facto de causas
iguais terem frequentemente acções iguais como resultado, e, segundo, o
princípio da evolução: a história da cultura processase em estádios de
desenvolvimento e pode progredir em lugares diversos, em diverso grau.
Da grande escola antropológica inglesa do último quartel do século passado
destacaramse a investigação psicológicosocial do Í@,istinto e a Psicologia
Animal Comparada, que tiveram em
W. McDougall e em Lloyd Morgan os seus fundadores decisivos.
McDougall, cuja «Psicologia Social» a primeira obra com
este título surgiu em 1908 simultaneamente com a obra de Ross, partiu de
instintos congénitos e hereditários cuja lista apresentou. Segundo McDougall,
estes instintos estavam na
origem de todo o comportamento adquirido no decorrer da civilização. Foram
considerados impulsos congénitos.
A concepção do efeito dos impulsos congénitos encontrou grande repercussão junto
dos Psicólogos e Zoologistas europeus; incitou à observação de animais realizada
no seu meio natural e no seu comportamento natural. Assim surgiu a ciência da
Etologia, da investigação comparada do comportamento, que se propôs como
finalidade investigar objectivamente a estrutura causal do comportamento animal
no que respeita aos diversos factores aí actuantes, a combinação destes factores
a sua integração bem como os efeitos que daí resultam; responder, portanto, à
questão «Por que motivo se comporta um animal deste modo e não de outro?»
(Tinbergen), As primeiras tentativas feitas para utilizar os conhecimentos da
Etologia para a
compreensão do comportamento humano foram empreendidas sobretudo por K. Lorenz.
Contudo, a hipótese de que só as necessidades fisiológicas primárias são
responsáveis pela acção, em breve demonstrou ser errónea, mesmo para o
comportamento animal; sobretudo Karl S. Lashley (18901958) e K. Lorenz
mostraram como a conformação estrutural do comportamento e dos mecanismos que
condicionam o comportamento é complicada, sejam quais forem as circunstâncias.
A doutrina dos instintos no que respeita ao comportamento humano sofreu na
América uma recusa radical e uma crítica severa. Aí existia a tendência
contrária, ou seja, a tendência para compreender todo o comportamento como
resultado de uma aprendizagem. John B. Watson remontou mesmo até à
teoria da «Tabula rasa» de John Locke, segundo a qual a alma se assemelhava a
uma «folha em branco» na qual se podia inscrever o que se desejasse.
Se bem que menos radicais, também os antropologistas americanos, sob a direcção
do seu primeiro grande representante Franz Boas (18581942), se mantiveram
afastados da orientação dos europeus, bastante delineada segundo a biologia
hereditária. Clyde Kluckhohn, que considera o conceito de raça um «mito moderno»
, cita as seguintes palavras de Boas: «0 mesmo indivíduo não se comporta de
maneira idêntica em condições culturais diferentes, e a identidade de
comportamento cultural observável em todas as sociedades uniformizadas não pode
ser
atribuída à identidade genética (hereditária) dos indivíduo@ que constituem essa
sociedade.»
Como Fay Karpf nota, a relação entre Psicologia Social e
Antropologia Cultural ainda está longe de ser explicada. /Muitas vezes as duas
não se distinguem, tal como a Sociologia e a
Psicologia Social também se confundem. Talvez seja útil ocuparmonos de algumas
das recentes discussões sobre estes problemas. Não se trata de modo nenhum de
divergências em torno de palavras ocas. As faltas de clareza explicamse antes
pelo facto de as Ciências Sociais sofrerem hoje em dia uma evolução muito
interessante, extraordinariamente viva, desvendandose através de novos métodos,
problemática e teorias.
Alex Inkeles adquiriu méritos especialmente pela clarificação teórica dos
conceitos sociológico e psicológico. Reserva para a Psicologia a pesquisa de
sistemas de personalidade e para a Sociologia a investigação de sistemas
sociais. O estudo de processos de grupo pode então ser considerado como o elo de
ligação entre a Psicologia e a Sociologia.
Alfred Kroeber discute pormenorizadamente o que determina a essência da cultura
e como ela se deve definir, no que é um continuador de Spencer. Spencer referiu
se ao poderoso amontoado de produtos sobreorgânicos, normalmente chamados
«artificiais»; eles constroem sobre o nosso mundo circundante originário um
segundo mundo que se tornou mais importante do que o primeiro. Kroeber
caracteriza a cultura segundo três características principais: primeiro, a
cultura tem uma ordem própria; segundo, tem uma história e é muitas vezes melhor
compreendida a partir da sua história; terceiro, é característica essencial a
cultura representar e realizar valores.
Kroeber aponta igualmente como é difícil delimitar e determinar o todo de uma
determinada cultura. A determinação da integração e continuidade de uma cultura
ocupa
hoje em dia grandemente os antropologistas. A questão de como e por que motivo
surge determinada cultura faz parte, segundo Kroeber, dos mais difíceis
problemas.
Ao Psicólogo Social interessa a investigação da cultura na
medida em que, através dela, adquire conhecimentos importantes sobre o
desenvolvimento da personalidade condicionado culturalmente. Em que medida o
desenvolvimento individual, o decurso da vida e a vida dos grupos são
determinados, por um lado, por factores humanos gerais que surgem em toda a
parte e em que medida, por outro lado, os factores de grupos culturais e
específicos devem ser considerados responsáveis, é um problema ainda insolúvel
mas sobre o qual se fazem estudos pormenorizados. A moderna Antropologia
Cultural veio lançar uma luz completamente nova sobre estas questões, apontando
especialmente a relatividade cultural dos valores que antigamente muitas vezes
considerávamos absolutos.
Assim, a Psicologia Social americana e recentemente também a Psiquiatria Social
fizeram incidir o seu especial interesse sobre os domínios da investigação da
cultura e da subcultura, amplificandoos consideravelmente. Por subcultura
compreendemse os diversos subgrupos culturais que existem precisamente na
América em grande abundância mas se encontram também noutros países em minoria.
A transposição dos princípios da investigação antropológica do estudo de
culturas «primitivas» para a clarificação de problemas que surgem no próprio
país em grupos subculturais, representa um desenvolvimento especificamente
americano.
As outras raízes para a independência da actual Psicologia Social americana
que constitui um dos ramos de conhecimento e de investigação mais amplos da
actualidade parecemme encontrarse em dois lados.
Independente, em primeiro lugar, é o conceito do «eu social» que provém do forte
sentimento de influência fundamental do mundo social circundante. A ideia
acentuadamente expressa neste conceito, para cujo desenvolvimento contribuíram
as reflexões de James M. Baldwin, William James, John Dewey, C. H. Cooley, foi
finalmente posta em relevo por George H. Mead (1913), de uma forma que ainda
hoje consideramos decisiva, e exerceu desde então uma grande influência sobre o
pensamento e o trabalho psicológicosocial. Por conceito do eu social entendese
que o
nosso conhecimento sobre nós próprios adquire uma fundamentação naquilo que os
outros pensam de nós. Quer dizer, o nosso eu tem de facto uma origem social
concepção esta de espantosas consequências. Encontrase em contraste absoluto
com o
conceito do eu como entidade própria e íntima, corno por exemplo Karen Horney o
desenvolveu em ligação com a sua Teoria da Realização do Eu. Aí, tal como em
Erich Fromm, o eu é aquilo que somos no mais íntimo de nós próprios, e pelo
qual também sabemos que o somos.
O eu, tal como Mead o considera, constituise apenas ao
tomar as atitudes dos outros. Na medida em que vê como os
outros, representa os papéis que lhes pertencem. Este conceito dum papel que se
representa, usado na actual Psicologia Social e tão fundamentalmente importante,
foi estudado por Mead em
grandes investigações pormenorizadas. O eu constituise como um eu, múltiplo,
multifacetado, consoante os muitos papéis que representa.
Gordon Allport atribui grande significado a esta teoria. A actual Psicologia
Social americana encontrou um segundo fundamento na Metodologia Empírica, que se
iniciou com estudos de casos concretos. Célebre é o trabalho sobre «o camponês
polaco na Europa e na América» de W. 1. Thomas e F. Znaniecki (19181920) que
desbravou um caminho e é hoje em dia continuado em inúmeras direcções.
Podemse considerar como continuação desta Psicologia Social empírica os estudos
realizados em bairros de criminosos (C. Shaw), as investigações pormenorizadas
em povoações inteiras «Middletown» de Robert e Helen Lynd constitui
presentemente um exemplo clássico e os inventários de grupos
culturais «primitivos», igualmente inovadores, como foram os realizados por Ruth
Benedict e Margaret Mead.
Outros métodos de investigação empírica são os
da Sociometria com o auxílio da qual se investiga a
posição de indivíduos dentro de um grupo (J. L. Moreno, 1934) bem como os de
questionários, entrevistas e outros inquéritos, utilizados primeiramente para
ave30 Em grupos de jovens é possível realizar estudos especialmente sugestivos
sobre a dinâmica das relações recíprocas entre os
componentes de um grupo
**riguação da opinião pública (Gallup poll. 1935) e do pensamento do público
perante as fontes de informação e por ocasião de eleições (P. Lazarsfeld, 1940,
1948). Na prática, estes inquéritos servem hoje em dia em grande escala à
Demoscopia na investigação da opinião pública e elo mercado.
Com o auxílio de todos os métodos apontados bem como
de outros estudos de observação e estudos experimentais, cumpriuse, pouco a
pouco, o programa esboçado por Floyd H. Allport em 1924: a Psicologia Social
devia processarse de modo behaviorístico e experimental.
A estes adicionamse recentemente novos métodos para investigação da dinâmica de
processos de grupo, tal como se
manifestam nas relações recíprocas entre os participantes do grupo. Kurt Lewin e
os seus discípulos, sobretudo Ronald Lippitt e Dorwin Cartwright, desbravaram
aqui um campo de investigação absolutamente novo. Os fenómenos de grupo são
considerados como um «campo de força», no qual as influências exercidas pelos
participantes de um grupo sobre os restantes actuam como «forças». Um exemplo
tornado célebre é a experiência em que Lippitt e White estudaram a estrutura de
comportamento e de motivação dentro de um clube de rapazes, tendo em vista as
influências exercidas pelos diversos chefes: o jogo de forças provocado por
um chefe autoritário revelou ser absolutamente diverso do jogo de forças sob a
direcção de um chefe democrático. Consequentemente desenvolveramse atitudes
absolutamente diferentes por parte dos participantes de grupo em relação uns aos
outros, bem como em relação ao chefe
e aos objectivos do grupo.
Uma pesquisa dos processos de grupo, orientada diferentemente, foi levada a
efeito por Mustafer Sherif, que descobriu a «tendência normativa» de grupos. Com
as suas experiências apresentou a prova da importante teoria dos grupos de
referência, também chamados grupos de relação, estabelecida por Robert K.
Merton. Esta teoria afirma que os seres
humanos têm tendência para receber as suas normas por parte de grupos e a
apoiarse nos valores de grupos para o seu comportamento.
O problema da interacção social pertence hoje em dia aos problemas mais
importantes da Psicologia Social, tanto teórica. como experimental; Th. M.
Newcomb, por exemplo, chega a ver
nele o objecto principal da Psicologia Social. A investigação experimental
servese de preferência de pequenos grupos, cujos participantes são examinados
tendo em vista a sua atitude e os papéis que representam.
O conceito do papel que se representa é tido por Talcott Parsons como
fundamentalmente importante: Parsons vê a sociedade como um sistema ou uma
«estrutura de papéis» («pattern of roles»).
George Mead, que introduziu o conceito do papel, considerouo assumir de papéis
como o fenómeno mais essencial da socialização da criança, portanto da sua
introdução na estrutura da sociedade. Este processo da socialização é um tema
amplo, considerado na actual investigação psicológicosocial como
fundamentalmente importante. O papel, como diz Ralph Linton, representa o
aspecto dinâmico do status. Em cada organização social atribuise ao indivíduo
um estado (status), uma posição. O indivíduo isolado representa o seu papel,
desempenhando os direitos e os deveres da sua posição.
O indivíduo isolado recebe o status no âmbito dos grupos, organizações ou
instituições a que pertence. O estudo das relações dos indivíduos com as
inúmeras organizações nas quais as diferentes sociedades de culturas diversas
instituíram a sua vida em comunidade, é um tema vasto, quase inesgotável.
Assim, a investigação psicológica da sociedade humana abrange hoje em dia um
campo quase ilimitado de problemas. Na nossa visão geral sobre o papel da
psicologia no nosso tempo não é possível aspirar à amplitude na representação
deste ou de outro domínio parcial. Esforçamonos por destacar o que há de
essencial e de importante. Esperamos, no entanto, com este curto esboço, ter
apresentado uma imagem viva deste novo e
fascinante ramo da Ciência.
DA HISTóRIA DA PSICOLOGIA APLICADA
Denominase Psicologia Aplicada a aplicação de conhecimentos psicológicos
fundamentada cientificamente.
Na obra de R. S. Daniell e C. M. Louttit sobre «Problemas Profissionais na
Psicologia», datase o início das aplicações da Psicologia dos princípios da
década de noventa; nessa época, J. Mc K. Cattell e L. Witmer na América e Alfred
Binet em França tentaram fazer com que os resultados teóricos se tornassem
pedagógicamente frutíferos.
Contudo, esta afirmação referese apenas à aplicação prática da Psicologia
Laboratorial Experimental. Se tomarmos a palavra «Psicologia» num sentido mais
amplo, encontramos já muito antes, na Medicina, e sobretudo iia Psiquiatria,
referência a pontos de vista psicológicos. Numa obra com o título «Cem Anos de
Psiquiatria Americana», editada por J. K. Hall, G. Zilboorg
e H. A. Bunker, um artigo de T. V. Moore trata de «Um Século de Psicologia nas
suas Relações com a Psiquiatria» e comprova a sua influência na América desde
1861. David Shakow, que discute este estudo num brilhante artigo, frisa
sobretudo os
primitivos interesses de G. Stanley Hall e Adolf Meyer pela Psicologia na
educação, bem como o interesse do grande William James pela higiene mental.
Também no caso europeu se podem apresentar as mesmas provas da influência do
pensamento psicológico no campo da Pedagogia Terapêutica na sua situação
medianeira entre Pedagogia e Medicina. H. Hetzer e eu demonstrámos, numa
investigação «Acerca da História da Psicologia Infantil», que encontramos no
Instituto Levane fundado em 1856, em Liesing, perto de Viena, por Mauthner von
Mautstein, as primeiras tentativas para uma Pedagogia Terapêutica, fundamentada
na observação do desenvolvimento infantil.
H. Thomae atribui a verdadeira fundação da Psicologia Pedagógica como ciência a
Aloys Fischer, que definiu em 1917 o conceito e as tarefas da Psicologia
Pedagógica.
Foi essa a época em que a Psicologia Aplicada se ramificou nas mais diferentes
direcções. É evidente que a Primeira Guerra Mundial produziu um primeiro
movimento decisivo no sentido de um estudo mais intensivo dos problemas
psicológicos da vida.
Isto verificase por exemplo no campo da Assistência Social que, por altura da
mudança de século e a partir de uma actividade de beneficência caritativa, se
desenvolveu, em toda a parte, numa actividade social organizada como profissão.
Assim, por exemplo, fundaramse em Viena, em 1916, serviços públicos para
assistência à juventude. No programa sistemático de assistência pública de
Julius Tandler esta não foi concebida apenas em moldes de assistência e de
medicina mas também com fundamentos na Psicologia. O mesmo se pode dizer, de um
modo geral, do trabalho social, que passou a cooperar cada vez mais intimamente
com a Psiquiatria e a Psicologia.
No âmbito das Profissões de Assistência designação que engloba hoje em dia o
Trabalho Social, a Psicologia e a Psiquiatria a Psicologia enquanto Psicologia
de Orientação e Psicologia Clínica adquiriu uma esfera de acção verdadeiramente
extraordinária. A Psicologia de Orientação, que teve os seus inícios na
orientação para a profissão e se alargou então a conselhos dados aos pais e à
família, desempenha hoje em dia um papel importante na orientação escolar e
conjugal. Ocasionalmente a actividade orientadora transformase em actividade
psicoterapêutica.
Contudo, os métodos psicológicos de diagnóstico e terapia, independentemente da
sua assistência feita pelo psiquiatra, são fundamentalmente assunto do Psicólogo
Clínico, categoria que foi criada na América em 1921 mas só em 1947 recebeu um
programa de formação oficial. Um ano antes (1946), surgira na Alemanha a
«Psicologia Clínica» de Willy Hellpach.
A orientação profissional a que acima nos referimos desenvolveuse cada vez em
mais estreita relação com a Psicologia Económica. Esta, que domina hoje em dia
um campo extraordinariamente vasto enquanto Psicologia Industrial ou Psicologia
da Empresa e enquanto Psicologia do Mercado, defrontou com
muito cepticismo no início da década de vinte. Foi mérito de Hellpach acentuar,
em 1922, que, em sua opinião, «o problema fabril era solúvel psicologicamente».
Nos seus inícios, o ramo da Psicologia que se dedicava aos problemas da empresa
foi denominado Psicotécnica, o que indica que os problemas eram mais
compreendidos como técnicos do que como humanos. Tinhase em vista comprovar as
condições que possibilitam os melhores resultados. Moede, Poppelreuter, Giese e
Piorkowski contaramse na Alemanha entre os primeiros psicotécnicos mais
conhecidos. Münsterberg foi um dos primeiros a investigar o que torna o trabalho
mecânico interessante para aquele que o produz.
Como Arthur Mayer aponta num excelente capítulo do grande volume sobre
Psicologia da Empresa, editado por ele e por B. Herwig, produziuse, pouco a
pouco, uma nova orientação que teve como consequência uma atenção crescente aos
factores sociais ou interhumanos do trabalho. Segundo o modelo da investigação
dos problemas sociais da indústria, realizada por Mayo, Roethlisberger e
Whitehead nos Estados Unidos da América, passouse a dedicar especial interesse
aos pontos de vista da estrutura social da empresa e das organizações pessoais
nas
empresas. Quer dizer, o trabalho humano em colaboração tornouse o objecto
principal das investigações.
Terreno ainda bastante inexplorado é o da avaliação da unidade filosófica dos
saberes e conhecimentos psicológicos. Ousaremos dar neste aspecto uns primeiros
passos cautelosos.
Como estas breves observações indicam, a Psicologia Aplicada estendese hoje em
dia a quase todos os ramos da vida pública e privada. Escrever a sua História
requereria um volume próprio. A acção que exerce actualmente em alguns campos
principais ocuparnosá na última parte do presente livro.
Parte B
O INDIVÍDUO
Parte B
O INDIVíDUO
1. As raízes biológicas
Biologia é a doutrina da vida. A nossa vida consumase no nosso corpo. Com ele
nascemos, uma conformação extremamente complexa, provida de múltiplos órgãos e
mecanismos.
Porém, já antes do seu nascimento, o ser humano desenvolve e faz actuar dentro
do ventre materno, normalmente durante nove meses, o seu corpo pequeno mas já
altamente complicado.
1. A VIDA É PRIMARIAMENTE ACTIVA
O mais importante que se pode dizer sobre a vida que se
inicia pareceme ser o facto de esta vida ser já activa logo a
partir da sua primeira existência ainda ......... . embrionária. Denominamos
esta actividade primária, quer dizer, com ela iniciase o movimento vital antes
de ter surgido qualquer estímulo à acção. Se bem que constitua durante nove
meses
uma parte do corpo materno por ele cercado e a ele ligado pelo cordão umbilical
para sustento do novo organismo , se bem que ainda incapaz de respirar ou de se
alimentar por si próprio, o novo e pequeníssimo indivíduo tem logo a partir do
seu início uma vida própria, que é sentida nitidamente pela mãe passados poucos
meses. «Me 31 Já o embrião dentro do
corpo materno revela acti. xese», diz a mãe, cheia de alegria, refe
** vidade rindose ao seu bebé de cinco meses. E «já não se mexe» pode ser a sua
exclamação angustiada se, após alguma doença ou acidente, teme que a vida dentro
dela tenha deixado de existir.
2. O RECÉMNASCIDO É Já UM INDIVíDUO
Logo de início é válido para este novo e pequeno organismo o que mais tarde
será uma das regras principais do processo
vital: o facto de que a vida decorre, por um lado, segundo determinadas leis
gerais e, por outro, é também sempre individual. Vejamos o
que isto significa.
Logo de início, por exemplo, todos os, recémnascidos são activos. No entanto,
já nessa altura se verificam graus de actividade muito diversos que, segundo
parece hoje em dia a bons observadores, são congénitos e não
32 A primeira vista todos os recémnascidos mutáveis. Estes
parecem iguais... graus de actividade,
dos quais por exemplo Margaret Fries distinguiu cinco, desde o mais lento ao
mais rápido, parecem andar par a par com um ritmo congénito.
Isto não significa necessariamente que todas as crianças que fazem desesperar as
mães pela sua lentidão em comer e em
33 ... contudo cada bebé é já um ser individualizado pelo seu aspecto e
pelas suas reacções
se vestir possuam um baixo grau congénito de actividade. A maior parte destes
pequenos preguiçosos encontrase antes possuída de aborrecimento ou de espírito
de oposição. E são necessários estudos cuidadosos e especializados para se
verificar o verdadeiro ritmo individual.
Ouvese constantemente repetir que todos os recémnascidos se assemelham. E, de
facto, utilizamse frequentemente, nas
clínicas, pequenas pulseiras com os nomes inscritos, para que os bebés não sejam
trocados. Apesar dessa semelhança superficial e apesar da identidade de muitas
formas de comportamento, existe, no entanto, a partir do primeiro grito, a
partir das primeiras reacções à alimentação, à luz e ao som, à temperatura e à
pressão, uma forma individual absolutamente diversa de se dirigir ao mundo
circundante. E, observando minuciosamente, encontrase também muitas vezes uma
expressão de rosto diferente.
3. AS CARACTERÍSTICAS HEREDITÁRIAS E AS ADQUIRIDAS CONFLUEM LOGO DE INICIO
Saber em que grau um indivíduo é determinado no seu desenvolvimento pelo que
nele é congénito, ou seja pela hereditariedade, e em que grau o é pelas
influências do meio ambiente, é problema que interessou desde sempre o
pensamento e acção humanos., Todos nós conhecemos as consequências funestas que
os pareceres radicalmente exagerados sobre o papel da hereditariedade produziram
num passado recente.
Hoje em dia os conhecimentos da ciência exceptuando o
que aprendemos a partir da moderna experiência educacional excluem todos os
pontos de vista extremos no que se refere ao
papel do factor hereditário e do factor ambiente.
Os conhecimentos adquiridos com a experiência educacional em institutos modernos
bem como os resultados preponderantemente favoráveis das adopções realizadas por
um número crescente de famílias, significam para todas as pessoas imparciais uma
demonstração viva da extraordinária força formativa de um meio ambiente
favorável sob o ponto de vista educativo.
Ocupemonos aqui, porém, com os resultados mais recentes da Ciência e
reflectamos mais pormenorizadamente sobre eles, tendo em vista o interesse tão
divulgado pelo problema da hereditariedade e a sua grande importância.
Não necessitamos de nos deter em considerações biológicas pormenorizadas sobre
genes, cromossomas e leis da hereditariedade. Para tal fim, o leitor poderá
consultar uma boa biblio
34 Dois exemplos da hereditariedade e não hereditariedade do talento musical: I.
Fisliberg, de 102 anos, com cinco dos seus filhos que, tal como muitos dos seus
netos e bisnetos,
são músicos altamente dotados...
grafia biológica de fácil compreensão, como por exemplo os livros de E. Weiser:
«Assim surge o ser humano acerca da Procriação e Hereditariedade » e o volume
ilustrado, publicado pela casa Knaur, « Hereditariedade ». A nós interessanos
antes despertar a
compreensão prática para o papel que a hereditariedade desempenha no todo do
processo de desenvolvimento de um ser humano.
Dois conhecimentos recentes da moderna ciência se revelam ser de especial
importância para este aspecto. No primeiro caso tratase dos resultados da
investigação sobre o comportamento dos genes, essas pequenas estruturas
ultramicroscópicas, portadoras da hereditariedade. Estes genes ou factores
hereditários foram considerados desde a criação da ciência da hereditariedade no
ano de 1900 nessa altura voltouse a descobrir as célebres experiências de
Gregor Mendel dos anos 1854 até 1866 como unidades fundamentais determinantes
do desenvolvimento, imutáveis e não influenciáveis. Contudo provase e este é
certamente um dos resultados mais sensacionais da Bioquímica moderna que, em
determinadas circunstâncias e nos primeiros estádios do desenvolvimento, os
genes são até certo grau influenciáveis na sua função. Este conhecimento
representa sem dúvida uma das maiores transformações operadas nas ideias sobre
os factores hereditários que nos provinham de Gregor Mendel.
Há, porém, um segundo conhecimento que ainda mais afecta as convicções
anteriores: uma grande quantidade de resultados tanto bioquímicos como
neurológicos prova que, a partir do primeiro momento de vida, ou seja logo após
a fecundação, se fazem também sentir sobre o novo ser humano em formação as
influências do meio ambiente.
Quando dizemos «se fazem também sentir» queremos assim afirmar que este novo e
pequeno ser não é conformado inteiramente pelo mundo circundante como afirmam
certos sociólogos que partilham de um ponto de vista extremo. O facto verdadeiro
é antes que, a partir do momento da fecundação, começa a actuar uma « estrutura
congénita», tecida pela multiplicidade dos genes. Esta actividade, que lhe é
peculiar e para
* qual Ludwig von Bertalanffy foi um dos primeiros a chamar
* atenção, provoca contudo imediatamente uma contraactuação do meio ambiente em
que decorre, e essa contraactuação influencia imediatamente a estrutura
congénita e genética. Quer dizer, logo de início se verifica uma actuação
recíproca, e nesta «interacção» constante com o meio ambiente, como passamos a
chamar à relação recíproca entre hereditariedade e meio ambiente, vai crescendo
o bebé em formação, primeiro no interior da mãe, depois fora da mãe, no mundo.
3,5 ... e a família Engel de Reutte: tal como os pais, todos os sete filhos
tocam diversos instrumentos. Os dois mais
velhos são já artistas de renome
@k 1 o
1. mulher
1 168517@r0
2. mulher
éÉff É0 11 n r+lá @
chantre ou organista
músico
ffl
Morto no 1. ano de vida
35a A árvore genealógica da família do organista da igreja de S. Tomás, João
Sebastião Bach, revela um extraordinário aglomerado de talentos musicais. (Dos
filhos de João Sebastião Bach apenas se indicam os de
sexo masculino)
Ninguém duvidará, por um momento que seja, do grande alcance destes novos
conhecimentos. Eles obrigam cada qual a reflectir sobre o seu próprio
desenvolvimento e são de grande importância para todos os pais e para todos os
que pretendem vir a ser pais algum dia. Por isso parece ser aconselhável
insistir mais neste aspecto para chegarmos a uma conclusão sobre o significado
mais específico destes resultados.
4. É MAIS FÁCIL COMPROVAR A HEREDITARIEDADE POSTERIORMENTE DO QUE PREVÊLA
Devese frisar primeiramente que não convém interpretar mal os recentes
resultados e concluir que não existe hereditariedade. Claro que a
hereditariedade existe, apenas a variabilidade das características hereditárias
é muito maior do que antigamente se supunha. O número de características
hereditárias absolutamente comprováveis é muito mais limitado e por esse e
outros motivos é absolutamente mínima a possibilidade de prever aquilo que se
espera.
Parece ser possível com muito maior frequência comprovar posteriormente que esta
ou aquela particularidade, dote ou
doença, foram herdados, do que prever que iriam ser herdados, visto que é
verdadeiramente imprevisível a combinação resultante das disposições
hereditárias por ocasião da fusão das células germinativas, bem como a
modificação operada pelas influências do meio ambiente.
Assim, os pais ficam muitas vezes desiludidos por nenhum dos seus filhos revelar
o mesmo talento musical que eles próprios possuem, pois esperavam que tal dote
fosse herdado. Se tiverem mais do que apenas um ou dois filhos, é de esperar que
em todo o caso esse talento surja pelo menos em alguns deles. Não é, porém,
possível prevêlo. Assim, por exemplo, a
cantora Kirsten Flagstad pÉovém de uma família dotada já há duas gerações de
grande ouvido e talento musical, enquanto que o célebre maestro Arturo Toscanini
era o único que na sua
família revelava tais dotes.
Interessante, por outro lado, é o caso da família Fisliberg, cuja fotografia
apresentamos. Isaac Fisliberg, russo da Ucrânia, foi músico profissional em Nova
Iorque até aos 90 anos, e aos
102 anos tocava flauta ainda tão bem que tomava parte em
concertos familiares juntamente com os seus filhos, músicos como ele. Todos os
seus 12 filhos, metade dos seus 37 netos e muitos dos seus 60 bisnetos são
músicos altamente dotados e alguns deles profissionais paralelo convincente da
conhecida ascendência e descendência genealógica do organista da igreja de S.
Tomás, João Sebastião Bach.
Pelo contrário, a conhecida família Engel, do Tirol, composta por nove membros,
constituiu em 10 anos uma orquestra familiar dirigida pelo pai, professor de
música, e aprendeu a
tocar 50 instrumentos e a executar um vasto reportório que exibiu perante uma
assistência internacional, sem que existissem quaisquer dotes ancestrais
relevantes.
Se quisermos estabelecer regras gerais sobre as qualidades mais ou menos devidas
à hereditariedade, resulta o seguinte quadro:
Certas qualidades corpóreas parecem ser mais regularmente transmitidas pela
hereditariedade. Exemplos disso são a tendência para maior ou menor longevidade,
para maior ou menor rapidez no crescimento e para um determinado tipo de corpo,
um dos factos demonstrados pelo célebre psiquiatra Ernst
3637 Uma mãe carinhosa consegue, a partir da primeira hora de vida do filho,
conduzir o seu desenvolvimento para a via adequada, enquanto a falta de afecto e
a indiferença podem enfraquecer as disposições propícias
e fortalecer as não propícias
Kretschmer. É, além disso, hereditária a predisposição para gerar gémeos ou
trigémeos, a disposição para certas fraquezas ou defeitos orgânicos e para
algumas doenças, sobretudo para aquelas doenças do espírito que têm um
fundamento físico.
Frequentemente hereditários são a velocidade de reacções, habilidade ou falta de
habilidade corporal e técnica, particularidades de movimentos, grau de
actividade, agudeza sensorial e sensibilidade, inteligência e talentos
específicos.
5. PARA O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE O MUNDO CIRCUNDANTE É DE IMPORTÂNCIA
DECISIVA
É essencial comprovar, sobretudo a partir do ponto de vista prático, que o que
vai decidir a personalidade é determinado logo de início tanto ou mais pelas
influências do meio ambiente que pela carga hereditária.
Quando dizemos «logo de início», incluímos também o
período da gravidez. Com base em muitas experiências brilhantes, sabemos hoje
que, logo a partir do momento da concepção, o novo e pequeno ser que começa a
germinar dentro da mãe é influenciado e conformado consideravelmente no seu
cresci
mento, na sua saúde e em toda a sua estrutura corporal e anímica pelas
circunstâncias em que a gravidez decorre. Um desastre da mãe, uma doença
infecciosa, uma grave excitação ou depressão anímica de grande duração podem ter
uma influência perniciosa sobre a criança, tanto sob o ponto de vista corporal
como anímico. Toda a futura mãe conscienciosa considera assim um dever um modo
de vida cuidadoso, uma vez que da sua saúde tanto depende para o destino do
pequeno ser em formação.
Porém, durante o primeiro ano de vida da criança, o comportamento geral da mãe
reveste ainda maior importância.
É verdade que dissemos que o recémnascido traz consigo para o mundo um
determinado grau de actividade e passividade, de sensibilidade e irritabilidade,
bem como outras qualidades. Uma mãe carinhosa e sensível pode, porém, exercer
logo de início unia influência benéfica, contrariando de modo adequado
determinadas fraquezas. Tomemos como exemplo um bebé pouco activo que se
comporte passivamente ao beber, que seja portanto «preguiçoso», como se costuma
dizer, e faça poucos esforços para receber a sua alimentação. A partir da sua
primeira hora de vida o facto de o bebé receber ou não alimento suficiente
dependerá da paciência e compreensão da mãe ou da pessoa que dele cuida e a
habilidade e amor podem mesmo
leválo a mamar com aplicação.
rapazes
3839 Curvas do crescimento em altura (em cima) e do aumento de peso (em baixo)
no caso especial de rapazes (à esquerda) e de raparigas (à direita). As curvas
representam a média das medições realizadas em mais de cem mil crianças bávaras.
(Segundo KellerWitkott Manual de Terapêutica Infantil)
Deste modo podemse canalizar para uma via adequada muitas disposições
deficientes e atenuar ou mesmo É,
tornar ineficazes certas disposições pouco favoráveis ao
desenvolvimento da criança. Um comportamento errado, porém, pode produzir o
efeito contrário, reforçando as disposições desfavoráveis. Referirnosemos mais
pormenorizadamente a este aspecto em
diferentes passos desta obra.
40 A pesagem regular do bebé é in Porém, quanto mais o dispensável,
visto que o aumento organismo se desenvolve mais constante de peso é da
maior importância para o seu desenvolvimento importantes se vão revelando
saudável as influências do meio ambiente. Para poder compreender
bem este aspecto importa conhecer os factos fundamentais do crescimento e da
maturação.
6. FACTOS FUNDAMENTAIS DO CRESCIMENTO E DO ENVELHECIMENTO
O crescimento e a maturação biológica pertencem aos factos fundamentais mais
importantes de toda a espécie de vida. Quer se trate de planta, animal ou homem,
todos eles crescem e se
desenvolvem. Mas por mais evidentes que estes processos pareçam, pertencem, no
entanto, de certo modo, aos mais difíceis de compreender cientificamente. Muitas
suposições e teorias discordantes se desenvolveram para estabelecer as forças e
tendências que actuam nestes processos. Também nós nos ocuparemos com algumas
destas especulações ao referirmonos ao desenvolvimento anímico e aos motivos da
acção. De momento contentarnosemos com apontar, com base nos factos, em que
consistem o crescimento e a maturação.
O crescimento, como todos sabem, consiste num constante aumento de peso e de
altura por parte da criança, diverso de indivíduo para indivíduo e que se
processa mais ou menos regularmente, quer mais rápido quer mais lento, e
cessando normalmente por volta dos 20 anos. A idade de 25 anos constitui o
limite máximo para o crescimento, tratandose sempre de casos
de excepção.
41 Diferenças individuais manifestadas no desenvolvimento físico. Cada um dos
rapazes da esquerda tem 15 anos; B encontrase na puberdade, A já a ultrapassou,
C ainda não entrou na puberdade. Os três rapazes da direita revelam um
desenvolvi is 15 is Idade 13,1 13,5 14,6
mento físico que se en depois durante antes Puberdade depois durante antes
contra em proporção inversa com a idade. D (13 anos e 1 mês) terminou a
puberdade, E @13 anos e 5 meses) encontrase a meio da puberdade, F (14 anos e 6
r@eses) ainda não a iniciou. (Extraído de H. S. c
D E F Dimock, Rediscovering
the Adolescent)
Toda a mãe sabe que o aumento regular de peso do seu
bebé se reveste do maior significado para o seu desenvolvimento
normal. Nos países civilizados, muitas mães, se não a maior parte
delas, pesam o seu bebé durante o primeiro ano de vida, sempre que possível após
todas as refeições. As diminuições de peso que ocorrem por vezes como
consequência de doenças ou
de uma alimentação deficiente são consideradas como um pro42 Curva biológica da
vida: A linha horizontal corresponde a uma duração de vida que se apresenta de
forma esquemática e se supõe ser de 70 anos; as subdivisões representam as fases
da vida (igualmente apresentadas de forma esquemática); as linhas ponteadas
indicam a margem de variabilidade verificada no início e fim da quarta fase. A
linha ascendente e descendente indica a transformação das forças produtivas em
crescimento estacionário e deste em degenerescência ou declínio. A linha que
continua a do progresso representa o crescimento dos produtos da vida com os
quais o indivíduo se identifica cada vez mais a partir de determinada altura e
que lhe sobrevivem. A linha vertical, que une a linha ascendente de produção com
a curva descendente da vida, deverá significar que, nesse momento, o indivíduo
termina por um lado a sua própria vida mas Í 1 continua,
por outro lado, a existir nos seus produtos filhos, obras ou actuação social
da sua personalidade. (Extraído de Ch.
O 10 20 %0 70 de vida Bühler Der menscliliche
Lebenslauf aIs psychologisches
11 111 IV (V) f asas Problem, 1959)
blema muito sério pela mãe conscienciosa e pelo médico que assiste regularmente
à criança. Com efeito, no primeiro ano de vida o aumento de peso adequado é um
dos fundamentos principais para um desenvolvimento sadio.
Após o primeiro ano de vida da criança muitos pais pensam ser já desnecessário
prestar a mesma atenção ao aumento de peso correspondente ao aumento da idade,
tal como o fizeram nos primeiros doze meses. Por esse motivo é importante frisar
que a moderna medicina verificou uma estreita ligação entre o peso corpóreo e a
saúde psíquica. Tanto durante a infância como mais tarde na vida o grande
excesso de peso ou um peso sensivelmente inferior ao normal indicam muitas vezes
não só doença física como também uma perturbação psíquica.
Menos significativo é o crescimento em altura, que varia de indivíduo para
indivíduo, muitas vezes consoante o «padrão» da família. Muitos pais poderão
desejar que o seu filho apresente maior estatura; outros preocuparseão por a
sua filha crescer demasiado. No entanto, a tais particularidades não se pode em
geral atribuir qualquer significado sintomático.
É sobejamente conhecida a extraordinária variabilidade do crescimento e do
desenvolvimento em geral, verificada no período da puberdade. O desenho
esquematizado de seis jovens dános uma imagem marcante das diferenças que
ocorrem nesta idade.
Ainda que, como já dissemos, uma pequena estatura e uma maturação tardia, como
apresentam dois dos rapazes da imagem, não constituam sintoma de doença ou de
anormalidade, o certo é que um jovem pode sofrer bastante devido ao seu aspecto
não desenvolvido.
4344 Causas que provocam a morte em mulheres (à esquerda) e em homens (à
direita) na República Federal da Alemanha. (Segundo «Wirtschaft und Statistik»,
1961, versão simplificada)
Pouco tempo após a
puberdade termina, como dissemos, o crescimento em 74 ‘3 altura. Contudo,
isto não
72 significa o fim do crescimento em geral. Pelo con70 trário, verificamse no
orga 69 nismo durante toda a vida processos de crescimento, “8
67 dos quais o mais importante é a renovação das cé 66 lulas. Contudo,
crescimento em sentido restrito é o pe “4
ríodo em que, usando a
expressão de L. von Berta 62
61 Jariffy, as forças produtivas do corpo prevalecem sobre as formas de
degenerescên > E < cia. O crescimento é chaMado
estacionário no pe L ,O O o ríodo médio da
vida, em
U@. o cc que ambos os processos o
de produção e o de dege rnascu I i no o
N fern nin
nerescêncía atingiram o 45 Expectativa quanto à duração de
equilíbrio. vida em alguns países do inundo. (SeAssim,
podemos referir gundo «Wirtschaft und Statistik», 1961, nos a uma curva da
vida versão simplificada) que, representada esquem2iticamente,
ascende até à idade de 25 anos, permanece em seguida à mesma altura até cerca
dos'50 anos e finalmente decai.
Isto, aliás, numa referência esquemática, pois, devido ao
modo de vida actual, beneficiado pelos progressos da higiene e dos conhecimentos
medicinais, não só a vida é sensivelmente prolongada como a degenerescência
visivelmente retardada. Ninguém sabe por enquanto exactamente como se realiza de
facto o envelhecimento. Uma das teorias hoje em dia mais divulgadas é a de H.
Selye, segundo a qual cada organismo é esgotado por tensões às quais ele se
consegue adaptar cada vez menos: Selye referese a um esgotamento da «energia
adaptativa».
Ainda não está igualmente estabelecido em que medida a
função das glândulas sexuais está relacionada com o envelhecimento. A capacidade
de procriação do organismo humano iniciase em todo o caso com a maturação
sexual, atingida na puberdade entre os 11 e os 16 anos, e termina para o sexo
feminino na chamada menopausa, que ocorre entre os 45 e os
55 anos, e para o sexo masculino num período sensivelmente oscilante, na maioria
dos casos, porém, mais tardio.
Já dissemos que, no nosso século, a duração média de vida se prolongou
extraordinariamente. Enquanto que por volta de
1900 comportava apenas cerca de 50 anos, prolongouse hoje em dia até cerca dos
70 anos. Com o aumento da idade, para além do esgotamento do organismo que já
citámos, as doenças passam a desempenhar um maior papel como causas de morte.
Hoje em dia, as doenças cardiovasculares e o cancro encontramse entre as causas
mais frequentes de uma morte prematura.
A morte prematura noutras idades apresenta em grande parte outros motivos. Para
a morte de bebés existe uma série considerável de causas; nas outras idades e
segundo uma recente estatística americana, os acidentes de diferentes espécies
representam um motivo principal a par das doenças de pulmões, do cancro e da
paralisia infantil cérebroespinal. Isto verificase em todas as idades, mas
mais especialmente na juventude até aos
24 anos e numa idade avançada passados os 65.
Uma coisa, porém, está estabelecida: a saúde e a doença bem como a esperança de
viver são de grande importância para os sentimentos que experimentamos em face
da vida.
4647 A maturação dos movimentos do corpo: enquanto que o recémnascido
manifesta o reflexo inato de agarrar (à esquerda), o bebé de cinco meses procura
já agarrar com uma finalidade e puxa até si o objecto que vê
4849 Dois berços aos quais as crianças se encontram presas por ligaduras
ficando assim impedidas de realizar livremente qualquer movimento, durante o
primeiro ano de vida: à esquerda, um berço na Albânia (Extraído de «Zeitschrift
für Kinderforschung» de Danzinger e FrankI, n.o 43); à
direita, um na Samarcândia
7. FACTOS FUNDAMENTAIS DA MATURAÇÃO BIOLóGICA
Muito mais difíceis de abranger do que os factores do crescimento são os
factores de maturação biológica. Devido ao seu
extraordinário alcance para o decurso da vida, merecem uma observação muito
cuidadosa.
Por maturação compreendemos uma determinada série de transformações que se
verifica nas estruturas corporais e funções, bem como no comportamento do ser
vivo durante toda a sua vida. Essas transformações representam uma série que se
processa num só sentido ou, usando o termo técnico, uma sequência, significando
«um só sentido» que a série não é susceptível de regressão, visto que nos
verdadeiros processos de maturação cada uma das fases que se vai sucedendo
necessita do pressuposto da fase anterior. O importante conceito de «maturação»
tornarseá claro em face de alguns exemplos.
Aos processos de maturação mais importantes pertence a
maturação dos movimentos corpóreos, por exemplo dos movimentos realizados para
agarrar qualquer coisa. Se, por exemplo, tocarmos com um dedo a palma da mão de
um recémnascido, a pequenina mão fechase imediatamente em torno deste objecto.
Este é o chamado reflexo de preensão, com o qual se iniciam os
movimentos para agarrar. É um dos inúmeros reflexos corpóreos inatos ao ser
humano.
Além dos reflexos’ o recémnascido revela uma grande série de outros movimentos
desordenados e sem objectivo, que se
denominam movimentos em massa; tratase de reacções não específicas a todos os
possíveis estímulos internos e externos. Entre esses movimentos em massa existem
também movimentos de braços, mas esses não obedecem a qualquer objectivo e não
são dirigidos.
Só a partir de cerca dos três meses o bebé estende o braço para um objecto que
vê a alguma distância; com cerca de quatro meses agarra um objecto que
aproximemos dele, e com cerca
de cinco meses pode combinar as seguintes acções: estender o
braço em direcção do objecto (algo distante) que vê a alguma distância, e
agarrar e puxar para si esse objecto.
A sequência destes trabalhos é condicionada pela maturação, visto que, nas
acções cada vez mais complicadas, cada nova actuação conjunta dos diferentes
órgãos pressupõe o
desenvolvimento de trabalhos mais simples: a crescente coordenação e
complexidade das acções caracterizam os progressos da maturação.
5053 Quatro estádios do movimento durante o primeiro ano de
16 semanas 28 semanas
Como dissemos, são de esperar os progressos em agarrar por volta dos três,
quatro e cinco meses. Mas poderseá de facto afirmar isto assim de modo geral?
Não existirão grandes diferenças individuais?
A este respeito deve dizerse o seguinte: a sequência como tal é imutável, visto
estar determinada pelas possibilidades de desenvolvimento fortemente inerentes
ao organismo, pelo que se fala de leis da estrutura.
No entanto, a aparição efectiva das novas realizações faz pressupor influências
do meio circundante adequadas no que diz respeito tanto ao momento como à
peculiaridade individual e à normalidade. Falamos nesse caso de função e podemos
dizer que, na função, para além dos dados da estrutura, se exprimem igualmente
as condições de vida.
Eis um exemplo: se se mantivesse um bebé num quarto absolutamente vazio e jamais
se lhe apresentasse como «estímulo» um único objecto para ele contemplar,
apalpar, agarrar,
o seu organismo poderia amadurecer (lei da estrutura) mas a sua capacidade de
coordenação (função) seria prejudicada.
vida. (Reprodução de A. Gesell, The First Five Years of Life, 1940)
40 semanas 52 semanas
8. MATURAÇÃO, EXPERIÊNCIA E DESENVOLVIMENTO
L. Danzinger e L. Frank1 puderam realizar, na Albânia, experiências com crianças
muito pequenas que tinham estado consideravelmente privadas desses estímulos, se
bem que não
completamente. Em aldeias perdidas na montanha encontraram bebés presos a berços
de madeira, dispostos a um canto escuro das cabanas de argila. Durante todo o
primeiro ano de vida as crianças tinham os braços, as pernas e o corpo ligados e
encontravamse assim impossibilitadas de fazer qualquer movimento. A criança
apenas sai do seu canto e da sua cama quando toma banho ou quando a mostram
esporadicamente a algum visitante.
Como se comporta então um bebé desses quando é libertado das faixas que o
rodeiam, o trazem até à luz e lhe apresentam um brinquedo? A princípio a criança
fica absolutamente inactiva. É preciso tocála e incitála a agarrar o
brinquedo. Então acontece, por exemplo, que uma criança de cinco meses toque um
objecto ou estenda para ele os braços como faz a criança normal de três meses.
Com sete meses o movimento de agarrar está ainda mal coordenado, com dez meses a
criança estende as duas mãos para um guizo, mas as mãos passam por ele sem o
conseguir agarrar.
Que será feito mais tarde dessas crianças? Danzinger e
Frank1 verificaram que se observava também em todas as crianças mais velhas uma
paralisação permanente da actividade e
uma falta de habilidade técnica.
O trabalho de Danzinger e FrankI, a que o Instituto Psicológico de Viena deu o
seu incentivo no ano de 1933, como um dos primeiros estudos sobre o
desenvolvimento, mereceu uma referência tão pormenorizada da nossa parte devido
à importância das perspectivas que sugere.
Todo aquele que queira compreender o seu próprio desenvolvimento, antes de mais
nada, porém, os pais que queiram obter bons resultados na educação dos seus
filhos, podem, a
partir destas observações, deduzir a importante regra fundamental, ou seja, que
o desenvolvimento depende na mais alta escala das possibilidades de
desenvolvimento que se ofereceram na primeira infância.
Hoje em dia a ciência encontrase rica em resultados que comprovam as
particularidades mais subtis desta regra. Importante é, por exemplo, o facto de
os diferentes campos de realização dependerem uns mais outros menos dos
estímulos apresentados.
Um exemplo de relativa independência em face das circunstâncias verificadas é o
desenvolvimento do andar. Todos os bebés começam a andar entre mais ou menos o
ano e o ano e meio, o mais tardar, a não ser que qualquer afecção orgânica ou
psíquica (anímica) disso os impeça. Wayne Dennis pôde comproválo em estudos
muito vastos que empreendeu. Comprovou assim que os filhos dos índios Hopi,
atados tal como os albaneses a berços de madeira, começam a andar precisamente
com a mesma idade que os filhos dos índios educados de outro modo ou as crianças
de outras raças e grupos etnográficos.
Por outro lado, para outras formas de comportamento em
que não se trata tanto do domínio do corpo como tal mas sim do domínio da
matéria, do conhecimento do mundo das coisas, da compreensão dos seres humanos e
do desenvolvimento do mundo interior, são necessários estímulos adequados,
portanto o apoio dado pelo ensinamento e pela instrução e o contacto carinhoso
com os outros, para que o desenvolvimento se processe de modo adequado e
saudável.
Exprimindonos por outras palavras: os progressos no desenvolvimento do ser
humano, mais do que em todos os outros seres vivos, não são quase nunca
resultado exclusivo da maturação mas também da experiência. Distinguimos por
esse motivo maturação e desenvolvimento.
Aquilo em que o organismo como tal contribui para o progresso do desenvolvimento
é condicionado pela maturação. Ao processo de desenvolvimento real pertence, no
entanto, para além da maturação, a actuação do mundo circundante, que transforma
a maturação em experiência.
Até aqui referimonos ao condicionamento da maturação apenas nas suas relações
com o desenvolvimento da primeira infância. Que se passará, porém, com a
maturação nas outras fases da vida?
9. INFLUÊNCIA DA SEXUALIDADE NA MATURAÇÃO
Ao longo de toda a vida existe maturação e desenvolvimento. Um dos factores mais
importantes, que influencia a maturação e o desenvolvimento durante toda a vida,
é a sexualidade.
Por sexualidade compreendemos tanto a capacidade inata de procriação do ser
humano como os modos de comportamento e necessidades que servem as relações
entre os sexos. Estes pertencem a um determinado grupo de formas de
comportamento congénitas denominadas instintos.
54 O Psicólogo de Animais, Professor Konrad Lorenz, juntamente com os gansos
bravos que ficaram «cunhados» a ele, por ter sido ele a primeira pessoa que
viram ao sair do ovo
A palavra instinto usase para designar as reacções que respondem regularmente e
de forma relativamente semelhante a determinados estímulos e de forma que se
processam simultaneamente como reacções em cadeia. No que respeita ao ser
humano, dificilmente nos podemos referir aos instintos naquele sentido restrito
em que a expressão é utilizada para o comportamento animal. Com efeito, no ser
humano os instintos encontramse sensivelmente diluídos e existem apenas
resíduos rudimentares de formas de reacção congénitas.
O conceito de instinto foi muito discutido nos últimos séculos; muitas vezes
houve mesmo quem quisesse deixálo inteiramente de lado. As recentes e
brilhantes experiências realizadas em animais, como as que Konrad Lorenz
efectuou com aves, Karl von Frisch com abelhas e Nikolaas Tinbergen com peixes e
aves, induziramnos, porém, a falar novamente de instintos, se bem que
utilizando o termo de forma mais cautelosa do que anteriormente.
Com expressões deste género é necessário lidar de forma cautelosa. O leigo gosta
de empregar de ânimo leve a palavra «instintivo», tal como se refere também
acidentalmente a «intuitivo». Na realidade, porém, essas palavras constituem
expressões para fenómenos bastante complicados.
O mamar do recémnascido, por exemplo, é um comportamento instintivo
relativamente puro, uma cadeia de reflexos: abrir a boca, movimentos realizados
com a língua e movimentos para engolir. A reacção pode mesmo ser provocada já no
feto de três meses, e no recémnascido surge de início com todos os estímulos
possíveis, como se o pequeno ser não quisesse deixar de aproveitar todas as
ocasiões que se lhe deparam para a recepção de alimentos.
Os reflexos e os modos de comportamento congénitos, coordenados pela complexa
engrenagem da sexualidade humana, podem encontrarse submetidos às mais diversas
modificações
e perturbações, como se mostrará ainda pormenorizadamente. Apesar disso, ao
referirmonos ao desenvolvimento da sexualidade, podemos falar de maturação na
medida em que nos referimos à sequência de fases. Essas fases são: o tempo
anterior à capacidade de procriação, a puberdade ou maturação da capacidade de
procriação, a fase da plena capacidade de procriação, a mudança de idade ou
período da perda de capacidade de procrição e, finalmente, o período após a
perda de capacidade de procriação.
Deverseia supor que o desenvolvimento das necessidades sexuais ou do impulso
sexual decorre paralelamente ao incremento e declínio da capacidade de
procriação. Porém, como as
necessidades sexuais do ser humano surgem em larga escala separadas da
actividade do aparelho procriador, não existe qualquer ritmo natural nem
qualquer automatismo na eclosão deste impulso ou talvez o possamos exprimir
melhor destas necessidades altamente complicadas.
Existe na verdade também no impulso sexual uma sequência de modos de
comportamento; no entanto, a sua manifestação depende sensivelmente das
influências mais diversas, quer no
tempo em que surge quer no carácter que reveste. Por outras palavras: no impulso
sexual do ser humano os factores psicológicos representam um papel mais
importante do que os biológicos. Por esse motivo só mais adiante, em ligação com
o desenvolvimento psicológico, se deverá falar da sexualidade.
10. O FACTOR TEMPO NO DESENVOLVIMENTO
Extraordinariamente importante para a maturação e desenvolvimento, como o
demonstraram as experiências realizadas em
animais, é o factor tempo. Quer dizer, certos estímulos ou outras influências
têm de ser fornecidas pelo mundo exterior num momento absolutamente determinado
para tornarem possível um
progresso que só se pode processar nesse momento.
Se, por exemplo, se guardar num quarto escuro pintos recémsaídos da casca, mais
tarde eles serão para sempre menos
hábeis em debicar, visto que isso se deve aprender nos primeiros dias e semanas
de vida.
O psicólogo de animais Konrad Lorenz mostrou em experiências célebres,
realizadas primeiramente com gansos bravos, que o comportamento destes sofre em
determinado momento um cunho definitivo: os pequenos gansos recémsaídos do ovo
«tomam por» pai o primeiro ser vivo que vejam seguemno, pedemlhe alimento.
Normalmente esse ser é um ganso bravo;
porém, se, na experiência, ele for um ser humano, os jovens gansos ficam
«cunhados», presos a ele.
De grande significado, pelas conclusões que permite extrair para o caso das
crianças, é uma interessante experiência realizada com ratos: meteramse por
diversas vezes ratos de pouca idade numa gaiola onde já se encontrava um rato
excepcionalmente forte e treinado para a luta. Esse rato atacavaos e venciaos
prontamente. Quanto mais novos eram os ratos assim derrotados, tanto mais
tímidos e medrosos se comportavam mesmo depois de animais adultos. Contudo ratos
mais velhos, obrigados a sofrer essa mesma derrota mas já submetidos
anteriormente a outras experiências, não eram intimidados no
mesmo grau.
Posso relatar factos paralelos a partir da minha experiência como
psicoterapeuta. Repetidas vezes era possível fazer remontar uma agressividade
extrema ou a fuga temerosa em face de situações de conflito a um «training»
realizado muito prematuramente. Um doente, por exemplo, tinha uma mãe que já aos
dois anos o encorajava a bater se outra criança se lhe opunha; outro, pelo
contrário, encontravase sob a influência de uma mãe que levava o seu pacifismo
ao ponto de proibir ao filho de quatro anos que entrasse em qualquer cena de
pancadaria e lhe aconselhava a fugir se alguém o agredisse.
Como veremos, a agressividade e o temor apresentam naturalmente ainda outras
raízes diferentes destas. No entanto, é importante ter consciência do papel
significativo que representam os primeiros estímulos e fracassos.
É possível que algum leitor considere esta ideia alarmante
e se interrogue sobre as influências propícias para si e para os seus filhos e
sobre a época adequada em que elas se deverão processar. Outros leitores poderão
reagir cepticamente.
Praticamente essas influências, que se fazem sentir logo muito cedo sobre a
criança, são muitas vezes do conhecimento dos pais pelos costumes e tradição ou
pelo contacto com o meio ambiente. Eis um exemplo: «A minha mãe era contra as
chuchas
diz a Senhora SchuIz à vizinha. Aconselhoume muitas vezes a não dar uma
chucha aos meus filhos por ser apenas um mau hábito.» «Sim, mas o meu médico
disseme que hoje em dia se tem uma opinião muito diferente» responde a Senhora
Maier «Ele acha que as crianças a quem não é dada oportunidade suficiente para
chuchar ou têm mais tarde muito mais tendência para chuchar no dedo ou, se não
os deixarem, podem sentir isso como uma privação que terá nefastas
consequências.»
«Ora, se tivesse tão nefastas consequências, já eu as devia
ter sofrido!» diz a Senhora Schulz. «Claro responde a
Senhora Meier «e já muitas vezes me disse que é bastante nervosa. Quem sabe se
isso não estará relacionado!» «Ora, não acredito, isso são dessas teorias
modernas!» diz a Senhora SchuIz encerrando o assunto.»
É claro que o nervosismo da Senhora SchuIz não se explicará assim tão
simplesmente. No entanto, a proibição de usar
a chucha pode ter sido uma das muitas frustrações, dos muitos «fracassos»
iniciais, que levaram à experiência da desilusão.
Pode ser que a Senhora Schulz não se deixe impressionar pela afirmação da
Senhora Maier. No entanto, a novidade que acabou de ouvir poderá também tornála
pensativa e talvez interrogue o médico ou outras senhoras e assim aprenda algo
sobre o significado do meio ambiente para a actividade que o seu bebé pratica ao
chuchar.
Deste modo continuam ou cessam velhos costumes. Um costume que hoje em dia tem
caído bastante em desuso na cultura ocidental é o de enfaixar as crianças. Pelo
contrário, permiteselhes que esperneiem e se movimentem à vontade, uma vez que
a liberdade de movimento, realizada nesta altura, fará com que fortifiquem a
musculatura, exercitem movimentos e
investiguem pela primeira vez o mundo circundante. No subcapítulo oito relatámos
como o facto de prender crianças pequenas a berços de madeira prejudicou
fortemente o desenvolver dos movimentos. Eis um caso em que o costume ancestral
tem efeitos prejudiciais.
Felizmente os conhecimentos gerais sobre a saúde estão hoje em dia tão
desenvolvidos no mundo ocidental, que, através do ensino escolar, de livros e
revistas, de médicos, de enfermeiras e assistentes sociais uma mãe poderá
informarse acerca de todas as influências favoráveis ou nefastas para o seu
filho.
As mais importantes são, logo de início, certas influências anímicas; antes de
mais nada, o amor materno e os estímulos correspondentes à idade da criança.
Mais adiante referirnosemos a isso mais pormenorizadamente, bem como aos
efeitos do descuido no desenvolvimento infantil, tanto mais que existem para
este domínio numerosas e importantes investigações modernas, das quais é
possível tirar ricas conclusões.
Mas também mais tarde, na vida, se faz constantemente a experiência de que é
necessário ter certas coisas num determinado momento adequado, sem o que será
«demasiado tarde». «Demasiado tarde» para quê? Para a realização de determinados
progressos de desenvolvimento internos. Assim o amor, o casamento, a procriação,
o êxito profissional, pertencem a essas
experiências fundamentais que em determinados momentos nos parecem mais
necessárias do que todo o resto. A maior parte delas é de natureza anímica. A
sexualidade constitui uma importante excepção.
As necessidades sexuais do ser humano, como já dissemos, são na verdade
condicionadas no seu desenvolvimento por muitas circunstâncias; no entanto, as
influências realizadas na devida altura contribuem essencialmente para um
desenvolvimento saudável. Isto diz sobretudo respeito ao desenvolvimento operado
na
puberdade que, devido às influências do meio ambiente, pode ser
antecipado, retardado e conduzido para vias normais ou anormais.
Falando de um modo geral nunca será demais acentuar a grande importância que têm
para um desenvolvimento saudável as experiências realizadas durante o primeiro
ano de vida.
Sigmund Freud foi o primeiro a fazer essa verificação no
âmbito das suas investigações psicanalíticas. Na época das primeiras discussões
tempestuosas em torno da doutrina de Freud, ela foi recusada por muitos como uma
afirmação exagerada ou aceite piamente por outros, conforme a posição que
tomavam em face da psicanálise.
Hoje encontramonos em situação de poder substituir a
crença ou a descrença neste domínio pelo conhecimento dos factos. Este
conhecimento apoiase nas modernas experiências biológicas realizadas em animais
e que já por diversas vezes
citámos. O conhecido investigador Frank Beach, com base numa visão geral sobre
toda a bibliografia existente para este domínio, chega à conclusão, que comprova
cientificamente, de que, primeiro, os hábitos que se adquirem cedo são
particularmente persistentes e, em segundo lugar, que os adultos se encontram
permanentemente sob a influência do que viram e aprenderam na infância.
Isto poderá parecer trivial e evidente a alguns leitores ou uma afirmação
exagerada a outros. Mas, em face dessas duas posições extremas, devemos acentuar
que uma observação que se apoia em mais de cem investigações cientificamente
exactas tem um peso muito mais considerável do que uma opinião particular
formulada de acordo com os sentimentos individuais.
Segundo me parece, um tal resultado definitivo é de valor incalculável para os
pais e educadores.
11. TUDO O QUE ACONTECE É DE ORDEM PSICOFISICA
A expressão «psicofísico» é usada para todos os fenómenos que são a um tempo
anímicos (psíquicos) e corpóreos (físicos).
Em muitos acontecimentos vitais é por demais evidente a actuação simultânea do
corpo e da alma: todos sabem que, ao fazer incidir o olhar sobre um objecto,
nesse acto actuam em conjunto os olhos, o nervo óptico e o cérebro por um lado,
a
atenção e a capacidade de percepção por outro.
Noutros fenómenos isto não é tão evidente. A muitos poderá parecer estranho que
mesmo os processos de um organismo saudável que decorrem automaticamente, como
porventura a respiração ou a digestão, tenham também sempre o seu lado
psicológico. Mas pensese apenas na velha sabedoria popular que afirma que
determinada experiência põe «um peso no coração», «oprime a respiração» ou «faz
um vazio no estômago». A chamada investigação psicossomática (sorna é a palavra
grega para corpo) apontou essas e muitas outras relações, demonstrando assim o
grande significado da constituição anímica de um ser
humano para todos os seus fenómenos corpóreos.
Sabese assim hoje em dia que, mesmo no caso de doenças que antigamente estavam
longe de fazer pensar em influências psíquicas como sejam as úlceras do
estômago ou do intestino, a gota e o reumatismo , a disposição anímica
desempenha o seu papel, seja numa constante tensão interior, em preocupações e
medo, numa disposição hostil ou em sentimentos de ódio. Tratarseá mais de
perto destas relações nos capítulos «Motivação» e «Psicoterapia».
De momento, partindo do ponto de vista biológico, perguntamos a nós próprios
como se poderão de facto compreender essas relações psicofísicas. A resposta é:
ainda não o sabemos.
Existem fundamentalmente duas teorias para tentar explicar o acontecimento
psicofísico. Uma referese à actuação recíproca de processos psicofísícos,
enquanto a outra considera o acontecimento psicofísico como um acontecimento
total. Entre os representantes da teoria da actuação recíproca existem os
que atribuem a primazia ao factor anímico e outros que, pelo contrário, atribuem
o papel mais importante ao factor orgânico.
Partindo da prática, parece darse urnas vezes um caso e outras vezes o outro:
um doente sentirseá mais depressa deprimido e desalentado do que alguém que
goze de pujante saúde. Por outro lado, alguém que se encontra deprimido devido a
uma vida vazia de afecto poderá, por exemplo, sentir cansaço e ter tendência
para dores de cabeça, sem que exista propriamente um motivo somático para tais
padecimentos.
Estas relações complicadas são não só perturbadoras para
* leigo, mas muitas vezes também de difícil compreensão para
* perito. De interesse geral é apenas um facto: que é bom estar
mos conscientes de que todos os fenómenos que ocorrem em
nós têm um lado anímico e um lado corpóreo e que necessitamos sempre de fazer
incidir a nossa atenção sobre ambos.
12. SAúDE E DOENÇA
Patenteiasenos uma aplicação imediata do princípio de estar consciente da
duplicidade psicofísica do nosso ser ao
observarmos a saúde e a doença. Ainda não há muito tempo, a saúde e a doença
constituíam conceitos claros e simples. Doença era sofrimento físico evidente.
«0 médico diz que o
meu marido está absolutamente bem, a doença é só em imaginação» ouvese ainda
hoje dizer. Aliás, cada vez se ouvem menos afirmações deste tipo, visto que o
médico moderno e cada vez mais o leigo sabem que doenças de aparência apenas
corpórea podem ser de espécie puramente anímica.
Esta dupla natureza das doenças faz com que o seu diagnóstico e tratamento
(tanto no aspecto corpóreo como anímico) seja um problema essencialmente mais
complicado do que anteriormente.
Demonstraremos por meio de alguns exemplos como isto se pode revelar na prática.
Elisabeth anda desde o Outono na escola. Quando a mãe a acorda de manhã, queixa
se frequentemente de enjoo e por vezes vomita. A mãe não consegue compreender
por que motivo Elisabeth começou de repente a sofrer de «indisposições de
estômago».
Vai com a filha ao médico e este conclui, após uma cuidadosa observação, que
Elisabeth tem provavelmente medo de qualquer coisa que se passa na escola. O
médico é um pediatra moderno e, criando uma atmosfera amigável em que faz
perguntas acerca da professora e das outras crianças, consegue que Elisabeth
diga que tem medo de ser chamada e de se ver obrigada a falar diante da turma.
Assim ele aconselha a mãe a falar
com a professora e a pedirlhe para não chamar Elisabeth até ela se ter adaptado
mais à escola.
O problema nem sempre se remedeia desta forma fácil; ocasionalmente é necessário
ouvir o conselho especializado de um psicólogo quando a criança tem medo da
escola.
Um segundo caso mostrará como se pode dar precisamente a situação contrária.
Hanna, uma rapariguinha de doze anos, queixase de cansaço e de dores de cabeça.
A mãe, uma lavadeira robusta que trabalha duramente, não tem paciência para
essas «fitas», como
ela costuma dizer. «Vai apanhar ar e brinca com as outras crianças em vez de
estares sempre com o nariz metido nos livros» diz ela a ralhar. Por sorte Hanna
tem uma professora que toma interesse pelas alunas e que, sendo além disso uma
boa observadora, envia a criança ao médico escolar, ao vêIa cansada e com
aspecto doentio. Este verifica uma anemia declarada, prescreve à criança o
remédio adequado, recomendalhe que durma mais e informa a mãe do que se passa.
Interessante é um caso que diz respeito à mulher de um psiquiatra.
Magda sofre há anos de cansaço. O marido, em quem ela deposita confiança
absoluta, considera o sofrimento proveniente do medo e das dificuldades que
sofreu ao ter de fugir de um
país ocupado. Manda a mulher a um colega para que este a
submeta a um tratamento psicanalítico, porém nem mesmo um
tratamento prolongado consegue restituir a Magda a sua frescura e alegria de
viver. Por fim o casal resolve que Magda seja observada minuciosamente por um
médico. Assim aconteceu, com o
resultado espantoso de se ter descoberto uma tuberculose latente. Um ano de
imobilidade no leito e o tratamento médico num sanatório transformaram Magda
numa pessoa saudável.
E outra vez um caso precisamente oposto: Durante anos a Senhora Grothe visitou
constantemente a policlínica de um hospital onde lhe receitavam remédios para
dores e opressões no coração. Finalmente um médico de formação psiquiátrica
descobriu, após uma longa conversa com a Senhora Grothe, que o seu padecimento
tinha uma causa exclusivamente anímica a sua infelicidade conjugal.
De tudo isto resulta que, hoje em dia, a saúde e a doença são conceitos muito
mais complicados do que anteriormente.
Como sabemos agora, um desenvolvimento saudável pressupõe não só um corpo
saudável como também uma alma saudável. A nossa vida radica, é verdade, nos
factores do nosso organismo; estes, porém, encontramse, desde o início e
durante toda a nossa vida, em ligação com os factores da nossa vida anímica.
1. As funções
1. OS FENÓMENOS PSIQUÍCOS BÁSICOS
O que são funções?
Vamos abranger sob o conceito de funções todos os processos psíquicos básicos
que, por assim dizer, entram como material de construção nas nossas vivências
complexas, e estão na base das nossas acções.
Este material de construção representa uma rede enormemente complicada de
processos que são desencadeados por meio de estímulos internos ou externos e
terminam em movimentos. Alguns destes estímulos convertemse imediata e
automaticamente em movimentos; tais reacções designamse por reflexos. Outras,
pelo contrário, tornamse propulsoras de uma quantidade que quase não podemos
abranger de outros fenómenos internos antes de se converterem em acções.
Pela palavra acção designamos uma conduta em que ao contrário do que sucede no
reflexo isolado agem conjuntamente muitos fenómenos que se ocupam, com
finalidade, do mundo exterior, em vez de, como o reflexo, apenas porem em
movimento o corpo mesmo ou parte dele.
Assim, o reflexo de preensão do recémnascido é um fecharse
da mão; já o movimento de preensão da criança de cinco meses
é uma acção dirigida para preensão de um objecto. A acção humana, diz Erwin
Straus, não é uma reacção mas um projecto.
Os processos que estão na base da acção podem dividirse em cognitivos e
afectivos. Entendemse por processos «cognitivos» todos os que servem à
apreensão objectiva do mundo exterior desde as sensações até ao pensamento,
passando pelas percepções, memória e aprendizagem. Processos «afectivos», pelo
contrário, são os sentimentos ou emoções, pelos quais o indivíduo reage à
influência do mundo que o rodeia e que levam ou «motivam» o indivíduo a
determinadas acções.
A experimentação na Psicologia Científica
No início da moderna Psicologia Científica, a investigação ocupavase quase
exclusivamente do estudo das sensações e da memória, pois eram estas as mais
acessíveis à experimentação. Distinguindose das descrições subjectivamente
fundadas da Psicologia précientífica, a Psicologia científica orgulhavase de
tornar os fenómenos psíquicos acessíveis à experimentação medidora, enumeradora
e quantificadora, do mesmo modo que as
ciências da natureza o haviam feito com os fenómenos materiais, provando ser a
experimentação o único método de confiança para a obtenção de conhecimentos
objectivos. Aliás pôsse a
questão, levantada, como expusemos na introdução histórica, por parte do grupo
dos psicólogos das ciências do espírito ou
da compreensão, se com a experimentação não se perderiam a
individualidade e o sentido próprio do fenómeno, os quais caracterizam
essencialmente o psíquico.
É que justamente o decisivo na experimentação é o facto de nela terem de ser
repetíveis fenómenos artificialmente produzidos. Exclui portanto, de acordo com
a sua natureza, o único
e o particular. o sentido contido na minha vida e a profundidade da vivência que
uma sinfonia de Beethoven me proporciona não podem ser nem medidos nem contados.
Mas o reconhecimento destes factos não exclui que se submetam à experimentação
determinados fenómenos psíquicos mais simples. Embora o «calor» ou a «frieza»
com que uma mãe trata o seu filho não sejam investigáveis nem qualificáveis
experimentalmente, contudo, através de perguntas e observações de conduta
estandardizadas, abriramse caminhos para obter um acesso
indirecto à vida interior dessa mulher. A Psicologia clínica e a
da personalidade desenvolveram hoje métodos que nos elucidam indirectamente
acerca do papel que um filho representa na vida da sua mãe, que felicidade ou
que carga ele significa para ela.
A experimentação psicológica moderna, que evidentemente não pode ser realizada
em todos os campos da vida psíquica à imagem da experimentação usada nas
ciências naturais, exerceu contudo uma influência enorme sobre esta ciência na
medida em que impôs à psicologia a regra fundamental de encontrar métodos de
investigação objectivos.
Embora seja nosso propósito nesta obra tratar em primeira linha as condições
psicológicas que se revelaram de importância fundamental para a compreensão do
nosso próprio Eu e da nossa vida, não há dúvida que cabem aqui também algumas
considerações acerca daquele grande ramo de investigação que nos
proporcionou, em investigações dignas de admiração, os mais exactos
conhecimentos acerca da regularidade dos fenómenos psíquicos básicos. Se não
atendêssemos a este fundamento da Psicologia, obteríamos uma imagem bastante
incompleta do todo. Contudo aconselhamos o leitor menos científica e mais
pessoalmente interessado a saltar este capítulo e a iniciar a leitura com o
seguinte, porque a matéria desta investigação experimental da «aparelhagem»
psicológica talvez lhe pareça um pouco seca. Quem contudo tiver o interesse de
aprofundar os factos imensamente importantes descobertos pela moderna Psicologia
experimental, acerca do cérebro e sentidos, percepção e aprendizagem, pensamento
e emoções, acerca do consciente e inconsciente, tirará desta leitura proveito
para o seu conhecimento e compreensão.
2. O CÉREBRO E O SISTEMA NERVOSO
O cérebro é o órgão central
O cérebro e o sistema nervoso constituem a base de todos os fenómenos psíquicos.
É através de estímulos nervosos que tomamos conhecimento dos fenómenos que se
passam no mundo exterior e no interior do nosso corpo. E é através de fenómenos
nervosos que estes avisos são transmitidos, valorizados e convertidos em
reacções.
O órgão central, que regula e dirige estas actividades, é o cérebro. Ele é
constituído por um sistema de inumeráveis células e fibras montado de maneira
invulgarmente complicada. De cada célula também designada por neurone partem
fibras que produzem a ligação com outras células e grupos de células. Estas
ligações, que não se dão só dentro do cérebro mas que chegam até aos órgãos dos
sentidos e até à última fibra muscular, dãose através de processos de
excitação. São estes processos electroquímicos que se originam nos neurones.
Foi uma obra meritória, na ciência, quando o psiquiatra de lena, Hans Berger,
conseguiu, em 1929, medir os fenómenos que se passam no cérebro. Foi baseado
nesta possibilidade que se
desenvolveu o EEG o electroencefalograma que se utiliza para o diagnóstico de
doenças cerebrais.
As excitações decorrem nas diversas regiões do cérebro, em
primeira linha no córtex, na superfície do cérebro. É aqui que se encontram dois
terços de todos os neurones do cérebro. E a superfície multiplamente entrelaçada
e sulcada está em relação directa com o número, quase impossível de calcular,
avaliado
em dez biliões de células; só esta ordenação permite alojar num
espaço mínimo uma tão grande superfície. E apesar disso como
é pequeno o nosso cérebro em comparação com os chamados «cérebros electrónicos»,
aqueles autómatos calculadores que necessitam de 4 mil vezes mais espaço com
uma capacidade de trabalho menos vasta, embora em campos determinados mais
elevada. Já só esta comparação de tamanhos nos dá uma indicação marcante acerca
da diferença entre material orgânico e
anorgânico. É aqui no córtex que é determinada e reflectida a vida psíquica
consciente; quando apercebemos ou pensamos algo, imaginamos uma coisa ou
deixamos transcorrer a nossa fantasia, quando sonhamos todos estes fenómenos
se realizam no córtex.
Outras regiões abrangidas pela designação de tronco cerebral regulam a tensão
arterial e a respiração, determinam os nossos sentimentos e afectos, e sobretudo
também os impulsos vitais (no chamado tálamo), regulam o equilíbrio e o
movimento muscular, em resumo, tudo que é indispensável para a nossa vida como
seres vivos.
Como há pouco formulou W. Grey Walter, é o cérebro que nos torna no Homo
Sapiens, uma vez que nos permite pensar, saber e conhecer de um modo que não é
acessível a nenhum animal. São justamente os mecanismos do nosso cérebro que
permitem reconhecer uma
rigorosa separação fisiológica entre o homem e o animal.
A capacidade de produ ondas normais (oscilações grandes e pequenas)
ção do cérebro humano é em parte determinada pelo Influência pelo abrir
dos olhos seu peso. O cérebro humano pesa entre 1200 e 1400 gramas pesando o
cérebro fe Correntes de acção a estímulos sensitivos
mínino em geral 50 a 100 gramas menos do que o Oscilações
potenciais anormais de um doente
cerebral masculino; mas se relacionarmos o peso do cérebro
Correntes de convulsão na epilepsia com o peso do corpo, então o cérebro
feminino pesa ffin~WA~ mais que o do homem. A
Correntes de convulsão durante um ataque opinião antigamente muito difundida de
que a inteli 55 Diversas derivações de correntes ceregência de uma
pessoa esta brais no electroencefalograma. (De M. Idenburg, «Kleine
Methodik der physikaria em relação directa com Tischen Therapie und
Diagnostik»)
peso do seu cérebro, é hoje contestada. É certo que em casos extremos, em
génios ou débeis mentais, se verificaram, respectivamente, pesos especialmente
elevados e baixos. Mas, como o acentuaram claramente E. Dubois e C. von Economo,
dois especialistas da vanguarda no campo da investigação cerebral, para *
capacidade produtora psíquica é responsável em primeira linha * lobo occipital
e neste por sua vez a diferenciação do córtex * não o cérebro na sua totalidade.
Localizações no cérebro
Está continuamente a pôrse a questão, se no cérebro existem determinados
centros para determinadas capacidades. A ideia de que se podem localizar
«capacidades» no cérebro encontrase pela primeira vez em Franz Joseph GaIl, no
século dezoito. Gall afirmava poder localizar no cérebro, com o auxílio da
frenologia, como ele designava a sua doutrina, por exemplo determinados dotes ou
particularidades de carácter, e, conforme
a sua situação no cérebro, interpretálas através da configuração do crânio.
Contase uma divertida anedota relacionada com a sua actividade diagnóstica:
Mandado chamar por Frederico, o Grande, Gall foi conduzido diante de uma mesa
redonda que se havia reunido junto do rei, e foi convidado a testemunhar ali
mesmo acerca do valor da sua doutrina. Gall apalpou portanto o crânio de todos
os presentes para assim poder apreender as qualidades de carácter específicas de
cada um. Após terminar o seu trabalho, Gall revelou o resultado, com o qual ele
próprio se assustou: ele estava decerto entre um grupo de grandes criminosos! A
qualidade principal que pudera determinar em todos estes homens fora o impulso
de destruição. Houve uma risada geral, pois tratavase do grupo de generais que
costumava reunirse junto do rei. «Impulso destruidor» tinha dito Gall. Teria
ele designado um
pouco crassamente certas particularidades que aparecem em todos os militares?
É certo que Gall se enganava quando supunha que se pudessem localizar
«capacidades psíquicas» em determinadas zonas do cérebro, mas havia algo de
exacto na sua ideia de que existe uma certa relação entre determinados processos
psíquicos e
certas regiões do cérebro. Assim, existem na realidade modernamente mapas do
cérebro. Reproduzimos na página 85 um
mapa do hemisfério cerebral esquerdo considerado um dos mais modernos o de Karl
Kleist.
56 Como Gall imaginava no crânio os «campos de carácter». (Segundo Rohracher)
Se observarmos o mapa do cérebro, de Kleist, a primeira impressão é que ele nos
apresenta ainda muito mais localizações do que outrora Gall determinou no
cérebro. Isso é verdade. Mas o que é decisivo é que na actual teoria das
localizações já não se trata de «capacidades» mas de processos. A teoria moderna
parte de funções psíquicas que faltaram ou ficaram diminuídas, por exemplo em
determinadas lesões cerebrais; pois a destruição de determinados centros
cerebrais pode levar a perturbações ou
carências psíquicas estritamente caracterizadas.
Mas isto não quer forçosamente dizer que sejam apenas as
células cerebrais que determinam a conduta psíquica ou que possamos realizar
uma cisão absolutamente clara, e encontrar no cérebro, lado a lado, os diversos
grupos de funções. Tratase antes dum fenómeno de hierarquia: para determinadas
funções psíquicas, algumas funções do cérebro são mais importantes do que
outras, e por vezes tão importantes, que a sua carência leva a função psíquica
a sucumbir. E é por isso que Hubert Rohracher formula: «Um centro cerebral é um
sistema de células cuja produção de estímulo é indispensável para a formação de
uma determinada função corpórca ou psíquica,»
ver . ti&””, mt” hINILI
57 Localizações de funções no córtex cerebral, hemisfério esquerdo. (Segundo K.
Kleist)
Perturbações orgânicas do cérebro
Quando estão destruídas determinadas partes do lobo occipital do cérebro, não se
realizam já as sensações visuais, e a pessoa fica cega, embora os seus globos
oculares se encontrem perfeitos («cegueira cortical»), Com a destruição de
outras partes do córtex, perdese a capacidade de reconhecer os objectos
apercebidos («agnosia»).
Mas há também perturbações das funções corpóreas ou
psíquicas, provenientes de lesões orgânicas cerebrais, que com o decorrer do
tempo desaparecem, não devido à cura dos centros cerebrais respectivos, mas por
transferência das funções para outras células, que anteriormente tinham outras
atribuições, por vezes até muito secundárias. Pode até suceder que então entrem
em actividade partes do cérebro que anteriormente não tinham nenhuma função a
desempenhar. Esta plasticidade do cérebro é de enorme importância. Ela prova que
a função cerebral está, essencialmente, ordenada num todo, como se costuma
dizer. Existem constelações de estímulos com características de comando e que
governam os estímulos específicos isolados;
estas totalidades adaptamse de modo adequado às exigências que são impostas ao
organismo pelo mundo exterior.
O cérebro como sistema reticular
Estes factos dãonos a imagem de um sistema reticular assaz complicado e
entrelaçado de relações no cérebro, que constituem o resultado de todas as
nossas experiências, e nos permitem aspirar a novas metas e adaptarnos a novas
exigências. É a organização, a estrutura no cérebro que caracterizam então a
especificidade em cada caso. Se perguntamos pela estrutura, pelo modo de
interligação, podemos também perguntar: como se «realizam as conexões»?
A ciência da cibernética
Com esta expressão, «realizar conexões», já estamos dentro do campo da
cibernética (derivado da palavra grega kybernétes, o piloto). Esta ciência
inteiramente nova, que foi desenvolvida especialmente por Norbert Wiener,
investiga os fenómenos de regulação e comando (as «conexões») nos seres vivos e
seus órgãos, assim como em sistemas técnicos. A teoria da informação, igualmente
um ramo de investigação muito recente, trabalha lado a lado com a cibernética na
descoberta das regularidades na transmissão de «mensagens» de toda a espécie
quer se
trate, por exemplo, de um impulso nervoso quer de um código de telegrama. E foi
a partir dos conhecimentos da cibernética e da teoria da informação que se
constituíram as célebres e gigantescas máquinas calculadoras electrónicas, cuja
designação popular de «cérebros electrónicos», pelo menos em parte, não é
errada.
Os gestaltistas haviam já anteriormente desenvolvido ideias parecidas com as dos
cibernéticos e defensores da teoria da informação embora sem utilizar
princípios e modelos **mater^Iticos tão rigorosos. Foi sobretudo Wolfgang Kõhler
que viu “ ao fenómeno psíquico ordenado e cheio de sentido corresponde um
fenómeno de fisiologia cerebral ordenada de modo semelhante. A expressão
configuração ou estrutura designa a ordem integral que Kõhler atribuía ao
decurso dos processos tanto físicos como psíquicos no organismo.
Ew perturbações da actividade cerebral provenientes de lesões causadas no
cérebro, revelamse então também especialmente os prejuízos sofridos por estes
processos de ordenação.
Os lesados cerebrais de Kurt Goldstein e a reacção de catástrofe
Tornaramse célebres as investigações de Kurt Goldstein feitas com soldados da
primeira guerra mundial, lesados no
cérebro; através delas se chegou pela primeira vez a compreender claramente esse
fenómeno.
O que acontece quando um lesado cerebral é colocado perante uma tarefa, por
exemplo, somar quatro com três? Goldstein descreve como o paciente dobrava
sucessivamente os dedos e contava em voz alta «], 2, 3, 4» e depois ainda «l, 2,
3»; e depois de ter dobrado todos os dedos contava a fila completa «l, 2,
3, 4, 5, 6, 7» e por fim dizia: «Quatro e três são sete». Mas se lhe perguntavam
se sete seria mais do que quatro, ele não sabia responder.
O que se passou aqui? Este lesado cerebral perdeu a faculdade do pensamento
abstracto, já não pode neste caso utilizar o conceito da pluralidade. Pode
apenas contar concretamente pelos dedos.
Mas se insistirmos com ele e dissermos que ele tem de ser
capaz de resolver também a segunda tarefa, pode acontecer que o paciente se
excite extraordinariamente e perca todo o autodomínio. Esta conduta foi
denominada por Goldstein reacção de catástrofe. A reacção de catástrofe hoje um
dos conceitos fundamentais @este campo aplicase pelo facto de o paciente
viver, como um perigo de morte, a sua incapacidade de resolver as tarefas. Não
se sente à altura da situação e a sua impotência levao ao desespero.
O lesado cerebral só se pode manter até certo ponto devido ao facto de procurar
evitar sempre que possível tais situações críticas. E para conseguilo procede
tentando fugir a todas as complicações e limitandose a situações quanto
possível simples. Pois só assim ele consegue, pelo menos até certo ponto, manter
aquela ordem interna vital, cuja enorme perturbação é provocada pelo defeito
cerebral.
Goldstein dá mais exemplos impressionantes. Assim, um
lesado cerebral que faz pequenos serviços num escritório, ordena todos os dias,
meticulosamente e sempre do mesmo modo as suas coisas sobre a secretária, antes
de poder começar a trabalhar.
Goldstein fez a seguinte experiência com um paciente que examinara: colocou
diante dele uma folha de papel e, sobre esta, mas obliquamente, um lápis. O
paciente agarrou no lápis e colocouo exactamente paralelo à folha de papel,
depois de ter colocado também a folha de papel paralelamente à borda
da mesa. Goldstein agarrou então no lápis e voltou a colocálo obliquamente
sobre o papel. O paciente pegou nele e voltou a colocálo direito. E este
procedimento repetiuse por várias vezes.
O paciente faz aqui tudo para estabelecer uma ordem que possa abranger. O lápis
oblíquo torna a situação demasiado complicada e a desordem ou confusão por esse
facto provocada produz no lesado cerebral medo, que pode aumentar até ao
pânico. O que ele pretende é operar dentro de uma situação simples, que ele
possa dominar. Goldstein verifica que desejos destes têm como base a tendência
para funcionar optimamente e realizar tarefas óptimas.
Das investigações clássicas de Goldstein tornase bem visível que as lesões
cerebrais provocam, por um lado, defeitos específicos, como por exemplo carência
de reflexos ou de determinadas funções, quiçá do pensamento abstracto; mas que
também provocam, por outro lado, perturbações globais da ordem e
da faculdade de dominar a vida.
Crianças com lesões cerebrais
A compreensão destes fenómenos é especialmente importante para aqueles pais que
têm filhos com lesões cerebrais, assim como para os professores destas crianças.
Não é raro enviaremnos, a nós, psicólogos, crianças em idade escolar,
justamente devido a serem irrequietas, ou à sua incapacidade de se concentrarem
ou, por exemplo, de resolverem certos problemas complicados. A maioria destes
casos tem causas puramente psicológicas. Mas numa minoria estes casos têm a sua
origem em formas benignas de lesões cerebrais que se adquiriram durante o
nascimento ou no decurso de uma grave constipação ou de outras doenças que
atacam o cérebro, particularmente no primeiro ano de vida. O EEG (Vide pág. 83)
acusa
normalmente estas perturbações cerebrais, e o médico prático neste domínio pode
ordenar a terapia adequada ao caso, e dar conselhos para um tratamento
psicoterapêutico e pedagógico.
3. OS óRGÃOS DOS SENTIDOS
A capacidade dos nossos sentidos
Floyd Ruch, cujo manual de Psicologia é dos mais lidos, introduz o seu capítulo
sobre as funções dos sentidos com as seguintes observações: na rotina do diaa
dia utilizamos continuamente os nossos órgãos dos sentidos de tal maneira que
nem nos lembramos de nos deter um momento para admirar a capacidade tão
extraordinária dos nossos sentidos. Os nossos olhos, por exemplo, podem
aperceberse, em condições atmosféricas favoráveis, do luzir de um fósforo a uma
distância de trinta quilómetros. Ou podem ver um arame que seja tão fino que o
seu diâmetro meça apenas quinhentas milésimas de todo o campo visual!
E enquanto estou aqui sentada a escrever isto, ouço através da janela fechada e
vindo de longe o ladrar de um cão, gozo o
sabor e o aroma do meu cigarro, que me distrai ter entre os dedos;
simultaneamente noto que a sala está um pouco quente de mais, mas que talvez
justamente por isso chegue até junto de mim o aroma do pinheiro de Natal acabado
de cortar que se encontra na outra extremidade da sala. E por um momento
detenhome e recordo um dia de Natal em Viena, quando a
neve batia de encontro à janela.
Tudo isto e mais coisas ainda podem passarse simultaneamente, ou no decurso de
poucos segundos ou minutos nos órgãos sensitivos ou na memória, enquanto os
pensamentos estão ocupados com uma matéria totalmente diferente.
58 O globo ocular funciona como um aparelho fotográfico: ambos têm um
«diafragma» regulável conforme a intensidade luminosa (no olho é a íris), ambos
têm uma lente, ambos uma câmara sensível à luz que «capta» a imagem: no olho é a
retina, na máquina fotográfica é o filme. (Segundo
Ruch, Psychology and Life, 1958)
Existem muito mais do que cinco sentidos
Ao lado dos cinco sentidos que eu acabo de descrever em acção simultânea,
distinguese hoje ainda uma série de muitos outros, sem que se estabeleça um
número exacto. Existem sensações de dor, de pressão, de movimento, de
modificações estáticas, cenestésicas e outras mais e para todos estes estímulos
há um receptor.
Dos nossos sentidos, o da visão é, dum modo geral, considerado como mais
importante. O globo ocular, que funciona como
uma máquina fotográfica, apercebese, com uma acuidade visual que varia de
indivíduo para indivíduo, da forma e cor dos objectos.
O ouvido distingue a altura, intensidade e timbre, no que também se verificam
muitas diferenças individuais. Estas são grandes também no que respeita à
receptividade dos estímulos dos órgãos do olfacto e do gosto, assim como dos
restantes sentidos.
Peter Hofstãtter, no seu pequeno e interessante Dicionário de Psicologia, dános
uma tabela resumida dos estímulos dos sentidos e das reacções que lhe
correspondem, e que reproduzimos a seguir.
Para um estudo mais detalhado do campo das capacidades sensitivas, tão
intensivamente estudado, indicamos o livrinho de Hofstãtter, em que ele expõe
claramente este assunto.
ESTIMULO
RECEPTOR
S E N S A Ç A O
SIGN@FICAÇÃO
POSSíVEL
Ondas electromagnéticas (Comp :5 105 cm)
Ondas electromagnéticas ]o s 104 CM
Retina
Cores, claridade
Objectos pessoais
Ondas electromagnéticas
104102 CM
Células da pele
Calor, frio
Fogo, gelo
Vibrações mecânicas
2020 000 Hz
Ouvido interno:
caracol
Altura do som, intensidade, timbres e ruídos
Vozes, instrumentos
musicais
Pressão
Células da pele
Tacto
Metais e tecidos
Movimentos da cabeça
Ouvido interno:
aparelho vestibular
Equilíbrio
Queda, oscilação
Produtos químicos em
solução aquosa
Células gustativas
Doce, azedo, amargo,
salgado
Comidas
Produtos quínicos em
estado gasoso
Células olfactivas
Odores
Flores
Modificações químicas e
mecânicas de estado do ambiente interno
Células nos órgãos internos
Pressão, tensão
Fome, sede
Altas somas de energia
de toda a espécie
Terminações nervosas
livres
Dor
Feridas, doenças
Estímulos sensitivos e reacções correspondentes. (De Hofstãtter, Psychologie,
Fischerlexikon, 1957)
4. AS PERCEPÇõES
O que é uma percepção?
O que é uma percepção em comparação com uma sensação? A seguinte experiência
esclarecerá a diferença.
Diante da observadora (tratase de experiências realizadas no Instituto de
Psicologia de Viena, por O. Rubinow e L. Frank1) encontrase uma criança de dois
meses que retribui o sorriso da senhora, com um sorriso. Agora a observadora
segura um
biberão com leite a alguma distância dos olhos de Pepi. Embora o biberão se
encontre dentro do campo visual de Pepi e ele o fixe, não dá sinal de reconhecê
lo. Só quando a observadora agarrar em Pepi e o puser no colo do modo habitual,
ele começará a mamar, ainda antes de ela colocar o biberão dentro do seu campo
visual.
Mas dois ou três meses mais tarde tudo é completamente diferente. Agora Pepi já
começa a mamar vivamente quando o
seu olhar incide sobre a ponta da tetina do biberão mantido a alguma distância
dele. Agora a criança reconheceu o biberão como objecto.
É certo que ainda são necessários determinados sinais característicos, como a
ponta da tetina, para levar Pepi a reagir. Ele não mama se lhe mostrarmos um
balão cheio de leite. Só alguns meses mais tarde é que ele reconhece o seu
alimento também em recipientes que sejam diferentes do biberão habitual, quer na
forma quer na cor. Ele apreende a pouco e pouco toda a situação.
Desta descrição de experiências para a investigação das primeiras vivências de
objectos resulta uma série de factos.
O bebé de dois meses vê, ouve, saboreia e cheira, tem sensações de tacto e de
dor e de muita coisa mais. Mas não se apercebe ainda do objecto como todo.
Quando começa a aperceberse dele, inicialmente apenas se apercebe de
determinadas características de configuração, como o bico ou o facto de ser
redondo. Identifica o objecto através de características por vezes
de pouca importância. Só a pouco e pouco separa a apreensão do objecto
«recipiente de alimento» dos diversos dados acidentais. Apreende o objecto no
todo da situação que alude à mamada que se segue.
Por percepção designamos, pois, um fenómeno complexo, através do qual o mundo
exterior é apreendido e interpretado como sendo ordenado em totalidades.
Estímulos presentes assim como experiências do passado são integrados e
elaborados na visão de conjunto.
A evolução da constância do objecto
O processo da evolução da percepção, como é fácil de compreender, prolongase
através de anos, uma vez que se tem de apreender inúmeras
características e incluíIas pouco a pouco
na percepção. Ilustraremos Idade isto com um exemplo duma
2 4 6 8 10 12 14 16 18 E, E,
100 . . . . . . . fase um pouco mais tardia.
Pepi tem agora três Tema
anos e vai passear com o pai. Passeiam por uma lon
8 ga alameda composta de
álamos. «Paizinho», diz Pepi
70 e indica com o dedo para
longe, «porque é que lá londres são tão pequeo
ge as arvo
nas?» O pai compreende que o seu filho ainda não so
aprendeu a ter em conta a diminuição de perspectiva à
40 distância e vai agora tentar
F explicarlha.
30 Mas apesar desta explicação
ainda levará alguns
20
anos até que a criança possa interpretar correctamente gura
as sensações, com todos os factores que nelas influem, i 4 isto é,
as interprete de acor
2 4 6 8 10 12 14 16 18 E, E, do com a situação objectiva.
Idade
Coisas que mais tarde nos
59 Só gradualmente aprendemos a~ in parecem evidentes por terpretar
correctamente as sensações. As três curvas mostrara que os chama
exemplo, que a luz e a som dos factores de constância, portanto a bra, a
situação e a distância apreensão da constância de tamanho, cor e figura, só
atingem o ponto maxi não nos impedem essencial mo da sua evolução na
idade entre os mente de reconhecer cores dez e os catorze anos.
(Segundo Egon
Brunswik e Sylvia Klimpfinger) e formas e de calcular tamanhos tais
coisas só se aprendem lentamente. Egon Brunswik e Sylvia Klimpfinger verificaram
que estes factores de constância, como são designados, portanto a apreensão da
constância de tamanho, cor, forma, só chegam ao ponto máximo da sua evolução
entre os 10 e os 14 anos.
O espaço, o tempo e o movimento são incluídos, no decorrer da infância, na
experiência e gradualmente tidos na devida
conta. A capacidade receptiva, a memória e a inteligência desempenham aqui um
papel e também as motivações não deixam de ter influência sobre o modo como nos
apercebemos do mundo exterior.
Ilusões ópticas
Aliás, apesar da nossa grande capacidade de tomar em devida conta todos os
factores acima mencionados, as percepções estão sujeitas até certo grau a
determinadas ilusões. Estas desempenharam um papel importante na investigação
psicológica, porque se prestavam especialmente para nos elucidar sobre o
significati o factor da configuração.
Entre as ilusões ópticas é especialmente conhecida a chamada ilusão de MüIler
Lyer, que se pode considerar como um dos exemplos clássicos primeiramente
descobertos.
As duas linhas têm igual comprimento, embora devido à posição das setas uma
pareça bastante mais longa.
No segundo exemplo, o círculo do centro parece muito maior quando está no meio
de círculos pequenos do que quando está rodeado por círculos maiores. Mas na
realidade nos dois casos o círculo do centro tem o mesmo tamanho.
000
O,00
000
6061 Dois exemplos clássicos de ilusão óptica: a linha da esquerda, que parece
mais longa, tem o mesmo comprimento que a da direita, e o círculo rodeado por
círculos mais pequenos é do mesmo tamanho que o círculo aparentemente mais
pequeno que está rodeado de cinco círculos grandes
O fenómeno das ilusões ópticas ganhou uma nova perspectiva através das
observações dos gestaltistas, a cujas investigações nos vamos dedicar agora mais
detalhadamente.
O princípio da configuração
O princípio descoberto por Christian von Ehrenfels, e a que chamou das
qualidades de configuração, afirmava inicialmente que nas nossas percepções o
mundo não é apreendido como
uma soma de impressões isoladas, mas sim em totalidades ordenadas. Uma melodia,
diz Ehrenfels, é mais do que a soma dos sons
por que é constituída. Ela tem uma configuração. Devido a este facto, isto é,
por representar um todo formal, pode ser transposta.
A ideia contida nestas afirmações tem uma longa história dentro da Filosofia.
Assim, lemos já em Platão, Aristóteles e Laotse que o todo é anterior às partes,
e que é mais do que a soma das partes. Também muitas vezes se cita Goethe a
respeito destas ideias.
As investigações sobre o princípio da configuração, realizadas de modo intensivo
especialmente por psicólogos alemães, dispersamse por muitas orientações e,
como Hofstãtter notou acertadamente, é a ideia de totalidade o único elo que na
realidade une as diversas escolas. O seu pequeno volume «Psicologia», por nós já
citado, elucida rapidamente os interessados acerca de todos os nomes importantes
e de muitos factos interessantes dentro deste campo. Se aqui nos limitamos a
referir alguns poucos, como especialmente W. Kõhler, M. Wertheimer, K. Goldstein
e K. Lewin, isto não significa que se dê menos importância ao significado de
muitos outros.
A nossa obra não se destina a uma exposição pormenorizada de factos como tais,
mas a nossa selecção usa a descrição apenas na medida em que esta nos parece
apropriada à compreensão psicológica do nosso próprio Eu. E é sob este ponto de
vista que vamos mencionar algumas experiências e observações, que permitem ver
ffitidamente o modo como funcionam as nossas percepções.
A reacção de forma e fundo e as figuras reversíveis
A chamada relação formafundo constitui uma das mais importantes observações.
Isto é, a percepção actua com o material óptico de tal modo que relega uma parte
determinada dele como
6264 Assim como se pode «voltar» o «cubo de Necker», no meio, também as outras
duas figuras se podem «voltar»: o caderno à esquerda pode ser visto aberto ou
então de lombada, e a escada pode verse como se subisse da direita para a
esquerda, mas também como se estivesse de cabeça para baixo
6567 Uma mulher jovem ou uma sogra? Nem todos conseguirão à primeira vista
fazer «saltar» a figura. As duas imagens abaixo servem para facilitar a
«dissolução» da imagem (Segundo Krech
e Crutchfield)
fundo para segundo plano, enquanto que vê outra parte qualquer como figura em
primeiro plano, destacandoa do fundo.
Assim, por exemplo, ao observarmos o nosso tabuleiro de xadrez podemonos
concentrar nos nossos próprios quadrados brancos e vêlos como figura sobre o
fundo dos pretos, ou viceversa. Depois, no decorrer do jogo, podemos distinguir
certas constelações, como seja a relação em que se encontra a nossa rainha com o
que a
rodeia, destacandoa como figura do fundo do restante fenómeno. E assim sentimo
nos,
com o nosso parceiro, destacados do fundo da sala, que abandonamos
desapercebidamente, etc. A relação formafundo é representada activa e
continuamente por nós nas nossas vivências. Ela é talvez, como o supõe por
exemplo K. Goldstein, o mais importante princípio de ordem no campo da
percepção.
Como consequência do facto de a nossa
percepção ser extraordinariamente flexível, a figura e o fundo podem alternarse
constantemente. Isto revelase de um modo especialmente drástico nas chamadas
figuras reversíveis. Um exemplo clássico de uma figura reversível é o chamado
cubo de Necker, que vemos aqui, cujas paredes da frente e de trás podem «mudar»
(fig.
63). Um exemplo mais complicado é a
figura «esposa ou sogra?» (fig. 65). Quem conseguir fazer mudar a figura ne
todos o conseguem pode ver na cabeça de mulher ou uma jovem com um pequeno
nariz e um véu, olhando para o lado direito,
ou uma velha, com um grande nariz e um lenço na cabeça, olhando para a esquerda.
65 Figura reversível
66 Mulher jovem
67 Sogra
6870 Como uma mosca (no meio) e um caracol (à direita) vêem a imagem duma rua.
(De J. v. Ucxki111, Atlas zur Bestiramung der Orte in den Sehrãumen der Ticre)
A flexibilidade e perfeição da nossa percepção não se encontram de maneira
nenhuma em todos os animais. As fig. 69, 70 mostram como uma mosca e um caracol
vêem o mundo, segundo a opinião do zoopsicólogo J. von UexküIl. Em compensação,
alguns animais têm percepções que nos são estranhas: os morcegos, por exemplo,
ouvem sons que para nós estão dentro do campo do ultrasom, as abelhas vêem o
ultravioleta para nós invisível, e alguns peixes conseguem aperceberse de
modificações do campo eléctrico para a sua orientação no espaço.
A nossa percepção é criadora pela sua flexibilidade. Inclinandose para a
pregnância, ela tem tendência para modificar a visão de figuras incompletas em
«boas», figuras não fechadas em fechadas. Assim, não vemos o céu apenas semeado
de estrelas, mas
reunimos grupos de estrelas formando figuras de «constelações».
Tal como pela primeira vez mostrou M. Wertheimer, nós também somos capazes de
ver movimentos em determinados fenómenos de percepção. Movimentos aparentes
estroboscópicos, como ele lhes chamou, são interpretados como fenómenos ópticos
que se seguem rapidamente. Esta possibilidade tornouse a base do filme: imagens
isoladas projectadas rapidamente umas a
seguir às outras, são por nós vistas como uma cena movimentada de um filme.
A apreensão global e a aprendizagem mecânica
Totalidades são mais facilmente retidas na memória do que pormenores. Este facto
é tomado em consideração na Pedagogia
de hoje, tanto na aprendizagem da leitura
como na aprendizagem de cor e na aprendizagem de línguas.
Aliás, além do valor de retenção do todo, desempenha ainda aí um papel um outro
factor, que é o sentido. Se se aprende uma poesia mais facilmente depois de a
ter ouvido e compreendido como todo, é porque aqui actuam conjuntamente os
factores de forma e sentido. O sentido, que consiste na apreensão de relações, é
um
fenómeno do pensamento e como tal nos ocuparemos dele um
pouco mais adiante.
A aprendizagem puramente mecânica, em que se fixa uma
palavra após outra, utiliza outro princípio, isto é, a associação. Por
associação entendese a formação de relações entre dados apreendidos
simultaneamente ou sucessivamente, sejam eles estímulos simples ou dados
complexos, como por exemplo o são as ideias. Nos inícios da Psicologia
científica pretendiase explicar toda a aprendizagem e todo o pensamento através
de fenómenos de associação. As escolas psicológicas mais modernas atribuem
contudo às associações um significado bastante mais reduzido, ou, como a
Psicologia gestaltista, opõemse mesmo à psicologia da associação.
O completamento da vivência, para o qual tendem as nossas
percepções, é um princípio geral da nossa vida psíquica, que as
inclui. Isto foi mostrado por Kurt Lewin e a sua escola em experiências
(baseadas na Psicologia gestaltista), que investigam a
acção. Segundo Lewin, a aprendizagem é um fenómeno psíquico de mutação. quando
mesmo uma pequena parte do campo psicológico é alargada pela aprendizagem de
uma nova opinião ou
de uma nova prática, então não se modifica só o campo específico de reacção, mas
há uma mudança de organização da estrutura de todo o campo vital. Através desta
espécie de elaboração interior, Lewin explica importantes vivências de mutação,
por exemplo conversões religiosas ou reconhecimentos profundos de um doente
durante a Psicoterapia.
O princípio básico é que todos os elementos componentes do sistema da
personalidade estão funcionalmente de tal maneira interligados, que modificações
num campo específico mobilizam mutações em regiões vizinhas sem que se tenham de
realizai novas experiências ou acções. Dos discípulos de Lewin temos diversos
trabalhos sobre funções dinâmicas de dependência entre os componentes do sistema
da personalidade.
A experiência realizada pela psicóloga Zeigarnik, a qual faz parte daquele
círculo, considerase hoje como clássica:
As pessoas que serviram para a experiência tinham de executar num dia uma série
de pequenas acções, das quais uma
parte foi terminada, mas das quais outra parte estava de tal maneira planeada
que não podia ser acabada nesse dia. Mais tarde foram interrogadas acerca
daquilo que haviam feito para se verificar o que tinham retido. O resultado foi
que as acções não terminadas tinham sido retidas 50 % melhor do que as
terminadas. A participação dinâmica, o «ainda não resolvido» actuou muito mais
intensivamente sobre a actividade de fixação da memória.
A tendência para o completamento da acção, que se revela no resultado desta
experiência, indicanos um princípio fundamental do actuar humano que actua
tanto nas percepções como na memória, isto é, o princípio que nos faz levar ao
fim as tarefas. É um princípio geral que mais tarde veremos actuar no decurso da
vida tomado como um todo.
5. MEMóRIA E APRENDIZAGEM
O que é a memória?
Designase por memória a capacidade do organismo humano e animal de permitir
que não desapareçam totalmente as vivoncias, mas de reter vestígios delas. «A
experiência», diz Hubert Rohracher na sua Introdução à Psicologia», escrita de
modo tão claro, «consiste sempre no efeito consecutivo de vivências passadas» .
Estes efeitos consecutivos, que também se designam por retenção, vêm de novo à
consciência como ideias, quando recordamos.
Esquecimento é a perda de recordações. Certos psicólogos negam que haja um
esquecer absoluto. Muitos factos, aparentemente esquecidos, não estão no fundo
esquecidos, mas, como o
demonstrou a Psicanálise, apenas «recalcados», isto é, esquecidos
intencionalmente para não deixar aparecer sensações desagradáveis que com eles
estão relacionadas.
A nossa memória tem, além da capacidade de retenção, ainda a da aprendizagem.
Esta capacidade, talvez a mais importante dos animais e dos homens, consiste
numa modificação da conduta, que se realiza com base no êxito ou no malogro.
Já na segunda mamada um recémnascido modifica um
pouco a sua conduta, e justamente orientandoa para a rejeição de movimentos
incomodativos, de que se vai libertando cada vez mais nos primeiros dez dias de
vida (HetzerRipin). Ao fim de dez dias iniciamse novos movimentos, que lhe são
úteis.
Embora isso seja discutível, supõese contudo como relativamente certo que há
animais unicelulares que modificam a sua
conduta através da aprendizagem e sob determinadas condições.
Diversos modos de aprendizagem
Designase a aprendizagem com base no êxito e malogro também como uma
aprendizagem por tentativa e erro. Porque e para que se realiza esta
aprendizagem? Parece representar uma adaptação que é realizada por todos os
seres vivos, dos mais inferiores aos mais elevados, orientandose para o modo
mais seguro ou melhor de obtenção de alimentos, para a satisfação de
necessidades, afastamento de situações desfavoráveis ou, duma maneira geral,
para a conservação da vida. Tal como
Thorpe salienta na sua magnífica obra sobre «Aprendizagem e
Instinto nos Animais», nem as percepções nem a aprendizagem são fenómenos
mecânicos, como se supôs durante muito tempo, mas são finalizadas em relação a
determinados êxitos.
A tentativa e o erro são um modo de aprendizagem utilizado por homens e animais
em determinadas situações em que se trate da solução de problemas. Estes
problemas dizem respeito à conservação da vida.
Além da aprendizagem por tentativa e erro há ainda a aprendizagem mecânica, que
consiste numa fixação através de repetições. Donde melhor conhecemos este
processo é da aprendizagem de cor de vocábulos ou números. Contudo também se
realiza na vida quotidiana do homem, tal como nos animais, em conexão com
acontecimentos que se repetem continuamente.
Uma terceira forma de aprendizagem é a do chamado reflexo condicionado.
O descobridor do reflexo condicionado é o fisiólogo russo e
premio Nobel Iwan Pawlow (18491936), que se dedicou, no fim do século passado,
a investigações acerca da secreção dos sucos
gástricos. E então descobriu que as glândulas salivares não produzem a sua
secreção apenas quando o alimento já se encontra
na boca de um cão, mas já antes, quando o cão vê ou fareja a carne. Isto não era
nada de novo, pois todos que têm um cão
já viram que o animal saliva quando vê carne, e até de nós próprios dizemos que
«nos cresce água na boca» quando vemos
ou cheiramos um assado apetitoso. Mas nova foi a verificação de PaMow, de que
também outro qualquer estímulo, que nada tenha a ver com o alimento, provoca
igualmente a secreção da saliva, e justamente quando apareceu muitas vezes
concomitantemente com a alimentação. Se, por exemplo, durante algum tempo,
simultaneamente com cada refeição se acender uma luz vermelha ou se tocar uma
campainha, após algum tempo a salivação produzirsed igualmente, mesmo sem
alimento nenhum, mas apenas por aparecer a luz vermelha ou por soar uma
campainha. O reflexo da secreção salivar, que surge automaticamente através do
estímulo natural o alimento realizase agora através de estímulos nãonaturais
luz ou som da campainha porque lhe foram repetidas vezes apresentados
simultaneamente com o estímulo natural. PaMow chamou a tais reflexos «reflexos
condicionados», em oposição aos reflexos «nãocondicionados», portanto inatos e
provenientes do estímulo natural.
Os reflexos condicionados podem ser determinados objectivamente no nosso
exemplo pela salivação , eles são em certa medida quantitativamente
mensuráveis. Assim, em experiências posteriores, Pawlow conduziu a saliva
através de uma fístula e mediu a força do reflexo condicionado pelo número de
gotas de saliva que eram segregadas devido ao estímulo condicionado.
Mas Pawlow foi ainda mais longe: um cão, que já tinha o reflexo condicionado da
salivação quando se acendia um sinal luminoso, foi sujeito, simultaneamente com
o estímulo luminoso, a um estímulo acústico: juntamente com o sinal luminoso
soava uma campainha. Se isto se repetia algumas vezes, então a saliva começava a
correr também quando apenas soava a campainha. Pawlow designou este reflexo
condicionado secundário por reflexo condicionado de segunda ordem.
Desde então realizaramse milhares de experiências sobre reflexos condicionados
e verificouse que quase todos os reflexos naturais podem ser modificados em
reflexos condicionados. Além disso verificouse que os reflexos condicionados se
apagam se não forem «refrescados» ou « reforçados» de tempos a tempos; isto é,
quando o reflexo condicionado começa a enfraquecer, tem de se oferecer o
estímulo condicionado nãonatural que o
provoca simultaneamente com o estímulo natural, para que o reflexo condicionado
não seja lentamente «esquecido»,
Todos estes modos de aprendizagem foram estudados em
inúmeras experiências com homens e animais. A aprendizagem é, dentro da
Psicologia Experimental, talvez o campo em que mais se trabalhou.
Experiências com animais em labirintos
As mais generalizadas foram durante muito tempo as experiências chamadas de
labirinto.
Consistem em pôr a um animal a maior parte das vezes uma ratazana o problema
de encontrar o caminho através de um difícil labirinto. Como recompensa, a
ratazana encontra alimento no fim do caminho percorrido, após ter solucionado o
problema. Através de tentativa e erro as ratazanas aprendem a pouco e pouco o
caminho para chegar à meta tentadora, o
alimento, cada vez mais rapidamente e com mais segurança portanto sem se
perderem em becos sem saída. Também entram aí outros factores que já
indicaremos.
71 O labirinto de Sma11, 1901
72 Uma ratazana a fazer tentativas
de aprendizagem no labirinto
Encontramos reproduzido na figura o primeiro labirinto utilizado em 1901 por W.
S. SmalI, construído segundo o modelo do labirinto de jardim plantado em 1700 no
Palácio de Hampton Court, perto de Londres.
Teorias da aprendizagem
É enorme o número de teorias da aprendizagem. Ernest Hilgard trata na sua
magnífica obra nove teorias importantíssimas com o resultado de que na
realidade nenhuma é totalmente satisfatória, nem mesmo nas suas formas mais
recentes. E assim também não temos uma resposta universalmente aceite
à questão do que se passa realmente na aprendizagem. E como
não há razão para nos perdermos em difíceis discussões teóricas, vamos limitar
nos a uma curta apresentação de duas das teorias que nos últimos tempos tiveram
especial influência. Tratase das teorias de Edward C. Tolman e de Kurt Lewin.
aprendizagem: A teoria de Tolman
Edward Tolman, um dos mais importantes psicólogos americanos dos últimos
decénios, partiu de dois factos para a sua teoria da aprendizagem. Reconhecera,
por um lado, que a conduta de seres vivos tem um objectivo, e que os processos
de aprendizagem não podem ser explicados sem se tomar em devida conta este
facto. Por outro lado, contudo, queria evitar uma teoria ideológica, isto é, uma
teoria que explicasse a aprendizagem como
estando ao serviço da finalidade, como Thorpe defendeu (vide p. 101). Tolman
quer darnos uma teoria da conduta totalmente objectiva. E consegueo
introduzindo o conceito de marca, ou melhor, de sinal: os seres vivos aprendem a
reagir a sinais e a orientarse por sinais.
Assim as ratazanas (os únicos animais que Tolman utiliza como animais de
experiência) são capazes de vir a aprender, em repetidas tentativas, a chegar a
uma caixa de comida se se orientarem segundo determinados sinais do caminho do
labirinto.
Devido à diferença de aptidão, numa experiência, por exemplo, oito ratazanas
aprendem a encontrar um novo lugar de comida em oito tentativas, enquanto outras
cinco não conseguem encontrálo mesmo depois de 72 tentativas.
Condição prévia para que a ratazana realize todos estes esforços é que esteja
com fome. Se a fome, isto é, o instinto, que Tolman introduz na sua teoria, é
excitado, ele põe o animal em «tensão», da qual provém a actividade.
Enquanto as ratazanas estão a procurar e a arranjar novos sinais de caminho,
mostram uma conduta que nos dá a impressão de estarem a formular hipóteses, isto
é, suposições sobre o caminho a tomar. Mostramse aí uns graus preliminares
daquilo que num grau mais elevado nos aparece mais tarde como conhecimento.
Uma coisa, contudo, é importante: em todas as teorias sobre a aprendizagem das
ratazanas, começando pelas de Edward Thorndike até às de Hull e Tolman, estão
introduzidas suposições, como o nota Rohracher, que os investigadores tiraram da
sua própria experiência interior e que portanto não podem ser deduzidas apenas
de observações. Hilgard põe outra objecção:
não se pode basear numa psicologia de ratazanas a compreensão da aprendizagem
humana, em que se escolhem fins e se pretendem alcançar valores.
Animais que sequem preponderantemente os instintos
Aliás, para muitos animais as coisas passamse de modo totalmente diverso do das
ratazanas. As aves, por exemplo, como
nos mostrou a moderna etologia desde as investigações de Oskar Heinroth e C. O.
Whitman até às actuais de Nikolaas Tinbergen, Konrad Lorenz e Otto Kochler têm
muito menor capacidade de aprendizagem em muitos dos seus modos de conduta, mas
são grandemente determinadas pelos seus instintos, que são o objecto principal
da investigação da etologia ou estudo do comportamento comparado.
O conceito de instinto, como já mencionámos no capítulo anterior, é hoje usado
com o maior cuidado. Entendese por instinto formas inatas de conduta, isto é,
formas de comportamento que não foram aprendidas, que se seguem imediatamente
a determinados estímulos como reacções. Segundo N. Tinbergen,
o instinto é «um organismo nervoso hierarquicamente organizado, que reage a
determinados impulsos avisadores, disparadores e orientadores, tanto internos
como externos, e lhes responde com movimentos bem coordenados, tendentes a
conservar a vida
e a espécie». Quanto mais fortes forem estes instintos, tan73 Gaivota no choco,
num ninho vazio, enquanto os ovos estão fora. (De
Tinbergen, The Study of Instinct)
to menor é a capacidade de aprendizagem. Daí falarse de uma «rigidez» ou
«cegueira» da acção instintiva. Uma das muitas experiências fascinantes que
Tinbergen relata é a seguinte: uma gaivota pôs os seus ovos no ninho.
O ninho e o lugar onde este se encontra são familiares à gaivota. Se ela voar
para longe, de certeza que volta a encontrar o ninho e continua a chocar os
ovos. Mas então tiraram os ovos à gaivota que se afastara por pouco tempo do seu
ninho e colocaramnos ao lado deste. Sem notar os ovos, a gaivota sentouse no
ninho vazio e continuou a chocar.
O mecanismo disparador (como Lorenz lhe chama) que põe em movimento a actividade
de chocar, consiste em ver o ninho no sítio habitual, mas não em ver os ovos.
Mas esta ligação instintiva não quer dizer, naturalmente, que nas aves não
exista também uma aprendizagem e uma adaptação a determinadas situações. Mas o
instinto desempenha nestes animais na maioria das vezes um papel mais importante
do que a aprendizagem.
Em todas as investigações modernas acerca da aprendizagem, o comportamento
humano e animal é encarado em conexão com uma actividade global finalizada.
De todas as teorias da aprendizagem, a mais avançada nesta orientação deve ser a
de Kurt Le,,vin.
A teoria da aprendizagem de Kurt Lewin
Lewin, no seu pensamento, partiu principalmente da teoria gestaltista, mas foi
também influenciado pela interpretação dinâmica da motivação, de Freud.
Simplesmente, a sua «Psicologia Topológica» como lhe chamou, opunhase
nitidamente à concepção de Freud, de que toda a motivação provém da infância e
que, devido a uma «compulsão de repetição», leva sempre de novo à infância.
Lewin diz:
«Só os sentimentos momentaneamente activos do homem influenciam a sua conduta
momentânea, afirma a Psicologia Topológica. Opondose a isso, Freud afirma que
determinadas experiências têm na criança pequena uma influência directa sobre as
suas acções como adulto. Esta afirmação psicanalítica pressupõe uma rigidez
(rigidity) extraordinária da personalidade humana.»
Lewin viu o impulso, necessário para toda a actividade de aprendizagem bem como
para qualquer outra, na tensão em que entra qualquer indivíduo numa determinada
situação. Esta situação, o espaço vital momentâneo do indivíduo, é descrito por
Lewin como um campo, em que se desenvolvem e agem reciprocamente determinadas
forças. Lewin interpreta a aprendizagem
como uma modificação de finalidade, pela qual se modifica a estrutura do campo.
As finalidades que nascem no campo têm diferente carácter de atracção, como
Lewin lhe chama de um modo concreto, e valências diferentes, isto é,
valorizações que se
modificam durante a aprendizagem.
Assim, para uma criança o forte carácter de atracção de uma finalidade, digamos
da finalidade de agarrar com a mão
um brinquedo, podese modificar pelo facto de a ameaça de um castigo a impedir
de agarrar o brinquedo. A criança aprende a
dominarse para evitar o castigo.
Na teoria de Lewin tornase nítido o papel dinamicamente diferente de recompensa
e castigo, de êxito e malogro na aprendizagem. A sua fraqueza reside no seu
carácter meramente descritivo. Obtemos realmente uma visão dos fenómenos mas
nenhuma explicação mais profunda das relações.
6. INTELIGÊNCIA E PENSAMENTO
O que é inteligência?
Apesar de ser tão corrente este conceito, a definição da inteligência deu
durante anos ocasião às mais vivas discussões. Os diversos investigadores tinham
uma opinião diferente acerca
do que era realmente decisivo na inteligência. William Stern e
Edouard Claparède acentuaram já nos inícios da discussão que o decisivo seria a
capacidade de resolver novas tarefas, de dominar novos problemas. Opondose
lhes, outros investigadores, sobretudo americanos, nessa altura sob a direcção
de Edward Thorndike, salientaram que o essencial na inteligência era a
capacidade de aprendizagem como tal: a capacidade de utilizar experiências
anteriores parecialhes ser a característica principal.
Além desta oposição entre a preponderância atribuída à capacidade de resolver
problemas e à de utilizar experiências, apareceu ainda uma segunda discrepância
nestas discussões. Esta resultou da questão, se a inteligência é uma capacidade
geral utilizada em todas as tarefas espirituais ou se consiste na formação de
capacidades específicas. Charles Spearman, com
ele Charles Burt e outros investigadores ingleses, defenderam a
teoria de um factor geral (designado por g=geral), enquanto o americano
Thurstone, o representante mais importante da chamada teoria dos factores,
procurou provar a existência de factores primários independentes uns dos outros
dentro do procedimento inteligente do homem.
Todos estes pontos de vista se revelaram como importantes e de certo modo têm de
ser todos considerados. Ao que parece, existe tanto um factor geral, como
capacidades específicas; existem actos inteligentes baseados na consideração de
experiências passadas ao lado da capacidade de resolver novos problemas.
Esta capacidade de encontrar soluções originais para novos
problemas é talvez aquilo que deve ser considerado como realização máxima da
inteligência, embora existam realmente numerosas pessoas muito inteligentes que
têm grande capacidade de aprendizagem e, contudo, têm menor capacidade para
realizações originais.
Krech e Crutchfield acentuam no seu manual que não é possível uma definição
simples da inteligência, porque tanto a capacidade de dominar novos problemas
como o grau de possibilidade de aprendizagem, e a capacidade de pensar acerca de
material espiritual complexo e abstracto, parecem constituir elementos
importantes da inteligência.
Os europeus, ao ajuizarem acerca da inteligência, têm na sua
maioria a tendência de dar a primazia ao pensamento original. Nós preferiríamos
dizer com Rohracher, numa nova fórmula da definição dada por William Stern:
«Inteligência é o grau de realização das funções psíquicas na sua cooperação ao
dominar novas situações.»
É decisivo aqui que a situação seja nova, isto é, que para
a sua solução não estejam à disposição do indivíduo modos de comportamento
inatos ou aprendidos. Foi neste sentido que Karl Bühler distinguiu a
inteligência do «instinto» e do «adestramento». Enquanto se puderam verificar em
muitos animais rudimentos de inteligência no sentido da capacidade de solução de
problemas, o seu grau mais elevado, o pensamento por palavras, viuse ser
específico do homem.
O pensamento como apreensão de sentido
É mérito da chamada escola de Wurzburgo, que se desenvolveu sob a orientação de
Oswald Külpe durante os dois primeiros decénios do nosso século, ter pela
primeira vez apreendido e estudado experimentalmente os processos do pensamento.
O pensamento até aí explicado por Wundt e pelos seus discípulos segundo o mesmo
princípio de associações mecânicas, tal como a aprendizagem de sílabas soltas
(Ebbinghaus) foi então reconhecido como uma apreensão de relações de sentido,
e esta concepção foi contraposta à anterior, segundo a qual na aprendizagem se
tratava apenas de relações de factos sem conexões de sentido (como por exemplo
sucede com números ou vocábulos). Numa obra de ataque que suscitou grande
celeuma, Karl Bühler, em 1906, opôsse ao domínio exclusivo de Wundt e ao do
princípio de associação. Bühler e outros demonstraram por meio de experiências
que a apreensão e retenção de pensamentos se realiza independentemente das
imagens utilizadas para a sua representação e das ideias que os fazem lembrar.
Numa das suas experiências, Karl Bühler mandou aprender pares de pensamentos,
como por exemplo:
O poderio da Imprensa
O instinto gregário do homem
A viagem de Nansen ao Pólo Norte Ousadia e reflexão
Obteve cerca de 90 % de respostas acertadas relativamente â recordação do
segundo pensamento ao ser repetido o primeiro, apesar da relativa dificuldade do
material fáctico com que se relacionava o pensamento. A razão para isso está no
facto de ser mais fácil recordar pensamentos do que factos.
No pensamento, como Bühler demonstrou, as ideias não desempenham nenhum papel ou
pelo menos nenhum papel decisivo. O pensamento surge, e ao apreender a relação o
sujeito pensante tem uma vivência que Bühler designou de vivência «ah».
Significa um reconhecimento admirado, um conhecimento (Einsicht).
Encontramos uma exposição magnífica dos pormenores dos trabalhos da escola de
Wurzburgo na obra de George Humphrey, «Thinking». À escola de Wurzburgo cabe o
mérito de ter quebrado o predomínio da concepção de que a nossa vida psíquica
era uma actividade puramente mecânica, e de ter chamado a atenção para o
conceito de sentido.
Além do conceito de sentido e da relação de sentido saiu também desta escola o
importante conceito de tarefa. O facto de o nosso pensamento e, como podemos
acrescentar, para além dele, também toda a nossa vida estar perpassada de
tarefas foi pela primeira vez verificado por Narziss Ach; K. Lewin desenvolveu
mais tarde esta doutrina.
Enquanto que inicialmente a teoria gestaltista se desenvolveu independentemente
da psicologia do pensamento e paralelamente a esta, ocupandose principalmente
dos fenómenos da percepção, mais tarde deuse uma fusão de ambas as orientações
de investigação. Mas, como Rohracher salienta muito bem, esta nunca foi
examinada claramente.
Os actuais psicólogos gestaltistas são de opinião que o
pensamento é um processo de estruturação e mudança de estruturação dentro de
grandes totalidades. Mas nesta definição não se tem em conta que a apreensão de
«sentido» consiste no estabelecimento de novas relações.
As experiências de Kõhler com chimpanzés
As célebres experiências de Wolfgang Kõhler forneceram os
fundamentos à concepção de que o pensamento é um fenómeno de estruturação e
mudança de estruturação dentro de grandes totalidades.
Enquanto antes de Kõhler se utilizara a experiência com
animais essencialmente para examinar a capacidade de aprendizagem das diversas
espécies de animais, Kõhler teve a ideia de pôr problemas de pensamento a
macacos antropóides, e precisamente chimpanzés não adestrados. Kõhler inventou
um método genial de colocar animais em situações em que tivessem de resolver
problemas práticos através do pensamento; e pelo facto de trabalhar com
chimpanzés, eliminavase o factor da linguagem no processo do pensamento os
chimpanzés não têm linguagem no sentido humano. A finalidade da experiência era
determinar a existência de um possível pensamento técnico.
Tal pensamento pôde então ser realmente verificado. Os mais dotados entre os
chimpanzés, e de entre eles o primeiro, Sultão, que hoje vale já como
«personalidade histórica», foram capazes de fabricar instrumentos com os quais
podiam alcançar objectos a que não conseguiam chegar directamente. Na primeira
experiência clássica, colocouse da parte de fora da jaula de Sultão uma banana
de tal maneira que ele não a pudesse agarrar com as mãos. Na jaula estava um
pau. E Sultão teve então a
ideia de utilizar este pau para trazer até junto de si, a banana.
O que acontecera? Sultão tinha visto a desejada banana através das grades da
jaula e tinha calculado como demasiado grande a distância a que ela estava.
Então viu o pau. Num esforço espiritual sem dúvida genial viu na sua ideia o pau
como prolongamento do seu braço como um
instrumento que chegava até à banana.
ste pensamento técnico, processado sem formação conceptual de linguagem, baseia
se evidentemente numa
74 Uma repetição da famosa experiência de Kõhler: o chimpanzé puxa com um pau
que estava na jaula a banana que não consegue alcançar com a mão
mudança de estrutura espiritual da situação de percepção dada. Enquanto nessa
época foi muito discutido se nesta espécie de modificação de estrutura da
percepção na ideia se tratava de um processo criador ou não, hoje não se pode já
duvidar de que na realidade aqui se trata de um tal processo. Ele tem o
carácter de um conhecimento (Einsicht), donde se conclui que a solução de
problemas, uma vez efectuada, não se esquece mais. Isto distingueo das soluções
de problemas mecanicamente aprendidas.
Se incluirmos este processo nos fenómenos do pensamento, para mim não há dúvida
de que a mudança de estruturação perceptiva baseada em ideias é algo de
diferente de o apreender de sentido, fundado na linguagem. T@sta foi tamb.m a
opinião de K. Bühler.
Para dar o devido lugar a um e outro processo corno processo do pensamento, o
mais acertado pareceme ser agrupar ambos sob o conceito de processos
espirituais de ordenação. Forma e
sentido são dois processos através dos quais pomos em ordem as nossas vivências
e somos capazes de apreender a ordem no mundo exterior.
Em ambos os processos participamos criadoramente nos
dados psíquicos. A arte, a ciência, a técnica e toda a cultura e civilização têm
afinal origem nesta actividade criadora do espírito formador e produtor de
sentido.
7. EMOÇõES E IMPULSOS
O campo dos sentimentos
O campo dos sentimentos ou emoções é impossível de abranger e está ainda
totalmente por dominar sob o ponto de vista teoréticopsicológico. Os
sentimentos, ao que parece, dominam toda a nossa existência. Começando pelo
primeiro grito de desagrado do recémnascido, que se encontra subitamente num
mundo de estímulos que se precipitam sobre o ser indefeso e parecem abafálo,
até ao riso de prazer de alguém que se diverte; do embriagante sentimento de
felicidade do amor ao sentimento destruidor e amargo do ódio; de sentimentos de
profunda satisfação sobre uma obra bem feita ou sobre uma boa acção, até aos
sentimentos de culpa ou autoacusação acerca do próprio malogro ou duma acção
que prejudicasse outros; desde a angústia do «ser lançado para a existência»
(Heidegger) até ao sentimento de êxtase ou sentimento religioso e abnegado de
elevação através da grandeza e profundidade da existência de um ao
outro extremo desta escala de sentimentos, parece não haver limites nem
interrupções na corrente das nossas emoções.
Embora não pareça muito fecundo ocuparmonos com a tentativa de uma divisão das
emoções, é contudo extraordinariamente importante vermos claramente o papel
fundamental que elas desempenham na sua actuação sobre os nossos impulsos.
Tendências e sentimentos estão sempre ligados entre si de um
modo especial. Como diz o arguto psicólogo Philipp Lersch, «Os impulsos e
tendências estão envolvidos por movimentos emotivos, e estes entrelaçados de
impulsos e tendências.»
Os movimentos impulsivos
No que respeita aos movimentos impulsivos, começando pelas tendências e
instintos mais simples até às finalidades e
aspirações de valores mais complexos, também estes representam um campo cujo
domínio é difícil de abranger. Freud criou, como mostraremos no capítulo sobre
as motivações, uma divisão tripartida e sistemática da tendência que visa um fim
e dos seus motivos. Mas este sistema provoca a crítica por parcelar a vida
anímica e não dar a devida atenção a certas tendências fundamentais e
importantes que partem do próprio Eu.
Enquanto pensamos tratar estes factos e questões importantes num capítulo
próprio, vamos descrever aqui apenas algumas conclusões modernas em que se
verificou a influência de emoções, movimentos impulsivos e tendências em
processos de percepção, aprendizagem e pensamento.
Diferenças individuais e mundo «privado»
Desde que no ano de 1900 William Stern pela primeira vez
tratou cientificamente o tema das diferenças individuais no que respeita às
particularidades psíquicas, e assim fundou a Psicologia Diferencial, foram
investigadas em larga escala as diferenças psíquicas entre os indivíduos,
seguindose as mais diversas orientações; Anne Anastasi dános disso uma visão
cuidada. Apesar disso ainda continuamos a ter a tendência de esquecer o facto de
que cada pessoa vive o mundo de maneira diferente. «Se entendermos as diferenças
individuais na percepção, diz Gardner Murphy na sua obra fundamental sobre a «
Personalidade », «então chegaremos longe na compreensão das diferenças do
comportamento que daí resulta». As pessoas voltam sempre a cometer o erro de
pensar, continua ele, que o mundo é apreendido por todos do mesmo modo. Mas na
realidade cada pessoa vive
naquilo que Lawrence K. Frank designou por «mundo privado» do indivíduo cada um
no seu próprio mundo.
Este «mundo privado» começa já a formarse na infância mais remota, em primeiro
lugar pelo facto de cada indivíduo, segundo a sua «preferência» na apreensão das
coisas, se apoiar mais em impressões de cor ou mais em impressões de forma, mais
em sons, ou mais em odores, ou talvez até mais na apreensão de movimentos, em
que se vai sentir inserido.
As paixões influenciam as percepções
Designamos por paixões os sentimentos intensos. A cólera, o entusiasmo, o medo
são sentimentos desta natureza, e todos nós sabemos, por experiência própria,
quão facilmente o homem se deixa arrastar por eles e até que ponto se pode
perder a capacidade de crítica. Já a concepção que uma criança tem sobre esta ou
aquela pessoa é, como acentua Heinz Werner, determinada ‘pela sua reacção
afectiva à fisionomia da pessoa em questão, e parece que isto sucede já aos oito
a dez meses, quando o bebé começa a reagir emocionalmente de um modo
extraordinariamente individual às diversas pessoas.
Nesta reacção exprimese mais do que mera preferência por determinadas caras e
aversão por outras. Ouvese muitas vezes dizer que uma criança sente se um
adulto é amigo de crianças ou não, e que o primeiro lhe é simpático e que não
gosta do segundo. Os próprios adultos muitas vezes se comportam assim. Também
neles as paixões influenciam a percepção.
A tendência humana muito generalizada de atribuir acontecimentos que nos
afectam, especialmente quando são desagradáveis, ao facto de outros os terem
intentado ou causado, traz muitas vezes como consequência, como salienta Fritz
Heider, valorarmos erradamente os outros factores na maioria os realmente
responsáveis embora os pudéssemos apreender facilmente se
estivéssemos em situação objectiva. Assim também se atribui facilmente a culpa
de acções condenáveis ou crimes ao «antipático».
Oscar Levant conta uma divertida anedota sobre Toscaniní.
O maestro criticava constantemente um determinado violinista, porque não o
suportava por causa da sua cara cheia de manchas. Uma vez, num concerto da
orquestra em Hartford, um violinista qualquer não entrou a tempo. Toscanini
ficou furioso e tornou imediatamente responsável pelo erro a sua
«ovelha ronhosa». Mas na realidade este músico nem estava presente nesta
ocasião, como depois se verificou, pois tinha ficado doente em Nova Iorque.
Outras interpretações subjectivas da percepção
A nossa percepção não é apenas influenciada por aquilo que pensamos ler nos
outros, mas também pelas nossas próprias necessidades tal como por aquilo que
esperamos. Nos últimos decénios fizeramse numerosas experiências muito
interessantes sobre tais interpretações subjectivas da percepção.
É por exemplo muito proveitoso um estudo de H. Cantril, que durante a guerra
civil espanhola pediu a adultos de diversos grupos que exprimissem previsões
sobre o fim da guerra. Verificou geralmente a tendência de predizer aquilo que
correspondia aos desejos próprios.
Outros estudos acerca de previsões levaram a resultados semelhantes.
Mas não só os desejos, como também os interesses influenciam a selecção das
percepções.
Assim, J. S. Bruner e L. Postmann verificaram, numa das suas muitas inspiradas
experiências, como os estudantes eram fortemente influenciados na sua capacidade
de memória pela orientação dos seus interesses e pela sua valoração. Eles eram
capazes de repetir muito mais depressa e mais precisamente palavras que se lhes
tinham dito rapidamente se estas estivessem ligadas a valores que lhes
interessavam; outras, menos interessantes, eram facilmente esquecidas.
Robert Blake estudou ainda outra faceta da interpretação subjectiva de
percepções: como a observação do comportamento dos outros influencia a nossa
própria conduta.
Uma destas experiências divertidas foi a seguinte: em Austin (Texas), um
assistente do dirigente da experiência tomou posição junto de um sinal luminoso
de trânsito. Segundo a missão que lhe cabia na experiência, a sua posição social
era caracterizada pela respectiva maneira de vestir: umas vezes aparecia como
personalidade económica e socialmente bem situada, com
vestuário elegante, outras vezes vestido pobremente com calças remendadas,
sapatos gastos e camisa azul por engomar.
A sua missão consistia em actuar contra as regras do trânsito em determinado
número de experiências, atravessando a
rua ao sinal de vermelho, umas vezes como «senhor fino» outras vezes como «pobre
diabo».
É certo que também quando estava mal vestido alguns peões se deixavam arrastar a
atravessar com ele a rua, mas o número deles aumentava flagrantemente quando se
tratava de seguir o
senhor elegantemente vestido a atravessar a rua ao sinal vermelho.
Com estes exemplos damos apenas uma referência breve ao grande campo da
influência da emoção e motivação sobre a percepção, cujo estudo se iniciou só
nos últimos decénios. Dedicaremos um capítulo próprio à motivação.
8. FUNÇõES PSIQUICAS INCONSCIENTES
Dezasseis modos de inconsciente
James G. Miller distingue no seu livro fascinante sobre o Inconsciente dezasseis
significados diferentes desta palavra. E diz que a única coisa que é comum a
todos eles é que o inconsciente é um estado em que não se fala nem se responde a
perguntas. A natureza dos processos inconscientes ainda não está explicada.
Do sonho supõese que seja o correspondente a processos de excitação nervosos e
rápidos que se realizam durante o sono e que são sentidos como vivência.
Segundo opinião muito difundida, nos processos inconscientes, especialmente nos
sonhos, estão desconectadas certas partes do sistema nervoso superior. Nos graus
inferiores do sistema nervoso, é evidente que não se
encontra consciência, embora, por outro lado, segundo Miller, ainda não se tenha
conseguido localizar a consciência. Parece que, se concordarmos com Cobb,
consciência é principalmente o
aperceberse dos impulsos que atingem o mais elevado nível de integração de um
organismo. Justamente quando num sistema exista a maior vigilância, existe
também diferenciação e com ela a possibilidade de consciência. O inconsciente é
então definido como a totalidade daqueles processos que, num determinado
momento, não estão disponíveis para serem apercebidos.
Os fenómenos oníricos como símbolo ou profecia
Entre os muitos processos inconscientes que existem, os, sonhos interessaram
desde sempre especialmente os homens. E desde os tempos mais remotos se
realizaram interpretações de sonhos, tomando como símbolos acontecimentos que se
desenrolaram no sonho. Além disso muitas vezes os sonhos foram encarados como
profecias, como anunciadores de destinos vindouros.
Sonhos criadores e inspirações intuitivas
Psicologicamente a vivência onírica pareceme ser especialmente digna de nota
sob dois pontos de vista. Em primeiro lugar, temos o fenómeno do sonho criador.
Conhecemos muitos relatos de sonhos criadores, sonhos portanto em que aparecem
claramente soluções de problemas e ideias há muito procuradas. Eis dois exemplos
célebres:
O químico August Kekulé de Stradonitz atribuiu a sua descoberta da estrutura
molecular fechada do benzol (1865) a fantasias oníricas. Ele relata a formação
da fórmula do benzol nas suas imagens oníricas da seguinte maneira: «De novo
estavam
os átomos a dançar diante dos meus olhos... o meu olhar, aguçado por repetidas
histórias deste género, distinguia agora estruturas maiores de diversa
configuração. Grandes fileiras várias vezes alinhadas muito juntas, apertadas em
muitos casos, tudo movimentandose à maneira de uma cobra e girando, e que veio
eu? Uma das cobras agarra a sua própria cauda e a estrutura rodopiou
ironicamente diante dos meus olhos. Acordo como que atingido por um raio ... »
A ocupação intensiva com um objecto, a insatisfação com a primeira solução de
um problema, são os componentes que motivaram o sonho do assiriólogo H. V.
Hilprecht. Tratavase de decifrar inscrições em anéis, os quais Hilprecht não
sabia bem como ordenar. Algumas tentativas de imaginar pela fantasia como
teriam podido surgir as inscrições, fizeram que despertasse nele toda uma
história em sonho. Ele já tinha publicado uma solução, mas não estava
satisfeito.
Então em sonho, um velho sacerdote do templo conduziuo ao tesouro, e aí lhe
contaram a história dos anéis que ele tinha de decifrar. Quando no dia seguinte
Hilprecht dispôs os anéis da maneira indicada pelo sacerdote no sonho, encontrou
corroborados os dados mais importantes e fez a correcção da primeira solução.
Estas vivências oníricas são parecidas com as intuições que existem também
quando se está desperto. Mozart relata que lhe chegavam de repente melodias, que
ele não sabia donde procediam, e Goethe conta a Eckermann que os seus versos lhe
vinham de repente e incompreensivelmente, sem qualquer meditação prévia.
Também se conhecem fenómenos semelhantes no campo da ciência. H. Hankin conta
acerca de um diagnóstico notável que se realizou deste modo:
Levaram uma criança gravemente doente para um hospital. Diversos médicos
observaram a criança cuidadosamente mas
não foram capazes de diagnosticar a doença. Algum tempo depois chegou um médico
ao hospital, que não tinha ouvido nada do caso. Ao passar lentamente pela cama
da criança, observou: «Esta criança tem pus no abdómen». O diagnóstico revelou
se exacto.
Este médico contou a Hankin que muitas vezes tinha grandes dificuldades em
explicarse racionalmente as razões dos seus diagnósticos.
Sonhos e recalcamentos emocionais
O segundo papel notável do inconsciente, e especialmente dos sonhos, é aquele
que Freud lhes atribuiu: o facto de conterem material emocionalmente recalcado,
portanto aquelas vivências psíquicas impulsos, desejos, etc. que foram por
assim dizer afundadas do consciente no inconsciente, por serem «indesejáveis» ou
« proibidas». Freud considerou o sonho em primeiro lugar como servindo à
realização de desejos, o que me parece se pode considerar como um pouco
unilateral.
Mas a questão que se põe é, naturalmente, se se deve reconhecer em princípio um
recalcamento e um simbolismo dos sonhos por ele condicionado. Investigadores de
orientação rigorosamente científica repetem constantemente que nestas teorias se
trata de factos não comprovados. Realmente no sentido dos métodos experimentais,
eles não são evidentemente provados nem comprováveis. Mas o clínico que aprendeu
a trabalhar com este material poderá concordar que maneja aqui fenómenos
cientificamente não esclarecidos, mas não quererá renunciar à sua utilização.
Embora tão pouco explicável na sua estrutura
como o diagnóstico médico de tipo intuitivo de que acabámos de falar, a análise
interpretadora de vivências recalcadas e de material onírico é hoje um
instrumento indispensável para a
Psicoterapia. É sob este aspecto que a discutiremos mais adiante.
Os sonhos, a actividade inconsciente, as motivações e fenómenos emocionais dão
nos uma indicação da grande medida em
que toda a actividade funcional, descrita neste capítulo, pertence à ordem da
personalidade e da vida humana os temas principais deste livro dos quais nos
temos agora vindo a aproximar passo a passo.
III. A Motivação
1. O QUE É MOTIVAÇÃO?
Uma cena do diaadia introduzirnosá nos problemas deste capítulo.
Quando Herbert chegou a casa e contou à mulher que se
despedira do emprego, Maria não se pôde conter de irritação. Porque diabo tinha
ele feito isso, ainda por cima pouco antes do Natal, quando é tão difícil
encontrar outro emprego. «Diz lá porquê?» Herbert respondeu que ela bem sabia
que o irmão do chefe não gostava dele, que estava simplesmente farto da sua
critiquice constante, porque percebia do seu trabalho e não estava disposto a
que se intrometessem sempre nele; que além disso não tinha de qualquer modo
grandes possibilidades de subir nessa firma, que aliás era ainda Outubro e
portanto estavam muito longe do Natal e que um empregado competente como ele
tinha ainda dez possibilidades de arranjar um emprego,
Mas Maria não queria saber de nada desses argumentos. Ela gritava, que o que ele
era, era demasiado colérico e arrebatado, para já nem falar do facto de não
pensar no bemestai da família, pois senão teria aguentado pelo menos até depois
do Natal.
Justamente por pensar no bemestar da família respondeu Herbert queria
arranjar um lugar com mais futuro. Mas Maria não se deixava convencer: ele
deveria contudo ter esperado, nesse caso... E assim continuou a discussão sem
proveito para ninguém e sem vantagem nenhuma, justamente como costumam ser tais
discussões.
Todos os dias se dão centenas destes atritos mais ou menos violentos, mas se
este debate for analisado psicologicamente, ele revelarseá como um conjunto
complicado de argumentos em
que se realiza, sem que o casal disso tenha consciência, uma
discussão sobre motivos de uma acção decisiva e sobre fins na vida sobre
aquilo a que chamamos motivação.
O f im ria vida de que fala Maria, é o bemestar da família, que o marido não
deveria esquecer; ela vê esse bem garantido da melhor maneira na segurança do
emprego actual. Herbert vê, pelo contrário, além da segurança momentânea, uma
expansão futura do seu emprego, do seu campo de trabalho e do seu ordenado. É
esta necessidade de expansão criadora, como lhe chamamOs cientificamente, que
faz com que Herbert arrisque o emprego actual. O seu fim na vida não é tanto
conservação como desenvolvimento.
A necessidade de segurança de Maria faz com que lhe pareça desejável adaptarse
a determinadas situações. Adaptação, entende ela, deveria ser também um motivo
mais importante para o marido do que é na realidade. Ela levalhe a mal que ele
se tenha simplesmente deixado arrastar pela cólera, como ela julga. Por outras
palavras: segundo a sua opinião, a acção dele fora deter@ninada pela necessidade
de descarga emocional, enquanto que ele se deveria ter dominado. Herbert, pelo
contrário, afirma que os motivos a sua motivação para a sua acção foram bem
pensados, e não concorda em absoluto que tenha cedido impulsivamente à s suas
emoções momentâneas.
Sem investigar mais profundamente a situação, é claro que não sabermos se ele
tem razão, assim como não podemos ajuizar se é correcta a sua interpretação do
modo como era tratado pelo irmão do chefe. Pois, muitas vezes, dáse uma
interpretação falsa a uma situação quando estão em jogo desejos ou sentimentos
próprios. Isto é, a exactidão da percepção é frequentemente prejudicada pela
motivação própria.
Aqui naturalmente não nos interessa fazer um juízo acertado acerca da celia
entre Maria e Herbert; ela tem apenas a finalidade de permitir deduzir alguns
conceitos fundamentais a partir de um acontecimento quotidiano.
O conceito de motivação ou dos motivos de actuar deve ser o conceito mais
central da psicologia actual. Ao contrário da psicologia antiga, que se limitava
ao estudo de modos de comportamento, funções e realizações, a psicologia
moderna, desde as investigações básicas de Freud, interessase cada vez mais
pelo estudo da motivação. Pois só podemos compreender e julgar realmente uma
pessoa se partirmos dos seus motivos. E só partindo dos motivos podemos
realmente influenciar, orientar, educar e tratar terapeuticamente uma pessoa.
COM O INício da Psicologia científica na passagem do século XIX par;@ o século
XX iniciaramse diversas investigações que pretendiam uma compreensão da
finalidade humana. As primeiras tentativas mais importantes desta espécie
encontramse em
primeiro lugar nos trabalhos sobre processos de forma e vontade, de que falámos
no capítulo anterior, em seguida nos estudos acerca da psicologia da evolução,
que trataremos mais detalhadamente no próximo capítulo, e em terceiro lugar nas
investigações sobre a motivação, que têm a sua origem na Psicanálise. Estas
últimas investigações, que a princípio, sob a enorme
influência da teoria de Siginund Freud e do processo de cura
por ele desenvolvido, se limitavam à investigação da psicopatologia, foramse
depois estendendo gradualmente também à motivação da Psicologia normal. Chegou o
momento de reflectirmos sobre o que isso significa.
2. MOTIVAÇÃO NORMAL E PATOLÓGICA
Siginund Freud que, na sequência da sua genial descoberta de um moderno
processo de cura psicológica, a Psicanálise, criou uma doutrina da motivação,
interessavase, como médico, em primeiro lugar pela investigação da
psicopatologia.
Como pensador sistemático que era, esforçouse contudo muito depressa por
elaborar uma Psicologia da personalidade e
evolução que abrangesse tanto o patológico como o normal.
Freud entendia que partindo da compreensão teorética do processo psíquico nos
doentes se poderiam tirar conclusões para os processos dos indivíduos normais.
Este procedimento tinha grandes vantagens mas também inconvenientes, que
saltavam cada vez mais nitidamente à vista. Uma das grandes vantagens, é que,
devido a Freud, pela primeira vez se tornou compreensível a psicopatologia,
enquanto antes se considerava incompreensível; isto vale especialmente para as
psicoses, isto é, para as doenças mentais graves que escondem a realidade, e em
cuja estrutura Freud foi o primeiro a descobrir um sentido e uma conexão.
Mas a desvantagem do método de Freud está no facto de deduzir a sua teoria sobre
a motivação normal e a evolução normal a partir dos seus conhecimentos da
motivação e evolução patológicas. As conclusões a que ele chegou pareceram
dignas de ataque a muitos psicólogos justamente porque eles consideravam o
psiquismo normal como absolutamente diferente do psiquismo patológico. Mas como
se poderia definir dum modo científico esta diferença fundamental ainda ficou
durante muito tempo por esclarecer e só hoje se começa a perceber a pouco
e pouco.
Já alguns dos primeiros opositores entre os alunos de Freud Alfred Adler, Carl
E. Jung, Otto Rank criticaram a predominância unilateral que Freud concedia à
vida sexual. Salientaram Adler acentuando a ânsia de perfeição, Jung e Rank o
aspecto criador do homem dois factores que se revelaram mais propícios para
distinguir o normal do patológico, e sobretudo porque estes factores têm em
vista uma orientação futura construtiva do homem, que é importante para o homem
normal, enquanto esta relação com o futuro se perde no neurótico no seu contínuo
conflito com o seu passado infeliz.
A discussão entre Herbert e Maria, descrita no início deste capítulo, dános um
exemplo para o que acabamos de dizer. Ambos discutem os problemas profissionais
dele, atendendo ao
futuro da família. Se Maria e Herbert, no decorrer da discussão, tivessem falado
do seu passado, provavelmente também o teriam feito, antes de mais nada, em
relação ao futuro. Talvez pusessem em primeiro lugar o problema, se ele outrora
cometera erros que tivessem prejudicado as suas possibilidades no seu emprego
actual, ou algo de parecido. Mas se fossem pessoas normais não se perderiam em
meditações acerca do passado. E se Maria estivesse preocupada com o futuro por o
marido não atender suficientemente à segurança, esta preocupação normalmente não
a
impediria de ter uma visão optimista do futuro. Uma orientação optimista deste
tipo é um sinal essencial de normalidade, como demonstrou Thomas French.
O neurótico comportase de modo completamente diferente. Nos casos de Robert e
Alfred teremos ocasião de conhecer mais adiante, neste capítulo, duas
personalidades cujas contínuas preocupações relacionadas com o seu trabalho
azedam e estragam uma visão optimista do futuro. Ambos estão além disso
profundamente oprimidos por erros passados e não os conseguem superar.
Especialmente Robert perde imenso tempo e paz de espírito pensando se agiu bem
neste ou naquele caso e acerca da opinião que fazem dele os colegas e clientes.
Uma Psicologia que não dê o devido lugar à importantíssima distinção entre a
orientação para o futuro, típica das pessoas normais, e a orientação para o
passado, típica dos neuróticos, e que se esqueça de pôr em lugar primordial a
orientação para o futuro, própria das pessoas normais, não está em condições de
oferecer uma base para a compreensão do decorrer normal da vida.
A razão principal pela qual o neurótico fica adstrito aos seus problemas
internos e é incapaz de encarar com liberdade interior a vida e especialmente o
seu próprio futuro, está no facto de ele ser uma pessoa profundamente
insatisfeita. Dito de Um, modo mais correcto: ele vive insatisfeito consigo
próprio e esta falta de satisfação tornao nãolivre.
O homem normal, pelo contrário, mesmo que esteja a braços com problemas
difíceis, cuja solução lhe traz dificuldades, não está de tal maneira embrenhado
neles que por causa disso perca a sua liberdade interior. Mas esta liberdade
interior significa ser
capaz de libertarse interiormente no momento preciso e em
qualquer altura dos seus problemas e sem paixão e apesar de todos os
conflitos, por muito difíceis que sejam de resolver, encarar de frente a sua
vida assim como a si próprio. É claro que esta liberdade não é uma varinha
mágica que lhe permita ver e avaliar tudo correctamente. A pessoa normal
cometerá erros
tal como o neurótico. Mas estes erros são o resultado da limitação humana e da
falta de previsão, não o resultado de uma visão perturbada por sentimentos
confusos.
Como se deve explicar então esta diferença? Freud reconheceu que a perturbação
emocional do neurótico leva quase sempre à primeira infância e que tem portanto
a sua origem numa perturbação de equilíbrio já então verificada. E nisto está o
mérito principal, especialmente importante e inesquecível de Freud. E é nisto
também que a visão de Freud está na vanguarda da formulação moderna. . Contudo
Freud concluiu e nisto já não o podemos seguir que estas perturbações de
equilíbrio são provocadas, em primeiro lugar, sempre por necessidades não
satisfeitas ou, como ele diz, impulsos não satisfeitos, e em segundo lugar que o
equilíbrio interno do homem normal se explicaria pelo facto de este conseguir
solucionar o problema da satisfação de necessidades. E em terceiro lugar Freud
chega à conclusão (que forma a pedra basilar da sua teoria) que a manutenção do
equilíbrio interno através da solução do problema da satisfação de necessidades
é a finalidade da vida.
Esta manutenção de equilíbrio representa uma tarefa contínua e sempre actual. No
homem normal ela realizase e termina, segundo a doutrina de Freud, em primeiro
lugar no presente; no neurótico, pelo contrário, conduz continuamente ao passado
que não foi superado nem liquidado.
3. NOVAS TEORIAS SOBRE MOTIVAÇõES BÁSICAS
À teoria de Freud, cujo conteúdo de sentido aqui expusemos dum modo que
corresponde mais aos nossos conceitos científicos actuais, opõemse de momento
essencialmente dois grupos
com novos princípios teoréticos. São as teorias da Psicologia Humanista e do
Existencialismo.
Apesar de ambas serem bastante diferentes em muitos aspectos, têm contudo de
comum uma diferença em relação a Freud e ainda uma ideia fundamental. A
diferença comum é que ambas estas novas teorias vêem a finalidade da vida, não
na satisfação de necessidades como tal nem na realização de um equilíbrio
interior como tal. Ambas as teorias têm uma concepção fundamental de vida muito
diferente. E é a ideia básica seguinte que lhes é comum: aquilo que na realidade
interessa e também deveria interessar ao homem é viver a vida humana «
correctamente », isto é, de acordo com as leis que lhe foram impostas. Se o
homem viver «correctamente» neste sentido, dizem especialmente os
representantes da Psicologia Humanista, então, teoricamente, ele, tanto é normal
sob o ponto de vista psicológico, como também é bom e está satisfeito. A
satisfação e o ser bom, nesta teoria, não formam a oposição que significaram
para Freud. Segundo a teoria de Freud, o homem, para ser bom, tem de prescindir
em larga escala da satisfação de necessidades e as pessoas que
não o conseguiram tornamse doentes mentais.
Nesta opinião de Freud, deduzida a partir do estudo da neurose, tratase da
descrição de factos que não devemos mais perder de vista. Pois, sem dúvida, em
cada vida existem, desde o início, necessidades não satisfeitas, cuja satisfação
é por vezes, do ponto de vista psicológico, até vital.
Para uma criança que como mais adiante veremos no caso de Robert não recebeu
dos pais calor nem verdadeira afeição, e além disso ainda foi sujeita a pesadas
exigências, é quase impossível ou pelo menos enormemente difícil encontrar o
caminho para uma vida «correcta» no sentido que acima atribuímos à palavra. Como
pode estar satisfeita, como pode escapar à doença psíquica? Que dura tem de ser
a luta de uma tal pessoa para ser «boa»!
Assim temos forçosamente de reconhecer o facto de que existem muitas
circunstâncias da vida que tornam quase impossível a uma pessoa reunir a saúde
psíquica, a satisfação e a
bondade. E são precisamente estas pessoas que tentamos levar a soluções mais
felizes dos seus problemas, usando a nossa
moderna psicoterapia. E para isso Freud foi um guia genial. No entanto,
teoricamente e até em casos reais, como os psicólogos humanistas mostraram
mediante inúmeros exemplos, há pessoas que chegam a realizar a sua vida,
vivendoa em liberdade interior segundo as leis impostas à vida humana. O
aspecto que têm estas afirmações, uma vez vistas de mais perto, é encarado de
modo muito diferente pelas duas escolas psicológicas que
acabamos de mencionar, e pelos seus representantes isolados. E a isso nos vamos
referir um pouco mais pormenorizadamente.
4. O EXISTENCIALISMO
O existencialismo é, das três teorias aqui mencionadas, a
mais abstracta. Esta doutrina só há pouco aplicada à Psicoterapia e à
Psiquiatria é na realidade uma Filosofia e não uma psicologia da motivação. O
nome de existencialismo significa teoria da existência. Esta escola, muito
difundida especialmente na Europa, tem as suas origens em Kierkegaard e
Nietzsche. No nosso século, a doutrina foi desenvolvida e formulada
primeiramente por Martin Heidegger. Nos tempos mais recentes em muitos países do
continente, investigadores de categoria declararamse adeptos do existencialismo
e desenvolveramno em diversas variantes.
No início, como vimos, esta doutrina não tinha nada a ver
com a Psicologia nem com a Psicoterapia, antes era uma filosofia da vida. Alguns
dos representantes mais modernos, entre outros especialmente o suíço Ludwig
Binswanger, os alemães Viktor E. von Gebsattel e Erwin W. Strauss, tal como o
austríaco Viktor E. FrankI, introduziram o existencialismo na Psicologia e
Psicoterapia; na sua aplicação nestes campos, os americanos, como Rollo May,
retomaramno e confrontaramno com a Psicanálise.
De tal confronto resulta que o existencialismo apresenta, em lugar de uma teoria
das necessidades ou instintos, uma teoria sobre o sentido da existência
(Dasein). Isto é, a análise existencial consiste numa meditação acerca daquilo
que é designado como «essência» (Wesen) da existência individual. Nietzsche
disse neste sentido «Tornate naquilo que és». Neste produzirse, nesta
realização da essência da própria existência, o indivíduo tem de tornarse
consciente da sua missão principal de ser homem. É que se considera específico
da existência humana o ser «transcendente»: que se ultrapasse a si próprio e que
actue fora da própria vida. Neste actuar tem a missão de realizar valores.
«Tornate naquilo que és», disse Nietzsche. Neste sentido tornouse célebre o
caso, apresentado por Ludwig Binswanger, de Ellen West, uma mulher gravemente
perturbada, cujo suicídio final foi interpretado e reconhecido como uma
realização necessária do sentido da sua existência, depois de ter sido
longamente previsto, discutido e de certo modo até preparado.
Os casos descritos por Viktor E. Frank1 situamse mais dentro do campo do diaa
dia. Ele ocupase especialmente da motivação adequada ao homem: o homem tem a
missão de realizar valores. Só a realização de valores dá sentido à vida. E
nesta realização de valores através da «vontade de sentido» o indivíduo deve
desenvolver e utilizar as suas «melhores Potencialidades», as possibilidades que
tem à sua disposição.
Mas a questão de como isso se processa na prática permanece em Frank1 tão
problemática como em alguns psicólogos humanistas, que de certa maneira
representam uma opinião parecida. Ocuparnosemos das questões práticas nos
capítulos sobre educação e sobre Psicoterapia.
5. A PSICOLOGIA HUMANISTA
A expressão «Psicologia Humanista» é nova; resultou de certa maneira
casualmente, quando da fundação de uma nova revista com este título. Mas o nome
é adequado para abranger um grupo de investigadores com finalidades semelhantes.
Dissemos há pouco que este grupo tem uma ideia fundamental em comum com os
existencialistas, justamente a de que a motivação humana tem de ser entendida a
partir das leis básicas impostas à vida humana: O que pretende o homem como
homem? O que são as coisas de que ele é especificamente capaz como homem e que
lhe importa realizar? Estas são as questões fundamentais que ambos põem,
existencialistas e psicólogos humanistas.
Tanto os existencialistas como os psicólogos humanistas chegam a respostas um
pouco diferentes, que contudo têm muito de comum. Ambos reconhecem que o homem
está continuamente ocupado, a realizar algo que parta dele e o ultrapasse, a
actuar para além do momento.
Os existencialistas acentuam aqui sobretudo, como dissemos, o facto de, neste
actuar, o homem ir sempre para além de si próprio, se transcender, como se diz,
e de, ao fazêlo, criar valores.
Os psicólogos humanistas acentuam que este criar se realiza num processo que o
indivíduo vive como autorealização ou
como desejo de uma realização em que estão incluídas tanto a criação de valores
culturais como a própria evolução.
Neste processo o homem procura simultaneamente manter tanto quanto possível o
seu equilíbrio interno, o que é uma finalidade secundária e não, como na
Psicanálise, a finalidade Principal.
Os diversos representantes destas orientações acentuam alguns pontos diferentes
como sendo os principais.
Erich Fromm deve ter sido o primeiro a introduzir na Psicologia moderna a
palavra «humanista», que designava outrora o
admirador e investigador da Antiguidade e que é oriunda do Renascimento; foi
também o primeiro a falar da nossa consciência «humanista» opondoa à
consciência «autoritária». «Humanista» é na linguagem de Fromm e na moderna
psicologia clínica o verdadeiramente humano, o mais próprio do homem no seu
melhor sentido.
A consciência «autoritária» representa a prescrição da autoridade, por nós
aceite e vivida, e que encontrou a sua versão conceptual mais aguda no «Super
Eu» de Freud.
A consciência «humanista» de Fromm representa, pelo contrário, o nosso saber
mais interior e mais próprio acerca de se
agimos «correctamente» no sentido das capacidades humanas que nos são inerentes.
Se seguirmos esta consciência vivemos uma vida cheia de sentido e desenvolvemos
as nossas melhores energias.
Histericamente deveria competir a Karen Horney a primazia no desenvolvimento
dalguns dos princípios da nova orientação no início dos anos 30. Ela considera a
tendência para a autorealização um conceito que provém de Carl Gustav Jung
como
tendência básica do homem que se desenvolve normalmente. E entende por auto
realização a realização das melhores potencialidades de um indivíduo, através do
desenvolvimento das quais ele exprime o seu eu mais íntimo e não progride apenas
ele próprio mas também fomenta o progresso dos outros e participa na criação
cultural.
Ela vê fundamentada a evolução mórbida do neurótico em insegurança interna, numa
profunda angústia que é o resultado de carência de amor e de factores gerais
ambientais desfavoráveis.
E é a Gordon Allport que cabe o mérito de ter sido um dos primeiros a relegar de
novo para primeiro plano o significado do Eu (Selbst) e dos valores na vida
humana, depois de estes conceitos terem sido afastados pelos psicólogos da
primeira geração desta jovem ciência, como pretensamente nãocientíficos. No seu
livro sobre a « Personalidade », tão rico em ideias, ele abre caminho para uma
concepção moderna do Eu e dos valores, dando assim um lugar importante às
categorias, indicadas por Edward Spanger, dos valores predominantemente
teoréticos, económicos, estéticos, sociais, políticos e religiosos.
O estudo da motivação do homem normal constituía o ponto central do interesse de
Abraham Maslow e Charlotte Bühler.
Abraham Maslow, hoje um dos principais representantes da teoria da auto
realização, esforçouse especialmente por arranjar muitos exemplos concretos de
pessoas sãs, trabalhadoras, que se realizavam no seu trabalho, muitas vezes
penoso. E seguindo Kurt Goldstein, ele acentua que uma tal tensão é sentida pelo
homem são como um prazer. Kurt Goldstein e também Charlotte Bühler chamaram
repetidas vezes a atenção para o facto de que o homem são nem sempre propende
para a distensão, como o postulava Freud, mas que numa tensão normal se pode
sentir tanto prazer como numa distensão, noutras ocasiões. É no sistema destas
ideias que se inserem as importantes observações de Karl Bühler, que mostrou o
prazer da actividade chamado prazer funcional especialmente no jogo infantil
e também em outras actividades coroadas de êxito. Também neste prazer do
funcionar se mantém uma certa tensão.
Maslow demonstra num número elevado de personalidades cuja biografia estudou,
como se distingue a motivação que se orienta para o crescimento de uma motivação
defeituosa. Ele reúne uma lista de características da personalidade que se
realiza a si própria por exemplo, que propende mais para a criação do que
outras; que se ocupa mais dos problemas determinados pelas suas tarefas do que
dos seus problemas pessoais; que está disposta a aceitarse a si própria e aos
outros; que sabe ver a realidade tal como ela é.
Igualmente no início dos anos 30, começou Charlotte Bühler as suas investigações
sobre a finalidade humana da vida, servindose de material biográfico.
Considerou o conceito de autorealização, que também ela já então citou, como
demasiado unilateral, uma vez que só é aplicável à finalidade de vida de certos
tipos de personalidade e mesmo para estes só com restrições. Estas restrições
dizem respeito à consideração pelos outros; a opinião de Karen Horney, de que,
se cada pessoa se realizar a si própria na medida mais completa, isto terá as
melhores repercussões nos outros, parecelhe contestável: o mundo não é nenhum
paraíso. O indivíduo tem de prescindir em muitos aspectos da sua autorealização
para dar o lugar a outros.
Um exemplo tão actual como frequente hoje em dia para demonstrar como é correcta
esta afirmação, oferecemnos aqueles matrimónios que se mantêm porque existem
filhos, embora marido e mulher já não esperem a felicidade da autorealização
dentro do amor conjugal.
Mas apesar destas limitações da autorealização do indivíduo constantemente
impostas pelas condições de vida, existem muitos tipos de personalidade para os
quais a autorealização não representa nenhuma finalidade.
Se voltarmos aqui ao exemplo, dado no início do capítulo, de Herbert e Maria,
podemos ver no primeiro a tendência para a autorealização, mas de modo nenhum
em Maria.
O que espera então da vida uma mulher como Maria? Ela critica a tendência do
marido de renunciar à segurança visando planos mais vastos. Ela não seria capaz
disso. Ela prefere condições mais modestas em que possa confiar. Porquê?
É naturalmente possível que uma mulher como Maria sofra de uma insegurança
interior demasiado grande no sentido de Karen Horney, porque o seu mundo
ambiente lhe deu durante a infância pouco amor e pouca segurança. Mas também é
possível que Maria pertença ao não raro número de pessoas que se
adaptam facilmente e sem sacrifício às condições modestas dadas, enquanto as
suas condições pessoais de vida as fazem felizes ou as satisfazem. A sua vida
com e dentro da sua família, a sua actividade de cuidar da família são mais
importantes para estas pessoas do que a riqueza, a glória, uma posição influente
ou a realização daquilo que se pretende.
Enquanto no último tipo, para o qual Herbert serve
de exemplo, vejo uma tendência para a expansão criadora, em
pessoas como Maria encontro predominantemente a tendência para uma adaptação
autolimitadora, como lhe chamei. Considero ambas como tendências fundamentais da
vida, a que se juntam mais outras duas.
Estas duas outras designeias por tendências de satisfação de necessidade e
manutenção da ordem interna.
Expresso em termos concretos, o homem criador, em primeira linha expansivo, é um
homem que parte para o mundo para o «conquistar», como se diz, que vê a
realização da sua
vida mais na obtenção de bens, na criação de relações e posições importantes ou
na realização de produtos ou tarefas, que ele espera, se for possível,
transmitir à posteridade, do que noutros valores vitais.
O homem que se adapta limitandose a si próprio, pelo contrário, é o homem a
quem chega, para darlhe satisfação, o
estar bem incluído dentro do ambiente dado na cultura, natureza e universo.
Um terceiro tipo interessase em primeira linha pela satisfação de prazeres,
amor, felicidade, e bemestar.
E finalmente ao quarto grupo pertencem as pessoas para as quais o mais
importante é a sua paz de alma, como se costuma
dizer. Dão valor à harmonia interior e exterior, a uma boa consciência, a uma
ordem interna bem equilibrada.
Designei por realização (Erfüllung) a finalidade última destas tendências
diversas. É uma vivência final partindo da consciência da vida que no essencial
se levou a cabo com êxito. A realização (Erfüllung) contém uma imensidade do
vivido, tanto na felicidade como na dor. É uma riqueza interior adquirida
durante decénios e que foi acumulada a partir do que se viveu,
se se conseguiu realizar de modo relativamente bem equilibrado, expansão e
adaptação, satisfação e ordem interna. A realização pressupõe que foram
fomentadas todas as quatro tendências, embora cada um possa preferir uma ou
outra e também a vida não permita uma total satisfação de todas.
6. TENDÊNCIAS BÁSICAS E FINALIDADES DE VIDA
Supõese que as quatro tendências básicas actuam desde o
início da vida.
É certo que nas diversas fases da vida desempenha um. papel maior uma ou outra
tendência básica. O bebé e também a criança pequena tendem naturalmente em
primeiro lugar à satisfação de necessidades; só a criança em idade escolar
começa, a pouco e pouco, mais a adaptarse do que a satisfazer necessidades; o
adolescente e o adulto são em primeira linha criadoramente expansivos; o homem
que envelhece prefere contemplar pensativamente a sua vida e produzir uma ordem
interna; e na
idade senil o sofrimento e a decrepitude podem lançálo de novo na satisfação de
necessidades da primeira infância.
Também Freud supõe que na transição da primeira infância para a infância mais
tardia se dá uma viragem da satisfação de tendências, como ele lhe chama, para
uma adaptação à realidade e à sociedade. Mas, ao contrário de nós, considera o
recémnascido no início da vida apenas como um ser instintivo. Esta concepção
encontrase ainda num dos seus discípulos mais jovens, especialista em
psicologia infantil, Renê Spitz.
Tomando uma posição oposta, somos de opinião de que no
indivíduo normal agem continuamente, desde o início até ao fim da vida, as
quatro tendências básicas, embora, quanto à evolução e individualmente, em
graus, participação e expressões diferentes. Esta opinião pode ser documentada
por factos. Por exemplo, o
facto de todos os seres vivos e assim também o homem se adaptarem já em estado
celular e com esta adaptação se modificarem, é geralmente reconhecido como facto
biológico, como vimos no
primeiro capítulo.
Existem minúsculos esboços e préestádios de expansão criadora naquela
actividade espontânea que começa já no ventre
materno em forma de movimentos do corpo e algumas percepções sensitivas. A ordem
interna, contudo, mantémse no organismo neste préestádio de vida consciente a
princípio mais ou menos
exclusivamente através de regulações automáticas.
Os fenómenos originários inconscientes nas suas raízes e inícios são levados à
consciência a pouco e pouco e em intensidades diferentes já pouco depois do
nascimento. Contudo, o momento
exacto em que a consciência entra em funcionamento, é ainda hoje discutido. Mas
neste ponto da nossa obra não queremos dedicarnos ainda a questões de evolução,
mas referimos os factos acima mencionados especialmente sob o ponto de vista da
descrição daquilo a que se chama estrutura de motivação. Por isso entendese o
conjunto de motivações que é no homem, em todas as épocas da sua vida e portanto
já desde o início, uma rede complicada, complicada justamente por agir em todas
as fases
como uma pluralidade de tendências.
Freud designou por dinâmica da motivação a multiplicidade de tendências, pois
via nela um jogo de forças. E embora hoje já não sejam aplicáveis os seus
conceitos de energia no sentido em que ele os usou, mantémse contudo ainda
geralmente a sua
expressão de dinâmica da motivação.
Examinemos agora esta dinâmica tomando como exemplo uma criança. Tomemos uma
criança de nove meses.
A pequena Anita está sentada na sua caminha com um tambor diante de si e com um
pauzinho com que bate desajeitadamente no tambor. A mãe passa nesse instante,
sentase um momento junto dela e mostralhe como se pode bater com o pau no
tambor. Anita observa tudo espantada, ergue o olhar sorrindo, pega no pau que a
mãe lhe estende e bate agora ela própria, primeiro timidamente e baixinho,
depois mais alto e com mais
à.
força, ora sorrindo para a mãe, ora admirando o novo brinquedo, encantada com a
nova conquista.
O que é aqui, visto tudo exactamente, a estrutura de motivação? Esta criança que
brinca vivamente interessada está neste momento em primeiro lugar inteiramente
satisfeita quanto às suas necessidades e por isso pode dedicarse à investigação
do novo brinquedo e isto é uma acção expansivamente criadora; e quando a mãe
lhe mostra
como se pode fazer ainda melhor, adaptase e aprende o novo jogo.
O êxito com o tambor e o louvor da mãe que a observa carinhosamente tornam a
criança feliz. Neste momento é evidente que está totalmente em harmonia consigo
e com o mundo.
O seu agir ainda não vai para além deste momento para o futuro, e também não se
ocupa do passado, embora ambos estejam activos nela.
Se atendermos à satisfação geral desta criança temos de concluir que o passado
deve ter sido relativamente favorável, uma vez que é capaz de gozar tão
harmoniosamente o jogo com a mãe. E o futuro está já munido com certas
potencialidades acerca das quais nós podemos estar mais ou menos bem orientados.
7577 Interessada, a criança investiga o seu novo brinquedo, o tambor, em que
bate desajeitadamente com a pequena batuta. Mas agora mostramlhe que também se
pode bater a sério no tambor. Timidamente e sem muito ruído a princípio, mas
depois cada vez com mais força, ela bate agora, radiante de felicidade com o
êxito e o louvor que ouve.
Se realizássemos um corte transversal semelhante através da dinâmica da
motivação durante um momento com uma criança mais velha, com um adulto mais novo
ou mais velho, é claro que o quadro seria muito mais complicado, uma vez que
está embaraçado pela multiplicidade de tendências simultâneas e que a dinâmica é
determinada pelas consequências oriundas do passado e pelas precauções para o
futuro. Mas em princípio poderseia provar a mesma estrutura básica.
Contudo, com a antecipação do futuro ressalta de um modo mais nítido a
finalidade, e tanto mais nítida quanto mais orientada esteja para o futuro a
autodeterminação.
Antes da adolescência quase se não pode falar de uma autodeterminação dirigida
para finalidades de vida e resultados. E mesmo então, como pude mostrar através
de estudos biográficos e de entrevistas, ela é primeiro apenas provisória, a
título de experiência, e indeterminada. Só numa idade que se situa à volta dos
trinta anos ela é definitiva e determinada. Vamos exemplificar isto através do
caso seguinte:
Viktor, professor de Direito de uma pequena Universidade, com cerca de 50 anos,
é um homem cuja vida até aí não foi na verdade muito rica em acontecimentos, mas
que se abstrairmos de bastantes desilusões a que ninguém escapa pode ser
considerada como uma vida boa. Viktor mantém um matrimónio, nos pontos
essenciais feliz, com uma mulher dez anos mais nova do que ele, a que o ligam
laços de amor recíproco. Muitos desentendimentos acerca da educação dos dois
filhos, acerca da aplicação dos vencimentos ‘acerca da falta de interesse de
Viktor pela vida social, não conseguem prejudicar as suas boas relações, tanto
mais que Viktor está finalmente disposto a ir com Ella consultar um psicólogo
para serem esclarecidos acerca das diferenças no seu matrimónio.
Da autodeterminação de Viktor vamos primeiramente analisar as fases do que é a
título de experiência e do que é definitivo.
O pai de Viktor era alfaiate. Tivera de se fazer à sua custa, provindo da maior
pobreza, e havia montado um pequeno negócio em que os três filhos tiveram de
ajudar desde cedo. Viktor era
já com doze anos moço de recados do pai; como ao mesmo tempo frequentava o liceu
tinha uma vida trabalhosa.
Viktor era o mais velho e um rapaz dotado; o pai, com quem ele se entendia bem,
contoulhe como ele próprio desejara outrora poder estudar, mas como a pobreza e
a falta de compreensão dos pais o tinham impossibilitado disso. O pai também
disse que esperava que agora o seu filho Viktor realizasse esse velho
desejo, embora não o quisesse de modo nenhum obrigar a
estudar. Este pai tão benévolo como compreensivo deu portanto liberdade ao filho
para fazer o que quisesse.
Ambos, pai e filho, estavam de acordo em que Ludwig, o
segundo filho, tinha muito mais vocação para ficar com a alfaiataria, pois
possuía muito mais interesse pelo negócio e não os dotes científicos de Viktor.
Apesar disso, a decisão de estudar e a escolha do curso constituíram problema
difícil para o jovem, que não podia contar com ajudas financeiras grandes, nem
com nenhuma orientação por parte dos que o rodeavam. Além disso, os pais eram de
opinião que se devia educar os filhos a tornaremse cedo independentes. Viktor
disse uma vez, mais tarde, à mulher que se
encontrara demasiado cedo perante graves responsabilidades e
tivera de tomar sozinho demasiadas decisões. A consequência foi uma grande
insegurança. Hesitava muitas vezes se teria escolhido bem, se teria tomado as
decisões devidas.
Iniciou o seu curso de Direito com muitas dúvidas. Durante muito tempo não sabia
ao certo se deveria vir a ser advogado, funcionário ou professor liceal. Após
alguns anos de hesitação decidiuse pela carreira universitária. Hoje sabe e
sabeo desde há muito tempo que a escolha foi acertada.
A mesma insegurança que sentira perante a escolha de profissão sentiua também
perante o problema do casamento. A casa
dos pais não lhe dera naturalmente ocasião de obter experiências sociais. Na
escola era bem visto mas as raparigas não se haviam interessado especialmente
pelo rapaz um pouco sério e tímido de mais, que além disso também não possuía
encantos especiais, e não sabia lidar com raparigas. Numa idade em que todos os
seus amigos tinham já êxitos sexuais, ele não os conhecia; só à volta dos vinte
e cinco anos se conseguiu aproximar de uma colega.
Mas ela não era a mulher com quem ele pretendia casar.
O problema do casamento ficou longamente por resolver, porque diversas relações
não se mantiveram com o tempo.
Então quando Viktor, agora com 34 anos, encontrou Ella entre as suas alunas,
soube logo que era esta a mulher por que esperara inconscientemente, e tomou a
decisão de pediIa em casamento.
Apesar da sua juventude, Ella tinha já a experiência de um
matrimónio infeliz e agitado; também para ela a solução agora oferecida foi a
acertada.
Mas o que se entende por «acertado» e o que se alcançou, do ponto de vista
psíquico?
O próprio Viktor empregou a palavra «acertado» falando da sua vida quando se
discutiam as questões matrimoniais. «No essencial», dizia ele, «pareceme que
fiz tudo bem, apesar das muitas dúvidas com que tomei as minhas decisões
excepto a decisão de casar: essa pareceume logo acertada.»
«0 que quer dizer com «acertada»?» perguntei eu.
«Ah», disse ele, «acertado quer dizer, de qualquer maneira assim como devia ser.
Quero dizer, como a solução correcta de um exercício, de uma adivinha talvez
dos diversos componentes do enigma da vida», acrescentou ele rindo.
«Mas se o resolveu bem, porque está então aqui?» «Isso é que é uma boa
pergunta», disse ele. «Bem, talvez tenha de explicar melhor o que quero dizer.
Sou de opinião que escolhi a profissão e a mulher adequadas para mim; ambas
estão de acordo com a minha maneira de ser e permitemme evoluir.»
«A expressão «realizarse a si próprio» serviria para isso a que se refere?»
«Pois, essa é a expressão exacta, é isso mesmo que eu quero dizer. Poderíamos
ter assim uma vida boa. E na realidade temos. Mas depois discutimos por causa
dos filhos, ou por causa do modo como Ella administra a casa, ou por causa da
minha relutância em sair tanto como pretende.
Ela tem razão, eu não sou suficientemente sociável e provavelmente sou antiquado
em muitos aspectos pareceme infantil consultálo por estas razões. Mas quando
Ella me disse que as contínuas discussões a indispunham e que um especialista
talvez nos pudesse orientar, disse para comigo: em criança nunca me pude dar ao
luxo de pedir um conselho aos meus pais, nós tivemos de resolver todos os
problemas sozinhos talvez seja bom ouvir uma vez a opinião de outra pessoa,
embora na realidade me sentisse sempre muito orgulhoso por conseguir vencer
sozinho todas as dificuldades.»
Depois de falarmos durante algum tempo acerca das discussões entre o casal,
chegámos ao ponto principal, que era a autocrítica de Viktor relacionada com o
seu insuficiente êxito profissional.
«Estou agora com 50 anos», disse ele, «ensino numa pequena Universidade e tenho
um vencimento reduzido. Não sou muito conhecido, muitas vezes me censuro a mim
próprio por não ter progredido mais. Na escola era sempre muito louvado pelos
professores devido ao meu aproveitamento, mas mais tarde durante o curso
verifiquei que não pertencia aos mais dotados; e não foi fácil reconhecêlo. Eu
era ambicioso não gosto de perder e contudo não quis fazer aquele esforço
mais que talvez me tivesse levado mais adiante ... »
«Acha que isso teria sido para si o acertado?» «Sim e não não sei ao certo. A
minha mulher dizia muitas vezes que se eu tivesse fomentado mais relações
sociais teria avançado mais. Talvez..., mas não está na minha maneira de ser...
A minha mulher não compreende isso... Sabe», acrescentou após uma pausa,
«quando se chega à minha idade começase a
meditar acerca daquilo que se desperdiçou na vida. Agora é talvez já demasiado
tarde para encontrar um lugar melhor ou
acha que o tente mesmo assim? Devoo a mim e à minha mulher?»
O que Viktor diz aqui significa o seguinte: chegou a um período em que valora
retrospectivamente a sua vida, faz o balanço e pergunta a si próprio se, no
sentido da realização, fez de si e da sua vida o suficiente. O suficiente
atendendo às potencialidades de que dispunha.
Ao que parece Viktor é, por um lado, uma pessoa orientada para a expansão
criadora, isto é, para a autorealização. Por outro lado, o facto de se ter
conformado mais ou menos com a sua pequena cátedra mostra que se adapta
facilmente a condições dadas, e talvez também que acha o comodismo das poucas
exigências, a vida tranquila na pequena Universidade mais agradável do que a
tensão que grandes realizações exigiriam dele. Isto significaria que as
tendências básicas de adaptação autolimitadora e de satisfação de necessidades
compensam a sua tendência expansiva criadora. Talvez seja apenas a ambição da
esposa, talvez sejam apenas vestígios da ambição aguçada durante o
tempo da escola, ou então é o remorso das potencialidades negligenciadas que não
deixam sossegar a sua autocrítica.
Na autovaloração, esta visão crítica retrospectiva que no
nosso caso recai na fase do climatério, fazse o resumo de todas as anteriores
autovalorações que acompanharam os esforços da pessoa desde a infância mais
remota, e que surgem então sob
* forma de uma enorme autoacusação, ou, noutros casos, sob
* forma de um ‘ satisfeito louvor a si próprio.
O homem acompanha o seu agir e o seu pensar ininterruptamente de autovalorações.
Isto principia com monólogos, como
este que se segue, em que Pedro, que ainda não tem dois anos
de idade, discute pensativamente consigo próprio acerca da sua pessoa: « É
menino bom? É menino mau? Não, é menino mau», é esta nesse momento a conclusão
a que chega um testemunho de si próprio capaz de satisfazer este pequeno
rebelde de dois anos. Estas autovalorações atingem o seu ponto máximo
e o seu significado decisivo por volta dos 50, 60 anos, quando se faz uma
espécie de balanço da vida e se pergunta: Até que
ponto consegui realizar a minha vida? Até que ponto posso ainda recuperar o que
falta? Até que ponto tenho de renunciar definitivamente àquilo com que a
princípio sonhei?
Este tipo de autovaloração resulta em parte em vista daquilo que se sente serem
as nossas potencialidades, em parte em vista de desejos não realizados ou
ideais. Impõese agora conhecer a força motivadora destes factores.
7. POTENCIALIDADES E VALORES
Por potencialidades entendemse as possibilidades que estão ao dispor de um
indivíduo num dado momento: possibilidades no sentido de disposições, capacidade
de aprendizagem e talentos; possibilidades no sentido da profundidade do
sentimento, da amplitude da visão, da força dos impulsos que um indivíduo
consegue desenvolver; e ainda possibilidades como elas se apresentam
condicionadas pelos meios que o ambiente proporciona ao indivíduo, pela sua
situação social e económica, por condicionalismos de ordem cultural e nacional;
e por fim possibilidades determinadas pela idade, pela vida passada, pela época,
etc.
As potencialidades são portanto, por um lado, as condições existentes no próprio
indivíduo, por outro lado, as «chances» e possibilidades que lhe são oferecidas
pelo mundo ambiente.
Devido à multiplicidade destes factores, que mal se pode ou
não se pode de todo abranger, é por enquanto possível só numa
medida muito restrita a previsão da evolução de um indivíduo.
Os testes e os questionários fornecemnos naturalmente hoje em dia muitos
conhecimentos científicos acerca de uma pessoa. E duma maneira geral, o
conselheiro e psicoterapeuta experimentado conhecerá e poderá, após algum tempo,
ajuizar bastante bem acerca de uma personalidade com que trabalha. Mas há certas
coisas que mesmo então ainda ficam por explicar.
Se por exemplo voltarmos a considerar o caso de Viktor, que acabamos de
descrever, até certo ponto não chegamos a saber se de algum modo ele modificará
ainda drasticamente as suas
condições de vida. A pessoa experimentada responderá: provavelmente não. Ele
considerará a idade e as condições afinal de contas agradáveis e pensará que
Viktor, apesar das possibilidades maiores que o seu talento e educação lhe
ofereciam, se interessa menos pela expansão do que pela adaptação e pelo
desfrutar pacífico da vida. São portanto todos estes factores que determinam as
suas potencialidades.
E então porque crê Viktor que se deve censurar a si próprio? Estas autocensuras
são primeiramente consequência do seu insuficiente conhecimento de si próprio,
uma vez que pensa no seu talento e na sua vasta educação, mas não pensa na sua
tendência para evitar grandes esforços.
Além disso as censuras que faz a si próprio estão relacionadas com um outro
factor, isto é, com os valores que o determinam!
Valores são preferências que damos a certas coisas no mundo. Estas coisas podem
ser materiais ou ideais, posse ou
qualidades, êxitos, realizações ou outras coisas mais.
Como Henry Margenau expôs claramente, existem preferências fácticas e
normativas. As preferências fácticas são coisas que desejamos como amor,
felicidade ou posse, as preferências normativas são coisas que reconhecemos
como sendo de justificado valor, quer as desejemos para nós ou não. Destes
valores, como por exemplo a veracidade, a bondade, a justiça ou também o amor à
verdade e beleza, dizemos que têm um «carácter de deverser», isto é, que todos
deveriam querêlos.
Desde cedo uma criança aprende a crer em determinados valores, como dizemos.
Quer dizer, crê que será feliz se tiver a boneca, ou que a mãe gostará dela se
se comportar bem. Tal crença provém nalguns casos dos próprios desejos da
criança, noutros, especialmente quando se trata de valores com um carácter de
deverser, foilhe ensinada pelos que a rodeiam. Mas também há dentro do próprio
indivíduo raízes para construções idealizadas, como chamamos a valores com o
carácter de deverser. ]@ espantoso como as crianças se impõem cedo finalidades
que contêm determinados valores.
Muito tempo antes de Alfred (sete anos) comunicar à benevolente tia, respondendo
às suas perguntas, que queria vir a ser aviador, inconscientemente já tomara
algumas resoluções muito mais importantes e decisivas para a sua vida futura.
Quando tinha quatro anos já era seu propósito ocuparse sempre com ferramentas.
Já desde pequeno consertava os estragos em casa com as suas ferramentas de
criança. Mais tarde veio a ser construtor de máquinas.
Mas mais importante ainda era outro ideal de Alfred: nunca
cometer um erro, nunca merecer uma repreensão. É claro que quando tinha quatro
anos não dizia isto a si próprio por estas palavras. Mas hoje, com 26 anos,
lembrase ainda perfeitamente das circunstâncias que o levaram a esta decisão.
Sucedeu uma vez que chegou à mesa com as mãos sul .as e a mãe o mandou
embora, censurandoo. Alfred achou insuportável o facto de ser censurado. Queria
estar inteiramente acima de qualquer repreensão. Retendo as lágrimas foi para o
quarto e pôsse a pensar como a partir de então poderia fazer tudo bem feito.
Mas o mais notável não é que Alfred seja ainda hoje um
perfeccionista invulgar que nunca acha suficientemente bem feito o que faz, a
não ser que esteja realmente perfeito, mas um outro facto diferente: os
problemas e angústias que essa ânsia de perfeição lhe criaram deramlhe em
adulto tantas preocupações, que teve de recorrer a um tratamento
psicoterapêutico.
No caso de Viktor, vimos como em criança discutiu o seu
futuro com o pai e como decidiu estudar para assim tornar real por assim dizer
para ambos o sonho que o pai não pudera realizar.
Freud designou de identificação a adopção de um ideal dos pais. Sem dúvida as
identificações, isto é, o equipararse a um
adulto que se admira, contribuem decisivamente para a evolução própria de um
indivíduo.
Contudo o psicanalista Erik Erikson mostrou nos seus trabalhos mais recentes que
ao lado da identificação ainda há muito mais coisas que contribuem para a
formação daquilo a que ele chama uma identidade. E por isso entende Erikson
aquilo que faz uma pessoa sentir e saber: «Isto sou eu próprio». Para a
identidade contribuem sem dúvida, como o mostra Erikson, as tendências mais
próprias do indivíduo tal como o desenvolvimento das suas potencialidades.
Naquilo que ele por fim é, estão incluídas as valorações de uma pessoa.
Viktor retomou realmente, como vimos, as valorações do pai que amava e veio a
ser aquilo que o pai quisera ter sido. O pai orgulhase deste filho e está
satisfeito com o que ele alcançou.
O conflito que Viktor agora vive ao sentir que, para escapar a dificuldades, não
desenvolveu as suas potencialidades, não procede, como é quase sempre o caso, da
sua infância. Tem uma origem mais recente e diz respeito à questão de como
Viktor pretende fixar mais ou menos definitivamente a sua identidade: irá fixar
se até certo ponto calmamente na sua cómoda forma de vida de agora, ou quererá
cobrar ânimo para nova expansão e fazer renovados esforços?
As complicações no caso de Alfred são de um género um
pouco diferente. Alfred parece identificarse totalmente, na sua valoração, com
a dos pais. Temse a impressão que ele pretende
o mesmo que eles. Mas na realidade ele é um rapazinho para o
qual é impossível que a perfeição possa ser muito importante.
Desde Sigmund Freud, interpretase um comportamento como o do pequeno Alfred de
quatro anos, como crendo a criança que só capta com segurança o amor dos pais se
corresponder inteiramente às suas exigências. E por essa razão sacrifica as suas
necessidades infantis a uma ânsia de perfeição. Freud, de cuja teoria da
motivação trataremos em seguida, fala aqui de um conflito daquilo a que chama o
SuperEu com o Id («Es») conflito que esta criança resolve no sentido de um
predomínio unilateral do SuperEu.
Partindo do nosso ponto de vista, pode pôrse a questão por que razão uma
criança como Alfred julga que tem de fazer tão grandes sacrifícios, se estava
absolutamente certo do amor dos pais, como confessa depois de adulto. Parecenos
existir aqui uma necessidade de adaptação autolimitadora invulgar, em
consequência da qual a obediência a ordens num grau que não se exigia na
situação dada se tornou e permaneceu a finalidade principal da vida.
8. A TEORIA DA MOTIVAÇÃO DE FREUD
Até agora ocupámonos de teorias de motivação em que se considera a
personalidade como um todo não dividido. Daí se falar também de teorias
globalistas. Especialmente Kurt Goldstein e Abraham Maslow acentuam que, segundo
a sua opinião, a
motivação parte sempre do ser humano total e tem apenas uma finalidade, a da
autoactualização ou autorealização. Estes investigadores também não fazem
distinção decisiva entre motivações conscientes e inconscientes.
Na teoria de Charlotte Bühler há na realidade quatro tendências básicas que se
entrechocam ocasionalmente; pudemos vêlo pormenorizadamente sobretudo no caso
de Vítor. Contudo, também em conflito, a personalidade pareceunos funcionar
como
um todo. Só em casos patológicos nos parece darse uma cisão interna extrema ou
um descalabro.
Pelo contrário, na teoria da motivação de Freud a personalidade está dividida em
três sistemas: o Id («Es»), o Eu e o SuperEu representam três impulsos e mundos
interiores relativamente independentes.
O Id («Es») são os impulsos sob cujo domínio exclusivo Freud imagina o recém
nascido. Enquanto o ld domina um indivíduo, ele não tem consciência das suas
acções e impulsos.
A consciência acorda só com o Eu, que deve o seu aparecimento ao encontro do
indivíduo com a realidade. O indivíduo, enquanto funcionar como um Id («Es»),
vive prisioneiro dos seus impulsos ou desejos e não se apercebe da realidade. Só
toma atenção nela mais tarde, quando é frustrado na satisfação das suas
necessidades, isto é, quando lhe é recusada a satisfação. Neste momento levanta
se o problema se o indivíduo pode ou
quer aceitar a realidade frustradora, ou se insiste na satisfação dos seus
desejos. Este é o primeiro conflito na vida do bebé.
Ao primeiro juntase em breve um segundo conflito. É o
que surge entre os impulsos próprios e os desejos e as imposições de outros,
especialmente dos pais. Este é o conflito entre o Id («Es») e o SuperEu,
correspondendo este àquilo a que se chama vulgarmente consciência. O SuperEu
representa, segundo Freud, as normas da sociedade « internalizadas » pelo
indivíduo normas, mandamentos, e proibições que foram transmitidas à criança
pelos pais e que a criança adoptou.
O conflito provém do facto de a criança ter de sacrificar a
satisfação dos seus próprios impulsos do seu Id (« Es ») aos desejos de outrem
representados pelo SuperEu o que muitas vezes não pode ou não quer fazer. E
se mesmo assim for obrigada a fazêlo por ser inevitável, só o pode «recalcando»
para o
inconsciente os seus próprios desejos inacessíveis. Destes recalcamentos provém,
quando eles são especialmente penosos, a neurose.
Uma vez que todos ouviram alguma coisa acerca da doutrina de Freud e muitos
falam dele, mas não o citam correctamente devido à complicação do seu poderoso
sistema de pensamento, e
uma vez que Freud influenciou grandemente não apenas a Psicologia e a
Psiquiatria, mas todo o pensamento do nosso tempo, parecenos indicado ocuparmo
nos mais pormenorizadamente de algumas das suas ideias principais, assim como da
sua história.
Para responder à questão de como e em que medida Freud introduziu realmente uma
nova era do pensamento, o mais importante pareceme ser focar (ao lado de outros
aspectos) a sua
análise penetrante do gigantesco papel que representa em nós o inconsciente. É
verdade que já antes de Freud se conhecia o inconsciente. Mas o significado
extraordinário do facto de se
«recalcarem» para o inconsciente vivências desagradáveis ou difíceis de
suportar, só com Freud foi devidamente valorado. Quer se esteja de acordo com
Freud em tudo, quer se verifique com
pesar que a este génio faltou a última sabedoria para apreender totalmente a
existência humana uma coisa é hoje indubitável: as suas teorias modificaram
totalmente a nossa compreensão de
nós próprios. É lamentável, por outro lado, a unilateralidade com que Freud
teimou por último em pôr a existência humana num só denominador, que ele
defendeu de modo provocante e contestável. Mas este facto não pode hoje, visto
que os seus próprios alunos ousam romper esta estreiteza de visão, prejudicar em
nada a grandeza da sua obra.
Realmente podese falar, segundo creio, de préfreudianos e
pósfreudianos entre os nossos contemporâneos. Com isto quero dizer que se podem
distinguir nitidamente os pósfreudianos dos préfreudianos, por os primeiros
terem adoptado a ideia de autosugestão como consequência de uma repressão dos
seus verdadeiros motivos, enquanto os segundos ainda não se aperceberam deste
facto, permanecendo por isso ainda hoje préfreudianos. Veremos um exemplo:
Se entram na minha consulta duas mães e uma delas me afirma com toda a seriedade
que nunca sentiu outra coisa do que um amor profundo e altruísta pelos filhos e
que se dedica inteira e totalmente à família, enquanto a outra diz um pouco
deprimida: «Sabe, não é raro eu sentir que os meus filhos, que eu amo muito e
significam tanto para mim, me pesam horrivelmente, e desejar estar livre e fazer
qualquer coisa para mim... talvez ache que eu sou uma má mãe» então tenho dois
exemplos à minha frente de como se pode ser um préfreudiano que se engana a si
próprio ou um pósfreudiano com ideias claras acerca de si próprio.
É verdade que bons conhecedores dos seres humanos podem ter sabido desde sempre
que uma virtude demasiado grande é suspeita, mesmo quando parece estar ligada a
uma grande sinceridade. Adivinharam que deviam estar ai em jogo outros motivos
menos «virtuosos».
Mas só desde Freud conseguimos ter uma visão real da complexidade da estrutura
de motivação por vezes uma confusão e contraposição altamente complicada das
mais diversas motivações. Assim aprendemos com ele que a mãe tão altruísta do
nosso exemplo procura talvez uma compensação para a falta de amor conjugal ou
frigidez sexual, ao dedicarse exageradamente aos filhos; ou que vê o seu único
valor no sacrifício pelos filhos, valor que ela se nega a si própria como
pessoa; ou então que lhe dá uma falsa satisfação o sentirse mártir; ou outras
razões possíveis. Normalmente toda a pessoa necessita para si própria de pelo
menos tanto quanto dá de si, e pessoas que julgam desabrochar totalmente na
dádiva enganamse acerca
da natureza dos seus motivos de um modo ingénuo, como temos de dizer desde os
esclarecimentos de Freud.
78 O frontispício da obra clássica de Freud «Três Dissertações acerca da Teoria
da Sexualidade» A.BrIANOLUNGEN z.U R
EXITALIMEO..I.UB, À genial descoberta do papel do inconsciente na motivação
humana tal
como ao papel do recalcamento de vivências desagradáveis que com ele está
relacionado, ligamse ainda pelo menos duas outras descobertas de Freud, que são
de importância fundamental.
A primeira é a concepção da dinâmica de todos estes fenómenos. Isto é: os
fenómenos psíquicos já não são apreendidos apenas como reacções a estímulos, mas
estas reacções são encaradas como
incluídas em processos que estão condicionados por um jogo de forças. Ainda não
está totalmente esclarecido como se deve interpretar o jogo de forças. Contudo
esta ideia é como tal geralmente reconhecida; relacionase de certo modo, embora
por ora apenas frouxamente, com a ideia da dinâmica dos processos de
configuração de W. Kõhler e Wertheimer, de que falámos no capítulo anterior.
Comum aos dois sistemas é em todo o caso a orientação dinâmica.
Outro aspecto constitutivo importante da teoria de Freud, também adoptado por
quase todos os psicólogos teoréticos e
práticos, é o reconhecimento do papel fundamental que as
vivências da primeira infância desempenham na posterior evolução da nossa
personalidade. Todos os casos que relatámos nos dão provas para o afirmar.
As três descobertas do papel do inconsciente e do recalcamento, da dinâmica da
vida anímica e do significado das vivências infantis estão estreitamente
relacionadas. Freud descobriuas juntamente com Joseph Breuer em 1880, no
decurso do tratamento de uma doente histérica, e, como ele próprio diz, «por
acaso» e para grande «espanto» de ambos.
E esta foi a descoberta de Freud no «caso Anna O.», desde então célebre: a
doente curouse da sua doença por ter sido levada a recordar e a exprimir as
suas vivências traumáticas, que havia esquecido. «Traumáticas» a palavra vem do
grego trauma = ferida são vivências profundamente emocionantes, nocivas pelas
suas consequências. Na pessoa histérica esta lesão psíquica transformase em
sintoma e sofrimento físicos.
Na descoberta que se iniciou com o «caso Anna O.» e que se continuou com outros
casos, são decisivos uma série de pontos. Neste momento apenas nos ocuparemos
daqueles que são essenciais para a teoria da motivação e trataremos os outros no
capítulo sobre a Psicoterapia. O que se demonstrou em primeiro lugar foi que as
doenças psíquicas podiam ser causadas por vivências recalcadas e, em
consequência desse recalcamento, «esquecidas», especialmente de vivências da
infância.
O recalcamento é um esquecimento aparente, que se dá « intencionalmente » mas é
justamente inconscientemente intencional. Através deste «esquecimento» tornamse
inconscientes as
vivências anteriormente conscientes. E com a consciência desaparece o
sofrimento, pelo menos passageiramente.
Recalcamse vivências, porque nelas se trata de desejos não realizados,
«condenáveis», de que só se pode desistir se o indivíduo se forçar a esquecê
los. E os desejos são condenáveis porque visam prazeres sexuais proibidos, dos
quais existe desde cedo muito maior quantidade do que alguém supusera antes de
Freud. A comoção traumática por fim baseiase na experiência global dos desejos
fortíssimos, no medo da descoberta, nos
complexos de culpa e na repressão final dos desejos. Era opinião de Freud que
todas as experiências desta natureza estavam ligadas com a sexualidade.
Esta opinião tornouse a pedra basilar do seu pensamento teórico. Nela se baseia
a sua teoria da libido, que na sua forma originária afirma que todo o impulso
tem a sua causa no instinto sexual. É encarada por Freud como uma força, e mesmo
como a energia fundamental que determina os fenómenos vitais e que actua na,
dinâmica da vida psíquica. Embora o conceito de «energia» aqui empregado não se
esclareça totalmente visivelmente tratase de forças diferentes das da física
não há dúvida que hoje se reconhece geralmente a ideia de uma dinâmica dos
processos psíquicos.
A concepção de libido de Freud, no início muito radical, foi várias vezes
modificada por ele, a pouco e pouco, e o conceito de sexualidade alargado de tal
modo que abrangesse todo o
prazer no sentido mais lato. Freud supôs então vários estádios evolutivos e
formas deste prazer. A forma mais primitiva é o
prazer de sucção do lactente, chamado prazer oral. Uma segunda forma são as
sensações de prazer na expulsão ou retenção das fezes, que Freud designou por
prazer anal; atribuilhe um papel importante na vida psíquica da criança de um a
quatro anos. Considera a fase do prazer fálico, que provém da função dos órgãos
genitais, como começando dos três aos sete anos. Todas
estas fases representam graus na formação da sexualidade. A tese de Freud neste
período da sua criação era que obter prazer e evitar sofrimento era o motivo
básico de todas as tendências.
É na primeira infância que Freud encontra menos inibições em relação a esta
tendência para o prazer no seu sentido mais lato; foi ele o primeiro a chamar a
atenção para os primórdios da excitação sexual no sentido mais estrito, dentro
desta fase da vida.
No decorrer da evolução e da formação da sua teoria, Freud deulhe uma redacção
mais científica, com a qual ela, até há pouco, teve uma difusão extraordinária,
especialmente entre os
psicanalistas americanos. Nesta última versão de Freud, em que se torna visível
a influência do psicofísico Gustav Theodor Fechmer, substituise o princípio
psicológico de prazerdesprazer por um princípio de tensãodistensão, encarado
mais sob o ponto de vista físico. A teoria diz agora: O organismo tende para a
distensão, que traz prazer, enquanto o aumento de tensão é desagradável. Esta
teoria foi equiparada mais tarde, sob influência americana, à doutrina da
Homeostasia, do grande fisiólogo Walter B. Cannon (1871 até 1945). A
homeostasia é, segundo Carmon, a tendência para a recuperação do equilíbrio
interno do corpo, inerente a todo o ser vivo é a tendência, por exemplo, de
regular a temperatura do corpo de tal maneira que ela se mantenha em condições
óptimas embora oscile à volta do «equilíbrio» normal. A teoria de Freud do
princípio de tensão e distensão foi considerada como sendo a teoria psicológica
paralela à homeostase fisiológica, e portanto ao princípio orgânico da
recuperação de estados de equilíbrio no corpo. A recuperação do equilíbrio
depende, segundo a teoria, tanto psíquica como fisicamente da realização de
determinadas necessidades básicas. Se estas necessidades básicas ficam durante
muito tempo por satisfazer, entramos em estado de tensão e por fim aparecem
perturbações. A estes fenómenos correspondem vivências psíquicas de desprazer,
inquietação, nervosismo, sensações de frustração e dores. Se a satisfação de
necessidades não se
realizar repetidas vezes e durante muito tempo, pode isso vir a
dar origem a doenças.
9. UM CASO PSICOSSOMÁTICO
Um exemplo poderá ilustrar esta importante teoria. É um
caso de doença psicossomática. Este é o nome que se dá a sofrimentos físicos
fortemente influenciados ou causados pelo psíquico (em grego soma = corpo).
]o
Robert Lange, representante de uma firma de máquinas de escrever dentro de uma
vasta área incluindo cidade e campo, é um comerciante de 45 anos,
extraordinariamente competente, ambicioso e trabalhador, marido consciencioso e
pai de duas filhas adolescentes.
Há alguns anos que sofre de úlceras intestinais. Os antecedentes desta doença:
nos primeiros anos da sua actividade como representante da grande firma, o
senhor Lange não só não se
poupou mas também não tinha horas de comer. Viagens e visitas aos clientes, diz
ele ainda hoje, quando o médico lhe recomenda refeições regulares e descanso,
tornam muitas vezes impossível a divisão do dia de trabalho tal como isso é
possível no escritório. Por conseguinte, ainda hoje sucede Robert estar uma
ou duas horas com fome antes de ter tempo de tomar alguma refeição rápida; ele
não quer convencerse de que a tensão a que expõe o seu organismo é a
responsável pela sua doença. «Outros» diz ele «vivem ao mesmo ritmo que eu e não
têm úlceras intestinais, e quando durante um ano tomei as minhas refeições
regularmente também não desapareceram as minhas úlceras.»
A afirmação está certa na medida em que um ritmo acelerado e certa
irregularidade, em si, não actuam como causadores de doença, embora uma tensão
física que se estenda por alguns anos
quase nunca passe sem nervosismo, dores de cabeça e outros
sintomas somáticos de doença incipente ou que ameaça surgir.
O médico psiquiatra chamou a atenção de Robert para o
facto de ao esforço físico se acrescentar a carga psíquica de que sofria o
doente, como sucede, geralmente, em casos de úlceras intestinais.
A constituição psíquica de Robert caracterizase por constantes preocupações,
pelo medo de malogros e por uma grande consciência de responsabilidade. Também
se irrita facilmente e
não tem paciência com os familiares. Isto significa que à tensão física se junta
uma forte tensão psíquica. Na personalidade de Robert encontramse ambas
entrelaçadas.
Quais são então, para voltarmos às nossas considerações teóricas, as
necessidades básicas que neste caso estão por realizar e foram recalcadas para o
inconsciente?
10. DIVERSAS OPINIõES ACERCA DAS ORIGENS DAS DOENÇAS MENTAIS
Encaradas do ponto de vista meramente físico, as necessidades de alimentação e
repouso do Senhor Lange são satisfeitas de modo irregular e insuficiente. Para
mais é uma pessoa que
se preocupa demasiado. Mas que significa isto sob o ponto de vista de
necessidades não satisfeitas e recalcadas para o inconsciente? Para um
comerciante poderia tratarse de diversos pontos: sentese inseguro e sem estar
à altura dos problemas do seu emprego; é ambicioso, interessado numa perfeição
inatingível * nunca está satisfeito consigo próprio; toma demasiado a sério *
sua responsabilidade e deixase impressionar demasiado por ela, ou algo de
parecido mais.
Na Psicologia de Alfred Adler, que foi o primeiro opositor de Freud na questão
acerca do domínio exclusivo do sexual como princípio explicativo, o motivo da
insegurança e de um perfeccionismo nela fundado, isto é, a ânsia da perfeição,
bastaria para a explicação do caso. Também Karen. Horney considera, tal como
Adler, a aspiração da segurança como um motivo básico. Ambos os psiquiatras têm
de comum o facto de considerarem o factor social como mais essencial do que o
sexual, enquanto as
suas teorias divergem noutros pontos. Mas ambos, tal como
Freud, atribuiriam a insegurança e perfeccionismo do senhor Lange a vivências da
infância, atribuindo contudo o papel decisivo a vivências diferentes das que
Freud apontaria neste caso.
Adler e Horney procurariam experiências remotas que tivessem trazido insegurança
a Robert em criança. No caso de Robert descobririam que ele foi muito admoestado
pelos pais, que exigiam muito do seu filho único, de tal maneira que a
criança nunca estava certa de nenhum êxito, excepto se realizasse algo
absolutamente perfeito.
Um dos meus doentes, que foi criado num ambiente igual a esse, contoume que se
lembrava nitidamente como, aos quatro anos, se propusera nunca cometer um erro.
Já conhecemos este doente, de nome Alfred (vide pág. 138). Imaginese uma
criança de quatro anos que sabe tão bem como deve comportarse para obter o
reconhecimento dos pais!
«Quando íamos comer fora», relatou Alfred, «pensava que ia encomendar o mesmo
que Margot, pois então estaria certo de não cometer nenhum erro.» Margot era a
irmã mais velha de Alfred que se comportava sempre bem. Os pais destas crianças
tinham como princípio educar os filhos de modo a serem independentes mas
simultaneamente a serem responsáveis. Assim, as crianças tinham autorização de
escolher o seu almoço na
lista mas simultaneamente deviam ter consciência de que a
economia fazia parte da sua responsabilidade em relação à família. Eram portanto
repreendidas se encomendavam um
prato caro.
Alfred contoume além disso a importância que tinha para ele, aos quatro anos,
o sentimento de pertencer ao círculo da família e de ser considerado como um
membro importante desta. «Nessa altura», disse ele, «pelos vistos ainda
estávamos muito unidos, e isso davame uma grande segurança. E quando mais tarde
o meu pai nos abandonou isso tornoume infeliz e inseguro».
Alfred confirma aqui com as suas próprias palavras que a
segurança era para ele extraordinariamente importante, e vêse nitidamente como
o seu perfeccionismo está ligado à necessidade que sentia de estar incluído na
família. Tanto os pais de Alfred como os de Robert exigiram demasiado dos seus
filhos desde muito cedo. Pais como estes tornam difícil aos filhos sentiremse à
altura de tais exigências e com isso sentiremse seguros. Estas exigências a que
nos referimos, também podem ser de natureza diferente do que as que vimos no
caso de Alfred. Podem por exemplo consistir na exigência da parte dos pais que
os filhos sigam à risca muitas ordens e proibições.
Uma criança, assim como pode sentirse insegura por exigências demasiadas,
também o pode por falta de exigências. Uma falta total de ordem, regularidade e
linhas directrizes pode colocar uma criança diante de tarefas que não estão à
sua altura, pela sua capacidade de crítica e de escolha deficientes. Também aqui
se exige demasiado, embora de modo diferente.
A explicação até agora dada para os problemas de necessidade no caso de Robert
Lange bastaria a todos os psicólogos que vêem um motivo básico na aspiração à
segurança. A origem do sofrimento de Robert parecerlhesia suficientemente
esclarecida se pudessem comprovar na sua infância a influência de pais ríspidos
e ambiciosos.
Franz Alexander, que procurou aplicar a teoria de Freud, dos conflitos
inconscientes e da sua dinâmica, a determinadas doenças físicas como a asma,
artrite, doenças de pele e úlceras de estômago e intestino, não se deu por
satisfeito com esta explicação, mas defendeu o ponto de vista de que um grau de
insegurança e perfeccionismo que provoca uma doença interna tão grave como
sucede no nosso exemplo, deve ter causas mais profundas do que apenas certas
exigências da parte dos pais. A sua opinião era que o doente, quando criança
pequena, não só estivera submetido a uma disciplina rígida, mas que também lhe
faltara então amor e ternura suficientes. Franz Alexander e os seus
colaboradores, cujos estudos intensivos da Psicologia de doenças psicossomáticas
pertencem aos mais considerados neste campo tão interessante e importante,
encontraram constantemente em doentes com úlceras de estômago e intestino
um desejo intenso de dependência psíquica de alguém que os
acarinhasse; este desejo de dependência e carinho anda contudo ligado à vergonha
desta necessidade, que por isso é recalcada. Isto quer dizer que o desejo e
repúdio simultâneo da sua necessidade lança estes doentes num conflito interno
sem solução. Entre os analistas alemães é especialmente conhecido Alexander
Mitscherlich, pelas suas interpretações semelhantes de doenças psicossomáticas.
Mitscherlich mostra, num tratado impressionante, o papel importante que
desempenha neste tipo de doenças crónicas o sentimento de desespero, ao qual ele
atribui uma acção dinâmica decisiva, tal como ao papel da esperança.
Mas significará isto que todas as pessoas cuja necessidade infantil de carinho e
amor não foi suficientemente satisfeita, e
que além disso são colocadas diante de difíceis tarefas, mais tarde venham a
padecer de úlceras do estômago e do intestino? Naturalmente que não. Além das
vivências que lesaram psicologicamente, têm de existir também determinadas
disposições, isto é, predisposições fisiológicas e psíquicas para que surja uma
doença grave.
É que estas doenças atacam sempre as partes fracas de um
organismo. A maioria das pessoas possui uma tal fraqueza muitas vezes já desde o
nascimento ou desde tenra idade quer tendendo para perturbações digestivas ou
frequentes constipações, para erupções cutâneas ou outras doenças leves. Uma
doença em consequência, por exemplo, de uma tal debilidade orgânica constitui
então frequentemente o ponto de partida de padecimentos graves que se
desenvolvem com a neurose.
A teoria originária de Alfred Adler partia da relação entre a inferioridade
orgânica e a neurose, mas mais tarde abandonoua. Ele supunha que na formação da
neurose existia sempre qualquer fraqueza que levava a um chamado complexo de
inferioridade. E a pessoa assim atingida tentaria simultaneamente compensar essa
fraqueza com realizações invulgares noutros campos. Na realidade muitas vezes
observase que uma criança que é fisicamente débil e não realiza nada no campo
dos desportos, para equilibrar, por assim dizer, esta fraqueza, se lança na
leitura exagerada de livros ou então segue entusiasmada qualquer outro assunto
que lhe interessa.
11. DEFINIÇÃO DA NEUROSE E DA PREDISPOSIÇÃO PsíQUICA
A maioria das doenças mentais ligadas muitas vezes a sintomas, se não mesmo a
achaques ou sofrimentos físicos, são
neuroses. Também os casos de Alfred e Robert Lange, que acabámos de descrever,
são neuroses. Vimos como a satisfação insuficiente de necessidades e os
recalcamentos podem levar a
neuroses. Mas para uma neurose é sempre necessária também uma predisposição
psíquica. Ambos os conceitos, neurose e predisposição psíquica, não são fáceis
de entender e carecem de uma explicação cuidada.
É interessante notar que ainda muito tempo depois da descoberta da existência da
neurose, «esta doença do nosso tempo», havia entre os especialistas
discordâncias acerca da definição deste conceito. Entretanto conseguiuse maior
uniformidade neste aspecto, de modo que é possível indicar algumas
características reconhecidas por todos na definição da neurose.
Em primeiro lugar encontramos no neurótico uma insuficiente capacidade para
vencer as dificuldades da vida. E tratase aqui justamente das dificuldades do
diaadia. Em situações que exigem energias psíquicas invulgares, como, por
exemplo, em
catástrofes ou perigos de outra espécie, em deportações, por exemplo, os
neuróticos aparecem muitas vezes como que transformados e com inesperada
capacidade de adaptação, como aliás se provou cientificamente.
Também na vida do diaadia muitos neuróticos nos parecem à primeira vista como
estando inteiramente à altura das suas tarefas e missões. Robert Langue, que
apresentámos como exemplo, parecia aos seus colegas e amigos ser um comerciante
competente; a esposa, que tinha pouca compreensão para com a vida interior do
marido, achava que «ele próprio tinha culpa do seu
nervosismo, porque se atarefava sem necessidade e se preocupava inutilmente».
Esta é na realidade uma das opiniões mais correntes dos leigos. Julgam muitas
vezes que esta «pretensa» doença, como lhe chamam, é de certo modo produto da
própria pessoa e, na realidade, totalmente desnecessária. Na maioria dos casos
não levam a sério as pessoas «nervosas», e pensam com certeza que tudo não passa
de «fitas» ou duma exagerada sensibilidade. Na realidade, devemos confessálo,
justamente em certos neuróticos existe um factor de hipersensibilidade que
parece «exagerado» ou «artificial» à pessoa sã.
Mas o facto é que justamente uma espécie de hipersensibilidade, isto é, uma
hipersensibilidade a determinados estímulos, pertence às predisposições inatas
relativamente bem determinadas. O psiquiatra G. Langfeldt apresentou há pouco
numa
cuidada monografia as relações entre constituição e hipersensibilidade. Muitas
vezes, como há pouco o verificou Sybille Escalona em cuidadas observações feitas
em crianças muito pequenas,
esta hipersensibilidade inata está estritamente ligada a uma
hipersensibilidade social. As perturbações psíquicas que se verificam nas
pessoas hipersensíveis no ambiente médio começam já na mais remota infância e já
nessa altura dão ocasião, em
muitos casos, a observações críticas por parte dos pais e professores que não
compreendem estas reacções.
Mas a hipersensibilidade não é a única predisposição para reacções neuróticas. A
opinião de Freud era’ que uma demasiada energia impulsiva, como ele lhe chamava,
tornava um indivíduo incapaz de renunciar à satisfação do prazer e de se adaptar
à realidade à família, mais tarde à sociedade impondose limites a si próprio.
Uma «energia impulsiva» demasiado forte torna dificilmente possível ou até
impossível ao Eu fraco defenderse contra o Id («Es») demasiado forte. O
conflito daí proveniente é reforçado se se der o caso de este Eu fraco ser
impelido, ainda por cima, por um forte SuperEu. Este SuperEu provém de um
segundo conflito, a que Freud chamou conflito de Édipo. Dáse na fase da vida da
criança que vai dos três aos cinco anos e, segundo Freud, é especialmente
decisivo para uma evolução normal ou uma evolução neurótica o facto de a criança
ter conseguido resolver o seu conflito de Édipo.
Freud criou este nome de conflito de Édipo apoiandose na
lenda do rei tebano Édipo que, sem o saber, casou com sua mãe Jocasta. Freud
afirma que todas as crianças têm um desejo sexual natural pela figura dos pais
do sexo oposto
o filho pela mãe, a filha pelo pai mas
compreende que este desejo é irrealizável e que tem de desistir dele. Na
renúncia normal, diz Freud, a criança é capaz de substituir o desejo de posse da
mãe ou do pai «incorporando» em si as advertências dos pais. Desta incorporação
por assim dizer simbólica surge o SuperEu, a que já nos referimos.
Mas se, justamente devido a uma grande energia impulsiva, não se realizou a
renúncia, então o conflito de Édipo não se resolve mas é recalcado,
desenvolvendose o chamado complexo de Édipo. Freud designa
79 Édipo e a sua mãe Jocasta aqui como figuras da oratória da ópera «Edipus
rex», de Igor
Strawinski
pela palavra «complexo» a fixação num desejo que pode ter sido recalcado para o
inconsciente, mas que continua aí a existir.
Freud supunha que nessa «energia impulsiva» demasiado forte se tratava de uma
constituição sexual inata, de que fala com muito mais àvontade do que seria
possível hoje na ciência. Porque hoje utilizamos as expressões «inato» ou
«predisposição» com grandes reservas e só no sentido de disposições que se
consideram todas como modificáveis através da experiência. Da penetração mútua
de predisposição e experiência falámos já pormenorizadamente no capítulo sobre
as raízes biológicas.
Noutras partes da sua obra, o próprio Freud acentuou que a forte excitação
precoce do instinto sexual em crianças pequenas não tem de ser exclusivamente a
consequência de uma grande «energia impulsiva», mas também pode ser a
consequência de ternura excessiva por parte dos pais. Fala de um «instinto
sexual que se tornou exigente devido aos mimos». Mas isto significa que ele
próprio, em certas circunstâncias, considera a verdadeira responsabilidade para
o desenvolvimento de uma neurose como podendo estar no ambiente.
A Psiquiatria actual tendia até há pouco, e especialmente na América, a
atribuir, em medida muito elevada, a culpa dos desenvolvimentos neuróticos aos
pais. Só nos últimos tempos se encara de novo a disposição do indivíduo como
causa parcial da neurose.
Se atendermos a um caso como o de Alfred, que com quatro anos se propôs «nunca
cometer um erro», não podemos deixar de supor nesta criança uma enorme
hipersensibilidade à crítica e repreensão, tal como uma insegurança invulgar. E
isto é tanto mais de supor quanto Alfred sabe que quando era criança se
sentia amado pelos pais. Embora fossem muito severos e castigassem os filhos
pelos disparates que faziam, estes castigos, contudo, não eram de tal ordem que
uma criança se visse forçada a comprometerse com ela própria a nunca mais
cometer uma falta. Uma tal hiperreacção, como é designada, tem de ter portanto
as suas razões, em grande parte, na maneira de ser própria da criança. Alfred
identificouse invulgarmente cedo e num grau invulgar com a mãe perfeccionista,
que dizia aos filhos: «0 que é digno de se fazer é digno de ser bem feito». Mas
nenhum dos outros filhos se deixou impressionar tanto por esta atitude como
Alfred.
Alfred demonstra com isto aquilo a que hoje se chama habitualmente fraqueza do
Eu, pelo que se entende uma capacidade mínima de autoafirmação. Foi desta
deficiência que Alfred sofreu também depois durante a sua vida, até, aos vinte
anos, se submeter à terapia.
Mas em que consistia a neurose de Alfred? A sua curta descrição darnosá
ocasião de terminar a definição do conceito de neurose.
Alfred estava no último ano do seu curso de construção mecânica, quando decidiu
consultar um psicoterapeuta. As razões eram as seguintes: sofria de perturbações
de concentração da atenção e de frequentes insónias, nunca achava
suficientemente bom o trabalho realizado e, em vez de estudar, desperdiçava
imenso tempo com diversas ninharias, como por exemplo a fazer pequenos arranjos
em casa da mãe, com quem ainda vivia, ou fazendo toda a espécie de recados,
sempre coisas que ele executava com um cuidado desnecessário ou que levavam
intencionalmente um tempo também desnecessário. Embora se
criticasse a si próprio por causa deste comportamento, parecia não ser capaz de
o modificar. E fazia todas estas coisas de modo compulsivo, isto é, como por
obrigação.
Já falámos anteriormente da insegurança de Alfred e do seu perfeccionismo, e
também nos referimos à sua forte identificação com a mãe, cujo amor ele talvez
quisesse ganhar de modo especial, tornandose perfeito. Alfred deve ter sentido,
com razão ou sem ela, que nunca fazia o suficiente para satisfazerse a si
próprio e à mãe. Ainda agora tem complexos de culpa em relação a coisas cuja
realização a mãe deseja, mas
cuja execução ele agora adia, insurgindose, ou realiza de maneira não
suficientemente perfeita. Não menos fortes são os seus
complexos de culpa por achar que não leva avante de maneira suficientemente
perfeita os seus próprios estudos.
Na contínua luta com as exigências da sua consciência rigorosa, Alfred tornouse
cada vez mais compulsivo, menos
livre e mais angustiado na execução dos muitos deveres que ele em parte se impõe
a si próprio.
Esta nãoliberdade de acção é geralmente reconhecida como a segunda
característica fundamental de todas as neuroses.
Como já dissemos, em situações especiais de perigo, o neurótico pode
repentinamente elevarse acima de si próprio e até esquecerse de si. Mas
geralmente ele está mais ou menos exclusivamente ocupado consigo pró peio, com
os seus problemas e conflitos e com a luta com as suas compulsões.
No fim deste capítulo sobre a definição da neurose e o
papel que desempenham no seu aparecimento as predisposições e o ambiente,
reproduzimos um esquema de Franz Alexander numa forma um pouco modificada.
Grupo 1 Grupo 11 Grupo 111 Este esquema deve ser
entendido de tal maneira ..............
que o triângulo escuro re ............... ..............
presenta as características ....................... .............. .
............... .............. ............... .............. ..............
inatas que predispõem à ......................
neurose, e .. ............... .. ............... . ............... as
influências nefastas pro ..............
o triângulo claro
80 O esquema mostra como as carac venientes do ambiente e da
terísticas inatas que predispõem à neu experiência da vida. O
recrose (escuro) e as influências nefastas provenientes do ambiente e da expe
tângulo mostra então que, riência da vida (claro) actuam conjun
num caso extremo, predistamente. No grupo I, as predisposições
posições muito fortes, mesmuito fortes podem, até num ambiente favorável,
produzir uma neurose, tal mo no ambiente mais facomo pode
acontecer no grupo III, com vorável, podem produzir
predisposições relativamente muito favoráveis, num ambiente externamente
neuroses, e que, no outro desfavorável. (Modificado segundo
caso extremo, elas podem
Franz Alexander) ser produzidas por predisposições
relativamente muito favoráveis se o ambiente for extremamente desfavorável.
Entre estes dois extremos encontramse partes proporcionalmente variáveis de
ambos os factores.
12. A NOVA PSICOLOGIA DO EU
Freud e os seus alunos mais antigos oeuparamse quase exclusivamente de doenças
mentais e da sua cura. No seu trabalho psicanalítico com os seus doentes, na
maioria gravemente perturbados, viamse a braços com a tarefa de compreender a
problemática muitas vezes irracional destas pessoas.
Isto modificouse essencialmente na medida em que os psicólogos modernos
tentaram aplicar o sistema de Freud também à compreensão da evolução normal, ou
então ao trabalho com indivíduos, casais, e famílias cujos problemas e conflitos
eram muito mais facilmente compreensíveis e solucionáveis.
E então verificouse que o aparecimento e o papel do complexo de Édipo tinha
sido subestimado por Freud, e que em vez disso estão em primeiro plano da
problemática do indivíduo normal a evolução do Eu e solução de valores.
A nova Psicologia do Eu dos analíticos, proveniente destas observações,
aproximase, muito especialmente sob a direcção de Heinz Hartinarm e Erik
Erikson, da psicologia dos nãoanalíticos, a que já nos referimos.
As questões que se põem aqui e que interessam aos dois grupos serão
esclarecidas mais adiante e tratadas mais pormenorizadamente no capítulo sobre a
Psicoterapia.
IV. O Desenvolvimento
1. CONVERSA ENTRE DUAS MÃES
Todos sabemos o que significa a palavra desenvolvimento. Também o sabem as duas
mães que estão sentadas no parque e comparam os seus dois rebentos.
«Maxel», diz uma das mães, «desenvolvese muito mais depressa do que o meu
primeiro filho. Talvez isso provenha de imitar tanto o Erwin. Tudo o que o Erwin
faz também o Maxel quer saber fazer; e assim aprendeu muito mais depressa a
falar, a andar, a trepar e quer fazer tudo sozinho».
«Sim, mas as crianças também são diferentes umas das outras», diz a outra mãe.
«A minha Gretel é muito menos independente do que o foram os nossos primeiros
dois filhos. Embora tenha os outros como exemplo, ela quer que a ajudem em tudo
o que faz, a vestirse, a comer e até a brincar.» «Talvez isso se explique por
ser amimada pelos outros por causa de ser a mais pequena», diz a mãe de Maxel.
«Gosta de ter toda a gente à volta dela a servila».
Embora estas duas mães não tenham estudado Psicologia, têm consciência de uma
série de factos que são cientificamente comprováveis e que são verdadeiros. Em
primeiro lugar sabem que existe, paralelamente ao crescimento infantil, uma
sequência
e um aparecimento regular de determinadas actividades e modos de comportamento,
e que se chama a isso desenvolvimento. Sabem que estas actividades e este modo
de comportamento devem surgir em média numa determinada idade. Além disso,
também sabem que o desenvolvimento pode ser influenciado por intervenção do meio
ambiente. Pode ser acelerado através do exemplo e do ensino; pode ser retardado
se se exigir demasiado pouco da criança ou se ela for impedida de outro modo no
seu progresso. E finalmente também uma das mães se refere ao facto de que as
crianças mostram determinadas diferenças individuais ou diferenciações
individuais, em consequência das quais se desenvolvem num ritmo diferente, em
diferentes sentidos.
2. MATURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO
Qualquer pessoa que, como estas duas mães, tenha observado o crescimento, o
desabrochar, as transformaçõ es e o que cada dia traz de novo na aparência e no
comportamento dos filhos, concordará que o desenvolvimento pertence aos
fenómenos mais fascinantes da vida. Muitas vezes parece confinar com o
maravilhoso, .. ...... ..... 5 J . .. ..... .. ... . .. ..... ..
... . .. ..... .. ... especialmente quando de repente surgem numa criança
interesses ou talentos absolutamente inesperados.
«Carlos, Carlos!», chama a mãe, encantada, vindo a correr do quarto da filhinha
para junto do marido que está a fazer
barba. «Imagina só, a Susi . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . tem imenso ouvido! Olha como ela dança, e ouve
como cantarola a valsa do 81 As sequências dos movimentos em Danúbio.»
maturação: uma criança de seis meses
agarra apenas num cubo oco (de cinco
O pai e a mãe, que que lhe foram apresentados) e observa o gosta de
música, vão em movimento... bicos de pés até ao quarto da
criança e observam encantados através da fresta da porta
a sua filha de dois anos aos saltinhos, e cantarolando correctamente a melodia
da valsa. Ninguém ensinou isto à Susi um milagre.. .
Mas quando se revelam deficiências e perturbações no desenvolvimento, isso pode
vir a ser uma tragédia para os pais.
«0 Paulinho não consegue de maneira nenhuma perceber o
que lhe digo», relata a mãe ao pediatra. «Creia, ele ou não quer
ou não pode compreender. Ainda não diz uma única palavra.»
O médico olha preocupado para a criança que com dois anos tem uma cara
inexpressiva e olhos um pouco mongolóides. Como pode ocultar à mãe que talvez se
trate de um caso de debilidade mental. Com palavras cuidadosas propõe que a
criança seja submetida a um teste psicológico, e a pobre mãe ainda tem
esperanças...
82 ... a criança de sete meses agarra simultaneamente um cubo em cada mão
...
83 ... a criança de oito a dez meses bate com um no outro ...
84 com dez a doze meses mete os
cubos uns nos outros ...
85 ... e com um ano a ano e
meio empilhaos
Enquanto talentos e deficiências como estes aparecem muitas vezes de maneira
absolutamente inesperada, é normal a maturação processarse gradualmente e com
regularidade. Por maturação entendemos os processos de desenvolvimento
determinados pelo organismo. Estes mostramse particularmente nítidos nos
primeiros movimentos do lactente, e é extremamente interessante observar a sua
evolução.
Quem tiver ocasião de estar junto do berço de um bebé de um a quatro ou cinco
meses de idade, que observe o seu jogo dos dedos e mãos. Dum dia para o outro
pode observar o
aumento de segurança e coordenação, os movimentos mais alargados e a gradual
finalidade das acções de movimento.
As sequências ou evoluções dos movimentos em maturação são nesta fase tão
regulares que se pode prever a fase que se
segue. Na recepção de crianças de uma instituição de Viena, em que se recebem
por algum tempo crianças que são observadas em função da posterior possibilidade
de adopção, demonstrámos durante os anos 30, e na sequência dos nossos trabalhos
de investigação aí realizados, esta evolução nas pequeninas personagens para nós
totalmente desconhecidas. Indo de cama em
cama, dávamos às crianças por exemplo um conjunto de cinco cubos coloridos e
ocos que se encaixavam uns nos outros, e podíamos predizer com segurança que a
criança de seis meses agarraria apenas um cubo e o agitaria, que a criança de
sete meses agarraria com ambas as mãos simultaneamente um cubo em cada uma, a
criança de oito meses a dez meses bateria com os cubos uns nos outros, a
criança de dez a doze meses os meteria uns
nos outros, e a criança de doze a dezoito
meses os empilharia.
Na evolução manifestamse progressos importantes no
domínio de movimentos, tal como do V
estabelecimento intelectual de relações entre dois objectos. AO
86 Foi nesta sala abobadada que Arnold Gesell estudou os movimentos e posturas
do corpo de crianças durante o primeiro ano de vida, entrando nos mais pequenos
pormenores
Bola
87 A evolução do movimento de preensão vista através do exemplo da preensão de
uma bola, de uma esferazinha e de um fio. Os números indicam a idade em semanas.
(De H. M. Halverson, A further study of
grasping, 1932)
Especialmente o passo do meter uns nos outros ou empilhar dois ou mais blocos
foi designado por mim (1928) como um dos passos mais importantes da evolução
humana e considereio paralelo à descoberta do significado das palavras. Eu vi
nele o progresso da manipulação para a primeira execução de uma obra, isto é,
para a execução criadora de um novo produto. A obra de construção surge no
início realmente muitas vezes casualmente, mas depressa a criança se apercebe de
que tem diante de si algo de criado de novo, e muitas vezes chama a atenção para
o que fez, com ar triunfante.
Não há muitos pais conscientes da importância deste momento. O significado da
primeira realização de uma obra não tem, como devia, o mesmo lugar que o início
do andar e da fala, e a sugestão tão especial que justamente os cubos ocos
oferecem à volta do ano é infelizmente quase desconhecida.
E até só há pouco se chamou suficientemente a atenção para o papel educador de
brinquedos adequados à idade, dentro dos primeiros anos de vida. Hildegard
Hetzer, com a sua comissão de trabalho «Bom Brinquedo» e o seu livrinho do mesmo
título ambos ganham cada vez mais importância internacional merece os maiores
louvores.
As crianças que crescem sem serem incitadas por brinquedos adequados revelam na
verdade maturidade nos movimentos
que lhes são dados por predisposição, mas faltalhes a habilidade e a finura
duma musculatura formada pelo exercício.
Arnold Gesell estudou no célebre laboratório da Universidade de Yale o progresso
de maturação, tão extraordinariamente regular, dos movimentos do corpo durante o
primeiro ano de vida. Ali levaramse os pequeninos, que iam servir para as
experiências, para uma sala abobadada em que aparelhos fotográficos podiam
captar de todos os lados os movimentos e posições do corpo da criança. O «Atlas
do comportamento infantil», de Gesell, deve ser o inventário fotográfico mais
completo dos movimentos no primeiro ano de vida.
Especialmente pormenorizados são os estudos de Gesell sobre a evolução dos
movimentos de preensão, de que reproduzimos um exemplo. O exemplo provém da obra
de um dos muitos colaboradores de Gesell.
Não é por acaso que o estudo dos movimentos do corpo representa a obraprima da
investigação do desenvolvimento concentrada sobre a maturação, investigação que
atingiu no trabalho de Gesell o mais elevado grau de exactidão, pois é nos
aspectos motores que o factor da maturação se revela mais puro. Em si o esquema
da sequência de maturação naturalmente domina todas as funções vitais. Por
exemplo, o lactente primeiro interessase por sons, depois por estímulos visuais
como cores e formas, depois pela preensão e por estímulos tácteis. Ou, para
citar outro exemplo, ele produz os sons da linguagem numa
sequência regular até conseguir proferir combinações de sons e por fim palavras.
Contudo mesclamse então influências do ambiente e experiências, e também
preferências individuais vêm a complicar o quadro.
Se um bebé tiver grande vocação musical e desde cedo mostrar um interesse maior
pelos sons do que por todos os
outros estímulos, pode suceder que esta criança se ocupe pouco ou nada com as
cores.
Um outro recémnascido, pelo contrário, a quem assustaram frequentemente com
muitos ruídos estridentes e muito barulho de toda a espécie, talvez mais tarde
se afaste de qualquer espécie de música por medo a todos os sons.
Recordo o filho de três meses de uma família de milionários, que os pais tinham
entregue aos cuidados de uma ama sob a orientação da avó, porque se encontravam
constantemente em viagem. A avó inventara uma óptima receita para formar o
futuro herdeiro de acordo com a «harmonia» e «amor à música», expondoo desde
cedo aos estímulos «correctos».
A sua ideia era que alcançaria o seu fim se pusesse o neto desde o início a
ouvir continuamente música boa.
Claro que o resultado foi muito diferente: já com três meses cri a era
absolutamente apática em relação aos ruídos, e de maneira nenhuma mostrava o
interesse pelos sons geralmente muito vivo nesta idade.
O campo da vida mais condicionado pelas influências do ambiente é o dos modos de
comportamento sociais e o das emoções que se desenvolvem pelo contacto com as
pessoas. Emocionalidade e sociabilidade a capacidade de adaptação à sociedade
representam, no que respeita às influências de maturação e ambiente, por assim
dizer o oposto do aspecto motor. ]É nelas, portanto, que melhor podemos estudar
o papel que desempenha o ambiente.
3. AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO
Para mim um dos livros mais impressionantes sobre o papel da mãe na vida do
lactente é o trabalho de John Bowlby sobre «Cuidados maternos e saúde mental»,
que ele escreveu em 1952 para a Organização Mundial de Saúde. Em palavras
simples apresenta factos e números que nos dão uma imagem impressionante da
influência enorme e fundamental que tem sobre a vida afectiva do bebé e da
criança pequena a ausência prolongada da mãe ou de alguém que a substitua com
carinho. O mais impressionante neste livro é justamente apresentar ao leitor de
modo monumental o resultado global de investigações realizadas nos mais diversos
países do mundo.
A sua principal conclusão é a seguinte: as crianças que antes do quinto ano de
vida ficam durante bastante tempo privadas dos cuidados maternos perdem a sua
capacidade de sentir e amar. Ficam frias, egoístas, tendem para sofrer
perturbações sexuais e quase normalmente para o roubo. Bowlby diz que um
dos casos mais antigos, descrito em 1937 por David Levy, ainda hoje pode servir
como exemplomodelo.
Levy descreve uma rapariguinha de oito anos que, nascida de pais não casados,
passou de mão em mão antes de chegar a
famílias adoptivas, onde depois foi adoptada aos seis anos. Apesar de todos os
esforços, os pais adoptivos não conseguiram uma aproximação com a criança. É uma
criança viva, amável e até meiga de um modo superficial, é uma boa aluna e tem
amizades embora não muito profundas com outras crianças; mas é ao mesmo
tempo totalmente fechada e esquiva, mente e rouba, sem que haja para as duas
coisas uma razão visível.
Já alguns anos antes em Viena pudéramos demonstrar em
lactentes que estavam muito tempo em instituições, que o seu
desenvolvimento global se retardava a partir do quinto mês de vida em relação ao
daqueles bebés que, embora criados em
condições miseráveis, eram contudo cuidados pelas mães. Tais observações foram
mais tarde confirmadas na Dinamarca, França e nos Estados Unidos. São
especialmente impressionantes os
estudos em que Renê Spitz continuou em Nova Iorque com Katharine Wolf os
trabalhos de Viena. Verificou fortes depressões em crianças órfãs de mãe e que
viviam em instituições, mesmo quando eram bem tratadas, embora de modo
impessoal.
Daí se poder afirmar, sem dúvida nenhuma, que a falta de sensibilidade e outras
perturbações emocionais, assim como traços psicopáticos de carácter, se devem,
na maior parte dos casos, à carência de amor materno no início da vida.
Os dados pormenorizados dos principais investigadores deste domínio, citados no
grande resumo de Bowlby, permitemnos fornecer dados mais exactos sobre três das
condições mais desfavoráveis:
1 Total ausência de uma «figura materna» (isto é, da mãe ou de uma pessoa que
a substitua com carinho) durante os
primeiros três anos de vida:
2 Ausência da figura materna por mais de três meses nos
primeiros três ou quatro anos;
3 Passagem contínua de uma para outra figura materna dentro do mesmo período
de vida.
O tipo mais grave de crianças perturbadas é o dos casos da esquizofrenia
infantil.
O conceito de esquizofrenia foi estabelecido pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler
para um grupo de doentes mentais, cuja principal característica comum é, segundo
a sua opinião, uma
cisão interna da personalidade em consequência da qual ficam gravemente
perturbadas a vida cognitiva e afectiva dos pacientes, assim como as suas
relações com a realidade: eles vivem numa realidade diferente daquela que
realmente existe.
Emil Kraepelin, importante psiquiatra alemão e precursor de Bleuler, tinha
suposto que a doença descoberta por Morel em
1860 e descrita através do caso de um rapaz de treze anos, começava sempre na
idade juvenil, e daí terlhe chamado dementia praecox ou loucura juvenil.
Mas mais tarde verificouse que esta doença se pode manifestar em diversas
idades, e hoje tendese a ver na esquizofrenia infantil o primeiro grau da
autêntica esquizofrenia mais tardia.
Lauretta Bender, importante psiquiatra infantil americana, provou há pouco que
os indivíduos atacados de esquizofrenia durante a infância revelam mais ou menos
seguramente uma evolução esquizofrénica posterior.
Kraepelin e Bleuler eram de opinião que a esquizofrenia tem uma base orgânica;
Kretschmer encontrou nos esquizofrénicos a predominância de uma determinada
constituição física, isto é, o tipo extremamente estreito e longo, o chamado
tipo asténico; Kallman forneceu uma prova, baseada fortemente na estatística,
para o papel do factor hereditário no caso da esquizofrenia.
Apesar disso, mesmo Kraepelin e Bleuler estavam convencidos, e ainda mais o
estão muitos outros investigadores, de que o ambiente actua decisivamente no
facto de uma esquizofrenia se declarar ou não. Desde Bleuler que a maioria dos
psiquiatras está de acordo que a esquizofrenia é principalmente ‘o resultado de
reacções defeituosas a frustrações e conflitos: um indivíduo não teria de
produzir necessariamente reacções esquizofrénicas se não fosse exposto a pressão
excessiva.
Esta pressão excessiva consiste muitas vezes em carência de amor de mãe e
rejeição da criança por parte daquela. De um mundo que a fere de modo
insuportável através da frieza da mãe, a criança sensível ou muitas vezes hiper
sensível retraise em si própria. Este retrair é um dos sintomas principais da
esquizofrenia que, segundo a gravidade do caso, pode aliarse a
perturbações de linguagem e perturbações em qualquer outra função, a explosões
de fúria, agressividade e incapacidade de fazer seja o que for por si próprio.
Perante a frequência relativa da esquizofrenia ela constitui metade das doenças
mentais tratadas clinicamente é extraordinariamente importante chamar a atenção
para o papel poderosíssimo e por vezes destruidor que desempenha a falta de amor
e frieza de uma mãe.
Por outro lado, um grande estudo de observação sobre o
comportamento materno, efectuado por Sibylle Escalona e Mary Leitch na clínica
Menninger, parece provar que desde o momento em que as mães se interessam pelos
seus filhos, as fraquezas destes nunca se chegam a revelar de modo catastrófico.
Aliás, do material cuidadosamente pormenorizado que Sylvia Brody utilizou para o
seu trabalho, resulta que das mãos de mães nervosas, passados apenas poucos
meses, provêm bebés nervosos e irregularmente desenvolvidos.
O significado relativo de factores hereditários, de influências psicológicas e
de dados socioeconómicos para o aparecimento de psicoses infantis tornase
impressionantemente claro
através de um trabalho de Yerbury e NewelI, que compararam
56 crianças perturbadas mentais com 56 crianças médias, considerando os factores
citados.
A comparação dos números resultantes é extremamente interessante.
Nesta figura, as cinco primeiras linhas indicam influências que provêm da
hereditariedade e que implicam doença, as seis seguintes dizem respeito a
influências psicológicas, e as últimas cinco a factores sociais e económicos.
Entre os factores hereditários é surpreendente a elevada percentagem de irmãos
perturbados que encontramos em crianças perturbadas. E em segundo lugar estão
as perturbações hereditárias dos pais da criança doente mental.
No grupo dos factores psicológicos ocupam os dois primeiros lugares a
perturbação da vida familiar e as disputas dos pais acerca da educação.
No terceiro grupo, as causas mais evidentes são a situação
Casos de psicoses Casos normais de controle
Número de Casos
o ]o 20 30 40 so
Carga hereditária por parte dos pais
38
Doença grave
k2 A Lesões anteriores ao nascimento 7/%/7/7,@M
1 81
Parto difícil P==
E161
1 sr Irmãos anormais
UrVida familiar gravemente perturbada
431
Educação não uniforme
Educação brutal 991
EL2j4jZ’ ódio dos pais 171
L 31 Amor exagerado dos pais 281
1 131 Pais perfeccionistas F@j @O
Situação de miséria
Vizinhança não salutar 33
9 Pais adoptivos ou educação @m
instituições Famílias que não se podem manter o 221
a si próprias
Registados na Assistência
45
88 Comparação do efeito de factores condicionados hereditariamente; de factores
psicológicos e socioeconómicos em crianças normais e crianças
psicóticas. (Segundo Yerbury e Newell)
económica precária da família, e a vizinhança e bairro desfavoráveis em que a
criança é criada.
É interessante que nesta investigação a educação, ao lado do ambiente
desfavorável, representa o factor psicológico mais importante. Na realidade, a
experiência psiquiátrica dos últimos decénios permite concluir que as condições
básicas mais frequentes para formações neuróticas são carência de amor ou
ternura exagerada, por um lado, e uma educação exageradamente ríspida ou
carência de educação, por outro lado. Contudo aparecem, como já dissemos noutro
lugar, continuamente casos em que certas crianças se desenvolvem muito melhor ou
muito pior do que esperaríamos, conhecendo as condições dadas.
4. PREDISPOSIÇÃO E DESENVOLVIMENTO PSíQUICO
Isto remetenos mais uma vez ao factor « predisposição », cuja influência sobre
o desenvolvimento físico e sobre a motivação já foi por nós discutida. Como ali,
também no desenvolvimento psíquico se torna extremamente difícil provar que a
disposição seja um factor, e também justamente devido às influências do
ambiente, que actuam desde o início.
Se, portanto, a mãe de Gretel, que fala no início do capítulo, diz com tanta
segurança: «As crianças são diferentes umas das outras, Gretel é menos
independente do que os meus outros filhos», temos de responderlhe que o
problema não é tão simples como ela o vê. Até sem ter estudado Psicologia, a mãe
de Maxel respondelhe logo que a explicação talvez esteja no facto de Gretel ter
sido mais amimada por ser a filha mais nova. ]É realmente muito difícil fornecer
dados dignos de confiança acerca das predisposições. A percentagem da
hereditariedade de doenças mentais, como vimos na figura 88, é elevada, mas não
chega de longe a cem por cento. O mesmo se pode dizer, ao contrário, de dotes
invulgares.
Ainda mais difícil se torna o problema quando se trata de outras propriedades,
das chamadas «qualidades». Esta palavra «qualidade» é usada hoje em dia pelos
cientistas com o maior cuidado. A maioria dos traços que antigamente se
consideravam constantes e determinantes são hoje considerados modificáveis. Esta
verificação é muito importante, pois dela resulta, perante o
problema da reeducação do homem, uma tomada de posição diferente da que se tinha
antigamente. Até os criminosos hoje em dia não são considerados incorrigíveis,
partindose naturalmente do princípio de que se aplicam os métodos de cura
adequados. Entre estes salientamse por um lado a Psicanálise, e por outro lado
mente também o tratarecente mento através de medicamentos. A questão é
principalmente
dos meios que se têm à dis
4v, posição.
Em relação a si e aos membros da sua família, assim como a outros que estejam ao
seu
cuidado, o homem médio deveria duma maneira geral partir do princípio de que
traços de carácter defeituosos e nãodesegrande medida i veis são em
89 Nos gêmeos monozigóticos corrigíveis. É claro que não de
(idênticos) podese verificar espe veria esquecer que os meios de cialmente
bem o que é hereditário, por um lado, e determinado pelo influência
educadora ou orienambiente, por outro tação consciente mais usuais
geralmente não produzem efeito, se se tratar da educação e modificações
profundas da personalidade. Os resultados obtidos desta maneira ou são
superficiais ou passageiros, ou então consistem no afastamento de determinados
sintomas em cujo lugar se vão desenvolver outros.
Entre as investigações mais sérias acerca do papel das predisposições estão as
observações feitas em gémeos idênticos. Estes são os gémeos «monozigóticos», que
realmente são absolutamente iguais, porque provêm de um único óvulo fecundado,
que numa fase de evolução muito primitiva permitiu que se
formassem dois fetos. Visto que tais gémeos «monozigóticos» são totalmente
iguais no que respeita à sua carga de hereditariedade
pois provieram de um óvulo fecundado, e não, como os gémeos desiguais, de dois
óvulos diferentes que foram fecundados cada um por si são designados por
gémeos idênticos. Igual carga
90 Estas duas provas de letra de gémeos monozigóticos de dez anos mostram uma
semelhança verdadeiramente surpreendente. (De Graewe, 1950)
hereditária significa iguais predisposições. Portanto tudo o que em tais gémeos
monozigóticos não se modificar no decorrer do seu desenvolvimento é, de certeza,
condicionado pela predisposição; tudo aquilo que os torna diferentes um do outro
tem de ser causado pelo ambiente. Especialmente nos casos em que gémeos
idênticos foram criados separadamente e apesar disso mostram traços de
desenvolvimento parecidos, podemos concluir com segurança pela acção do factor
hereditariedade. Mas até agora não se podem utilizar com proveito geral estas ou
outras verificações acerca dos traços de carácter hereditários, porque por agora
só se podem basear nelas poucas previsões.
Lotte SchenkDanzinger, numa pequena e cuidada obra, recentemente editada, sobre
Talento e Desenvolvimento, chama repetidas vezes a atenção para o facto de o
êxito da vida de uma pessoa não ser predizível baseandonos nos seus talentos,
porque a motivação determina o desenvolvimento real como segundo factor
decisivo. Duma maneira geral os muito dotados mostramse realmente superiores na
vida profissional, e os dotados abaixo da média, como se compreende, contribuem,
devido à carência de crítica, com uma percentagem maior para a delinquência
juvenil, mas não são objectivas nem dignas de confiança as previsões acerca do
desenvolvimento que se baseiam apenas nos dotes ou outras qualidades inatas.
As previsões até agora existentes e relativamente coroadas de êxito não se
ocuparam do problema das características inatas, mas baseiamse nos chamados
estudos de cortes longitudinais de complexos de comportamento.
5. FUNÇõES E REALIZAÇõES NO DESENVOLVIMENTO
Os estudos longitudinais de que ainda nos ocuparemos (V. p. 220) representam
apenas um dos métodos de investigação e
modos de observação dos fenómenos do desenvolvimento, aliás um dos mais
modernos. Todo o restante conjunto de conhecimentos que estão ao nosso dispor, e
que quase já é difícil de abranger, dentro do campo da psicologia infantil e da
adolescência e ele é maior do que aquele de que dispomos para a
idade adulta foi recolhido usando outros métodos. ‘
Desde que, no fim do séc. XIX (1882), Wilhelra Preyer redigiu o seu célebre
diário sobre o desenvolvimento da primeira infância, Stanley Hall (1883) estudou
os jovens utilizando o
método dos questionários, e James Baldwin (1898) esboçou a
primeira grande teoria do desenvolvimento humano, desde que Alfred Binet (a
partir de 1890), procurou apreender por meio
de testes os graus do desenvolvimento da inteligência, e Ernst Meumann (1903)
observou por meio de experiências o desenvolvimento da memória da criança em
idade escolar, desde que Clara e William Stern (1907) apresentaram os seus
primeiros trabalhos sobre a linguagem infantil, e Kerschensteiner assim como
Levinstein (1905) apresentaram as primeiras grandes colecções de desenhos
infantis, desde que John Watson (1914) exprimiu e defendeu o princípio das
observações do comportamento, desde que, no mesmo ano, Bühler, Katz e Peters
introduziram na Psicologia Infantil os métodos da investigação experimental da
percepção, e desde que Karl Billiler fundamentou pela primeira vez
biologicamente a teoria da evolução e desenvolveu um primeiro esboço teórico da
evolução da criança, baseado na investigação dos factos (19111918) desde que
estes e muitos outros lançaram os fundamentos da nova ciência, propagouse de
modo gigantesco a todo o mundo a investigação de Psicologia Infantil e Juvenil.
A riqueza de métodos e de postura de problemas aumentou constantemente. Neste
«século da criança», como lhe chamou Ellen Key, o interesse pela evolução
infantil prevaleceu e continua a prevalecer sobre o interesse por todos os
outros ramos da Psicologia.
A razão deve ser a necessidade continuamente crescente de uma compreensão do
homem cientificamente fundamentada, que cada vez é maior no círculo da cultura
ocidental. Ã medida que a Filosofia foi cedendo lugar à Psicologia, foise
tornando mais central a origem do desenvolvimento na criança e mais tarde o
problema de toda a evolução humana. O excelente trabalho de Elfriede Hõhn sobre
a História da Psicologia da Evolução dános uma excelente imagem da expansão
gradual deste ramo do saber.
Perante o gigantesco material erguese imediatamente a questão de como se pode
fazer uma selecção que tenha sentido, e
.como se pode dar em poucos traços uma imagem adequada da evolução, assim como
se põe outra questão: quais os pontos de vista em que se deve basear a selecção.
]É nossa intenção salientar dois grupos diferentes dentro dessa plenitude de
factos. Um primeiro conjunto de dados, que será de utilidade para o leitor deste
livro, limitarseá a indicações sobre a evolução de funções e realizações. Uma
segunda selecção será apresentada já sob um ponto de vista mais profundo: é o
aspecto da vida humana como um todo, com o qual queremos relacionar a evolução
da personalidade humana, como um todo. Mas isto só será possível após um exame
do conceito de personalidade.
A evolução, se for encarada como desenvolvimento de funções e realizações,
começa por um inventário extraordinariamente rico. Já desde o nascimento o bebé
tem ao seu dispor a utilização de todos os órgãos dos sentidos assim como uma
acção motora rica, embora de início ainda não coordenada. Como hoje sabemos, a
partir das importantes investigações especialmente de Minkowski, Bertalanffy e
Tinbergen, esta começa no organismo «autodisparador», isto é, espontaneamente
activo, como uma actividade em massa. Com esta, uma actividade de todos os
membros e de todo o corpo, o recémnascido lançase por assim dizer na vida. É
também com esta actividade em massa, primeiramente sem orientação, que ele reage
a muitos dos estímulos que de todas as partes penetram no organismo.
Simultaneamente, é capaz de um grande número de reacções específicas a
estímulos, que primeiro aparecem sob forma de reflexos, que são aquelas
respostas imediatas, inconscientes e involuntárias a estímulos, como por exemplo
as conhecemos do reflexo de «salivação», que se dá «automaticamente», quando a
vista de um manjar apetitoso «nos faz nascer a água na boca».
Não se sabe ainda ao certo a partir de que momento o
recémnascido dispõe de consciência, como nos expôs Phyllis Greenacre em
cuidadas observações.
Mas uma coisa é certa: que o novo organismo sofre já durante a sua vida
embrionária modificações no sentido de adaptação, como já referimos atrás. A
aprendizagem assim iniciada e entrelaçada com a maturação dá ao lactente a
possibilidade de em poucos meses apreender, por meio da percepção, o mundo que o
rodeia, e reconhecer tanto as coisas como as pessoas. Quando a criança chega à
idade de seis a nove meses, consegue normalmente distinguir sabores e odores,
sons e ruídos, cores e formas e impressões tácteis de diferente espécie, assim
como objectos e caras. Domina o corpo sentandose e gatinhando e fazendo
movimentos de ida, vinda e defesa da mais diversa espécie. Tem ao seu dispor um
rico inventário de emoções, e põese em comunicação com o meio que a rodeia
através de gritos, sorrisos, riso e choro, assim como através de sons de
linguagem,
à volta dos doze meses consegue frequentemente manterse de pé, dar passos e
utilizar as primeiras palavras. Simultaneamente começa a resolver problemas
pensando, utilizando as
coisas como instrumentos.
Em resumo, ao fim do primeiro ano de vida a criança dispõe normalmente de um
inventário de funções psíquicas extraordinariamente rico. A partir dos muitos
factos e conhecimentos de que dispomos acerca da diferenciação gradual dessas
funções
e do seu aumento e diminuição dentro do desenvolvimento’ vamos
dar uma pequena vista panorâmica do que se passa em três campos que nos parecem
especialmente importantes. Tratase das funções e realizações que servem para o
desenvolvimento do conhecimento, as que servem para o jogo e a criação, assim
como as que servem para a formação de relações sociais e sexuais.
O desenvolvimento do conhecimento
Ao grande campo do desenvolvimento do conhecimento pertence sobretudo o
desenvolvimento de percepções, memória e
pensamento, com muitas outras funções acessórias.
A percepção de objectos constituise no espírito da criança com muitas
qualidades objectivas durante o primeiro ano de vida. No fim do primeiro ou
início do segundo ano de vida a criança começa a reconhecer imagens, enquanto
leva mais tempo a distinguir o vivo do nãovivo.
Ainda em idade préescolar conhece a semelhança e outras qualidades figurativas,
assim como unidades e quantidades. Adquire também uma primeira noção de espaço e
tempo, embora a apreensão de distância e perspectiva se desenvolva mais
lentamente.
Como H. A. Wilkin há pouco expôs, só com a puberdade se
acaba de desenvolver a capacidade perceptiva. A partir de então conserva uma
constância, cuja desenvolvimento precoce foi estudado especialmente por
Brunswik. Contudo, a partir do meio da existência, a falta de agudeza sensitiva
em graus individualmente diferentes pode implicar uma diminuição da capacidade
perceptiva (perceptividade) .
A memória, cujo desenvolvimento teve sempre grande interesse prático, actua
desde o início da vida, primeiramente em fenómenos inconscientes de
aprendizagem, e já cedo em recordações conscientes de factos passados
recentemente. Encontramos estas recordações a partir dos primeiros meses
documentadas
91 O desenvolvimento do conhecimento começa com observação atenta e tactear
interessado
indirectamente em acções de espera. A partir do segundo ano
de vida recordamse acontecimentos passados há mais de um dia, e em breve também
há semanas e meses. A partir do terceiro ano de vida relatamse recordações de
coisas que se passaram há mais de um ano.
Embora durante a infância já não se reproduzam, após um
curto prazo, acontecimentos do primeiro e segundo anos de vida, algumas
experiências dessa época parecem contudo ser tão extraordinariamente
impressionantes que persistem no inconsciente e mais tarde podem por vezes
surgir de novo. Só assim se explicam recordações de acontecimentos muito antigos
no decorrer de um tratamento de psicoterapia profunda ou por hipnose.
Apesar de uma rica literatura acerca destes factos, alguns investigadores
duvidam que se lhes não tenha nada a objectar. Eu própria, no meu trabalho
psicoterapêutico, pude verificar muitas recordações antigas, de entre as quais a
mais recuada ia até aos dez meses de idade, utilizando critérios objectivos de
exactidão. Um exemplo:
Luísa, no meio dos trinta, encontravase em tratamento psicoterapêutico. Há
muito que se esforçava em vão por se recordar claramente das suas primeiras
relações com a mãe. No estado avançado de terapia em que se encontrava, tinha
grande empenho em ver a realidade tal como ela era. Por fim conseguiu, mediante
hipnose, reviver três situações que mais tarde verificámos situaremse no seu
décimo mês de vida.
Primeiro viuse sentada no chão da cozinha, estendendo os
braços para a mãe, que, ao que parecia, estava muito longe junto do fogão sem
lhe dar atenção. Como a cozinha na realidade era muito pequena, a vivência de
«muito longe», tal como as bancas da cozinha, que ela via igualmente muito acima
de si, significa que ela própria devia ser muito pequena nessa altura.
Na segunda cena, Luísa viase numa cama de grades saltando para cima e para
baixo. O quarto parecia escuro e ela via uma cortina ao lado da cama. Na
realidade Luísa tinha dormido, durante os seus dois primeiros anos de vida, numa
alcova sem janelas.
Numa terceira cena, finalmente, viuse ao colo da mãe, que falava com outra
mulher e de novo não lhe dava atenção, embora a criança lhe puxasse pela manga.
Todas as três recordações lhe provocaram um profundo sentimento de abandono, de
tal maneira que ela irrompeu em lágrimas ao relatálas, porque reviveu a falta
de atenção e de ternura da mãe, que se encontrava sobrecarregada de preocupações
e trabalho.
Adestramento e inteligência
A maior parte dos pais esforçase por treinar desde cedo a
memória dos filhos. Karl Bühler ocupou se deste facto do adestramento em
tenra idade, que o ambiente e até a própria criança realizam em si. Contrapôs
esta aprendizagem mecânica à aprendizagem por **conheà
cimento numa conexão de
sentido, e provou por meio de uma experiência que a partir dos dez meses é
possível a
aprendizagem consciente, enquanto o adestramento já se
ede usar com êxito a partir dos seis meses.
A experiência é similar à de Wolfgang Kõhler com os
92 O mesmo pensamento instru chimpanzés. Para examinar a mental que
revelaram os chimpanzés de Wolfgang Kõhler... inteligência destes
antropóides,
Kõhler realizou uma série de experiências que ficaram célebres, em que dava aos
chimpanzés certos problemas a resolver. Nesta experiênci .a (imitada por
Karl Bühler com uma experiência paralela) colocavase uma banana da parte de
fora da jaula, de tal maneira que ‘o animal não a
alcançasse com o braço esticado para fora da jaula, mas só se
9397 ... foi verificado por Karl Bühler em crianças de dez e onze meses
de uma dessas experiências: a criança puxa através
utilizasse um pau. Pôsse o pau na jaula antes de o chimpanzé aí ser
introduzido. A questão era de saber se ele teria a ideia de utilizar o pau para
ir buscar a banana.
Quase todos os chimpanzés se mostraram capazes desta realização, que justamente
por isso foi encarada como acto inteligente no sentido estrito da palavra,
porque não era casual ou lúdica, mas finalizada e realizada com conhecimento da
relação do braço prolongado pelo pau para com a banana. Designase este processo
como pensamento instrumental.
Este mesmo pensamento instrumental representa nas crianças o início de soluções
conscientes de problemas. Karl Bühler colocou diante de uma criança de nove
meses, sentada na sua caminha, uma tosta de tal maneira, que a pequenina a podia
ver mas não lhe podia chegar com o braço estendido. A tosta estava presa a um
cordel que terminava perto da mão da criança.
Revelouse que a criança de nove meses não teve a ideia de puxar pelo cordel
para se apoderar da tosta, mas a de dez meses já o fez. Mais tarde verificouse
que a idade média para realizações destas eram os onze meses.
Ao contrário da aprendizagem mecânica, que se apoia em múltiplas repetições, na
aprendizagem inteligente não é necessária a repetição. Logo que se tenha
compreendido a conexão, ela fica retida na memória. Devem preferirse processos
de aprendizagem inteligente também porque podem ser utilizados com êxito até
idades mais elevadas, enquanto a memória mecânica começa a diminuir já na casa
dos vinte anos. Por isso um profissional
como início de solução perspicaz de problemas. Vemos aqui a repetição da fita a
bolacha que não pode alcançar com a mão
pode adquirir ainda numa idade avançada conhecimentos que estejam relacionados
com o seu campo de saber, enquanto esquece imediatamente o número do telefone do
seu médico, que utiliza repetidas vezes, ou a nova morada de amigos, para grande
arrelia da sua mulher.
10
20
40
50
O desenvolvimento da aprendizagem
E assim, se aquilo que se aprendeu com conhecimento mesmo na idade avançada fica
retido na memória, a memória mecânica, que é indispensável para a aprendizagem
de alguns dados vocábulos de uma língua estrangeira, datas históricas ou
fórmulas químicas atinge já lamentavelmente cedo, durante a puberdade, o seu
ponto máximo, e começa a decrescer já no início da casa dos vinte. Edward
Thorndike, um dos primeiros e mais célebres investigadores do desenvolvimento da
memória,
construiu uma curva de idade da capacidade de aprendizagem, atendendo
especialmente a
material que podia ser
aprendido mecanicamente. Reproduzimos aqui essa curva. o
30 Algumas outras
98 A capacidade de aprendizagem dependente representações da cada idade.
Como mostra a curva, o homem pacidade de aprendizaalcança o ponto
máximo da sua capacidade gem poderão ter intede aprendizagem à volta dos
25 anos. (Segundo Thorndike) resse prático. Harold
iones e os seus colaboradores estudaram, por exemplo, numa
experiência, não a aprendizagem intencional, mas a retenção involuntária de
acontecimentos que tinham sido vistos em filmes o 10 20 30 40
so 6Ó pelas pessoas submetidas à experiência. E é
99 Ascensão e decadência da capacidade de interessante que esta retenção
do conteúdo de palavras e imagens de filmes, conforme a idade. (Segundo H.
curva não seja totalJones e colaboradores, 1928) mente dissemelhante
à
Filme histórico; ... filme de amor; filme
de cowboys curva de aprendizagem.
Já mais desfavorável às idades avançadas é o quadro que resulta de um trabalho
de Welford, que examinou o tempo, os erros e o número de tentativas repetidas na
aprendizagem de uma tarefa de habilidade. A tarefa exigia uma observação rápida
e movimentos manuais hábeis. O aumento, especialmente do tempo necessário e dos
erros, é considerável a partir dos 40 anos.
Por outro lado, o grupo de idades entre 30 a 49 anos produziu as melhores
realizações na aprendizagem sistemática de um movimento habitual mas agora
realizado segundo uma orientação diferente, como provou Floyd Ruch, numa
interessante experiência.
Duma maneira geral, pode dizerse que a partir do meio da vida a memória
e a capacidade de aprendizagem decrescem. Esta regra vale, como já dissemos,
menos para a continuação da aprendizagem num
2029 30 39 4049 5059 60 69
Grupos de idades
100 À medida que aumenta a idade aumentam as dificuldades na aprendizagem de uma
tarefa que exige habilidade na manipulação corja um
motor. (Segundo Welford, 1951)
90
BO
70
60
50
40
30
20
10
o
1017 1829 3049 5069 7089
Graus de idade
101 A capacidade de modificar a aprendizagem de uma actividade habitual de
movimento, atinge o seu ponto máximo de desenvolvimento nas
pessoas entre os 30 e 49 anos. (Segundo F. Ruch)
determinado campo, do que especialmente para a aprendizagem mecânica de novos
dados, que se torna já mais difícil aos vinte anos. No entanto aqui, como em
tudo, há excepções. Conheço casos
de pessoas de 50 anos que estudaram com êxito para o seu doutoramento, e até o
caso de um octogenário que, após uma
longa carreira de químico, estudou Medicina e fez o seu exame de licenciatura.
Aliás, em consequência da melhoria das condições higiénicas em relação aos
tempos antigos, e sobretudo graças aos progressos da Medicina, vemos cada vez
mais pessoas idosas continuar a aprender e continuar a trabalhar em todos os
sectores possíveis.
O que lhes dá a possibilidade disso são, ao lado da saúde e da motivação, as
suas energias espirituais que se continuam a desenvolver, se bem que em campos
específicos, de qualquer modo produtivamente. Aliás a inteligência e o
pensamento desempenham aqui um papel mais decisivo do que a memória.
Neste capítulo falámos já do pensamento em conexão com a capacidade de utilizar
instrumentos. O desenvolvimento da inteligência criadora, cujos primeiros graus
se manifestam já desde o início em muitas exteriorizações da vida da criança,
atinge um novo nível com a apreensão de relações entre objectos.
O conhecimento de que se pode utilizar uma coisa se se quiser obter outra chega
à criança pouco mais ou menos ao mesmo
tempo que o conhecimento de que determinados grupos de sons
pertencem a uma coisa como seu nome.
O início da linguagem
Com este conhecimento deuse o nascimento da linguagem, cujo desenvolvimento
conduz o pensamento a um grau mais elevado, especificamente humano. Karl Bühler
ocupouse, em extensas investigações, com o pensamento por palavras
distinguindoo do pensamento instrumental, assim como com a diferença entre
linguagem humana e linguagem animal. Num modelo que se
tornou célebre distinguiu manifestação, articulação e representação como as três
funções básicas da linguagem. Mostrou que os animais só utilizam a sua
«linguagem» para exprimir necessidades ou emoções (manifestação), ou então para
chamar animais da mesma espécie (articulação). Só o homem é capaz de exprimirse
objectivamente sobre factos, sem a introdução de factores subjectivos como
sentimentos ou necessidades (representação).
O desenvolvimento da linguagem e do pensamento por palavras foi tratado numa
literatura extraordinariamente rica. E assim sabemos hoje que todas as
exteriorizações de sons da
criança mais pequena, desde o primeiro grito do recémnascido, são por assim
dizer primeiros degraus importantes para a primeira palavra, isto é, para as
primeiras sílabas a que a criança conscientemente dá um sentido.
Nos sons e sílabas do estádio anterior à linguagem, que foram estudados com
cuidado especial por M. M. Lewis, a criança adquire por assim dizer o material
com que mais tarde edifica a linguagem,
Infelizmente não nos podemos deter muito nos pormenores do desenvolvimento deste
factor fundamental na vida humana. É que a investigação da linguagem humana, a
sua evolução e o seu significado constituem hoje uma ciência própria. Mas, a
propósito das nossas observações sobre a sociedade humana, teremos ainda ocasião
de tratar da linguagem como meio de entendimento hoje dirseia como meio de
comunicação.
Remetemos o leitor que se interessar pelos múltiplos problemas da evolução da
linguagem para os trabalhos de Dorothea McCarthy, a quem devemos a edição mais
completa da lista de publicações sobre este assunto, lista essa tão vasta que
quase se torna impossível de abranger. Das suas exposições deduzimos que, no que
respeita a muitas questões, ainda existem muitas divergências de opinião entre
os autores. A investigação trabalha aqui num campo que é de mais difícil acesso
do que se poderia julgar.
Assim encontramos, por exemplo, opiniões totalmente diferentes acerca da
evolução do vocabulário infantil. M. E. Smith, uma das melhores especialistas
neste campo, avalia o vocabulário médio de crianças de inteligência média em
três palavras ao fim do primeiro ano de vida, em 1222 palavras aos três anos e
em
2562 aos seis anos. M. K. Smith, por sua vez, chega a 23 700 palavras para o
vocabulário de uma criança de seis anos, número que representa o valor médio
estatístico entre os extremos de
6000 e 48800 palavras. Estes extremos caracterizam em parte as diferenças de
meio social que se repercutem especialmente no desenvolvimento da linguagem,
como o demonstrou Hildegard Hetzer: ela encontrou em crianças de dois anos e
meio, que eram descuradas, um vocabulário de apenas 92 palavras, enquanto um
trabalho de Viena, sobre crianças da mesma idade, mas de um meio melhor,
determinou um mínimo de 171 e um máximo de 1509 palavras.
Estes números têm interesse, porque é na riqueza de linguagem que se revela,
mais do que em qualquer outro campo, a riqueza da vida espiritual e a
capacidade de comunicação com o meio. E é por isso que este aspecto da vida
espiritual necessita
12
mais do que qualquer outro do cuidado e do interesse do ambiente. Quando uma
criança de três a quatro anos, tão fortemente disposta a falar e fazer perguntas
(Brandenburg contou na sua filha de três anos e meio 11623 palavras por dia,
isto é,
950 palavras numa hora!) quando este pequeno maçador que fala e pergunta
depara com a antipatia e a incompreensão, desabituarseá rapidamente de falar e
interrogar e talvez até também de pensar.
É compreensível, mas na verdade não está dentro do interesse do desenvolvimento
infantil, as mães cansadas reagirem com impaciência às torrentes de perguntas
dos filhos. Estas torrentes de perguntas podem ser infinitas, e nem sempre são
logicamente correctas. Rust relata um exemplo de uma criança de quatro anos e
meio:
Criança: Eu tenho quatro anos, não é? Mãe: Sim, quatro anos.
Criança: O que é um ano? A mãe explica. Criança: Isso é muito tempo? Mãe:
Bastante. Criança: Quanto? Mãe: Isso é difícil de explicar, são muitos dias,
365, são muitos.
Criança: Sim; mas quanto? Mãe: Bem, tu sabes quando foi o Natal? Criança: Sim,
sim, eu tinha uma árvore. E uma vez a árvore estava no canto e outra vez junto
da mesa.
Mãe: Sim, foram duas vezes, e durou um ano até ser Natal. Entre um Natal e outro
Natal passou um ano.
Criança: Sim, isso é muito, muito tempo. Quando eu era
muito pequena era Natal. Um ano é um dia de anos?
Mãe: Bem, tu fazes anos, depois passa um ano, e esse é o tempo até aos teus
próximos anos.
Criança: Sim, três, depois quatro depois cinco... Diz lá que idade tens?
Mãe: Trinta. Criança: Como é que conseguiste chegar tão alto?
Aliás, já desde o início e também mais tarde, o sexo feminino tende a falar mais
cedo e mais do que o sexo masculino, o que eu interpretaria como um sinal de
maior necessidade de contacto social da mulher.
Enquanto muitas culturas primitivas exprimiam a sua
riqueza interior em obras de arte, a nossa cultura ocidental tem uma orientação
primariamente científica. Ela é em alta medida uma cultura de linguagem,
edificada sobre o pensamento falado, embora simultaneamente o pensamento
instrumental não falado encontre na técnica uma aplicação muito vasta.
O primeiro pensamento reflexivo
O pensamento no sentido mais restrito do conceito consiste, como já se verificou
muitas vezes, na apreensão de relações entre objectos. Tais relações podem ser
da mais variada espécie: pode tratarse de relações de espaçotempo, de relações
de causaefeito, de razões lógicas de intenções e finalidades, e de outras
coisas mais.
Em duas crianças cujo vocabulário foi registado desde o
início até aos três anos, verificouse que a primeira pergunta foi «onde?», e
surgiu na idade entre os 18 meses e os 26 meses; a pergunta «porquê?» surgiu
entre 1 ano e 3/4 e 2 1/4; a pergunta «quando?» assim como « o que é?» seguem
se mais tarde. É com
estas perguntas, assim como as primeiras designações, observações, relatos,
interpretações, deduções e juízos que a criança entra do primeiro ao terceiro
ano de vida no mundo espiritual que a rodeia.
Ninguém se ocupou mais pormenorizadamente do que Jean Piaget com a edificação do
mundo espiritual da criança; ele estudou o pensamento e a apreensão do mundo
pela criança em
muitas observações cuidadosas e experiências geniais. Piaget anotou perguntas e
observações de crianças começando pelas suas
primeiras manifestações, enquanto ao mesmo tempo fazia perguntas que
estimulassem o pensamento da criança. Parecemme especialmente geniais as
investigações em que Piaget observa o
pensamento causal da criança: Quais as representações que a criança tem
realmente do mundo e do que nele acontece? Alguns exemplos ilustrarão esse
pensamento dos primeiros tempos.
J. é uma menina que entre os três e os cinco anos e meio pensa muito acerca da
proveniência dos homens e dos animais. Como se formam, se se fazem a si
próprios, e em que consistem.
«Os bebés», diz ela com cinco anos e meio, «são, acho eu, primeiro ar, não é?
São tão pequeninos, portanto primeiro têm de ser ar. Mas tem de haver qualquer
coisa no ar de que se fazem os bebés. Eu sei, um bocadinho pequenino, como isto»
e
aponta para um grão de pó.
L., uma criança de quase quatro anos, pensa muito acerca dos sonhos. Um dia de
manhã relata: «Esta noite não tive sonhos, porque estava claro. Tem de estar
escuro para eles virem. Os sonhos estão no escuro,>.
Um outro exemplo é a explicação de J. dos fenómenos da natureza. Piaget mostra a
evolução do seu pensamento de mês para mês e ano para ano. Com três anos e meio
observa como as nuvens passam no céu. «A nuvem é um animal?» pergunta.
«Porquê?» «É que ela mexese!»
Com quatro anos e três meses exprimese um pouco mais cuidadosamente: «As nuvens
mexemse sozinhas, porque são vivas». Pouco antes dos cinco com mais cuidado
ainda: «As nuvens mexemse porque está frio. Elas vêm quando faz frio. Quando
faz sol não estão. Quando faz frio voltam» «Como?» «Elas sabem».
Com cinco anos e meio já formula a pergunta com maior correcção científica: «De
que são feitas as nuvens?» «0 que é que tu achas?» «De líquido. De água,
água evaporada».
As perguntas de onde vêm as coisas, de que são feitas, e quais as suas causas,
ocupam desde cedo o espírito da criança. O que é importante não esquecer é que
o primeiro pensamento opera com a causalidade a relação de causa e efeito mas
ainda não à chamada maneira científica. Antes de a criança poder encarar o
decorrer dos fenómenos como fechados em si, procura poderes personalizados que
sejam a sua causa. E assim o pensamento físico e científico é precedido pelas
fases do pensamento simbólico e mágico. Piaget demonstra e discute a evolução
destas fases do pensamento servindose de exemplos interessantes.
Pensamento mágico e simbólico
Na cultura e educação do Ocidente é certo que a forma de pensamento científico é
a única oficialmente válida, contudo o pensamento mágico e simbólico, muitas
vezes recalcado para o inconsciente, continua a desempenhar um papel importante.
Este papel é maior ainda na maioria das outras culturas. Por isso, para
entendermos realmente o espírito humano, temos de nos ocupar brevemente com
estas formas précientíficas de pensamento.
Um símbolo é algo que substitui outra coisa, mediante uma associação que é
empreendida por alguém. Este algo pode ser uma palavra, um nome, uma acção, uma
coisa ou o atributo de uma coisa.
Quando a pequena Jacqueline, de um ano de idade começa a dizer a palavra «vau
vau» logo que, olhando pela varanda, vê passar um cão, mas também o diz quando
passa um ciclista ou um cavalo, ela começou por compreender que «vauvau» é uma
palavra que se associa a certos objectos compridos que se movem.
Mas com um ano e quatro meses assim o verificou Piaget a palavra só é
utilizada exclusivamente e definitivamente para designar os cães. «Vauvau»,
assim o entende agora Jacqueline, significa um cão anteriormente significava
objectos compridos que se moviam.
Quando um rapazinho de dois anos e meio se pavoneia pelo quarto e mete na boca
um pauzinho como um cigarro, depois o mete entre os dedos e sopra o «fumo», esta
actividade significa «fumar,,.
Este darsignificado é o acto de simbolizar. Na escolha do símbolo pode
desempenhar um papel a semelhança, como na utilização do pauzinho para o caso
do cigarro. Mas um símbolo também pode ser escolhido arbitrariamente. Todos o
sabemos, por exemplo, a partir das linguagens secretas que falávamos em criança
com outras crianças, ou da aprendizagem da estenografia. Não se sabe se as
línguas humanas devem a sua origem em parte a tais actividades de associações
arbitrárias. Mas as crianças parecem estar profundamente perpassadas do
sentimento da arbitrariedade da designação por palavras, e
por isso enriquecem com sensações próprias o mundo dos símbolos que aprendem.
Devemos distinguir dos símbolos convencionalmente estipulados, que se
encontram nos sistemas de línguas e nas línguascódigo, o
pensamento simbólico, em que se inventam e
utilizam sinais por ne 102 O que este rapazinho faz aqui com
este pauzinho significa para ele «fumar» cessidade lúdica ou para este
é um acto de simbolização
L., uma criança de quase quatro anos, pensa muito acerca
dos sonhos. Um dia de manhã relata: «Esta noite não tive sonhos, porque estava
claro. Tem de estar escuro para eles virem. Os sonhos estão no escuro».
Um outro exemplo é a explicação de J. dos fenómenos da natureza. Piaget mostra a
evolução do seu pensamento de mês para mês e ano para ano. Com três anos e meio
observa como as nuvens passam no céu. «A nuvem é um animal?» pergunta.
«Porquê?» «É que ela mexese!»
Com quatro anos e três meses exprimese um pouco mais cuidadosamente: «As nuvens
mexemse sozinhas, porque são vivas». Pouco antes dos cinco com mais cuidado
ainda: «As nuvens mexemse porque está frio. Elas vêm quando faz frio. Quando
faz sol não estão. Quando faz frio voltam» «Como?» «Elas sabem».
Com cinco anos e meio já formula a pergunta com maior correcção científica: «De
que são feitas as nuvens?» «0 que é que tu achas?» «De líquido. De água,
água evaporada».
As perguntas de onde vêm as coisas, de que são feitas, e quais as suas causas,
ocupam desde cedo o espírito da criança. O que é importante não esquecer é que
o primeiro pensamento opera com a causalidade a relação de causa e efeito mas
ainda não à chamada maneira científica. Antes de a criança poder encarar o
decorrer dos fenómenos como fechados em si, procura poderes personalizados que
sejam a sua causa. E assim o pensamento físico e científico é precedido pelas
fases do pensamento simbólico e mágico. Piaget demonstra e discute a evolução
destas fases do pensamento servindose de exemplos interessantes.
Pensamento mágico e simbólico
Na cultura e educação do Ocidente é certo que a forma de pensamento científico é
a única oficialmente válida, contudo o pensamento mágico e simbólico, muitas
vezes recalcado para o inconsciente, continua a desempenhar um papel importante.
Este papel é maior ainda na maioria das outras culturas. Por isso, para
entendermos realmente o espírito humano, temos de nos ocupar brevemente com
estas formas précientíficas de pensamento.
Um símbolo é algo que substitui outra coisa, mediante uma associação que é
empreendida por alguém. Este algo pode ser uma palavra, um nome, uma acção, uma
coisa ou o atributo de uma coisa.
Quando a pequena Jacqueline, de um ano de idade começa a dizer a palavra «vau
vau» logo que, olhando pela varanda, vê passar um cão, mas também o diz quando
passa um ciclista ou um cavalo, ela começou por compreender que «vauvau» é uma
palavra que se associa a certos objectos compridos que se movem.
Mas com um ano e quatro meses assim o verificou Piageta palavra só é utilizada
exclusivamente e definitivamente Para designar os cães. «Vauvau», assim o
entende agora Jacqueline significa um cão anteriormente significava objectos
compridos que se moviam.
Quando um rapazinho de dois anos e meio se pavoneia pelo quarto e mete na boca
um pauzinho como um cigarro, depois o
mete entre os dedos e sopra o «fumo», esta actividade significa ,<fumar».
Este darsignificado é o acto de simbolizar. Na escolha do símbolo pode
desempenhar um papel a semelhança, como na
utilização do pauzinho para o caso do cigarro. Mas um símbolo também pode ser
escolhido arbitrariamente. Todos o sabemos, por exemplo, a partir das linguagens
secretas que falávamos em criança com outras crianças, ou da aprendizagem da
estenografia. Não se sabe se as línguas humanas devem a sua origem em parte a
tais actividades de associações arbitrárias. Mas as crianças parecem estar
profundamente perpassadas do sentimento L
da arbitrariedade da designação por palavras, e
por isso enriquecem com sensações próprias o mundo dos símbolos que
aprendem.
Devemos dist.'.,ig1~@."r dos símbolos , onvencionalmente estipulados, que
se encontram nos sistemas de línguas e nas línguascódigo, o
pensamento simbólico, em que se inventam e
utilizam sinais por ne 102 O que este rapazinho faz aqui com
cessidade lúdica ou para este pauzinho significa para ele «fumar»
este é um acto de simbolização
(falta aqui uma p´´agina, que não foi scanada)
Jogo, criação,
realizações e interesses no desenvolvimento
Provàvelmente é correcto dizerse que as forças criadoras da criança não se
exprimem em nada tão nitidamente como no seu jogo e nas suas obras de
construção, ao passo que à medida que a idade avança se vão integrando a pouco e
pouco nas mais diversas espécies de realizações.
Os jogos parecem a muitos adultos ser ocupações que não
se devem levar a sério, com as quais uma criança passa o tempo enquanto não pode
fazer «nada de melhor» . E muitas mães avaliam as brincadeiras na medida em que
entretêm os seus filhos e os mantêm longe delas. O facto de a brincadeira
pertencer às mais importantes funções vitais e de aprendizagem ainda não é
infelizmente conhecido e apreciado suficientemente, mesmo hoje, apesar de todo o
trabalho intensivo de esclarecimento por parte dos modernos psicólogos e
pedagogos.
Os jogos têm um valor inestimável para o desenvolvimento da criança, e também
mais tarde na vida. Mostrase cada vez com mais evidência, que a saúde mental e
o bemestar dependem muito essencialmente de um equilíbrio correcto,
correspondente a cada idade, entre a actividade lúdica e o trabalho, desviando
se o ponto de gravidade gradualmente do jogo para o trabalho e transformandose
os conteúdos de ambos.
O prazer da função
O jogo, cujos prenúncios já observamos na vida dos animais, tem especialmente no
início, tal como nos animais, sobretudo um valor de exercício, como mostrou Karl
Groos em cuidados estudos. O animal, tal como a criança pequena, aprende,
brincando, muitos movimentos e modos de comportamento de que necessita mais
tarde durante a vida. O seu «excedente de energia», como o exprimiu teoricamente
Herbert Spencer, permitelhes aplicar no jogo energia e tempo e actuar por assim
dizer à experiência, adquirindo assim experiências e conhecimentos.
O ignóbil do jogo parece, visto a partir do sujeito, ser da mesma espécie que a
finalidade: é em primeira linha o prazer que proporciona aos que brincam toda a
sua actividade. Este prazer foi designado por Karl Billiler como prazer de
função e ele contrapôlo ao prazer de saciedade, quando se trata de satisfazer
necessidades, assim como ao prazer de criação na realização de obras. Bühler
entende que na satisfação de necessidades tal como
na criação interessam determinados êxitos que se obtêm, ao passo que no jogo é a
função como tal que proporciona o prazer, e portanto brincase, devido a este
prazer.
104 Karl Bühler chamou «prazer de função» ao prazer que a criança experimenta a
brincar
Rigorosamente, quase só as actividades lúdicas do primeiro ano de vida se
baseiam no prazer de função. Em jogos mais tardios, como veremos, é
frequentemente importante, ao lado de uma série de outras funções lúdicas, o
êxito e a concorrência a um prémio, ou
então a vitória modifica por vezes o carácter do jogo; contudo, mesmo assim, o
prazer da função está sem dúvida mais determinantemente em primeiro plano do que
quando se trata do trabalho.
Ao lado desta função de prazer que domina a primeira actividade lúdica da
criança, podemos observar muitas vezes já no primeiro ano de vida a acção do
factor social. A criança de oito meses brinca com entusiasmo o «cucutátá» com
a mãe, desaparecendo e aparecendo por detrás duma fralda. A criança de
105106 Feliz e entusiasmada a criança joga com a mãe «cucutátá»
sete a oito meses, quando consegue com êxito pela primeira vez abanar ou, bater
em duas coisas ao mesmo tempo, pode apresentar feliz e orgulhosa as suas
habilidades à mãe que se aproxima, o que devemos interpretar como uma primeira
vivência de êxito.
O domínio de que a criança até certo grau toma aqui consciência, aumenta sem
dúvida o prazer de função, e aliás o prazer aumenta com o aumento de domínio, ao
passo que se pode transformar em tédio após o ponto culminante em que se atingiu
pleno domínio. Podemos observar esta evolução em
muitos jogos, muitas vezes também no desporto e em outras actividades
aperfeiçoadas pelo exercício acompanhado de prazer de função.
Inícios do domínio
Domínio, realização e êxito são, como todos sabemos, as finalidades primeiras da
nossa existência, tanto nas coisas pequenas como nas coisas grandes, no jogo, no
trabalho, nas relações humanas, nos empreendimentos objectivos, nas diversas
fases da vida e na vida como todo. A orientação que aqui interessa é
evidentemente muito complexa. Pareceme totalmente errado pretender aplicar o
conceito de «instinto», hoje tão cuidadosamente limitado pela moderna psicologia
animal, a esta tendência de domínio, como o propõem alguns teóricos. O querer
ser capaz que nos incita durante toda a vida só se pode entender correctamente,
segundo a minha opinião, dentro da grande conexão do conjunto da vida; no lugar
que se destina ao estudo deste conjunto da vida, ocuparnosemos mais da questão
da essência do «querer ser capaz». Aqui meramente verificamos a sua primeira
documentação, apenas esboçada na primeira actividade lúdica.
Além do domínio através do exercício, ainda se dá outra espécie de domínio
mediante o jogo, mostrado por Freud: é a
superação de vivências traumáticas através de descarga emocional na actividade
lúdica.
Uma criança a quem o médico fez doer quando lhe observava a garganta, brinca
«aos médicos» com um dos irmãos mais novos, manda o pequeno irmão ou irmã abrir
a boca e fálos Sofrer como ela própria sofreu.
Freud falou aqui de uma obrigatoriedade de repetição, expressão com que designa
a estranha necessidade de assimilarmos vivências dolorosas, repetindoas por
palavras e acções,
dominando assim a angústia que a elas está ligada. Era nisto que Freud pretendia
ver o sentido da actividade lúdica.
Robert Wãlder, um dos principais representantes da teoria lúdica de Freud,
concorda que esta teoria não abrange todos os jogos, e PhyIlis Greenacre, que se
ocupou muito da fantasia criadora no jogo e na arte, acentua que a
obrigatoriedade de repetição em conexão com a assimilação de vivências
traumáticas é apenas uma forma das tendências de repetição. De resto, vimos já
que a repetição 107 A brincar «aos médicos» a criança não serve apenas
para do supera a vivê ncia dolorosa que ela próminar a angústia, mas que
pria experimentou no médico
pode ter em si uma acentuação de prazer, especialmente quando culmina em
domínio de situações que se pretendem vencer.
Até agora mencionámos como factores que contribuem para o prazer lúdico o
prazer de função, o prazer de domínio e de poder, o triunfo através do efeito do
êxito sobre os outros, o prazer da comunidade no jogo social. A todos estes
acrescentamse ainda dois outros factores importantes. São o prazer da
actividade livre da fantasia e a alegria na realização lúdica e criadora.
Jogos de ficção
A partir dos dois anos observamos na criança uma actividade extraordinariamente
rica da fantasia infantil, primeiro sobretudo no que respeita a linguagem e
jogo, pouco depois também na
criação construtiva. Enquanto os jogos de movimento da primeira infância, assim
como os jogos desportivos mais tardios, servem em primeira linha para o prazer
de função, para o
domínio de movimentos e mais tarde para êxitos sociais, enquanto os jogos
sociais visam sobretudo a sociabilidade e o cam
108111 Factores que contribuem para o prazer de brincar: o prazer de social
(aqui a fazer rodas), a actividade livre da fantasia (representando do livro
TerraMágica «Crianças de todo o mundo») e a alegria no confi
peonato, os jogos de f ícção da criança em idade préescolar, em
que ela desempenha um «papel», assim como os jogos dramáticos posteriores, têm
uma grande importância para o desenvolvimento da vida da fantasia.
Habitualmente encaramse os jogos de ficção mais sob o
ponto de vista da imitação do que da actividade da fantasia. Dizse que a
criança procura de certo modo apropriarse dos direitos e capacidades dos
adultos, imitando as acções da mãe, do pai, do médico, do lojista, do condutor
de eléctricos, do piloto de aviões ou de qualquer outra actividade dos adultos.
Naturalmente que assim é. Muitas vezes as próprias crianças dizem que querem ser
como a mãe e gostariam de poder fazer o
que ela faz.
Mas no jogo a criança não se limita a imitar os adultos, aproximase também
interiormente do mundo dos adultos, ao repetir as suas acções no jogo. Além
disso no jogo de ficção dãose muitas descargas emocionais no sentido de Freud.
isto quer dizer que também o jogo de ficção como todas as outras formas de jogo
serve para uma multiplicidade de fins. A fantasia que se
exprime nos adornos que a criança dá às acções que atribui aos adultos, também
não deve ser esquecida. Ela ganha mais tarde um papel cada vez mais artístico.
poder («Olha que alto que eu sou capaz de saltar!»), a companhia no jogo teatro;
reproduzido com autorização do Harins Reich Verlag em Munique, gurar e criar
autónomo, como aqui com os cubos da caixa de construções
Jogos de construção
Esta actividade artística da fantasia encontra contudo a sua expressão mais
forte nas obras de arte infantil que representam uma parte importante da sua
actividade construtiva e formadora. Como já acentuámos, muitos adultos nem
sempre dão o devido valor ao grande significado psicológico do jogo. O mesmo se
pode dizer do jogo de construção. Geralmente não se reconhece suficientemente
que na actividade lúdica da criança, começando pela primeira torre construída ao
ano e meio até à construção técnica, até ao desenho artístico, até à composição
poética ou musical na idade escolar, se revela uma responsabilidade livremente
assumida de uma missão que ela se põe a si própria e
para a qual não há paralelo em outras actividades. O que a criança obtém nestas
actividades é a capacidade de dádiva a uma obra, com o emprego de paciência e
perseverança, com a vontade de vencer dificuldades e completar a obra, com a
riqueza de ideias e vontade de criar, que não é substituível por nenhuma outra
acção na vida humana.
A criança que se entrega a pintar, a desenhar, a modelar ou a construir t,
desenvolve nestas actividades uma posição em relação à realização que mais tarde
lhe será útil no trabalho.
A actividade física no jogo e a necessidade moderna de movimento
Perante este significado da criação na infância mais remota pareceme lamentável
que hoje, por toda a parte, a tendência para a actividade física no jogo tenha
superado a actividade construtiva. Hildegard Hetzer verificou recentemente num
interessante estudo sobre jogos e brinquedos, que em 30 anos entre
1926 e 1956 a parte que os jogos físicos tomam na actividade lúdica total pelo
menos duplicou! Paralelamente a isto verificase em toda a parte um aumento de
falta de perseverança e concentração, que influencia desfavoravelmente não só o
interesse construtivo mas também o interesse pelos livros.
Os números dados por Hildegard Hetzer, que dizem respeito ao que se passa na
Alemanha, certamente devem ter aplicação também noutros países. A razão deve
buscarse na inquietação geral, que se tornou tão característica da nossa vida
actual. Só em lugares muito retirados se encontra ainda aquele sedentarismo que
se conheceu outrora. As comunicações cada vez mais rápidas, a rede de tráfego
cada vez mais espalhada e mais densa sobre a terra, e os meios de comunicação
que põem em contacto recíproco todo o mundo e até já o próprio espaço, mantêm
nos em constante tensão, proporcionamnos participação em todos os
acontecimentos e sugeremnos continuamente que deveríamos lançarnos activamente
na corrente dos acontecimentos. De ano para ano há mais e mais pessoas, e entre
elas muitas crianças e jovens, que viajam para cidades longínquas, para outros
países e continentes, que dão a volta à terra, e cada vez é mais frequente a
mudança de local de trabalho, de casa ou domicílio.
Mas nesta humanidade que cada vez é mais móvel encontrase também um
conhecimento mútuo cada vez maior e isto deverseia designar como uma
circunstância favorável. Isto é, aumenta o contacto social e com ele aumenta,
pelo menos é de esperar que assim seja, também a compreensão social mútua, pelo
menos na mesma medida em que cada vez há mais encontros e cada vez há mais
miscigenação sobre a terra.
A individualidade da criança e o conteúdo do seu mundo interior não se revelam
ao conhecedor em parte alguma melhor do que nos desenhos, pinturas, esculturas e
jogos de fantasia, porque em todas estas criações, tal como nos sonhos, se
projectam sentimentos e ideias conscientes e neles assim disfarçados se revelam.
Percepção e Projecção
É interessante como primeiramente a apreensão perceptiva do mundo se reflecte
nos desenhos, pinturas e modelagens a
princípio esquemáticas e mais tarde realistas que a criança executa. O
desenvolvimento da percepção e inteligência exprimese aí tão nitidamente que
muitos psicólogos, sobretudo F. Goodenough, estandardizaram a reprodução
pictórica de uma figura de homem como teste de inteligência.
F. Goodenough procura apreender no seu teste a representação da figura humana a
partir do primeiro momento em que se dá a capacidade de objectivação no desenho.
Muitas crianças com 4 anos ainda estão na «fase do rabisco», isto é, não sabem
ainda reproduzir figurativamente os objectos. Apesar disso projectam os seus
sentimentos nos seus gatafunhos, o que se prova pela grande diversidade dos
trabalhos rabiscados. Nesta fase de rabiscar, este «misturar, borrar e mesclar»
inato ao homem, como o dizia Goethe, dá à criança uma grande satisfação; segundo
Freud, exprimemse nos gatafunhos necessidades emocionais, de que falaremos em
breve.
Logo que a criança consegue executar formas e representar objectos, iniciase
aquela objectivação inconsciente de sentimentos pessoais a que damos o nome de
projecção. Esta manifestase em toda a criação artística infantil, começando
pela maneira como desenha a sua primeira casa, em cuja figura sólida ou
oscilante se personifica a si própria, até à reprodução mais tardia de
disposições psíquicas nas paisagens ou cenas.
Para a maior parte das crianças constitui uma natural necessidade dar expressão
aos seus sentimentos vitais através da criação artística. Por outras palavras:
as pinturas das crianças
e as poesias dos jovens não são produto tanto de necessidades artísticas em
geral, como de necessidades gerais de sentimentos e criação. Daí constituírem
muitas vezes um precioso achado diagnóstico para a Psicologia Infantil. Pelo seu
grande significado como portadores de emoções, assim como por serem realizações
criadoras, deveriam encontrar por parte dos adultos que rodeiam a criança um
reconhecimento carinhoso e serem por eles levadas a sério.
Também as realizações técnicas que se iniciam na infância representam os
resultados de necessidades criadoras mais especificamente orientadas.
A produção criadora da criança tem de comum com a do adulto o facto de levar à
realização tanto a configuração do material como a expressão de vivências
psíquicas. A diferença
está apenas no facto de na criança se acentuar a revelação, e no
artista adulto a formação, Assim a actividade lúdica tornase em obra
profissional, e como tal a trataremos em conexão com o decorrer da vida humana.
Realização e trabalho
O jogo e a criação podem ser entendidos a partir da psicologia do indivíduo. A
realização e o trabalho, pelo contrário, resultam da filiação do indivíduo numa
sociedade. Logo que um
produto de criação é executado sob o ponto de vista de que deve valer como
realização e, para além dela, como trabalho, isto significa que a partir de
agora ele reivindica um lugar social.
Ao salientarmos que se trata de um «ponto de vista», queremos dizer que por
vezes a mesma actividade, o mesmo produto que anteriormente fora realizado e
criado apenas ludicamente se pode converter, mediante conveniências sociais, em
realização e trabalho.
Assim, a criança de quatro anos, que limpa «de brincadeira» o pó com a mãe,
pode mediante o seu louvor tomar pela primeira vez consciência de que está a
realizar um trabalho para ela. A criança de cinco anos que vai em vez da mãe à
loja e traz cuidadosamente a garrafa do leite e o troco do dinheiro, sentese já
orgulhosa deste seu trabalho que, felizmente, também lhe dá prazer.
Mas em breve a criança e ainda mais o jovem e o adulto vêemse colocados diante
de tarefas em cuja realização não está em primeiro plano o prazer, mas o dever.
O ponto de vista do dever que se tem de cumprir, mesmo que seja desagradável, é
inserido na vida infantil pelo ambiente adulto, embora muitas crianças o pareçam
desenvolver em si próprias sem que se lhes chame expressamente a atenção para
ele. Deduzem o ponto de vista do dever, ao que parece, do modo como o
ambiente actua e os trata. Mas mesmo então ele tem na base uma orientação
social.
A criança cumpre deveres em primeiro lugar por obediência, assim como pelo
desejo de fazer algo que lhe proporcione ser
elogiada. Outros motivos, como o receio de ser castigada ou a
convicção de que será estimada e será bem admitida cumprindo
os seus deveres, jogam igualmente em diversos graus um papel importante.
A pouco e pouco, e no caso de desenvolvimento normal, o
cumprimento do dever convertese numa quasenecessidade, como
Kurt Lewin chamou a tais tendências, que surgem primeiramente
Rapaz,
4 anos e 4 meses
Rapariga,
5 anos e 3 meses
Rapaz,
6 anos
Rapaz,
7 anos e 6 meses
Rapariga,
8 anos
Rapaz,
9 anos e 6 meses
Rapariga, Rapaz,
10 anos e 3 meses 11 anos e 5 meses
Rapariga, Rapariga,
12 anos e 3 meses 13 anos e 11 meses
13
122125 Projecção de sentimentos vitais em desenhos infantis. Da esquerda Welty)
Aniversário (de Bühler, SchenkDanzinger, Smitter, Problemas
Krevelen,
por obrigação, e pouco a pouco se transformam numa «segunda natureza».
Muitos psicólogos preocuparamse com a questão de como
se deveria entender a fundamentação de motivação das necessidades de realização
e dever. Gordon Allport fala da autonomia, a qual pode ganhar motivos adquiridos
secundariamente. O sentido da perfeição do trabalho a realizar, que foi
inculcado pelo ambiente, ganha autonomia e funciona após algum tempo sem
necessitar de mais nenhum incitamento. Assim explica Allport a necessidade de
querer criar algo de bom. Pelo menos, pode ser assim.
Opondose à actividade lúdica, em que interessa principalmente a satisfação
emocional pessoal dos participantes, na realização o peso está desde início em
factores de qualidade e quantidade objectivos e valorados por outros.
O desenvolvimento da ânsia de realizações elevadas depende, como o provam muitas
investigações modernas, em grande parte de influências do ambiente.
Especialmente investigações cuidadosas de David Mac Clelland e dos seus
colaboradores, mostram que uma determinada combinação de influências do
affibiente durante a infância e a juventude produzem as melhores tendências para
realizações do maior êxito. Revelaramse favoráveis no
mais alto grau grandes exigências que foram feitas cedo à independência e
responsabilidade do indivíduo, aliadas à rigidez que contudo não deve ser
autoritária. Observações desta natureza,
para a direita: Casa sólida Casa oscilante (da clínica privada de L. infantis
e o Professor) Nuvens de trovoada nas montanhas (de A. van De tekening)
que sob o ponto de vista da importância da psicologia para a
educação são de grande interesse, só se fizeram até agora nos
Estados Unidos da América.
É importante verificar que uma tendência para altas realizações desenvolvida
desta maneira conduz efectivamente à realização de altas tarefas. Isto provouse
através de duas investigações que se realizaram independentemente uma da outra e
servindo finalidades absolutamente diferentes uma com jovens na escola (Mary C.
Jones), e outra com duzentos adultos, e justamente engenheiros e contabilistas
em diversas fábricas (Herzberg, Mausner, Snyderman).
A investigação com as jovens em idade escolar ocupase de realizações sociais
dentro do grupo, a dos adultos com as realizações de trabalho na firma. Sobre os
resultados do segundo estudo sobre a motivação para o trabalho, diremos o
seguinte: uma alta ética de trabalho e boa realização estão intimamente ligadas,
em primeira linha, com a ânsia de boa realização e louvor, com o sentido de
responsabilidade e com o interesse pelo próprio trabalho, enquanto em menos
elevada ética de trabalho e menos boas realizações, desempenham um papel maior
outros pontos de vista: aumento de ordenado, condições de trabalho, tratamento e
relações pessoais.
Também para este grupo embora não mostre nenhuma verdadeira tendência de
realização é importante o louvor e reconhecimento.
Na investigação sobre as realizações sociais das crianças em idade escolar, não
se chegou a resultados diferentes. Portanto, sob ambas as condições afinal tão
diferentes, mostrase que as
altas realizações estão ligadas em primeira linha à ânsia de realização, mas
logo a seguir à ânsia de louvor.
O segundo facto é interessante justamente porque demonstra que para as
realizações é de importância fundamental o factor social. Por outras palavras: a
autorealização do homem que vive em sociedade não depende apenas da sua
realização como
tal, mas também do louvor ou reconhecimento que ela merece.
Os exemplos mostramnos nitidamente em que medida a
altura das realizações na vida depende em parte da motivação e em parte de um
factor social. Desempenham a par disto um
papel decisivo o modo e grau das capacidades, assim como as
situações da vida e oportunidades, favoráveis ou desfavoráveis. É pela
interacção destes e de outros factores que se constitui a realização vital, de
que trataremos no âmbito da observação do decorrer da vida humana.
Aqui falaremos brevemente ainda só de uma determinação funcional de realizações.
Ela resulta do facto de as realizações poderem estar baseadas, ou mais em
funções físicas ou mais em funções espirituais. Esta verificação parece estar em
contradição com a nossa tese, que estamos continuamente a acentuar, que o homem
vive e actua como uma unidade psicossomática. Mas isto em nada invalida a nossa
tese. Não exclui a outra conclusão, de que uma pessoa nas suas diversas acções e
realizações se
pode servir mais das suas energias físicas ou mais das suas energias
espirituais.
Vitalidade e mentalidade como factores de realização
Já no início deste capítulo, quando nos ocupámos da ascensão e decrescimento das
diversas funções, vimos como a maioria
delas depende da ida
11 de, isto é, da energia
vital, se é que se pode chamarselhe assim. Algumas realizações, iv como
especialmente a
rapidez e força de movimentos, atingem o
126 Distribuição quantitativa de realizações seu ponto máximo na no decorrer
da vida em quatro tipos esque primeira juventude. A máticos. (De C.
Bühler, Der Menschliche Lebenslauf, 1959) experiência, pelo con
CAMPO DE REALIZAÇÕES
IDADE
Desporto, Medicina
2529
Física, Química
3034
Literatura de Romances
3039
Pintura, Medicina, Filosofia
3539
@Bestsel1cr», Literatura de Romances
1
4044
trário, aumenta com a idade, e portanto realizações que dependem da
Idade em que se atingiu a maioria das pacidade de concentrarealizações
máximas. (Segundo LeIrman) ção não diminuam o
proveito da experiência). Sem dúvida que há portanto uma diferença entre
categorias de realização, umas mais apoiadas na vitalidade e outras mais
apoiadas na mentalidade. Geralmente é a actuação em conjunto dos dois factores
que é mais favorável, e daí ser o meio da vida o período mais fértil para
realizações de toda a espécie, tal como o provou Harvey Leliman, mas existem
determinados campos de realização que atingem o seu ponto culminante
declaradamente cedo, assim como outros o atingem tipicamente tarde. Este facto
foi demonstrado por Egon Brunswik e Else Frenkel, que para isso se serviram de
vasto material biográfico. Acharam que há quatro tipos de realização diferentes:
uns que atingem o seu ponto máximo cedo, outros que culminam no meio, e outros
ainda que culminam tarde na vida, assim como por fim existem outros, cujo ponto
máximo de realização se distribui irregularmente por toda a vida.
Uma tabela de H. Lelmian dános uma visão panorâmica sobre as realizações
máximas nos diversos campos.
Interrompemos aqui o tratamento deste tema, uma vez que trataremos em pormenor,
no capítulo dedicado ao decorrer da vida humana, o problema de obras realizadas
cedo e obras tardias, assim como das diversas estruturas do decorrer da vida
resultantes do tipo de criação.
O interesse
Há um factor que desempenha um papel a que até agora não se deu bastante
atenção, e que intervém em todas as actividades, no jogo como na criação e em
toda a espécie de realizações é o factor interesse. O que é realmente o
interesse?
Todas as pessoas sabem naturalmente o que é o interesse, este «estar presente»
particular, estar «dentro» ou «entre» como se traduziria exactamente do latim
um «estar presente» que
pode significar os mais diversos graus de participação: desde uma certa
intensidade da atenção dirigida para um objecto, até à entrega entusiasta.
É uma participação que desempenha um papel em todos os chamados interesses (no
plural!). E é sobre estes « interesses» que se concentra a maioria dos autores
que escrevem sobre este assunto, enquanto muitos evitam tratar do fenómeno
interesse no singular! Na maioria das vezes dizse que interesses são
actividades preferidas ou então actividades a que se dedica uma atenção especial
(Oswald Kroh). Anne Roe é uma das poucas pessoas que, nos seus estudos sobre
profissões, se ocupou mais pormenorizadamente da questão da definição do
conceito de interesse. Do seu resumo deduzse que a maioria dos psicólogos são
de opinião que no interesse e interesses se trata de complicados processos, em
que entram em jogo tanto a atenção como a preferência.
Eu própria sou de opinião que se tem de distinguir entre «interesse» e
«interesses». O que eu quero dizer talvez se torne compreensível se
substituirmos a palavra «interesse» por « interessamento». O «
interessamento» pareceme uma função de facto educável, cujo
desenvolvimento é realmente fomentado por apresentação de material adequado, mas
que em primeira linha dá a impressão de ser inata.
Há bebés que desde o início se entregam com um interesse intensivo aos estímulos
que lhes fornece o seu ambiente, enquanto outros da mesma idade têm uma atitude
apática. Aliás desconheço se um tal «interessamento» está ligado a uma maior
actividade, também considerada inata. Julgo que o interessamento é um prazer
espiritual de actividade, enquanto a actividade de que se fala vulgarmente
parece mais ser um prazer de movimento físico.
Ouvi contar a muitos doentes, o interesse intensivo com que vivem os seus
sonhos. Mesmo quando os conteúdos dos sonhos são desagradáveis, vergonhosos ou
infelizes, não se conseguem libertar deles. Estas pessoas são as mesmas que
acham a vida como tal interessante, e que tendem a encarar todas as manhãs com
interesse, na medida em que não as esperem de antemão coisas desagradáveis. Uma
minha conhecida vienense, que mais tarde morreu num campo de concentração, a
quem ouvi discutir a questão do suicídio para o caso de a fuga ser impossível,
declarou aos amigos, com uma forte convicção, que realmente depois converteu em
realidade: « Eu nunca me suicidaria. Acho a vida demasiado interessante;
aconteça o que acontecer, eu sou
realmente demasiado curiosa e quero saber o que se segue». Não sei como se
apagou por fim o interesse desta pobre criatura por aquilo que realmente depois
se seguiu.
As pessoas que recebem com tão vivo interesse cada novo dia, são o contrário
daquelas que, como o diz a canção popular, esperam com preocupação cada amanhã:
«Lá vem o dia, oh, já tivesse ele passado», ou aqueles que o vêem vir com
indiferença, se não com relutância, e anseiam a morte como libertadora. A
maneira como estas pessoas se agarram a certas perdas ou desilusões, sem
conseguirem desenvolver novos interesses, mostranos que o interesse é uma
actividade espiritual criadora que modifica o objecto, até o parece fazer nascer
de novo e o faz parecer diferente do que era. A vida que um orador brilhante, um
escritor de categoria, um músico dotado, conseguem dar a
uma velha ideia ou peça musical, é o resultado do interesse com que os artistas
tratam o tema e que se comunica ao ouvinte ou leitor.
E assim eu definiria interesse como um avivamento espiritual que é comunicado a
uma matéria pelo facto de o interessado participar fortemente nela. O despertar
e manter despertos interesses é usualmente encarado em primeira linha sob pontos
de vista pedagógicos, pois ele é importante para toda a educação que se pretenda
que venha a ter êxito. A mim pareceme que o
interessamento, para além disso, é um dos elementos vitais mais importantes do
homem, pois só através desta participação e
avivamento espiritual estamos em condições de tornar a nossa
existência digna de ser vivida.
Distintos pelo facto de nos interessarmos mais por eles do que por outros, são
aqueles objectos preferidos aque chamamos os nossos interesses. Escreveuse
muito sobre estes interesses, sobre a sua evolução e modificação, assim como
sobre o seu condicionamento através das mais diversas, circunstâncias. Encarados
sob o ponto de vista da psicologia evolutiva, eles modificamse de acordo com os
factores de início predominantemente físicos e mais tarde predominantemente
espirituais, que já conhecemos nas curvas de realizações máximas dentro da
profissão.
Ninguém se espantará de ouvir dizer que todas as investigações neste sentido
verificaram mais interesse pelo desporto, dança e actividades sociais na
juventude, e na idade mais avançada, mais interesse por actividades
contemplativas, ocupação com a música e a arte, com livros e flores, ou
actividades no jardim. No que respeita o interesse por conferências e concertos
e pela ida à igreja, nas investigações americanas não há diferenciação de
idades.
Só pode ter sentido discutir o verdadeiro papel que os interesses desempenham
para o homem em conexão com a observação do decorrer da sua vida como um todo. É
de acordo com isso que mais adiante retomaremos a discussão deste problema.
Funções sociais no desenvolvimento
Com três a seis semanas o bebé sorri para outras pessoas, e ao ouvir a voz
humana. Discutese ainda o que significa exactamente este sorriso. Mas uma coisa
é certa: o sorriso do bebé é uma reacção social uma reacção a outras pessoas.
Há diversas teorias sobre o sorriso que interessa conhecer, porque da
interpretação destas primeiras reacções a outros seres humanos depende muita
coisa para a compreensão posterior dos fundamentos das relações humanas.
A primeira questão é se se deve considerar primária a reacção social a outras
pessoas, ou se se deve supor que é adquirida.
Aqueles que a consideram primária, chamam a atenção para o facto de o homem ter
uma necessidade inata para a convivência e participação com outros seres da
mesma espécie, e que por isso reage positivamente a outras pessoas logo que se
apercebe delas.
O outro grupo defende a opinião de que a reacção social a outras pessoas é
aprendida, e isso na medida em que o bebé associa o aparecimento da mãe com o
alimento que ela lhe traz e que o satisfaz, e com os cuidados que ela lhe
proporciona. Segundo esta teoria, é na realidade a satisfação de necessidades
aquilo que é vivido como agradável, e esta sensação é transposta secundariamente
à pessoa que presta os cuidados.
Wayne Dennis é um representativo defensor da opinião de que a reacção social a
outras pessoas é aprendida. Ele tenta provar experimentalmente que o bebé cuja
mãe ou pessoa que cuida dele nunca sorri ou fala, não começa a sorrir por si.
Isto quer dizer, por outras palavras, que o sorriso não é uma expressão
espontânea dos sentimentos do bebé, mas um modo de comportamento aprendido.
Esta interpretação pode ser designada por behaviorista. Por Behaviorismo
entendese uma escola psicológica fundada por John Watson, que introduziu uma
técnica de minuciosas observações de conduta e que considera todas as conclusões
que não se possam provar através de processos observáveis como
especulações não permitidas. Enquanto o método behaviorista como tal goza hoje
de uma ampla expansão, muitas das suas afirmações teóricas são rejeitadas pela
maioria dos investigadores contemporâneos,
No que respeita à questão do sorriso: é uma reacção a outras pessoas aprendida
ou inata? a resposta através de experiências, como as que fez Dennis, não é
possível. E pela seguinte razão:
Muitas observações e experiências com animais recémnascidos, especialmente com
aves, mostraram que os animais perdem determinados instintos quando não se lhes
oferecem os estímulos que desencadeiam a sua actividade. Poderia passarse o
mesmo
com o sorriso: pode muito bem ser que seja inato, mas que não possa desenvolver
se quando não se oferece o estímulo desencadeante, isto é, quando não se
proporciona ocasião ao contacto
social. Portanto, pelo método de Dennis, não se pode afirmar nada acerca da
natureza primária ou secundária do sorriso.
A teoria psicanalítica acerca das relações mãefilho
Outra teoria, que vê igualmente a reacção social a outra pessoa condicionada por
esta, é representada pela Psicanálise, embora fundamentada de modo diferente da
teoria behaviorista da aprendizagem. Renê Spitz, que foi quem mais
cuidadosamente elaborou a teoria e a tentou provar mediante experiências
brilhantes, distingue duas fases na evolução das primeiras relações sociais do
recémnascido.
Na primeira fase, segundo a interpretação psicanalítica, o
bebé é um ser regido puramente pelos instintos e por isso ainda não capaz de uma
percepção de objectos, vivendo apenas a
satisfação das suas necessidades e o clima afectivo que a mãe cria para ele.
Neste «clima afectivo» realizase uma troca de afectos, na qual, ao que parece,
se estabelece o fundamento da relação emocional entre mãe e filho. «A teoria
psicanalítica» diz Spitz «insistiu desde os seus inícios em que todas as funções
psíquicas, sejam elas sensações, percepções, pensamentos ou
acções, têm por pressuposto uma base libidinosa, isto é, um processo afectivo. o
sistema de comunicação entre mãe e filho consiste, desde o nascimento da
criança, numa troca mútua de afectos e em processos afectivos». O conceito de
líbido introduzido por Freud e que aqui aparece já o conhecemos de outro
lugar, é difícil de definir de maneira simples porque Freud modificou várias
vezes a sua aplicação.
Em todo o caso a líbido é na teoria de Freud o instinto básico, cuja concepção
Freud foi alargando constantemente; no
pensamento mais tardio de Freud abrange a ânsia de prazer, amor e vida. Gozar,
quererpossuir, sentir, ser uno e quererexistir tudo isto conflui nesta
palavra mágica. Representa, segundo a concepção psicanalítica, a cobiça inicial
e a relação
fundamental inicial para com tudo na vida, originariamente o
único processo no indivíduo, mas também o afecto que é portador deste processo,
donde provém e em que vai de novo desaguar.
Spitz é de opinião que estes processos afectivos representam forças formadoras,
das quais surge depois pouco a pouco uma relação emocional específica da criança
para com a mãe.
Uma segunda fase nesta evolução é então aquela em que a criança começa a
reconhecer a mãe como objecto. Spitz investigou juntamente com Katharine Wolf os
processos do reconhecimento, continuando com um maior material em Nova Iorque as
experiências que o cientista finlandês Eino Kafia realizara em Viena. A teoria
elaborada por Kafia, e retornada e continuada por Spitz, afirma que a criança
reconhece a partir do terceiro mês, mais ou menos, a mãe ou qualquer outra
pessoa que se
aproxime dela, por características físicas da cara humana, e
sobretudo através da parte do nariz e olhos.
As interessantes experiências que Kafia realizou em Viena e que são o ponto de
partida desta teoria, foram concebidas de maneira a mostrar aos bebés uma série
de variações da cara
humana, máscaras com bolas de vidro em vez de olhos e com ou sem nariz (vide
fig. 127). Além disso, continuando as experiências anteriores de Hildegard
Hetzer, apresentavase ao bebé um olhar sorridente, depois um olhar colérico,
assim como uma
cara coberta por uma máscara que se descobria rapidamente.
Enquanto Kafia e Hetzer tinham verificado que crianças de três a cinco meses
estranhavam uma expressão colérica ou
uma máscara, Spitz chegou à conclusão de que o bebé reage positivamente enquanto
vir características decisivas da forma da cara
humana, no caso de ter feito experiências positivas com seres humanos.
127 E. Kaila utilizou nas suas experiências com lactentes estas máscaras de
cartão que representam caras humanas incompletas. (De E. Kafia, Die
Reaktionen des Sãuglings auf das Menschliche Gesicht, 1932)
128 Herbert, de três meses, retribui o sorriso. (De Kaila)
129 Aqui vemos Herbert, de três meses, estranhando o olhar colérico de Kafia.
(De Kafia)
Mas sabemos através de outras experiências realizadas em Viena (Hetzer e
Ripin, Frank1 e Rubinow), que os bebés reconhecem os objectos o mais cedo a
partir do quarto mês por exemplo, o biberão
que se move ao seu encontro. Por conseguinte, parece excluída a hipótese de que
a criança de três meses « reconheça» a cara.
Spitz é por isso de opinião que a criança recebe das outras pessoas certos
«sinais»; e como tais actuam as características cita as assim como outras
características figurativas, entende ele.
130 O mesmo bebé estranha a máscara
dos olhos. (De Kafia)
131 Boneco de trapos para o qual sorriem os bebés com que R. A. Spitz realizou
experiências. (De Spitz e Wolf, The Smiling Response, Genet. Psych. Monogr.,
1946). 132 Na experiência de Spitz o bebé sorri para a máscara. (De Spitz, Die
Entstehungen der ersten Objektbeziehungen, 1957)
Na receptividade destes sinais existem evidentemente grandes diferenças. Porque
tão claramente como o pequeno «experimentado» de Kafia com três meses estranhou
a máscara dos olhos (vide fig. 130), o pequenito «experimentado» por Spitz, com
a mesma idade, não deixou pelos vistos de sorrir ao ver
uma cara toda tapada por uma máscara.
O que significa então tudo isto? As observações sistemáticas de Spitz e também
os estudos de Leitch e Escalona acerca da capacidade receptiva de bebés e sobre
as suas reacções à tensão da mãe, ultrapassam as séries de observações
realizadas em Viena, por nos permitirem captar muito mais exactamente e mais
minuciosamente os pormenores subtis dos inícios das relações entre mãe e filho.
A questão é apenas de como se devem interpretar estas observações. O que resulta
delas para o conhecimento dos fundamentos das relações humanas?
Creio que o leitor neste momento já compreende a razão pela qual, numa obra que
não se dirige ao profissional mas ao leigo interessado, nos detemos nestes
pormenores da investigação como agora o estamos a fazer. É que se trata do
problema mais profundo e mais importante para nós, seres humanos, isto é: o que
é que afinal está na base do início e origem das nossas
relações para com os nossos semelhantes?
Tudo o que incluímos nestas relações provém daquilo que aprendemos do mundo que
nos rodeia, como o pretendem os
representantes de uma teoria global da aprendizagem?
Ou estará a origem em vivênciasafectivas tal como o considera a Psicanálise,
que as vê como fundamento de tudo? Ou haverá uma terceira possibilidade?
Como nos disse Spitz, a teoria psicanalítica parte da suposição de que o recém
nascido é um ser puramente instintivo. «Durante os três primeiros meses», diz
ele, «as vivências da criança estão limitadas ao campo afectivo; os aparelhos
sensitivos, a capacidade discriminatória e a perceptividade não estão ainda
psicologicamente desenvolvidos.»
Isto será realmente assim? Embora eu considere magistral a descrição que Spitz
nos faz da troca de afectividade entre a mãe e o filho, não posso concordar com
a sua afirmação.
Antes sou de opinião de que, embora no princípio a criança não reconheça ainda
os objectos, contudo recebe a partir pelo menos da idade de um mês impressões
perceptivas a que reage, e até desde o início de maneira individualmente
diferente.
As observações cuidadosas de Jean Piaget fornecemnos um
vasto material. Ele verifica já em crianças de um mês e ainda mais nitidamente
em crianças de dois meses, reacções a sons tais como prenúncios de imitações de
sons. Além disso vê que crianças desta mesma idade fixam a sua cara, que ele
move, e tentam
imitar os seus movimentos.
Dois exemplos: Piaget diz de T., com dois meses: «Eu produzi o som aa.
T. fez em vão grandes esforços, seguindose um som quase inaudível da sua boca
aberta. Depois seguiuse um sorriso aberto e uma imitação correcta».
De outra vez Piaget observou a mesma criança, no mesmo mês, seguir com o olhar
um movimento de cabeça que Piaget fizera, sorrir em seguida, e por fim mover
igualmente um pouco a cabeça.
O que aqui verificamos são os princípios da percepção assim como do movimento
controlado, e ainda uma expressão de prazer e os primeiros indícios de uma
relação para com uma
outra pessoa. Mas estes últimos são contudo de natureza diferente do prazer do
bebé que mama e da troca de afectividade de que Spitz nos fala.
O pequenino T. que sorri contente está vivendo o prazer da função realizada, tal
como Karl Bühler lhe chamou e que caracterizou como sendo de espécie diferente
do prazer que a
criança experimenta, por exemplo, a mamar.
E este pequenino T. que sorri contente vive além disso um
contacto com o experimentador, sentindo comunidade. Eles jogam este jogo juntos
esse é o conteúdo social deste acontecimento,
que representa uma primeira interacção autêntica. Como interacção designamos uma
influência mútua que se dá entre seres humanos e para a qual ambos os parceiros
contribuem com a
sua maneira de ser própria. Portanto além da troca de afectividade, de cujo
significado fundamental não se pode duvidar, existe, pelo menos a partir do
primeiro mês de idade, a outra forma de relação social, isto é, a interacção,
que fundamenta uma comunidade.
Interacção e comunicação bem sucedida
Mas esta interacção está sujeita a determinadas condições prévias. Assim como na
troca de afectividade só se dá a vivência do amor quando realmente se realiza
uma dádiva de amor, também da interacção só resulta a comunidade quando for bem
sucedido o encontro. Este êxito da relação social parece ser desde cedo já tão
importante como o amor.
Encontramos exemplos excelentes nas observações realizadas por Sybille Escalona
e Sylvia Brody com mães de bebés de quatro semanas. Tratase de um vasto
material que foi recolhido na Foundation Menning em Topeka (Kansas, USA) e que
relaciona em minuciosa observação o modo de comportamento e
a atitude das mães com o modo de comportamento dos seus
filhos. Seguemse alguns exemplos:
Esta é a primeira mãe. É rígida, vagarosa e desajeitada nos
seus movimentos. Notase nela pouca ternura Pelo filho, só pouco orgulho no seu
bebé, que ela segura um pouco rígida e verticalmente quando lhe pega. Além
disso diz que não se deve ter os bebés muito tempo ao colo. Quando o tem ao
colo, mantém o pequenito sempre um pouco afastado do seu corpo. Este bebé estava
bem alimentado, bem cuidado, bem desenvolvido. Parecia contudo um pouco inquieto
nos seus movimentos. A observadora reparou que o bebé sorria quando ela o
levantava, quando o
segurava 1.unto a si e lhe falava suavemente, enquanto com a mãe não o fizera
uma única vez.
Seguese outra mãe, «número 3» da série de observações. Tudo o que faz com o seu
bebé, fálo com àvontade e com movimentos hábeis. Fala muito com ele e dele,
muitas vezes cheia de admiração pelo seu filho; também o seu comportamento
exprime grande segurança e sentido de responsabilidade. O seu filho era forte e
estava bem desenvolvido; parecia mais velho do que
era e fazia muitos movimentos enérgicos e livres. De cada vez que a mãe lhe
pegava, sorria e palrava cheio de alegria.
A mãe «número 4» trata do seu bebé cuidadosamente mas sem exprimir nenhuns
sentimentos. Nunca fala com ele, e até parecia não acreditar que ele já pudesse
compreender alguma coisa. Diz que ele «não é mais que uma pequena criatura, o
que é que tem para ver ... ». Esta criança era saudável, estava bem desenvolvida
e parecia bastante calma. Simplesmente o rapazinho não se apercebia nem das
pessoas nem das coisas, não sorria e também não fazia movimentos perscrutadores.
A mãe «número 5» é um pouco irrequieta nos seus movimentos e exprime bastantes
preocupações e angústias. Trata de maneira suave e hábil o filho, mas preocupa
se demasiado em protegêlo e acalmálo. Pensa muito nos sentimentos do bebé, mas
por outro lado não faz nada que possa estimular a filha. Esta pequenita estava
deitada na maioria das vezes com uma expressão séria. Interessavase pelos
estímulos e pelas caras, mas
não sorria. Reagia de um modo hipersensível ao contacto e aos estímulos.
A mãe «número 6» é amorosa e protectora. Embora nem
sempre seja hábil, esforçase por proporcionar ao filho a maior comodidade e
satisfação possível. É de opinião que as crianças sabem desde o início se os
pais as amam, e tem muito orgulho
na sua filha. Esta pequenita estava especialmente bem desenvolvida e
excelentemente tratada, era muito calma e simultaneamente interessavase
vivamente pelos estímulos. Fixava repetidas vezes as caras da mãe e da
observadora, seguia os seus movimentos e sorria cada vez que lhe falavam.
Se pensarmos que em todas estas observações se trata de bebés que apenas têm
cerca de quatro semanas, é na realidade extraordinariamente surpreendente a
grande variedade dos seus
modos de comportamento, do qual só pudemos salientar alguns aspectos.
Condução recíproca
Apesar de todo o cuidado que se tenha de ter na interpretação das relações
recíprocas entre mãe e filho, tal como faz Brody, não nos podemos furtar à
impressão de que existe um
intercâmbio desde o início, em que dois parceiros se dirigem um
ao outro. O que aqui sucede talvez seja designado da melhor maneira pela
expressão introduzida por Karl Bühler, de condução recíproca. Mãe e filho
conduzemse mútua e continuamente de modo subtil, realizandose assim uma
comunidade que se desenvolve em diversas direcções, aqui melhor, ali pior, e
formandose
reciprocamente certas tendências. O bebé comportase nestes contactos como
indivíduo, e embora seja indubitavelmente influenciado pela mãe, exprime contudo
desde o início a sua maneira de ser própria.
Enquanto no intercâmbio de afectividade o bebé satisfaz a sua necessidade vital,
ao funcionar em comunidade com outra pessoa põe em acção as suas tendências
adaptivas apreendendo enquanto se adapta bem como as suas tendências
expansivas orientadas para a expansão. Com uma afinação selectiva em relação às
influências que o assolam e com confiança (corno Erikson designou tão
acertadamente esta atitude fundamental) abrese o recémnascido ao mundo
exterior, para nele funcionar e para o dominar. Orientada para o domínio, com
confiança nas possibilidades oferecidas, com vivências de êxito e malogro,
encontramos desde o início uma tendência que é tão fundamental como o instinto
da líbido.
Podemos dizer, resumindo: a relação social para com o
«outro» baseiase, nos seus inícios, primeiro no intercâmbio afectivo de
sentimentos não estruturados e confusos, que produzem um clima afectivo entre os
parceiros ‘: em segundo lugar em
comunidade, que se forma do «funcionar em conjunto» de dois parceiros que se
conduzem reciprocamente em afinação selectiva. Aqui entram evidentemente em jogo
tanto disposições primárias como processos de aprendizagem.
As formas de comunidade passam já no primeiro ano de vida por uma evolução
considerável. Nas minhas experiências com bebés que eu agrupei em pares para
estudar os seus contactos, pude verificar as mais diversas espécies de relações
a
partir dos cinco meses. Houve sorrisos recíprocos, um tocarse amistoso, um
tirar e dar brinquedos, assim como ataques unilaterais ou recíprocos, em que se
podiam observar gestos e expressões de humildade ou superior agressividade, de
rivalidade ou
triunfo. Durante a segunda metade do primeiro ano de vida podemse verificar
também um intercâmbio amável de brinquedos, um ensinar, observar, e uma
comunidade de jogo, nas suas
formas iniciais.
Intercâmbio social entre bebés
Assim, a Isabel de cinco meses acaricia o pé de Frances de sete meses, pelo que
esta acaricia igualmente o pé de Isabel dizendo a sorrir «dada».
O Artur, de oito meses, ri para a Frances, de sete meses, que o observa,
enquanto ele agita o guizo diante dos olhos dela,
133 Rapaz O,6, rapariga O,7: Cruzamse os 134 Rapaz O,6, rapariga O,7:
olhares, sorriemse Tirar
135 Rapariga 1,5, rapaz O,11: O déspota fica 136 Rapariga 1,5, rapaz 1,4:
com tudo para si Oferecer
133137 As mais diversas espécies de relações entre bebés. As fotografias
correspondem aqui a situações que estão reproduzidas no trabalho de C. Billiler
«Soziologische und psychologische Studien über das erste Lebensjalir» (1927).
O,6 significa uma idade de seis meses; 1,4 a idade de um ano e quatro
meses
137 Rapariga 1,5, rapaz 1,4: Comunidade lúdica
14
dando gritinhos de satisfação. Frances tenta por fim tirarlhe o
guizo. Ele seguraa e sorri triunfante, enquanto Frances grita.
Brent, de nove meses, e Mary, de oito meses, têm um guizo
e uma campainha à sua disposição. Mary brinca muito feliz com a campainha,
palra, dá gritos de satisfação; ele fixaa atentamente e sorrilhe; ela devolve
lhe o sorriso... sorriem um para o outro. Ela brinca e ele olha. Agora ele
tornase activo e empurra o guizo para junto dela, ela agarrao, embora ele o
queira agarrar também. Ele tem a campainha e toca. Ela dálhe o guizo e estende
o braço para a campainha, pega na campainha e sacodea. Ambos estão radiantes.
Ela dálhe outra vez a campainha.
Entre Angelus, de dezoito meses, e Marguerite, de onze, dáse já um verdadeiro
jogo comum. Ele dálhe um pau e põelhe na frente um tambor de tal maneira que
ela possa tocar nele. Ambos batem juntos no tambor e riem.
Se, depois de observarmos estes princípios, quisermos tentar ordenar um pouco o
complexo campo da evolução social e sexual, poderemos fazêlo segundo três
direcções principais. Podemos distinguir, na evolução social e sexual, fenómenos
dependentes da maturação, fenómenos dependentes do ambiente e fenómenos
dependentes da personalidade.
Dependentes da maturação são determinadas capacidades de integração num grupo,
por um lado, assim como graus de necessidades sexuais, por outro lado.
O bebé criado num ambiente agradável mostra, desde o seu
primeiro sorriso, alegria em contactar com as pessoas. Na segunda metade do
primeiro ano de vida muitas crianças não
querem de maneira nenhuma deixar a mãe afastarse. Nos últimos
138141 O psicólogo finlandês M. Koskenniemi estudou a formação de para a
direita: reunião no pátio da escola; jogo organizado; reunião
Formações e processos sociais
meses do primeiro ano começa a sua compreensão para os jogos sociais, como «as
escondidas» e o rolar de uma bola para cá e para lá.
A integração num grupo
Enquanto no primeiro ano de vida o bebé só pode contactar de cada vez com uma
pessoa apenas, a capacidade de integração no grupo vaise desenvolvendo de tal
maneira, que no segundo ano de vida a criança já pode brincar com dois
parceiros, e que a partir dos dois anos já gosta de «estar presente» quando se
reúnem grupos de crianças mais crescidas. Mas só com três anos se verifica uma
verdadeira participação nos seus jogos.
Em agrupamentos espontâneos, tal como se observam nos jardins infantis, só as
crianças de quatro a cinco anos se reúnem em grupos um pouco maiores.
Normalmente a criança em idade escolar aspira em medida cada vez maior a
integrarse num
grupo. As crianças de oito a doze ou treze anos adoram andar ou brincar em
hordas ou bandos. Aqui dãose, consciente ou
inconscientemente, hierarquias, em que a cada um cabe o lugar correspondente às
suas qualidades sociais, e de cuja estruturação gradual sobressaem chefes. Karl
Reininger foi o primeiro a mostrar a complexidade destas formações de grupos na
idade escolar, e como surgem de lutas pela primazia lutas semelhantes às que
David Katz anteriormente já observara em animais. As diferentes relações que os
membros do grupo estabelecem entre si,
e os papéis que cada um desempenha, são variados. J. L. Moreno
grupos em crianças em idade escolar. As fotografias mostram, da esquerda
desorganizada, assim como o tipo de um solitário. (De M. Koskenniemi, na classe,
Helsínquia 1936)
inventou um método, chamado Sociometria, pelo qual se podem medir em diversos
sentidos estas relações. Falaremos ainda deste método.
A tendência para se isolar deve ser considerada anormal na idade escolar média,
ao passo que na puberdade o desejo de estar só é condicionado pela maturação. A
solidão embora se queixem dela é frequentemente procurada pelas crianças de
treze a dezassete anos. Simultaneamente desempenham um
papel cada vez maior a união em amizades e ligações de pares coloridas com um
aspecto sexual.
As formações de grupos ganham agora pouco a pouco o carácter de estruturas
sociais formadas e finalizadas, em que se
antecipam as uniões, os clubes e outras organizações dos adultos.
O desejo de integração, que conduz a criança pequena ao grupo infantil, atraia
ainda mais fortemente à família. A criança saudável quer colaborar e participar
em tudo com a família, desde a mais tenra idade. Orgulhase de comer à mesa e à
noite não gosta de ser excluída do círculo da família, quando tem de ir sozinha
para a cama. E consolase quando a mãe ou o pai se sentam junto da sua caminha e
confirmam a sua função social contandolhe uma história.
O papel da criança dentro da família varia fortemente dentro dos diversos grupos
sociais e das diferentes culturas. Ocuparnosemos dele mais adiante, como
condicionado pela sociedade.
Igualmente, só relacionado com a exposição da personalidade e do decorrer da
vida estudaremos outro aspecto extraordinariamente importante da evolução social
da criança. Tratase do problema da evolução da sua dependência ou independência
em relação ao meio ambiente, assim como do desenvolvimento da identificação com
outros e da própria identidade.
O início da sexualidade
Neste lugar temos ainda de tratar dos estádios das necessidades sexuais,
dependentes da maturação.
Antes de Sigmund Freud, nunca ninguém pensara que a sexualidade desempenhasse um
papel na primeira evolução da criança normal, ou que sequer aí interviesse como
tal. E ninguém pôde imaginar que a primeira evolução sexual representasse um
factor essencial na formação da personalidade, especialmente nos seus aspectos
sociais. Temos de reconhecer que todos nós devemos a Freud neste ponto um
conhecimento mais correcto, embora não de modo tão radical como a teoria
psicanalítica ensinava nas suas origens.
Assim, por exemplo, a opinião seriamente defendida por alguns colaboradores de
Freud, se não por ele próprio, de que toda a criança pretende realmente relações
sexuais com um dos seus pais, e justamente com o do sexo oposto, está hoje quase
totalmente banida. Também a teoria de Freud sobre aquilo a que ele próprio
chamou o complexo de Édipo isto é, o desejo de. liquidar aquele membro dos
pais que é do mesmo sexo e que se sente como rival, e de possuir sexualmente o
do sexo oposto já só é hoje defendida nesta forma pelos representantes do
freudismo «clássico». O mesmo se pode dizer da teoria do complexo de castração,
como uma fase de maturação que duma maneira geral se deveria esperar, isto é, o
medo de castração no
rapaz, ou na rapariga a convicção de ter sido castrada como
castigo pela masturbação na primeira infância que também se julgava ser um
fenómeno generalizado.
Pelo facto de se rejeitar a suposição de que estes complexos estão geralmente
difundidos, não quer dizer que não apareçam nunca. Na realidade existem não
raras neuroses em que entram em jogo estes complexos. Também se encontram nas
crianças frequentemente esboços destes complexos, como por exemplo emoções
psíquicas de posse e ciúme. Do mesmo modo surgem ocasionalmente ideias de
castração em crianças, embora nem
sempre com aquele travo trágico que Freud deu a esta vivência.
É conhecida aquela divertida história na qual um pequenito pergunta a uma
menina no banho: «Cotado?», e ela responde: «Foi semp'assim!»
Instintos sexuais parciais
Assim, a moderna psicologia com base analítica, enquanto só aceita com bastantes
restrições a teoria dos complexos de Freud, aceitou em grande extensão a teoria
dos impulsos sexuais parciais.
Segundo esta teoria, também formulada por Freud, a sexualidade do adulto é
constituída por impulsos parciais, que se
manifestam nas primeiras fases do desenvolvimento infantil. A sua formação
tornase possível devido à existência de diversas zonas erógenas situadas no
corpo, fora dos órgãos sexuais, isto é, partes do corpo sexualmente excitáveis,
que no princípio desempenham um papel maior do que os órgãos genitais; Freud
considerou especialmente neste aspecto a região bocal e anal na criança. Os
impulsos parciais são designados por Freud como
sexualidade oral, anal, e genital, e a sua teoria afirma que estes aparecem numa
sequência de maturação do nascimento até cerca
dos cinco anos, idade em que normalmente se completou a evolução dos impulsos
parciais da sexualidade.
A inclusão especialmente do prazer oral, isto é, do prazer do bebé em mamar,
dentro da sexualidade, exige naturalmente um alargamento ou modificação do
antigo conceito de sexualidade. Na realidade alargase o conceito de desejo
sexual, da libido, na medida em que Freud inclui nele todas as espécies de
prazer e amor. E assim não encara nem o amor, nem a amizade, nem a necessidade
de contacto social como algo separado da sexualidade; atribui a todos a mesma
origem num único e mesmo instinto, e atribui a todos a mesma finalidade de
produção de
prazer e amor.
Os neofreudianos actuais tendem a distinguir o amor, a amizade e os contactos
sociais da sexualidade no sentido mais restrito, e principalmente pelo facto de
considerarem outros processos secundários como determinantes do desenvolvimento
destas relações.
Contudo, mantevese o alargamento do conceito de sexualidade às funções de zonas
erógenas, e ele veio até a encontrar vasto reconhecimento assim como confirmação
em investigações científicas. Apesar de Freud se servir de material de
observação patológico para provar as suas teorias, transpondo depois as suas
observações para a evolução normal, ainda muitos estudos actuais feitos com
pessoas normais vêm provar a sua teoria da constituição da sexualidade a partir
de impulsos parciais.
Quanto à fase oral, ela é a primeira da vida do lactente e dura normalmente até
cerca dos meados do segundo ano de vida. Nesta fase o bebé obtém o seu prazer
principal através da sucção, assim como da incorporação de alimentos. E
necessita desta satisfação em tão alto grau que vai buscar satisfações
sucedâneas desta se por qualquer razão for demasiadamente cedo inibido total ou
parcialmente deste prazer de sucção. As satisfações sucedâneas consistem na
sucção dos dedos e de outros objectos, e também na masturbação. Importantes
investigadores, como por exemplo David Levy, provaram que, no caso de se retirar
demasiadamente cedo o biberão à criança, surge como
acção sucedânea o chuchar do dedo.
Mas Freud vai mais longe ainda. Supõe que necessidades orais fortemente
insatisfeitas se transformam no adulto em necessidades sucedâneas: o vício da
bebida, por exemplo, é atribuído por muitos analistas a um instinto oral não
satisfeito,
142143 A fase oral é caracterizada pelo chuchar do polegar e o chupar a chucha
e o mesmo se diz do «chupar» charutos ou cachimbo. Freud fala neste caso de
«carácter oral» como de uma personalidade imatura que estacionou na fase das
necessidades orais.
À fase oral seguese a fase anal; esta dura normalmente até à idade de cerca de
três anos e meio a quatro anos. O interesse da criança pelas suas secreções é
fomentado pela acentuação da sua
importância pela parte dos pais. As sensações de prazer provêm dos próprios
estímulos físicos que se realizam na expulsão, mas
também na retenção das fezes. Freud chamou aliás a atenção para o facto de haver
muitas outras excitações mecânicas desta região, como por exemplo o andar de
baloiço ou outros jogos de movimento; além disso chamou a atenção para o facto,
de repetidos castigos fortes na região traseira poderem suscitar facilmente
excitações sexuais.
Como consequência da participação tanto activa corno passiva da musculatura nos
processos de eliminação, formamse tanto excitações sádicas como mazoquistas.
Como Freud diz nas
suas famosas «Três dissertações sobre a teoria da sexualidade», pode «esta forma
de organização sexual»... «manterse durante toda a vida e chamar a si
constantemente uma grande parte da actividade sexual.» Este par de oposição de
instintos, que normalmente está desenvolvido de maneira mais ou menos igual,
fundamenta aquilo a que Bleuler chamou a ambivalência, isto é, a tendência de
ser atraído em duas direcções instintivas opostas.
Segundo Freud, é no desenvolvimento da sexualidade anal que está uma das raízes
da agressividade; outra está em frustrações a que o indivíduo responde com
inimizade e agressão, e Freud via uma terceira origem num instinto de destruição
e
morte, que actua em sentido oposto ao instinto de vida. Mas o problema da origem
da agressividade tal como das suas eventuais fases de evolução tem de ser
encarado por ora como discutível.
A maneira como a criança é educada a ser asseada é, segundo Freud,
extraordinariamente rica em consequências para a formação de determinados traços
de carácter. Como reacção à pressão a que a criança é submetida, especialmente
quando é obrigada a tornarse asseada muito cedo e com grande rigor, ela usufrui
do poder que ganha sobre quem cuida dela, retendo as fezes e podendo assim
causar preocupação à família.
Àqueles que não estão habituados ao pensamento analítico parecem muitas vezes
inacreditáveis observações desta natureza. Contudo não é realmente necessária
nenhuma análise profunda para se obterem declarações de doentes, ou até
respostas a questionários que venham confirmar estas afirmações.
Assim, por exemplo, uma doente de 28 anos, Leonie, poucos meses após o início do
seu tratamento psicoterápico, diz, acerca da mãe, que esta se ocupava mais das
suas três irmãs do que dela, que era a mais nova, e a quem a mãe dava pouca
atenção porque era menos viva e menos meiga. «A única possibilidade que eu
tinha de chamar a sua atenção, era reter durante dias as fezes, de tal maneira
que toda a família ficava aflita e preocupada. Todas as irmãs tinham de ajudar a
segurarme quando me davam um clister. Eu defendiame com unhas e dentes, mas
gozava por ser o centro dos seus interesses.»
Deste modo se produzem a obstinação e a prisão de ventre. Também se produzem sob
estas condições outras características que pertencem ao «carácter anal», como
Freud lhe chamou. Por exemplo, um investigador tão crítico como Robert Sears
encontrou confirmado o aparecimento regular e comum de obstinação, sentido
exagerado de ordem e avareza neste tipo de personalidade. Freud chama a estes
três traços «a tríade anal», que provém de um incorrecto adestramento para o
asseio. Relaciona o prazer de besuntar, típico das crianças, com o erotismo
anal.
Um outro impulso parcial da sexualidade que Freud situa na primeira infância é a
escolha do objecto sexual, isto é, como Freud diz, «todas as pretensões sexuais
se orientam para uma pessoa, na qual querem atingir os seus fins». A escolha do
objecto
dáse, segundo esta teoria, em «dois arranques»: «0 primeiro arranque iniciase
entre os dois e os cinco anos e paralisa ou
retrocede durante o período de latência; é caracterizado pela natureza infantil
das suas finalidades sexuais. O segundo começa
com a puberdade e determina a configuração definitiva da vida sexual.»
O período de latência e a puberdade na teoria da sexualidade de Freud
Designase por período de latência o tempo que vai de cerca
dos seis anos até aos dez, em que o interesse sexual retrocede. Freud ocupouse
pormenorizadamente com a questão de saber
se as inibições que aparecem neste período da sexualidade, como
o nojo, a sensação de vergonha, as exigências morais e estéticas, são um produto
da educação. Freud é de opinião que a educação contribui muito para isso, mas
que apesar disso esta evolução é essencialmente determinada organicamente,
«hereditária», «fixada», que «se pode dar sem intervenção da educação... A
educação confinase ao campo que lhe compete, se se limitar a delinear aquilo
que está préesboçado organicamente, e a imprimilo apenas mais nítida e mais
profundamente».
Freud interpreta o período de latência como servindo para desviar as energias
instintivas sexuais em proveito de realizações culturais.
Como em todo o mundo, até nos meios primitivos, existem influências pelo menos
parecidas com as da educação, só dificilmente se pode decidir em que medida o
período de latência deve ser considerado como processo de maturação. Pois na
realidade existem visivelmente grandes diferenças culturais, assim como
individuais, correspondentemente à medida em que se encontram actividades
sexuais neste período da infância.
Freud é de opinião que só na puberdade se alcança o primado da zona genital,
como ele lhe chama. A excitação genital e o
«prazer final» obtido através do funcionamento do aparelho genital amadurecido,
é introduzido pelo «préprazer» que resulta da excitação das zonas erógenas. Mas
a excitação genital pode também provir do interior do organismo ou de processos
psíquicos. A excitação sexual que assim se formou convertese depois «numa
estranha sensação de tensão de carácter muito insistente e
urgente» e numa disposição dos órgãos genitais, em erecção do pénis e
humedecimento da vagina.
À evolução genital física, corresponde um progresso na evolução do «encontro do
objecto». Este deve na realidade designarse por reencontro, porque já fora
preparado na primeira infância.
«Quando a primitiva satisfação sexual estava ainda ligada à recepção de
alimento, o instinto sexual tinha um objecto sexual fora do próprio corpo, no
peito da mãe. Perdeuo só mais tarde, talvez justamente no momento em que a
criança teve a possibilidade de formar a percepção total da pessoa à qual
pertencia o órgão que lhe proporcionava a satisfação. É então que o instinto
sexual se torna normalmente autoerótico e só depois de superado o período de
latência se restabelece novamente a antiga relação. Não é sem razão que o mamar
da criança ao
peito da mãe se tornou o modelo de toda a relação amorosa» (Freud).
A teoria de Freud acerca da origem da angústia
É no decorrer desta evolução que Freud vê surgir também a angústia que, segundo
a sua opinião, provém da falta ou perda da pessoa que cuida da criança e que
esta ama. Freud conta como chegou a esta interpretação:
«Devo o esclarecimento acerca da angústia infantil a um
rapazinho de três anos a quem eu uma vez ouvi suplicar de dentro de um quarto
escuro: «Tia, fala comigo? tenho medo porque está tão escuro». A tia gritoulhe:
«De que te serve? Tu não me vês!» «Não faz mal», respondeu a criança, «Se alguém
falar, já não está escuro».
Não tinha medo portanto da escuridão, mas porque sentia a falta de uma pessoa
amada e podia prometer tranquilizarse logo que tivesse recebido uma prova da
presença dela».
Noutras passagens Freud vê a origem da angústia originária fundamentada já no
acontecimento do nascimento. O seu discípulo Reich ampliou esta suposição
formulando a teoria do trauma do nascimento, isto é, a suposição de que a
angústia começa com o choque do nascimento. Outros analistas, como
por exemplo Fenichel, acentuam mais como causas da angústia primária o desamparo
e a «invasão» do novo organismo pelas emoções.
Freud considera terminada em princípio a evolução, quando se dá a confluência de
todos os impulsos parciais na sexualidade completamente desenvolvida. O
subsequente movimento de oscilação das necessidades sexuais durante a vida,
considerao
essencialmente determinado por factores de personalidade e factores culturais.
Estes Homens
E desempenham pelos vistos, e como geralmente se reconhece, r
o um papel tão decisivo É Mulheres
o
1 = que é quase impossível distinguir deles os o factores de maturação
ÉU como tais.
Há naturalmente um grande número de O 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
processos físicos que 144 A subida e descida da secreção da
hormona sexual masculina nos homens e
f@H ** ornens
M.@
1hre.
são essenciais para o nas mulheres no decorrer da vida. (C.
Hamdesenvolvimento da se burger) xualidade: mas parece que
ninguém sabe exactamente como se processa a influência recíproca de factores
físicos e psíquicos neste campo da vida, que é o mais complicado de todos.
Influências hormonais no desenvolvimento
Como exemplo de um factor físico referimonos às influências hormonais sobre o
desenvolvimento. As hormonas são complicadas substâncias químicas que são
produzidas em determinadas glândulas e levadas pela corrente sanguínea e
linfática a outros órgãos, onde vão provocar efeitos fisiológicos específicos.
Existem hormonas sexuais masculinas e femininas, das quais aqui apenas nos
interessam a testosterona e a estrona. Ambas as hormonas são produzidas tanto
pelo homem como
pela mulher, contudo em diferentes quantidades, que além disso se modificam no
decorrer da vida.
A produção de hormonas sexuais é relativamente pequena durante a infância, até à
idade de cerca de 10 anos. Depois aumenta fortemente; a segregação de testerona
atinge o seu
ponto máximo à volta dos vinte anos de ambos os sexos, para a partir de então
decrescer continuamente. Durante todo este desenvolvimento a produção de
testerona é bastante maior no
homem do que na mulher, contudo, ao atingir uma certa idade, observase uma
aproximação nas quantidades de testerona segregadas tanto por um como pelo
outro.
A produção de estrona é, pelo contrário, maior na mulher do que no homem. É
interessante saber que o seu ponto mais elevado se situa entre os 30 e os 39
anos; aos 50 e 60 anos verificase um forte decrescimento.
A produção desta hormona influencia o desenvolvimento dos órgãos sexuais e o
aparecimento da puberdade e climatério. Para ambos existem oscilações de idade
dentro de determinados limites, cujas causas não estão ainda totalmente
esclarecidas. Duma maneira geral, pode estabelecerse como idade do início da
menstruação os 11 a 14 anos, e o da maturidade sexual do rapaz um pouco mais
tarde, entre os 14 e os 16 anos. A menopausa feminina o desaparecimento da
menstruação dáse aproximadamente entre os 45 e 55 anos de idade; como idade
média considerase hoje os 47 anos.
A nossa exposição acerca da evolução da sexualidade ainda não está completa. Não
nos referimos ao desenvolvimento do amor, este fenómeno central da vida humana,
a não ser no que se refere aos seus fundamentos na primeira infância. Também não
tratámos por enquanto todos os dados da vida sexual nas diferentes idades e sob
as diferentes condições culturais e outras ainda. Estes grandes campos da
investigação psicológica serão tratados em diversas outras passagens deste
livro, e tanto a propósito do problema da personalidade, como ao referirmonos
ao decorrer da vida. Aí, e em conexão com a exposição da psicoterapia da
actualidade, deternosemos além disso nas importantes questões do
desenvolvimento patológico da sexualidade.
O grande capítulo sobre o desenvolvimento de funções e
realizações, que termina aqui, foi dedicado especialmente aos factores de
maturação tanto quanto se pode realmente fazer uma tal divisão que agem
sobre o desenvolvimento cognitivo (isto é, os factores que servem para o
conhecimento), sobre o
desenvolvimento do jogo e criação, assim como sobre o desenvolvimento social e
sexual. No desenvolvimento social e sexual o ambiente desempenha, como se
compreende, um papel ainda mais decisivo do que nos primeiros dois grupos. Por
isso teremos de referirnos mais uma vez pormenorizadamente ao desenvolvimento
social e sexual ao discutirmos a personalidade, o
decorrer da vida e a sociedade.
6. INVESTIGAÇõES SOBRE O DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DE ESTUDOS LONGITUDINAIS
Os factos que relatámos no capítulo anterior foram recolhidos principalmente com
a ajuda de observações sistemáticas e de
estudos experimentais. Para isso procedese do seguinte modo: observamse
comparativamente, sob o aspecto de determinados problemas do desenvolvimento,
grupos de indivíduos que pertencem a diferentes classes de idades.
Mas há ainda outro método para a investigação do desenvolvimento: tratase da
técnica dos estudos longitudinais. Entendese por estudos longitudinais, ou
estudos em cortes longitudinais, as observações que se fazem continuadamente,
durante diversos anos, num determinado número de pessoas. Em pormenor pode
trabalharse com observações, entrevistas e testes, ou então com uma combinação
destes métodos. O que é muito importante é que o projecto, com cuja ajuda cada
indivíduo isoladamente vai ser continuadamente apreendido em todas as suas
exteriorizações e do modo mais completo possível, seja montado e realizado
sistematicamente.
Fazemse investigações desta natureza, desde os anos 20 do nosso século, em
muitos sítios, mas especialmente na América; já estamos hoje em condições de
abranger o seu valor e os seus resultados, assim como de tirar proveito delas.
Assim, como
Hans Thomae mostrou há pouco, tais investigações, que necessitam de tanto tempo
e paciência, revelamse extraordinariamente valiosas para o esclarecimento de
alguns problemas fundamentais do desenvolvimento.
O problema principal é o seguinte: Como se processa na realidade o
desenvolvimento de um indivíduo? Em que consiste realmente o desenvolvimento?
Parece tão simples e tão evidente quando a mãe de Maxel (vide pág. 155) se
refere ao rápido desenvolvimento do seu filho. Mas se estudarmos as suas
palavras com exactidão, põese imediatamente a questão: o que é que ela quer
dizer realmente quando emprega a palavra «desenvolvimento»? E o que queremos nós
dizer quando empregamos esse conceito?
Desenvolvimento gradual e desenvolvimento repentino
Por um lado a mãe de Maxel fala evidentemente de modificações que se processam
gradualmente e com continuidade. Maxel aprende todos os dias, por exemplo, a
andar ou trepar melhor, a fazer isto ou aquilo melhor, e aprendeo num ritmo
rápido e individual. Por outro lado, pensa também em modificações repentinas,
sem que necessariamente o explique a si
próprio. Quando uma criança, por exemplo, aprende a falar, introduzse algo de
absolutamente novo na sua vida.
Quando a minha filha percebeu a primeira palavra, isso representou um
acontecimento verdadeiramente dramático. Tinha acabado de fazer nove meses; eu
estava com ela ao colo e puslhe o relógio de pulso ao ouvido. E disse a
brincar: «tictac, tictac». Ela escutou, esforçandose, e depois quis ver e
agarrar o relógio. Eu disse outra vez «tictac». Ela olhou para a minha boca,
para o relógio e de novo, com um espanto de quem não acredita, olhou para mim,
para os meus olhos. Eu acenei com a cabeça, disse «tictac», ao que ela
sussurrou interrogando «tá, tã»? E quando eu voltei a acenar com a cabeça, ela
repetiu mais alto «tá, tá», outra e outra vez, e por fim com voz regozijante
«tá, tá», balouçando o relógio para cá e para lá.
Ela tinha apreendido pela primeira vez que os sons e que as sílabas pertenciam a
este objecto e que com esta palavra se
podia falar deste objecto.
Depois de ter reconhecido o princípio, a criança aprendeu a falar com enorme
rapidez, apontando interrogativamente para outros objectos e querendo ouvir os
nomes. Com a compreensão do primeiro nome abriuse repentinamente um novo mundo
da compreensão.
Tal como Maxel, também a minha filha progrediu rapidamente. Mas isto quererá
dizer que este progresso será igualmente rápido em todos os campos e em todas as
épocas? É claro que não. Há campos, assim como períodos, em que o progresso é
menos rápido e provavelmente até será retardado por acontecimentos
desfavoráveis.
Maxel, por exemplo, desiludiu mais tarde os pais por se
tornar muito rebelde e ter de ser frequentemente castigado.
Isto começou pelo facto de Maxel, que era muito inteligente, se aborrecer na
escola. Em consequência disso fazia toda a
espécie de disparates e falava durante as aulas com outras crianças. A
professora não compreendeu este mau comportamento e deulhe uma má nota.
Maxel achou isso injusto; e quando mesmo uma explicação da mãe com a professora
não conseguiu demover esta, ele vingouse desleixando os seus trabalhos
escolares.
O desenvolvimento de uma pessoa é um processo muito complicado e depende de
influências muito diversas. Ainda ninguém conhece exactamente a conexão dos
diversos traços da personalidade e quais aqueles que se modificam mais do que
outros.
Constância e variabilidade no desenvolvimento
Isto designase pelo problema da constância e variabilidade no desenvolvimento.
Dele se ocuparam imensos investigadores, porque todas as previsões sobre o
desenvolvimento de uma pessoa dependem de se reunirem sobre este tema o maior
número possível de conhecimentos.
Devemos já uma série de conhecimentos às investigações longitudinais em
grande escala que têm reunido material em
vários sítios. Como exemplo referirnosemos primeiro aos conhecimentos que nos
forneceram os vastos trabalhos do Instituto de Psicologia da Universidade da
Califórnia, em Berkeley. Estudaramse aí inúmeros problemas de desenvolvimento
sob a orientação de Harold e Mary C. Jones, Jean Mc. Farlane e Nancy Bailey. O
mais original dos trabalhos desta escola pareceme ser o estudo sobre Conexões
de traços de personalidade. Examinaramse estatisticamente grupos de modos de
comportamento ou de «qualidades», sob o ponto de vista da sua conexão constante.
Daremos um exemplo. Suponhamos que os investigadores querem determinar se existe
um grupo de modos de comportamento que é característico para uma pessoa
«madura». Falase geralmente de pessoas «maduras» e «imaturas», e isso
independentemente de qualquer idade. O que se entende então por «maduro»?
Os observadores procuram determinar descritivamente quais os traços que
contribuem em diversas idades para a impressão de «maduro». A partir de uma
determinada idade, parecem poder observarse em todas as personalidades que nos
dão a impressão de «maduras», certos modos de comportamento, como
ser «consciente das suas responsabilidades, diligente, realista, objectivo».
Um outro grupo de qualidades que aparecem sempre reunidas consiste, por
exemplo, em traços como ser «exageradamente ordenado, ter uma maneira de ser
retraída, ser extremamente autodominado».
Mas duma maneira geral as previsões que se apoiaram sobre a suposição de uma
constância de tais grupos de qualidade não se revelaram muito boas.
Nancy Bailey achou especialmente decepcionante a variabilidade, isto é, a
pequeníssima constância da evolução da inteligência, ou daquilo que é
apreendido pelos testes como «inteligência». Peter Hofstãtter demonstrou numa
análise factorial a variação
dos factores parciais de realizações intelectuais analisados no
decorrer dos anos, especialmente pelos testes de inteligência, com o que chama a
atenção para um facto que explica a dificuldade de previsibilidade.
As grandes investigações no Instituto FeIs do Antioch College interessamse
menos pela descrição de grupos de qualidades; o
orientador das investigações, Lester Sontag, segue uma orientação mais clínica,
e os factores de personalidade por ele determinados representam mais categorias
de necessidades do que descrições de comportamento.
Sontag é de opinião que talvez exista um factor geral da personalidade, e é na
motivação para a realização que ele o vê como o factor mais constante e de maior
confiança para as previsões do desenvolvimento. A determinação da necessidade de
realização é feita mediante uma série de variáveis; a elas pertence o grau de
dependência ou independência emocional de uma criança em relação aos pais, o
grau de agressividade, de iniciativa e prazer de competição. Todos estes
factores de motivação são obtidos por diversos observadores independentemente
uns dos outros.
As previsões sobre as necessidades de realização obtidas deste modo eram de
mais confiança do que as previsões sobre o desenvolvimento da inteligência ou
sobre as relações entre o
crescimento físico e mental. Contudo isto quer dizer, falando de uma maneira
geral, que as necessidades e posições são mais constantes do que os modos de
comportamento.
Um terceiro grupo que se ocupou de estudos longitudinais, na Universidade de
Minnesota, dedicouse especialmente a questões de previsão acerca da futura
adaptação à vida. As previsões apoiamse numa série de características que dizem
respeito à própria criança, à sua família e aos seus êxitos escolares. E John E.
Anderson e os seus colaboradores verificaram que se pode prever com muito maior
segurança uma muito boa capacidade de adaptação à vida do que o contrário, mas
que também se podem prever até certo grau um abandono da escola antes do tempo
devido e tendências criminosas; no entanto, verificaram sobretudo que toda a
espécie de previsões objectivas exigem métodos extraordinariamente vastos e
caros.
Mas apesar destas dificuldades na Europa já se trabalha em estudos
longitudinais: na Inglaterra e na Noruega estãose a lançar as bases de
investigações por testes, na Suíça encontramos Jean Piaget ocupado na questão do
desenvolvimento individual da inteligência, enquanto Richard Meili observa o
aparecimento e a constância de modos de comportamento
caracterologicamente essenciais a partir dos primeiros meses de vida. Num vasto
estudo longitudinal estão a observarse na Alemanha crianças em idade escolar,
no que respeita à conexão entre a sua personalidade e as suas realizações. E aí
Hans Thomae verificou, tanto para as realizações escolares como para o
desenvolvimento da inteligência, que em geral há mais constância do que
variabilidade e que por isso talvez se justifique falarse do estilo de
desenvolvimento específico de um indivíduo.
Este «estilo» originase, como Hans Thomae expõe noutra passagem, em grande
parte pelo facto de se «fixarem» determinados traços.
Este facto da fixação no decorrer do tempo, que é tratado por Robert Heiss como
um dos factos fundamentais da formação do carácter, está empiricamente bem
provado pelo facto de os estudos longitudinais com adultos revelarem uma grande
estabilidade de determinados traços. Isto vale por exemplo para as observações
sobre os interesses, que Edward Strong realizou em investigações «Followup» com
engenheiros, e num espaço de tempo não inferior a 19 anos. E vale para muitas
outras acções fundamentais, posições e valores, para as quais Lowell Kelly fez
provas com uma série de pessoas com cerca de 25 anos, repetindo as provas vinte
anos mais tarde, quando tinham cerca de 45 anos.
O problema é saber como é que se realiza esta fixação, a
que também se chamou cunhagem.
7. O DESENVOLVIMENTO COMO CUNHAGEM
No primeiro volume do grande «Manual de Psicologia» alemão, dedicado à
Psicologia do desenvolvimento, Hans Thomae ocupase pormenorizadamente do
fenómeno da cunhagem. Tanto ele como Peter Hofstãtter são de opinião que a
cunhagem se realiza mediante uma aprendizagem involuntária «natural», durante a
qual o indivíduo se fixa gradualmente em determinados modelos de conduta. A
Psicanálise tal como a Psicologia da Cultura contribuíram com imenso material de
documentação para demonstrar como as influências dos pais e os costumes e usos
levam desde cedo a criança a determinadas vias de conduta.
Mas aqui não devemos menosprezar um facto: que o indivíduo por sua vez reage
selectivamente sobre o ambiente que o rodeia e, segundo as suas tendências
básicas, ou se deixa determinar fortemente por ele, ou o determina através de
uma criação formadora.
15
Uma prova interessante para demonstrar como o indivíduo trata selectivamente a
realidanos fornecida rede, foi A centemente por Lois Mur L
phy em observações sobre os métodos de que se servem as crianças para vencer
dificuldades. No trabase lho de Murphy tratava de estudos de corte longitudinal
dentro do âmbito de um projecto de investigação da Menninger Foundation. Ela
verifica =wawee@ que os métodos individuais de domínio, que se
observam durante períodos prolongados, corres145 Esta menina é demasiado tímida
pondem a um estilo de para participar no jogo dos outros. Su personalidade.
Por exempera a sua timidez consolandose com plo, é um estilo de domíduas
bonecas. (Segundo Louis Murphy) nio adaptarse ás circunstâncias dadas, um
outro, darlhes criadoramente outra configuração. Isto corresponde bem às
tendências fundamentais da adaptação autolimitadora e da expansão criadora, por
nós anteriormente estabelecidas.
A imagem mostranos um acto que modifica criadoramente a configuração da
situação: a menina que numa reunião de crianças é demasiado tímida para
participar nos jogos dos outros, consolase com duas bonecas que traz ao colo.
Repetiuse e foi representada de modos diferentes a ideia de que os indivíduos
formam um estilo de vida pessoal, segundo o qual se desenvolvem. Assim, Alfred
Adler, baseandose na sua
experiência clínica, falava de uma «linha condutora» que o indivíduo seguia.
Neste conceito, assim como no da «formação do estilo», acentuase a parte
activamente criadora do processo da fixação. E Erich Rothacker vê, por exemplo,
na estilização, um
dos factores principais do desabrochar cultural. Pensase aqui decerto numa
escolha e configuração activa.
o filósofo Wilhelra J. Revers, por outro lado, define o cunho da personalidade
como proveniente da história dos seus «encontros com ordens e modelos», e parece
dar o devido lugar a ambos
os aspectos, ao princípio de selecção, como ao princípio das influências.
Contudo pareceme que as influências que formam o indivíduo não são apenas
«ordens», mas também «forças».
Hans Thomae mostra num estudo pormenorizado como o
indivíduo se ocupa durante todo o desenvolvimento destes factores que influem
nele. Opondose à demasiada acentuação da influência cunhadora dos primeiros
anos de vida, como o faz a
Psicanálise, Thomae é de opinião que a cunhagem é um processo que continua
durante toda a vida.
E assim o homem experimenta, no decorrer da sua evolução, um cunho tanto mais
individual e desenvolve um estilo tanto mais individual quanto mais tempo viver.
Isto vale aliás só para aquele que vive mais ou menos ordenado e com uma
finalidade, enquanto aqueles que não têm finalidade, os desorganizados, assim
como os vencidos pelo destino, decaem com a idade.
8. TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO
Nos2 últimos capítulos falámos muito pormenorizadamente dos métodos da moderna
investigação do desenvolvimento. E a
razão disso estava, por um lado, no facto de crermos que era
de interesse para o leitor ouvir algo sobre estes moderníssimos métodos de
trabalho dentro da psicologia do desenvolvimento. Por outro lado quisemos
apresentar muito nitidamente ao leitor
a enorme complexidade do problema do desenvolvimento e mostrarlhe assim quais
as dificuldades com que depara o pensamento teórico neste campo. Pensamento
teórico para que necessitamos de todas estas teorias? Isso poderão perguntar
alguns. É uma pergunta justa, pois exige uma resposta satisfatória, que é a
seguinte: Precisamos de teorias para primeiramente pormos alguma ordem na
plenitude dos factos, e depois sobretudo para, na medida em que isso seja
possível, tornar a nossa vida humana mais compreensível.
Assim, já em passagens anteriores deste livro meditámos acerca do problema da
finalidade da vida e sobre o problema das mutações por que passamos. Desde o
início ocupámonos sempre da questão de como se interligariam as nossas próprias
predisposições com as influências determinadas pelo mundo ambiente e pelo
decorrer da nossa vida.
E agora finalmente vamos pensar qual será o modelo que promete prestar melhores
serviços para a compreensão e a visão sobre o decurso em conjunto do
desenvolvimento humano.
Hans Thomae, na grande obra sobre Psicologia do desenvolvimento que já citámos,
deunos uma visão geral muito meritória sobre o grande número de modelos que têm
servido de base às ideias e teorias sobre o desenvolvimento. Todos estes modelos
tocam aspectos importantes do desenvolvimento humano. Hans Thomae referese ao
ponto de vista da cunhagem, que acabámos de discutir, depois à teoria da
diferenciação,. especialmente tratada por Heinz Werner, diferenciação que se
realiza no decorrer do desenvolvimento, assim como aos pontos de vista da
repetição dentro do processo evolutivo e da «estratificação» de «formações» . A
última teoria, especialmente divulgada dentro da Psicologia alemã, baseiase na
suposição de que o desenvolvimento se realiza por fases e que, tal como
segundo Peipes se «amontoam camadas da actividade cerebral de diversas idades
... » Esta formação de camadas também vale para o psíquico. A teoria das
camadas, de Lersch, que é um dos seus principais representantes ao lado de
Rothacker e Rudert, será tratada no capítulo sobre a personalidade.
Mas o mais útil pareceme ser o modelo por fases, de que Thomae igualmente fala,
em que a evolução é encarada como
dividida em passos ou degraus. Prefiro este modelo por fases por duas razões
principais: Primeiro permite melhor do que qualquer outro modelo o
estabelecimento dum paralelo com a
evolução biológica, que, embora diga respeito apenas a um
aspecto parcial da nossa existência, nunca deveria contudo ser
deixada de parte. Em segundo lugar o modelo por fases é o que corresponde melhor
à maneira como pensamos fáctica e praticamente acerca da nossa vida e como a
vivemos. De facto e na prática estamos continuamente ocupados a dividir a nossa
vida. Pois quer falemos de recordações quer de planos de futuro quase sempre
relacionamos as nossas vivências com fases da vida:
«Construímos a nossa bonita casa quando eu tinha 46 anos e obtive esta boa
colocação», diz Bill Roberts cujo decorrer da vida utilizaremos mais adiante
como modelo de desenvolvimento.
«Só comecei a minha actividade de pintura em idade avançada, embora
anteriormente já tivesse pintado alguns quadros», diz nas suas memórias a genial
Grandrna Moses, que morreu com
101 anos e se tornou célebre como pintora amadora.
Todas as instituições sociais trabalham na base de divisões segundo a idade: na
educação e na profissão, nas definições jurídicas da capacidade de trabalho,
maioridade, capacidade matrimonial, responsabilidade, responsabilidade criminal,
etc., nas questões de reforma e noutras, determinados limites de idade
desempenham sempre um papel importante.
O ponto de vista da ordem das nossas vivências por um lado, por outro lado a
ideia da associação de determinados direitos e deveres ao decorrer da ascensão e
decadência psicossomática, são pelos vistos as razões para todas essas divisões.
Aliás elas acentuam mais o ponto de vista de modificações bruscas do que o de
modificações graduais. Não é necessário deixar de ter em conta as modificações
graduais se se der a preferência à s modificações bruscas, para se obter uma
visão panorâmica e
uma ordem que tenha sentido para a vida prática.
As teorias de fases acerca do desenvolvimento
As diversas teorias de fases acerca do desenvolvimento humano (o termo foi
proposto pela primeira vez em 1925 por Arnold Busemann) dizem respeito em parte
à infância e juventude ou a funções especiais. Como exemplos temos por um lado
as divisões de infância e juventude de Oswald Kroh, as minhas próprias, ou as de
Arnold Gesell, e por outro lado as fases de evolução da libido, de Freud, as
fases do desenvolvimento intelectual, de Piaget, ou, recentemente, as fases da
evolução do Eu, de Erikson.
Todas estas teorias são da maior importância para fins específicos. Mas para uma
visão geral pareceme que uma divisão em fases deveria basearse num princípio
aplicável à vida humana como um todo. E além disso, como Rudolf Bergius expôs de
maneira extraordinariamente clara, deveriam encontrarse critérios adequados da
limitação das fases, isto é, os graus pressupostos deveriam representar
realmente progressos da evolução.
Um princípio simples, com cuja ajuda se podem evitar dificuldades teóricas de
problemas, é o de uma divisão determinada a partir da vida prática. Foi uma
dessas que Robert Havighurst escolheu ao propor o conceito de tarefas de
evolução, correspondentes às realizações que se podem esperar em cada uma das
idades.
Havighurst distingue seis fases da vida sob o ponto de vista das tarefas de
evolução: a primeira infância (de O a 6 anos), a infância média (de 6 a 12
anos), puberdade e adolescência (de 12 a 18 anos), a primeira idade adulta (de
18 a 35 anos), a idade adulta média (de 35 a 60 anos) e a idade tardia (depois
dos 60 anos).
As realizações vitais que se podem esperar em cada uma das fases não estão
rigorosamente limitadas sob o ponto de vista
conceptual; as novas realizações de cada fase realizamse numa
transfiguração gradual daquilo que o indivíduo é capaz de fazer e aprender.
É assim de esperar que, na primeira fase, a criança aprenda principalmente a
dominar o seu corpo e a registar as primeiras relações com o mundo que a rodeia;
na segunda, aprende conceitos e habilidades que são necessários para a vida
quotidiana; na terceira começa a libertarse dos país e a assumir o seu papel
sexual e social dentro da sociedade; na quarta esperase que o
jovem adulto procure um companheiro de vida, case, funde uma família, e assuma
os seus primeiros deveres perante a sociedade. Na quinta fase o adulto, já mais
velho, deve tomar a seu
cargo compromissos sociais e relativos à comunidade e ter estabelecido um
determinado «standard» de vida. Na sexta, finalmente, deve estar apto a encarar
de frente o facto de que as suas forças diminuem, que muitas vezes também
diminui o êxito material, e deve habituarse à ideia da sua morte.
Ascensão e declínio de funções e realizações da idade média
Alguns americanos, especialmente Zubek e Solberg, assim como Pressey e
Kulilen, deramnos uma outra espécie da descrição do desenvolvimento, e de
maneira que a ascensão e declínio de funções e realizações sejam apreendidos e
representados por meios estatísticos.
Estas descrições de factos são importantes e instrutivas. Dãonos normas para
aquilo que podemos esperar em diversos sectores de pessoas de determinada idade
por outras palavras: estas descrições dãonos ensinamentos sobre a respectiva
idade média.
Todos os pais conhecem o conceito de idade média. Especialmente no princípio da
vida do seu filho, a mãe conscienciosa observa cuidadosamente o aumento da
capacidade de realização física e psíquica do bebé. Muitas mães utilizam diários
com dados já impressos acerca dos factos a notar, e a maioria das mães sabe que
cerca do fim do primeiro ano o seu filho deveria começar a andar e a falar.
Servindonos duma expressão psicológica, podemos dizer que é no primeiro ano de
vida que se
adquirem todas as funções básicas.
Muitos pais têm ideias menos claras acerca da altura exacta e a razão pela qual
o seu filho deve ser «asseado», deve comer sozinho e lavarse sozinho ou mais
tarde manter os seus brinquedos em ordem, adoptar determinadas formas de
convivência e ajudar a mãe.
As tradições, os costumes, e as ideias, que mudam constantemente, acerca das
condições óptimas de desenvolvimento, determinam os períodos e as circunstâncias
em que as crianças adquirem os primeiros hábitos. O desenvolvimento do asseio,
da independência, das boas maneiras e da capacidade de cumprir deveres só
raramente se processa sem qualquer orientação. Há crianças que se tornam
asseadas quase por si próprias, que querem ser independentes e gostam de ajudar.
Mas duma maneira geral o desenvolvimento depende de hábitos que servem para o
domínio do próprio corpo e para a primeira integração na sociedade, em grande
parte da educação e ainda mais do exemplo. Visto sob o aspecto puramente da
psicologia evolutiva, deve esperarse a primeira manifestação de independência
na idade préescolar; a primeira consciência de dever começa na altura em que se
inicia na nossa cultura a escola e nas culturas primitivas um ensino orientado
para a vida prática.
Na idade escolar é a escola que dá em grande medida as
normas, que se consideram médias, para os progressos da aprendizagem, do domínio
do corpo e autodomínio e do comportamento em grupo. Mas muitos pais desejam que
os seus filhos não só estejam acima da média, como até sejam precoces.
A precocidade é contudo, segundo as experiências que temos hoje, tão indesejável
como o atraso. Parece que a observação da idade média no desenvolvimento está
geralmente coordenada com uma maior saúde mental e física. Em todos os processos
sujeitos à influência cultural e nesses está incluída em parte até a maturação
física verificamse, verdade seja, grandes oscilações na idade média.
Tarefas de desenvolvimento segundo Havighurst
Apesar disso pode continuar a aplicarse o conceito de idade média na vida
dentro de limites muito amplos, tal como nos expõe convictamente Havighurst, na
sua exposição de «Tarefas de desenvolvimento ».
O início da carreira profissional, o casamento, a fundação de uma família, e a
integração na sociedade são de esperar em média antes dos 35 anos. A
estabilização dos rendimentos e do modo de vida dáse em média antes dos 50
anos. A separação da geração seguinte, as provas objectivas e subjectivas para o
êxito na vida, dãose em média nos anos do climatério. Finalmente encontramos a
partir do meio dos 60 anos formas de vida de retirada da actuação activa na
sociedade.
De tudo isto existem excepções e há em toda a parte oscilações que são
determinadas por muitos factores. Vemos por um lado, que o desenvolvimento
psicofísico e os papéis sociais estão muito interligados; por outro lado,
verificamos que numa
sociedade como a nossa, na qual a manutenção da vida, a capacidade de
realização, a posição social e o êxito dependem grandemente da educação, muitos
processos se adiam em relação à idade! O casamento e a fundação da família
realizamse geralmente muito mais tarde do que o permitiria a maturação sexual.
Por outro lado, quando se decide o tempo que o indivíduo pode permanecer
produzindo activamente, é de maior peso a posição que ele ocupa na economia e na
sociedade do que apenas a idade
e a energia de trabalho. Segundo é mais ou menos forte, mais longa ou
menos longa a influência de todos estes factores, a
pessoa desenvolve as suas energias físicas e psíquicas em harmonia ou
desarmonia interior.
A descrição pragmática do desenvolvimento sob o ponto de vista de processos
que decorrem normalmente ou se desviam da norma, proporcionanos
conhecimentos úteis sobre o que é real na nossa vida. Mas não nos pode
satisfazer se, para além disso, quisermos entender a vida como uma conexão de
sentido.
Os homens de todos os tempos e de todas as culturas procuraram sempre
«compreender» o «sentido» da vida, dar uma interpretação que pusesse todos os
fenómenos vitais em relação
com um princípio transcendente, isto é, com algo que estivesse para além dos
fenómenos. Este princípio pode ser encarado corno diversas coisas, uma
finalidade, uma missão, ou um significado simbólico. É universalmente humana a
necessidade de encontrar um tal sentido; todas as religiões e filosofias estão
fundamentadas nela.
Em minha opinião é incompleta uma psicologia do desenvolvimento humano, enquanto
não incluir a evolução do sentido. Isto é, os factos do desenvolvimento têm de
ser vistos em conexão com os sentidos que os homens lhe dão.
E se quisermos compreender os factos do desenvolvimento em conexões de sentido,
em vez de os registar apenas como movimentos de ascensão e declínio de funções
e realizações, então teremos de introduzir um novo conceito. É o conceito
de Personalidade.
Só quando se considerar o desenvolvimento como história de uma
personalidade, ela se converterá em algo mais do que uma multiplicidade de
processos psicossomáticos, reunidos num indivíduo.
V. A Personalidade
1. O QUE SIGNIFICA A PALAVRA «PERSONALIDADE»?
Não é fácil responder a esta pergunta. «Ele não é uma personalidade», diz o
chefe de um empregado, com o qual não está satisfeito. Ou: «Mas que
personalidade que a pequena já tem», dirá uma mãe a outras pessoas, admirada com
a sua filha de quinze anos.
Personalidade não é o mesmo que pessoa. «Estavam só três pessoas no autocarro»,
e quando contamos isto queremos dizer simplesmente com o conceito pessoa que se
trata de um indivíduo.
Mas também na expressão «pessoa» se contém algo mais do que a
simples ideia de indivíduo. «Cá vem esta pequena pessoa» exclama
o pai radiante quando a sua filhinha de três anos corre para ele. E com esta
expressão orgulhosa e alegre ele manifesta À
que vê em Dora um pequeno ser humano completo. Mas muitas vezes a palavra tem um
sabor mais
ou menos degradan . . . . . .
. . . . . te. «Isto é que é uma
j pessoa. .. », dizse de alguém que não nos
Í agrada por esta ou
aquela razão.
A palavra «pes 146 Originariamente a palavra latina «persona» soa» vem
do latim designava a máscara de teatro por cuja aberi i ‘ tura na
boca falava o actor. A figura mostra o «persona»; origina dramaturgo
grego Menandro com três máscaras
riamente significava a máscara utilizada pelo actor. E assim entendiase por
«pessoa» primeiramente o aspecto exterior e o
carácter de um papel. Mais tarde utilizase a palavra para um
indivíduo digno de nota, que desempenha qualquer papel importante. Hoje a
palavra banalizouse de tal maneira que significa quase a mesma coisa que
«indivíduo». Mas, como já referimos, contém contudo algo mais, isto é, um
indivíduo com todos os atributos próprios do «ser homem».
Um cão não é uma «pessoa», embora o possamos designar como «indivíduo» e também
possamos falar da sua «personalidade». Quando o senhor Witte diz do seu lobo da
Alsácia: «0 Ajax é realmente uma personalidade», podemos sorrir do seu
entusiasmo, mas todos compreendemos o que ele quer dizer: o Ajax é sem dúvida um
«indivíduo», isto é, uma individualidade, um
ser com especificidade pessoal ele é realmente um pouco diferente de qualquer
outro cão da mesma raça mas quando o
senhor Witte fala de Ajax como duma « personalidade », ele quer dizer com isso
ainda mais alguma coisa.
« Personalidade »: é além da especificidade pessoal de um
indivíduo, também o modo como ele exprime esta e como a deixa actuar sobre os
outros. Por outras palavras: no conceito de personalidade unemse não só
qualidades do ser ou qualidades próprias de um indivíduo, mas também a sua
qualidade de efeito. Aos factores desta qualidade de efeito chamamos na
Psicologia actual factores dinâmicos.
O empregado, que segundo a opinião do seu chefe «não é uma personalidade», tem
qualidades de efeito desfavoráveis, e a
pequena de quinze anos provoca espanto pela sua dinâmica tão cedo desenvolvida,
o que não quer dizer nada sobre o facto de
a sua especificidade exprimida ser considerada agradável ou
desagradável. A personalidade de Ajax pode ser descrita pelo seu dono como
«generosa», «atenta» e «inteligente».
Personalidade não é o mesmo que carácter. Muitos igualam as duas expressões. Por
«carácter» devem contudo entenderse em primeira linha qualidades de valor de
uma personalidade. Uma pessoa pode ter uma personalidade impressionante, mas
ter um carácter mau, e alguém que possua um carácter digno de admiração pode ter
uma personalidade pouco impressionante. Falaremos do carácter no fim do capítulo
e também mais adiante em relação às questões de educação. Aqui, vamos analisar
primeiro mais pormenorizadamente a psicologia da personalidade.
2. ACERCA DO CONCEITO DE PERSONALIDADE
Já quando tentámos determinar o significado da palavra « personalidade », vimos
que estávamos perante algo de muito complexo e complicado. Na realidade é muito
difícil descrever uma personalidade, e é ainda mais difícil definir
satisfatoriamente o seu conceito.
Por isso vamos tentar primeiramente descrever uma personalidade. Suponhamos que
alguém pensa numa pessoa que conhece muito bem, por exemplo a mãe. Por onde
começará a descrevêla? Quem tenha uma predisposição sistemática procurará
primeiramente enumerar algumas características externas, seguindo um princípio
qualquer de divisão: «A minha mãe é uma mulher que tem ainda bom aspecto, é de
estatura média e forte, mas não é gorda. Anda à volta dos 70, é ainda muito viva
e está quase sempre de perfeita saúde». Aqui referese à idade, ligandoa à
descrição das características físicas.
«Ela interessase por tudo» e neste ponto a pessoa que descreve passa, talvez
sem ter consciência disso, a descrever características «internas»,
características essenciais, ao referirse a modos de comportamento em que estas
se exprimem. «Quando nós, filhos, a visitamos, ela quer saber exactamente tudo o
que aconteceu; pergunta por tudo e tem uma boa memória para coisas que lhe
tenhamos contado alguma vez. Tem um espírito vivo; lê todas as coisas possíveis.
Viva e simultaneamente cordial, ela é uma das pessoas que manifestam também o
seu amor. Abraçanos e tem sempre algum petisco para nós. Também tem sempre
qualquer coisa para outros hóspedes, pois é muito hospitaleira. Antigamente
gostava muito de conviver. Do seu grande círculo de amigos, continuam muitos a
visitála».
E assim por diante. Para este relator sistemático pertence à personalidade tudo
o que se pode dizer sobre uma pessoa: qualidades físicas e psíquicas, modos de
comportamento, o círculo de vida e as relações humanas, as finalidades e valores
que esta pessoa parece seguir e a vida e o agir próprio da sua idade.
Observadores menos sistemáticos indicam muitas vezes sem rodeios uma qualidade
qualquer que lhes parece especialmente relevante e característica.
«A minha mãe, diz Linda, uma mulher de 50 anos excepcionalmente feliz e bem
instalada na vida, e de cujo decorrer de vida nos ocuparemos mais
pormenorizadamente a seguir, «a minha mãe foi e é sobretudo uma pessoa
extraordinariamente amorosa.
Este grande amor que ela sempre nos mostrou, a nós, filhos, foi para mim a minha
maior felicidade desde a minha mais remota infância. Estarei sempre grata por
este amor, porque me deu alegria de viver e o sentimento do meu próprio valor».
Nesta descrição colocase a personalidade toda num denominador principal, e a
qualidade mais importante assim descrita é posta em relação com o tempo e
mostrada nos seus efeitos.
Algo de parecido se dá com a caracterização contrária que nos dá da sua mãe uma
paciente em tratamento psicoterapêutico:
«A minha mãe era uma pessoa terrivelmente egoísta», diz Wanda, muito excitada.
«Exigiu sempre muito dos filhos, e quando fazíamos alguma coisa que não lhe
agradava, muitas vezes já não falava mais connosco. Por exemplo, desde o meu
casamento não fala comigo, porque não festejámos o casamento como ela o exigia.
Durante toda a minha vida me carregou de complexos de culpa; também a minha
doença actual está relacionada com o facto de eu me sentir culpada».
Nesta descrição todo o resto perde importância perante o
efeito de personalidade sofrido por Wanda.
Enquanto o primeiro grupo de relatores traz à luz e reúne mais ou menos tudo o
que sabe acerca da pessoa descrita, os relatores do segundo grupo partem
primeiramente de uma
característica central, a partir da qual se lhes torna compreensível toda a
pessoa, e pela qual eles parecem estar exclusivamente determinados.
Gordon Allport, que foi um dos primeiros psicólogos modernos que tentou analisar
o difícil problema da personalidade, e que pertence aos mais relevantes
investigadores neste campo, chama ao primeiro grupo definições «omnibus», por
estas caracterizações, tal como um autocarro, carregarem absolutamente tudo o
que é susceptível de ser transportado.
Esta maneira de descrever a personalidade será muito plástica, mas segundo
Allport o seu erro consiste em não ter em conta o ponto de vista da ordenação
interna da personalidade. E neste ponto chegamos ao factor talvez mais
importante para a compreensão da personalidade humana: o factor da organização
interna. A personalidade humana, ou mais exactamente, a personalidade humana
normal é um todo ordenado. A doença mental começa vulgarmente com a perda ou
ameaça desta unidade e ordem interna.
Gilbert por exemplo descreve assim a sua mãe: «A minha mãe tem sobretudo um
temperamento horrível. Quando lhe solta as rédeas, fugimos todos. «A mãe está de
mau humor», diz a
minha irmã Marta, «é melhor saíremlhe do caminho está outra vez com as dores
de cabeça». E contudo noutros momentos
é capaz de ser amorosa e amável. Então lianos livros quando éramos crianças, ou
ia connosco a um museu... Nunca pudemos compreender isso e nunca se podia prever
se estava de bom ou mau htimor».
Esta é a descrição que um homem faz da mãe, partindo dos seus estados de
espírito, cuja inconstância ainda hoje, com
37 anos, lhe é absolutamente incompreensível, pois nunca conseguiu compreender
as relações internas desta mudança de humor, porque não conhecia os fundamentos
da sua desunião interna. Ninguém sabia a causa do facto de ela, ao que parecia,
se deixar arrastar pelos seus sentimentos.
Como se verificou um dia, esta mulher estava doente, tanto psíquica como
fisicamente. Um tumor cerebral (que mais tarde foi extraído), apresentou uma
base objectiva das dores. Mas além disso esta mãe fora uma pessoa muito amimada
pelos pais e pelo marido, e era tão imatura como desfinalizada na sua
posição perante a vida.
Desta descrição resulta uma série de outros pontos que são importantes para a
determinação do conceito da personalidade. As pessoas esperam que uma
personalidade seja «compreensível».
«Nesta mulher nada faz sentido», disse uma vez Gilbert em conversa, referindose
à mãe.
O que quer ele dizer com estas palavras? A possibilidade de compreensão e o
sentido de uma personalidade resultam, se pensarmos bem, do facto de a conduta
total de uma pessoa parecer indicar determinadas orientações fundamentais que
representam o principal princípio de ordenação. A orientação fundamental era
para a mãe de Linda a sua posição amorosa para com as pessoas, enquanto para a
mãe de Wanda a orientação principal consistia no seu egoísmo ou pelo menos era
isto que parecia à filha ser a sua principal qualidade.
«Qualidade» é a palavra que muitos prefeririam empregar aqui em vez de
orientação. Mas muitos psicólogos modernos pretendem evitar esta palavra
qualidade, por apreenderem o
homem mais como um sistema dinâmico, e não como um ser munido de características
fixas. Qualidade é algo que pertence mais ou menos imutavelmente a uma coisa,
como o tamanho, a cor ou a finalidade: «0 armário castanho grande destinase aos
teus vestidos», dirá a hospedeira à sua visita, enunciando qualidades que
caracterizam inequivocamente o objecto.
Mas a personalidade egoísta ou amorosa não é o mesmo que uma coisa munida destas
qualidades; a personalidade representa antes um sistema em parte modificável, e
em constante evolução, que é limitado e cingido por um corpo, mas que apesar
disso está em constante relação recíproca com o ambiente exterior, que possui um
centro de forças, e que no seu evoluir contínuo persegue determinadas
finalidades desde o início até ao fim da sua existência. E o modo como o
indivíduo para tal se comporta dános a impressão de se poderem reconhecer
determinadas características.
Esta impressão só é correcta na medida em que a estrutura da finalidade torna
possível a previsão de determinadas características individuais de uma pessoa.
Tais características por exemplo a maneira como a mãe amorosa e a egoísta se
manifestam e comportam é o que nós designamos frequentemente por maneira de
ser de uma pessoa. E com isso exprimimos a convicção de que no decurso de todos
os acontecimentos que se
modificam e de todas as transformações por que possa passar uma pessoa, existe
um conteúdo básico, um algo íntimo e indefinível que mantém a coesão de todos
nós e nos determina como indivíduo. É a este último valor intrínseco que
chamamos o Eu (Selbst).
Este Eu, cuja definição é ainda muito discutida, como veremos mais adiante, é,
apesar da sua natureza problemática, agora reconhecido por muitos teóricos como
o centro da personalidade. E é deste Eu que partem as orientações de finalidade.
O Eu é o centro de uma organização hierárquica de processos que constituem o
sistema da personalidade. Esta organização hierárquica possibilita a unidade
interna da Personalidade.
Isto significa que as diversas tendências que se manifestam simultaneamente em
diferentes profundidades e em diferentes camadas da personalidade são mantidas
em ordem através de uma estrutura hierárquica. Esta hierarquia não é fixa,
imutável, mas realizase até certo ponto continuamente de novo. Um exemplo
permitirnosá entender isto melhor:
Gilbert o filho daquela mãe com humor imprevisível é comerciante, empregado
numa firma de publicidade. Ele é o
encarregado da organização dos anúncios, que são publicados em duas revistas
semanais de grande expansão. O trabalho proporcionalhe muita alegria, e ele
está contente por ter finalmente encontrado um lugar cujo trabalho lhe
interessa, enquanto anteriormente durante anos não parara em parte alguma. Hoje,
que tem 37 anos e está casado há dois, tem por fim a sensação de estar bem
instalado na vida, embora, como sabe, o tenha
começado a estar já bastante tarde. Ele não fora uma pessoa concentrada, não
tivera ordem interna como a mãe, pensa ele por vezes. Sentiu muitas vezes como
muito desfavorável a
influência desta sobre a sua evolução.
Mas hoje crê ou espera estar no bom caminho. A organização hierárquica da sua
personalidade é neste momento a seguinte:
O mais importante para ele actualmente é o seu êxito profissional. Ele sabe que
é uma pessoa apenas mediamente dotada, mas crê que o seu interesse pelo
trabalho, o facto de ser consciencioso e diligente, e também a sua popularidade
entre os
colegas lhe proporcionarão uma carreira segura e uma boa remuneração. A
orientação finalizada de uma vida bem adaptada e assegurada está para Gilbert
acima de tudo.
A seguir vem o desejo intenso de uma grande felicidade no
casamento. E muitas vezes pergunta a si próprio se isto não estará realmente em
primeiro lugar, se uma carreira profissional boa e segura lhe interessaria sem a
felicidade conjugal. Ou serão ambas as coisas igualmente importantes? A
hierarquia de finalidades que encontramos em Gilbert tem provavelmente dois
pólos principais ele não é capaz de se decidir: Profissão? ou
felicidade conjugal? Esta questão ocupao muitas vezes, porque o casamento por
enquanto não é tão feliz como ele o esperara. Diana não o ama tão intensamente
como ele a ama, e muitas vezes parecelhe deprimida e irritada. Nesses momentos
Gilbert aparece logo com perturbações de estômago. Tem agonias, tem sensações de
pânico, tem suores. O seu corpo parece não resistir a tais provas. Embora de
constituição atlética e absolutamente saudável, Gilbert sentese muito diminuído
por estas fraquezas, através das quais sente as suas reacções psicossomáticas.
Nesses momentos sentese uma «pessoa fraca».
A sua terceira finalidade mais importante parecelhe ser a
de dominar as suas fraquezas e a sua tendência para falta de concentração. O que
ele considera como sinal de uma personalidade que está apta para a vida, é a
ordem interna. O pai de Gilbert foi neste aspecto um modelo muito melhor do que
a mãe, mas o pai divorciouse da mãe já durante a infância de Gilbert, e como
foi viver para outra cidade não via o filho com tanta frequência como este
desejaria.
Poderíamos naturalmente continuar e mostrar como tendências secundárias,
interesses, deveres e problemas do diaadia se adaptam a esta imagem das
orientações finalizadas dominantes. Desde o levantar de manhã, à pontualidade no
trabalho, às reuniões e convivência social. As arrelias ou triunfos
profissionais, questões de apetite, digestão, cansaço e constipações, até
ao banho e deitar, desempenham tal como predisposições inúmeras, maiores e
menores, mais ou menos profundas, os papéis mais diversos no sistema da
personalidade de cada pessoa.
Como vimos, a capacidade de adaptação a tarefas da vida, assim como às condições
dadas, representa um factor importante, que Gilbert tinha muito em consideração.
Muitos teóricos consideram esta capacidade de adaptação ao definirem a
personalidade.
E se no fim deste capítulo procurarmos uma definição de personalidade que seja
válida, então pareceme aquela que Gordon Allport nos dá, a que melhor está de
acordo com a nossa exposição.
Personalidade, diz Allport, é a organização dinâmica, que resulta no íntimo de
um indivíduo, daqueles sistemas psicofísicos que determinam o modo de adaptação
ao meio característico e próprio de cada indivíduo.
Nesta definição põese naturalmente logo a questão de qual a organização e de
qual o sistema de que se trata aqui.
3. A ESTRUTURA E A EVOLUÇÃO DA PERSONALIDADE
A personalidade do homem tem uma estrutura extraordinariamente complicada. É
verdade que temos por vezes a impressão de que certas pessoas são «simples» e
outras, pelo contrário, «complicadas». Esta impressão provém da estrutura de
motivação da personalidade em questão. Mas até as pessoas mais simples têm, uma
vez que são pessoas e isto vale para toda a gente, uma complicada estrutura de
personalidade.
Temos em primeiro lugar o vasto sistema de acção, do qual parte a acção humana;
nela manifestamse as disposições naturais que são continuamente notificadas
pela aprendizagem. Falámos pormenorizadamente disto em capítulos anteriores. Na
base do sistema de acção está o complicado sucesso psicossomático no qual se
integram, quer de modo recíproco quer de outra maneira, os fenómenos
determinados corporalmente e os fenómenos determinados psiquicamente.
Em segundo lugar, os processos de personalidade estão até certo ponto submetidos
a uma transformação ininterrupta. Esta transformação consiste em parte em
evolução, e em parte em modificações, em que desempenham um papel, por exemplo,
as doenças ou outras perturbações no seu decorrer regular. Daí haver dentro da
continuidade dos sucessos, sob certos pontos de vista, descontinuidades dos
processos.
Em terceiro lugar, os processos da personalidade estão determinados pelo tempo:
A personalidade é sempre determinada pelo seu passado assim como pelo seu
futuro, enquanto vive no
presente. Isto significa que a visão retrospectiva e a visão de futuro têm um
valor diferente nas vivências e no tratamento dos problemas de vida actuais, e
em grau individualmente diferente.
E em quarto lugar chegamos à parte talvez mais complicada da personalidade, isto
é, a estrutura de motivações e finalidades. As motivações, como vimos num
capítulo anterior, tanto podem ser inconscientes como conscientes. Numa mistura
característica, motivos conscientes e inconscientes convertemse em
determinantes dos sucessos psíquicos.
Das motivações, por um lado, e das situações dadas, por outro, resulta em quinto
lugar a estrutura dos fins, tão rica e
tão complicada, com a qual o homem está ocupado quase ininterruptamente. Embora
se verifiquem variações individuais no que respeita à constância, à riqueza, à
complexidade e ao horizonte da finalidade, não existe contudo nenhuma existência
humana em
que não jogue um papel fundamental a orientação finalizada.
Mesmo aquele que se entrega à actividade lúdica ou ao descanso não pode evitar
ocuparse de fins que dizem respeito à vida quotidiana. Se acaba de tomar o seu
banho de sol na praia, tem de saber para onde háde dirigir os seus passos, onde
e
quando háde ir comer e como háde passar o resto do dia. Enquanto ser humano,
não pode escapar a ter intenções, mesmo
que tente viver sem fins.
Estas finalidades, tais como as motivações que estão na sua base, realizamse
nos mais diversos domínios da vida, nas
mais diversas camadas e profundidades da personalidade.
Enquanto o veraneante que volta da praia poderá pensar, por um lado, onde e como
irá satisfazer o seu apetite, por outro lado talvez também se ocupe da questão
do que háde fazer à tarde e à noite. Depois, a caminho do restaurante, lembra
se que queria escrever à mãe e que tem de mandar um
cheque à mulher. Então pode passarlhe momentaneamente uma
preocupação monetária pela cabeça. E por fim, de vez em quando, talvez seja
assaltado por uma sensação de insatisfação, por as
férias afinal não serem suficientemente interessantes nem sugestivas, pelo menos
não serem como ele as idealizara. E numa camada mais profunda pode ocupálo, por
enquanto ainda inconscientemente, a ânsia de um sentimento de felicidade que lhe
falta ainda, com a intuição, também ainda inconsciente, pois está recalcada, de
que lhe falta realmente o essencial na vida.
16
Todos estes processos parciais decorrem de modo relativamente independente uns
dos outros. Este modo de função dos sistemas parcelares da personalidade,
relativamente independente e contudo intimamente relacionado, é a sexta
característica importante da sua estrutura.
Nas diversas teorias da personalidade, estes sistemas parcelares são delimitados
e determinados nas suas operações de modo muito diferente, como veremos. Alguns
investigadores, especialmente de escolas alemãs, como Philipp Lersch, Erich
Rothacker e Albert Wellek, deixamse impressionar mais pelas relações funcionais
de camadas mais profundas e mais elevadas na estrutura da personalidade,
enquanto Siginund Freud e
as teorias americanas da personalidade, que se desenvolveram na sua sequência,
se ocupam mais com os conflitos de impulsos provenientes de diversos sistemas
parcelares.
Apesar da relativa autonomia dos sistemas parcelares, em
sétimo lugar a personalidade é contudo apreendida como uma totalidade, e isso de
um modo individual e próprio. Esta totalidade da pessoa é em primeiro lugar
aquela que é garantida já exteriormente pela limitação corporal do indivíduo. No
interior nem sempre lhe corresponderá uma completa formação unitária.
Onde ela existe, a integração na unidade é o resultado de uma tarefa que começa
com a actividade integradora já do organismo embrionário.
Estamos hoje bastante bem informados acerca destes inícios. Assim Arnold Gesell
descrevenos os primeiros fundamentos desta formação unitária em determinados
processos embrionários. Ele verifica que no feto, enquanto vive no útero
materno, se têm de integrar mutuamente de modo correcto, principalmente cinco
factores. Estes são:
1.O homeostasia a regulação do equilíbrio interno de todos os processos (vide
pág. 145);
2.O processos de respiração;
3.O estados de consciência (que segundo as mais recentes descobertas de Head já
têm os seus prenúncios no tecido nervoso);
4.O tónus muscular;
5.O actividade motora. É da correcta interrelação destes factores básicos
durante o crescimento embrionário que depende a saúde dos fundamentos
psicofísicos para a formação da personalidade. Lauretta Bender mostranos, nos
seus brilhantes estudos sobre crianças esquizofrénicas, que a fundação unitária
da sua personalidade
já aparece perturbada no seu desenvolvimento prénatal, portanto já desde o
início. Ela falanos da «incompreensão homeostática» destas crianças. Na
realidade observamos também mais tarde a incapacidade para uma formação de
unidade interna como característica principal da personalidade esquizofrénica,
que nunca consegue integrarse e acaba por desmembrarse.
Todos os observadores verificam nas crianças esquizofrénicas, sobretudo a sua
angústia. Elas podem vir a ser de tal maneira dominadas por estes contínuos
estados de angústia que percam a capacidade para qualquer conduta ordenada. O
facto de se malograr totalmente toda a formação de equilíbrio tal como de
integração e unidade parece ter como consequência aquela profunda angústia,
mesmo tortura, que se pode observar em determinados casos de esquizofrenia mais
do que em qualquer outra criatura viva.
«Tenho um buraco, tenho um buraco grande na perna», grita a Nina de três anos,
puxando, na sua loucura, pelos cabelos, e revolvendose na cama em que a
deitaram para dormir depois do almoço.
É claro que não havia nada de patológico na perna, mas Nina fixava e apontava
entre a sua gritaria com o dedo para a perna, onde «via» o buraco.
Uma imagem do corpo de tal modo perturbada é típica para a perda ou realização
deficiente de uma percepção da própria totalidade, tal como a encontramos entre
os esquizofrénicos.
Ao bemestar que sente a pessoa normal quando funciona com consciência do
equilíbrio interno, da ordem e unidade internas, opõese como vivência oposta a
angústia do doente, cuja formação de unidade falha como consequência de
equilíbrio interno deficiente, como consequência de desordem interna ou
desagregação interna.
Há ainda um oitavo factor importante para a realização da unidade e ordem
interna, a que nos referiremos agora.
Utilizemos o exemplo do nosso veraneante para nos esclarecermos acerca desse
factor.
Aí vem ele, um homem de estatura média e de meiaidade, da praia de qualquer
estação balnear. Vai a caminho do almoço. Já sabemos: pelo caminho ocupase da
questão de onde háde comer, de planos para a tarde e noite, de recordações, de
cartas e cheques que tem de mandar, depois de questões de dinheiro e finalmente
de um certo malestar acerca do decorrer das suas férias e de toda a sua vida
passada.
A imagem é nítida, as vivências descritas dão a impressão de ordem interior e de
um equilíbrio interno, embora mantido com certas perturbações e com aquela
unidade interna, um pouco ameaçada mas contudo funcionando, com que encontramos
tantas pessoas por aí. Mas falta algo de essencial antes de compreendermos a
personalidade deste homem.
«Como é que ele se chama?», pergunta a senhora Sommer que está sentada no
terraço do hotel quando passa o nosso
homem, pois para numerosas pessoas é muito importante o nome
para determinar a identidade de uma personalidade. «Senhor Wiener, pareceme»,
diz Hilda, a filha da senhora Sommer «Ah! bem, é judeu. Bem, realmente tem
aspecto disso», acha a senhora Arndt... «E isso é assim tão importante?»
pergunta Hilda. «Ah, não, não», assegura a senhora Arndt, «mas de qualquer
maneira isso caracteriza uma pessoa». «Well», diz Hilda, que estudou durante
um ano como bolseira em Nova Iorque, «características raciais e culturais podem
ser realmente importantes, mas para mim é mais importante saber que espécie de
pessoa se é» «Ê então isso que vos ensinam na América», exclama a senhora
Arndt, e não pode dissimular a sua irritação «Que queres tu dizer com: «Que
espécie de pessoa ele é?» pergunta a senhora Sommer à filha. «Para mim, isso
significa que me interessa saber o que uma pessoa realmente é e quer, se, ao fim
e ao
cabo, é egoísta ou está disposta a ajudar os outros, se sabe o
que tem verdadeiro valor na vida ou se se deixa boiar à superfície... coisas
dessas ... » «Eu julgo que percebo o que Hilda quer dizer», comenta a senhora
Sommer pensativa. «Tal como o Fausto de Goethe quer conhecer «o que mantém em
conexão a terra no seu íntimo», ela pergunta o que mantém em conexão a pessoa no
seu íntimo». «Exactamente, mãe», diz Hilda, «é isso mesmo. Falamos em Psicologia
do Eu (Selbst) de uma pessoa, do seu
cerne mais íntimo».
O Eu (Selbst), aquilo que realmente constitui a identidade de uma pessoa,
aquilo que ela é e quer realmente é isso que garante a sua unidade interna. Por
enquanto ainda se discute se existe um tal e último centro, e como funciona, e,
como veremos, os diversos teoréticos dão a esta questão uma resposta diferente.
Segundo a nossa interpretação, é incompreensível a
formação de unidade sem uma tal instância central.
A estrutura hierárquica das finalidades, reconhecida por todos, só se pode
explicar se supusermos uma centralização. Por enquanto sabemos ainda pouco
acerca da hierarquia da formação de finalidades, excepto que podemos determinar
a sua existência. Esta hierarquia está normalmente subordinada à mutação e à
evolução. Além disso existem construções de finalidades actuais, e para além
disso mais permanentes, num e no mesmo indivíduo.
Assim, no caso do nosso veraneante, de momento talvez se encontre o almoço no
cimo da hierarquia de finalidades. Por outro lado, na outra conexão, mais ampla,
da sua vida familiar, estão depois em primeiro lugar a carta e o cheque, assim
como
as preocupações económicas em relação com a sua profissão. No que respeita ao
bom aproveitamento das suas férias, surge em primeiro plano o problema de maior
satisfação, embora de momento pareça não ter solução. Mas no que respeita a toda
a sua vida, as finalidades mais profundas e últimas são a intuição de que lhe
falta algo e a saudade, embora o nosso viajante por enquanto não queira deixar
que estas se manifestem.
Mas enquanto os sentimentos e os problemas o não subjugam, ele domina o
funcionamento destas e ainda de outras finalidades mantendoas em ordem e
colocando no cimo ora uma
ora outra.
A pessoa psiquicamente normal que é bem organizada e
funciona bem, tem geralmente uma ideia mais ou menos nítida de quais são as suas
intenções principais e quais são as secundárias, de quais são os seus fins mais
próximos e quais estão mais remotos. A pessoa que psiquicamente não está bem
organizada, muitas vezes não tem uma imagem clara daquilo que na realidade são
os seus fins principais e quais os secundários. E o
psicopata é dilacerado por conflitos, e ao que parece tende simultaneamente para
diversas finalidades que não se podem conciliar umas com as outras.
Na pessoa normal, a construção hierárquica de finalidades tem de facto uma
estrutura firme mas é ao mesmo tempo também flexível. A pessoa normal, segundo
as suas satisfações e
desilusões, pode modificar ou remodelar a sua organização, já não falando do
facto de no decorrer da maturação desistir de determinadas finalidades e trocá
las por novas.
Donde lhe vêm os princípios para a ordem que ele realiza? Aqui tocamos um
importante ponto, o nono. Ao que parece, todas as pessoas são determinadas,
naquilo que lhes parecer importante ou sem importância, por diversos pontos de
vista Geralmente a criança aprende com os pais aquilo que estes consideram
importante ou sem importância. Também o restante ambiente, a escola, a
comunidade, a sociedade nacional e cultural são determinantes neste sentido.
Mas o papel mais importante é desempenhado pelas próprias tendências básicas do
indivíduo, como já descrevemos no capítulo sobre a motivação. Estas tendências
básicas, experiências da vida e influências duradoiras do ambiente, fornecem a
cada um de nós os pontos de vista que vamos utilizar selectivamente para
determinar o que para nós é importante e de valor. Isto quer dizer que a
importância vital que uma pessoa dá a determinados êxitos de finalidade, assim
como a hierarquia dos valores que para si formulou, determinam o conteúdo da sua
ordem interna.
Um décimo e último factor, o talento para viver, será introduzido mais adiante.
Vamos esclarecêlo servindonos de exemplos concretos, assim como fizemos com as
outras características de que falámos. E mostraremos um caso importante
pormenorizadamente e até certo grau na sua estrutura evolutiva.
Linda, cuja infância foi tão feliz graças a uma mãe que a
amava, oferece durante toda a vida o exemplo de uma personalidade firmemente
ordenada mas ao mesmo tempo muito flexível. Já em criança ela tinha algumas
linhas de orientação claras mas
que nessa altura ainda não se encontravam sob um denominador tal como aconteceu
mais tarde isto é, não temos ainda uma imagem unitária da personalidade. E
isto embora possamos ver constituirse uma nítida orientação de finalidade de
processos parcelares em diversas camadas de profundidade, já na
criança de três a quatro anos.
Em pequenita, Linda quer em primeiro lugar estar perto da mãe com ternura e
ajuda mútuas. Linda, a segunda de cinco irmãos e a rapariga mais velha, tinha
com três anos, quando o
irmão nasceu, experimentado suficiente amor para poder ajudar a mãe na educação
deste como dos filhos seguintes, sem o menor ciúme. Ajudar os outros e
compreendêlos, esta foi para Linda já cedo uma finalidade importante. Mais
tarde tornouse até certo ponto o seu fim principal, sob o qual todos os outros
se ordenaram e agruparam.
Linda tinha uma terceira finalidade: a de saber e aprender muito. Já com quatro
anos se deixou iniciar nos segredos do alfabeto por Ted, o paciente irmão mais
velho dois anos que estava nessa altura a aprendêlo. A â nsia de saber de Linda
era tão grande como a sua curiosidade. A mãe apoiava e fomentava o seu zelo em
aprender, enquanto o pai, já nessa altura e mais tarde, exteriorizava o seu
desagrado em se educar Linda para uma «sábia». Segundo a sua opinião, o lugar da
mulher era em casa, ela deveria saber cozinhar e uma educação científica apenas
a estragaria. Nesta aversão contra uma instrução superior, aliás rara na
América, o senhor Johnson exprimia em grande parte a sua própria desilusão sobre
a sua evolução: Brent Johnson perdera cedo o pai e a mãe era pobre. Assim teve
de começar cedo a trabalhar e a ganhar dinheiro, e nas condições dadas a
família vivia na Califórnia, no campo já se considerava um grande êxito ele ter
conseguido vir a ser administrador de propriedades. A sua educação foi puramente
prática e ele pertencia àqueles pais que são de opinião que os seus filhos
devem trabalhar tão arduamente como eles próprios o fizeram, no que se exprimia
uma certa inveja e uma rejeição da instrução escolar superior que lhe ficara
vedada a ele opondose nisso à maioria dos americanos que muitas vezes fazem
os maiores sacrifícios para que os filhos possam frequentar a
escola superior e a universidade. Além disso ainda por cima tinha bastante mau
génio, e era necessário muito tacto e humor por parte da mulher para o manter em
boa disposição. Nas relações com o pai em breve se preparou um conflito para
Linda. Linda amava o grande rancho onde crescera e brincara com os irmãos, mas
já cedo se decidira a fazer a sua vida na cidade e frequentar a universidade,
acerca da qual os primos que a visitavam lhe faziam relatos.
Nisto desempenhava um papel um outro traço de personalidade, que Linda adquirira
da sua mãe. Já com três ou quatro anos a mãe lhe explicara que todas as pessoas
têm deveres mas também direitos. Esta referência aos direitos, que a maior parte
dos pais esquece quando fala dos deveres, causou uma grande impressão em Linda.
Como mais tarde, com 50 anos, me contou, nessa altura ficou profundamente
emocionada com a dignidade da existência humana, embora tal vivência devesse ter
sido estranhamente precoce numa criança tão pequenina. Mas ela tornouse num dos
elementos mais fundamentais da sua personalidade e da sua conduta de vida.
Linda lembrase de uma pequena cena cómica, um acontecimento em que pôde aplicar
aquilo que aprendera com a mãe acerca dos direitos dos seres humanos. A mãe
explicava a Ted, irmão mais velho de Linda, que se tinha de levantar logo que
entrasse uma senhora na sala e lhe devia oferecer a sua cadeira. Linda, de
quatro anos, que do quarto contíguo ouvira esta explicação, pensou que se
oferecia agora uma boa ocasião para pôr em prova os seus próprios direitos.
Marchou logo para a sala contígua e sem rodeios advertiu o espantado Ted que lhe
oferecesse a sua cadeira, uma vez que era uma senhora. Ele fêlo, rindose. Os
dotes, tanto práticos como de táctica, que foram
mais tarde úteis a Linda na sua actividade cultural e política, mostraramse
aqui nos seus inícios.
Também os aplicava aos seus deveres. Muitas vezes se encontrava em conflito
interno, cheia de cólera sobre a mesquinhez e tirania do pai. Mas a pouco e
pouco adoptou a bondosa advertência da mãe, de que não só era mais inteligente,
mas até de que era seu dever curvarse aos desejos do pai. Já quando aluna,
ainda pequena, os seus professores a incitavam à diligência e
ao trabalho para que obtivesse uma bolsa, ela pensava que, apesar da adaptação
provisória aos desejos do pai, mais tarde seguiria o seu próprio caminho. E
nisto era apoiada pela mãe, que lhe dava tempo para ler e estudar.
Vemos que Linda vivia, mais cedo do que outras crianças, já no tempo da escola
fortemente em função do futuro, embora usufruísse inteiramente da sua vida
escolar presente e da vida livre na propriedade.
Também mostrou invulgarmente cedo uma clara hierarquia dos valores e uma
estrutura de finalidade hierárquica tanto temporária como orientada para o
futuro.
O mais invulgar é o facto de Linda ter encontrado tão cedo o seu Eu («Selbst»).
A ideia de uma vida montada sobre uma boa educação, de ajuda aos outros, tendo
simultaneamente em consideração o desejo de felicidade própria, existiu nela a
partir dos seus anos de juventude mais nitidamente do que o encontramos
geralmente em gente nova. Ela não teve necessidade de passar por épocas de
incerteza e lutas para encontrar o seu Eu (Selbst). Já durante os anos de
juventude tinha uma ideia nítida sobre a orientação e a altura do início da sua
expansão criadora. Ela tinha a certeza de encontrar também os meios e os
caminhos para tal.
E isso aconteceu realmente. Quando Linda deixou, com dezoito anos, a escola
superior, um tio que vivia em Honolulu ofereceulhe aí uma pequena colocação.
Linda participou ao pai que ia aceitar a colocação, se ia tornar independente e
também se ia matricular o mais depressa possível na Universidade de Havai. Expôs
esta decisão com algum receio, contudo reforçada pelo apoio da mãe, e verificou
aliviada que na realidade o pai já não tinha poder sobre ela.
A evolução de Linda mostranos a imagem da fixação gradual de uma personalidade,
cujas tendências de fins parciais se
agrupam harmonicamente excepcionalmente cedo e culminam numa finalidade
principal. Devido ao amor e à ajuda da mãe, esta personalidade ficou poupada, na
sua estrutura, a difíceis conflitos internos: o conflito com as ordens do pai
não a afecta
tão profundamente como teria sido o caso se, como acontece com tantas outras
crianças, ela tivesse sofrido com a falta do seu reconhecimento. Ela foi capaz
de distinguir invulgarmente cedo entre o seu amor por ela como filha e a sua
recusa das suas finalidades de vida, e de não se sentir lesada por esta recusa.
Também invulgarmente cedo, graças à orientação perspicaz da mãe, viu o pai como
uma pessoa com certas fraquezas, que eram problema dele e não dela. Encontramos
raramente esta liberdade interior. E por isso tanto mais devemos considerar este
caso como um exemplo autêntico de uma personalidade normal e forte.
É interessante verificar antecipadamente que, no casamento de Linda, se repetiu
quase a mesma constelação. O homem que amou e com quem casou não era colérico,
excitado e de ideias limitadas como o pai. Mas também ele era inflexível nas
suas opiniões, e em questões culturais e políticas muitas vezes de opinião
oposta. Também ele era difícil porque era introvertido, muitas vezes caprichoso
e, ao contrário da alegre Linda, um
solitário insociável. Instruída pelas suas experiências de infância com o pai,
Linda conseguiu, também no casamento, separar o
seu amor pela pessoa das dificuldades objectivas com a sua personalidade
problemática, e a certeza de poder dominar a
situação fundamentou a sua decisão de não renunciar a este casamento.
Na estrutura de finalidades de Linda estava no cume, quando deixou a casa dos
pais, em primeiro lugar o plano de estudar e arranjar uma profissão no trabalho
social, aliado ao de ganhar dinheiro. Mas em breve percebe que naturalmente,
além disso, tem, como toda a rapariga normal, a finalidade principal de se
realizar na felicidade pessoal do amor, casamento e família. E neste campo da
vida Linda desenvolvese um pouco mais lentamente do que a maioria das suas
amigas. Linda era bastante querida como rapariga loura, alegre, bonita, quando
saía com
jovens do sexo oposto. Mas ela adiou para mais tarde as experiências sexuais. Em
Havai teve o seu primeiro amor de estudante. Pouco depois encontrou Hal, um
jovem jornalista em
que reconheceu o marido ideal para si, que a amava, e com o qual se casou
passados poucos meses.
Agora viase pela segunda vez diante da tarefa de manter uma complicada
estrutura de finalidades. Por um lado, estava decidida a estudar e a terminar o
seu curso. Por outro lado, teve de interromper nesse momento os seus estudos
para ganhar mais dinheiro e ajudar o marido no início da sua carreira. Também em
breve descobriu que o marido era uma personalidade
difícil, era teimoso, tinha disposições de espírito variáveis, e por vezes
também dificuldades com colegas.
Linda, que então estudava um pouco de psicologia, perguntava a si própria porque
é que justamente ela teria casado com uma personalidade em muitos aspectos
parecida com a do seu pai. E quando alguns anos mais tarde encontrou um homem
encantador e muito atraente, pensou seriamente em divorciarse. Mas, tal como a
mãe, decidiuse a manter o matrimónio porque considerava Hal um homem de valor e
o amava apesar de tudo, porque achava o trabalho dele interessante e importante,
e porque o queria ajudar. Selou a sua decisão com a sua primeira gravidez,
quando tinha trinta anos. Nasceu uma filha.
Na estrutura hierárquica desta personalidade encontramos no cume a tendência
principal criadoraexpansiva da pessoa normal, de se desenvolver e realizar
totalmente no amor, casamento, fundação duma família e da própria profissão.
Linda tenta, numa posição básica extraordinariamente construtiva e
vasta, dar conta das muitas tarefas que resultam da variedade das suas
finalidades principais. Só o consegue a pouco e pouco, mas à volta dos seus
cinquenta anos isto levaa a um resultado totalmente satisfatório, justamente
por ter tido sempre a suficiente flexibilidade e capacidade de adaptação para
renunciar a certas realizações de si própria, ou para as adiar, e colocar em
primeiro lugar sempre as finalidades precisas desse momento.
E assim, só com cerca de 50 anos terminou a sua formação como assistente social,
pois anteriormente fora forçada a interromper constantemente a sua própria
carreira devido a problemas financeiros e de saúde, assim como devido a
exigências que lhe impunham o marido e a filha. Mas com 50 anos conseguiu
arranjar um lugar que a satisfazia extraordinariamente, com a
sensação agradável de que o marido estava mais satisfeito do que outrora, e a
filha, que acabava de entrar no College, estava bem cuidada e feliz. Fora sua
finalidade realizarse na ajuda ao próximo; a sua necessidade profundamente
sentida, assim como
o seu método cientificamente adestrado, conduziramna finalmente ao êxito.
Nesta vida, por um lado modesta e simples, por outro lado complicada, está
nitidamente em primeiro plano a finalidade de uma vasta autorealização na ajuda
fundada cientificamente e na
felicidade familiar pessoal construtivamente elaborada. Além disso acrescentam
se a esta personalidade uma grande flexibilidade e capacidade de adaptação. O
gozo no sentido usual da palavra, isto é, divertimentos, riqueza, luxo, não tem
importância nenhuma para esta mulher, facto que também ela exprime
por várias vezes. Ela é invulgarmente modesta no que respeita à satisfação de
tais necessidades.
Vive com a família numa casinha simples, usa vestidos simples e leva uma vida
simples com um rendimento correspondentemente médio, para o qual contribui desde
que trabalha de novo.
Esta personalidade representa uma estrutura individualmente cunhada e saudável,
em expansão criadora, com adaptação autolimitadora, em contínua manutenção da
sua ordem interior, com poucas necessidades manifestas a satisfazer.
4. eSTRUTURA DE PERSONALIDADE NORMAL
E PATOLóGICA
Na estrutura da personalidade de Linda, fixamente estruturada e contudo
elástica, mostrase, através de toda a sua evolução, uma grande energia na
maneira como já a criança, depois a jovem e mais tarde a mulher adulta sabe
resolver os dados do seu destino. Esta força de personalidade ajuda Linda a um
domínio da vida que ela realiza de maneira construtiva. Talvez a expressão «arte
de viver» seja um bom conceito para abranger resumidamente num só denominador
hipotético as capacidades de domínio, construtividade, força de orientação e
adaptação e hipotético justamente porque este conceito é por ora apenas uma
palavra cujo fundamento real necessita ainda de ser examinado. Nesta conexão
usase muito a palavra «força do Eu» por parte da Psicanálise, mas, como Heinz
Hartmann há pouco verificou, é ainda muito obscuro o que se deve entender por
isso. A nossa expressão «arte de viver» oferecernosia um conceito mais geral,
que aliás ainda não se pode determinar com exactidão. Mas pode ser aqui
introduzido com utilidade, pois pode servirnos para um entendimento fácil. Já
designámos os seus factores parciais hipotéticos: capacidade de domínio,
construtividade, força de orientação e adaptação.
Neste sentido vamos enunciar a «arte de viver» como o décimo de entre os
factores que actuam na formação da unidade e ordem interna. Esta arte de viver
contribui, através do domínio da vida, para a estrutura da personalidade normal;
se ela falta ou está apenas deficientemente desenvolvida, a vida não é dominada
e a estrutura de personalidade mostranos sintomas patológicos. Antes de nos
dedicarmos a estas estruturas patológicas, mencionaremos que uma construção
normal não tem de ser
forçosamente tão vasta e multilateral como no caso de Linda. Uma construção
normal pode ser bastante mais estreita e limitada. O que é essencial é que uma
personalidade planeia a sua
vida em função do domínio e não empreenda mais do que aquilo de que é capaz.
Assim, por exemplo, outra mulher, Ursula, mostra uma
estrutura da personalidade normal mas mais restrita. (}rsula tinha clara
consciência dos seus limites quando no
momento do casamento renunciou ao plano de uma carreira profissional própria.
Acabou o seu estudo universitário, mas depois disso dedicouse totalmente ao
marido e à casa porque, como
ela dizia, só era capaz de fazer uma coisa na vida e não muitas, diversas; ser
lheia impossível dividirse entre o casamento e a profissão.
A evolução patológica da personalidade, ao contrário da normal, é provocada,
geralmente já muito cedo na infância, pelo facto de as circunstâncias dadas a um
indivíduo serem demasiado difíceis para poderem ser dominadas por ele sem
prejuízo. Vamos descrever sumariamente, a seguir, algumas formas de estruturas
de personalidade patológicas, de pessoas cuja arte de viver não estava de
diversos modos à altura das circunstâncias.
Uma expressão da estrutura de personalidade neurótica é a da personalidade
rígida, fixa. Um exemplo darnosá rapidamente uma ideia desta estrutura rígida:
Henrique estava no fim dos trinta, era proprietário de uma
firma de construção de máquinas muito bem lançada, e que ele fundara partindo
do nada. Ele entrou em tratamento psicoterapêutico porque, apesar do seu
invulgar sucesso, não sentia o
mínimo prazer em viver e sofria de nervosismo e insónias.
Declarou que na sua mais remota infância, quando ele e a
sua mãe viúva muitas vezes tiveram de passar fome e suportar muitas
dificuldades, só tivera um único pensamento: ganhar um
dia muito dinheiro. Como era muito dotado, decidiu vir a ser engenheiro com a
ajuda de uma bolsa e aproveitar os seus
conhecimentos e o seu talento de inventor como construtor de máquinas, para
se tornar independente o mais cedo possível.
Uma vez que Henrique trabalhava dia e noite sem se permitir o mínimo
repouso ou qualquer prazer, realizou cedo o seu
fim. Depois de ter terminado os seus estudos universitários casou com uma
parente afastada. A jovem Küthi admiravao Tnui@o mas
tinha complexos de inferioridade devido ao seu aspecto, que não era
especialmente favorável. Quando se casou, Küthi trouxe algum dinheiro, com o
qual Henrique fundou a sua primeira pequena oficina. Henrique pensava que amava
Kdthi, em todo o caso sentiase seu protector e pensava ajudála, e por algum
tempo julgou até que viriam a ser ambos felizes.
Mas em breve Henrique achou que KÚthi o aborrecia. Não sabiam que fazer um com o
outro, e tanto menos quanto ambos não tinham nem preferências nem experiências
em contactos sociais com outras pessoas. Kàthi provinha de uma casa da pequena
burguesia em que aprendera a cozinhar e costurar, mas
em que, além do cinema e televisão, não havia nenhuns interesses culturais,
sociais ou desportivos. Depois de uma brevíssima interrupção, Henrique voltou de
novo à sua lida de trabalho intensivo, e apesar de o seu bemestar o libertar a
pouco e pouco de todas as preocupações, não havia para ele outra finalidade do
que esta: ganhar dinheiro. O amor, o casamento, mais tarde uma família com dois
filhos não significavam para ele nada ou
só pouco; diversões de toda a espécie, que mais tarde tentou, não o conseguiram
prender, e todas as suas ideias se voltaram compulsivamente e cont@nuamente para
o seu trabalho na fábrica.
A personalidade de Henrique oferece o exemplo de uma
estrutura rígida de uma personalidade compulsiva, cuja única finalidade
principal, a riqueza segura, não permite, forçosamente, que surjam a seu lado
outras finalidades e não permite que se
realize uma modificação de organização. Este tipo de personalidade não é capaz
de modificação sem uma longa e profunda psicoterapia.
Um outro tipo de estrutura neurótica de personalidade é o
da pessoa dividida. A divisão da finalidade aparece nas mais diversas formas.
Uma pessoa pode ser dividida, ou porque quer seguir simultaneamente duas
finalidades inconciliáveis; ou então dividese pelo facto de, enquanto segue uma
finalidade principal, não acreditar que a
possa alcançar e querer por isso desistir continuamente de tudo.
O conhecido romance «As três faces de Eva», de C. H. Thigpen e H. M. Cleekley (o
romance foi também transposto para o cinema), dava 147 «As três faces
de Eva» esuma boa imagem do primeiro boço de Werner Rebhuhn para a
capa da edição alemã do romance tipo de uma pessoa dividida. «The
Three Faces of Eve»
A divisão de finalidades, porque se pretendem simultaneamente diversas
finalidades que não são conciliáveis, é extraordinariamente frequente. Aparece
em formas tanto levemente neuróticas como gravemente neuró ticas. Vemos o homem
que por um lado quer ter uma vida fácil e agradável, e por outro lado quer ter
êxito. Vemos a mulher que anseia por amor mas não quer prescindir da segurança
do seu matrimónio, embora nenhum dos esposos ame o outro. Vemos o homem cuja
ambição o leva a fazer negócios desonestos de que ele próprio se envergonha, mas
que por outro lado quer ser uma pessoa honesta. E vemos uma
mulher que quer ser simultaneamente uma mulher virtuosa e uma mulher que se
entrega à paixão sexual.
Muitas, se não a maioria destas divisões, chegam até à remota infância, em que
começam, por exemplo, em conflitos não solucionados entre o prazer e a renúncia,
ou entre a obediência e a vontade própria. Já falámos disto no capítulo sobre a
motivação e ouviremos mais a seguir.
Além das frequentes personalidades divididas, começam também já na infância
aqueles problemas da estruturação da personalidade, que terminam em falta de
finalidade ou deficiente fixação de finalidade ou perda de finalidade.
Filipe apresentanos um caso de falta de finalidade, pois com
os seus vinte e seis anos nem sabe o que háde vir a ser nem
para que vive. Depois de ter passado a sua infância e juventude principalmente
em forte oposição contra o domínio e as disposições da mãe, encontrouse
totalmente sem plano e finalidade quando com dezoito anos deixou a casa dos
pais. Não sabia de maneira nenhuma o que havia de fazer. Em primeiro lugar
deixouse apanhar por um grupo de «tedyboys» com os quais passava o tempo
sentado nos cafés, a beber e fazer barulho, entregandose a uma vaga
agressividade contra a sociedade. Como Filipe não tinha aprendido nada e também
não queria aceitar nenhuma colocação de aprendiz, mantinhase como trabalhador
não especializado. E nisso a sua única preocupação era fazer o menos possível,
justamente o suficiente para poder aguentarse.
Quando finalmente, insatisfeito consigo e com o mundo, veio para o tratamento
psicoterapêutico, confessou nunca ter pensado a mínima coisa acerca das
finalidades da vida ou acerca
do seu futuro.
Ao passo que a oposição compulsiva de Filipe e a falta de finalidade daí
resultante tinham uma base relativamente racional e ele, como neurótico, pôde
ser tratado, o caso seguinte, de deficiência de fixação de finalidade, oferece
nos a imagem de uma psicose:
O estudante Erich, também de 26 anos, foi, quando chegou à Psicoterapia,
diagnosticado como casolimite duma esquizofrenia. Era um casolimite na medida
em que ele em certas épocas e em determinados campos da vida era capaz de
funcionar racionalmente, enquanto em outros perdia totalmente de vista a
realidade.
Isto acontecia com todas as relações humanas, logo que a
sua extrema sensibilidade fosse ferida, mesmo de leve. Uma pergunta feita de
modo desajeitado, a menor insinuação de crítica ou dúvida, uma palavra
aparentemente brusca tudo isto punha Erich em horrível excitação e pânico, de
tal maneira que não se
podia dominar durante horas e dias. Por outro lado, como qualquer outro
estudante, era capaz de estar sentado nas aulas; enquanto o não incomodassem os
vizinhos ou ruídos desagradáveis, tirava apontamentos e estudava de modo
racional. Era, na realidade, um pensador muito penetrante e em períodos normais
dizia que queria vir a ser advogado.
Mas depois vinha uma perturbação e perdia de vista toda e qualquer finalidade. A
personalidade parecia então enovelada apenas em angústia.
Erich revelara já em criança aquela personalidade extremamente sensível, nada
adaptável, que encontramos num grupo de esquizofrenias infantis. Neste grupo,
que é menos extremo do que aquele que descrevemos na página 243, desempenha um
papel decisivo a extrema hipersensibilidade inata, como expôs há pouco
resumidamente Gabriel Langfeldt. Devido à incapacidade de se adaptarem à
realidade, estas personalidades já desde cedo se encontram divididas e difusas.
Falaremos ainda mais delas.
Os nossos exemplos relativamente abundantes foram escolhidos de tal maneira que
o leitor tomasse nitidamente consciência da diversidade e particularidade da
formaçã o da personalidade do homem. Também o facto dos muitos aspectos que
caracterizam a estrutura da personalidade humana deveria tornarse evidente
através de casos clínicos.
Para finalizar esta parte apontamos mais uma vez uma lista dos nossos 10
factores da estrutura da personalidade, lista que deve ser considerada como
provisória e experimental, e justamente porque no campo da personalidade ainda
não possuímos conhecimentos definitivos. Os diversos investigadores atacam por
enquanto estes problemas ainda de modo muito diverso, como
veremos no capítulo seguinte. Na nossa própria determinação dos momentos da
estrutura da personalidade distinguimos 10 factores como mostrámos cingindonos
a casos concretos:
1.O o sistema de acção da personalidade com os sucessos
psicossomáticos que estão na sua base; 2.” a mutação dos processos da
personalidade, que é condicionada pela evolução e
outras modificações; 3.’ a relação temporal da personalidade, que existe no
presente mas também é determinada pelo passado e
futuro; 4.O a estrutura de motivações consciente e inconsciente;
5.O a orientação de finalidade dos processos; 6.O os sistemas parcelares e
processos parcelares em diversas camadas e graus de profundidade; 7.O a
totalidade, integração na unidade, ordem interna e particularidade da estrutura;
8.O a centralização no Eu (Selbst) e a estrutura hierárquica das finalidades;
9.O os princípios de ordem da importância vital e hierarquia dos valores;
10.O a «arte de viver», definida como força de personalidade e
capacidade para o domínio construtivo.
5. A INVESTIGAÇÃO DA PERSONALIDADE E AS TEORIAS DA PERSONALIDADE
Na nossa exposição da estrutura da personalidade procedemos de maneira a reunir
praticamente tudo o que diz respeito ao sistema e modo de funcionamento da
personalidade. Mas não tocámos ainda na questão de como se realiza a
personalidade como todo, como se mantém e como funciona. Esta questão é
resolvida de modo muito diverso pelos diferentes investigadores, e isso por duas
razões: em primeiro lugar o estudo da personalidade é um ramo ainda muito jovem
da Psicologia, e o que dela sabemos está portanto cheio de lacunas. E segundo,
devido à estrutura muito complexa da personalidade humana, pode empreenderse o
seu estudo partindo de posições muito diferentes e utilizando métodos
diferentes. Conforme o ponto de partida que parece mais importante a um
investigador, e conforme o método que escolhe, a resposta será totalmente
diferente.
Numa obra sobre as teorias da personalidade, editada por Hall e Lindzey,
apresentamsenos nada menos do que doze teorias diferentes. Mas de maneira
nenhuma coincidem com as teorias apresentadas numa grande colectânea alemã
editada por Lersch e Thomae. E também não coincidem com uma terceira colecção
internacional de teorias, que foi editada por H. P. David e H. von Bracken.
Mas não é finalidade desta obra conduzir o leitor através do enredo das mais
diversas interpretações teóricas. Pretendemos, sim, darlhe, resumidamente, uma
impressão da variedade das possíveis concepções. E para isso apresentamos em
poucas palavras seis posições muito diversas.
Teorias de camada da personalidade
Os teóricos Erich Rothacker e Philipp Lersch, de orientação fenomenológica,
desenvolveram nos países de língua alemã uma
representação padrão da personalidade que se designa por teoria de camadas. Ela
afirma que se supõem diversos modos de ser do indivíduo numa subdivisão
vertical, não devendo esta sobreposição ser imaginada no sentido verdadeiramente
espacial, mas
apenas como representação padrão.
Encontramos suposições análogas sobre a estrutura da personalidade nas mais
antigas noções da Psicologia. Platão fala de uma alma ávida (Epitymia), uma alma
corajosa (Thymos) e uma alma racional (Logistikon), e Aristóteles, acentuando de
modo um pouco diferente esta ideia, fala de uma alma vegetativa, de uma animal e
de uma racional. É claro que a moderna teoria das camadas se baseia menos nessas
ideias antigas do que em três princípios modernos dos campos da Ontologia
Filosófica, da Psicanálise e da Fisiologia Cerebral.
Segundo o filósofo Nicolai Hartmann, o mundo real dividese na sua estrutura em
quatro camadas: em matéria, vida, alma e espírito, em que se deve entender a
camada mais profunda como condição necessária mas não suficiente para a
superior, que tem as suas próprias leis ontológicas. A teoria das camadas
recebeu mais estímulos através da Psicanálise de Sigmund Freud, que distingue
três campos da personalidade, os quais contudo mal se podem imaginar
sobrepostos: o Id (ES), o Eu e o SuperEu e através da moderna Fisiologia
Cerebral, que conseguiu determinar a base somática das funções e forças anímicas
em determinados centros do cérebro. Demonstrouse que se deve considerar a
percepção, a capacidade de falar, a inteligência e
a acção finalizada localizadas no lobo occipital e os impulsos e a afectividade
no córtex.
Ligandose directamente a estes conhecimentos, E. Stransky fala de uma
Thymopsiqué e de uma Noopsiqué, F. Kraus de uma
pessoa profunda e de uma pessoa cortical. Esta divisão mantevese nos princípios
de Rothacker e Lersch, embora em si diferenciada.
Assim, Rothacker subdivide a personalidade profunda, em
grande parte inconsciente, em quatro partes, em «vida em mim», «animal em mim»,
«criança em mim» e «camada emocional», ao passo que ffivide a personalidade
cortical em «personalidade» e «eu». As camadas mencionadas em primeiro lugar
devem ser
consideradas como aparecendo cedo, tanto filogenèticamente
17
como ontogenèticamente, as últimas como tardias e portanto inerentes apenas ao
homem.
Lersch chama às duas camadas anímicas «alicerce endotímico», o qual abrange as
disposições anímicas, sentimentos, afectos, impulsos emocionais e tendências, e
«construção superior pessoal» ao campo do pensamento e da vontade consciente.
Estas camadas psíquicas são consideradas como jazendo sobre uma
base corporal, o «alicerce de vida».
Esta imagem primeiro estática e muito agradável, tornase dinâmica através das
relações de reciprocidade das camadas. Assim, a camada superior pode entrar,
devido à sua função controladora e condutora, em conflito com a inferior, mais
insistente, e precipitar a personalidade num «dilema vital» (R. Heiss). Se as
camadas estão insuficientemente entrelaçadas entre si, correse o perigo da
«dissociação» (Lersch), da desagregação da personalidade.
Um dos perigos do padrão de camadas consiste na possível equiparação do mais
elevado com o moralmente mais valioso. Para lhe escapar, J. Rudert substitui a
imagem do mais baixo e do mais alto pelo «geneticamente cedo» e «genèticamente
tardio».
Sob o ponto de vista do método, a teoria das camadas obtém as suas conclusões
particulares em grande medida de maneira fenomenológicointrospectiva, portanto
através do método empírico da descrição de factos obtidos pela autoobservação.
Estas conclusões particulares são inseridas de maneira teoréticoespeculativa no
padrão de camadas. Até hoje ainda não existe uma
verificação através de observações empíricoexperimentais ou estatísticas.
As teorias gestaltistas da personalidade
No capítulo sobre as funções, o leitor tomou conhecimento
com a Psicologia gestaltista assim como com alguns dos seus
fundadores e representantes. Kurt Lewin foi quem com mais êxito utilizou o
princípio gestaltista para a estruturação de uma
teoria da personalidade, na sua teoria de campo.
Foi através de Lewin que o princípio gestaltista, de início utilizado
principalmente na interpretação de fenómenos de percepção, memória e pensamento,
foi aplicado ao campo da acção humana. A acção é entendida como processo num
campo, em que entram em relação mútua a pessoa e o ambiente, sendo o campo
psicológico o espaço vital, no qual a pessoa e o ambiente se
influenciam mutuamente.
148 A criança diante da pastelaria: no esquema (segundo Lewin) P é a
personalidade, a seta é a pressão ou atracção que exerce o desejo, o traço preto
carregado o vidro da montra, que aqui se transforma em barreira. O sinal mais
indica a força atractiva positiva dos
rebuçados na montra
Um exemplo concreto levarnosá mais rapidamente à compreensão da teoria de
Lewin. P
Suponhamos que uma
criança passa por uma
pastelaria, olha para a
montra e deseja um saco de rebuçados. Isto é, a vista da guloseima desperta nela
uma necessidade, e então acontecem três coisas. Em primeiro lugar, a necessidade
desencadeia energia, e com ela surge a tensão no interior da personalidade, isto
é, no sistema do desejo dos rebuçados. Em segundo lugar, a necessidade comunica
à zona do campo em que estão os rebuçados uma valoração positiva, a que Lewin
chama valência. Em terceiro lugar produz uma força que atrai a criança em
direcção aos rebuçados; esta força orientada é designada por Lewin como vector.
Suponhamos que a
criança quer entrar na loja mas não tem dinheiro. Então o limite entre ela e a
loja tornase numa barreira. A criança, que gostaria tanto de ter os rebuçados,
encosta o nariz contra o vidro da montra, mas não ousa entrar. A figura dános
uma
imagem desta situação.
Mas o caso pode complicarse. Assim, a criança pode, por exemplo, dizer para
consigo: «Vou ter com a mãe e peçolhe dinheiro». Este desejo de ir buscar o
dinheiro é designado por Lewin de quasenecessidade. Suponhamos que a mãe se
recusa,
e a criança vai ter com um amigo para lhe pedir emprestado o dinheiro; nesse
caso a mãe representa uma nova barreira e a
criança terá de seguir uma nova direcção.
O exemplo desta criança deunos ocasião de introduzir os
conceitos básicos de Lewin. Na sua teoria, a personalidade é um
sistema de forças num campo de força, e a relação da personalidade para com o
ambiente é encarada essencialmente como um jogo de forças. Nisto, tanto a
organização corno a diferenciação desempenham um papel importante dentro da
personalidade. Lewin vê a evolução especialmente à luz de uma diferenciação
crescente. A regressão, que por vezes sucede, no decorrer da evolução, isto é, a
queda em graus de comportamento antigos
ou mais primitivos originariamente um conceito freudiano é provada
experimentalmente por Lewin como resultado de frustrações, portanto de desejos
insatisfeitos.
No nosso exemplo, «o não ter dinheiro» é uma frustração que representa uma força
que retém a criança. Chegase então a uma situação de conflito, em que a criança
pergunta a si própria se háde ir pedir o dinheiro à mãe ou ao amigo. O caminho
por fim escolhido de se dirigir à mãe é a «via excelente».
Lewin designou por nível de reivindicação o grau de convicção com que a criança
exprime o seu desejo à mãe, ou, noutros casos, o grau de ambição com que se
persegue um fim. É um
conceito imediatamente evidente, que se adapta de modo natural à linguagem do
dia a dia.
Outro conceito importante é o de «força resultante», isto é, aquela que se
revela mais forte sob todos os pontos de vista. Anteciparamse assim ideias
teóricas muito modernas sobre fenómenos de integração em sistemas. As tentativas
teóricas de Lewin, de esclarecer quantitativamente, através de modelos
matemáticos, os fenómenos psicológicos, como, por exemplo, conflitos ou estados
de angústia, levaram a que desse o nome de « Psicologia Topológica» à sua
Psicologia, inspirandose na Topologia matemática. Este método interessante, que
consiste em desenvolver modelos matemáticos para processos psicológicos, é
continuado hoje por Dorwin Cartwriglit. Historicamente, podem reconhecerse
claramente as contribuições teoréticas de Lewin como um dos germes da actual
teoria de sistema nas ciências da conduta.
A teoria de sistema é uma nova disciplina, para cujo estabelecimento contribuiu,
com brilhantes trabalhos, como pioneiro, Ludwig von BertalanIfy. Tratase nesta
ciência de encontrar e
determinar leis gerais válidas para as diversas camadas da realidade, assim como
de investigar as relações, por exemplo do mundo físico com o mundo psíquico ou
social, servindonos de observações rigorosamente científicas. Na teoria de
sistema exprimemse essas relações de modo lógicomatemático.
As ideias de Lewin adquiriram influência também noutros campos das ciências
sociais, por exemplo na Sociologia e na
gestão de empresas. Na sua teoria de grupos, G. Bach parte de ideias de Lewin.
Apesar do sistema de pensamento de Lewin ter uma extraordinária influência,
especialmente na América, e apesar de, devido à sua fertilidade experimental,
ter actuado de modo muito sugestivo na investigação especialmente de processos
de grupos, foi contudo muito criticado como teoria da personalidade.
As principais objecções são as seguintes: em primeiro lugar, o método de Lewin
oferece de facto uma apresentação moderna de acções, mas não nos fornece novos
conhecimentos sobre relações de conduta; em segundo lugar, não é suficientemente
esclarecedora a descrição puramente formal do decorrer da acção sem atender a
factos reais do ambiente ou da história do indivíduo, e em terceiro lugar, o uso
que Lewin faz de conceitos físicos e matemáticos induzem em erro, porque só são
utilizados comparativamente.
As teorias dos factores da personalidade
As teorias dos factores são o resultado de investigações quantitativas, isto é,
de medida e de contagem. Os dados que servem de base a este processo estatístico
podem obterse mediante observação, questionários e experimentação.
A ideia daquilo a que chamamos análise factorial, devese principalmente ao
inglês Charles Spearman, que nas suas observações acerca da inteligência foi o
primeiro a chamar a atenção para a existência de «factores». Factores são
dimensões básicas, que não se podem desmembrar noutros componentes. Se
examinarmos duas actividades intelectuais, ao acaso por exemplo a
memória visual e o vocabulário de uma pessoa, então verificamos nestas
actividades sempre dois «factores» , um geral e um
específico. O factor geral é, por exemplo, a inteligência geral de um indivíduo
ou o nível de educação. O factor específico é, por exemplo, um dote especial
para as línguas, ou uma boa memória visual. Thurstone alargou a teoria dos dois
factores, provando, ao lado de factores gerais e específicos, a existência de
factores de grupo, que se situam entre os específicos e os gerais.
A teoria da personalidade, baseada na análise factorial, que hoje mais se
discute, é a de H. J. Eysenck. A ele se deve sobretudo o facto de a análise
factorial ter sido introduzida no campo clínico.
Na sua teoria da personalidade, Eysenck distingue quatro sectores, a que chama
sector cognitivo (inteligência), sector conativo (carácter), sector afectivo
(temperamento) e sector somático (constituição). Às unidades que procura
determinar estatisticamente chama traços de personalidade e tipos de
personalidade. Entre os traços observados por Eysenck temos por exemplo o
«sentimento de dependência», a «carência de energia», a «depressão», a «apatia»,
a «angústia», etc. Os tipos que Eysenck
observou são principalmente aqueles que Ernst Kretschmer e
Carl Jung haviam estabelecido. Assim examinou a extroversão e introversão,
conceitos pelos quais Jung entende a personalidade mais voltada para o exterior
e a mais voltada para o interior, respectivamente.
Eysenck encontra os seguintes traços reunidos no introvertido neurótico:
tendência para a angústia, depressão, ideias fixas, irritabilidade, apatia e
fiabilidade do sistema nervoso vegetativo. Os introvertidos confessam que os
seus sentimentos são facilmente feridos, que são tímidos e nervosos, que caem
facilmente em sonhos diurnos, que em sociedade se põem a um canto e que sofrem
de insânia. A sua constituição física é mais acentuadamente alta do que larga.
Produzem pouca saliva. A sua inteligência é relativamente profunda, o seu
vocabulário magnífico, são perseverantes, na maioria dos casos exactos, mas
lentos. São excepcionalmente aptos para trabalhos subtis. Exigem demasiado das
suas próprias realizações e tendem a subestimar o que fazem. São bastante
rígidos. No campo estético, dão preferência a quadros calmos, antiquados; na sua
própria produção artística tendem para desenhar objectos reais. Têm pouco
sentido de humor e sentemse especialmente chocados com anedotas pornográficas.
A sua letra é bem legível...
Temos de concordar que é espantosa e extraordinariamente informativa a riqueza
da caracterização que aqui se obteve por via objectiva e meios estatísticos. Os
traços de personalidade obtidos através da psicometria definemse por relações
recíprocas entre si.
Eysenck entende que «a construção de um modelo matemático da organização da
personalidade e a dedução, a partir deste modelo, de hipóteses verificáveis, com
a ajuda do método hipotéticodedutivo» é a última finalidade do seu estudo da
personalidade. As teorias dos factores têm sem dúvida a vantagem de ter reunido
factos empiricamente assegurados num campo de outro modo dificilmente acessível
à investigação empírica.
Vamos mencionar duas das objecções feitas a estas teorias. Em primeiro lugar
objecta especialmente, por exemplo, Allport, que a personalidade composta por
factores é um produto artificial cuja conexão interna permanece oculta. Um feixe
de traços não é ainda uma pessoa viva. Como segunda objecção apresentase o
facto de a designação dos traços que se escolhem para a observação ser
arbitrária, e até os próprios investigadores dos factores não estarem de acordo
a esse respeito.
Teorias tipológicas da personalidade
Os tipos que acabamos de ver surgir da análise factorial baseiamse em
fundamentos estatísticos. As teorias vulgarmente designadas por tipológicas têm
uma origem mais antiga do que as investigações matematicamente fundadas, em que
os tipos são encontrados de modo empírico. As tipologias a que agora nos
dedicaremos baseiamse na suposição de tipos constitucionais, isto é, inatos.
A teoria dos tipos de constituição vai até ao período clássico grego. Já
Hipócrates ensinava que, tal como havia quatro elementos fundamentais, o ar, a
água, o fogo e a terra, também havia quatro temperamentos humanos que se
formavam devido à diferente mistura de sucos corpóreos. O médico romano Galeno,
desenvolvendo esta ideia, considerou quatro tipos, cuja designação ainda hoje se
usa: a do sanguíneo, do fleumático, do colérico e do melancólico.
Entre as muitas teorias tipológicas modernas, é a teoria constitucional de
Kretschrner que ocupa o primeiro lugar; na
América foi desenvolvida por William Sheldon.
Kretschrner começou por desenvolver a sua tipologia constitucional aplicandoa a
doentes mentais. Na esteira do grande psiquiatra Ernst Kraepelin, distingue duas
espécies fundamentais de doenças mentais, a loucura esquizofrénica e a maníaco
depressiva. Já conhecemos a esquizofrenia como uma doença mental em que está
gravemente perturbada a relação para com a realidade devido ao funcionamento
anormal da vida afectiva e do pensamento. A loucura maníacodepressiva consiste
em oscilações extremas da vida afectiva entre excitação e depressão. Na fase
maníaca verificamse superactividade e fuga de ideias,
149 A maneira de ser ciclotímica está aliada à constituição pícnica. (De
Kretschrner, Kõrperbau und Charakter)
150 A maneira de ser esquisotímica está relacionada com o tipo leptossómico ou
asténico. (De Kretschmer)
enquanto que na fase depressiva surgem angústia e
k tendências para o suicídio.
Kretschmer achou que estas duas doenças mentais se
manifestam frequentemente em ligação com determinadas formas de constituição
física.
Continuando a avançar do patológico para o normal, verificou depois que também
em pessoas psiquicamente sãs se observam tendências orientadas segundo
determinadas formas de constituição física muito marcada, e, com elas, segundo
determinadas posições espirituais básicas. E Kretschmer distingue três tipos de
constituição física. Chamalhes o tipo pícnico, o leptossómico ou asténico, e o
atlético.
A constituição física pícnica está ligada com a maneira de ser ciclotímica.
Kretschmer descreve a constituição pícnica como
figura de estatura média, baixa, com tendências para acumulação de gorduras no
ventre, movimentos ligeiros, cara larga e mole. A maneira de ser ciclotímica
consiste na tendência para mudança de disposição psíquica de uma personalidade
determinada essencialmente pelos sentimentos. Além disso, este tipo é descrito
como
«Mole» e «quente», como afável e sociável.
151 Ao tipo atlético ligase o chamado temperamento «viscoso», pegajoso. (De
Kretschmer, Kõrperbau und Charakter)
Kretschmer descreve o tipo leptossómico ou asténico como homem de costas
estreitas, de fraca musculatura nos braços, mãos esguias, tendência para a
estatura alta e pouco gorda, com
caixa de peito estreita, cara alongada com nariz pronunciadamente comprido.
Kretschmer vê ligada a esta constituição física a
maneira de ser esquizotímica, que consiste em hipersensibilidade, frieza e uma
posição orientada no sentido da introversão, não sociável e crítica. Outras
características são agudeza e abstracção do pensamento, perseverança e muitas
vezes uma vontade que não recua perante nada.
O tipo atlético tende para um forte desenvolvimento de esqueleto e musculatura,
revela ombros largos, estatura média a alta, tem mãos fortes e uma cabeça larga.
O tipo psicológico ligado a esta constituição física é designado por Kretschmer
de viscoso. Ele descreve este temperamento como oscilando entre a fleuma e a
explosividade, como persistente no pensamento, lento e com pouco ímpeto, mas
também afeiçoado, sério e digno de confiança.
William Sheldon transformou em diversos sentidos a teoria tipológica de
Kretschmer, descrevendo os tipos tanto física como psiquicamente com muito mais
pormenores e observando em mais minúcia as suas relações estatísticas mútuas.
Entre outras coisas, introduz características de diferenciação da constituição
física feminina e masculina. Este facto dános ocasião de mencionar que na
investigação actual da personalidade encontramos poucas indicações acerca das
diferenças de sexo. As ideias precipitadas de muitos autores antigos, e até de
alguns contemporâneos, acerca da masculinidade e feminilidade do aspecto e da
personalidade, não encontraram por enquanto nenhum apoio científico
satisfatório, como ainda há pouco acentuou Kurt Gottschaldt.
O estudo da constituição e temperamento encontrou muitos adeptos, mas também
muitos críticos. Uma das principais objecções é que o homem médio raramente
corresponde totalmente a
um ou outro tipo. Eysenck e outros estatísticos dos traços da personalidade
chegaram muitas vezes a resultados totalmente divergentes no que respeita às
relações desses traços. É altamente discutida a suposição incluída na teoria de
Kretschmer, de que determinados fenómenos físicos estão ligados a determinados
fenómenos psíquicos de tal maneira, que uns têm necessariamente como
consequência os outros. Ao que parece, hoje ainda não sabemos o suficiente para
determinar realmente com segurança estas relações. Mas, por outro lado, temos de
concordar que,
apesar de todas as objecções, não só parece encontrarse um
fundo de verdade na verificação destas relações físicas, como
até, além disso, todo o campo a que Kretsclimer abriu as portas é
interessantíssimo e as suas concepções são extraordinariamente sugestivas para
investigações posteriores.
Com as teorias dos tipos de constituição e temperamento chegámos a um grupo de
teorias que se afasta muito do grupo das primeiras três. É que justamente nestas
três teorias o modo de funcionamento da personalidade é descrito por conceitos
abstractos e desmembrado em componentes a partir dos quais o homem só depois tem
de ser novamente composto.
No grupo de teorias que começa pela teoria da constituição, o homem, pelo
contrário, é mais considerado como um todo e encarado mais em conexões vitais
concretas. Este é especialmente o caso da categoria das teorias
sociopsicológicas, de que vamos
agora falar.
As teorias sociopsicológicas da personalidade
Hall e Lindzey tratam, sob este título, na sua excelente visão panorâmica acerca
das teorias da personalidade, as teorias de Alfred Adler, Erich Fromm, Karen
Horney e Harry Stack Sullivan. A esta lista poderseiam acrescentar muitos
outros nomes.
Todos os representantes das teorias sociopsicológicas da personalidade têm de
comum o facto de atribuírem o papel decisivo na evolução da personalidade à
relação entre os homens e às influências do mundo ambiente cultural, isto é,
dito de uma
maneira geral, ao factor social. Partem assim de certo modo do extremo oposto ao
dos investigadores da constituição, que tornam responsável pela estrutura da
personalidade em primeira linha a hereditariedade.
Mas os quatro investigadores citados têm de comum o facto de darem a primazia à
necessidade social do homem e de ser de opinião que ele é o único a sentirse
só, pouco seguro e exposto, sem defesa, a um mundo potencialmente hostil.
Fromm designa esta solidão interior especificamente humana de «a situação
humana», porque nenhum animal a vive desta maneira. Ele diz que o homem se sente
tanto mais só quanto maior liberdade alcançou através dos milénios. Devido a
esta solidão lhe ser insuportável, e à sua responsabilidade como indivíduo, o
homem livre sentese impelido a uma «fuga da liberdade».
Visto o homem ter necessidade de se sentir enraizado, de se identificar com os
outros e de ter relações estreitas com eles,
depende, na evolução das suas melhores potencialidades, da sociedade em que
vive. Se a sociedade humana fosse de tal maneira que cada indivíduo se sentisse
amado fraternalmente e impulsionado, ela ajudáloia a superar o desespero e a
alienação. Ela também favoreceria o desenvolvimento das suas energias criadoras,
que já Adler acentuou a este propósito. Em vez disso, a sociedade limita e
desilude o indivíduo, que é obrigado a adaptarse a ela. Para Froram, estas
observações levam à exigência de uma nova maneira de organização social.
Karen Horney acentua ainda mais a influência nefasta da sociedade, explicando,
ao contrário de Freud, que os conflitos não estão no indivíduo, mas que é a
sociedade que é a responsável por eles, pois coloca o homem em situações de
conflito.
Enquanto as mais antigas teorias sociopsicológicas da personalidade se referiram
«à sociedade» em geral, e em parte a acusaram, muitos estudos mais recentes, na
sequência de Margaret Mead e outros antropólogos, ocupamse da observação de
ambientes culturais específicos na sua influência específica sobre a
personalidade humana. Disto falaremos mais pormenorizadamente no capítulo acerca
das culturas.
A acentuação do enorme significado das influências sociais e culturais do
ambiente sobre a evolução da personalidade do indivíduo revelase cada vez mais
como uma maneira extraordinariamente fértil de ver o problema. Muitas evoluções
deficientes que outrora se atribuíam ao indivíduo, devemse atribuir mais ou
menos exclusivamente às condições sociais e culturais, como recentemente se tem
demonstrado em extensos estudos de psiquiatria social americana,
Mas especialmente os pioneiros das teorias sociopsicológicas passam com
demasiada ligeireza por cima da questão, por que razão diversos indivíduos não
são atingidos da mesma maneira por um e o mesmo ambiente. É ainda hoje um
problema discutido, de que maneira o indivíduo se determina a si próprio, e até
que grau é o ambiente que determina a personalidade em evolução.
Outra objecção que se põe às ideias de Adler, Fromm e Horney, é que elas esboçam
uma imagem demasiado simplificada da natureza humana e das possibilidades de uma
reforma da sociedade. Nem a existência humana como tal existe sem angústia, como
mostraram especialmente os existencialistas, nem parece que possamos imaginar
realisticamente que a humanidade venha alguma vez a ser suficientemente uniforme
e racional para formar uma sociedade realmente perfeita.
As teorias psicanalíticas da personalidade
Região do contacto
com o mundo ext
Apesar de todas as contribuições importantes dadas pelas teorias da
personalidade até agora mencionadas (e pelas outras, a que não nos referimos), é
o método psicanalítico que me
parece o mais avançado e o mais prometedor. Esta afirmação é válida mesmo apesar
das mais agudas críticas a teses decisivas das teorias psicanalíticas.
A razão para esta afirmação é a seguinte: Nós cremos que, em última análise, só
se pode compreender a personalidade do homem a partir da motivação do indivíduo.
Devido à extraordinária multiplicidade e variedade das teorias psicanalíticas, é
praticamente impossível dar em poucas páginas uma exposição mesmo só até certo
ponto suficiente. Por isso teremos de remeter para a leitura de outras obras o
leitor que se queira dedicar mais pormenorizadamente aos sistemas
psicanalíticos.
Peter Hofstãtter deunos, em língua alemã, um resumo magnífico no seu «Handbuch
der Psychologie». Em inglês, considerase
tanto historicamente completo como criticamente superior o
vasto livro de Ruth Munroe. erior No âmbito restrito deste
capítulo temos de limitarnos a
alguns pontos especiais que nos
parecem essenciais, embora :2.2.
possam parecer a alguns lei .................... tores salientados de modo ..
......... arbitrário.
Como ponto capital, falaremos brevemente da interpreta ......
ção que Freud deu à estrutura ............... ...... da motivação
da personalidade. Id
Segundo Freud, a personalidade do homem dispõe de três
Is ...... s temas de motivação, que por .......................
......... lado são independentes enum
tre si, mas que por outro lado
152 Representação topográfica das se influenciam
reciprocamente relações do consciente, inconsciente, e que
entram desde cedo em
préconsciente, do Id, do Eu e do conflito uns com os
outros. SuperEu de Freud. O inconsciente corresponde à zona ponteada, o pré
Como nos diz Peter Hofstãtter consciente à zona riscada e o cons
na sua exposição das teorias ciente à zona clara. (Segundo Healy,
Bronner e Bowers) psicanalíticas da personalidade,
todos eles, «afinal de contas, dizem respeito ao facto da dissensão e divisão
interior do homem...»
A chamada tríade de impulsos de Freud é designada por ele de Id (ES), Eu e
SuperEu. As relações particulares que existem entre os três sistemas tornamse
especialmente evidentes através de uma representação esquemática esboçada por
Healy, Bronner e Bowers.
A imagem mostranos que Freud considerou o Id (ES) totalmente inconsciente como
o componente principal da personalidade. Este Id (ES), reservatório do instinto
de vida tal como
do instinto de morte, é a fonte de quase toda a energia psicobiológica. Segundo
a interpretação originária de Freud, o Id tende para o prazer. Além disso tem
tendências agressivas. Não tem relações para com o tempo ou a realidade, e
portanto não tende senão para a satisfação de amor e ódio. Freud é de opinião
que no início da vida o lactente não é nada mais do que um Id.
Mas este estado não dura muito, pois já passado pouco tempo se torna notada a
realidade, especialmente através de privações. Estas levam à tomada de
consciência. Numa recusa inicial, e resignação final, perante o inevitável,
desenvolvese o Eu, que vai assumir atitudes e que vai procurar adaptarse ao
mundo. É a instância que cuida da adaptação ou repulsa.
Um pouco mais tarde desenvolvese o SuperEu. Este tem a sua origem nas relações
da criança para com os pais. Anunciase no momento em que a criança apreende que
deve fazer algo que a mãe quer que ela faça.
O mais frequente é iniciarse este aperceberse de exigências que se impõem ao
bebé quando a mãe começa a sentálo no bacio. Nesta ocasião transmite de
qualquer maneira ao bebé que exige dele que faça qualquer coisa, que «produza»
algo. E se além disso, noutras ocasiões, demonstra nítido desagrado, e
provavelmente ralha, ou até bate perante «produções» que encontra nas fraldas, a
criança de um ou dois anos não pode deixar de perceber o carácter de dever
daquilo que exigem dela.
O princípio moral do dever nasce, segundo Freud, na relação para com o ambiente
humano e até da sociedade, e está fundado na necessidade do indivíduo de manter
o amor e a consideração dos que o rodeiam, que perderia se satisfizesse as suas
necessidades sem restrições.
E assim, a adaptação à realidade do mesmo modo que a
obediência aos mandamentos são satisfações indirectas de necessidades que
substituem o prazer directo. Levariam a uma evolução harmónica da personalidade
se no indivíduo não surgissem instintos indomavelmente fortes, que exigem
necessariamente satisfação.
Estas necessidades instintivas devem ser consideradas todas corno impulsos
sexuais. O primeiro impulso é o que pretende a obtenção de prazer através do
chupar e mamar, segueselhe depois um
período de vivências de prazer em processos anais, que é seguido pelo período
primeiramente narcisista (dirigido para o próprio corpo), e depois dos prazeres
fálicos heterossexuais.
Devido à força destes impulsos, o indivíduo vêse em situações de conflito. O
seu Id exige satisfação directa mediante estes impulsos, o seu Eu e SuperEu
opõemse e exigem contrôle sobre os impulsos.
Estes conflitos levam então, ou ao recalcamento dos impulsos, ou a que o
indivíduo ceda. Estes processos estão ligados à angústia e sentimentos de culpa.
Além de repressões e satisfação de impulsos ainda há outros «mecanismos», como
Freud chama aos diversos métodos com cuja ajuda o homem arranja substitutos ou
similares de satisfação.
Ao contrário de todas as outras teorias da personalidade que até agora
apresentámos, na teoria de Freud desempenha um
papel decisivo a evolução do indivíduo: não só se obtêm sucessivamente os três
factores básicos como tais, como com eles se conseguem também novas posições
perante a maturação. Freud concebeu esta estrutura gradual da personalidade de
início exclusivamente como génese sexual. Foi esta unilateralidade que durante
muito tempo impediu a ligação da teoria de Freud com
outras orientações e dados da psicologia da evolução.
Com isto chegamos ao problema da apreciação do sistema de Freud; visto a obra de
Freud ser invulgarmente vasta e muito complexa, teremos neste livro de nos
cingir apenas a poucos pontos capitais.
A teoria freudiana da personalidade humana revelouse, apesar de unilateral e
facilmente atacável, como sendo de uma
importância revolucionária, em primeiro lugar para a Psiquiatria, e depois a
pouco e pouco, como vemos cada vez mais, duma maneira geral para as ideias da
humanidade acerca de si própria.
Através de Freud tornouse compreensível de maneira nova uma
doença psíquica da personalidade, e esta nova compreensão permitiu que tais
doenças se tornassem em grande medida curáveis.
Mas mais ainda: por ter chamado a atenção para o facto da divisão interior da
natureza humana, para a riqueza de conflitos que se dão tão cedo, para o papel
dos impulsos inconscientes, especialmente da sexualidade, para o jogo de
rejeição e recalcamento, para a autoilusão com eles relacionada e as
vivências de angústia e de culpa, com eles ligadas, veio a reconhecerse
gradualmente a sua doutrina, de início fortemente ata
cada, como um sistema que lançava luz sobre a personalidade humana nos seus
recantos até agora impenetráveis.
É certo que a doutrina de Freud veio destruir muitas ilusões que a humanidade
tinha acerca de si própria, e de tal maneira que hoje podemos falar de ingénuos
préfreudianos e de pósfreudianos realistas e autocríticos.
Depois de termos reconhecido assim o significado revolucionário da teoria da
personalidade de Freud, vamos dar agora a palavra à crítica que se manifestou
ainda durante a época de Freud. Esta crítica chamou a nossa atenção para muitas
fraquezas do sistema; mas até agora não se conseguiu realmente substituílo por
uma teoria psicanalítica da personalidade que satisfaça em todos os campos.
Corno o leitor deste livro naturalmente não está interessado nos pormenores
destas discussões, limitarnonos aqui a mencionar seis objecções principais que
levaram a novas sugestões interessantes para todas aquelas pessoas que meditam
acerca
destes assuntos.
1.o Já desde o início alguns dos mais importantes discípulos de Freud,
especialmente Alfred Adler, Carl Jung e Otto Rank, objectaram que Freud, com a
sua restrição ao papel da sexualidade e da vida impulsiva, subestimava o papel
criador do homem, assim como o do seu impulso autêntico de realizar valores e de
estar ligado socialmente aos outros homens. A explicação de Freud de todas as
tendências de valor como considerações secundárias de mandamentos sociais, deve
ser considerada como a unilateralidade mais chocante do seu sistema. Pelo facto
de ter descoberto sem reservas os abismos mais do que todas as profundezas da
alma humana, libertounos de muitas ilusões, mas ao
mesmo tempo tirounos a consciência da nossa liberdade interior.
2.o O malestar sentido por muitos por causa do rebaixamento que a tendência de
valores do homem sofre na teoria de Freud, pelo facto de ser apreendida apenas
secundariamente corno provindo de renúncias inicialmente impostas, levou a novos
princípios teóricos da mais diversa espécie.
De entre eles, é de salientar como importante o princípio da «autonomia
funcional» de motivos, de Gordon Allport. A teoria de Allport baseiase no facto
de os motivos se transformarem de modo natural no decorrer da evolução da
personalidade, mesmo sem que se tenha de exercer uma coacção. Na nova edição da
sua famosa obra sobre a personalidade, Allport descreve duas maneiras diferentes
em que se pode realizar uma
tal modificação de motivo.
A primeira corresponde ao princípio da canalização, introduzido por Gardner
Murphy; isto significa que na rotina do dia a dia muitas coisas se transformam
para nós em « segunda natureza». O rapazinho para o qual era um tormento ter de
lavar todos os dias os dentes ou as mãos, terseá habituado de tal maneira a
esta higiene até ser homem, que se sentirá mal se por alguma razão uma vez o não
puder fazer.
A segunda forma do seu princípio, que Allport considera mais importante, a
autonomia funcional que se tornou independente, baseiase no facto de durante a
evolução se modificarem totalmente os interesses de um indivíduo. Um estudante,
por exemplo, que na Universidade optou por uma cadeira só porque era necessária
para o curso, pode mais tarde ocuparse com o maior entusiasmo com esta matéria
que inicialmente lhe era indiferente.
O princípio da autonomia funcional é sem dúvida de grande importância na
evolução espiritual da personalidade. Mas muito para além disso a afirmação de
que existem desde o início da evolução do Id (Selbst) autodeterminações de fins,
que elegem e valoram, que vão para além da satisfação pessoal de necessidades e
que se processam com relativa liberdade.
3.1’ Esta relativa liberdade de escolha e valoração é acentuada por aqueles que
apresentam um terceiro ponto de vista crítico: que Freud dividia o todo psíquico
da personalidade numa tríade de impulsos que nos faziam oscilar entre a
escravidão dos nossos impulsos e a escravidão da sociedade.
Karen Horney, Erich Fromm, Kurt Goldstein e Abraham Maslow, acentuaram, pelo
contrário, a unidade global da personalidade humana, que tem como fundamento o
Eu (Selbst). Embora se discuta ainda a questão da estrutura e modo de
funcionamento deste Eu, não há contudo dúvida de que a maioria dos psicólogos
concorda que para o Eu humano o essencial é a realização de valores. Isto é: o
homem tende para a moralidade e outros valores por necessidade própria, e não
por obediência à sociedade.
Com isto não se elimina necessariamente a doutrina do SuperEu de Freud, e da
obediência aos valores representados pela sociedade. Devem antes distinguirse
duas espécies de valores: os valores próprios do indivíduo e os valores por ele
adoptados. Os freudianos que contrapuseram aos ideais do SuperEu os ideais do
Eu como outra categoria, em parte defenderam uma ideia parecida.
4.O O reconhecimento de que a orientação para a realização de valores em parte é
primária, leva à quarta objecção: que a
doutrina do prazer como último fim não tem em conta a importância essencial do
homem. Horney, Fromm, Goldstein, Maslow, Rogers e outros consideram como última
finalidade do desenvolvimento da personalidade a autorealização.
Isto inclui pois, opondose a Freud, a suposição de uma realidade primária
positiva, na qual se entra porque se espera encontrar nela as possibilidades da
própria autorealização.
5.O Uma quinta objecção fundamental diz respeito à teoria do desenvolvimento da
personalidade de Freud. Visto o prazer ser apenas uma finalidade parcial,
enquanto a personalidade como todo está orientada para realizações mais
importantes, por exemplo para a autosatisfação através da autorealização,
então também o desenvolvimento não pode ser encarado apenas sob o ponto de vista
da génese sexual. Além das fases de maturação e aprendizagem nos diversos campos
da conduta, estudados na psicologia da evolução, para a personalidade como todo
o mais importante é o desenvolvimento do Eu ou a identidade do indivíduo.
Embora o problema do desenvolvimento do Eu, estudado especialmente por Erik
Erikson e a autora, esteja ainda em muitas orientações por resolver, podemos
contudo afirmar com alguma segurança que é aqui que se encontra o ponto nuclear
da personalidade, o seu sistema central.
6.O Uma sexta objecção parte dos modernos antropólogos e psicólogos sociais que
criticam o facto de Freud não atender às tão diversas influências das diferentes
culturas e grupos culturais sobre o indivíduo. Consideram unilateral e
distorcida a concepção de Freud acerca da maneira como se desenvolvem o Eu e o
SuperEu, pois em muitas culturas se evita a introdução de proibições e o
desenvolvimento de sentimentos de culpa, e se afastam todas as dificuldades do
caminho da criança. Dos muitos investigadores que descrevem as influências dos
factores culturais sobre o desenvolvimento da personalidade, mencionaremos aqui,
pelo menos, a antropóloga M. Mead, os psicólogos F. Kluckhohn e M. Opler e o
psiquiatra F. Redlich.
6. CARÁCTER E PERSONALIDADE
O que é o carácter? E o que é o carácter se o compararmos
com a personalidade? O conceito de carácter é mais antigo que o de
personalidade. Vem do grego, ao passo que a palavra personalidade é de origem
latina. Manfred Koch chamou há pouco a atenção para o facto de a palavra grega
«carácter» significar originariamente «o enterrado, o inserido, o imprimido, o
cunhado», enquanto a palavra personalidade, como já dissemos, se
18
liga à máscara de teatro e assim a um papel desempenhado. Daqui provém uma
diferença nítida para a nossa sensibilidade linguística. A palavra carácter
referese a algo de fixo e estável, * palavra personalidade mais a algo
determinado por funções * que é estruturalmente modificável.
Deixemos a nossa sensibilidade linguística prosseguir ainda por uns momentos.
«Esse homem tem realmente um carácter como deve ser», diz a senhora Krause para
o marido, depois de este lhe ter contado a última história do banco em que
trabalha. Bela Nagy, um jovem empregado bancário, encontrara na rua, à tarde
quando ia para casa, um pacote com notas de banco no valor de 50 000 marcos, e,
embora ninguém soubesse disso e não houvesse testemunhas, dirigiuse
imediatamente com o dinheiro à polícia e entregouo. «E é justamente um dos
emigrantes húngaros pobres», acrescenta, louvando, a senhora Krause.
A palavra «carácter» é usada aqui em relação a uma valoração moral. Um americano
diria do sr. Nagy: «He is a very fine person». Os americanos utilizam a palavra
carácter muitas vezes em relação à maneira de ser pessoal. «He is quite a
charater» significa que tem a sua maneira de ser própria. Assim, muitas das
personalidades nos «funnies», as histórias humorísticas ilustradas dos jornais,
são descritas como «characters». «Dennis the Menace», o «enfant terrible» que
põe a nu de maneira inocente as fraquezas dos adultos, é um desses «character».
Mas também o americano, como o europeu, fala da educação do carácter, com o que
se refere a uma formação ética. Não se fala da mesma maneira da formação duma
personalidade a
evolução desta é deixada à sua própria conta. E a razão está no facto de se
utilizar o conceito de personalidade sem atributos
153 «Dermis the Menace», uma figura típica dos «funnies» americanos. O conteúdo
da historieta aqui é pouco mais ou menos este: «0 que é afinal a diferença entre
o dia da mãe e o dia do pai?» «É a mesma coisa somente no dia do pai compras
um presente mais barato», (De Los
Angeles Times, Comic Section, Part 2, 1961)
de valor. Gordon Allport exprime isto de maneira hábil na
seguinte frase: «Carácter é a personalidade a que se atribui valor;
personalidade é o carácter sem atributos de valor».
Mas além da inclusão de «maneira própria» e de atributos de valor, na palavra
carácter ainda há outra coisa que desempenha um papel importante. É o que
ressoa nos tipos caracterológicos de Kretschrner, determinados pela constituição
física, assim como nos tipos extrovertidos e introvertidos de Jung. Referimonos
ao facto de na palavra carácter jogar mais o factor da disposição inata do que
na expressão personalidade.
Aliás alguns investigadores acentuam que as tendências são apenas
predisposições, acerca de cuja evolução só se podem fazer poucas previsões
seguras. Assim, por exemplo, Robert Heiss chama a atenção para o facto de a
disposição física estar mais prédeterminada na sua evolução do que a psíquica.
As disposições psíquicas são, segundo ele, funções, cuja maneira «é em
muitos casos determinada e desenvolvida pelo seu círculo de função». Heiss
adverte expressamente do uso não crítico da palavra « predisposição »:
«Predisposições psíquicas não são óbvias», diz ele.
Por outro lado, especialmente no círculo de língua alemã existem psicólogos que
falam convictamente de disposições hereditárias do carácter, e aquele que mais o
acentua é talvez Kurt Gottschaldt, que defende o ponto de vista de que a
influência da disposição hereditária é duas vezes tão grande como a do meio.
As razões pelas quais defendemos um ponto de vista semelhante ao de Heiss
tornamse evidentes através do capítulo sobre as raízes biológicas: os mais
recentes conhecimentos da Biologia revelam que o conceito de « predisposição »,
tal como era usual antigamente tem de ser reduzido ao de disposições que se
podem desenvolver da maneira mais diversa. Talvez haja certas disposições mais
definitivas e que se mantê m mais constantes, tal como talentos ou para
escolhermos um exemplo de outra espécie a ânsia de verdade, veracidade,
descobrir, opondose a
uma tendência de modificar o sentido, ocultar, manter escondido. Mas, tanto em
geral como no particular, sabemos ainda extraordinariamente pouco acerca do
destino das disposições, e as opiniões acerca disso estão muito divididas.
Daí parecer adequado utilizar a expressão «carácter», como
o propõem por exemplo R. Heiss e H. Thomae ]@Q
1 para aqueles aspectos da estrutura da personalidade que estão fixos e só se
modificam lentamente e sob condições muito especiais.
Uma tal fixação parece formarse especialmente, como
mais adiante veremos, em posições, disposições de espírito e preconceitos.
E assim se explica também a estreita relação do conceito de carácter com os
valores. Gardner Murphy acentua a mesma relação na sua definição da palavra
«carácter»: «Carácter é um
sistema integrado de traços ou de tendências de conduta, que dá a uma pessoa a
capacidade de reagir com uma certa constância a problemas morais». Contudo
sabemos ainda muito pouco acerca deste sistema para que possamos fazer
declarações cientificamente válidas.
Vi. O decurso da vida humana
A Psicologia só muito recentemente se debruçou sobre o estudo do decorrer da
vida humana. Isto poderá parecer estranho, pois este problema deveria
interessarnos muito especialmente. Mas é compreensível, se pensarmos que é o
problema de mais difícil acesso, sob o ponto de vista científico. E assim se foi
adiando essa tarefa até há muito pouco tempo. E só hoje em dia se encarou
finalmente o problema sob os mais diversos pontos de vista.
1. QUESTõES DE MÉTODOS
Para isso utilizaramse especialmente quatro métodos. O primeiro é o método
biográfico. Gordon Allport dedicou a este método, cuja aplicação tem na
psicologia uma história interessante e pitoresca, um estudo digno de admiração,
que mostra as suas diversas formas e examina o seu grau de exactidão científica.
Desde os anos de 80 e 90 que se vêm coligindo, para fins psicológicos,
documentos pessoais, como biografias, autobiografias, diários, troca de
correspondência, etc. De início tratavase geralmente de demonstrar evoluções
invulgares, como a hereditariedade do génio (Galton), a questão da relação entre
o génio e a loucura ou problemas da psicologia criminal (Lombroso), da patologia
sexual (KrafftEbing), da conversão religiosa (Starbuck) ou da fantasia juvenil
(StanleyHall).
Por sugestão de Freud, desde o início do movimento por ele fundado, os
psicanalistas examinaram também biografias, embora, como PhyIlis Greenacre
acentuou recentemente, os
dados do passado raramente permitam penetrar nas profundezas da motivação, como
seria desejável. Nas mãos do analista,
o estudo biográfico transformase num estudo clínico, pois ele tem interesse em
apresentar algumas relações de desenvolvimento clinicamente importantes.
Também se utilizaram biografias tanto sob o ponto de vista sociopsicológico como
da psicologia da cultura, em parte para caracterizar certos movimentos sociais,
em parte para demonstrar factores culturais. H. Cantril estudou assim um
movimento social com a ajuda de material biográfico, e Allport, Bruner e
Jandorf estudaram 90 histórias da vida de pessoas do tempo do domínio nazi.
Publicaramse muitas biografias de membros dos chamados povos «primitivos», e
isto em relação com investigações políticoculturais. Também podemos inserir
nesta categoria os
valiosos estudos de biografias feitos por Anne Roe sob o ponto de vista de
diversos grupos profissionais dentro da nossa cultura.
E finalmente, utilizouse também a biografia sob pontos de vista da psicologia
da evolução, tal como o empreendeu em
1933 pela primeira vez a autora, com a finalidade de encontrar factos
fundamentais da evolução desde o nascimento até à morte.
Um segundo método, aparentado com o primeiro e hoje em dia frequentemente ligado
a ele, é o método clínico. Por método clínico designamse os processos de
entrevistas, portanto em diálogo, de interrogatório, tal como se desenvolveram
para fins diagnósticos e terapêuticos; a sua forma mais simples, e já antiga, é
a anamnese, em que o médico toma conhecimento de doenças anteriores e da
história da vida do paciente através da conversa com este. Hoje utilizase numa
base muito mais larga o método clínico no estudo da história da vida. Utilizam
se processos de entrevista clinicamente orientados, não só na Psiquiatria e no
domínio do trabalho social, mas também em muitas investigações sobre a
personalidade, com fins teoréticos ou práticos. A técnica clínica distinguese
de outras técnicas de interrogatório por exemplo por um funcionário, um
professor ou um vendedor pelo facto de o clínico trabalhar por um
lado no sentido da descoberta de problemas e sintomas, por outro lado no sentido
da compreensão de causas e motivações na história do seu paciente. Mesmo quando
aplicada a pessoas que não sejam doentes, a entrevista orientada clinicamente
dará maior valor às relações citadas do que a factos como tais ou factos em
relação a prescrições ou valores, como poderá interessar a outros
entrevistadores.
O método clínico de entrevista, quando extensivo a longos períodos, permite,
mais do que qualquer outro método, uma
visão profunda do modo como uma pessoa vive a sua vida, e também das suas
experiências do passado e dos seus planos para o futuro.
O método clínico é aplicado principalmente por psicólogos clínicos e por
psiquiatras. Foi excelentemente demonstrado, em ligação com a biografia, por
Erik Erikson, especialmente no seu
livro sobre Martinho Lutero.
A exploração estruturada, como se designa uma ligação moderna entre conversa e
questionário, é um terceiro método, que é usado por muitos na investigação de
problemas do decurso da vida, Com a sua ajuda, observamse grupos de idade e
profissões, e comparamse com outros.
Robert Havighurst aplicou este método em grande estilo e em ligação com
problemas da história da vida e problemas sociológicos. Deduziu das suas
observações o conceito da missão de desenvolvimento, referindose com isso às
formas de conduta e às realizações que são de esperar normalmente numa
determinada idade. Paul Lazarsfeld introduziu este método na investigação da
psicologia juvenil.
O quarto método finalmente é o estatístico. Consiste em observar determinadas
funções, modos de conduta ou realizações em grupos grandes, em períodos da vida
diferentes. Outras observações são realizadas durante períodos de tempo mais
longos numa grande quantidade de indivíduos. A ascensão e decrescimento dos
modos de conduta são então representados quantitativamente e em curvas e dão um
a imagem da «evolução humana». Este é o título que se dá a obras desta espécie.
Entre elas, as
mais conhecidas são as de Zubeck e Solberg e de Pressey e
Kuhlen; J. E. Anderson apresenta uma exposição destas em
conexão com problemas da adaptação à vida.
E por fim há ainda um grande número de exposições de determinadas fases da vida
ou problemas vitais específicos, nas quais se ligam entre si diversos métodos,
As fases de infância e juventude, a fase da idade avançada e da morte, os
problemas do casamento e divórcio, da fundação da família e das relações entre
pais e filhos, da escolha de profissão e evolução profissional, saúde e doenças,
de felicidade e infelicidade, êxito e fracasso, do crime, do suicídio tudo
isto e muita coisa mais foi estudada hoje em dia em inúmeros trabalhos.
A nossa questão é a seguinte: como e segundo que pontos de vista podemos fazer
para este capítulo uma selecção que tenha sentido e tenha suficiente interesse
geral, em face dum círculo de problemas tão vasto?
2. PROPOSITURA DE PROBLEMAS
A nossa resposta a esta pergunta é determinada pelas seguintes considerações:
nos capítulos anteriores estudámos a Biologia, a Motivação, o Desenvolvimento e
a Personalidade de maneira tão profunda que podemos ter uma ideia da medida em
que estes componentes contribuem para o êxito ou malogro da vida humana. Nos
capítulos da parte que se segue ocuparnosemos das formas de comunidade que o
homem criou. Falaremos então do casamento, da família, da profissão e
instituições profissionais, assim como da aderência a grupos culturais,
nacionais e políticos.
Mas há um ponto de vista que nunca é salientado como tal, e que vamos agora
tratar como ponto central. Tratase do ponto de vista do êxito ou fracasso da
nossa vida em parte e
no todo. Este êxito e fracasso que conhecemos continuamente em todas as
realizações físicas e psíquicas, nas nossas relações humanas, nos nossos
empreendimentos objectivos e profissionais, e de que toma consciência todo
aquele que está atento ao seu íntimo este êxito e fracasso representam uma
continuidade para o homem que medita, e uma vivência que se vai fechando
gradualmente num resultado global e que abrange tudo.
Vamos encarar esta vivência do êxito e fracasso da vida servindonos de algumas
biografias e em diversos períodos da vida, pois ao que parece ela formase
gradualmente. Aliás sabemos ainda pouco acerca desta formação. Ainda não foi
estudada científica e sistematicamente, e nem sequer sabemos se todas as pessoas
ou quantas pessoas têm consciência destas vivências completas de êxito ou
fracasso. Além disso, não sabemos ainda qual a relação dessas vivências com as
nossas finalidades e
deve haver sem dúvida uma certa relação. E também não se sabe quantas pessoas
têm realmente finalidades de vida, que são vividas como algo que abrange e dá
conexão à vida. É até muito provável que uma grande maioria de pessoas neste
mundo nem
sequer chegue a ocuparse da vida como um todo, mas tenha que se contentar em
resolver de um dia para o outro o problema da sobrevivência e em tirar daí ainda
algum prazer.
E assim, devido à carência de conhecimentos científicos, é pouco aquilo que se
pode exprimir em definitivo. Apesar disso achamos que vale a pena pôr neste
capítulo algumas questões respeitantes ao êxito na vida na medida em que este
se relaciona com finalidades da vida e impulsionar o leitor a meditar sobre
este assunto, através de algumas reflexões bem
como através de alguns exemplos. Utilizaremos vários dos métodos que
descrevemos, servindonos principalmente de material biográfico e clínico.
3. COMO É SENTIDO O ÊXITO E FRACASSO DA VIDA?
Quando se ouvem as pessoas falar em entrevistas clínicas, ou se estudam as
declarações de diários, correspondência e de outros documentos biográficos, tem
se a impressão de que na
formação das vivências de êxito e fracasso se realiza durante
anos uma acumulação, de tal maneira que até as pessoas que não formam
finalidades de vida no verdadeiro sentido da expressão têm contudo sentimentos
dum todo como: «Eu consigo tudo», ou «Não consigo nada» . E isto pode aparecer
também qualificado: «Nas coisas principais tenho êxito, e a vida éme
favorável». Ou então: «Há muita coisa que me falha sou um
pobre diabo sem sorte».
E aqui se nota que as pessoas, em grandes traços, embora em medida diferente,
tornam o destino ou as circunstâncias responsáveis pela sua sorte ou
infelicidade. Mas neste ponto existem grandes diferenças individuais. E podemos
já dizer que, dentro da nossa mentalidade moderna, se considera um sinal de
força psíquica, saúde e honestidade interior, quando alguém é capaz de prestar
contas a si próprio da medida em que é responsável, ou torna responsáveis as
circunstâncias, pelo seu
êxito e, sobretudo, pelos seus fracassos. É esta atitude e esse é um dos
conhecimentos principais que Freud nos transmitiu que entendemos hoje pela
ideia, tão importante sob o ponto de vista psicoterapêutico, de que a pessoa
normal vê a realidade tal como ela é.
Aliás há analistas dos mais modernos que, como Thomas Szasz, declaram sem
rodeios: tudo isto não é tanto uma questão de normalidade, como de moralidade.
Não ser capaz de ver a verdade como ela é, é simplesmente uma desonestidade, e o
conceito de doença mental um «mito», como ele lhe chama. Mas pareceme que isto
vai demasiado longe. Eu creio que, se exceptuarmos a desfiguração causada por
uma educação errada e influências desfavoráveis do ambiente, ou a fascinação que
é determinada pelo ambiente cultural uma pessoa pode de facto não ser
suficientemente forte para encarar de frente a verdade ou para poder suportá
la.,w
Contudo, quer a pessoa que torna sempre o destino responsável pelo seu malogro
seja doente, fraca ou desonesta, ou tudo isto junto o que é certo é que hoje
em dia ninguém a leva
a sério. E é tanto mais importante verificar isto, quanto é certo que vivemos
numa época em que catástrofes de política internacional abalam a humanidade,
desenraízam o indivíduo, lhe tiram o mais necessário para viver, o colocam
perante situações de terror, de miséria e morte, dum modo que nunca aconteceu,
durante séculos.
E o que é estranho é que muitas pessoas encaram estes golpes do destino com uma
paz de alma e uma força que nunca se esperaria, e, com uma riqueza de ideias
digna de admiração, constroem novas existências a partir do nada. Mas não menos
pessoas, como sabemos pela triste experiência, soçobram em
número assustador devido à aniquilação mais brutal ou às dificuldades que as
vencem.
A Psicologia não está ainda em condições de dar uma informação cientificamente
fundada sobre todas estas reacções de indivíduos, grupos e massas. Por enquanto
teremos de limitarnos a estudos muito modestos sobre destinos individuais.
No entanto é importante esclarecer em que sentido se
emprega aqui a palavra destino. Entendemos por destino a totalidade das
circunstâncias que são «destinadas» a um indivíduo. Com «destinadas» queremos
dizer acontecimentos sobre os quais o indivíduo, por razões externas ou internas
‘ não exerce qualquer influência que escapa ao seu contrôle. E não devemos
esquecer os motivos internos. Pois se alguém tem uma inteligência restrita ou é
demasiado sensível, se escolhe erradamente
as suas finalidades, isto contribui também para o seu destino. Este destino é
então a totalidade das circunstâncias que determinam o desenrolar da sua vida.
Mas o que existe então além deste destino? Não é também destino a força de
vontade com que uns se conseguem erguer e que falta a outros? Sim e não. Na
medida em que entram em
consideração dados últimos internos e externos, sim. No entanto, todos os dados,
inclusivamente os internos, como já expusemos, devem ser encarados como
potencialidades, isto é, parece haver perante as circunstâncias um grau de
liberdade interior que torna possível até certo ponto uma autodeterminação e
decisão livre. Quando Job louva o Senhor apesar do seu destino tão insuportável
para ele; quando Marie HeimVõgtlin, uma médica suíça, diz para o fim da sua
vida: «Não há a menor coisa nesta existência, que eu quisesse diferente», embora
tivesse de passar por diversos sofrimentos e nos últimos anos por uma grande
doença; quando a grande matemática Sonja Kowalewska termina a sua vida com uma
obra «Como foi e como poderia ter sido»; quando na obra de Arthur Miller, «A
morte dum caixeiro via
jante», um dos filhos diz do pai que morrera: «Os seus sonhos eram errados. Eram
todos errados», mas o outro diz: «Ele sonhou um sonho bom. O único que existe
chegar a alguma coisa... tudo isso são interpretações de destinos, as quais
nos
permitem concluir tanto ou mais acerca da posição dos indivíduos do que dos
acontecimentos objectivos.
A atitude perante o êxito ou fracasso da vida pode, pelos vistos, ser, por um
lado, desde o início, muito esperançada apesar de muita infelicidade, e por
outro lado céptica, mesmo em
condições favoráveis.
«Apesar de tudo mantenhome sempre confiante; estou convencido que no fim acaba
tudo bem» dizme um paciente depois de ter acabado de relatar alguns rudes
golpes do destino.
«Antigamente», dizia um outro chamado Walter, «eu era sempre pessimista. A minha
mulher estava sempre a queixarse que eu não parecia acreditar no futuro. Agora,
que tenho de vencer dificuldades talvez muito maiores do que nunca antes, tenho
uma posição espantosamente optimista. Muitas vezes perco de momento totalmente a
coragem, mas apesar de tudo sei: heide vencer».
Walter explica esta mudança de atitude por um lado como resultado positivo do
seu tratamento psicoterapêutico, por outro lado como consequência do seu
divórcio da mulher, que o desanimava e lhe tirava a confiança em si próprio.
Mas uma pessoa pode também sentir o que outra paciente, Sally, exprimia assim:
«Nunca virei a ser nada. Uma pessoa como eu nunca poderá ter êxito na vida».
E porquê? «Pessoas como eu, não o merecem. Em primeiro lugar sou má, isso
disserammo continuamente desde pequena. E além disso... quando se tem uma
ascendência tão miserável como eu, uma família tão reles o que é que se pode
esperar?»
Ocuparnosemos depois outra vez de Sally, uma rapariga de 26 anos.
Factores neuróticos como os que actuam em Sally podem influenciar a atitude para
com o êxito e o fracasso. o caixeiro viajante Willi, do conhecido drama de
Arthur Miller, tem uma concepção de vida oscilante, continuamente entre um falso
optimismo e pessimismo, justamente devido à sua personalidade neurótica. O seu
optimismo é falso na medida em que ajuíza erradamente e não compreende as
realidades da vida, as próprias capacidades e aquilo que importa.
Assim como a atitude perante o êxito e o fracasso da vida pode ser construtiva
ou destrutiva, assim também o juízo acerca
do êxito ou fracasso obtido até então pode corresponder à realidade ou pode ser
desfigurado por falsas esperanças e expectativas, ou por complexos de
inferioridade e depressão. Todos sabemos por experiência própria, quantas vezes
nos enganámos acerca das proporções de determinados êxitos ou insucessos, e como
é frequentemente difícil ajuizar acertadamente sobre estes assuntos, mesmo que
se seja suficientemente objectivo.
A consciência de êxitos e fracassos, as vivências de sucesso
e insucesso dependem naturalmente em grande medida das finalidades e das
expectativas com que uma pessoa vive a sua vida. Por isso convém examinar este
factor da expectativa.
4. EXPECTATIVAS DA VIDA E A CONCEPÇÃO DE VIDA
Aquilo que uma pessoa espera da vida ao começála e no seu decurso é determinado
por uma série de factores que, segundo o que sei, foram analisados
sistematicamente.
Referimonos há pouco a optimismo e pessimismo; ambos parecem ter o seu
fundamento, por um lado na experiência, por outro no temperamento inato, embora
em medida ainda desconhecida.
Também o nível de exigência, pelo qual entendemos, tal como Kurt Lewin, as
grandes ou pequenas expectativas ou exigências com que os diversos indivíduos
atravessam a vida, se fundamenta, na sua origem, ao que parece, em parte em
experiências, em parte na consciência das próprias potencialidades.
«Tudo o que eu pretendo é ganhar o meu sustento honradamente e não fazer
dívidas», disse um homem de meiaidade ao responder à pergunta do que esperava
da vida. Este Anton era um trabalhador considerado, querido dos colegas e
superiores, mas que tinha grande consciência da insegurança da vida. Filho
ilegítimo de uma rapariga pobre que trabalhava duramente, tivera já cedo de
começar a trabalhar e a ganhar o seu sustento.
Um outro homem, pelo contrário, que trabalhando se elevou da maior miséria ao
bemestar e veio a ser dono de uma fábrica formada a partir do nada reagira de
modo totalmente diferente às condições de vida difíceis em que se criara.
Também ele, Henrique, provinha de condições visivelmente infelizes: o pai
abandonou a mãe já durante a infância de Henrique e desapareceu para sempre.
Mas, ao contrário de Anton, Henrique já cedo tomou consciência das suas grandes
capacidades. Também conhecera, na primeira infância, condições de vida seguras,
que ele recordava com saudade e até certo ponto
154156 As expectativas e a concepção de vida modificam~se com os graus de
idade: na pessoa jovem contamos, falando normativamente, com grandes
expectativas; nos anos de vida médios, com uma concepção de vida realista,
enquanto que na idade avançada esperamos serenidade
como lhe sendo devidas. E não devemos esquecer que a mãe mantivera sempre nele
acesa a ambição, pois também ela esperava dele um melhor futuro.
«Havia uma coisa clara para mim já quando andava na
escola:», dizia este homem, «que, fosse de que maneira fosse, havia de arranjar
uma vida mais agradável para mim e para a minha mãe. Nunca mais seremos pobres
esta foi a minha decisão».
A mulher de um médico, quando aos 60 anos olha retrospectivamente a sua vida,
diz:
«Nunca me interessou muito dinheiro e uma posição social elevada; eu necessitava
sobretudo de ordem interior e de paz de espírito. Além disso também queria que
me considerassem na paróquia, e queria ter uma posição económica assegurada.
Também era importante para mim ter responsabilidades e afirmarme na vida como
pessoa capaz».
Quando se continuava a falar com esta senhora, e se perguntava como teria
chegado a tais ideias, então viase em breve que fora criada numa determinada
tradição familiar, que ela continuava. Helen provém de uma família rigorosamente
católica, o pai era um funcionário médio da administração, a família vivia numa
pequena cidade uma vida simples entre amigos e
parentes. Havia pouco luxo e prazeres, mas davase grande valor à educação das
crianças.
Entrevêse nitidamente o mundo cultural que rodeava Helen, naquilo que ela
espera da vida. Nos casos de Anton e Henrique, as expectativas da vida são de
facto igualmente determinadas pelo ambiente cultural, mas nestes dois homens
desempenham um papel mais importante as experiências pessoais, a influência de
duas mães diferentes e a confiança nas próprias capacidades, num caso maior, no
outro menor.
Todos estes factores determinam o conteúdo das expectativas. Nestas se exprimem
tanto os desejos do indivíduo como
a sua concepção de vida. Nos desejos desempenham um papel maior aquelas
tendências básicas a que nos referimos já várias vezes. Elas fazem com que uma
pessoa pretenda alcançar vivências de felicidade que espera sob a forma de amor,
prazeres ou
posse material. Outra poderá ter como maior desejo a satisfação numa vida
assegurada. Pretenderá saberse inserida, reconhecida, indispensável, talvez até
amada, e está disposta a adaptarse às condições dadas. Uma terceira pessoa
pretenderá conquistar o
mundo e deixar nele os vestígios da sua acção. Para ela é importante ter ocasião
para realizações e êxito. A uma quarta pessoa interessará sobretudo levar uma
vida ordenada, dedicada a altas missões.
Como já dissemos anteriormente, todas as pessoas normais têm desejos e
expectativas em todos estes sentidos, mas, devido
a uma particularidade pessoal, assim como a condições de vida, é um ou outro
conteúdo de desejo que se torna especialmente importante. Estas condições de
vida, que desempenham um papel como factores materiais, sociais e culturais, têm
frequentemente um efeito sobre a concepção de vida e a maneira como se forma uma
vida, que pode ser mais decisivo do que aquilo que uma pessoa mais deseja para
si. E assim, alguns estudiosos da sociopsicologia, por exemplo Marvin Opler, são
de opinião que a atitude de uma pessoa perante a vida é desde o início muito
mais determinada pelo seu ambiente cultural do que por ela própria. Também
alguns sociopsiquiatras modernos, como
Fritz Redlich, defendem uma opinião semelhante.
A tomada de posição nesta importante questão depende essencialmente do grau de
liberdade interior que se atribui ao indivíduo. A isto nos referiremos mais
pormenorizadamente no
capítulo seguinte, servindonos de exemplos.
As expectativas e a concepção de vida modificamse nas
diversas idades.
Geralmente imaginamos as expectativas e esperanças de gente nova e saudável como
elevadas, embora ainda indeterminadas. Mas a insegurança da vida na nossa época,
o perigo constante do aniquilamento pela guerra, por revolução ou qualquer outra
catástrofe, que na realidade ameaça todos, tem como consequência que os jovens
de hoje olhem o futuro muitas vezes com mais preocupação do que confiança.
Pareceume um triste sinal da nossa época, que num grupo de jovens de boa
posição social e económica que eu interroguei, se falasse mais de segurança do
futuro do que de qualquer outra finalidade. Deixarei falar este grupo na última
parte do nosso livro.
Contudo, se formos sinceros, temos de confessar que não possuímos ainda nenhuns
conhecimentos acerca do aspecto que teria uma curva normal das expectativas da
vida nas diversas idades.
Pressupõese geralmente que uma pessoa de meiaidade tem expectativas de vida
realistas, isto é, expectativas que correspondem às condições reais. Isto
deveria ser o caso de pessoas psiquicamente normais, na medida em que
desempenham um papel as suas próprias potencialidades. Mas a insegurança da
situação mundial e as muitas derrocadas de condições de vida que pareciam
firmemente asseguradas, impossibilitam hoje, também o homem que pensa de modo
realista, de imaginar, mesmo
só pouco mais ou menos, aquilo que deve esperar.
Na idade avançada observase muitas vezes a tendência para suavizar um pouco as
sombras da vida. Falase da clarificação e da bênção da sabedoria da idade, que
em parte consiste em
ver as coisas a uma maior distância e com menos entusiasmo. Poderseia
acrescentar que é uma certa graça do destino o facto de se esquecerem na idade
avançada muitas desilusões e muita injustiça da vida, e que a pessoa idosa
frequentemente, e ainda não sabemos quão frequentemente, esteja disposta a fazer
as pazes consigo própria e com o seu Deus, como se costuma dizer em alemão. A
esta necessidade de uma paz final acode especialmente a Igreja Católica com os
últimos sacramentos concedidos no fim da vida.
Mas nem todas as pessoas que envelhecem tendem para a clarificação e para a paz;
todos conhecemos alguns velhos ainda quezilentos, e é natural que também aqui
sejam grandes as
diferenças individuais.
5. FINALIDADES E PROBLEMAS DE VIDA
Um campo em que sabemos um pouco mais é o das finalidades de vida. Falámos no
capítulo anterior das relações entre as finalidades e o êxito ou fracasso na
formação da personalidade. Agora ocuparnosemos da questão de como a formação
de finalidades no decorrer da vida determina o êxito ou fracasso da mesma.
A partir de quando tem o homem, em geral, finalidades de vida? A resposta
depende de como se apreende e define esta palavra. Se pensarmos em primeiro
lugar em finalidades conscientes, em finalidades que abrangem a totalidade da
vida, então não podemos falar delas antes da idade da juventude. É neste período
que pela primeira vez se encara o tempo de vida em toda a sua extensão.
Encontramos esta relação para com o tempo passado e futuro expressa em diários
de jovens, e referidas e formuladas as relações entre o passado, presente e
futuro. Mas especialmente o futuro longínquo é encarado apenas vagamente como
também as finalidades projectadas no futuro representam apenas esboços de
possíveis formas de vida.
Designámos isto num capítulo anterior como autodeterminação provisória de
resultados de vida, e distinguimos esta da autodeterminação definitiva que se
lhe segue, por volta dos trinta.
Mas de certo modo pode falarse já na infância de finalidades de vida, se não
limitarmos a expressão a tendências conscientes, orientadas no tempo.
Finalidades de vida no sentido de tendências de realização, que são de uma
importância fundamental para uma vida normal, existem desde o início. Falámos
das quatro tendências básicas que visam a satisfação de necessidades vitais
(vide pág. 129).
Finalidades de vida no sentido de projecções do Id (Selbst) no futuro,
conscientes ou semiconscientes, embora ainda não temporalmente orientadas,
aparecem a partir de cerca dos quatro anos de idade. A partir desta idade
tornamse também conscientes vivências de êxito e fracasso, que se experimentam
igualmente desde o início da vida, embora ainda não sejam apreendidas
conscientemente.
Todos os que tenham observado um bebé com perturbações de coordenação, ao
agarrar ou ao realizar outras manipulações, sabem que ele reage já muito cedo
com expressões que revelam que o bebé é infeliz.
Esta primeira apreensão do êxito e fracasso em relação à própria pessoa
significa uma primeira autocrítica, no que respeita padrões de valores, que a
criança adquire e desenvolve gradualmente. Neste processo parecem surgir, logo
de início, problemas e conflitos.
Freud via a origem destes problemas e conflitos principalmente nas relações do
indivíduo com o ambiente que o rodeia: corno fundada nos fracassos e obrigações
que são impostos à criança. Karen Horney, pelo contrário, tal como o exprimiram
os poetas e pensadores em todas as épocas, vê a razão dos conflitos na própria
pessoa, «no próprio peito», como diz o poeta.
Vê essa razão como dilema das próprias necessidades, determinado interiormente.
Na realidade podemos provar a existência destas duas estruturas de conflitos
desde o início. Ambas estão relacionadas, influenciamse mutuamente, e aqui está
a fonte de autodeterminações falhadas que podem, segundo as circunstâncias,
desviar toda uma vida para vias erradas.
Ao leitor não habituado a estes assuntos, deve parecer muito exagerada esta
afirmação que acabamos de fazer. Por causa da importância destes problemas, que
deveriam dar que pensar especialmente àqueles que, entre os nossos leitores, são
pais, discutiremos em pormenor alguns casos.
6. INICIOS INFANTIS DUMA VIDA REALIZADA OU FALHADA
Conhecemos no caso de Alfredo (vide pp. 138, 153) um
exemplo de escolha duma finalidade precoce, que teve resultados desfavoráveis na
evolução mais tardia. Alfredo decidiu, já aos 4 anos, «nunca mais cometer um
erro», e fixouse cada vez mais inflexivelmente num ideal de perfeição.
Esta autodeterminação teve a sua origem na relação de Alfredo para com a mãe que
lhe dava um exemplo de uma
vida orientada por princípios rígidos e o incitava a imitála. Uma das
expressões que ela repetia frequentemente era, por exemplo, esta: «Se uma coisa
é digna de se fazer, então também é digna de ser realizada o melhor possível».
Este princípio, que se opõe a qualquer tarefa feita à pressa, mesmo que se trate
de uma solução provisória, foi tomado especialmente a sério por Alfredo.
Impressionouo muito a importância desta máxima, assim como de todos os
princípios cuja observância a mãe vigiava com uma rígida disciplina. E a sua
influência foi tanto maior, quanto ela, em determinadas épocas, dispensou muita
bondade e ternura aos filhos, com o que os ligou fortemente a si.
Mas os irmãos de Alfredo não levaram, nem de longe, tanto a sério os mandamentos
da mãe como o fez Alfredo. E aqui há um segundo factor decisivo. Foi em parte o
próprio Alfredo que contribuiu para a sua evolução, ao identificarse numa
medida tão extrema com as regras de vida da mãe não por a amar
tanto, mas muito mais por causa do seu medo intensivo de ser repreendido. Até
com trinta anos e depois de dois anos de Psicoterapia, Alfredo reconhecia que
ainda tinha dificuldades em
superar um sentimento de ofensa perante qualquer observação crítica que se lhe
fizesse.
Portanto, devemos atribuir à sua necessidade de autodefesa
19
o facto de Alfredo em criança escolher a autodeterminação de uma perfeição
inatacável. Além disso, o medo da mãe e uma certa admiração por ela desempenham
um papel de tal maneira grande que a sua escolha não pode ser designada como
realmente livre.
O significado desta escolha, que no caso individual pode ser mais ou menos livre
e que por vezes é tão extraordinariamente precoce, não foi até aos nossos dias
tomado suficientemente em conta nem valorado pela Psicologia. Mas hoje discute
se vivamente este problema.
A questão que nos interessa, em conexão com este capítulo, é de que maneira a
vida de Alfredo foi influenciada no seu êxito ou fracasso pela autodeterminação
precoce e rigidamente fixada. É fácil de prever que o seu perfeccionismo o
deveria levar às maiores dificuldades. É certo que, felizmente, os seus dotes
técnicos eram suficientemente grandes para lhe assegurar o êxito profissional,
mas não conseguiu a realização da sua vida pessoal. Nenhuma rapariga que
encontrava correspondia exactamente ao seu ideal e não se pôde decidir a nenhuma
ligação até aos
30 anos, pois pensava que ela poderia ser «errada». Também a sua vida social se
limitava a relações com poucos amigos, e por isso sofria muito com a solidão e
com o facto de ter de prescindir de uma vida sexual e amorosa que o
satisfizesse.
Um outro exemplo para uma vida falhada devida a uma autodeterminação precoce
desfavorável, énos dado por uma
mulher que só no início dos 50 anos chegou à conclusão de que tinha de
modificarse totalmente a si própria e à sua vida, se
não a quisesse considerar totalmente falhada.
Bettina é uma mulher ainda bonita, divorciada e sem filhos, que goza de
independência económica; ocupa a sua vida com obrigações sociais e também como
membro de algumas organizações de beneficência. Mas vive profundamente
insatisfeita com tudo isso. Na sua inquietação, procura de vez em quando fundar
uma ou outra firma, um negócio de objectos de arte ou coisa parecida, mas em
breve desiste de todas estas tentativas. Depois faz uma viagem pelo mundo, da
qual volta com novos planos que nunca se chegam a realizar.
Já com quatro ou cinco anos Bettina se impressionava pelo facto de as pessoas à
sua volta serem tão diferentes e viverem de maneira tão diferente. Ela tinha
pena da mãe, que estava sempre séria, triste e cheia de preocupações. Isto não
lhe agradava nada. E por muito que amasse a mãe ela queria vir a ser diferente.
Entre os muitos parentes havia uma tia que a atraía especialmente: a tia Elinor,
pois ela estava sempre alegre, andava bem vestida e era rica. O marido parecia
amála muito e estava
continuamente a ocuparse dela, enquanto o pai de Bettina não se preocupava
muito com a mulher nem com a família.
Bettina decidiu vir a ser como a tia Elinor: bonita, rica e
alegre. Esta decisão tomada desde cedo e de que ela durante muitos anos nem
sequer teve consciência, de que só se tornou consciente durante o seu tratamento
psicoterapêutico, aos 52 anos, tinha realmente determinado de maneira decisiva
toda a
sua vida. Depois de rapariga, bonita e elegante, escolheu para marido entre os
seus muitos admiradores um jovem negociante rico que a adorava, e deixouse amar
e amimar, exactamente como
a tia Elinor. Mas no decorrer dos anos descobriu que não era
feliz. Foi necessária a terapia para lhe fazer ver que a sua própria falta de
entrega ao marido, filhos ou qualquer actividade com
sentido tinham deixado a sua vida vazia, pobre e não realizada, apesar de toda a
riqueza que possuía.
Já antes de ir para a escola, Bettina pretendia vir a ser
«exactamente como a tia Elinor». Nesta idade préescolar muitas crianças estão
naturalmente longe de fixar finalidades a elas próprias de um modo tão
determinado. Têm mais sentimentos difusos do que ideias claras acerca delas
próprias e do ambiente em que vivem. Infelizmente hoje em dia os pais sabem tão
pouco acerca destes fenómenos, que os deixam entregues em parte ao acaso. Uma
educação orientada no sentido da formação da personalidade, como foi a educação
de Linda, a que atrás nos referimos (vide págs. 235, 246), contase entre as
excepções. Em regra os pais, que estão interessados em dar uma educação relativa
a determinados valores, limitamse a toda a espécie de princípios gerais, entre
os quais contam, em primeiro lugar, um bom comportamento, sinceridade, honradez,
amor à ordem, sentido de responsabilidade e outras coisas parecidas. Há poucos
pais que pensem tão a fundo sobre a vida que possam proporcionar à criança, de
forma compreensível, ideias mais profundas acerca da maneira como se pode
solucionar construtivamente os
problemas da vida.
Linda, por exemplo, teve uma mãe que entendia isto de maneira realmente
excepcional. Já fez compreender à criança de quatro anos, a propósito de uma
repreensão, que ela tinha, como toda a gente, certas obrigações, mas por outro
lado também os
seus direitos. Esta explicação impressionou profundamente a
criança e deulhe a sensação da sua dignidade humana.
Além disso esta mãe inteligente ensinou também à filha a
essência do compromisso, e isso quando se tratou de solucionar a oposição do pai
contra os desejos que Linda manifestara em estudar. A mãe soube conquistar a
filha para primeiramente
ligar o interesse em ajudar em casa com o desejo de aprender, para depois de
estar preparada em ambos os campos da vida, mais tarde se decidir, na devida
altura, por aquilo que mais estivesse de acordo consigo.
Como início invulgarmente feliz para o êxito na vida, pareceme nesta história
de uma infância a precoce adaptação a um
pensamento reflexivo, compreensão e adopção de conceitos que tornaram a criança
apta a resolver os seus primeiros conflitos.
E é aqui que está a diferença entre o que faz a mãe de Linda e aquilo que
ensina ao filho a mãe de Alfredo. Em ambos os casos se trata de mães que
procuram orientar os filhos para a vida. Mas enquanto uma das mães dá
prescrições de como se
deve fazer, a outra incita ao pensamento autónomo: ela mostra como se deve ver
as coisas e o que se pode fazer, e não o que se tem de fazer. Ela conduz a
criança, como hoje exprimiríamos cientificamente, para um sistema aberto do
pensamento, enquanto a outra ensina um sistema fechado, em que já não existe
nenhum grau de liberdade. E assim, uma das mães prepara uma posição construtiva
perante problemas futuros, enquanto a outra dá apenas princípios rígidos.
Coligi apontamentos de mais de cinquenta casos de terapia, orientados no sentido
de determinar o comportamento que os
pais das pessoas tratadas tinham a respeito destas coisas. Não encontrei um
único caso em que na infância se tivesse ajudado a pensar reflexivamente nos
problemas da vida. Parece, antes, ser uma ideia corrente que as crianças, ou não
têm problemas sérios, ou que os devem resolver sozinhas. Esta solução dos
problemas é ainda menos de esperar, se as crianças, a que ninguém ajuda a
entender a vida, têm além disso ainda diante de si um mau exemplo, ou deparam
com injustiças se não até com crueldades. Numa época como a nossa, esfacelada
por querelas e violências de toda a espécie, é difícil imaginar uma evolução
normal da próxima geração.
Até crianças portanto, que recebem amor e uma educação adequada, necessitam,
para que a sua vida obtenha êxito, de uma orientação cuidada para o pensamento
reflexivo e para a solução de problemas da vida, e hoje mais do que nunca.
Neste ponto pareceme digno de nota o que escrevem Fritz RedI e David Wineman na
sua obra sobre «Crianças que odeiam»: Estas crianças perdem muito especialmente
a capacidade de resolver os seus sentimentos de angústia e insegurança em
situações difíceis. Estas crianças de oito a dez anos, criadas nas mais
horríveis condições de vida, só têm duas possibilidades para a
solução de problemas: ou fogem, ou atacam e destroem.
Oito a dez anos é esta a idade em que crianças relativamente saudáveis
adoptaram uma ou outra ideia de como se podem ajustar à vida, quer pela
adaptação quer pelo domínio. Mas muitas, que não têm orientação nem exemplo,
permanecem desamparadas até à adolescência ou até mais tarde.
7. OS PROBLEMAS DO ÊXITO E FRACASSO NA ADOLESCÊNCIA
A puberdade e adolescência período da vida que vai de cerca dos 12 anos até ao
início dos 20 são geralmente consideradas como um dos dois períodos mais
difíceis da vida; o outro, que lhes corresponde, é o climatério. Adolescência e
climatério são os dois graus de idade que conduzem para dentro da vida e para
fora da vida, e cuja dificuldade consiste justamente no
facto de o indivíduo se ter de orientar de maneira totalmente nova na vida.
No que respeita ao jovem, a sua missão consiste em preparar correctamente o
êxito da sua vida, sobretudo na profissão e casamento. E por «correctamente»
entendemos: cada um tem de escolher os campos de actividade e as relações
humanas que permitam a realização das melhores potencialidades do indivíduo, tem
de experimentarse nelas e com elas e continuar a formarse. Queremos dizer que
o jovem se tem de encontrar a si próprio. Depois do que dissemos no capítulo
anterior acerca da educação deficiente ou despropositada das crianças no que
respeita a uma
autodelerminação suficiente, não nos podemos admirar de que os
jovens tenham grandes dificuldades na solução desta missão.
Percival Symonds faz um juízo extraordinariamente agudo sobre o fracasso da
geração mais antiga e justamente no que respeita tanto aos pais como à escola,
num interessante estudo que empreendeu junto de pessoas de 28 anos, que observou
primeiramente quando tinham 12 a 18 anos, e de novo treze anos mais tarde, agora
com 25 a 31 anos. A cuidada observação de Symonds, que se baseia nos resultados
de testes e entrevistas, chega à conclusão de que estes adolescentes, jovens
pertencentes a uma boa classe média americana, na fase de transição da
adolescência para a idade adulta, tiveram de recorrer ao método de «tentativa e
erro» (trial and error): se a primeira tentativa não reflectida de resolver um
problema se revelava como erro, realizavam uma segunda tentativa igualmente
cega, e muito frequentemente também errada. Pois, diz Symonds, « nada ou só
pouco se fez para os ajudar na preparação ou planeamento dos seus
próximos passos. Cada um teve de solucionar todos os problemas
com os meios de que dispunha por acaso, quando se via perante o problema. A
educação escolar revelouse portanto inútil para preparar o jovem a vencer os
problemas inevitáveis na formação profissional, profissão e casamento».
As conclusões de Symonds, baseadas em factos, constituem um juízo duro acerca
dos nossos métodos de educação em casa e na escola, pressupondo, aliás, que as
suas observações permitam uma generalização. Será esse o caso?
É absolutamente evidente que as opiniões acerca disso divergem. Aqueles que
foram criados ainda na tradição fechada de um determinado grupo cultural,
afirmam que se mantêm agora como antes os valores tradicionais e que continuam a
ser transmitidos. O caso de Helena, do qual em breve falaremos (vide pág. 296),
dános um exemplo de que tal coisa ainda existe.
Mas, segundo a impressão que tenho, este caso é uma excepção e não a regra. Está
muito mais espalhada, segundo me parece, uma profunda insegurança e perplexidade
perante as questões mais importantes da vida. Por toda a parte encontramos
problemas por solucionar: os pais, tal como os jovens, ainda só raramente têm
coragem para se exprimir acerca da vida sexual. A maioria dos pais e dos jovens
não tem mesmo ideias claras acerca dos fundamentos da sua própria posição
perante a questão da experiência sexual. Frequentemente encontramse também
problemas de finalidade suficiente para a escolha de profissão e posição social.
E quase sempre fica totalmente por esclarecer a questão dos valores da vida em
que se quer, pode ou deve acreditar, isto é, dos valores da vida no sentido de
uma visão do mundo.
Certas regras como: que se deve trabalhar diligentemente, que se deve ganhar e
poupar dinheiro, se deve conquistar uma posição assegurada dentro da sociedade,
se deve ser honesto, se deve conquistar consideração e amizade tudo isto
pertence ao inventário das regras de vida universalmente reconhecidas e
transmitidas pelos pais aos filhos. Mas para além disso pouco se medita e pouco
se discute acerca do sentido e finalidade da vida e sobre questões últimas, que
dizem respeito ao nosso
mundo e ao universo. Em grande número de famílias mandamse na verdade as
crianças à igreja, mas os adultos não as acompanham: encarase a igreja como uma
espécie de segunda escola, que os pais já não precisam de frequentar.
O jovem é já de si inseguro. Não tem ideias claras acerca das suas próprias
potencialidades. E no que respeita às linhas de orientação que deve adoptar,
nesse campo anda às cegas. Uma identificação total e positiva com a geração mais
velha foi
157 A emancipação da juventude alemã em relação à casa paterna começou na
passagem do século passado para o nosso século com o movimento «Wandervogel». A
fotografia foi tirada em 1909
sempre uma excepção, visto a juventude ansiar sempre por algo de novo. Mas se a
geração mais antiga se mostra espiritualmente insegura, como é em grande medida
o
caso da nossa época, o jovem terá ainda mais dificuldades em se encontrar, pois
não recebe linhas orientadoras, nem negativas nem positivas.
Esta deverá ser a razão pela qual a juventude de hoje se apoiou em tão elevado
grau em si própria e não se orienta pela geração mais velha, mas vai escolher
moldes orientadores entre
as suas próprias fileiras, como parece ser frequentemente o caso.
Para o jovem de hoje é de maior importância vital a adaptação à sociedade da sua
própria geração do que a oposição à geração mais velha. Tal como David Riesman
nos expôs num livro que nos leva a meditar muito, «A massa solitária», esta nova
sociedade exige que cada indivíduo consiga adaptarse com
grande intuição aos desejos e ao comportamento do grupo da sua idade. Oualquer
que seja a sua intenção, ela tem de ser de tal maneira que se mostre compatível
com os seus companheiros de idade.
Tal como Riesman expõe as coisas (e tal como parece ser
realmente o caso da América, e da Europa pelo menos em
grande parte) hoje a missão principal para o jovem consiste na adesão à
concepção de vida da sua geração.
Helmut Schelsky, no seu livro cuidadosamente pensado e
bem fundamentado, sobre «A geração céptica», confirma as exposições de Riesman
para o caso da Alemanha. Peter Hofstãtter exprimese no mesmo sentido na sua
«Psicologia Social».
Schelsky expõe claramente como a emancipação da juventude alemã se iniciou como
uma emancipação da libertação da casa paterna, já desde a passagem do séc. XIX
para o séc. XX
com o «Wandervogel» e o movimento juvenil. Hoje é uma emancipação do modo de
pensar, cuja orientação prática, desviada para a estabilidade material, Theodor
Adorno designou de «concretismo». Esta juventude «socialmente independente» já
não
se interessa por ideias e ideais transmitidos, mas, como diz Schelsky, por
aquelas relações sociais que são próprias para dar um apoio à existência
pessoal e privada.
Com este afastamento de exemplos e ideais transmitidos, a juventude, que já por
si tende para a rebelião contra a geração anterior, é reforçada no seu
desligamento desta sem encontrar ajuda de outra parte qualquer.
E em relação a isto é interessante o facto notado por Schelsky que no
afastamento da geração actual é mais raro um antagonismo pessoal contra
os mais velhos e os pais, do que a emancipação ideal, e que, até pelo
contrário, a valoração pessoal da família como apoio pode ser maior do que na
geração anterior. Schelsky é de opinião que a razão da menor animosidade está no
facto de se evitarem desabafos; ele crê que hoje há menos necessidade destes.
Mas ninguém que tenha visto jovens em terapia de grupo poderá concordar com
isso. A diferença em relação a antigamente está só no facto de o próprio jovem
de hoje preferir desabafos com pessoas formadas objectivamente na matéria, a
discussões emocionais com os parentes a não ser que tenha pais que tenham
aprendido a meditação de problemas através da psicoterapia. Só poucos escapam à
problemática da autodeterminação.
Só três grupos me parecem hoje ser relativamente isentos de conflitos. São por
um lado aqueles que estão ancorados numa
tradição familiar ainda não quebrada, depois aqueles cujos pais puderam
proporcionar com compreensão invulgar regras de vida ainda hoje utilizáveis, e
em terceiro lugar os jovens com dotes
tão extraordinários que estes lhes indicam naturalmente o caminho a seguir.
Helen é um exemplo de uma pessoa firmemente ancorada, cuja finalidade de vida já
conhecemos (vide pag. 285). Criada com invulgar amor e harmonia, firmemente
enraizada na sua tradição familiar católica, Helen pelos vistos nunca
15@ Da emancipação à rebelião em última análise não sem culpa dos pais e da
escola: zaragata de «tedyboys», 1960
experimentou problemas de autodeterminação. Sentiase bem na
casa paterna, na vizinhança e na escola, amava especialmente o
pai, que era amável e um homem cheio de humor, e davase bem com todo um bando
de irmãos mais novos. Frequentou a escola católica, depois um «College»
católico, apreciava e venerava os seus professores. Trabalhou durante pouco
tempo como secretária, coisa que não a entusiasmou, mas nestes empregos fez o
melhor que pôde e arranjou muitos amigos. Com 24 anos casou
com o filho de uma família amiga, que conhecia desde os 14 anos. Ela própria o
comenta: «Nunca pensei noutra pessoa para meu
marido. Vincent e eu entendemonos desde o início, desde que nos conhecemos, e
isso nunca se modificou durante o nosso matrimónio, que dura há 40 anos.»
Uma tal estabilidade e ausência de conflitos como revela Helen, é hoje
excepcionalmente rara; pelo menos no meu material é um caso único.
Linda, cuja vida foi muito mais rica em problemas e de maneira nenhuma fácil
(vide págs. 235, 246), aprendera com a
mãe o princípio do compromisso, o equilíbrio entre os direitos, os deveres e
outras coisas, o que também lhe facilitou o encontro
consigo própria. Já descrevemos a habilidade com que ela, passando por
muitos obstáculos, chegou a fazer da sua vida um êxito.
No caso desta mulher é interessante ver como ela, graças à sua segurança
interna e finalizada, nunca sequer pensou em interpretar a sua vida como um
fracasso, embora a realização dos seus fins tivesse de ter sido repetidas vezes
adiada. Não há muitas pessoas com a paciência e perseverança de Linda, capazes
de adiar até aos 50 anos o começo de uma profissão sem sentir ao mesmo tempo
fortemente o desfavor do destino.
Problemas da autodeterminação
É extraordinariamente grande o número de pessoas, se não forem todas, que na
idade juvenil tem problemas de autodeterminação. Se exceptuarmos aquelas que,
como mostrámos no capítulo anterior, destroem a sua liberdade de decisão já na
infância, é muito maior o número daqueles que não conseguem ter ideias claras
acerca do caminho correcto para si. O caso seguinte pareceme ser um bom
exemplo.
Denny, de 17 anos, é filho de um engenheiro de minas que, devido a instabilidade
pessoal, teve uma carreira muito irregular. Quando Denny terminou a High School
que corresponde mais
ou menos ao segundo ciclo do nosso liceu , a família encmi
travase em más condições financeiras. Apesar disso o pai insistiu que o filho
frequentasse o College terceiro ciclo dos nossos
liceus e escola superior para o que pusera dinheiro de parte.
Denny recusouse. É certo que possuía grandes dotes técnicos e era duma maneira
geral muito dotado; não admira que os pais se indignassem pelo facto de ele não
querer desenvolver as suas capacidades e não querer aproveitar a oportunidade
que se lhe oferecia para estudar.
Denny expôs como razão de querer pelo menos por algum tempo trabalhar numa
fábrica como maquinista, o facto de não estar para andar sem dinheiro e de levar
a passear as amigas num carro velho e feio. Além disso, a maioria dos seus
amigos optara também por profissões práticas. Achava exagerado dar um valor de
relevo às chamadas carreiras superiores. Denny preferia ter um ordenado mais
pequeno do que o pai, mas em
compensação mais assegurado; via apenas snobismo na valoração socialmente mais
elevada duma profissão liberal. O pai de Denny, que só com grandes sacrifícios
conseguira o estudo e os exames na escola técnica superior, ficou furioso com os
argumentos de Denny e não escondia a sua indignação.
Mas Denny declarou que ele e os seus amigos tinham valores diferentes dos dos
pais. Através das discussões de uma terapia de grupo, em que os pais o
convenceram finalmente a tomar parte para ventilar o seu problema, Denny
percebeu que o exemplo dos seus amigos lhe servia principalmente de pretexto
para castigar o pai pelo seu comportamento autoritário. Mas só quando Brenda,
com quem ele tencionava casarse, lhe disse que também queria frequentar o
College, ele cedeu e modificou o seu plano de vida.
Para este jovem, não foram portanto determinantes nem a
autoridade estranha nem as próprias potencialidades, mas em
primeira linha os pontos de vista dos seus amigos.
A extraordinária confusão daqueles que não encontram nenhumas linhas
orientadoras para as suas finalidades e deixam que o acaso actue sobre eles,
forma um caso limite, não muito raro, de perplexidade juvenil. Nos casos por mim
observados, tratase em primeira linha de indivíduos que durante toda a sua
evolução nunca foram capazes de, de qualquer maneira, se
concentrarem em si próprios.
Um exemplo é Nadine, que chega à terapia com vinte anos, pouco depois do seu
casamento. Ela, que passara toda a sua infância e juventude como através duma
«neblina», esperara do casamento a felicidade e um despertar para a vida. Mas
esta esperança não se realizara.
Pareceume característica deste tipo a maneira como Nadine descreveu a sua
infância. Dizia: «Quando era pequena, sentavame muitas vezes nos degraus diante
da minha casa e esperava que as crianças me viessem convidar para brincar, o que
elas realmente faziam por vezes. Eu era tímida. A minha prima dizia que eu era
parva. Muitas vezes, quando chovia aos domingos, punhame à janela e olhava lá
para fora. Não pensava em nada. Os meus pais nunca tinham tempo para mim, e
interessavamse mais pela minha irmã mais velha, que era viva e trazia amigos
para casa.»
Na escola havia alguns rapazes que entusiasmavam Nadine, mas eles nunca falavam
com ela. Desde que um primo a levou, quando ela tinha dez anos, para a cave e aí
abusou sexualmente dela procedimento que ela consentiu que se repetisse
Nadine pensou ser uma pessoa digna de desprezo: de outra maneira, o
primo não teria tido coragem para a sua acção. Mas como quase todas as crianças,
nunca falou a ninguém deste acontecimento.
Depois de uma paixoneta infeliz por um companheiro de escola isto aconteceu no
último ano lectivo e após uma
actividade profissional curta e penosa como secretária não muito competente,
aceitou, cheia de gratidão, a proposta de casamento de um jovem comerciante que
conhecera em casa duns parentes. Como é natural, a sua vida sexual foi penosa,
visto que lhe lembrava constantemente o que vivera na cave.
Esta jovem mulher, não destituída de inteligência e que mais tarde floresceu na
terapia, saiu da sua puberdade como uma
pessoa totalmente por desenvolver, um intelecto desprezado, uma
personalidade difusa, de maneira nenhuma coordenada, para assim entrar na sua
vida matrimonial.
«Sobre a vida, sobre o futuro e tudo isso», diz ela, «nunca eu
tinha pensado. Eu ficava totalmente confusa quando se me deparava algum
problema».
Assim como aqui é a carência de pensamento e uma difusidade da personalidade,
vinda já da infância, que tornam impossível o êxito da vida, noutros casos é o
medo da vida e das responsabilidades perante decisões pró prias e das
dificuldades de se manter que impedem um jovem de se encontrar a si próprio
e o seu próprio caminho.
São muito frequentes e todos conhecemos os inúmeros casos em que um jovem, por
medo ou indecisão, sob pressão psíquica ou económica, se deixa influenciar e
aceita qualquer colocação de aprendizagem ou qualquer actividade, que lhe é
oferecida por acaso. A falta de interesse e a falta de satisfação interior no
trabalho fazem que desde o início desta actividade profissional
o tempo livre pareça mais importante do que a profissão, e
desenvolvese uma concepção de vida que Schelsky designa com
o termo adequado de «ânsia do tempo livre». Como nesta concepção o tempo livre
não é utilizado para a autorealização, mas
para uma fuga da realidade, em vez dum domínio sobre a vida desenvolvese uma
grande perda de realidade, corno mostrou Hofstãtter em relação com observações
sobre o papel do filme.
Estes problemas dizem respeito a muitos que trabalham cheios de insatisfação
interior, mas em maior medida aos que não aprenderam uma profissão visto que,
como P. Lazarsfeld e G. Dehn já provaram há muitos anos, as pessoas que não
aprenderam não chegam a sentir o seu trabalho como profissão.
Esta forma de vida das grandes massas, que vivem para aí tão afastadas do ideal
de autorealização, é tanto mais deprimente, quanto mais nitidamente se puder
provar em vidas felizes quão repleta a existência humana pode ser.
Se, sob condições favoráveis, coincidem elevados dotes com uma invulgar
compreensão por parte dos pais e com boas condições económicas assim corno
sociais, esta combinação permite a forma mais elevada da evolução juvenil.
Um exemplo especialmente belo da nossa época para esta formação de vida
excepcionalmente bem sucedida, é a história do jovem músico Van Cliburn. Não
deve ser possível imaginar o início de uma vida e de uma carreira mais favorável
em todos os sentidos do que esta.
Van Cliburn na realidade Harvey Lavan Cliburn Jr. nasceu em Julho de 1934 numa
pequena cidade da Luisiana e
foi criado no Texas, onde o pai era empregado duma sociedade de petróleos e a
mãe professora de piano.
Já com a idade de três anos surpreendeu os pais ao tentar
compor ao piano uma melodia de valsa. Pouco depois pediu à mãe que lhe
ensinasse a tocar, e como tinha um ouvido extraordinário, aprendeu muito
depressa. Com cinco anos declarou à mãe: «Mãezinha, eu julgo que quero vir a
ser pianista, quando for grande. Quero isso mais do que tudo no mundo.,>
Por esta época acompanhava a mãe a todos os concertos a que ela ia; ela muitas
vezes empreendia para este fim viagens a cidades maiores.
A mãe de Van era uma apaixonada da música e, ao que parece, muito boa
professora. Van disse uma vez mais tarde: «Eu gostava das lições de piano da
minha mãe, porque ela nunca
me tratou como uma criança pequena e com a superioridade dos adultos, mas também
nunca me adulou. Ela dizia sempre exactamente o que pensava da minha maneira de
tocar».
159160 A história do músico Van Cliburn, um exemplo especialmente belo de uma
evolução muito feliz desde tenra idade. A fotografia à esquerda mostranos Van
Cliburn aos 4 anos, a fotografia à direita, o mestre pianista
aos 24 anos
O biógrafo de Van Cliburn, Abram Chasins, acentua que no
lar deste rapaz imperava a atmosfera de «amor e a sensação de comunidade, a
crença e o entusiasmo», Van Cliburn foi tratado desde pequeno como membro
integral da família e despertouse nele a sensação de que era um criança
«desejada», e que o que fazia era importante e tinha valor.
O leitor lembrarseá do que leu nos capítulos anteriores que a Psicologia
reconheceu como um dos principais fundamentos da evolução psíquica normal,
justamente esta sensação de ser considerado pelos pais como um ser que tem
valor.
No caso desta criança temos a situação excepcionalmente feliz de um menino
prodígio típico ser educado de modo a tornarse uma pessoa saudável, feliz,
modesta e afável.
O pai de Van não ficou inicialmente entusiasmado com a
ideia de o filho seguir a carreira de músico. Tentou dissuadilo deste futuro
extenuante e esperava poder interessálo pela profissão de médico missionário,
profissão que ele próprio desejara outrora ardentemente para si. Van era todo
recusa: «Daddy», exclamava ele, <mão digas isso. Eu quero vir a ser pianista e
nada mais».
Van tinha muitos amigos. O seu aproveitamento escolar era magnífico e devido às
suas qualidades de carácter era que
rido. «Van é muito diferente daquilo que se espera destes génios infantis»,
disse um dos seus professores. « Ele é um bom rapazinho ajuizado».
Em 1952, com 18 anos, obteve uma primeira grande bolsa em Nova Iorque; uma das
participantes do júri disse que não sabia para que ele queria ainda estudar, que
ele era já um artista feito e só precisava de experiência. Com 20 anos, Van
Cliburn tocava, tendo Mitropoulos como dirigente, no Carnegie HalI, e
em 1958 obteve o conhecido êxito em Moscovo, onde foi aceite com entusiasmo.
E isto deve bastar. Pois não é naturalmente nossa intenção escrever biografias
ou seguir a ascensão de um artista até à sua fama. O nosso tema é o êxito ou
fracasso da vida em conexão com a maneira como esta foi iniciada. O caso de Van
Cliburn mostra por um lado um início de vida favorecido pela sorte de um grande
talento, do qual resulta do modo mais natural a autodeterminação aos cinco anos.
Por outro lado mostra, contudo, o facto feliz deste talento estar inserido num
ambiente que permitiu desabrochar completamente não só o músico mas também o
homem, mediante uma orientação digna de admiração.
George Molir e Marian Despres dizem, numa investigação que resume bem os nossos
conhecimentos actuais acerca do «tempestuoso decénio» da adolescência, que o
resultado das lutas internas deste período depende essencialmente da maneira
como o jovem resolve o problema da sua nova vida impulsiva intensiva e da
maneira como está fixada em si a organização da sua personalidade.
A realização ou o fracasso desta fixação interna, que resulta do encontrarse a
si próprio e de se encontrarem as finalidades, foi por nós discutida com tanto
pormenor, justamente por estas ideias serem em grande medida ainda desconhecidas
hoje em dia.
Problemas do desenvolvimento sexual dos impulsos
No que respeita à solução do segundo problema, e da nova evolução de impulsos,
estão mais difundidos os conhecimentos; também em capítulos anteriores já
falámos mais pormenorizadamente sobre os problemas do desenvolvimento da
sexualidade. É de notar, contudo, como verificámos já no princípio deste
capítulo, que apesar e depois de um extenso trabalho de esclarecimento de duas
gerações, ainda persiste a maior obscuridade no que respeita à maneira mais
favorável do desenvolvimento sexual da juventude. Se dizemos «mais favorável»,
dizêmolo no
sentido da preparação de uma disposição para a sexualidade e o amor de tal forma
que possibilite o êxito da vida através da realização da felicidade neste campo,
talvez o mais importante de todos.
Neste campo deparamos ainda com problemas especialmente difíceis que dizem
respeito à ignorância dos pais, e muitas vezes com uma atitude assustada por
parte deles, e que está ligada a
esta ignorância, que os faz recuar perante uma explicação adequada com os filhos
acerca das «questões sexuais». Ainda acontece hoje em dia rebaixaremse,
envergonharemse, amedrontaremse e assustaremse crianças ou jovens que foram
descobertos a masturbarse, e nos quais uma tal atitude radicalmente errada vem
a ter as mais desfavoráveis consequências na sua evolução sexual posterior.
Ainda encontramos muitos casos em que experiências sexuais precoces e
desfavoráveis, que ninguém ajudou a
criança a compreender, vêm a tirar para sempre a essa pessoa o gosto pela
sexualidade.
Por outro lado, vemos tanto entre os adultos como entre os jovens uma impensada
tolerância perante «jogos» mais ou menos acentuadamente sexuais, que por vezes
degeneram numa promiscuidade sem inibições.
Depois encontramos pais que se agarram rigidamente a princípios pelos quais
querem preservar os filhos de toda e qualquer experiência. E o resultado ou é
obediência, e portanto um jovem que recalca em si todos os impulsos e
curiosidade e que encara
as suas experiências sexuais dentro do casamento com tanto medo como falta de
jeito. Ou então resulta o contrário: este filho ou esta filha arranjam ligações
secretas que são acompanhadas de complexos de culpa e provavelmente terminam
numa
gravidez inesperada.
Verificase continuamente que na sociedade ocidental a preparação para a
maturidade profissional e social se estende muito para além da altura em que as
necessidades sexuais estão já totalmente amadurecidas e exigem satisfação. Para
a solução deste problema ainda não se encontrou uma solução universalmente
válida. Aquilo que a juventude de hoje julga ter encontrado como solução, casar
se cedo, de certeza que só é a solução correcta em casos excepcionais, como
aliás se conclui do facto de a esses muitos casamentos efectuados muito cedo, se
seguirem correspondentemente muitos divórcios.
Alfred Kinsey, cujos estudos de entrevista a um total de
20 000 pessoas deram muito que falar, e que apesar dos seus pontos vulneráveis
lançaram luz em diversas direcções sobre muitos (faltam aqui duas páginas)
infantis. E assim aprendeu a ler cedo; como a mãe não lhe podia comprar livros
infantis, leu a bíblia da família de ponta a ponta. Na propriedade do avô
aprendeu todas as canções que ouvia os rapazes e raparigas cantar.
Quando se julgava sozinha, fazia,
já com seis anos, discursos, proferia sermões às flores e árvores, de pé num
rochedo.’
Era muito ambie assim se torciosa
nou uma tão excelente aluna, que o pároco conseguiu para ela uma bolsa para uma
escola superior, a que nessa altura só tinham
acesso os filhos das famílias abastadas.
As experiências que teve neste ambiente formaram os fundamentos do seu futuro
espírito social demo
164 Anna SetIme, a grande pedagoga norue crático, assim como guesa, aos
48 anos no ponto máximo da
sua vida também o destino da
mãe contribuiu para que se tornasse defensora dos direitos da mulher. Mas o seu
interesse principal recaía sobre a escola e o seu amor às crianças. Ensinou
desde os 17 anos, primeiro em
Drammen, mais tarde em Oslo, para onde foi viver com o marido Johan, depois do
casamento. Anna casou aos 22 anos com um colega com o qual viveu feliz até à
morte dele, em 1946. De quatro filhos dois filhos e duas filhas a filha mais
velha morreu tuberculosa aos 22 anos, para grande dor de Anna. Os outros três
eram todos pessoas dotadas, com muitos interesses, vivas, cujo desenvolvimento
enchia os pais de orgulho. Todos os
três casaram e Anna foi no fim avó de sete netos, que, todos eles, assim como os
seus filhos, lhe tinham verdadeiro amor.
Devemos mencionar como grande felicidade de Anna o facto de ter um marido que
reagiu à sua carreira e à sua glória sem crítica e sem ciúme, mas participando
da admiração geral pela
165166 Anna SetIme aos 58 anos com o seu marido Johan, e aos 63 anos com a
autora, em Gudbrandsdalen
sua mulher, sem contudo se deixar entravar na sua própria vida. Johan Sethne era
um homem que por vezes tendia para explosões de mau génio, mas de resto
comunicava boa disposição, era afectuoso, de constituição atlética, encontrava
plena satisfação na sua carreira como professor de ginástica e pai de família.
As muitas visitas em casa e a forte personalidade e intensiva actividade de Anna
tinham nele um efeito estimulante e, pelos vistos, não o enervavam, como poderia
ter facilmente acontecido.
Anna criou para si e para a família, com meios modestos, um lar bonito. Era uma
mãe amorosa, interessada vivamente por tudo o que acontecesse na família, mas
também exigindo obediência e diligência. Foram essas mesmas qualidades que a
distinguiram como professora e mais tarde como directora de escola. Ela foi
durante 19 anos, até 1938, Directora da escola Sagene, a maior escola primária
de Oslo, diante da qual o município lhe erigiu, quando ela fez 80 anos, um
monumento criado por Emil Lie, um dos mais famosos escultores do país. Muitas
vezes lhe chamavam de brincadeira «Anna Sagene». Numa pintura mural de Henrik
Srensen, na câmara municipal da cidade, o
retrato de Anna Sethne representa o símbolo da «mãe da escola».
Como «reformadora. da escola da Noruega», Anna começou a sua actividade à volta
dos 40 anos, começando com a fundação da associação das professoras norueguesas
(1912) e de um órgão profissional «A nossa escola», em que trabalhou muitas
vezes durante noites inteiras.
As reformas que realizou desde 1926 com a ajuda financeira do conselho municipal
consistiam em métodos de ensino nessa altura absolutamente novos. As inovações
mais importantes foram a autoeducação dos alunos, educação sexual, aulas de
natação e de trabalhos domésticos, instituição de um psicólogo escolar, visitas
a museus e instituições, lares no campo, colecções e plantações que as próprias
crianças faziam, assim como outras medidas, todas com o fim de tornar a escola
mais viva. Uma novidade total foi a introdução do ensino individual na classe, a
que dedicou especial carinho e sobre o que editou uma revista própria. Outra
organização, nessa altura muito pouco frequente na Europa, foi uma associação de
pais e professores, cujas sessões eram muito visitadas.
Ela foi uma excelente organizadora; eram célebres os seus horários de aulas e
programas de ensino. A sua escola foi em breve visitada por milhares de
visitantes de todo o mundo, e
Anna SetIme tornouse rapidamente conhecida e considerada
muito para além das fronteiras da Noruega.
As suas inúmeras funções e cargos honoríficos acrescentouse a sua participação
activa nos assuntos sociais e políticos. Durante o jugo político da sua
pátria sob os Nazis tomou activa e energicamente parte no movimento de
resistência; exprimi .ase corajosamente contra a usurpação da liberdade e
salvou a vida a muita gente. Entre as suas muitas publicações contase hoje como
a mais importante a sua obra «0 plano normal para a escola primária norueguesa»
(19351938).
Era invulgar o vasto horizonte de Anna. Ela procurou relacionarse com pedagogos
e
psicólogos célebres de outros países e convidouos para congressos e
conferências, a fim
167 O busto da genial «mãe da es de poder proporcionar conâcola»
norueguesa, Anna SetIme, er nuamente novas sugestões ao guese diante da
escola Sagene, em
Oslo Professorado noruegues.
Ao mesmo tempo era uma personalidade absolutamente estável, profundamente
enraizada na sua amada pátria.
Anna SetIme morreu a 26 de Abril de 1961. O seu funeral foi uma comovente
homenagem pública ao génio desta grande mulher. Ao lado dos estandartes
coloridos das escolas, viamse as bandeiras da Noruega e da Suécia junto do seu
caixão.
Se observarmos esta existência raramente grande, como que esculpida de uma só
peça, em conexão com as nossas observações acerca do êxito da vida, então só a
poderemos designar de invulgarmente realizada. A própria Anna SetIme o sentiu.
Disse uma vez, já idosa, a um dos seus visitantes: «0 trabalho torna cada dia
maravilhoso; simplesmente nenhum dia tem as horas suficientes. Mas é aí que está
a alegria. Eu fui uma mulher feliz.»
Ela não foi só uma mulher feliz, mas também uma mulher amada e admirada. A sua
filha, uma médica considerada e também ela própria uma esposa e mãe feliz,
descreve a personalidade da mãe com palavras entusiásticas, sem contudo cair em
louvores indevidos:
«Anna SetIme», diz ela, «era uma dona de casa excelente que governava habilmente
a sua casa e a sua família. A sua arte
culinária era grande; o seu sentido para o belo levavaa a ornar P on M
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mentar a casa com quadros, flores e velas. Era uma mãe invulgar, carinhosa,
cuidadosa mas também exigente, e nunca sentimental. Ela não fechava os olhos
aosdefeitos dos filhos e exigia obediência, trabalho e vontade de ajudar. A sua
influência sobre os
filhos foi extraordinariamente grande. Por vezes despertava resistência nos
filhos, devido a uma certa brusquidão e às grandes exigências que lhes impunha.
Mas também não poupava louvores e era sempre sincera com eles. Nem uma única vez
algum dos seus filhos lhe pediu ajuda em vão, quando necessitava dela. Ela até
arranjava tempo para coser vestidos para as bonecas, e nunca
se esqueceu de um aniversário.
Como hospedeira, Anna era perdulária. Na sua casa encontravamse políticos de
todos os partidos, artistas, amigos de toda ,a parte. Nestas reuniões sem
cerimónias, discutiase com entusiasmo, muitas vezes calorosamente, encontrando
se Anna sempre no centro da discussão. Era muito feminina, cheia de «charme»,
não sem «coquetterie», brilhante na conversa, lógica enquanto lhe convinha,
destemida, estimulante e fascinante. Mas também era capaz de se agarrar, parcial
e teimosa, a um ponto de vista, com o que por vezes arranjava inimigos. Mas
também estes respeitavam a sua honestidade, correcção e magnanimidade. Com a
idade tornouse mais suave, com o que o seu carácter ganhou um novo traço mais
precioso ainda.
Ela era uma professora inata. As crianças tinham confiança nela e nunca teve
dificuldades com a educação. Uma das suas
frases preferidas em relação à educação era: «A ordem não é ‘ um inimigo da
liberdade!» Também gostava de citar as palavras de Maria Montessori: «Tem
respeito pela criação de Deus: a criança». Ela era aliás profundamente
religiosa, e a sua última palavra, que dirigiu aos próprios filhos, foi «Deus é
bom».
O monumento que esta mulher erigiu no coração da filha não é, segundo a minha
opinião, menos grande e menos belo do que o que se ergue diante da escola
Sagene. Anna Sethne dános a imagem de uma pessoa tão grande como vasta, que não
falhou em nenhum campo da vida humana nem desperdiçou as suas
energias. A sua vida é uma obra que teve êxito em todas as direcções, como só a
poucos é dado conseguilo. É um exemplo flagrante de uma total autorealização,
semelhante aos casos que já referimos e que foram analisados por Maslow.
Esta vida atinge de facto o seu cume na expansão criadora, mas inclui também a
satisfação de necessidades, a adaptação a
condições dadas e uma ordem interna extraordinária. A tarefa de Anna, que se
estende por muitos anos, tem o seu cume relativamente tarde, aos cinquenta anos,
e esta é uma forma de criação
característica da estrutura de sistemas espirituais. Na sua vida pessoal, o cume
deveria recair talvez entre os vinte ou trinta anos, em que fundou a sua família
e criou o seu lar.
Não se pode determinar o resultado definitivo de uma vida antes do seu fim. Mas
esta terceira fase média é extraordinariamente decisiva para o êxito final. A
razão é fácil de ver: para muitas coisas é demasiado tarde, se não estiverem já
encaminhadas nesta fase da autodeterminação definitiva e do início da formação
dos resultados da vida. Entre essas coisas contamse a fixação profissional e
social, tal como, sobretudo, o casamento
e a fundação da família. Decursos de vida em que tudo isto falhou ou não se
realizou neste período, terão grandes dificuldades em chegar ao êxito final.
«Leva no tempo devido uma mulher para casa, quando já não estiveres muito longe
dos trinta: A mulher que floresça quatro anos e que case no quinto!» Hans
Künkel cita o grego Hesíodo, um contemporâneo de Homero. Esta sabedoria,
encarada sob o ponto de vista psicológico, ainda hoje se poderia aplicar; mas já
não é em grande parte seguida. Louis 1. Dublin comparou numa vasta estatística
as idades de casamento nos diversos países segundo os dados de 1940. E verificou
que nos
Estados Unidos estão casadas 53 % das raparigas de 24 anos, e
que a idade mais frequente de os homens se casarem é 26 anos. Em França passase
pouco mais ou menos o mesmo que nos Estados Unidos, mas as percentagens de
casamentos nestas idades são mais baixas na maioria dos países da cultura
ocidental e chegam a baixar na Irlanda e Noruega até 20 %. Para a Alemanha,
Schelsky relatanos este facto curioso de serem apenas
13 %. Dublin acha que para as condições americanas a expressão «solteirão
inveterado» se pode aplicar a um homem de 35 anos; a americana, devido ao facto
de só uma décima parte das mulheres de 32 anos estarem solteiras, já se encontra
nesta idade em vias de ser «solteirona».
A frequência de divórcios está em correlação inegável com
o casamento, hoje em dia realizado tantas vezes antes de tempo, devido à
maturidade precoce. Segundo um vasto estudo empreendido por William J. Goode, em
Detroit, em 1948, num grupo de jovens mães depois do seu divórcio, a idade média
dessas mulheres no ano do seu divórcio era de 28 anos; 93 % destas mulheres
tinham casado com menos de 24 anos, 59 % com menos de 20 anos.
A preocupação de não arranjar marido se se esperar demasiado é, entre as
raparigas de hoje, mesmo quando trabalham, exactamente tão grande como outrora e
como sempre. Na clínica psicoterapêutica com raparigas novas é sempre actual
este tema.
Isto significa, por outras palavras, que o matrimónio, apesar da frequente
crítica que se faz a esta instituição, é considerado de maneira bastante geral
como a forma de vida mais desejável. Segundo Dublin, casam na Amé rica nove de
dez pessoas. Desde
1890 aumentou continuamente o número de casamentos. Contudo a quota de
casamentos na América é uma das maiores do mundo. Para o período de 1944 a 1948
teve o Egipto a maior quota, e
encontramse quotas elevadas também na Finlândia, Israel e Nova Zelândia.
Algumas das quotas mais baixas encontramse em alguns países sulamericanos.
Encontramos respostas interessantes à pergunta de porque é que o matrimónio e a
família são tão desejados, numa observação alemã de Frõhner, Stackelberg e Eser,
empreendida com a ajuda do Instituto EMNID.
Os autores realizaram em 1954 uma investigação acerca dos matrimónios e famílias
na República Federal da Alemanha, num grande trabalho baseado em entrevistas e
considerações sociopsicológicas. O material de investigação foi fornecido por
cerca de 2000 homens e mulheres entre os 25 e 65 anos que provinham de regiões
afastadas umas das outras e de núcleos populacionais de diferentes tamanhos e
que representavam, pelos seus rendimentos, tamanho de família, religião e outras
variáveis, uma amostra representativa de toda a população.
Entre as perguntas, interessanos aqui especialmente a questão acerca do sentido
da família e das condições básicas do matrimónio. Quase dois terços das pessoas
interrogadas vêem o sentido mais importante da família numa «boa comunidade de
vida». Dizem que «pertencem uns aos outros», que têm de trabalhar juntos e
ajudarse mutuamente» e coisas parecidas. Pareceume surpreendente o facto de
apenas 24 % indicarem os filhos como sentido principal do matrimónio e da
família; eu tinha esperado aqui, especialmente da parte das mulheres, um número
muito maior. Em vez disso, é até um pouco mais pequeno do que nos homens, o que
é estranho.
Como fundamento do matrimónio indicam 84 % «confiança, amor, respeito e
fidelidade», isto é, o matrimónio é considerado
como uma ligação pessoal entre dois companheiros de vida. Os autores chamamlhe
uma «ligação íntima». Perante os factores citados, são insignificantes quase
todas as outras condições.
Os autores salientam que destas respostas se conclui a existência de uma nova
posição perante a família. Para as pessoas interrogadas, o centro é a relação
pessoal para com o cônjuge e não a família como grupo social. Daí, dizem eles,
seria mais correcto falar hoje em dia de «matrimónios com filhos», do que
de famílias. Numa comparação com os matrimónios realizados na década anterior a
1954, Frõlmer e os seus colaboradores encontram um contínuo aumento da
importância do factor da relação pessoal. Este desenvolvimento da relação
conjugal é mais decisivo entre os habitantes da cidade do que no campo, e um
pouco mais forte entre funcionários e empregados do que noutras profissões. No
campo a família é ainda importante como grupo e instituição.
Aos resultados de Frõhner acerca do significado da «relação íntima», opõese de
certo modo o resultado de uma investigação citada por Schelsky, em que se indica
com a maior naturalidade «conduta economicamente normal» do cônjuge como a
qualidade mais desejada, enquanto a «ligação humana» está em segundo lugar.
Apesar da acentuação da relação entre os cônjuges, o conceito de família em nada
é diminuído no seu valor. Nove décimos dos interrogados têm uma atitude
decididamente positiva em
relação à família e atribuemlhe os maiores valores previstos no
questionário. Correspondentemente à maior valoração das relações pessoais no
matrimónio, também o cônjuge desempenha o
papel principal como confidente, a mulher numa medida ainda muito maior do que o
homem. As mulheres escolhem para confidente ocasional parentes e amigos, as
viúvas, como é interessante verificar, escolhem os próprios filhos. 80 % dos
homens pelo contrário, escolhem as próprias mulheres para desempenharem o papel
de confidentes. A isso corresponde o facto de, nas discussões matrimoniais, ter
peso principalmente a personalidade de um dos cônjuges. E este grande papel da
relação pessoal também fornece, como igualmente Schelsky salienta, um dos
motivos pelos quais se explica o aumento de divórcios.
Na investigação EMNID, dois terços eram de facto de opinião que se deveria
dificultar o divórcio, mas é um facto conhecido que o número destes aumenta em
toda a parte do mundo. Segundo Dublin, o aumento é especialmente grande a partir
dos anos 40 deste século. A estatística da população dos Estados Unidos conta
desde então mais de dez divórcios por cada 1000 casamentos por ano. Contudo as
coisas passamse de maneira muito diferente nos diferentes países.
No material coligido por William Goode, 82 % das mulheres divorciadas
interrogadas estão convencidas de que foi correcta a
sua decisão de se divorciarem, e das que voltaram a casar e
estas eram mais de metade das divorciadas 87 % consideravam
o seu segundo matrimónio melhor que o primeiro. Mas também neste aspecto
encontramos posições divergentes.
Como as autênticas vítimas do divórcio consideramse geralmente os filhos, e
certamente com razão. Todo o psicólogo clínico conheceu exemplos pungentes,
neste aspecto. Por outro lado, W. Goode fornecenos números dos quais se conclui
que em problemas como aqueles que se podem observar na escola não há
quantitativamente uma diferença muito forte entre os filhos de pais divorciados,
ou pais que vivam separados ou juntos o que não exclui que apareçam contudo
problemas profundos, que talvez não se exteriorizem assim facilmente.
Com estas poucas observações não fizemos naturalmente mais do que indicar alguns
problemas, uma vez que não é possível tratar aqui deles em pormenor. Mas
voltaremos a estas questões na parte seguinte deste livro, quando nos referirmos
à sociedade.
Acerca da homossexualidade
Em ligação com as nossas observações sobre o papel que representam o matrimónio
e a família, como contribuintes, da terceira fase, para o êxito da vida,
referirnosemos ainda brevemente a uma outra espécie de relação humana, a
homossexualidade, que hoje parece recrudescer novamente. Dizemos «novamente»,
porque a tendência para a homossexualidade aumentou repetidamente em diversos
períodos da História, para depois diminuir outra vez.
Esta periodicidade histórica faz com que se conclua que nas épocas em que a
homossexualidade aparece mais, agem factores que são determinados pela época. E
se não podemos desprezar por um lado a expressão « correntes da moda», também
por outro lado teremos de concordar que na homossexualidade se trata de
necessidades que, até certo grau, estão provavelmente sempre presentes, mas a
que em certas épocas se dá mais aceitação do que em outras. Desta consideração
resulta logicamente que as verificações estatísticas acerca do aparecimento da
homossexualidade só fornecem uma imagem da actividade declarada, e
não uma imagem das necessidades existentes. Mas mesmo assim, são inesperadamente
altos os dados fornecidos, por exemplo, por Alfred Kinsey.
Kinsey conclui que a homossexualidade masculina, que se
desenvolve a partir de cerca dos oito anos, ascende aos 17 anos a quase 40 % da
população masculina interrogada, se eleva em homens solteiros a 50 %, e mesmo
nos casados ainda abrange
20 a 40 %. Devemos contudo encarar a homossexualidade juvenil de maneira
diferente da homossexualidade mais tardia, visto a homossexualidade da idade
juvenil ser considerada como um fenómeno de imaturidade.
Os números da amostragem feminina interrogada por Kinsey indicam cifras muito
mais baixas do que as masculinas. Mas mesmo assim ascendem entre as mulheres
solteiras a 28 %, e também se encontra uma certa percentagem entre as mulheres
casadas.
Um grande número de interrogados só acidentalmente ou
por pouco tempo mantivera relações homossexuais, e muitos são heterossexuais,
que por motivos diversos se entregam a experiências homossexuais. A percentagem
daqueles que permanecem exclusivamente homossexuais após a adolescência é muito
pequena entre o sexo feminino, mas é de cerca de 4 % entre o sexo masculino.
Desde as investigações de Freud e da sua escola, supõese geralmente que os
factores constitucionais só em casos excepcionais são responsáveis pela
homossexualidade; na maioria dos casos são os factores psicológicos que formam
as bases desta evolução. Mas isto não significa simplesmente que através da
análise ou da psicoterapia se possa alcançar a transformação em
heterossexualidade, mesmo que a própria pessoa o deseje ardentemente. Mas por
vezes conseguemse essas «curas», se assim o quisermos designar.
O que é importante é saber se o homossexual se aceita a si próprio, ou não, e no
caso de não se aceitar, quais os motivos que o levam a querer modificarse.
Donald W. Cory verifica no
seu interessante estudo sobre os homossexuais na América, que são o desejo de
ter filhos e a necessidade de relações familiares estáveis os motivos mais
frequentes que levam o homossexual a modificarse e a casar. Um terceiro e
quarto motivos são as
dificuldades de relações contínuas entre parceiros homossexuais * o medo da
solidão no futuro. A isto acrescentase naturalmente * problema da mácula
social, assim como a facto de em alguns países as relações homossexuais serem
mais ou menos severamente punidas.
O que é digno de nota, é que também na homossexualidade está em primeiro plano a
necessidade de um companheiro constante. Da minha própria experiência
terapêutica com homossexuais, sei que um dos motivos mais frequentes do desejo
de modificação é o sentimento de infelicidade de ser «diferente dos outros».
Sally, de 26 anos, que encontrámos no início deste capítulo (vide pág. 283), é
um exemplo neste sentido. Sally provém de um dos bairros de lata de Nova Iorque.
O seu pai, um trabalhador sem formação profissional, e a mãe, que também traba21
lhava, eram alcoólicos e viviam em discussão e disputa constantes. As crianças
eram espancadas e viviam abandonadas. Sally mentia e roubava já em pequenita.
Quando o pai se foi embora tinha Sally então nove anos
e a mãe levou para casa um novo «companheiro de vida», Sally foi violentada por
este. O seu ódio contra os homens cresceu desmedidamente.
Depois de terminar a escola, com 17 anos, conseguiu, mediante a ajuda financeira
de uma irmã mais velha, mudarse para outra cidade. Aí encontrou emprego numa
fábrica e além disso pôde matricularse como aluna voluntária numa escola
pública de magistério. Pois o seu desejo mais ardente era progredir e vir
a ser professora.
Mas embora fosse assaz dotada e também de físico suficientemente forte para
realizar os seus planos, ela era constantemente inibida pelos seus problemas
pessoais. Estes consistiam por um lado na sua falta de perseverança no estudo,
segundo no seu modo de vida homossexual acompanhado de sentimentos de culpa, e
por fim, em terceiro lugar, numa profunda descrença em si própria que tinha a
sua origem não só na conduta citada mas também no desprezo em relação ao próprio
passado.
A homossexualidade desenvolverase no decurso das relações amistosas com uma
colega mais velha, que foi a primeira pessoa que tratou Sally com uma
compreensão carinhosa. Durante a
terapia, Sally, que agora já tinha 26 anos, conseguiu compreender que
experimentara nessa amiga suave e meiga pela primeira vez a sensação de ser
amada e protegida, o que ela desejara em vão da mãe ou de uma mãe idealizada.
Simultaneamente, os seus
impulsos sexuais juvenis estavam já suficientemente despertos para que
colaborasse no jogo sexual iniciado pela outra, enquanto a ideia de um amante
masculino apenas provocava nela susto.
Apesar de reconhecer todas estas relações, Sally foi inicialmente incapaz de
superar o seu dilema. Ela não só tinha complexos de culpa devido a esta relação
que já durava há anos e devido à sociedade em que entrara por causa da sua forma
de vida; ela sentia também que a sua conduta de vida não era afinal aquilo que
ela queria. Mas Sally nem a podia aceitar, portanto defendêla, nem conseguia
prescindir dela.
Os seus graves conflitos e o facto de reprovar nos exames, perante os quais
recuava repetidamente, assustada, pressupondo que não os passaria, deramlhe a
desesperada sensação de, neste período decisivo, não encontrar o sentido da sua
vida.
Sally começa a ver nitidamente o problema do tempo: quando conseguirá sair deste
emaranhado e chegar àquela maneira de viver que idealiza e considera digna de
respeito?
O problema do tempo na vida
O facto e o significado do tempo, ao que parece, tornase consciente nas
diversas pessoas em períodos diferentes. Assim, pessoas novas muito ambiciosas,
com fins bem determinados, já fazem cedo uma espécie de horário para a sua vida,
e tornamse impacientes se perdem tempo devido a circunstâncias inesperadas. Mas
duma maneira geral, o tempo, e com ele o envelhecer, só passa a ser um factor
importante a partir da segunda metade da vida.
A consciência da idade aparece mais cedo entre pessoas de determinadas
profissões, em que interessa especialmente esta ou
aquela capacidade física de realização. É o caso de certas categorias de
trabalhadores manuais, assim como da maior parte dos desportistas profissionais.
Depois é em relação com a fundação da família que se toma consciência do
envelhecimento: não só porque a capacidade de procriação impõe aqui limites
relativamente cedo, mas também porque os pais conscienciosos reflectem se não
começarão a ser demasiado velhos para a convivência com os filhos que crescem.
O tempo que corre tornase cada vez mais dolorosamente consciente à medida que
se avança na idade. Martha Moers faz observações subtis acerca das vivências do
tempo, no seu livro
sobre o desenvolvimento humano: como o indivíduo começa a
dividir a vida em períodos de tempo, como se torna consciente da utilidade do
tempo, como o tempo passa cada vez mais depressa. Pessoas criadoras falam então
de querer terminar a
sua obra antes de partir. Outros dirão que no fim esperam ter para si alguns
anos de contemplação. E depois encontramos muitos que, como ainda veremos, acham
que são obrigados a
reformarse demasiado cedo.
Algumas pessoas têm, especialmente na fase média da vida, a consciência daquilo
a que A. Maslow chama «vivências do ponto culminante»: sentem que estão no cume.
Ou sentem que vivem este ou aquele momento ú nico, de que se recordarão para
sempre como ponto máximo da sua vida, Este caso dáse especialmente com certas
vivências amorosas ou também certas vivências criadoras, que geralmente se
realizam na fase média da vida.
Encontrei uma forma trágica da relação para com o tempo no livro digno de nota
«Strectwalker». É uma obra autobiográfica de uma prostituta anónima. A autora
deste livro, que dá a impressão de ser autêntico, é uma inglesa, uma rapariga
que ao que parece abandonou a casa paterna, em que se vivia bem, para seguir o
seu próprio caminho.
A vivência de tempo desta mulher está em relação com o seu
desenraizamento. Ela diz acerca disso:
«É bastante estranho este desenraizamento durante o dia e durante a noite. Ele
provém de eu não possuir nada mais do que o conteúdo de duas malas de mão e de
viver como uma unidade contida em mim, dentro de quatro paredes impessoais e
estranhas; ele é em si um contraveneno contra a ocupação com o tempo. Eu não
penso como se passa o tempo, como foi passado ou será passado. Pois tenho medo
de ver nitidamente como passo o meu tempo. Tenho medo de olhar para diante,
porque temo ver
um nada. Temo olhar para diante, para não olhar para um nada. Cerro os meus
olhos a tudo que não seja o presente imediato, para que não encontre, também no
hoje, nada. E não ouso olhar para trás para que tudo o que eu perdi não apareça
diante de mim e me venha lançar na perturbação. Tenho de me concentrar
unicamente no mais pequeno momento presente, para não ver
que para mim não há nada nas estrelas e nada no decorrer das horas de cada dia».
Se compararmos este trágico panorama de perda de tempo nesta existência
desenraizada com a palpitante vivência de tempo de Anna Sethrie, que diz: «Cada
dia é maravilhoso através do trabalho, somente nenhum tem horas suficientes»,
reconhecemos os extremos que a existência humana pode abranger.
Actividade e finalidade de vida, enraizamento e tempo encontramse na vida
humana numa estreita relação. Allport, Bruner e Jandorf, que estudaram as
características de personalidade de
90 exilados da época nazi, encontram em todos eles a tendência de se agarrarem
com certa obstinação às finalidades e actividades antigas, apesar dos perigos a
isso ligados e da sua inutilidade. Isto provém do facto de nós vermos em grande
parte nas finalidades do nosso agir o nosso próprio Eu (Selbst).
Actividade profissional e actividade recreativa
Os problemas do tempo assim como os da idade estudamse hoje pormenorizadamente
em conexão com as questões da actividade profissional e da actividade
recreativa. Muitos investigadores ocupamse com as suas funções na vida do
indivíduo e com
o seu papel na sociedade. É especialmente o problema da duração satisfatória do
tempo livre e do seu aproveitamento sensato que
está no primeiro plano de muitas investigações, que são sobretudo determinadas
pelo facto de o moderno trabalhador da indústria encontrar pouca satisfação na
sua profissão.
Anne Roe, que se ocupou de um modo especialmente intensivo das questões da
psicologia da profissão, falanos no seu
livro do ano de 1956, dedicado a este tema, acerca do desejo de mudar de
profissão. Os resultados são quase unanimes: cerca de dois terços dos
trabalhadores escolheriam outra profissão se pudessem recomeçar de novo,
enquanto de entre os componentes de grupos profissionais «melhores», menos de um
terço exprime uma insatisfação semelhante.
Reconhecese hoje em geral a gravidade do problema de o trabalho e a profissão
serem em tão grande medida insatisfatórios, uma vez que preenchem a parte
principal da vida humana justamente na fase média da vida. E é por isso que se
trabalha em vastos círculos na solução do segundo problema, relacionado com o
primeiro, isto é, numa utilização proveitosa e humanamente satisfatória do tempo
livre. Mas, apesar de muitos esforços, parece estarmos por enquanto ainda muito
longe de uma tal solução para o tempo livre. E ainda se lhe acrescenta o
problema desmoralizante do desemprego que, nos períodos de chamada ocupação
total, ameaça sobretudo os empregados à volta do fim da terceira e da quarta
fases da vida (45 a 60 anos).
Para termos uma ideia clara do papel temporal do trabalho na vida do homem
moderno, poderá sernos útil uma tabela por nós simplificada, que Sebastian de
Grazia constituiu em 1954 para uma emissora americana, baseandose em
questionários a
um grupo representativo de americanos. Ela foi publicada numa forma mais
desenvolvida num livro editado por Robert Kleemeier e cujo tema é
«Envelhecimento e Tempo Livre».
Estes números talvez não digam muito de novo a ninguém, mas servem para pôrnos
um problema drástico diante dos olhos: a maioria das pessoas passa, durante a
parte principal da sua vida, metade do dia trabalhando. A maioria das pessoas só
restam poucas horas livres ao lado das outras actividades necessárias à vida.
Mas como háde então ser possível levar a vida ao êxito, se o trabalho não
satisfaz sob qualquer ponto de vista? Eu pessoalmente acho por isso impossível
criar a sensação do êxito apenas com base das horas livres. A mesma opinião leva
muitos a ocuparemse em teoria e na prática com as questões da motivação, que
também aqui nos voltam a aparecer.
Entre os muitos trabalhos neste campo, pareceme especialmente interessante um
estudo muito aprofundado de Herzberg,
ACTIVIDADES
em média de um dia de trabalho
de 17 horas
H O
1 dado
2049
M E N S
ld de
ao’
50 e mais
velhos
M U L
Idade
2049
H E R E S
1 dade
so e mais
velhas
No lugar de trabalho ou na escola
7,1
5,2
2,O
1,3 horas
A caminho
1,5
O,9
O,6
O,4 horas
Compras
O,1
O,1
O,4
O,3 horas
Restaurante, cabeleireiro, visitas a
amigos e parentes
O,8
O,6
O,5
O,4 horas
Igreja, desporto, divertimentos 1
O,3
O,2 1
O,4 1
O,4 horas
1 FORA DE CASA 1
9,8
7,O 1
4,3
3,1 horas
Trabalhos domésticos ou trabalhos
em casa
O,8
1,2
4,2
4,O horas
Refeições e preparação de comida
1,2
1,4
2,5
2,3 horas
Vestir, banho, etc.
O,6
O,6
O,9
O,6 horas
Ocupações durante o tempo livre,
inclusive ler
2,8
4,6
3,3
4,8 horas
Dormir (além de 7 horas de sono nocturno)
1,8
2,2
2,2 horas
11 EM CASA 1
7,2
10,O 1
12,7 1
tudo importante o ordenado, depois a política administrativa da firma para a
qual trabalham, a maneira como são manejadas a vigilância e as relações
pessoais, e finalmente as condições físicas de trabalho.
Se considerarmos estes resultados relacionandoos com a nossa teoria das quatro
tendências básicas, chegamos ao seguinte resultado: no primeiro grupo encontram
se sem dúvida aqueles cujas tendências prevalecentes são ou a expansão criadora
ou
uma atitude em relação à ordem interna que satisfaça a consciência. Pessoas com
estas tendências básicas são em regra fortemente motivadas para o trabalho.
Encontram a sua autorealização no trabalho. Podemos falar aqui de motivação
primária.
As pessoas menos interessadas no trabalho como tal são pessoas cujas
necessidades pessoais ou de adaptação têm de ser
satisfeitas directa ou indirectamente pelo trabalho, se quiserem estar
satisfeitas com este. Um bom ordenado e boas condições de trabalho servem para a
sua satisfação de necessidades, quando a actividade em si não lhes proporciona
nenhum prazer de função. Condições sociais e de política interna das empresas
que sejam favoráveis, que venham ao encontro das suas necessidades de adaptação,
fornecemlhes as relações pessoais que os satisfazem e que lhes tornam
suportável o trabalho. A sua motivação para o trabalho é portanto determinada
por factores secundários. Dinheiro para adquirir comodidades e relações sociais
para a
obtenção de segurança e «sentimento de pertença» é o que é importante para estas
pessoas. Em graus economicamente mais elevados no que respeita a ordenados,
acrescentase a isto ainda a necessidade de possuir categoria e influência. A
autorealização processase portanto aqui de maneira totalmente diferente: não é
através da criação de obras mas através de liberdade de disposição materialmente
e socialmente lograda.
Alguns trabalhos modernos sobre as condições mediante as quais se pode dar
satisfação geral àqueles que trabalham na
indústria, chegaram a conclusões que correspondem a estas considerações. Bons
ordenados e uma certa comparticipação na empresa, não só se recomendam hoje em
muitos sítios, mas até se adoptam na prática.
Talvez este seja um procedimento adequado, não só para aqueles que têm uma
motivação primária para o trabalho, mas
também para aqueles que se entregam à profissão com motivos secundários, na
medida em que os ajuda a encontrar na profissão uma satisfação que contribui
para o êxito da sua vida.
9. CLIMATÉRIO E BALANÇO DA VIDA
Em todas as épocas e já desde cedo o homem faz a sua autovaloração e ajuiza
acerca de si próprio. Mas esta atitude nunca atinge um plano tão fundamental
como no período do climatério.
Naturalmente que a palavra climatério diz respeito rigorosamente só ao sexo
feminino, uma vez que o fim da capacidade procriadora masculina se dá
normalmente muito mais tarde e sem os fenómenos característicos que acompanham a
mudança de idade feminina. Apesar disso muitos psiquiatras escreveram
sobre o «climatério do homem», um período que não implica necessariamente o fim
da capacidade de procriação mas em que se manifestam contudo muitas
características psicológicas que na mulher seriam designadas por climatéricas.
A expressão é portanto de aplicação mais simbólica do que directa, e isso tanto
mais quanto pensamos num período que é muito mais extenso do que aquele que
corresponde à mudança de idade. O climatério é nesta medida um símbolo adequado,
porque neste período, embora não se perca, pelo menos retrocede a importante
dimensão vital da capacidade procriadora. Este e
outros fenómenos que revelam a decadência de capacidades anteriormente
absolutamente formadas, advertem o fim da vida que se aproxima como uma
realidade até agora não encarada de frente.
No capítulo sobre o desenvolvimento chamámos a atenção para o facto de a maioria
das funções físicas e espirituais sofrerem uma diminuição nítida a partir dos 50
anos. Isto é naturalmente uma regra média que não se poderá aplicar sempre aos
casos individuais, o que deve ser tanto mais considerado quanto com a actual
tendência para o prolongamento da vida se verificam em muitos casos também
funções melhor conservadas e uma capacidade prolongada de produção e realização.
A revista americana «Time» apresentou no ano de 1958 aos seus leitores um número
surpreendente de personalidades de idade avançada, que gozavam não só de boa
saúde mas também de invulgar força criadora e em muitos casos ainda de um óptimo
campo de realização. O semanário alemão «Die Zeit» apresentou dois anos mais
tarde um relatório semelhante. Falaremos no capítulo seguinte destas pessoas de
65 a 90 anos que ainda se
mantêm activas. Agora ocuparnosemos do grupo de idade compreendido entre os 45
e os 65 anos.
Considerámos o período entre mais ou menos 25 anos e
45 anos como período médio da vida, no qual normalmente o
adulto se fixa com uma autodeterminação definitiva. É pouco mais ou menos a fase
da maturidade adulta, apesar de em muitos casamentos que se realizam cedo e
muitas ascensões profissionais que se dão cedo, esta maturidade aparecer
antecipada. A maioria das vivências culminantes, como as descreve por exemplo
Maslow, pertencem, pelo menos na nossa época, à fase compreendida entre os
trinta e quarenta.
Isto é evidentemente diferente do que era há apenas uma
geração atrás. A mulher de hoje sentese aos quarenta anos no ponto máximo da
sua vida; a sua sexualidade e a sua participação activa na vida muitas vezes só
agora desabrocham totalmente. Pelo contrário, na geração anterior, uma mulher de
quarenta anos consideravase como envelhecendo, e se recuarmos
mais uma geração, então vemos que uma mulher dessa idade era considerada velha,
uma «matrona digna». A palavra envelhecer tem, como o diz bem Erich Stern, um
sabor negativo. Outrora falavase da «graciosa» juventude, que hoje se considera
geralmente como um período cheio de problemas e muitas vezes não muito feliz. A
palavra «jovem» tem hoje um outro significado, e não só para a mulher: o homem é
considerado jovem até cerca dos quarenta, e na realidade, na maior parte das
vezes, é só à volta dessa idade que começa a conquistar o campo de acção que
deseja.
Esta sensação de se encontrar no cume aos trinta, mais ainda aos quarenta, pode
sofrer uma viragem gradual ou súbita no decorrer dos quarenta ou início dos
cinquenta. Esta viragem poderá fazerse anunciar como vivência de fracasso e de
cansaço ou como vivência duma crise da vida, como antes só se observa com a
mesma intensidade durante a puberdade. Assim como na puberdade o indivíduo é
posto perante uma missão por vezes demasiado difícil, pelo domínio dos novos
impulsos que despontam e dos novos problemas de vida que surgem, durante o
climatério éo justamente pela perda ou diminuição das potencialidades internas
e externas.
É a idade em que começa a aumentar fortemente o número de suicídios. Segundo
Dublin, mais de metade das mulheres e
quase dois terços dos homens que se suicidam têm 45 anos ou mais. Segundo
uma estatística americana de 1948, a curva dos suicídios femininos atinge o seu
ponto máximo no grupo de idade de 45 a 55 anos; entre os homens a curva vai
aumentando até à idade avançada.
Norman Farberow e Edwin Slineidinan dedicaram profundos estudos ao suicídio e
simultaneamente observaram os motivos que levam ao suicídio, seguindo as
sugestões que fornecera o
célebre psiquiatra Karl Menninger na sua obra «0 homem contra si próprio».
Menninger indicara o ódio, a culpa e o desespero como os prováveis motivos
principais. Farberow e Shneidman analisaram as cartas e as notas deixadas por
suicidas; a maioria destes suicidas recaía no grupo de idade compreendida entre
os 40 e 60 anos. O que estes assim como os suicidas mais novos
revelam, trai sobretudo ódio e culpa. O desespero é um
180 motivo que aumenta à me
160 Homens dida que a idade avança.
Mulheres Os complexos de culpa
devido a perdas ou erros
0120
irreparáveis ganham o seu U 1 carácter
crítico neste perío
O
8100 Il do, ao que parece devido
‘0 80 a coincidirem temporalmente com a
depressão causada a. 6o pela diminuição das
forças
40 1 Doenças
e capacidades.
20 Na mulher é a perda
Casos de morte da capacidade procriadora
M om
ns
ros
D nç
Ca@.s de morta
que constitui uma vivência o 10 20 30 40 50
.50 70 80
Idade especialmente drástica. A
169 Número de pessoas que estavam mudança de idade feminina doentes no dia
da contagem e que mor situase, como o mostram reram no ano de 1950 nos Estados
Uni bastante unanimemente diA 1 A A@ D 1,1; TT 1+1, D + \
os a m ca. ( u c ea epor s
versas estatísticas, principalmente no período compreendido entre os 40 e os 55
anos, parecendo situarse a maioria entre cerca de 47 e 49 anos.
Este fim da capacidade de procriação não significa contudo uma diminuição ou um
fim do interesse sexual, mas muitas mulheres sofrem com o facto de não poderem
ter mais filhos.
É também bastante considerável o número de doenças graves, não raramente
crónicas, e que muitas vezes dificultam grandemente a capacidade de trabalho e o
bemestar. A partir dos 45 anos dáse um rápido aumento de doenças mortais em
que desempenham o papel mais importante as doenças cardíacas, o cancro, a
arteriosclerose (e além disso acidentes). As doenças cardíacas, hoje a mais
frequente causa de morte, são, segundo Dublin, responsáveis por cada décimo caso
de morte entre os 15 a 24 anos; relativamente aos grupos de idade a curva vai
subindo constantemente: entre os indivíduos de 25 a 44 anos já as doenças
cardíacas ocupam 25 % dos casos de morte, entre os de
45 a 64 anos a metade, e entre os de mais de 65 anos dois terços.
A rápida subida dos números de doença à volta dos 50 pode
verse no gráfico junto.
Edward Stieglitz chama a atenção para algumas particularidades dignas de nota
das doenças das pessoas idosas. Ele diz que nas doenças dos velhos não se revela
como responsável uma
causa única como entre os jovens , por exemplo uma infecção ou coisa
parecida. Antes normalmente existem uma série de perturbações juntas. E isto é o
caso mesmo nas doenças graves e quando os sintomas são específicos. Ele fala
portanto de uma
«etiologia múltipla» na idade avançada. Também Allan Vogt, que fez os seus
estudos num asilo de velhos de Basileia, fala de uma «interrelação e
sobreposição dos diversos processos» na patologia da idade avançada.
Por vezes também pessoas jovens se ocupam com o problema da morte, mas
geralmente é devido aos fracassos, que começam neste período de vida, que se
encara o facto da morte que nos
espera. «Ninguém começa realmente a viver, até que não tenha estado perto da
morte», diz Jesse Stuart, um poeta contemporâneo, depois de um ataque cardíaco
quase mortal.
Feliz é aquele que na quarta fase, a penúltima fase da vida, não tem maiores
preocupações do que o desejo de poder terminar ainda uma obra da sua vida.
Assim Albert Schweitzer escreveu, aos 56 anos, no seu trabalho como médico em
Lambarene:
25 30 35 40 45 50 55 60 65 70 75 80 85
170171 Thomas A. Edison recebeu pela sua invenção um total de 1086 patentes. A
partir do número de patentes concedidas, podese traçar a curva de realizações
do grande inventor, que acima reproduzimos, e que, como no caso de muitos
artistas, técnicos, empreiteiros e comerciantes, atinge o seu ponto máximo no
meio da
vida. (Segundo H. C. Lehrnan)
«Quanto conseguirei ainda terminar do trabalho que me
propus? O meu cabelo começa a embranquecer. O meu corpo começa a ressentirse
dos esforços que exigi dele e a sentir os anos. Reconhecido, olho para aquele
tempo em que sem ter de poupar as minhas forças podia trabalhar sem descanso
tanto física como espiritualmente. Tranquilo e humilde olho para o
tempo que virá, para que a renúncia, se ela me estiver destinada, não me
encontre desprevenido».
Mais do que em qualquer outra fase da vida se separam visivelmente nesta fase os
caminhos daqueles que sem dúvida ainda têm um futuro, dos caminhos daqueles que
não podem pensar com esperança no seu futuro. Para muitos que agora terão de
carregar dolorosamente com sentimentos de pesar e de culpa devido às ocasiões
perdidas, ao tempo desperdiçado, a
decisões erradas e a uma vida errada, é demasiado tarde para recomeçar algo de
novo e poder remediar o passado.
«Vivemos do passado» e «sucumbimos pelo passado» são duas sábias frases do
grande conhecedor do homem que foi Goethe. Goethe aponta aqui um duplo facto:
que por um lado vivemos daquilo que erigimos no passado, mas que por outro lado
o nosso passado também nos destrói.
E justamente uma das muitas missões impostas ao indivíduo, é a de se ocupar
tanto do seu passado como do seu futuro e dominálos a ambos, da maneira mais
construtiva para a sua
vida. E quanto mais velho o homem for, tanto mais difícil se
torna a solução deste problema. Perder totalmente de vista o
futuro significa deixarse morrer. Mas também pode darse o
contrário: que a ocupação com o próprio futuro, que vai sendo mais curto e
insignificante, tome proporções cada vez mais gigantescas e por vezes sem
sentido.
A questão que se põe é, portanto, como nesta fase de transição da vida em que
para muitos começa a desaparecer o significado do próprio futuro a pessoa
conseguirá arranjar para a vida um sentido que lhe permita participar ainda
activamente nela em
vez de apenas passar o tempo a esperar pelo fim. Ainda nos
teremos de ocupar mais pormenorizadamente desta questão. Agora, ao falar do
papel que desempenha o problema do futuro, basta a referência de pessoas idosas
que se inseriram bem no seu ambiente e muitas vezes, por isso, armazenaram um
material de ocupação com o futuro cheio de sentido, desabrochando na
preocupação pelos problemas do futuro dos outros. Desde a avó que cuida do
desenvolvimento e crescimento dos netos até àquele que trabalha intelectualmente
e participa nas questões de
uma futura configuração do mundo, existem muitas formas de participar, com idade
avançada, na vida que cresce.
Pareceme contudo mais difícil o período de transição, em que a própria vida
ainda impõe missões de futuro. No aspecto individual é extraordinariamente
divergente o tempo de duração deste período de transição.
Carl Jung era de opinião que isto dependia em grande medida do tipo de
personalidade. Ele distingue um homem introvertido, orientado para dentro, e um
extrovertido, dirigido para fora, e
acha que o primeiro tipo tenderia mais a ocuparse com o passado, enquanto o
segundo se ocuparia de preferência com
o futuro.
Embora se reconheça geralmente a importância da distinção destes dois tipos
humanos e das tendências provavelmente inatas numa ou na outra orientação, creio
contudo que existem razões muito mais complicadas quando uma pessoa se ocupa de
preferência do passado e outra, pelo contrário, pensa principalmente no futuro.
Assim, por exemplo, a pessoa criadora está sempre orientada para o futuro,
porque, como diz Albert Schweitzer, quer terminar a sua obra e preparála para
que produza os seus
frutos no futuro. O facto de se tomar intensamente em consideração o passado,
também é, em parte, condicionado culturalmente; esse facto desempenha um papel,
por exemplo, no que respeita ao cultivo de tradições e costumes.
Enquanto o homem que vai envelhecendo vive normalmente em visão retrospectiva,
para o neurótico o passado transformase cada vez mais num peso interno. O caso
de Ben oferecenos um exemplo de um homem de cinquenta anos que sucumbe devido
ao seu passado.
Ben, um comerciante, sem filhos, duas vezes divorciado após curtos matrimónios,
tinha 50 anos quando veio para a psicoterapia. Estava gravemente deprimido,
sofria de cansaço e dores de cabeça e além disso estava desde há pouco tempo
impotente; vivia a sua vida bastante solitário e sem relações sociais. Era
suficientemente inteligente para compreender por si próprio que
a sua depressão era resultado da sua existência vazia de sentido, de que se
sentia culpado. Sentia que passara a sua vida ansiando obter coisas sem valor e
que fizera muita coisa em que não acreditava. Diversos pequenos negócios que
possuíra tinham sido começados todos sem convicção e não tinham levado a nada.
As duas mulheres com quem casara, não o ligavam nem amor
nem compreensão; na primeira foram os encantos físicos, na
outra a aparente capacidade para os negócios que o fizeram tomar a decisão de
casar.
A única coisa que ele teria querido fazer realmente com entusiasmo, isto é,
escrever, nunca a tentara seriamente. Afirma que não considerara o seu talento
suficiente. Apesar disso, confessa que dois contos que escrevera rapidamente
haviam sido imediatamente publicados e tinham tido «boa aceitação».
A esperança só semiconfessada com que veio para a Psicoterapia talvez fosse a de
libertarse para a ansiada actividade de escritor e também a de conseguir a
coragem de iniciar tal carreira, agora que na realidade era já demasiado tarde
para isso.
Ele também percebera já que a sua impotência estava igualmente relacionada com o
seu fracasso espiritual e humano e
com a sua falta de consideração por si próprio.
O caso de Ben tinha naturalmente uma longa história, com
uma infância infeliz, um pai duro e sem amor e uma juventude estragada pela
rebeldia, por abandonar a escola antes de tempo e fugir da casa paterna. Toda a
vida de Ben ficou determinada pela rebelião e um dos benefícios reais do seu
tratamento foi terlhe possibilitado libertarse do seu complexo em relação ao
pai e do seu ódio, e sentir amor.
E assim seria possível alcançarse ainda um resultado positivo através de uma
relação feliz com uma mulher, relação agora fundamentada numa base mais
profunda. Mas no campo da criação de obras era demasiado tarde para conseguir a
concentração e profundidade necessárias para pensar e escrever. Talvez que o
acidente de automóvel que Ben sofreu aos 52 anos não fosse tão casual como
poderia parecer. Ele pôs um fim generoso a uma vida de que perdera toda a
esperança.
No caso de Ben o homem, como diz Gerhard Pfeiler, tornouse escravo, em vez de
senhor, do seu passado, ou antes, ele sucumbe ao seu passado, que o destrói.
Se neste neurótico se tornou impossível uma evolução, devido à rigidez e
incapacidade de uma transformação suficiente, em
casos de psicopatia grave é ainda mais radical o malogro da vida com o avançar
do tempo. Ludwig Binswanger apresenta num livro fascinante sobre «Extravagância,
Excentricidade e
Afectação», três formas de existência falhada.
De resto, o aumento crescente de doenças mentais no sentido mais estrito não se
dá neste período, mas depois dos 65 anos. Contudo as esquizofrenias começam
vulgarmente muito mais cedo, frequentemente já na adolescência.
Para uma evolução propícia dentro e após o período do «Climatério» é necessária
sobretudo flexibilidade. Helmut von Bracken fala de um fenómeno a que chama
mudança de estru
172173 O grande arquitecto Richard Neutra e uma das suas construções que lhe
trouxeram fama mundial
tura. Com isto quer dizer que as pessoas de idade avançada realizam tarefas por
outras vias e mediante outras funções diferentes das pessoas mais jovens. @É
certo que a rapidez de reflexos, a
memória e outras funções deixam de funcionar tão bem. Mas
no seu lugar aumenta a experiência e a confiança. William Stern definira já há
muitos anos a inteligência como capacidade geral de adaptação a novas missões e
condições da vida. Esta flexibilidade espiritual, e por vezes também física
relativamente grande, distingue todos aqueles que permanecem ainda capazes de
realizar altas tarefas numa idade avançada.
Mas antes de falarmos das verdadeiras realizações da idade avançada vamos
terminar este capítulo com o exemplo de breve biografia de um homem que
conseguiu, apesar das desilusões e da doença, superar propiciamente os anos de
crise à volta dos cinquenta e sessenta anos e manterse até alcançar um êxito
extraordinário e até fama mundial.
O exemplo é a carreira do grande arquitecto Richard Neutra que nasceu em Viena
em 1892, e que em 1923, depois da primeira guerra mundial, em que tomou parte
activa, emigrou para os
Estados Unidos. Recebera a sua formação na escola Superior de Viena e de
Zurique, mas, depois da sua chegada a Nova Iorque, começou imediatamente com o
estudo intensivo dos métodos americanos de construção.
Desde a sua instalação em Los Angeles, no ano de 1925, trabalhou durante 38 anos
ininterruptamente, sem ter férias, contudo com um entusiasmo sem fim e
continuamente acompanhado pela sua mulher Dione, digna de admiração. Ela, que
era suíça, música e mãe de três filhos, renunciou altruisticamente à sua
própria carreira e acompanhou Richard Neutra como secretária e conselheira nas
suas muitas viagens e nos seus inúmeros empreendimentos, ajudandoo sempre.
Durante muito tempo Neutra não encontrou a consagração esperada. Só ao fim dos
quarenta anos teve êxito. Contudo superou todas as desilusões e dois ataques de
apoplexia graças à sua tenacidade e energia. Hoje, com 70 anos, depois de ter
vencido o período de crise da sua vida, fala com entusiasmo do seu trabalho e
das suas finalidades no futuro.
10. A PROBLEMÁTICA DA REALIZAÇÃO NA IDADE AVANÇADA E NA MORTE
Em geral é aos 65 anos que hoje em dia se realiza a reforma. Porque a lei obriga
a tal, entrase na aposentação e recebese a reforma ou uma pensão. E com isso
começa oficialmente a verdadeira idade avançada.
Ainda não há muito tempo terminava frequentemente muito mais tarde a pertença
àqueles que se encontram no processo de trabalho. O encurtamento desta data
significa que a aposentação atinge prematuramente não só os que são ainda muito
robustos, mas para além deles ainda a média dos que estão ainda no meio dos 60
anos. Isto concluise de muitas observações feitas em reformados. A lei
representa neste aspecto uma medida fundamentada mais social e politicamente do
que psicologicamente justificada. Ela é de certo modo até absurda, uma vez
que se situa numa época em que, graças aos progressos da higiene e da medicina,
se prolongaram extraordinariamente a
duração da vida e a energia criadora. E por isso, por toda a
parte ouvimos manifestações de insatisfação acerca da aposentação imposta,
especialmente por parte de todos aqueles que não são capazes, por estas ou
aquelas razões, de arranjar uma
ocupação suplementar vantajosa.
Por ocasião de um vasto estudo de entrevistas que B. D. Kutner e os seus
colaboradores realizaram em 1956 junto de reformados americanos, verificouse
nestes uma frequente perda de moral. Numa cultura tão fortemente organizada em
função da acção, como a nossa, a pessoa excluída da competição e da situação de
ganhar dinheiro não raramente se sente supérflua
e um peso para os outros. E é na realidade difícil de manter, agora através de
outras actividades, a autoconsideração que estava ligada com o ganho de dinheiro
e um lugar fixo, a não ser que seja através dos cargos honoríficos ou dignidades
de algum peso. Estas são concedidas muitas vezes aos velhos nas sociedades
«primitivas» dos povos que vivem em contacto com a natureza. Também na nossa
sociedade existem certos cargos honoríficos destinados às pessoas idosas. Mas
pelo facto de muitas tarefas outrora voluntárias, como a beneficência, a
assistência social, a assistência aos doentes e outras semelhantes terem
evoluído cada vez mais no sentido de actividades profissionais, até as próprias
possibilidades de uma acção caritativa são hoje limitadas.
174176 Tintoretto chegou aos 76 anos. Pintou «As Bodas de Caná», à direita em
cima (S. Maria della Saluto, Veneza), em 1561, com 43 anos; começou a pintar «A
última ceia» (S. Giorgio Maggiore, Veneza) em 1591, quando tinha 73 anos;
trabalhou nesta obra até pouco antes da sua morte. Também o autoretrato é dos
seus últimos anos de vida
22
Cada vez também se reconhece mais a importância extraordinária que tem o
problema da ocupação das pessoas idosas, e assim esta questão levou,
simultaneamente com a questão da segurança económica das pessoas de idade, a
estudos científicos, que aliás ainda não revelaram nenhuma solução real de maior
envergadura.
Um dos principais problemas psicológicos da pessoa que envelhece, que já não tem
tarefas determinadas a realizar, é a
distribuição satisfatória do seu tempo. O dia de trabalho tem um ritmo natural;
o dia dos reformados não. Entretenimentos e «hobbys» não conseguem geralmente
substituir este ritmo. Representam um passatempo, mas raramente uma utilização
do tempo capaz de satisfazer a consciência de tarefa. É difícil libertarse da
disciplina da vida de trabalho. Para as mulheres que continuam a ocuparse da
sua casa como dantes, a mudança é menos
profunda do que para o homem ou para a mulher que exerce uma profissão.
E assim muitas, se não a maioria das pessoas, vivem o fim da sua vida
profissional como uma renúncia cuja gravidade elas muitas vezes não conseguiram
prever, e isso apesar de todas as anteriores lamentações acerca das dificuldades
e fadigas da profissão.
«Antigamente esperava com uma alegria extraordinária a
minha reforma», diz um funcionário que A. L. Vischer cita nos
seus estudos subtis acerca da «Mutação anímica no homem idoso». «Mas quando
chegou realmente o meu ú ltimo dia de trabalho e me despedi dos meus colegas de
ofício, senti em mim e ao meu redor um vazio desconhecido. De repente despertou
em mim a pergunta «E agora?». Lembrome muito bem dos sentimentos contraditórios
com que deixei a repartição e me dirigi para casa. Tudo me parecia diferente, as
ruas, e casas que me eram familiares, as pessoas, tudo me parecia estranho.»
O homem aqui citado superou o «escolho» diante do qual se encontrava. Ajuda a
mulher nos trabalhos domésticos, «até» vais às compras, dá uma ajuda no Banco,
visita reuniões sectárias, lê, faz poesia, passeia e frequenta o teatro. Agora
nunca mais quereria voltar para o seu antigo escritório.
Mas, como dizia e muito bem a Vischer o chefe do pessoal de uma empresa
industrial: «Não se podem criar «hobbys». Só se podem aperfeiçoar aqueles que já
existiam». Por isso estão em melhores condições aqueles que já antes se
dedicavam ao jardim ou a trabalhos manuais e quaisquer outras pequenas
ocupações. Bill Roberts, cuja vida descrevemos (vide págs. 308 e segs.), é um
reformado feliz. Cultiva rosas no jardim, juntamente com a mulher, executa
constantemente melhorias e embelezamentos na sua casa, arranja todos os
brinquedos e bicicletas dos seus nove netos, vai a reuniões sectárias e visita
parentes.
O que é importante é o facto acentuado por Vischer, de na
reforma se perder uma parte do Eu social (primeiramente definido por William
James). Abandonase um papel principal no mundo, com o que está implicada
necessariamente uma perda de significado social.
«0 que mais me custa», diz um chefe de empresa a Vischer, «e mais me preocupa
desde que fui reformado é o facto de me
ter tornado tão insignificante. Há menos de meio ano eu era ainda o segundo
homem da firma, olhavam para mim de baixo, as minhas palavras eram decisivas em
relação à gerência dos negócios, eu era assediado com tantas coisas. Como é
diferente agora. Quando há pouco tempo tive de procurar o meu sucessor na firma,
a minha exsecretária, minha colaboradora de muitos anos, que me era muito
afeiçoada e para a qual a minha opinião significava a última palavra, mal me deu
atenção; já o porteiro me cumprimentara muito superficialmente.»
Pelo facto de os cônjuges reformados passarem demasiado tempo juntos, surgem
entre aqueles que não estão estreitamente ligados discussões que outrora eram
evitadas. Não é raro que justamente após a reforma se dê um envelhecimento que
leva a
um fim de vida precoce. Um tal fim pode vir a quebrar lamentavelmente o êxito
definitivo de uma vida.
Pelo contrário, são felizes aquelas pessoas que podem levar realizada até ao fim
a sua vida de idosas, através de muitos interesses ou actividades criadoras.
E isto vale também para pessoas simples, e Justamente quando podem até ao fim
sentirse úteis e inseridas com sentido no seu ambiente. Um bom exemplo de uma
vida simples e feliz de mulher também em idade avançada énos oferecido pela
biografia de Gabriele von BiÍlow, a filha de Wilhel:m von HumboldtNos últimos
trinta anos da sua vida dedicou a sua existência a todos os membros da grande
família que necessitavam de ajuda, assistência e conselho. O seu cunhado viúvo
de 72 anos, vai viver para casa dela, Alexandre von Humboldt, já idoso, também
recebe os seus cuidados e ela transformase no ponto central da família,
irradiando calor e amor e sempre solicitada por filhos, netos e bisnetos. Recusa
agora, como sempre, uma actividade pública, como, por exemplo, o cargo de aia
mor da rainha, que lhe fora várias vezes proposto. É alegre, saudável, activa
até idade avançada. Chama a si própria «a locomotiva», porque dá, mais do que
todos os outros membros da família,
177178 Grandma Moses começou a pintar aos 67 anos, aos 91 criou o quadro «Moving
Day on the Farm». (Fotografado com autorização da Gallery St. Etienne, Nova
Iorque; retrato Copyright, Grandma Moses Prop.
Inc., Nova lorque)
a iniciativa para tudo o que se deve fazer. Ainda com 83 anos se indigna com a
designação de «anciã». Morre aos 85 anos, em
1887, alegre e lúcida até ao último momento.
A. L. Vischer dános nos seus livros sobre a idade avançada muitos exemplos de
artistas e escritores que criaram as suas obras mais importantes com idade
avançada, como Ticiano com a «Imposição da coroa de espinhos a Cristo» que
pintou aos
66 anos e depois novamente aos 94, ou Tintoretto (vide pág. 337); Theodor
Fontane escreveu o seu primeiro romance («Antes da tempestade») quando estava no
fim dos 50, e o seu maior romance («Stechlin») no fim dos setenta!
Entre os velhos com capacidade criadora dos nossos tempos suscitou um interesse
e espanto especiais a figura encantadora da «Grandma» Moses. Esta provinciana
que morreu nos fins de
1961 com 101 anos, que pintava desde criança pequenos quadros, apenas para seu
prazer pessoal, criou o seu primeiro grande quadro aos 67 anos, poucas semanas
antes de perder o marido, que amava profundamente e que morreu muito cedo. A
partir de então evoluiu até se tornar a pintora mundialmente conhecida que é
hoje. Reproduzimos aqui «Moving Day», um quadro pintado aos 91 anos. O que é
digno de nota na história da sua vida, é como, depois de uma vida saudável, útil
e feliz, uma pessoa que começa a envelhecer, já na casa adiantada dos ses
179180 Exemplos de uma actividade não quebrada na idade avançada: o desportista
Coach Stagg, de 96 anos, e o senador Theodore F. Green, de
91 anos
senta, desperta para uma realização criadora invulgar em que não se exprimem
problemas, mas apenas alegria de viver e amor pela humanidade.
«Mesmo agora», diz a nonagenária, «nunca me lembro que sou velha, embora seja
avó de 11 netos e bisavó de 17 bisnetos. «That's plenty!» («Isso é bastante»).
Olho retrospectivamente para a minha vida e comparoa a
uma obra boa e completada; estou satisfeita com ela. Eu era feliz e sentiame
satisfeita e fiz o melhor que pude daquilo que a
vida me proporcionou. E a vida é o que dela fazemos. Foi sempre assim e sêlod
sempre».
A extraordinária flexibilidade desta personalidade exprimese numa frase de
quando tinha 101 anos. Contava a alguns visitantes um pequeno acidente que
tivera por descuido e acrescentou com um pestanejar de olhos «I must mend my
ways» («tenho de me emendar»).
A revista americana «Time» publicou em 1958 uma galeria de individualidades de
80 a 101 anos que ainda se encontravam activos num campo qualquer e dos quais
muitos ainda exercem
actividades na vida pública. Talvez os mais notáveis sejam o
futebolista Coach Stagg, de 91 anos, que ainda dá conselhos aos
futebolistas praticantes e faz ainda muita ginástica, e o senador Theodore F.
Green, o mais velho do senado americano, que ainda nada, passeia e que jogou o
ténis até aos 88 anos.
Especialmente entre os filósofos e homens de estado encontramos mestres cujo
trabalho intelectual construído sistematicamente ou amadurecido durante anos só
atingiu tarde o seu
ponto máximo. Entre os filósofos que erigiram sistematicamente uma obra@rima
tardia, é certamente Imnanuel Kant o mais extraordinário.
A nossa própria época produziu grandes homens de estado que em idade avançada,
tal como Churchill (* 1874), Adenauer (* 1876) e Eisenhower (* 1890) se afirmaram
em posições decisivas e se mostraram à altura de enormes missões.
Vischer menciona como característica a segurança com que Adenauer, aos 83 anos,
esboçou num discurso para a rádio as suas disposições para os anos seguintes, e
chamanos a atenção para o facto de as pessoas com vitalidade bem conservada nem
sequer poderem imaginar o seu fim, mesmo que pela razão o
tenham de esperar dentro dum prazo não muito longo.
Pelo contrário, outras pessoas ocupamse, nesta fase, muito mais com a questão
do fim da vida, e podemos encontrar entre elas as posições individualmente mais
diversas, como medo perante a morte, resignação perante o inevitável,
aparentemente indiferente ou estóica, ou submissão religiosa perante o destino.
Hermann Feifel reuniu num grande trabalho sobre a posição perante a morte
material extraordinariamente interessante. Ele distingue duas categorias
principais de posição perante a morte, a religiosa e a naturalista. A pessoa
religiosa que acredita num
181182 A curva de realizações do filósofo Immanuel Kant. As suas três obras
mais importantes, «Crítica da Razão Pura» (1781), «Crítica da Razão Prática»
(1788) e «Crítica do Juízo» (1790) foram publicadas quando Kant tinha 57, 64 e
66 anos de idade. A curva de realizações revela uma visível ascensão da força
criadora dentro dos anos
que se seguem aos sessenta
183185 A morte nas artes plásticas. Kãthe KoIlwitz: A morte agarra uma
mulher. Vincent van Gogh: À soleira da eternidade. Edvard Munch: A mãe
morta e a criança
além, que encara a morte como uma passagem para um mundo melhor, é claro que não
sofre da depressão que é frequente entre os nãocrentes. Também a crença na
imortalidade da alma é um consolo. Aflitiva é, pelo contrário, a expectativa de
um nada.
Como diz Paul Tillich: «Avançase com coragem especialmente no início da vida.
Mas este sentimento está sempre em
dissensão com o medo daquilo que o futuro possa trazer... Por fim, à medida que
chegamos ao termo inevitável, sentimos a
escuridão impenetrável e a ameaça de que toda a nossa existência possa ser
julgada por último como falhada» .
O medo perante a morte é por assim dizer comum a todos os homens, mesmo que por
vezes seja negado. Feifel recebeu muitas vezes a seguinte resposta daqueles que,
muito idosos, se
sentiam a si próprios como gastos e inúteis: «Vivemos a nossa vida e rendemonos
ao destino de ter de morrer», ou então «Já não temos nada pelo que valha a pena
viver». Esta posição é natural e especialmente nítida nos casos de doenças
incuráveis.
A questão da morte ocupou não só as religiões, mas também os poetas e pensadores
de todos os tempos. Como é possível manter nesta última fase a consciência da
vida realizada?
«Temos de evitar que se afunde agora o fim da vida» diz Wilhelm von Humboldt aos
45 anos. Este amigo de Goethe e
Schiller, igualmente grande como homem de estado e como
erudito, ocupouse muito com questões da alma e do destino, e falou e escreveu
frequentemente sobre a morte como possível consumação da vida.
Tal como ele, também Carl Jung, nas suas profundas considerações sobre «A
realidade da alma», vê a realização do sentido da vida na morte. «ó Senhor, dai
a cada um a sua morte», pede Rainer Maria Rilke, exprimindo, como Humboldt, a
ideia da maturidade para a morte. «ô Senhor, dai a cada um a sua morte, um
morrer que brote daquela vida em que teve sofrimento, sentido e amor».
Infelizmente, este destino tão benigno como grande só a poucos é concedido.
Par@e C
A SOCIEDADE
Parte C
A SOCIEDADE
VII O Indivíduo e a Sociedade
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao criar a moderna Psicologia Científica, Wundt viuse, logo de início, perante
a ideia de que, paralelamente à Psicologia do Indivíduo, deveria decorrer, como
ele dizia, uma Psicologia dos Povos. Por outras palavras: reconheceu que a
Psicologia do ser humano só se pode compreender de modo muito incompleto se
partirmos apenas do ser isolado. O ser humano não é apenas um indivíduo, mas
também sempre participante de um ou mais grupos.
O grau em que o indivíduo é determinado pelo grupo constitui mesmo uma das suas
características essenciais, uma vez que só no grupo se efectuam as maiores
realizações de que o ser humano é capaz. Esta afirmação referese em primeiro
lugar à cultura humana, que representa uma criação de grupo.
No entanto, este passo inicial de Wundt não teve logo prossecução, se
exceptuarmos os trabalhos de Gabriel Tarde («Les lois sociales», 1898) eGustave
Le Bon («Psychologie des foules»,
1895) sobre a «Psicologia das Massas». A moderna e tão ramificada Psicologia
Social e Antropologia Cultural é essencialmente uma criação americana. Teve em
grande parte a sua origem nos problemas tão actuais de coexistência racial,
existentes nos Estados Unidos. Foi iniciada com as investigações de Charles M.
Cooley, William McDougall, W. 1. Thomas, George H. Mead e
Franz Boas; hoje em dia, tendo em vista a sua extensão e a abundância da matéria
sobre a qual faz incidir os seus trabalhos, dificilmente se poderá abranger na
sua totalidade.
Em ambas estas formas de investigação modernas se retomam em parte antigos
problemas, formulandoos agora de modo diverso e utilizando métodos novos. Peter
Robert Hofstãtter frisa assim, por exemplo, a ressonância que as ideias dos
sociólogos Emile Durkheim, Ferdinand Tõnnies, Max Weber e Georg Simmel voltam a
ter nos novos trabalhos. Contudo, uma vez que
a nova Psicologia Social se baseia, em larga escala, na experiência e em outras
investigações empíricas, podemos dar, hoje em dia, mais relevância aos
resultados concretos do que os primeiros investigadores, forçados a contentarse
predominantemente com especulações.
Como já dissemos, quase não se podem abranger os resultados entretanto
adquiridos. Como é evidente, no âmbito do presente trabalho, constituído apenas
como pequeno resumo, não é possível aspirar a uma representação completa do
assunto. Mas mesmo ao proceder à escolha da matéria geral a apresentar,
deparámos com o problema da delimitação da nossa fronteira. A que critério se
deveria subordinar a nossa selecção?
Para responder a esta pergunta teremos que encarar mais
uma vez o objectivo que nos propomos: importanos apresentar o papel da
Psicologia no nosso tempo. Vemos esse papel no grande significado que a
Psicologia adquiriu para a nossa conformação de vida. Ela permitenos tomar
consciência de coisas que anteriormente nos passavam despercebidas e auxilianos
no importante exame de nós próprios, da nossa situação e da nossa missão na
vida.
Assim, ao ocuparmonos agora da Psicologia da sociedade e cultura humanas,
faremos, por isso, incidir a nossa atenção primordialmente sobre aqueles factos
que nos podem auxiliar a adquirir um conhecimento da nossa própria situação
humana, na medida em que ela depende da vida em conjunto com outros. Mas mesmo
com um objectivo assim reduzido teremos de nos limitar a um esboço e será
inevitável que a escolha dos factos se torne por vezes arbitrária.
Quem neste passo das nossas reflexões quiser já tomar conhecimento dos temas por
nós escolhidos para adquirir, por um lado, uma visão geral da matéria e, por
outro, se enriquecer com os resultados que nós, pessoalmente, achámos
interessantes, poderá estudar os títulos dos capítulos seguintes.
2. O CONDICIONALISMO SOCIAL E AS NECESSIDADES SOCIAIS DO INDIVÍDUO
Nenhum ser vive isolado; pelo contrário, todos os seres humanos vivem em
sociedade com outros. A sociedade humana é um produto tão complexo quanto
complicado, espalhado por toda a terra e dividido em vários subagrupamentos. A
partir do seu nascimento, a criança é membro de uma dessas sociedades.
Normalmente nasce incluída numa família. É este o caso em todas as raças e povos
da terra. Tal facto significa que a exis
186 Em parte alguma a criança encontra tanto amor e cuidados como na família
saudável
tência do indivíduo é condicionada socialmente des em,~ de o começo da sua
vida, que muitas necessidades do indivíduo apenas podem ser satisfeitas pelo
grupo e que, desde o início, o indivíduo tem pertença no grupo.
É evidente que o indivíduo não pode escolher o
lugar hierárquico que por nascimento lhe compete dentro de um grupo. Como os
Psicólogos Sociais hoje constantemente acentuam, o destino de cada qual é já
fortemente condicionado pelo acaso da sua pertença a um grupo, ainda antes de
ter oportunidade de tomar uma posição autónoma em face dele ou de exprimir sem
peias a sua peculiaridade.
É um facto real que normalmente a criança reage com simpatia a um ambiente
humano que a rodeia e lhe presta assistência. Nesse caso são tomados em
consideração os mesmos motivos que se supõe terem fundamentado originariamente a
sociedade humana.
Desde a antiguidade que o problema de saber como a sociedade humana se
constituiu nos primórdios da civilização tem ocupado constantemente os
pensadores. Atribuíramse as causas de tal constituição em primeiro lugar às
necessidades de ordem geral. Como sobretudo McDougall acentuou, estas foram
primeiro compreendidas como instintos. Hoje em dia lidase mais cautelosamente
com a palavra «instinto» e falase por isso não tão especificamente de um
«componente de impulsos no comportamento social» ou de um «contacto primário com
os outros seres humanos», o qual Gardner Murphy designa como «matéria bruta» da
reacção e acção sociais. A partir daí constroemse então as complicadas
necessidades de adequação social e comparticipação cultural, desenvolvidas
através de maturação e de aprendizagem.
Nas nossas considerações acerca do desenvolvimento e motivação infantis, vimos
nitidamente quanto o bebé necessita de amor, cuidados e atenção por parte do
ambiente que o rodeia,
187 Mãe e filho numa viva manifestação recíproca de felicidade
ainda que essa necessidade seja nele inconsciente. Os testes que Spitz e já
antes dele Hildegard Durfee aplicaram a bebés abandonados pela sociedade e
criados em instituições, acusaram neles não só efeitos negativos de ordem
emocional como um atraso geral no desenvolvimento, embora fisicamente se
encontrassem extraordinariamente bem cuidados.
Particularmente impressionantes foram as observações que Anne Freud e Dorothy
Burlingham realizaram em lares fundados em tempo de guerra para crianças cujos
pais se tinham alistado e cujas mães estavam ocupadas pelo exercício de uma
profissão. Quase todas essas crianças apresentavam dificuldades emotivas e
manifestações de atraso psíquico.
Neste primeiro estádio, a mãe, ou a pessoa que a substitua junto da criança e
dela cuide, representa um papel exclusivo que será mais tarde ainda durante
muito tempo o mais importante.
, De acordo com as necessidades sociais, diversas segundo os indivíduos, em
breve surgem outras pessoas importantes para a criança: o pai e os irmãos, as
outras pessoas que vivem em casa
* os companheiros de brinquedos, à medida que vão aparecendo
* se vão encontrando à sua disposição, passam a pertencer ao círculo de vida da
criança em idade préescolar.
Descrevemos pormenorizadamente, no capítulo sobre o desenvolvimento, os esforços
já realizados pelo bebé de um ou
dois meses para entrar em comunicação com o meio ambiente.
O contacto pelo sorriso, a imitação de sons e a reprodução da mímica tudo isso
constitui, já nos últimos meses do primeiro ano de vida, uma permuta de
expressão e apelo recíprocos, segundo a denominação de Karl Bühler. Nestas
comunicações linguisticamente imperfeitas, encontrase muitas vezes uma
«conversação por gestos». G. H. Mead, a quem se deve esta expressão, frisou que
os gestos representam em todos os tempos um papel
1 importante nas formas de contacto, como complemento do diálogo. Na medida em
que a criança adquire o domínio da linguagem, desenvolve, em circunstâncias
adequadas, uma necessidade francamente espantosa de comunicação.
Assim, observase muito frequentemente que as crianças crescidas num meio que
lhes inspire confiança, se dirigem a quaisquer desconhecidos que encontrem.
Duas histórias verdadeiras acerca de crianças invulgarmente sociáveis poderão
comprovar a minha afirmação:
«0 meu Tonimie» conta certa mãe à vizinha depois de um passeio de automóvel à
cidade «está constantemente a
chamar as pessoas pela janela do carro. Hoje disselhe: «Tommie, porque é que
falas com todas essas pessoas que não conheces?» E que pensa que o miúdo de
três anos me respondeu? «Ora, mamã, eu gosto das pessoas.» Oxalá isto continue
sempre assim».
Outra criança, esta de quatro anos, chamada Hansel, é para toda a família uma
espécie de «jornal vivo». O seu maior divertimento é andar a passear durante
horas em frente do portão de entrada, para cima e para baixo, e conversar com
todas as pessoas que passam. Apanha todos os vizinhos que regressam a
casa do trabalho, que saem a compras ou a fazer uma visita e fazlhes uma série
de perguntas: o que está dentro do embrulho, onde vão, etc. Como todos os
vizinhos o conhecem e gostam desse loirinho engraçado, ficam a maior parte das
vezes a conversar um bocado com ele. Mais tarde Hansel vai a correr para
casa e reproduz todas as novidades ao jantar.
Para uma criança deste tipo não só o seu mundo social é muito grande já em tenra
idade como a sua capacidade de comunicação se encontra excepcionalmente
desenvolvida. É interessante notar que mais tarde Tominie se tornou chefe de
turma no liceu (lugar que nos liceus americanos é obtido por eleição dos
alunos) e Hansel veio a ser um comerciante com grande êxito nos negócios. Outras
crianças, pelo contrário, revelamse tímidas perante os desconhecidos a partir
dos oito ou dez meses e, em determinadas circunstâncias, desenvolvem verdadeiras
reacções de medo quando esses desconhecidos se lhes dirigem. Pressupõese que
para essa falta de confiança contribuem tanto motivos de ordem interna como
externa.
Jean Piaget, cujas extensas investigações realizadas junto de crianças já por
repetidas vezes citámos, é de opinião que as
crianças antes do sétimo ou oitavo ano de vida falam de modo egocêntrico, ou
seja, ouvemse mais a si próprias do que aos
outros e pretendem que se lhes preste mais atenção. Segundo
Piaget, apenas em idade escolar a criança desenvolve um falar socializado, ou
seja, um falar que sirva verdadeiramente à permuta recíproca.
Não devemos por nenhuma forma menosprezar a necessidade que a criança pequena
tem de que se lhe preste atenção. Contudo, tanto eu como Dorothea McCarthy,
especialista no
domínio da linguagem infantil, somos de opinião que o facto de a criança revelar
uma atitude egocêntrica ou social na conversação depende da situação criada e
que, em determinadas circunstâncias, as crianças de quatro a cinco anos se
encontram absolutamente aptas a manter uma autêntica conversação.
São também capazes de comparticipar dos sofrimentos e
alegrias dos outros. Esta capacidade de empatia, que consiste em identificarse
com as vivências de um outro, revelase já frequentemente em crianças muito
pequenas. Lembremonos apenas do efeito «contagioso» da expressão de sentimentos
que se revela já nos gritos que os bebés soltam quando outros bebés gritam
também. E nos estudos sociais já citados que empreendemos com
bebés que brincavam, observámos uma actividade de «consolação» em três crianças
diferentes entre os 8 e os 12 meses.
Esta identificação na comparticipação dos sentimentos de outro é compreendida
por mim e por S. Escalona, nas suas primeiras manifestações, como uma
experiência de ressonância imediata.
A formação da capacidade de se pôr no lugar de outro alguns investigadores vêem
nela o fundamento da empatia não se manifesta contudo antes do terceiro ano de
vida, visto antes disso o eu e o tu não estarem ainda nitidamente separados na
consciência da criança.
O mundo social em que a criança cresce encontrase primeiramente limitado, de
modo geral, à família e ao grupo com que brinca. Na realidade, C. H. Cooley
considera estes grupos como
os dois «grupos primários» mais importantes. Vê nestes grupos, que actuam
através dum conhecimento pessoal, as forças fundamentais da socialização.
3. A SOCIALIZAÇÃO
Por socialização designase hoje em dia a totalidade do processo de integração
do indivíduo na vida de grupo, desenvolvido ao longo dos anos. A esse fenómeno
da socialização dedicam os Psicólogos Sociais excepcional importância, visto
tornarse cada vez mais patente que os destinos do indivíduo bem como da
sociedade são determinados de forma decisiva pelo decurso
favorável ou desfavorável deste processo. A título de esclarecimento digamos que
alguns autores não empregam o termo «Sozialisation» mas sim «Sozialisierung».
Nós, porém, decidimonos pelo primeiro conceito para evitar qualquer possível
equívoco com o termo políticoeconómico «Sozialisierung», no sentido de uma
transformação da propriedade privada em pertença comum.
Ao referirmonos a um decurso favorável ou desfavorável, temos em vista uma
conformação da integração social do indivíduo no grupo, realizada de tal modo
que seja frutífera e construtiva para ambas as partes. Para o indivíduo isto
significaria poder exprimir em relativa liberdade a sua peculiaridade
característica e poderse realizar segundo as suas possibilidades, em vez de se
ver obrigado a sujeitarse cegamente à autoridade e a reprimir o seu próprio Eu
(Selbst). Para o grupo isso significa poder dispor de membros que se encontrem
voluntariamente nele integrados e que, possuídos de entusiasmo, actuem
conjuntamente na realização e amplificação dos objectivos que o grupo se propõe.
Pela própria natureza do fenómeno, este processo não pode decorrer inteiramente
sem atrito. ]É verdade que a criança se encontra normalmente disposta a deixar
se dirigir e a aprender e atribui valor ao facto de pertencer ao grupo; no
entanto, tem, por outro lado, necessidades e características próprias que surgem
em oposição aos objectivos que o grupo se propõe. A questão de saber como
solucionar esses conflitos que surgem entre o indivíduo e o grupo é um dos
problemas fundamentais para todos
os que se empenham num processo cuidadoso de socialização. De acordo com isso,
condenam tanto um comportamento autoritário e desprovido de compreensão por
parte dos adultos e superiores como a impulsividade não controlada por parte do
indivíduo; é no meio termo entre estes dois extremos que vêem a possibilidade de
uma chefia e de um desenvolvimento psicologicamente adequados. A socialização é
então compreendida como um processo no decurso do qual o indivíduo isolado
aprende o modo de vida ou de pensamento da sociedade ou do grupo a
que pertence, de forma a poder exercer funções no interior deles. Assim define
Frederick Elkin o processo de socialização no seu pequeno livro «A Criança e a
Sociedade», cuja leitura recomendamos. O que se entende aqui por «modo de vida
e de pensamento», é normalmente designado hoje em dia,,na literatura americana
por ways«caminhos». «Ways of Mankind»: «Caminhos da Humanidade» é uma expressão
frequentemente usada que utilizaremos também no mesmo sentido.
23
d Os meios de socialização são relações sociais: a interacção entre os seres
humanos. O ser humano em desenvolvimento inserese na interacção por um sistema
de comportamento baseado
nas suas disposições inatas e modificado pela sua experiência, no interior do
qual se desenvolvem sucessivamente atitudes mais ou menos determinadas.
As experiências que o recémnascido realiza no «clima afectivo» do seu lar e
nas primeiras interacções, e que tratámos no nosso capítulo «o desenvolvimento»,
constituem os primeiros fundamentos.
O desenvolvimento da agressão e da dependência, duas das variáveis mais
importantes no
processo de socialização, deveria depender consideravelmente destas primeiras
experiências. A variável realização desenvolverseia, em determinadas
circunstâncias, em menor dependência das experiências emocionais e sociais.
Ao referirmonos à agressividade, afloramos um dos temas W,
mais difíceis e mais obscuros da Psicologia. O motivo dessa com188 A criança
agressiva. As cau plexidade reside nas múltiplas sas primitivas de tal
agressivi acepções em que a palavra é utidade remontam sobretudo a
frustrações lizada e na falta de clareza quanto à origem do
fenómeno.
Ocupemonos primeiramente da agressividade apenas no sentido de uma hostilidade
empenhada em destruição. Se deixarmos em suspenso a discutida teoria freudiana
do impulso da destruição e da morte, uma vez que ainda não se pronunciou sobre
ela a última palavra, vemos
que é comum aceitarse, hoje em dia, que tal agressividade tem
as suas primeiras origens sobretudo em frustrações; falase por isso de uma
agressividade de frustração.
Mas como desde o início da vida se verificam frustrações, existem, por
conseguinte, também desde o início, causas e motivos para a hostilidade. Por que
razão e em que circunstâncias essa animosidade se desenvolve em grau diferente
até se tornar ocasionalmente um perigo para os outros ou para o próprio
indivíduo, é problema que ainda se encontra longe de estar esclarecido.
Robert Sears, que investigou pormenorizadamente este assunto, conclui que, no
que diz respeito às circunstâncias responsáveis pelo desenvolvimento da
agressividade, não existe uma resposta simples e que seja váli da para todos os
casos.
A não aceitação da criança por parte dos pais e a
desarmonia entre os pais, mas também o excesso de cuidados e o mimo são
considerados por muitos
como causas preponderantes. Outros, pelo contrário, 189 A criança
castigada. É tarefa primorrefutam tais afirmações. dial de toda a
educação encontrar a justa Sears pensa que a reacção medida entre a
severidade e a indulgência
dos pais em face das primeiras agressões da criança irá influenciar de forma
decisiva o seu desenvolvimento futuro, enquanto Dollard e Miller são de opinião
que na socialização da criança agressiva a espécie de castigo desempenha um
papel decisivo: o medo perante certos castigos impede, em geral, novas irrupções
de agressividade e
contribui assim para a socialização da criança; no entanto, os castigos não
impedem uma hostilidade crescente.
A questão de saber como dar à criança a oportunidade de exteriorizar as suas
frustrações e de as transcender, sem, no entanto, desenvolver animosidade, é
problema ainda igualmente por solucionar.
Sabemos a partir da Psicoterapia que indivíduos, que durante anos reprimiram os
seus impulsos de animosidade e deste modo amontoaram um grau de ressentimento
considerável, se podem libertar pouco a pouco do ódio acumulado, caso se lhes dê
a oportunidade de o confessarem e se lhes ofereça simultaneamente certa
compreensão. A partir deste conhecimento tornase muitas vezes necessário
autorizar as crianças a exprimirem a sua ira por meio de um jogo agressivo, no
qual se pode processar a
morte simbólica das pessoas odiadas ou coisa semelhante. Na
sua obra sobre «Crianças que odeiam», Fritz Redl comenta os métodos utilizados
no seu Instituto de Educação, que dão oportunidade a esses jovens, em parte
criminosos e na maior parte desamparados, de desabafarem o seu ódio sem se
tornarem perigosos para os outros ou para si próprios.
Na vida diária familiar é naturalmente muito mais difícil tratar de modo
construtivo essa espécie de problemas, Anne Freud, que dedicou a este assunto
particular atenção, conclui que a criança sujeita a frustrações e a conflitos
tem tendência a apresentar reacções de medo tanto perante pais muito severos
como muito indulgentes, e que a dificuldade principal consiste em encontrar a
medida exacta entre severidade e indulgência.
Muitas mães modernas leram ou ouviram dizer que ajudamos as crianças a vencer os
seus sentimentos negativos quando as autorizamos a dar por vezes livre expressão
a esses sentimentos. Por isso, essas mães encorajam de vez em quando os filhos a
«abrir o seu coração». Assim a mãe de Evchen conta à sua amiga Frieda:
«Quando Evchen diz: «Mamã, eu odeiote», eu digolhe: «Não faz mal, todos nós
temos por vezes sentimentos desse tipo.»
A amiga fica horrorizada, não consegue compreender tal atitude:
«Acho que te ocupas demasiado com essas coisas modernas. Ainda tolero um bocado
de Psicologia, mas isso é demais.»
«Cara Frieda», diz a mãe de Evchen, «diz lá sinceramente: Qual de nós duas tem
uma filha mais difícil?»
«Mas isso não tem nada que ver com o assunto», diz Frieda indignada.
No entanto tem muito que ver com o assunto qual a possibilidade de expressão que
se oferece à criança. A. L. Baldwin investigou o comportamento infantil em
relação com a espécie de «contrôle» «autoritário» ou «democrático», segundo o
qual os pais lidam com os filhos. «Contrôle» é, em Psicologia, o termo técnico
para a chefia limitativa de que aqui se trata.
Descobriu, assim, que a disciplina rígida, aplicada por pais autoritários que
não suportam qualquer espécie de contradição e insistem no cumprimento estrito
das suas ordens, tem na veidade como consequência que os filhos são mais
obedientes, mas que uma tal educação reprime simultaneamente importantes
qualidades positivas como sejam a iniciativa, a intrepidez e a capacidade de
fazer planos por si só.
Por outro lado, as crianças cujos pais são de um modo geral tolerantes, que
explicam aos filhos a razão das medidas que tomam e lhes dão ocasião de fazer
objecções, revelam consideravelmente maior iniciativa, independência, intrepidez
e possibilidades de planeamento. Essas crianças desenvolveram uma maior
capacidade de ser «agressivas» em sentido «positivo», ou
seja, de enfrentar o mundo possuídas de espírito de iniciativa e de se ocupar de
problemas de forma independente e sem animosidade.
Baldwin emprega aqui a palavra «agressivo» no sentido da capacidade de
empreendimento activo, ou seja, numa acepção que se deve distinguir da
agressividade no sentido de hostilidade.
Pelo contrário, Kurt Lewin e os seus colaboradores, sobretudo Ronald Lippitt,
observaram a agressividade no sentido de uma hostilidade tendente à destruição
como consequência uma chefia autoritária.
Antecipamos um dos relatos sobre as investigações de grupo a que se fará
referência no capítulo seguinte, visto este trabalho de Lewin e Lippit se
inserir de modo particularmente adequado no contexto do que aqui tratamos.
Kurt Lewin, devido à teoria de que parte e que já tratámos na primeira parte
deste livro, encontrase particularmente interessado nas estruturas de grupo. No
decorrer desses trabalhos, tanto ele como Lippit realizaram experiências com
grupos de rapazes, que submeteram por um lado a um tipo de chefia autoritária, e
por outro a um tipo de chefia democrática. Como resultado verificouse que a
chefia autoritária permitia obter realizações mais rápidas e que os rapazes
assim dirigidos se sentiam mais seguros, mas que se desencadeava também neles um
grau elevado de agressão. A chefia democrática, que apelava para a independência
dos rapazes, causava a princípio insegurança e
confusão no grupo, mas provocava, pouco a pouco, iniciativa, independência e uma
cooperação baseada no sentido da liberdade.
Em breve nos ocuparemos com o problema da autoridade num outro contexto (vide
págs. 368 e seg.).
No que diz respeito à agressividade, o problema parece processarse segundo a
exposição de Erikson: as frustrações que têm um sentido ou que adquirem sentido
por meio de uma
explicação podem, em geral, ser suportadas, se não excederem o âmbito daquilo
que o indivíduo pode aguentar. Os pais que tornam possível aos filhos
identificaremse com eles sob a forma de bom entendimento, oferecemlhes o
melhor apoio para suportar perdas e frustrações. Pelo contrário, se um filho
quer saber o motivo de uma ordem paterna e o pai lhe responde «fazes isso porque
eu mando», esse pai inflige à criança uma dupla carga não só ela tem que
suportar uma desilusão ou um desgosto, como é simultaneamente humilhada e
repreendida.
A dependência, que é para a criança pequena uma necessidade, pode igualmente, no
caso de actuações desfavoráveis, evolucionar para uma forma de comportamento
prejudicial à socialização. As circunstâncias por isso responsáveis estão de
início geralmente ligadas à situação em que decorre a alimentação: os bebés
que durante a aleitação são tratados com rigidez e severidade, que são
desmamados sem se atender às suas necessidades individuais, desenvolvem
sentimentos de insegurança e, juntamente com ela, de dependência. A falta de
amor e a falta de interesse pela criança pequena fazem igualmente aumentar a
insegurança e a dependência. Mais tarde juntamselhes outras causas, como sejam
os castigos e as frustrações. Segundo demonstraram Sears, Whiting e outros, para
a formação de uma excessiva dependência contribuem em parte as mesmas causas que
produzem a agressividade. Ambas se observam muitas vezes simultaneamente.
Talvez o factor mais importante na socialização do indivíduo seja a sua
disponibilidade para a realização e para o trabalho. Enquanto a sociedade se
pode conformar com todos os possíveis problemas da personalidade, não consegue,
no entanto, subsistir sem o contributo do trabalho do indivíduo. ,
As origens do trabalho e da realização já nos ocuparam no capítulo sobre o
desenvolvimento, em que tratámos o início da realização comparandoo com o
início da criação e verificámos que o trabalho e a realização ao contrário da
criação só são compreensíveis na relação do indivíduo com a sociedade.
Discutimos os motivos do trabalho e chamámos a atenção para os resultados
obtidos por McClelland, segundo os quais uma alta exigência e uma severidade que
não seja, no entanto, autoritária, constituem o melhor pressuposto para uma
realização elevada. Referimonos neste contexto (bem como no capítulo sobre o
decurso da vida) às investigações de Herzberg, Mausner e Snyderman, levadas a
efeito em fábricas, e em que se comparavam os motivos que actuavam no trabalho a
partir do interior ou do exterior. No próximo capítulo voltaremos a referirnos
aos problemas da realização.
Condição prévia para a socialização é naturalmente em primeiro lugar a
existência de uma sociedade organizada, a qual apresenta uma constituição
diferente segundo as diversas culturas.@A sociedade da nossa cultura ocidental,
a que por enquanto nos limitamos, compõese de diferentes grupos étnicos que
cada vez apresentam maior fusão. Encontrase mais ou menos nitidamente agrupada
em classes e dispõe de diversas instituições como
sejam a família, a escola, a igreja, as autoridades, a justiça, a freguesia, o
estado, etc. Concede aos seus componentes um determinado status, o seu «estado»,
e atribuilhes papéis que eles devem representar. Estabelece valores e normas
segundo os quais cada um tem de se orientar. Em muitos destes interesses é
rígida e tradicionalista, em outros é flexível e mutável. Cada qual tem de se
conformar tanto com a rigidez como com a mutação das instituições sociais.
4. O CONCEITO DO PAPEL
O conceito de papel social é considerado por muitos peritos como um dos mais
importantes conceitos fundamentais existentes no campo da Psicologia Social.
Introduzido primeiramente na Ciência por G. H. Mead, foi entretanto aplicado em
muitas direcções: hoje em dia é sobretudo utilizado por Talcott Parsons, que
sistematicamente o toma por base na investigação da acção social e da
estruturação de grupos. Em que consiste, porém, esse
papel? Os muitos Sociólogos e Psicólogos Sociais que empregam o conceito
definemno de modo algo diverso.
Sargent e Williamson apresentaram na sua Psicologia Social uma boa visão geral
dos múltiplos aspectos que este importante conceito pode revestir. Provém, como
é evidente, do Teatro.
O actor representa um papel. Por um lado élhe atribuída determinada tarefa
ele tem de representar algo por outro, ele toma incumbência desse papel
provido de uma determinada aptidão.
Alguns sociólogos, como Parsons e outros, definem primeiramente o papel
social do indivíduo a partir do grupo. No concurso social cabe a cada
indivíduo um papel um sector de comportamento organizado dentro do fenómeno
social. A partir da sociedade este sector encontrase mais ou menos fixo na
direcção de determinados deveres bem como de determinados direitos. Por
outras palavras: para os papéis de filho, de pais, de marido, de mulher,
existem, por exemplo, dentro das famílias, determinadas regras que na verdade
variam nas diferentes culturas e nos diversos grupos sociais mas que,
normalmente, são conhecidas dos participantes ou lhes são dadas a conhecer.
Ao contrário dos Sociólogos, os Psicólogos Sociais afirmam que o papel tem
também de ser considerado a partir do indivíduo.
O indivíduo vai mais ou menos ao encontro do seu papel social imbuído de
determinadas qualidades pessoais. O papel de filho obediente pode convir mais a
um e menos a outro. Pode haver
alguém nascido para o papel de chefe dentro de um círculo de amigos antes de ter
sido nomeado como tal.
Tomemos como exemplo o caso de Alfred, a quem já por diversas vezes nos
referimos (vide págs. 138, 147, 153, 167 e seg.). Alfred tinha uma mãe severa que
atribuía grande valor à obediência e ao bom comportamento. Alfred, que já aos 4
anos de idade não gostava de dar satisfações, representava em casa o
papel de menino modelo. Esforçavase por ser perfeito no seu
comportamento e era extremamente dócil.
Sociologicamente falando, Alfred representava perante a mãe o papel de filho.
Representavao, para usarmos a expressão de Goffman, no @<estilo» de um menino
modelo. Em relação aos
seus amigos, o papel sociológico de Alfred era o de camarada de jogos.
Representavao nesses primeiros tempos de infância no
«estilo» de chefe. Encontravase apto a assumir esse papel declarado de chefe
visto lhe ocorrerem muito boas ideias e as outras crianças gostarem que ele lhes
fizesse sugestões de jogos. Tanto bastou para que assumisse o papel de chefe, de
espécie ainda não formal, como é característica do grupo nessa idade. Se os seus
atributos continuarão a afirmarse do mesmo modo numa idade mais tardia quando
os chefes passam a ser escolhidos pelos grupos, é problema que pertence ao
futuro.
De certo modo, os dois papéis representados por Alfred opõemse, visto ele ser
submisso nas suas relações com a mãe e superior nas relações com os amigos (mais
precisamente: foio pelo menos em certo aspecto e em determinado período do seu
desenvolvimento). É digno de nota como já uma criança de 4 anos
consegue representar deste modo dois papéis e distinguilos um
do outro.
Em cada um destes papéis a criança é, por assim dizer, uma pessoa diferente. Ela
realiza uma escolha entre os modos de comportamento que se encontram à sua
disposição e organizaos com vista a determinados objectivos que procura
alcançar nas
diversas relações sociais. Num caso, tendo em vista o elogio da mãe, no outro, o
reconhecimento por parte dos amigos. Em cada um destes papéis a criança opera já
num sistema de referência diferente. Os dois papéis não se encontram em
conflito, como à primeira vista poderia parecer. Porque, de facto, encontramse
ambos estabelecidos de modo a ser possível alcançar uma distinção social ou um
estatuto elevado.
Noutros casos, porém, dáse um desequilíbrio interior, a
saber, quando os papéis que o indivíduo representa o colocam em conflito consigo
próprio.
Stephan é um rapaz de 16 anos que nas suas relações com
a mãe pretende que ela o amime e lhe tire muitas das sobrecargas que a vida
comporta.
Fora de casa, porém, Stephan leva uma vida de grande independência; com efeito,
tão dotado de jeito para os negócios como para a vida, ele tem uma ocupação de
«empresário»: tem à sua responsabilidade a venda de algumas revistas por conta
de uma firma que lhe permitiu trabalhar secundado por uma série de rapazes mais
novos, que ele próprio contratou e mantém sob
a sua chefia. Assim, ele representa, por um lado, o papel de bebé, por outro, o
de patrão, e essa situação provocalhe um
grande conflito interior.
Esse conflito é em parte consequência de um facto existente na nossa cultura e
que Ruth Benedict, num artigo muitas vezes citado, denominou descontinuidade.
Quer ela dizer que habituamos frequentes vezes os nossos filhos a papéis que
eles mais tarde terão de remodelar na totalidade.
Assim, tratamolos durante anos como demasiado novos, demasiado inexperientes,
como incapazes de proceder de modo independente em determinada situação; e
depois, esperamos um
dia, de repente, que o adulto assuma grandes responsabilidades. Ruth Benedict
mostrou como, ao contrário das relações existentes entre nós, se verifica uma
continuidade noutras culturas, por exemplo, entre os índios da América do Norte:
a partir de muito cedo as crianças são acostumadas a assumir responsabilidades
crescentes.
No caso de Willi a descontinuidade é ainda aumentada pelo facto de a mãe que se
sente orgulhosa por o seu filho fazer de adulto e manifestar uma habilidade
precoce para os negócios admitir que ele em casa represente o papel de bebé
amimado, desprovido de qualquer responsabilidade.
Como acentua Irwin Child, não nos encontramos ainda na posse de um padrão,
aferido cientificamente, que permita saber o que se deve esperar normalmente de
um indivíduo nas diferentes idades e nas diversas situações.
Mas, segundo parece, uma criança em crescimento dentro da sociedade deve
aprender duas tarefas’ sociais: primeiro, que na vida social existem diferentes
papéis que em parte se podem escolher mas em parte são atribuídos a cada qual;
e segundo, que, nos diversos grupos, existem muitas vezes exigências
completamente diferentes no que respeita ao papel a escolher ou a desempenhar.
Com isto passamos a referirnos ao significado fundamental dos valores sociais.
5. PAPÉIS E VALORES
Existem vários grupos empenhados na socialização do adolescente. Os mais
importantes são, sem dúvida, a família, a escola
e os companheiros da mesma idade. A estes há a acrescentar a vizinhança e o
círculo de amigos dos pais, bem como a totalidade do grupo cultural em que um
jovem cresce e que actua sobre ele principalmente através dos meios de
divulgação como a rádio e a televisão. Mais tarde vêmselhes juntar os grupos
constituídos pelo exercício da profissão ou em função de outras actividades e
interesses.
Esses grupos podem revestir um duplo significado para o
indivíduo: ele pode pertencerlhes como membro, ou pode ‘ utilizar o grupo
como grupo de referência. Este importante conceito de grupo de referência foi
introduzido e investigado principalmente por Hyrnan, Newcomb, Sherif e Merton.
Aplicase a um grupo que fornece certos critérios de valores ao indivíduo que
pretende ser aceite, reconhecido por esse grupo.
Os grupos de membros e os grupos de referência podem, como é natural, coincidir.
Assim, por exemplo, quando uma
criança ou adolescente crê na sua família, adopta como critério os valores e
normas dos seus familiares.
No entanto, é frequente os grupos de membros e os grupos de referência surgirem
ao indivíduo em situação de conflito. Otto Klineberg frisa como as crianças e
sobretudo os adolescentes entram muitas vezes em conflito por os valores dos
companheiros da sua idade diferirem em absoluto dos valores aceites por seus
pais. Pode mesmo ser mais importante para uma criança ou para um jovem ser
reconhecido pelos seus companheiros de escola ou pelos seus amigos do que
orientarse segundo os valores dos pais. Não raro ouvimos histórias como a
seguinte:
Klaus tem cinco anos e frequenta o jardim infantil. Um dia Otto, que gosta de
atacar, começa a baterlhe. Klaus fica desconcertado e afastase a correr.
Várias crianças correm atrás dele a rir e a fazer troça. Klaus fica desesperado.
Não é cobarde, mas a mãe proibiulhe terminantemente que se metesse em brigas,
por estar convencida de que a paz poderia ser assegurada no mundo se as crianças
deixassem de se guerrear.
Até então Klaus jamais contrariara a mãe. Nesse momento, porém, perde a crença
nos seus princípios, pelo menos no que se refere à autodefesa. De repente dá
meia volta e precipitase de punhos cerrados para Otto, ainda há pouco
triunfante mas agora perplexo, e sovao sob os aplausos gerais de todo o jardim
infantil.
Todos presenciaram já casos desta natureza ou de natureza semelhante, nos quais
a confiança que a criança deposita nos
pais é posta à prova, porque os valores de outros lhe surgem como mais
essenciais. Esses «outros» podem ser constituídos por um grupo de referência,
como é muitas vezes o caso de uma turma escolar, ou podem ser indivíduos
isolados. Esses, os «importantes outros», podem ser determinantes para a auto
avaliação e avaliação dos outros, podendo mesmo transformarse em modelo. Já
vimos, em passos anteriores, qual o importante papel representado por esses
modelos na autoconformação.
Como acentua David Riesman, e Helmut Schelsky comprova, os jovens tendem, hoje
em dia, a procurar antes a sua orientação de valores e os seus modelos entre os
da sua idade do que entre os da geração mais velha.
Os valores de grupos de referência revestemse de grande significado para as
pessoas que anseiam adaptarse a um novo mundo ambiente social ou cultural
muitas vezes mesmo a novas relações sociais e culturais. Este processo, que
Park e
Burgess denominaram assimilação, tornase, por exemplo, um
problema especial no caso de emigrantes ou de indivíduos expulsos da sua pátria.
Esses indivíduos experimentam muitas vezes sentimentos ambivalentes
simultaneamente positivos e negativos em face dos costumes e valores vigentes
no novo mundo ambiente para onde se viram transferidos. Os seus filhos, pelo
contrário, são em geral fanáticos no processo de assimilação; ocasionalmente
surgem assim conflitos internos e externos.
Ernest Burgess relata um exemplo divertido de uma assimilação realizada sem
atrito. Por ocasião d@_ uma sua visita a uma comunidade de emigrantes russos,
fixada em Los Angeles e pertencente à seita dos Malakuneno, observou que as
mulheres da geração mais velha, consideradas bonitas, tinham aspecto corpulento
e robusto. Muito diferente, pelo contrário, era o grupo constituído pelas filhas
já nascidas na América: eram esbeltas, usavam penteados à moda e «makeup»
procuravam os seus
modelos entre as «estrelas» e «starlets» de Hollywood.
Por outro lado, Pauline V. Young, que publicara em 1932 uni estudo sociológico
sobre esta seita, referiume que, por ocasião de uma breve visita feita a um dos
casais jovens, pôde observar precisamente os mesmos costumes na maneira de
comer, de servir à mesa, de abençoar as refeições, a mesma ideologia religiosa e
as mesmas concepções de vida que anteriormente. Os novos grupos de referência
foram, portanto, aqui, aceites em
parte mas não sem excepção.
O problema da pertença a grupos de membros e de referência tornase
particularmente complexo quando se trata da discussão dos papéis representados
por ambos os sexos, visto surgirem em primeiro plano, nessa discussão, aspectos
e valores que não interessam directamente ao assunto.
Evitámos até agora cuidadosamente o tema masculinidade e feminilidade visto ser
este um dos campos mais discutidos da Psicologia. Qual a influência que as
diferenças de sexo, realmente existentes porque biologicamente condicionadas,
exercem, de facto, no desenvolvimento e na personalidade, é problema para cuja
resolução se exteriorizaram muitas opiniões mas para o qual até ao momento
presente contribuíram muito poucos factos que se possam considerar irrefutáveis.
Terman e Miles, cuja obra «Sexo e Personalidade» é um dos trabalhos de
investigação mais cuidadosos e ainda não propriamente ultrapassados, comprovam
no essencial, com as suas observações, factos que se podem considerar do domínio
comum.
Os homens são mais agressivos, mais conscientes de si, mais duros, mais
destemidos, também algo mais rudes no comportamento, na linguagem e na vida
afectiva. As mulheres são mais compassivas, mais reservadas, mais sensíveis,
mais moralizadoras, mais emotivas e têm também mais tendência para confessar
essa
emotividade. Os interesses dos homens orientamse mais no sentido do risco e da
aventura, das actividades físicas empregando o utensílio e a máquina;
interessamse também mais pela ciência e pela técnica, pelo trabalho e pelo
negócio.
As mulheres interessamse em compensação mais pelos assuntos caseiros e pelas
artes. Preferem profissões sedentárias bem como ocupações relacionadas com os
cuidados da assistência, enfermagem, benemerência e fins humanitários.
Estas afirmações coincidem em larga escala com o que se descobriu por intermédio
do teste da preferência de valores de Allport e Vernon, baseado nos seis tipos
de Edward Spranger (vide pág. 127): os homens interessamse mais por valores
teóricos, económicos e políticos; as mulheres por valores estéticos, sociais e
religiosos.
No que respeita à diferença de inteligência aceitavase, de modo geral,
antigamente, que a mulher era intelectualmente inferior ao homem. Após inúmeras
e pormenorizadas investigações, cujos resultados foram compilados por Georgene
Seward, não é possível manter esta afirmação. Aliás revelouse em testes certa
superioridade masculina no manejar da palavra e da linguagem.
Talvez como constantemente se afirma existam mais génios entre os homens;
porém, quantos génios existem na sua
totalidade? Decisivo parece ser o facto de as diferentes culturas, nos diversos
períodos da sua história, terem atribuído a ambos os sexos papéis, determinados
muitas vezes de forma altamente específica, e o modo como o fizeram. A maneira
corno em determinadas épocas foram admitidos ou proibidos certos papéis
transcende em muito o que é exigido pelas disposições naturais e reflecte
concepções de valor. Pensese apenas na não admissão da mulher aos estudos ou às
eleições que somente cessou num passado recente! Por’ um lado, a mulher,
enquanto membro do seu sexo, encontravase impedida de receber a formação
adequada ao exercício de determinadas profissões e, por outro lado, quase não
lhe era possível exercer certas profissões, que teoricamente se
lhe ofereciam, sem provocar escândalo, ou seja, sem infringir as
leis do seu grupo de referência.
Aliás, isto não se deve interpretar como uma recusa da nossa parte de todos os
papéis condicionados naturalmente. Mais significativas do que as disposições
sobre a admissão ou não admissão a actividades culturais e a instituições,
parecemme ser as medidas que têm em conta certas diferenças físicas
fundamentais dos sexos como, por exemplo, a lei soviética de 1943, segundo a
qual o rapaz deve ser preparado para o serviço militar e a
rapariga para a maternidade pressupondo naturalmente que se considere
necessário integrar uma educação tendente ao serviço militar num sistema geral
de educação.
De qualquer modo, no que diz respeito às limitações, os
papéis parecem ser distribuídos mais com base nos valores do que em condições
físicas. Se bem que em diferente grau, parece ser este o caso verificável em
todas as culturas, logo que se
trate de ambos os sexos.
6. O DESENVOLVIMENTO DE PRECONCEITOS E DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO
Os grupos de referência, os «importantes outros» e os modelos determinam, em
escala cada vez maior, a imagem do mundo do indivíduo em crescimento. Em que
medida então os preconceitos adquirem um lugar de primazia em face dos juízos de
valor é problema que depende, a maior parte das vezes, do acaso, de modo que,
infelizmente, é frequente verificarse a afirmação de Gutzkow: «Deveis saber,
porém, que o costume não segue o juízo mas o preconceito».
Modernas investigações experimentais e questionários sobre * forma como surgem
os preconceitos vieram lançar luz sobre * desenvolvimento e a dinâmica destes
fenómenos. Sobretudo na
América realizaramse investigações sobre a origem e a divulgação de
preconceitos perante os grupos raciais e étnicos que aí se encontram em minoria,
como sejam os negros, os japoneses e chineses, os mexicanos e judeus.
Vamos citar alguns exemplos de entre os muitos resultados significativos
existentes, obtidos através das investigações. Por exemplo, as interessantes
investigações realizadas por Horowitz e o casal Hartley sobre a eclosão de
preconceitos contra os negros, que então como agora vigoravam sobre tudo nos
estados do sul da América do Norte.
Horowitz apresentou a crianças noviorquinas fotografias de uma série de outras
crianças de diferentes grupos de raças e de povos, para que elas indicassem
quais as que escolheriam
como seus companheiros de jogos. Nesse teste já crianças de cinco anos
manifestaram o seu preconceito contra os negros.
Os Hartley interrogaram os pais sobre o modo como os filhos teriam adquirido
essas opiniões sobre as outras raças.
O motivo apontado foi «instinto congénito».
Em face disto, Allport e Kramer verificaram com um grupo de estudantes, junto do
qual procederam a investigações, que, em grande percentagem dos interrogados, a
atitude tomada perante as outras raças remontava à influência exercida pelos
pais logo na primeira infância.
Os conhecimentos adquiridos devido a essas investigações e a muitas outras
semelhantes permitem concluir que, a partir de criança, cada indivíduo recolhe
inconscientemente do seu
meio ambiente todas as atitudes e preconceitos perante os diversos factos da
vida que ouve expressos em palavras ou vê revelados por actos. Mesmo em locais
onde não se apresentam sistematicamente ao adolescente atitudes e preconceitos
deste tipo, onde não existe, portanto, uma «endoutrinação», existe o
que, hoje em dia, se denomina inculcação (do inglês inculcate: inocular): uma
gravação inconsciente ou, por assim dizer, uma
transferência de representações que, aos poucos, vai fixando a
imagem do mundo do ser humano em determinadas direcções.
Tal como E. L. e R. E. Hartley apontaram, o processo compõese de três fenómenos
que decorrem sucessivamente segundo uma ordem lógica. Em primeiro lugar é
chamada a atenção, logo muito cedo, para determinadas características marcantes
dos «outros» como, por exemplo, a cor escura da pele e o cabelo preto
encrespado; com isto influenciase a diferenciação. Em seguida frisamse as
particularidades características do próprio grupo, portanto daqueles que, como
nós, nele estão integrados, por exemplo, a cor clara da pele e o cabelo liso ou
encaracolado.
Com esta identificação o eu sofre um fortalecimento, ao ser
incluído num grupo interno, ou seja, ao pertencer a uma comunidade interiormente
ligada em certas direcções e mais ou menos
fechada em face do exterior. E, finalmente, introduzemse juízos de valor no
sentido da comprovação da superioridade do próprio grupo e da inferioridade dos
grupos restantes, como por exemplo: a pele clara e o cabelo liso ou levemente
encaracolado são bonitos.
Como consequência deste processo, as pessoas passam, então, a comportar em si
imagens e ideias estereotipadas sobre determinados grupos, de modo que em face
deles já não se encontram capazes de uma percepção e opinião imparciais e
objectivas. Então apenas conhecem o francês, o italiano, o judeu, o negro.
A primeira investigação revolucionária realizada neste campo, o qual revelou ser
altamente importante tanto para as relações entre os seres humanos isolados como
entre os povos e as raças, foi levada a efeito em 1930 por Katz e Braly, com 100
estudantes da Princeton University. Esta investigação veio demonstrar como os
valores atribuídos por esses jovens a dez nacionalidades diferentes concordavam,
na medida em que eram estereotipados e esquemáticos.
Passados cerca de 20 anos, Gilbert pôde comprovar com o
mesmo grupo que as opiniões estereotipadas se tinham mantido persistentemente e
quase sem sofrerem alteração. A única diferença foi que, em 1950, se verificava
em face das próprias generalizações um maior cepticismo do que vinte anos atrás.
Já se realizara, portanto, um certo abrandamento, relacionado provavelmente com
o facto de, hoje em dia, se verificarem em muitos lugares menos preconceitos
sobre raças e diferenças raciais.
Não deparamos com preconceitos apenas quando se trata de diferenças raciais ou
nacionais, mas também em relação com
muitas outras características de grupo: deparase com preconceitos com especial
frequência no que respeita às diferenças religiosas, culturais, de situação ou
de classe, e mesmo o desportista manifesta, por vezes, os seus preconceitos
perante um
clube «estranho», rival da sua própria associação, como por vezes demonstram as
cenas de fanatismo que ocorrem por ocasião de jogos de campeonato.
Conseguiuse demonstrar em muitas investigações como é extraordinariamente
difícil para o indivíduo não se deixar influenciar pelas ideias de um grupo
interno ou de uma maioria.
Gordon Allport, que se ocupou pormenorizadamente com o
problema do grupo interno, exorta o leitor a perguntar uma vez
a si próprio em que medida as suas diferentes ideias concordam
com as da sua família, da sua classe social, do seu grupo profissional ou da sua
religião. Allport julga que a resposta revelaria um acordo considerável, ainda
que não total. Assim, é também inevitável que, em muitos aspectos, os grupos
exteriores sejam considerados como «inimigos», como já mostrámos com o exemplo
do clube «inimigo».
Mesmo em assuntos relativamente de pouca importância, o
indivíduo isolado deixase influenciar pela maioria. Assim se
demonstrou, além de outras, nas conhecidas experiências de Ash e Sherif, nas
quais se tratava de simples avaliações do comprimento de linhas e da velocidade
de movimentos. Mesmo nestes casos, dos quais de maneira nenhuma fazem parte
preconceitos e valores, os diferentes participantes dos grupos experimentais
deixaramse influenciar em larga escala pelo juízo da maioria.
As pessoas dependentes e inseguras encontramse muito especialmente sob a
influência de chefes deste ou daquele grupo, por um lado, e de autoridades, por
outro. A dependência iniciase nas relações da criança com os pais, sobretudo
com o pai. Erich Fromm frisa que a criança pequena se encontra dependente dos
pais de uma forma natural; mas que, no caso de os pais, mais tarde, no seu papel
de representantes da sociedade, oprimirem a espontaneidade e a independência do
filho, este será cada vez
menos capaz de demonstrar independência.
O efeito nefasto da educação autoritária, que aqui esboçamos, foi investigado
pormenorizadamente no célebre livro de T. W. Adorno, Else FrenkelBrunswik, R.
N. Sanford e D. J. Levinson sobre «A personalidade autoritária». Este trabalho,
concebido em moldes excepcionalmente largos, baseado em entrevistas e testes
projectivos, mostra uma relação entre a educação autoritária, a dependência
interior, o preconceito (estudado aqui sobretudo no caso do antisemitismo) e a
crença nas autoridades. A opressão exterior de ordem social juntamente com a
repressão interior dos impulsos formam o que Horkheimer e Adorno designam por
«síndroma autoritário», ou seja, um complexo de qualidade em que os diversos
elementos se condicionam reciprocamente surgindo sempre em comum.
Numa análise mais completa do síndroma os autores acham que são a falta de
segurança interior e o medo, sobretudo o
medo da incerteza que, sem que o indivíduo tenha consciência disso, o determinam
e o levam a manterse preso às autoridades, verificandose, simultaneamente, em
segundo plano, uma hostilidade contra os possíveis atacantes à própria pessoa e
ao grupo. Todo o síndroma serve assim, em última análise, a autodefesa.
A obra sobre a personalidade autoritária, que citamos, despertou um vivo
interesse visto ser concebida em moldes largos e fazer pela primeira vez a
tentativa de relacionar as posições políticas com as estruturas da
personalidade. Um cuidadoso estudo críticometodológico, realizado sobre este
trabalho (num volume editado por Richard Christie e Marie Jahoda), demonstrou,
no entanto, que as conclusões gerais tiradas pelos autores não são inatacáveis.
Christie, Jalioda e os seus colaboradores provam, nomeadamente, que certos
factos são vistos de modo demasiado unilateral, devido já à forma como se
compilou e aproveitou o material, e chamam a atenção para a existência de
espécies absolutamente diversas de constrangimento autoritário, a qual é visível
mesmo a partir do material apresentado. Acentuam, por isso, que existe um
espírito conservador e, para além dele, uma sujeição à autoridade mesmo sem que
se verifiquem fundamentos neuróticos e que, de modo geral, a relação entre
personalidade e atitude política é mais complexa do que parece revelarse
através do trabalho de Adorno, FrenkelBrunswik, Sanford e Levinson.
Apesar destas objecções mantémse, no entanto, válida a afirmação de que a
pessoa crente na autoridade vive num sistema fechado, não se encontrando, devido
a esse isolamento, em situação de receptividade perante certas possibilidades de
outra espécie. Deste modo não lhe é possível reconhecer o facto de que muitas
questões, para as quais a autoridade que ela considera indiscutível parece ter
resposta definitiva, se encontram, na realidade, ainda em aberto. Paga, assim,
por uma perda considerável de liberdade a sensação de segurança que experimenta
ao agarrarse às suas convicções.
Por outro lado, é evidente que também a pessoa não crente na autoridade pode
ficar amarrada a preconceitos.
7. OS MEIOS DE DIVULGAÇÃO E A SUA INFLUÊNCIA NAS ATITUDES SOCIAIS
Referimonos até agora às atitudes e formações de opinião tal como surgem no
indivíduo sob a influência muitas vezes considerável de determinados grupos.
Considerámos sobretudo as influências provenientes do meio ambiente mais próximo
do indivíduo e que se exercem no decorrer da sua socialização em
grande parte de modo consciente e no sentido de uma conformação educativa.
Vimos, porém, sobretudo no último capítulo, que, neste processo, a par das
influências educativas, se exercem outras
24
190192 Três exemplos de propaganda moderna provenientes de três países
diferentes e utilizados para rês fins diversos: Anúncios para um jornal,
para um automóvel e para um cartaz eleitoral
influências de espécie muito diversa. Tratase de esforços em
parte conscientes em parte inconscientes realizados pelo meio ambiente, tomado
em sentido mais amplo,, com o fim de integrar o indivíduo no círculo de
representações de um grupo. Não só a família e a escola mas também os grupos
sociais e, mais tarde, profissionais, confessionais e políticos pretendem que os
seus membros se declarem partidários da respectiva maioria do grupo, no que
respeita a certas opiniões e modos de ver.
Para além destas influências, manejadas mais ou menos de modo aberto, existem,
no entanto, outras essencialmente menos
claras na sua origem e nos seus efeitos, mas nem por isso menos
eficazes. Referimonos ao poder sugestivo daquilo que se denomina a opinião
pública, bem como aos chamados meios de divulgação, que propagam hoje em dia
esse mesma opinião.
Os meios de divulgação são meios que se dirigem à massa
e não ao indivíduo isolado com o fim de tornar conhecidas as
notícias e as opiniões: são eles a imprensa por meio de jornais e revistas, a
rádio, o cinema e a televisão.
Como estes instrumentos de informação de acontecimentos e de divulgação de
opiniões, planeados com um extremo requinte, produzidos com todos os meios da
mais moderna técnica, «dirigidos até junto de cada qual» com todos os truques
de propaganda, são diversos dos meios antigamente existentes para trans
missão de notícias e de boatos que se dirigiam na maioria das vezes apenas a um
pequeno círculo de interessados!
A diferença é tão flagrante como a existente entre as ideias quase místicas que
Gabriel Tarde e Gustave Le Bon possuíam, há pouco mais de meio século, sobre a
psicologia das multidões e os métodos de precisão estatística com que, hoje em
dia, os investigadores isolados bem como os grandes institutos investigam a
situação e a mutação da opinião pública. O «Gallup Poll», que não só desempenha
um papel decisivo na investigação da opinião nos Estados Unidos desde a década
de trinta, como se tornou célebre sobretudo pelas suas previsões por ocasião de
eleições e de outros acontecimentos importantes, tornouse mundialmente
conhecido.
Aos meios de divulgação acima indicados há a juntar como
outro método de influenciação das massas provido aliás ele também hoje em dia
de métodos científicos tanto na aplicação prática como no esclarecimento
teórico a propaganda, também menos benevolentemente designada reclame. No
conceito de propaganda incluímos todas as medidas que, intencionalmente, mais ou
menos visam a divulgação das opiniões, subordinandoas a um fim preciso e bem
determinado. Também neste campo, quão longe nos encontramos da divulgação oral,
feita por meio de louvor ou indiscrição, daqueles boatos que, como diz Tácito,
chegam a ser acreditados pelo próprio que os inventou!
O actual processo científico de formação de opinião e de propaganda desde os
serviços informativos até aos « persuasores ocultos» («hidden persuaders»), nome
dado aos meios propagandísticos que actuam, a ocultas, sobre o ser humano sem
que, portanto, ele se encontre consciente de tal influênciarem como consequência
que, a partir da infância, cada qual é constantemente dirigido, sendo a sua
opinião manipulada por forma a ele ter pouca ou mesmo nenhuma consciência disso.
Como Peter Hofstãtter expõe num livrinho sobre «A Psicologia da opinião
pública», cuja leitura recomendamos, existem poucas pessoas dispostas a admitir
que não possuem quaisquer conhecimentos em determinados domínios. Porém, como
já apontámos, muitas pessoas não se encontram capazes de suportar a incerteza. É
esse o motivo pelo qual essas pessoas se deixam muitas vezes influenciar sem
oferecer resistência por alguém que afirme saber isto ou aquilo com segurança.
Deste modo realizase em inúmeros casos uma formação de opinião sobre assuntos
dos quais, pela sua própria natureza, não se pode ter uma ideia precisa.
Uni exemplo interessante é o do questionário sobre a influência exercida pelas
estrelas na vida humana, que Hofstãtter dirigiu a 100 recrutas do exército
austríaco, escolhidos ao acaso. A frase sobre a qual tinham de exteriorizar a
sua opinião era a seguinte: «A posição das estrelas na altura do nascimento
influencia toda a vida posterior», Esta é uma afirmação que nunca pôde ser
exactamente comprovada e à qual, como afirma Hofstãtter, apenas há uma resposta
sensata a dar: «Não sei».
A gravura 193, que figura nesta página, apresenta o resultado do inquérito.
Avaliando as respostas, verificase que a maior parte dos indivíduos
interrogados responde a esta afirmação com «provavelmente» e só alguns acham
poder responder com certeza « sim» ou «não».
Assim, já segundo esta pequena investigação, a opinião pública declarase
bastante «crente na astrologia», facto este que é comprovado por muitas outras
investigações. Hofstãtter relata que, nos Estados Unidos, existem nada menos do
que 162 jornais que publicam horóscopos diariamente e que existem aí 25 000
pessoas com a profissão de astrólogos e 80000 com a de adivinhos e cartomantes.
Na Europa Central o caso não é diferente, como sabe todo aquele que leu a
imprensa nesse sentido, sobretudo os magazines, os jornais de fimdesemana e as
revistas.
Enquanto no que se refere à influência das estrelas na vida humana se trata de
uma questão fáctica para a qual não
existe por enquanto resposta, tratase, em outros casos, de convicções
relacionadas com valores.
40 Aqui a opinião
pública desempenha
30 o papel de censura
e, em muitos casos
20 mesmo, o papel de
destino. Isto não diz
10 apenas respeito ao
indivíduo, cuja vida Respostas
pode ser afectada decerto é Pouco talvez é Pos com pela opinião
pública, que não Provável sive@ certeza em casos como o di
193 A distribuição das respostas à pergunta vórcio ou o «contrÔsobre a
influência das estrelas permite con le» de nascimentos, cluir a existência
de uma crença considerável
na astrologia. (Segundo Hofstãtter) mas também em ou
tros assuntos cuja escolha é realizada
em
função da influência da opinião pública. Desempenham aqui papel decisivo os
meios de divulgação e os destinos de povos cuja chefia se encontra subordinada a
uma propaganda que ela J própria divulga ou
a uma propaganda imediata.
P Certas experiências feitas ao acaso 194 Tal como o filme «Modelos»
apresenta:
Marylin Monroe (ao meio, na frente) com treze às quais, repetidas
«cópias» vezes, se procedeu, sobretudo em relação com os acontecimentos
políticos, permitemnos obter uma certa visão do fenómeno.
Assim, por exemplo P. F. Lazarsfeld, B. Berelson e H. Gaudet, por ocasião das
eleições para presidente, realizadas nos Estados Unidos no ano de 1940,
investigaram qual o efeito produzido pelos diferentes meios de propaganda. A
telefonia foi designada pelo eleitorado como a mais importante fonte de
informação. Isto verificavase, no entanto, mais no caso dos democratas e menos
no caso dos republicanos, que se apoiavam sobretudo na imprensa, Por outro lado,
verificouse também que a maioria dos eleitores já se decidira antes da campanha
eleitoral. Este facto tornase compreensível para quem conheça, nos Estados
Unidos, a sujeição de muitíssimos círculos aos partidos. Se se
tivesse tratado de outras decisões a tomar, estas teriam apresentado,
provavelmente, outro desfecho.
Em 1940, por altura das eleições, a telefonia representava ainda o primeiro
papel como fonte de divulgação. Hoje em dia, em sítios onde a televisão se
encontra muito espalhada, ela exerce uma maior influência. Actualmente, nos
Estados Unidos,
90 % das famílias possui aparelho de televisão; na GrãBretanha o número dos
seus possuidores é de 70 % e na República Federal da Alemanha de 35 %.
A par da televisão, o cinema continua a revestirse duma extraordinária
importância para a formação da opinião. As investigações experimentais mostraram
como, por exemplo, os preconceitos a favor ou contra um povo, uma raça ou
qualquer outro grupo, são modificados pelo facto de se assistir a um filme que
vise a formação de uma opinião bem determinada. E a cada passo se pode observar
em que medida o filme fornece modelos e ideais (ou « ideais »). Todos conhecem
os adolescentes que copiam a « sua » estrela, e sabemos também, infelizmente,
quantas vezes a cena de um filme constituiu o «modelo» para um roubo ou um
assalto.
O que se passa em todas estas espécies de formação de opinião é altamente
interessante e constitui hoje em dia matéria de investigação em muitas das suas
particularidades. De entre os estudos levados a efeito por Paul Lazarsfeld e os
seus colaboradores no «Bureau of Applied Research», destacaremos os realizados
sobre dois fenómenos especialmente importantes.
O primeiro é o que Lazarsfeld denominou «Exposição Selectiva». Reportase ao
facto de a nossa atenção ser selectiva, ou seja, por outras palavras, ao facto
de prestarmos maior reparo às coisas que nos interessam ou nos tocam de perto.
Lazarsfeld, Berelson e Gaudet ocuparamse com este fenómeno por ocasião das
eleiçõ es. Segundo as suas investigações, a atenção selectiva iniciase, por
exemplo, com o facto de os diferentes indivíduos não escutarem todos os
oradores, mas sim de preferência alguns bem determinados, de compreenderem, além
disso, certos argumentos melhor do que outros ou de se recordarem melhor de
alguns deles, visto lhes dizerem mais intimamente respeito.
Um segundo fenómeno interessante, verificado por P. Lazarsfeld e E. Katz, é a
chamada comunicação a dois passos: o facto peculiar de a divulgação em massa de
pareceres, concepções e opiniões se processar a dois passos, visto se interporem
dirigentes de opinião entre aquele que se encontra interessado na divulgação de
uma opinião e aqueles que a devem adoptar. A tais dirigentes de opinião, pessoas
que, pelos mais diversos motivos, recebem a incumbência de representar esse
papel, é solicitado conselho, e segundo eles orientamse os demais. Com efeito
esperase deles que possuam ou adquiram as informações necessárias para se poder
dizer o que se tem ou não de fazer. . Este interessante processar da formação da
opinião pôde ser comprovado em questões de moda bem como em sugestões de
compras, mas também quando se tratava de introduzir um novo medicamento, ou em
assuntos relacionados com política, e é provável que as coisas se passem de modo
semelhante na formação de opinião referente a outros assuntos: por exemplo, na
tomada de posição perante um caso de justiça que desperta o interesse público,
ou na apreciação de um artista ou escritor, de um novo filme ou livro.
Os factores decisivos que levam alguém a desempenhar esse papel influente de
dirigente de opinião são, em primeiro lugar, a personalidade (tem de «ser
alguém»); em segundo lugar a competência (tem de «saber alguma coisa»); em
terceiro lugar uma posição social de destaque (tem de «conhecer pessoas»).
Os que se deixam influenciar são frequentemente indivíduos que gostariam de se
identificar com as pessoas influentes. Por esse motivo, a personalidade do
dirigente de opinião representa um factor importante.
Porém, a competência é igualmente necessária. Devido à sua experiência, as
senhoras de meiaidade são muitas vezes ouvidas em questões de compras, o médico
é interrogado acerca de um novo medicamento e também os jovens são muitas vezes
reconhecidos como peritos de «jazz», etc.
Em terceiro lugar, é importante a actividade social e a posição do dirigente de
opinião. ]Êlhe necessário estabelecer bastantes contactos e relações, para se
encontrar tanto apto a ouvir como a divulgar pontos de vista e opiniões.
Os dirigentes de opinião são aqueles que, ainda mais do que a grande massa, se
submetem a uma mais forte « exposição selectiva» através dos meios de
divulgação. São eles que lêem jornais e outros relatos, que frequentam
concertos, teatros, cinemas, passagens de modelos e estudam os anúncios. Como
consequência da sua influência e do facto de se encontrarem tão bem informados
são não apenas transmissores de informações como se encontram também em situação
de exercer pressão sobre o parecer dos outros indivíduos, dando assim maior
incremento a este ou àquele assunto.
VIII.O Grupo e o Indivíduo
No capítulo precedente entrámos no âmbito da sociedade juntamente com o
indivíduo; deste modo, tomámos parte nos processos de socialização do indivíduo.
No presente capítulo, porém, focaremos o papel e a posição do indivíduo a partir
da sociedade a que pertence. A sociedade representa uma organização com
objectivos que são formulados em leis, preceitos, regras e que servem o bem da
colectividade. Este bem é, aliás, interpretado de modo diverso nas diferentes
sociedades, mas tratase sempre, por um lado, de medidas de protecção e, por
outro, da promoção dos interesses dos indivíduos e da colectividade. A
colectividade apresenta uma hierarquia de organizações. Cada indivíduo pertence
a muitos dos grupos em parte paralelos, em parte subordinados, em parte
sobrepostos uns aos outros. Estes podem ser estruturas formais, como a família,
a paróquia, o estado, ou podem constituirse em grupos não formais, como sejam
os grupos de jovens, os grupos de amigos e os grupos de trabalho. Estes podem,
por sua vez, tomar formas mais definidas como algumas associações e sociedades
de participação voluntária, ou como os escuteiros dos países anglosaxónicos, os
grupos constituídos pelos «movimentos da juventude» ou os clubes.
Uma vez que o conceito de grupo é hoje um dos conceitos mais importantes na
Sociologia e o papel do indivíduo dentro do grupo se reveste dum significado
particular sob o ponto de vista da Psicologia Social, teremos de nos ocupar,
algo mais pormenorizadamente, com as relações do indivíduo e do grupo. Este modo
de observação do ponto de vista da Psicologia Social é em geral menos acessível
ao não perito do que o processado a partir do ou dos indivíduos.
1. O QUE É UM GRUPO?
Todos sabem o que se entende pela palavra grupo. Apesar disso é bastante difícil
definir quais são, de facto, as características de um grupo. Consideremolas
passo a passo.
Em primeiro lugar esclareçamos o que não constitui um
grupo. Uma série de pessoas que se reúne em qualquer parte, por acaso, não é,
em sentido sociológico, designada grupo mas
sim multidão ou ajuntamento. Por exemplo: uma série de pessoas juntase em
frente de uma montra onde se encontra exposto o mais recente modelo de
televisão. l@ possível que se faça uma
ou outra observação, mas não existe uma coesão entre os espectadores. Como Asch
acentua, a disposição que os levou a reunirse não é significativa.
Porém, de repente, um deles exclama em voz alta, de modo que todos o oiçam:
«Outra vez só reclames!» «Não acho nada mau», responde uma pacata dona de casa,
«é interessante, vêemse coisas novas.»
«Que disparate!», diz o primeiro, malcriadamente, «tudo isto é só para atrair o
comprador.»
Pode então acontecer que outros interfiram na conversa e, no caso de esta
prosseguir, atingese normalmente uma espécie de ordem no debate, sendo possível
que os dois que falaram em
primeiro lugar se tornem uma espécie de «dirigentes» da discussão, no decorrer
da qual se podem mesmo
formar autênticos partidos.
Encontramos aqui o inicio de uma organização que não representa ainda um grupo
genuíno em sentido sociológico visto a reunião não possuir nem
um verdadeiro objectivo nem uma **perten ou coesão que se
mantenha.
A aglomeração adquire um certo grau
195 A aglomeração de gente em frente da de formação de grupo montra ainda
não constitui um verdadeiro
grupo visto iniciarse uma
relação recíproca entre os presentes, e os indivíduos isolados em breve
representarem certos papéis mais ou menos determinados. A senhora corpulenta do
nosso exemplo transformase, pouco a pouco, em advogada da firma expositora, ao
passo que o homem pouco educado representa o papel de opositor da propaganda. ]É
possível que os outros contribuam com novos argumentos e pode muito bem ser que,
no intervalo de alguns minutos, o homem e a mulher se transformem em chefes de
dois partidos. Nesse momento eles e talvez outros também começam a exercer
uma influência sobre a opinião dos restantes.
O «grupo» que acabamos de descrever é um produto do acaso, constituído apenas
para aquele momento. Contudo, o facto de os seres humanos, onde quer que se
encontrem, terem a tendência para estabelecer relações recíprocas e se
influenciar mutuamente, é hoje estudado pormenorizadamente, bem como
utilizado em larga escala nos métodos pedagógicos e terapêuticos.
O grupo que observámos até agora era não só condicionado pelo acaso como
desligado e desmembrado. Para que o grupo possa ser considerado uma verdadeira
estrutura, é necessário que possua determinados membros em relação recíproca uns
com os outros, e que receba uma organização e um objectivo definido. Kurt Lewin
verifica que os membros de grupos se
encontram uns perante os outros em dependência recíproca, e
Cooley frisa que se produz o fundamento do grupo quando os
seus membros se sentem «nós». Chama a isso o «sentimento de nós».
Pareceme elucidativo considerar estas coisas a partir da experiência da nossa
vida diária para melhor se compreender
a o significado dos conceitos. Suponhamos que o Sr. e a Sr. Lehmann tenham uma
reunião em sua casa. Possuem um círculo de amigos bastante vasto e pretendem
constituir um grupo por forma a que todos os convidados se distraiam.
«Bem, em primeiro lugar vou convidar os Baier e os Kõnig», diz a senhora
Lehmann. «São bons para criar ambiente. São pessoas agradáveis e divertidas e
têm sempre coisas novas a
contar que viram ou ouviram dizer. A Liesel Baier acaba de chegar de uma grande
viagem à América.»
«Está bem», diz o Sr. Lehmann, «mas para mim é mais importante convidarmos o
Wilhelm Müller ainda há pouco se
interessou tanto por mim lá no emprego que lhe devo uma certa gratidão. »
«Ora o Müller!», diz a Senhora Lehmann bastante infeliz, «isso chega para dar
cabo da noite. Nunca pára de falar, toma
sempre conta da conversa; porque é que não o convidamos para jantar sozinho com
a mulher em vez de o deixarmos estragar a
atmosfera da reunião? Por favor, Fritz, tens de compreender!»
«Bem sei que tens razão», diz Fritz Lehmann, «mas ainda tenho de pensar. Se não
o convidares, não podemos convidar desta vez ninguém do emprego. Bem, a quem é
que devemos ainda um convite?»
«Aos Altmann, mas a Liesel Baier e a Mizzi Altmann não podem uma com a outra.»
«Mas, Irma, só te preocupas com essa mimalha da Liesel. Se ela não gosta da
Mizzi que fale com as outras pessoas. A reunião é bastante grande para as duas
se poderem evitar.»
«0 que eu quero é que haja boa disposição e que possamos passar uma noite
agradável», diz Irma. «Quando as pessoas não ligam umas com as outras, como
ainda outro dia aconteceu na
reunião em casa dos Schultze, fica tudo estragado. Deixa ver
quem é que falta ainda ... »
Neste fragmento de conversa reconhecemse pontos de vista importantes sobre o
plano de formação de um grupo. Ao reunir os convidados para a sua festa, um
casal tem em vista diversos objectivos: conversa agradável, boa disposição,
afinidades entre os convidados todos estes factos lhe parecem essenciais para
que a noite seja bem sucedida. Se bem que, neste caso, a formação do grupo fosse
uma coisa transitória, ela devia ir ao
encontro das tendências de cada um. Simultaneamente pesamse as obrigações. A
partir de reuniões anteriores o casal sabe que os efeitos favoráveis ou
desfavoráveis que os participantes do grupo exercem uns sobre os outros
permanecem mais ou menos gravados na memória. A dinâmica, ou seja o jogo de
forças que ocorre numa ocasião dessas, é poucas vezes verdadeiramente rica em
consequências, mas, em determinadas circunstâncias, podem soltarse certas
palavras ou surgir determinadas impressões que sejam, de facto, úteis ou
prejudiciais para um ou outro participante.
Em face do primeiro agrupamento que referimos e que era obra do acaso, esta
reunião, que acabamos de descrever, constitui um grupo mais planeado e que se
estabeleceu tendo em
vista um objectivo. Porém, também ele não constitui ainda um
verdadeiro grupo sob o ponto de vista sociológico.
Este é, em primeiro lugar, definido por um objectivo comum
e, logo em seguida, por uma série de características recentemente investigadas
em muitos aspectos por Dorwin Cartwright e um
numeroso grupo de outros discípulos de Kurt Lewin. Entre elas
são sobretudo importantes a coesão, ou seja o facto de os componentes se
manterem unidos, os padrões, as chefias e a distribuição de papéis.
Parecemme particularmente interessantes as investigações realizadas acerca da
coesão. Mais do que todas as outras ela é essencial para assegurar a
sobrevivência de um grupo. O grau de coesão depende, por um lado, da força de
atracção mútua que os membros exercem uns sobre os outros; por outro lado, do
interesse que as actividades do grupo despertam.
Assim, Stanley Schachter fez a seguinte experiência: fundou quatro clubes
juntamente com os estudantes da Universidade de Michigan. Denominouos
radioclube, cineclube, clube de redactores e clube de estudos jurídicos.
O clube jurídico constituiuse, pretensamente, pelo facto de alguns juízes e
advogados pretenderem recolher os pareceres de um grupo de estudantes acerca de
determinados casos jurídicos.
A constituição do clube de redactores teria sido proposta por uma revista nova,
a publicar em todo o país, a qual pretendia ser aconselhada no respeitante aos
seus artigos. O clube cinematográfico terseia constituído para um determinado
cinema, com o fim de auxiliar a selecção dos programas.
O clube de rádio destinavase a investigar a razão do sucesso de determinado
posto emissor.
Os clubes ocuparamse então do caso fictício «Jonny Rocco», a história de um
jovem delinquente, que eles deveriam tratar segundo as suas atribuições
próprias: como problema jurídico, como artigo de jornal, como filme e como
programa radiofónico.
A experiência foi realizada de forma a ser possível investigar os mais diversos
factores. Assim, por exemplo, para os clubes jurídico e cinematográfico os
monitores apenas escolheram os
participantes que, em questionário p apresentado, tinham revelado entusiasmo por
essa espécie de actividades, ao
passo que o clube de redactores e de rádio foi constituído pelos menos
interessados.
A coesão, avaliada mercê de certas perguntas, foi nos dois primeiros clubes
quase o dobro da manifestada nos dois restantes. Além da coesão, foi possível
ainda medir e manipular outros factores.
De todas estas experiências resulta que o decurso de processos de grupo depende
de leis internas bem determinadas. O perito pode evidentemente manipulálas em
maior ou menor escala. O grau de manipulação possível deveria depender do
grupo ser mais ou menos fechado, da importância das suas actividades e
objectivos e da convicção com que os participantes do grupo trabalham.
Os grupos estáveis, por exemplo, as administrações municipais ou nacionais, as
grandes associações e partidos, fundamentamse geralmente em estatutos, regras
ou leis, quer dizer, em
qualquer espécie de contrato. A sua defesa é garantida pelos membros, sobretudo
por aqueles a quem é confiada a direcção. Estes funcionários constituem a
corporação. Os papéis dos restantes membros podem ser fixos com mais ou menos
amplitude. No entanto, seja em que caso for, todos os membros do grupo se
encontram ligados pelo facto de actuarem em comum e se subordinarem a objectivos
comuns. A partir desses objectivos resultam os direitos e os deveres inerentes
ao papel que cada membro de um grupo representa.
2. A ORIGEM E A SUBSISTÊNCIA DOS PEQUENOS GRUPOS
Como surgem os pequenos grupos e como se mantêm? Eis duas perguntas
interessantes, formuladas pela primeira vez nestes moldes por Homans e Riecken.
Segundo Znaniecki, um dos primeiros sistematizadores de entre os teóricos de
grupo, muitos grupos surgem pelo facto de uma série de indivíduos se associar
espontaneamente e actuar voluntariamente em conjunto, tendo em vista determinado
fim. Um exemplo: verificase uma reunião feminina, com o fim de organizar uma
demonstração pública a favor da manutenção da paz mundial. No caso de se tratar
de uma única demonstração, a formação do grupo é temporária. Porém, se algumas
participantes resolvessem fundar uma associação com o fim de provei à paz
mundial, recorrendo ao auxílio de muitos dos seus membros, seria necessário que
a forma de organização, os seus objectivos, as tarefas dos respectivos membros
os seus papéis se
encontrassem delineados e formulados em estatutos.
Já no voltar do século, Georg Simmel se ocupou com o problema da estrutura de
grupo, ao investigar os pequenos grupos a partir das suas características
fundamentais. Simmel defendia, por exemplo, o ponto de vista de que os grupos de
três não são estáveis visto existir sempre a tendência de dois se aliarem contra
o terceiro. Estes pontos foram investigados recentemente de modo experimental,
tendose podido comprovar, no essencial, a hipótese de Simmel. Por outro lado, o
terceiro pode ser importante como árbitro. Porém, em determinadas
circunstâncias, o terceiro pensemos no papel de filho único de um casal pode
contribuir, de modo essencial, para a união de um par (que representa a mais
pequena forma de grupo possível).
O número de membros e o tamanho de um grupo são factores importantes quando o
grupo tem de se afirmar, quando tem de solucionar os problemas que se lhe põem.
Pareceme interessante o que foi recentemente descoberto por um sociólogo: que,
nos Estados Unidos, as comissões do Congresso e certas comissões do Governo têm,
em média, 6 membros quando são convocadas para tomar deliberações e 14 membros
quando exercem uma função consultiva. No caso de grupos não formais ou
seja, agrupamentos menos rígidos, tais como se constituem para ir dar um
passeio, fazer compras, conversar, trabalhar o mesmo
autor (J. James) encontrou em média dois a três membros.
Estes pequenos grupos, nos quais passamos, segundo parece, a maior parte da
nossa vida, pertencem aos grupos primários que já citámos, ou facetoface
groups, segundo a designação de Cooley, isto é, grupos cujos participantes se
conhecem bem. Deles distinguemse os grupos secundários, ou seja, os grupos
cujos membros não é necessário que se conheçam pessoalmente. Uma grande
associação é um grupo secundário, tal como a população de uma grande empresa ou
de uma cidade. Para fins de
196197 Os componentes de grupos primários (à direita, por ocasião de um
passeio) conhecemse bem, ao passo que os pertencentes a um grupo secundário
(por exemplo a uma grande empresa imagem da esquerda),
não é necessário que se conheçam pessoalmente
distinção de grupos mais restritos e mais vastos propuseramse ainda outras
modalidades de distribuição. Assim, Tõnnies distingue comunidade e sociedade. A
mim pessoalmente, a distinção em grupos primários e secundários pareceme
particularmente elucidativa.
Cooley considerou certos pequenos grupos, como sejam a família e o grupo de
jogos, os principais agentes da socialização. Simmel considerou igualmente os
pequenos grupos como sistemas sociais em miniatura, que vale a pena estudar,
visto ser
possível compreender a partir deles os produtos sociais. De facto, os pequenos
grupos pertencem, hoje em dia, aos objectivos mais importantes da investigação
sociológica. Seguidamente voltaremos a referirnos a este assunto.
3. ESTRUTURA E PROCESSOS DE GRUPO
Quando uma série de pessoas se reúne, formando um grupo, quer isso dizer que
cria uma organização. Esta pode ser formal ou, a princípio, absolutamente não
formal; constitui, em todo o caso, o início de uma estrutura de grupo. Esta
desenvolvese então em diversos sentidos. Daí resultam relações dos membros uns
com os outros, destacamse posições e verificase uma troca de posições:
realizamse comunicações, determinações e resoluções; desenvolvemse papéis de
chefia e determinadas tarefas específicas: atingese uma especialização entre os
componentes do grupo.
As diferentes espécies de comunicação que surgem por ocasião da constituição de
um grupo foram investigadas e classificadas pormenorizadamente pelos sociólogos.
Chamase a este ramo de investigação a dinâmica de grupo. A mais conhecida é
talvez a análise do processo de interacção de R. F. Bales que investiga, pois,
os fenómenos resultantes das relações recíprocas dos membros de um grupo. Com
base no seu estudo de grupos, Bales chega à conclusão de que, por ocasião da
deliberação sobre qualquer questão que diga respeito ao grupo, os participantes
do grupo constituem relações entre si fundamentalmente segundo doze modalidades
de comportamento. Ao contar o grau de frequência de aparição de uma dessas
categorias no decurso de uma sessão, obtém o perfil da estrutura social de um
tal encontro.
Exemplo disso é o perfil, que aqui representamos graficamente, do processo de
interacção de grupos de rapazes de 15 anos que discutiam determinada questão.
Pareceme interessante reproduzilo.
1. Mostrar solidariedade. exprimir admiração. ser solícito
k1
2, Te, um aspecto descontraído, rir. dizer gracejos.
exprimir satisfação
3. Concordar. mostrar compreensão
4. Fazer sugestões. mostrar possibilidades de
acção
monitor, se viu por fim obrigado a forjar alguns incidentes sérios e
desagradáveis para todos eles, a fim de que estes, em face de uma situação de
emergência, se unissem em defesa comum. Deste modo fez rebentar a canalização da
água e a situação drástica de emergência, assim criada, obrigou os rapazes a
trabalhar em conjunto.
Exprimindonos de outro modo: um objectivo comum, ditado pela necessidade,
consegue uma nova fusão do grupo.
Devido à rivalidade, à tensão, ao conflito, os processos de grupo são
frequentemente minados como todos sabem através da experiência feita à mesa do
café, do salão de chá, do seu clube, do seu grupo profissional e do seu partido.
Podemse assim atingir crises, ou seja, situações em que o malogro de indivíduos
ou de grupos esteja ameaçadoramente iminente. Os conflitos os existentes entre
os diversos participantes do grupo ou entre grupos especiais (cliques) que se
constituem no interior do grupo são a causa, não única, mas frequente, de
crises que ameaçam a subsistência do grupo. Mais adiante, em relação
com a descrição da família como grupo, tomaremos conhecimento de crises
motivadas por outras causas.
As crises que ameaçam a subsistência de um grupo ou as relações entre dois ou
mais grupos, e que não encontram solução por meio de compromissos ou de
objectivos comuns, conduzem, em casos extremos, a cisões, a actos hostis e,
tratandose de nações, possivelmente à guerra. Precisamente no momento actual
encontramonos perante o problema de saber se esse perigo extremo que ameaça a
humanidade, e que diz respeito a todos os homens, é suficientemente compreendido
por todos os responsáveis dos grandes grupos as nações para que seja
impedida uma nova guerra e para que os partidos contrários sejam levados a
colaborar na busca duma solução para o conflito.
Em todos os grupos os membros são os componentes fundamentais. Segundo o
objectivo e a constituição do grupo, cabem a cada qual determinadas tarefas.
Quer dizer, existem determinadas expectativas no que diz respeito ao
comportamento dos membros e são atribuídos determinados papéis aos indivíduos.
Introduzimos já o conceito de papel no capítulo anterior (vide págs. 359 e
segs.), ao referirmonos sobretudo aos papéis que acompanham o crescimento da
criança. Distinguimos entre os papéis escolhidos pelo indivíduo e os papéis que
lhe são atribuídos. Quanto mais rigorosamente organizado for um grupo, tanto
mais declarada será a sua influência sobre os papéis que os seus membros têm a
representar. Por vezes o grupo exerce uma pressão sobre aqueles que não
desempenham os seus papéis
de acordo com a expectativa. Isto diz respeito tanto às pequenas organizações
como à sociedade no seu todo. Esta, por sua vez, pode atribuir a alguns ou a
muitos grupos determinadas funções
papéis, portanto assim como, pelo contrário, outros grupos podem lutar por
adquirir um papel dentro da sociedade. Nas diferentes culturas reinam diferenças
essenciais no que respeita aos papéis que são atribuídos, por exemplo, a um
grupo de determinada idade, ao sexo masculino e feminino e aos diversos grupos
sociais e profissionais.
Muitos papéis de grupo fixaramse através de um consenso, quer dizer, mediante
um acordo sobre determinados assuntos, formado no decorrer do tempo. É o que se
verifica na maioria das culturas com o papel que a mulher desempenha no lar. Ela
representou esse papel durante muito tempo mesmo na cultura ocidental, onde tal
situação, no entanto, se encontra hoje em
vias de claudicar simultaneamente com a mutação de muitas situações e fenómenos
sociais antigamente tidos por amovíveis.
No que respeita a observância do consenso bem como de outros regulamentos
sociais, existem diversos graus de liberdade consoante os diferentes grupos;
quer dizer, a capacidade de adequação ou de conformismo que se espera do
indivíduo é variável.
No entanto, é indispensável um mínimo de consenso e de conformismo para a
subsistência de um grupo e de uma sociedade. O facto de a actual sociedade
humana se encontrar cada dia visivelmente mais empenhada em abalar as
regulamentações existentes permite concluir que se vai preparando uma ordem
social absolutamente nova a menos que se prepare um desmoronamento social.
A ordem existente em associações de regulamentação rígida apoiase, normalmente,
num conformismo tão divulgado ou quase tão generalizado que se pode contar com
ele.
Juntamente com os seus alunos, Floyd Allport procedeu a
investigações sobre o conformismo verificado em algumas situações sociais
bastante heterogéneas.
Observaramse primeiramente católicos ao entrar na igreja.
O que nessa situação se espera de um católico que humedeça a mão em água benta
e se benza foi praticado por quase todos.
A outra situação foi o comportamento de automobilistas num cruzamento assinalado
com a luz vermelha: 94 % pararam,
5 % seguiram devagar e 1 % avançou sem diminuir a velocidade.
O trabalho de Allport provém contudo do ano de 1934. Desde então a situação do
trânsito modificouse radicalmente: o número de veículos cresceu de modo
considerável, os regulamentos e
sanções tornaramse muito mais severos. Assim, é de supor que, hoje em dia, ao
sinal vermelho avançassem muito menos do que
6 % e, em circunstâncias normais, não avançasse mesmo ninguém.
Importante para a forma como decorrem as actividades de grupo é o ambiente
criado. Consideremos, mais uma vez, a reunião projectada pelo Senhor e pela
Senhora Lelunann (vide pág.
379). Se os donos da casa tiverem conseguido seleccionar os
seus convidados de forma a que estes tornem a noite agradável ou interessante
uns aos outros, terseá criado, no decorrer de algumas horas, um ambiente
simpático como resultado das conversas, do comportamento, dos sentimentos e
opiniões expressos ou reprimidos.
Os americanos usam a expressão sentiment para estas reacções que se verificam no
interior de um grupo e são motivadas em parte por causas emocionais, em parte
por causas objectivas. Homans, um dos mais representativos teóricos de grupo,
considera o sentimento uma das mais importantes características decisivas da
estrutura de grupo. O grupo como todo, bem
como as relações dos diferentes membros uns com os outros são dominados pela
formação de determinados sentimentos.
Se, por exemplo, na reunião dos Lehmann, Liesel Baier e
Mizzi Altmann se irritarem mutuamente, se Mizzi começar talvez a falar com o
Senhor Kõnig sobre outros assuntos, enquanto Liesel tenta desviar o interesse
geral para a sua viagem à América, poderseá criar um ambiente desagradável que
pode ser
apenas passageiro ou, pelo contrário, manterse, dando origem a sentimentos
negativos e recíprocos por parte dos diversos convidados.
Porém, se Liesel e Mizzi se entenderem inesperadamente bem nessa noite talvez
Liesel admire o vestido e o penteado de Mizzi e se, além disso, Liesel começar
a fazer um relato interessante da sua viagem, poderá surgir um ambiente
agradável e desenvolve rseão sentimentos amigáveis. Numa noite assim, Liesel
poderia adquirir um certo grau de popularidade.
Já no capítulo sobre o desenvolvimento nos referimos ao facto de as crianças a
partir de tenra idade e mais tarde também os adultos incluírem os membros de
qualquer grupo de que sejam participantes em hierarquizações de valor. Esta
inclusão na hierarquia de valor realizase segundo os mais diversos pontos de
vista.
Os mais importantes são a popularidade e a capacidade. Uma hierarquização
segundo estes pontos de vista exige já, aliás, um certo grau de conhecimento
recíproco. Mas mesmo no caso de uma impressão superficial seja num restaurante
ou num
autocarro muitas pessoas procedem a uma avaliação dos que se
lhe sentam ao pé, classificando socialmente o seu aspecto, o seu comportamento,
o seu modo de falar e outras características. Já as crianças em idade escolar
bem como os adultos de qualquer grau de cultura são capazes de uma avaliação
social deste tipo, bem como de tomar uma decisão a favor ou contra alguém, quer
se trate de popularidade ou de capacidade para a realização de qualquer tarefa.
Foi possível fazer esta comprovação mediante questionários sobre o grau de
popularidade, realizados em 1925 por Hildegard Hetzer e por discípulos de Paul
Lazarsfeld, no Instituto de Psicologia de Viena. Estes trabalhos podem ser
considerados como precursores dos testes sociométricos, desenvolvidos por Jacob
L. Moreno, com o auxílio dos quais se medem hoje em dia as hierarquias. A
partir dos trabalhos de Moreno e da sua escola, desenvolveuse, entretanto, uma
ciência própria da Sociometria, cujo resultado mais importante é o seguinte: em
cada grupo os
participantes adquirem um grau sociométrico, ou seja, uma
posição que lhes é atribuída com base em determinados critérios.
O que houve de peculiar e de surpreendente nestas investigações foi terse
comprovado, logo de início, que a atribuição de um
lugar hierárquico se processa de modo extraordinariamente fácil, sem instrução
prévia dos membros do grupo e muitas vezes sem longa meditação. Assim, não é de
admirar que os amigos que se apreciam mutuamente ou que têm em comum
determinados valores tenham tendência a apoiarse mutuamente nessas eleições. No
entanto, como Helen Jennings demonstrou em eleições num reformatório para
raparigas, têmse em conta, no essencial, as normas e valores de grupo.
O que são, porém, essas normas de grupo? O facto de os
seres humanos se encontrarem constantemente conscientes desses valores e padrões
faz parte das mais interessantes averiguações da Psicologia Social. Lippitt
pôde, por exemplo, demonstrar que os membros de um grupo de discussão já no
prazo de algumas semanas desenvolviam pontos de vista que lhes possibilitavam
proceder a hierarquias para atribuição de distinções no trabalho ou no tempo
livre.
A Sociometria é um dos meios de auxiliar o indivíduo a um certo conhecimento de
si próprio. A partir da infância, cada qual comporta em si uma determinada
imagem de si próprio e dos outros. Os primeiros fundamentos realizados neste
sentido são criados, como é natural, na família.
Tina, criança bonita, fora desde muito pequena preparada pelos pais, que a
idolatravam, e pelos parentes, que a admiravam, para o papel de «estrela».
Encontravase tão consciente dos seus encantos que se sentiu extremamente
afectada pela rejeição de um jovem que a denominou «boneca, mimada». E, mais
tarde, confessou ao seu psicoterapeuta ter chorado amargamente quando, por
ocasião de um inquérito, realizado na turma, para apurar o grau de popularidade
de cada qual, verificou encontrarse muito abaixo no grau de hierarquia.
Deste modo, a observação sociométrica permite mostrar a alguém se, e em que
medida, a imagem que ele tem de si próprio coincide com a que os outros têm.
No treino da sensibilização, cada vez mais utilizado hoje em
dia, sobretudo no campo da Economia, a tomada de consciência do efeito que se
produz sobre os outros representa um papel primordial. Aliás, a administração de
empresas servese neste aspecto de métodos mais apurados do que a Sociometria.
O treino de sensibilização processase sob a forma de sessões terapêuticas de
grupo, nas quais jovens que se dedicam ao ramo do negócio tomam conhecimento do
efeito que a sua maneira de falar e o seu comportamento produzem nos
subordinados e colegas. Por meio da reprodução de entrevistas com
existência real e da representação dramática de operações comerciais, os
participantes tornamse conscientes da sua maneira de proceder e da reacção que
ela provoca nos outros.
No centro deste método encontrase o conceito de sensibilidade social,
desenvolvido sobretudo por R. Tannenbaum, I. R. Wechsler e F. Massarik. Os
autores reportamse às investigações da experiência imediata realizadas por
Husserl e ao conceito de intropatia de Th. Lipp. O processo de compreensão de
outros seres humanos e a percepção social ocupam já uma abundante bibliografia;
um dos livros de maior renome é a obra de Fritz Heider «Psicologia das relações
interhumanas».
A consciência das hierarquias parece ser conferida na percepção social desde
muito cedo. Um fundamento primário poderia provir das experiências de
superioridade que se podem verificar em crianças já no segundo ano de vida e
mesmo antes disso. É evidente tratarse aqui de modos de procedimento muito
fundamentais que podem estar relacionados com a concorrência necessária para a
manutenção da vida, visto que já em animais foi possível observar hierarquias na
recepção de alimentos e em lutas de competição. Célebre é a «ordem das bicadas»
das galinhas, descoberta por D. Katz e estudada por SchjelderupEbbe: na
hierarquia existe, no topo, uma galinha que pica todas as outras, ao passo que a
galinha de mais baixa condição é picada pelas restantes,
Em muitos grupos, cuja existência é garantida exclusivamente pelo encontro
regular de algumas pessoas principais e cuja actuação equívoca põe
constantemente em perigo os membros do grupo, as regras de hierarquia são
aplicadas de modo muito estrito. Particularmente interessante neste aspecto é o
estudo da «sociedade das esquinas da rua», realizado por William F. Whyte, ou
seja, o estudo de alguns grupos de jovens dos bairros pobres de Boston que
apresentam uma organização social extremamente rigorosa.
Whyte, que travou relações de amizade sobretudo com os respectivos chefes destes
grupos no limite do associal, adquiriu uma visão extraordinariamente clara dos
fenómenos que ocorrem no interior dos grupos, A sua estrutura revela uma
hierarquia de relações pessoais baseada num sistema de obrigações mútuas. O
rapaz da rua, pertencente a um desses grupos, recebe uma instrução que o
prepara, por vezes, para uma verdadeira carreira política mas, mais
frequentemente, para uma carreira nas filas dos «gangsters» e traficantes
políticos.
A este objectivo correspondem também as exigências postas aos diversos
componentes. A sua posição no «gang» esta palavra significa mais ou menos
«bando» ou «clique» depende consideravelmente de quanto ele é engenhoso, de
quanto as suas ideias, interesses e capacidades correspondem aos respectivos
interesses do grupo, do seu grau de adaptação, Doc da medida em
que se Milce Danny pode confiar nele e de
se encontrar ou não Soho John disposto a
partilhar os
seus haveres com outros. Nutsy Angelo A partir da graFrank
vura podese deduzir o
grau de hierarquia no
interior de um destes Carl bandos estudados por
Whyte, que pertencem aliás, todos eles, a um bairro duma cidade Membros da
Norton italiana.
Influência
Os nomes estão ordenados de cima para baixo de acordo
com a respectiva hierarquia
199 A hierarquia dos treze membros da clique chefiada por «Doc». (Segundo
W. F. Whyte)
O chefe do grupo, Doc, cujo nome é uma alcunha, tal como
o de todos os outros, era considerado um rapaz inteligente e
dotado em Norton Street Settlement onde, durante um tempo, exercera as suas
actividades. Filho mais novo de uma família numerosa, oriunda dos Abruzos,
perdera o pai ainda muito pequeno. A partir de cerca dos 12 anos encontravase
convencido de que só por meio de combates de que saísse vitorioso se
poderia dar ao respeito a uma pessoa. Assim, começou a baterse com rapazes mais
velhos, no que foi bem sucedido; no entanto, a sua posição de chefe, que criou
desde os seus 13 ou 14 anos de idade e ainda mantinha aos 29 anos, devea ao
facto de não ser unicamente forte mas solícito para com os mais fracos e
para com os que eram atacados injustamente, de ser um amigo no qual se podia
confiar e de ser, além disso, talentoso e inteligente. «Eles acreditam em mim,
Bill» disse ele ao Dr. Whyte.
Na organização do «gang» que se manteve cerca de dois anos até se desfazer por
si, Doe foi o chefe incontestável. Ele escolhe os subchefes e atribui aos
restantes os seus lugares hierárquicos. No caso de haver alguma coisa planeada,
por exemplo um desafio de bola com outro grupo ou outra coisa no género, o chefe
trata do assunto com os subchefes, que por sua vez
mobilizam o grupo.
Quando um componente de categoria inferior pretende empreender algo que diz
respeito ao «gang», é obrigado a pedir licença.
Por exemplo, Alec, que ocupa o lugar menos relevante, projectava vender cerveja
aos participantes e esperava obter um
certo lucro com o negócio. A proposta foi apoiada por Doc e em seguida
autorizada; no entanto, Alec teve de admitir que a
sua proposta original fosse consideravelmente modificada por Danny, que ocupava
um posto superior.
O «gang» tem um certo código de honra, cuja infracção é punida.
Quando, por exemplo, Nutsy, que ocupava uma posição elevada, travou relações com
uma rapariga que o grupo considerava inferior e foi ao ponto de querer casar com
ela, tal atitude custoulhe o posto.
Os «Norton» oferecem, assim, o exemplo de uma organização de grupo que, embora à
margem da sociedade da classe média, se encontra, no entanto, rigidamente
estruturada e é mantida devido a uma «praxe», um complexo de regras e de normas.
Simultaneamente foi possível esclarecer o princípio de chefia. Neste aspecto é
importante verificar que, mesmo numa clique mantida por motivos bastante
duvidosos, tal como acontece num «gang» deste género, o chefe apenas se pode
manter com base em certas qualidades que sejam valiosas para os restantes
membros. Tem de ser inteligente e rico em ideias, tem de ser decidido e é
necessário que as suas decisões se revelem eficazes para o grupo. Deve ser digno
de confiança e recto, ser solícito nas suas palavras e acções; tem de demonstrar
generosidade e, mesmo que não seja o melhor em tudo, tem de ser contudo capaz de
se distinguir até certo ponto num dos domínios que se revelem essenciais para o
grupo.
4. CHEFIA, GRUPO E MASSA
O desenvolvimento, as espécies e os processos de chefia foram estudados, nos
últimos decénios, talvez mais do que qualquer outro fenómeno social, partindo
certamente do pressuposto de que muito haveria a remediar neste mundo, caso
fosse possível criar nele uma chefia verdadeiramente valiosa.
Mais difícil ainda do que a definição de grupo é a definição de chefia, porque
essa expressão é utilizada para lugares de primazia de espécie muito diversa.
Tentemos esclarecer algumas das características decisivas. Quaisquer que sejam
as circunstâncias, um chefe é aquele cuja actuação se desenvolve em determinada
situação social, na qual ele exerce uma influência sobre outros em determinados
sentidos. Essa influência pode resultar de facto das circunstâncias, pode
realizarse eventualmente sem esforço da pessoa em questão ou pode ser
conquistada por alguém que se sinta destinado para chefe. E, finalmente, pode
alguém, ainda, ser simplesmente nomeado chefe.
Os chefes espirituais da humanidade, de verdadeira grandeza, que, devido ao seu
génio, anunciam novas ideias, encontramse na maior parte dos casos, mas não
necessariamente, conscientes do seu papel de inovadores. Contudo muitas vezes a
sua influência apenas se demonstra no decorrer dos tempos e
através da História; não é fundamentada em primeiro lugar pela afirmação dos
chefes como tal, mas sim pelo facto de as
suas ideias modificarem o universo.
O outro extremo é constituído, de certo modo, pelos que são nomeados chefes;
portanto, por aqueles que são elevados por outros a posições de comando, sem
necessariamente terem aptidão para chefes. Os motivos pelos quais são nomeados
chefes ou lhes é atribuída uma posição de chefia podem ser de ordem histórica ou
encontrarse subordinados a determinado objectivo. Deste modo, o monarca que
ascende ao trono pela ordem da
sucessão é chamado a reinar de acordo com a lei, o que não quer dizer que
possua verdadeira aptidão para a chefia. O mesmo se pode aplicar sobretudo a
cargos da mais variada espécie. Em determinadas circunstâncias, o papel de
chefe, adquirido em tais situações, é mais simbólico ou nominal do que real.
No meio, entre estes extremos, encontrase a chefia daquele que se sente
destinado para chefe em qualquer domínio, que anseia por exercer influência
sobre os demais e que tenta, então, actuar segundo um papel de chefe. Nesta
espécie de chefia, a duração e a extensão da actuação dependem de uma série de
factores. Estes são a personalidade do chefe, a situação em que ele tenta
exercer a sua influência, os partidários que tenta granjear e os objectivos que
persegue.
Tannenbaum, Wechsler e Massarik, que há pouco se ocuparam pormenorizadamente com
o fenómeno do moderno chefe de empresa, consideram apenas chefia propriamente
dita esta terceira modalidade intermédia, visto só aqui a dinâmica de chefe
adquirir a sua completa expressão. Segundo o seu ponto de vista, para uma chefia
propriamente dita é essencial que alguém tenha verdadeiramente a intenção de
influenciar outros e que a sua actuação efectiva resulte do modo como a sua
personalidade
e os seus objectivos consigam impressionar, em determinada situação, os seus
eventuais seguidores.
Como Hartley e Hartley demonstraram, neste contexto é particularmente de notar o
facto de, nos Estados Unidos, tanto no caso de chefia militar como no caso das
grandes organizações económicas, se defender o ponto de vista de que, no futuro,
as posições de relevo deverão ser ocupadas por verdadeiros chefes e não por
simples funcionários com plenos poderes, como era
costume acontecer até aqui.
Repetidas vezes se investigou o problema de como se caracterizam as
personalidades de chefe. Originariamente defendiase a opinião de que o chefe
representava um determinado tipo de personalidade ou se encontrava imbuído de
determinadas qualidades que o distinguiam. A hipótese de que certas
particularidades de carácter são típicas da personalidade de chefe parecia
comprovada pelo facto de, de modo geral, os chefes possuírem energia,
inteligência que não deve, no entanto, ser demasiado superior, confiança em si
próprios, desejo de prestígio social, ambição e vontade de vencer, em mais alto
grau do que a média das pessoas. No entanto, todas essas qualidades surgem
também nos nãochefes. Sanford chegou, além disso, à conclusão de que não
existem dois estudos que coincidam quanto às características que se devem
atribuir a um chefe.
1 .Disposições
2. Ordens que interrompem as actividades dos outros
3. Critica não construtiva
4. Sugestões úteis
5. Transmissão de
conhecimentos
6. Sugestões que propiciam um trabalho pessoal
7. Elogio
e reconhecimento
8. Confiança
9. Sobriedade
e objectividade
chefe autoritário
chefe democrático
1j. o
chefe «laissez.faire»
Assim, hoje em dia preferese perfilhar o ponto de vista de que, para o
desenvolvimento do papel de chefe, não é tão decisiva a personalidade
23 de chefe como tal, mas,
em muito mais alto grau,
7M a actuação conjunta dos
factores acima indicados. Chowdhuy e Newcomb descobriram, por meio de
experiências realizadas com 4 grupos, que os chefes escolhidos se caracterizavam
pela maior preci
10 20 30 40 50 são com que emitiam um
juízo sobre as opiniões do grupo. Quer dizer, eles possuíam uma maior
«sensibilidade social».
200 Comparação das formas de compor Que motivo induz os tamento de
três diferentes chefes de gru seres humanos a aspirar pos de rapazes de onze
anos. (Segundo
Lippitt e White) ao papel de chefe 9 De
modo geral, consideramse motivos essenciais as necessidades, intimamente
ligadas entre si, de poderio, de prestígio e de ocupar um lugar de primazia; a
essas poderseão juntar, em diverso grau, a necessidade de fazer actuar as
capacidades criadoras que encontram a sua expressão na conformação das questões
humanas.
Assim, segundo Bales, um dos mais conhecidos sociólogos activos neste campo, os
chefes mais coroados de ê xito são sobretudo aqueles cuja capacidade de dominar
e de dirigir se encontra ligada à possibilidade de contribuir com ideias
construtivas próprias. Os que, desta forma, se encontram aptos a replizar os
objectivos ou missões dos grupos por eles dirigidos são, afinal, mais influentes
do que os chefes que gozam de popularidade geral.
A maneira como um chefe persegue os seus objectivos pode ser tolerante ou
brutal, democrática ou autocrática.
A espécie de chefia desenvolvida numa determinada situação não depende
unicamente do chefe mas também das necessidades da comunidade. Já no capítulo
anterior nos referimos aos
1 . Comportamento dependente do chefe
2. Crítica descontente
3 Exigir consideração
4. Amigável, familiar
S. Sugestões que servem
de orientação para o grupo
6. Solicitação de
informações
T. Conversas que não di.
zem respeito ao assunto
Conversas respeitantes ao trabalho
reacção agressiva ao chefe autoritário
reacção apática ao chefe autoritário
reacção ao chefe democrático
reacção ao chefe
«laissezfaire»
estudos provenientes do círculo de Kurt Lewin sobre chefia autoritária e
democrática e a preferência que uma ou outra suscita nas pessoas dirigidas.
Alguns dos resultados quantitativos destes estudos parecemme revestir interesse
geral. As gravuras foram extraídas de uma investigação experimental levada a
efeito por Lippitt e White sobre chefia e vida de grupo e realizada com rapazes
de 11 o 10 20 30 40 anos, em quatro clubes
juvenis, nos anos de 1934 e 1940.
Na experiência, os
membros do clube foram
201 Comparação de quatro reacções d submetidos a três espécies
grupo aos mesmos três chefes da gravura a de chefia: em períodos de
200. (Segundo Lippitt e White) sete semanas tiveram respectivamente um
chefe autoritário, um democrático e um «laissezfaire»; portanto, um chefe
passivo que cedia consideravelmente em face do grupo.
Os diversos modos de comportamento dos chefes bem como dos dirigidos foram
investigados em diversos sentidos. Apresentamos aqui dois exemplos dos perfis de
comportamento então adquiridos.
Os resultados principais destes importantes estudos são os seguintes, no que se
refere aos chefes:
O chefe autoritário caracterizase, sobretudo, por tomar disposições e dar
ordens que interrompem o trabalho em decurso. Em relação aos outros chefes
exerce também em mais alto grau uma crítica não construtiva; pródiga, porém, à
sua comunidade maior elogio e tributalhe mais reconhecimento; a relação de um
chefe autoritário com as pessoas por ele dirigidas compõese, em 60 % dos casos,
destas formas de comportamento, ao passo que, nas actuações dos restantes
chefes, essas características apenas somam 5 %.
O chefe democrático dá sobretudo indicações úteis e incita ao trabalho pessoal,
é jovial e mantém relações de confiança com a sua comunidade; noutras alturas,
pelo contrário, é sobriamente objectivo. Transmitelhe muitas vezes
conhecimentos.
Finalmente o chefe «laissezfaire» é em geral inactivo, excepto na transmissão
de informações; em certa medida, incita também a desenvolver uma actividade
própria.
As reacções dos dirigidos perante o chefe autoritário são em primeiro lugar uma
dependência em face do chefe, um comportamento ou agressivo ou apático, crítica
descontente e ânsia de consideração; a par disso verificamse, no entanto,
também conversações orientadas de um modo objectivo e solicitação de
informações.
Os dirigidos por um chefe democrático reagem, antes de mais nada, por meio de
sugestões adentro do grupo, por meio de um comportamento amigável e familiar de
uns para os outros
e por meio de conversas relacionadas com o trabalho mas também referentes a
outros assuntos.
As reacções dos dirigidos perante o chefe autoritário são em lugar pedidos de
esclarecimento; a par disso encontramos conversação bem como comportamento
amigável.
Sanford ocupouse particularmente com a questão da espécie de chefia preparada
pelas diferentes comunidades. Descobriu que os «authoritarians», ou seja, as
pessoas crentes na autoridade, preferem os chefes e superiores autoritários que
prescrevem exactamente o caminho a seguir. Pelo contrário, os «equalitarians»,
ou seja, as pessoas com preferência pela igualdade de direitos, podem reconhecer
uma chefia rígida quando esta lhes pareça necessária; preferem, no entanto, uma
mão menos forte. Têm tendência a
202 O demagogo agita as massas, que reagem julgar os seus chefes
de modo emocional e irracional de acordo com as suas qualidades humanas; a
orientação segundo um
objectivo é para eles menos importante do que o bom êxito do processo do grupo.
Os crentes na autoridade interessamse menos pelas qualidades pessoais do chefe,
mas exigem sobretudo que ele conduza ao objectivo
proposto tanto os indivíduos isolados como o grupo. Subordinados ‘ llrn chefe
que não lhes indique nitidamente a direcção a seguir, sentemse pouco à vontade
e em breve consideram esse chefe um «fraco». Pelo contrário, os partidários da
igualdade desleixamse Mais facilmente nas suas realizações no caso de uma
chefia severa.
Erich Fromm, que investigou os problemas do poder, auto ,idade, dependência e
sujeição, no seu célebre livro «0 Medo da Liberdade», defende o ponto de vista
de que existem, é certo, autocratas benévolos, mas que, apesar disso, o uso do
poder serve muitas vezes a satisfação de necessidades sádicas, como ficou
demonstrado no caso dos chefes nazis.
Isto conduznos ao tema do chefe político. Nos vastos estudos que realizou sobre
este tema, Harold Lasswell conclui que nesta forma de chefia se encontra em
primeiro plano a necessidade de Poder.
A mim, pessoalmente, pareceme especialmente importante distinguir se um chefe
político prefere lidar com grupos ordenados ou com a massa. Como muito bem
observaram Miller e Dollard, uma massa tem sempre, é certo, uma actuação de
prestígiO e parece encontrarse sempre na razão. Nenhum chefe se encontra
absolutamente livre do fascínio de impressionar e conquistar uma massa. Contudo,
apenas o demagogo prefere a instigaÇão das massas à influência reflectida sobre
grupos organizados. Enquanto estes funcionam de um modo racional, as massas
reagem de modo emotivo e irracional. A interpretação apresentada por Le Bon, de
que na influência exercida sobre as massas actuam a sugestão e o «contágio»,
parece não ser suficiente, como já Sighele demonstrou, uma vez que estes actuam
no caso das influências de grupo sensatas e cooperativas. Contudo, é geralmente
aceite como verdadeira a hipótese de Le Bon, que afirma tratarse, no caso da
acção das massas, de uma libertação de impulsos reprimidos, na eclosão dos
quais a consciência da responsabilidade se dilui em face da anonimidade da massa
e do submergir do indivíduo isolado nessa anonimidade.
Os chefes totalitários operam visivelmente de preferência
10m a massa, tal como Hitler fez e outros continuam a fazer.
De entre as muitas investigações subordinadas a este importante tema, merecem
atenção especial as observações interessantes de Seymour M. Lipset sobre o
condicionalismo de tais situações. Lipset expõe a hipótese de que a estabilidade
de um regime democrático depende tanto da legitimidade como da efectividade do
respectivo governo e que os governos se desmoronam quando não são efectivos nem
legítimos, ou as duas coisas simul
203204 A multidão paralisada perante a emoção do acidente de trânsito e a
populaça agitada por um demagogo por ocasião de um linchamento
tâneamente. Segundo a sua opinião, a República de Weimar e a República Austríaca
não eram verdadeiramente legítimas aos
olhos de muitos e perderam finalmente também a sua efectividade. Lipset vai mais
além, levantando a questão de saber por que motivo algumas sociedades são
saudáveis e relativamente invulneráveis, a ponto de não sucumbirem à ameaça do
movimento das massas, mesmo no caso de os seus governos falharem. Juntamente com
Tocqueville, vê uma explicação para o desmoronamento de uma sociedade sob a
«sublevação das massas» (Ortega y Gasset) na decadência das élites ligadas às
tradições, decadência essa que significa um perigo fundamental para a
sobrevivência da liberdade e da cultura criadora.
Nem todos os movimentos das massas se encontram necessariamente relacionados com
a chefia política. O linchamento, por exemplo, tem origem no fanatismo religioso
e racial de determinados grupos. O mesmo acontece com a perseguição das
minorias.
O sociólogo distingue diversas formas no comportamento colectivo. As
diferenciações mais importantes são as existentes entre multidão, massa e
público.
A multidão é definida por MacIver como uma estreita aglomeração física de
pessoas que se encontram em contacto passageiro e não organizado. Para Cantril
há a acrescentar a
essas características que, nesse momento, as pessoas reunidas se encontram
possuídas de valores ou de emoções comuns.
Exemplo disso oferece o local de um desastre de viação: logo se reúne um
aglomerado de gente. No caso de um desastre de maiores proporções, o aglomerado
poderá transformarse em
multidão. A excitação devida ao acontecimento mantémnos unidos. Ou um desafio
de futebol: reúne uma grande multidão de espectadores cujo interesse comum diz
respeito ao jogo. Após o desafio, a multidão volta a dispersarse.
Para uma acção em comum a multidão necessita normalmente de um chefe: tal é o
caso verificado nos linchamentos. A multidão transformase então em populaça.
A massa distinguese da multidão por se compor de indivíduos que não se
encontram necessariamente reunidos, como é o caso da multidão, e reagem em parte
isoladamente, em parte de modo uniforme.
Existem, por exemplo, reacções em massa quando uma melodia, o entusiasmo por um
actor ou orador, ou a indignação devido a um crime «arrebatam» a massa. Neste
capítulo os modos de comunicação desempenham um papel importante: a mania de
que todos os jovens se encontram possuídos quando surge uma nova dança, bem como
certos gostos ditados pela moda que dominam o mundo feminino espalhamse, por
exemplo, por meio da transmissão oral, mas também devido a outros meios de
divulgação (rádio, televisão, imprensa).
No entanto, também a massa como tal pode ser arrastada para uma acção conjunta,
servindo aí de agentes libertadores os boatos, as alocuções, as aglomerações
para discussão e a literatura de propaganda. Por outro lado, para influenciar as
massas, é necessária uma chefia. isso pode levar à instigação da massa, a que já
nos referimos, e que pode ser provocada pelos chefes isolados ou pelos meios de
divulgação. Ou então pode exercerse
a influência de um dirigente de opinião, que, como acentuam
E. Katz e P. F. Lazarsfeld, actua a partir de um ponto estratégico.
Katz e Lazarsfeld mostram, no seu amplo estudo sobre «A influência pessoaL>, que
o grupo humano jamais constitui um
meio agregado (exceptuando as multidões que se juntam por acaso), mas uma
estrutura na qual existem papéis e situações de dependência que se
interpenetram.
Na maioria das questões da vida pública interessa menos
a massa do que o público. O público, cujo comportamento e
comunicações são expostos numa grande obra de B. Berelson e M. Janowitz, é
definido por H. Blumer como um grupo de pessoas que se ocupa com formações da
opinião. Quer dizer,
falase de público em relação com questões sobre as quais se verificam formações
de opinião e cujo desenvolvimento é influenciado por essa formação de opinião.
Neste aspecto, como foi sobretudo apontado por Laz,irsfeld e pelos seus
colaboradores, é de salientar o papel desempenhado pelos dirigentes de opinião.
O processo de divulgação da moda é um exemplo interessante que merece uma breve
referência. A moda, cuja ditadura se mantém pelo facto de conferir prestígio ao
que a ela se submete, é, como se sabe, ditada sobretudo em Paris e Nova Iorque
por um número relativamente pequeno de criadores de «Haute Couture». Em seguida
é divulgada quando, logo de início, os
armazéns determinantes e as mulheres ricas se declaram partidários dela, na sua
qualidade., de « dirigentes de opinião ». A pouco e pouco, a moda respectiva
transita dos armazéns mais caros
para os armazéns médios e de preço módico. Até que uma moda recente tenha
atingido a escala inferior, já voltou a surgir na
camada superior outra, absolutamente nova.
Sargent e Williamson apresentam para isto um engraçado exemplo.
O vestido de noiva da duquesa de Windsor, confeccionado por Mainboch e conhecido
por vestido «Wally», apareceu desenhado nos jornais, a 3 de Junho de 1937,
com a indicação de preço de 250 dólares. Dez dias mais tarde, Bonwit Teller,
uma
elegante loja de modas de Nova Iorque, anunciava uma versão
deste vestido por 25 dólares. Um mês depois, Lord e Taflor, armazém de preços
médios, apresentava o vestido «Wally» por 16.95 dólares, e ainda um mês mais
tarde, numa loja barata de confecções, encontravase exposta uma
série de vestidos deste modelo, ao
preço de 8.90 dólares!
Como vemos, na sua reacção perante a moda, o público, sob a
influência de personalidades marcantes, é limitado pelas condições económicas e
dirigido em determinado sentido.
205, A formação da opinião e a moda: em pouco mais de dois meses o modelo
«Wally» transformouse numa confecção acessível a
todas as bolsas
26
5. ORGANIZAÇÃO, MOTIVAÇÃO E CONTRÔLE
Na nossa discussão acerca dos grupos e da dinâmica que neles se desenvolve ainda
não nos detivemos no estudo sistemático dos seus objectivos. Se agora os
considerarmos, logo verificaremos que os grupos se podem dividir em duas grandes
categorias. A primeira compõese daquelas associações, sociedades, clubes, etc.
em que as actividades humanas constituem, em
si próprias, o fim; de associações, portanto, que servem o recreio, o repouso, a
instrução, a criação ou o cultivo de interesses especiais dos indivíduos. Pelo
contrário, a segunda abrange instituições tais como fábricas e empresas, que
servem a produção e a
distribuição da produção, ou as que servem o bem comum, como sejam os serviços
e as instalações públicas, mas também, por exemplo, o exército.
Enquanto na primeira categoria as necessidades humanas dos indivíduos merecem
uma ampla consideração, na segunda elas têm de se encontrar subordinadas às
finalidades objectivas. A necessidade de «fusão» entre o indivíduo e o grupo,
nome
dado por Bakke a este processo, exige, na segunda categoria, uma grande
abnegação por parte do indivíduo.
Esta pressão que o indivíduo tem de impor a si próprio no interesse de uma
finalidade que o transcende, torna necessária uma série de medidas, dispensáveis
no caso do grupo de interesses, nome que podemos usar para designar a primeira
categoria. Na categoria dos grupos de obrigatoriedade, nome
que atribuímos à segunda categoria por oposição à primeira, requeremse
sobretudo duas disposições: a criação de motivações e a introdução de
«contrôles».
As motivações, que são por assim dizer naturais nos grupos de interesses,
necessitam de ser criadas artificialmente para os
que participam em grupos de obrigatoriedade, uma vez que as realizações
obrigatórias que têm que produzir não brotam de necessidades naturais como no
caso da criação livre. Assim, as actividades nos grupos de obrigatoriedade
adaptamse melhor ao homem dirigido a partir do exterior do que a partir do
interior, para usarmos uma das distinções introduzidas por David Riesman. No
entanto, a maioria dos homens tem neste aspecto pouca liberdade de escolha.
Muitas vezes aquele que sente ter nascido para artista vêse obrigado a procurar
o seu ganhapão numa fábrica ou numa repartição pública, devido à insuficiência
do seu talento. E, no caso do serviço militar, não há normalmente dispensa de
participação no grupo de obrigatoriedade.
As motivações introduzidas artificialmente são em primeiro lugar as recompensas,
entre as quais se contam o aumento de salário, a promoção e a aquisição de
prestígio. A estes processos, porém, tem vindo juntarse, ultimamente, em escala
crescente, o que se poderia denominar o despertar de interesses secundários.
Faremos uma breve referência a duas espécies de interesses secundários
destinados a elevar a capacidade de realização: tratase, por um lado, de
processos parciais introduzidos no
processo de trabalho com o fim de proporcionar a satisfação pessoal e, por
outro, da comparticipação do trabalhador na direcção da empresa e no exercício
de «contrôle».
O problema da motivação de todos aqueles que, a partir da época escolar e
através de toda a sua vida de adultos, passam a maior parte do dia em grupos de
obrigatoriedade, ocupa constantemente vastos círculos de investigadores. Há
muito que se discute sobretudo o efeito embotante causado pelo trabalho mecânico
no caso de produção em massa ou pelo repetir constante e monótono dos mesmos
gestos.
Enquanto, originariamente, se pensava mais na criação de auxílios subsidiários
fora do âmbito do processo de trabalho, como sejam cursos complementares e
manifestações culturais para trabalhadores, prestase recentemente maior atenção
ao
problema de como obter uma maior satisfação dentro do próprio processo de
trabalho.
Como Chris Argyris acentua, tal satisfação revelase tanto mais necessária
quanto mais subdesenvolvida é a personalidade do trabalhador; e aquela é tanto
mais subdesenvolvida quanto mais destituído de importância este é na sua
organização. A consequência de uma tal imaturidade é o comportamento regressivo
ou agressivo.
Argyris, Gouldner e outros propuseram, assim, determinadas medidas formação de
pequenos grupos de trabalho não formais; orientação recíproca dos trabalhadores;
criação de relações pessoais e outras disposições semelhantes com o fim de dar
ao trabalho no escritório e na fábrica uma configuração de molde a proporcionar
uma satisfação pessoal. É conhecida a
extraordinária voga dos intervalos para tomar café, sem os
quais na América mal se poderia imaginar o bom funcionamento de um escritório.
Uma das intenções dessas medidas é dar ao trabalhador ou empregado o sentimento
de pertencer à empresa. Se bem que muitos sociólogos tenham declarado a
impossibilidade de tal processo, parece, no entanto, ser muitas vezes bem
sucedido
206 A moderna direcção das empresas, orientada psicologicamente, esforçase por
obter uma maior satisfação no trabalho e por fazer nascer o sentimento de que
se pertence à empresa
Katz e Kalm fazem o relato duma série de investigações que mostram como a
satisfação no trabalho e a produtividade sofrem
emento na medida um increm que o trabalhador ou empregado se sente pertencente à
empresa. Direcções hábeis despertaram IN,
este sentimento, desenvolu_ vendo nos pequenos grupos a consciência de
pertencerem à empresa e o
orgulho pela sua realização. . ..... Por meio de medidas deste
tipo, a mecânica desoladora do trabalho impessoal é transferida mais para
segundo plano e a sociedade desconexa transformase, para usarmos a expressão de
Tõnnies, numa comunidade com elos pessoais. A atmosfera da empresa tornase
melhor.
Uma segunda forma de despertar os interesses secundários, cujo efeito motivador
parece dar pleno resultado, é o da participação do trabalhador na direcção da
empresa. Entre as muitas exposições feitas sobre esta modalidade pareceme
particularmente claro e interessante um pequeno trabalho de Keith Davis.
Davis define três graus de participação dos trabalhadores na direcção da
empresa. O primeiro grau é o de compreensão mútua entre todos os que exercem a
sua actividade na empresa. No segundo grau efectuase uma participação
consultiva por parte de todos os trabalhadores. O terceiro grau cria uma
participação de autoridade, segundo a qual cabem ao grupo de trabalhadores
determinados direitos de decisão.
Tais fins podem ser alcançados por meio de reuniões de grupo em sessões não
formais ou em comissões, de conferências dos dirigentes da empresa e dos
dirigentes das secções com os empregados e os trabalhadores, de comissões
encarregadas da produção, e também incitando os trabalhadores a apresentarem
sugestões sobre a forma de obter melhorias na empresa. Tornase
necessário que esta última medida, precisamente, seja aplicada de modo
particularmente cuidadoso. Como de uma maneira geral, todas estas inovações
parecem ser mais bem sucedidas no caso de patrões e gerentes que tenham tomado
parte em cursos sobre chefia psicológica de empresas.
Porém, como Tannenbaum e Massarik acentuam, para que as medidas desta espécie se
revelem eficazes, tornase necessário que o trabalhador da empresa esteja de
facto interessado em
participar da direcção, e se encontre preparado para tal. Os empregados ou os
trabalhadores educados segundo um sistema autoritário, e que não tenham
aprendido a exprimirse de acordo com as circunstâncias, pouco poderão
empreender com este sistema. Por esse motivo, a par de uma maior intuição por
parte do gerente ou do patrão, deverá existir uma melhor capacidade de
comunicação por parte do trabalhador. Ambos exigem uma educação especial
orientada psicologicamente.
Curiosa e simultaneamente rica em conclusões no que respeita à orientação
fortemente psicológica da moderna direcção de empresas é a descrição feita por
Davis de como é possível, utilizar o chamado «grapevine» de modo construtivo,
para que se verifique uma melhoria da atmosfera da empresa. Por esta palavra
intraduzível, que à letra significa «videira», entendese a torrente de rumores
e de boatos que são constantemente passados de boca em boca como se fossem por
assim dizer enroscados numa videira, «às escondidas», «por detrás das costas».
Davis cita um artigo de Joseph K. Shepard no «Indianapolis Star Magazine», em
que o circular de boatos é tratado de forma poética.
«Com a rapidez de uma mecha incandescente a informação brota mágica das paredes,
corre ao longo da canalização, passa pela porta do gerente e pelo cubículo do
porteiro. Volátil e com
a leveza da brisa, os boatos infiltramse pelas portas de aço e
pelas paredes de vidro, ascendem da cave até ao sótão, do moço de recados ao
director da empresa... Trazem boas e más notícias, factos e fantasias, não se
preocupam nem com a reputação nem com os direitos burgueses, não respeitam
pessoas nem
privilégios. Os boatos são servidos sem olhar a nada, quer se trate
das personalidades directivas, do capataz ou da dactilógrafa ... »
Davis mostra então como uma utilização hábil do «grapevine» não só confere
muitas informações à direcção da empresa como lhe permite também infiltrar
determinadas informações no pessoal. Deste modo os rumores e os boatos que
circulam na
empresa podem também ser utilizados de modo absolutamente construtivo.
Tudo isto significa que, no grupo mais moderno, na empresa perfeitamente
organizada, o sistema dos contrôles é modificado com base em princípios
psicológicos.
Em que consiste o contrôle social? Embora pareça extraordinário, uma noção tão
espantosamente fundamental como a
de «contrôle» social foi objecto de apenas poucas investigações sistemáticas.
Todos sabem, naturalmente, que «contrôle» tem algo que ver com fiscalização,
restrição, domínio de modos de comportamento ou de processos. É igualmente do
conhecimento geral que os pais, os professores ou os superiores exercem
«contrôles», baseandose e servindose da autoridade de que dispõem. Contudo, o
conceito de «contrôle» social tem um mais longo alcance e é, além disso, mais
complexo. A meu ver, são Parsons e Shils que mais se aproximam de uma definição
suficientemente completa, no livro por eles editado sobre «Teoria Geral da
Acção» , no qual investigam pela primeira vez, de forma sistemática, muitos
fenómenos sociológicos. Segundo eles, os «mecanismos de «contrôle» têm a função
de manter em equilíbrio o respectivo sistema social.
Quer isso dizer que a pressão exercida sobre um indivíduo nem sempre se realiza
fundamentalmente no seu próprio interesse, que o seu castigo não se processa com
o objectivo de o aperfeiçoar, mas que tudo isso serve antes, em mais larga
escala, para manter em equilíbrio e em funcionamento uma estrutura social como a
família ou a fábrica.
Em determinadas circunstâncias, este processo pode, de facto, não se diferenciar
do que serve a educação ou o aperfeiçoamento; noutras circunstâncias, contudo, o
«contrôle» social pode consistir numa espécie de pressão que contraria em
absoluto os interesses dos indivíduos.
O «contrôle» social exercese tendo em vista o papel social que é atribuído a um
indivíduo. Se um indivíduo não cumpre o que se espera dele e do papel que
representa, sãolhe prometidas sanções ou recompensas ou é submetido a pressão.
O indivíduo pode ser modificado mediante castigo ou recompensa; ele é, em
determinadas circunstâncias, consideravelmente influenciável pela pressão, que
tanto se pode revelar por meio de uma
exteriorização de opinião como através do comportamento dos outros, sendo
possível que se deixe assim influenciar momentaneamente ou de forma mais
duradoura pela opinião alheia. Em casos extremos pode ser expulso do grupo; na
empresa ou nos serviços públicos essa expulsão significa o abandono forçado do
seu posto. No caso de crimes e de doenças mentais que
ponham em perigo a sociedade, utilizase, além disso, como meio de «contrôle», o
isolamento ou o afastamento do indivíduo em
face do grupo.
A forma mais simples de «contrôle» é naturalmente a de «contrôle» autoritário, a
que já a criança se encontra submetida na família e na escola. Porém, a criança
experimenta também muito cedo o «contrôle» exercido pelo grupo de jogos. Este
exerce
uma pressão sobre o participante e, sobretudo na primeira infância, procede
frequentemente de ânimo leve a expulsões impensadas.
Em experiências célebres, realizadas por Muzafer Sherif, mostrouse, de forma
especialmente drástica, o contrôle de opiniões exercido pelos grupos de maioria.
Ele demonstrou como os indivíduos, muitas vezes contrariamente às suas
convicções mais profundas, se submetem às opiniões de uma maioria que domina a
situação pelo facto de os participantes do grupo terem a tendência para
convergir em direcção a uma norma, ou seja, ansiarem por um acordo no sentido de
uma opinião determinante.
É conhecida a pressão que, em determinados grupos de trabalho, a maioria exerce
sobre os diferentes participantes do grupo. Já em 1908 Max Weber utilizou a
expressão «travagem» para o «contrôle» a que um colega particularmente
trabalhador, eficiente ou bem dotado pode ser submetido por parte de um
grupo de trabalhadores ou de empregados quando o seu trabalho, de melhor
qualidade, constitua uma ameaça para o nível de realização que os restantes
mantêm.
Do mesmo modo Roethlisberger e Dickson comprovam na
célebre investigação HawthornePlant que, numa sala de montagem, os
trabalhadores tinham um código social segundo o
qual atribuíam certas alcunhas depreciativas aos diferentes participantes do seu
grupo. Referiamse aos que produziam demasiado como sendo «gazuas de salário»;
quem produzia de menos
era chamado «batoteiro» e quem denunciava aos chefes algo que fosse desfavorável
ao grupo era denominado «denunciante».
Assim, enquanto os grupos tentam controlar os seus membros, a direcção da
empresa ou a respectiva instância responsável exerce, pelo seu lado, «contrôles»
que permitam a obtenção de realizações adequadas.
A pressão da responsabilidade à qual, na empresa e nos serviços públicos, se
encontram submetidos os titulares de posições directivas desde o chefe de
secção ao capataz aqueles trabalhadores, portanto, que; por um lado, têm como
missão controlar os seus subordinados e, por outro, se encontram sujeitos ao
«contrôle» dos seus superiores, constituiu recentemente
tema de investigação no campo da Psicologia Social, depois de há muito se terem
formado opiniões correntes sobre os que se encontram em tal situação.
Proverbialmente conhecido é o chamado «ciclista», que se curva perante os que
lhe são superiores e calca os que têm uma posição inferior à sua (*).
Entre muitos outros estudos notáveis, pareceme particularmente interessante o
trabalho de J. e R. Useem sobre a pressão social a que a gerência média se
encontra sujeita, ou seja, os
a corrigir este capítulo
que numa empresa ocupam uma posição intermédia entre «os
do alto» e «os de baixo». O trabalho trata a estrutura psicológica da forma de
vida de um indivíduo que ocupa tal situação intermédia. A questão consiste em
saber de que modo o indivíduo nas respectivas circunstâncias consegue estar à
altura da pressão das exigências que lhe são postas bem como do problema da
promoção.
Neste aspecto, J. e R. Useem descrevem um fenómeno a que Merton se refere, ou
seja, o da «socialização antecipadora». Entendese por esta expressão que o
interessado na ascensão social se integra, até certo grau, na Psicologia das
posições mais elevadas que, possivelmente, lhe estão abertas e que, devido a
esta antecipação, se encontra mais facilmente adaptado às suas futuras tarefas.
Por outras palavras: a ascensão social e profissional coroada de êxito pressupõe
mobilidade, adaptabilidade e uma aprendizagem antecipadora.
Ocuparnosemos logo a seguir, no capítulo sobre a estratificação social, dos
problemas relacionados com estas hierarquias resultantes da formação dos grupos
de obrigatoriedade desde a escala inferior à mais elevada, enquanto mais tarde,
no
capítulo dedicado à aplicação da Psicologia, trataremos de mais perto as
interessantes experiências e investigações realizadas sobre os problemas
práticos dos «contrôles» na vida económica.
Como forma extrema do grupo de obrigatoriedade, restanos, finalmente, ainda uma
referência à Totalinstitution (instituição total). Por este nome compreendemse
instituições submetidas a uma única autoridade e cujos membros passam toda a sua
vida num só e mesmo lugar. Exemplos dessas instituições totais são as prisões e
as instituições para doentes mentais, mas também o quartel, os internatos e os
conventos.
(*) Em alemão chamase «ciclista» à pessoa simultaneamente lisonjeadora dos
superiores e despótica para com os inferiores. Tal pessoa toma a posição típica
do ciclista: anda de costas curvas (perante os superiores) e a calcar com os pés
(os que lhe são hierarquicamente inferiores).
A instituição total significa a fusão mais radical entre indivíduo e grupo. A
submissão total do indivíduo às regras e normas de grupos que aí se exige
provoca quase sempre um protesto, uma vez que o indivíduo se encontra em larga
escala privado da sua liberdade de acção e disponibilidade. É este também o
motivo por que tantas pessoas se negam a entrar em lares de pessoas idosas ou em
instituições semelhantes.
As pessoas internadas nessas instituições totais, tentam, normalmente, criar,
pelo menos, certo grau de liberdade, desenvolvendo pequenos grupos não formais
para os quais estabelecem as suas leis próprias.
Contudo, em determinadas circunstâncias, os indivíduos aceitam os preceitos
dados e, deste modo, verificase igualmente um ingresso voluntário em
instituições totais, por exemplo no
exército, ou, tratandose de estudantes, em lares residenciais, nos quais,
aliás, a privação da liberdade não é absoluta.
6. ESTRATIFICAÇÃO, MOBILIDADE E MUTAÇÃO SOCIAIS
Nas suas encantadoras histórias e recordações de África, Isak Dinesen (é sob
este pseudónimo que se oculta a baronesa dinamarquesa Tania Karen Blixen.
Finecke) dedica uma grande parte das descrições ao seu criado Farah Aden, da
Somália. Farah, que durante 18 anos exerceu as mais diversas funções, desde o
governo da casa e arranjo dos estábulos até aos safaris da baronesa, era,
segundo as descrições desta, uma personalidade notável. O que interessa ao nosso
contexto é a relação peculiar que ele mantinha para com ela.
Apesar de Karen Blixen, segundo ela própria afirma, discutir com Farah todos os
assuntos e de ele estar informado sobre todos os seus cuidados e alegrias, sobre
tudo o que ela fazia e pensava, tal não obstava a que ele, no entanto,
mantivesse sempre a distância rigidamente prescrita pela etiqueta.
O senhor e o criado, diz Karen Blixen, esse par tão célebre através dos séculos
na História e na Literatura, foi realizado por ela e por Farah na sua unidade
peculiar. Farah, um gentleman no mais amplo sentido da palavra, orgulhoso
indígena da Somália, de estatura magnífica, tornouse, a partir do primeiro dia
de serviço, o mordomo da casa, que ele denominava a «nossa» casa, tal como se
referia também aos «nossos» cavalos e aos «nossos» convidados. Era absolutamente
fiel e honesto, aguardava, porém, da parte da sua senhora, a mesma fidelidade e
a observância das mesmas regras vigentes para o contacto entre os dois.
Entre outras incumbências, era Farah quem administrava o dinheiro da baronesa e,
quando ela queria comprar, por cinco rupias, novas calças de montar, ele
declarava muito sério: «Este mês não nos podemos dar a esse luxo. Para o mês que
vem».
Por outro lado, determinava que era absolutamente necessário comprar champanhe
para os convidados de que estavam à espera. Farah era um daqueles criados que só
a morte consegue separar do seu senhor.
O que Karen Blixen descreve acerca de Farah é um exemplo frisante de uma relação
social marcada pela etiqueta e imutável dentro de uma sociedade com uma rígida
estratificação social.
Esta antiquíssima relação senhorcriado perdeu, na maior parte das culturas do
nosso tempo, a sua obrigatoriedade tradicional e tende a dissolverse com a
crescente democratização.
Lembrome ainda como, ao vir da Europa Central para a Noruega, uma amiga com
ideias socialistas me deu o conselho, quase a ordem, de deixar a minha criada
comer à mesa connosco.
E, no que diz respeito à América, Harold Laski é de opinião que a existência de
pessoal doméstico foi durante muito tempo considerada como não ética e como uma
infracção ao princípio democrático. Hoje em dia, em que, não raro, se requerem
os serviços dessas assistentes domésticas, a sua situação é absolutamente
diversa, muito mais independente do que na Europa, onde aliás também actualmente
se processa uma mutação muito rápida: na Alemanha, por exemplo, a assistente
doméstica é, de momento, uma personalidade muito solicitada.
Este é apenas um exemplo de estratificação social, cujas formas principais são
naturalmente dadas num sistema de classes. Não pode ser tarefa nossa, no âmbito
do presente livro, tratar o gigantesco campo problemático dos diversos sistemas
de classes. De acordo com o nosso interesse fundamental de compreender os
sectores da vida no que respeita à penetração psicológica por eles
experimentada, limitamonos também aqui a alguns aspectos psicologicamente
essenciais.
Psicologicamente essencial pareceme em primeiro lugar a
conclusão a que se chegou de que os seres humanos, seja qual for a forma de
sociedade em que vivam, tomam individualmente diferentes posições sociais. Nas
diferentes sociedades a idade, o sexo, a pertença a uma família, a espécie de
ocupação, os
bens e outros elementos representam papéis muito diversos. No entanto, embora
com diferente fundamento, existem em toda a
parte posições que distinguem dos outros aquele que as ocupa.
Algumas destas posições sociais são assentes e reconhecidas oficialmente, outras
são mais vagas e não expressas. Mas a maior
parte das pessoas tem consciência da posição que ocupa e da posição que ocupam
os demais e sabe que, em cada uma dessas posições, tem de representar
determinado papel. Neste aspecto podem contudo surgir ilusões, no caso de a
posição e papel real não corresponderem ao papel nominal.
Tomemos como exemplo o chefe masculino de uma família dirigida com
autoritarismo, o Senhor Hauptmann. O Sr. Hauptmann sentese o dono da casa e
representa o papel de uma espécie de comandante. Na realidade, porém, a Senhora
Hauptmann, aduladora e atraente, sabe muito bem como iludir as ordens do marido
ou como leválo a modificar a sua opinião. Assim, na realidade, é ela quem
desempenha o papel decisivo, se bem que lhe deixe a ele o prestígio do lugar de
primazia.
Quanto mais complicada é uma sociedade tanto mais diversas são as espécies de
formação de grupo e, simultaneamente com elas, os lugares hierárquicos que um
indivíduo pode assumir. Como já frisou Georg Simmel, cada indivíduo vive numa
estrutura singular de pertenças de grupo com os mais diversos lugares
hierárquicos.
O Senhor Hauptmann, a que já nos referimos, que em família gosta de representar
o papel de chefe, goza possivelmente no seu escritório, enquanto empregado
médio, de um prestígio moderado, e na hierarquia económicosocial da comunidade
pertence antes à classe média inferior. Porém, no clube de chinquilho goza da
maior consideração visto ser um excelente jogador.
Um segundo dado psicológico muito notável pareceme ser o facto de os seres
humanos apreciarem o fenómeno da posição social com avaliações
extraordinariamente diversas. Desde o extremo dos que negam simplesmente a
existência de hierarquias e para quem essa ideia constitui um tormento, até aos
que consideram todas as pessoas sob o ponto de vista da sua classe e se
encontram profundamente convencidos do significado de uma posição, verificase
toda a espécie de graduações e de matizes.
Acerca deste tema existe uma série de investigações interessantes, compiladas de
forma extraordinariamente hábil por Sargent e Williamson, na «Psicologia
Social».
Por exemplo, numa aldeia americana de pradaria, com 275 habitantes, J. West
registou uma organização de classes de tal maneira especializada, que cada
indivíduo ocupa na consciência dos demais um lugar bem definido com base na sua
pertença a determinada família, clique, loja maçónica, igreja, e outras
associações.
Apesar disso, os habitantes de Plainville declararam firmemente e cheios de
orgulho: «a nossa aldeia é um local onde todos os homens são iguais! Entre nós
não existem classes».
No entanto, vendo bem as coisas, a comunidade dividese em duas grandes classes
distintas: «as pessoas boas, decentes, respeitáveis, que trabalham com
regularidade» e «as pessoas de classe mais inferior», que ou são designadas
«boas, decentes e piedosas» ou «maus elementos, sem crença». A par disso,
existem ainda os que se encontram muito em baixo na escala social, «os que vivem
como os animais», e alguns que constituem «a nata».
De modo geral, como mostram Warner e Lunt, é possível distinguir seis classes
numa «cidade yankee» dos nossos dias. Numa cidade da Nova Inglaterra, a
distribuição foi a seguinte:
1 Classe Superior mais elevada 1,44%
2 Classe Superior mais baixa 1,56%
3 Classe Média Superior 10,22%
4 Classe Média Inferior 28,12%
5 Classe Inferior mais elevada 32,60%
6 Classe Inferior mais baixa 25,22%
7 Desconhecidos O,84%
Esta classificação foi levada a efeito com base nas indicações dos habitantes e
no modo como eles integravam os seus concidadãos nas diversas hierarquias. Os
critérios seguidos eram múltiplos. Os mais importantes revelaram ser a situação
económica, a profissão, as relações sociais, o local de habitação, a origem e a
reputação moral.
Uma segunda questão importante consiste em saber quais as consequências reais
que estas divisões hierárquicas têm para a vida em comum. Um facto está
comprovado: a categoria determina até certo grau o acesso que um indivíduo tem
ou não tem a determinadas coisas. Existem, no entanto, dois factores que
contrabalançam esta influência limitativa da hierarquia por classes.
Uma é a mobilidade social extraordinariamente elevada da sociedade actual, que
iremos já tratar mais de perto (vide pág.
415). O outro factor énos apresentado pela arguta observação de Granville Hick,
que estudou a vida social numa pequena cidade.
Segundo ele afirma, apesar da existência de classes hierárquicas de que todos
têm consciência, os homens vivem antes num sistema de relações em que essa
hierarquia não é considerada. Eles encontramse nas lojas, no cabeleireiro, em
restaurantes, na igreja, em reuniões políticas e em muitos outros locais. Mas a
igualdade social que daí parece resultar tem apenas correspondência real em
algumas comunidades pequenas ou em circunstâncias especiais. Em cidades maiores
é relativamente raro atingirse essa espécie de contacto livre de
constrangimento e tal só se verifica com pressupostos especiais. O Carnaval, por
exemplo, mistura sem distinções ou faz um «batido» de toda a população de uma
cidade.
Schelsky, no livro sobre a «geração céptica», que já citámos noutro passo
pormenorizadamente, apresenta observações extremamente interessantes acerca do
tema da avaliação das diferenças de classe.
Schelsky é de opinião que, na sociedade alemã de hoje em dia, se realizou um
nivelamento social, uma demolição das diferenças de classes à qual, porém, não
corresponde, de nenhum modo, um nivelamento dos padrões sociais ou da
«autoconsciência social». Segundo ele, existe uma defesa contra esta «perda de
posição social» e, devido a ela, uma acentuação de pertença a grupos com
prestígio social que se baseia na «imaginação», uma vez que não lhe corresponde
já qualquer realidade. Segundo Schelsky, acontece assim que se considere
ascensão social a necessidade de «andar para a frente», de «se tornar uma coisa
melhor» quando, de facto, essa ascensão já nada significa.
Dentro do círculo temático da estratificação social pareceme, a mim
pessoalmente, extremamente interessante sob o ponto de vista psicológico a
questão das relações que têm as camadas e as classes hierárquicas com
determinadas representações de valores.
O problema dos valores parece ser diferente segundo o nível a que é investigado.
Os últimos valores humanos não são, é certo, considerados do mesmo modo por
todos os homens, mas todos eles os partilham, ainda que em diversas formas de
realização.
É este o caso das tendências realmente fundamentais e da realização da vida
temas que já tratámos pormenorizadamente.
Neste passo tratase, pelo contrário, das representações de valores mais
específicas que podem separar as diversas classes umas das outras. Como Schelsky
expõe numa análise sagaz, em
parte baseada nas investigações de Th. Geiger, estas encontramse hoje em dia
tão niveladas como a própria sociedade.
A posição assegurada na sociedade burguesa de ontem pela herança e pela fortuna,
que deixava o tempo livre para a realização de outros valores, apenas existe
hoje em dia para círculos muito restritos, não para camadas inteiras. As
inflações e as
guerras, as alterações no valor da moeda e as expropriações demonstraram em que
medida a propriedade e os bens são impotentes perante tais ataques. A revolução
dos sistemas políticos e sociais provocou, além disso, abalos profundos na
segurança da vida jurídica e institucional. Como consequência desse fenómeno na
actual sociedade industrial tornase igualmente necessário para todos os homens
trabalhar constantemente pela segurança social e económica. Esta necessidade e a
problemática da segurança é hoje em dia igualmente reconhecida pela camada
superior e inferior da escala social. E assim, como diz Geiger, a qualificação
profissional tornouse para todos o meio de produção mais importante.
O problema da insegurança move hoje em dia todas as camadas e classes e, assim,
como já mostrámos no capítulo sobre o decurso da vida, ao referirmonos à
juventude actual, a segurança transformouse no valor principal pelo qual todos
anseiam. Uma maioria esmagadora reconhece, para usar as palavras de Schelsky,
que, «nas crises políticas e económicas da sociedade industrial a qualificação
profissional constitui quase a última oportunidade, inalienável, do indivíduo,
que lhe permite obter mais elevada segurança social e económica» . Ele designa
«a ânsia cada vez mais generalizada de melhor formação profissional precisamente
como a ânsia de bens, modificada, do mundo burguês».
Schelsky considera como dois outros valores do jovem trabalhador alemão uma
forte necessidade de prestígio e reconhecimento sociais e uma vontade de
realização específica baseada na aptidão e tendências.
Para a distribuição destes motivos cita o estudo de uma repartição de trabalho
de uma grande cidade. No concurso a um lugar de aprendizagem, com vista à
formação profissional, foram indicados os seguintes motivos: «segurança
económica»,
70 %; «prestígio social», 48 %; «vontade de realização e gosto pelo trabalho»,
40 %; «maiores oportunidades para o futuro», 30 %.
Schelsky considera estes resultados como os objectivos de um determinado grupo
social de jovens; a mim, no entanto, pareceme que esta tabela pode ser válida
de modo geral para a moderna juventude e não só na Alemanha.
Devese ainda salientar que Schelsky encontra na juventude feminina «
fundamentalmente as mesmas formas e evoluções de comportamento» que na juventude
masculina. A existir uma diferenciação, ela consiste, quando muito, no motivo
algo mais acentuado de segurança em face da ascensão, comum ao sexo feminino.
Se, para usarmos a imagem de uma fórmula matemática, colocarmos a ânsia de
segurança social em numerador de uma fracção e a ânsia de promoção social em
denominador, exprimirseá no quociente dessa fracção a relação entre os dois
motivos e valores principais que actuam na vida prática de um actual membro da
sociedade industrial. Este resultado parece ser válido para todas as nações e
consideravelmente independente das camadas sociais. O factor risco é o terceiro;
a sua entrada em
acção condiciona a predominância do motivo de segurança ou
de promoção.
Estes factos correspondem à triste realidade que Karl Mannheim formulou do
seguinte modo: «Assim como a natureza era
incompreensível para o homem primitivo e os medos profundos de que ele se
encontrava possuído provinham da imponderabilidade das forças da natureza, assim
o sistema sob o qual vive o moderno homem industrializado, com as suas crises
sociais,
a sua inflação, etc., se tornou para ele uma fonte de medos correspondentemente
profundos.»
O ímpeto de ascender, que já citámos em relação com o
fenómeno das camadas sociais, pertence àquilo que se denomina mobilidade
social.
A mobilidade social compõese de movimentos «horizontais» e «verticais». A
mobilidade horizontal significa migrações, mudanças de local e de residência por
parte da população mas também mudança de local de trabalho, de religião, de
partido político e fenómenos semelhantes; por mobilidade vertical designase o
movimento ascendente e descendente de indivíduos e camadas.
A mobilidade horizontal é hoje em dia tão elevada que se
fica tentado a falar do início de uma nova «migração de povos». Devido à
constante revolução das relações que nos foram transmitidas, com o contínuo
desmoronamento ou diminuição do significado dos sistemas de classes encontrase
também directamente relacionado um aumento de mobilidade vertical.
Especial testemunho deste aspecto podem dar os inúmeros refugiados e emigrantes
de todos os países. Neles se pode observar, de uma maneira particularmente
drástica, os movimentos ascendentes e, mais frequentemente ainda, os
descendentes.
Mas, de resto, também a mobilidade na sociedade industrializada é muito maior do
que na antiga sociedade burguesa em que, sobretudo na Europa, um sistema fechado
de classes dificultava bastante os movimentos ascendentes. A mobilidade
crescente do nosso tempo exige uma extraordinária flexibilidade, mobilidade e
adaptabilidade por parte do indivíduo; é necessário saber «adaptarse». Desde
sempre, o americano teve mais em vista o factor ascendente, contando com ele
para os seus filhos.
Como Hofstãtter nota brilhantemente, a mobilidade excepcionalmente grande
verificada na América enquanto relação interhumana fez florescer a
«solidariedade da vizinhança», algo diferente da amizade, visto que esta é uma
forma de relação mais pessoal, que pressupõe um conhecimento e enraizamento mais
longos.
A mobilidade social é o fenómeno de movimentos que as
relações sociais, em que os indivíduos e grupos viveram, soltam e modificam. Em
determinadas circunstâncias, uma forte mobilidade social altera a estratificação
social existente.
No entanto, esta é mais fortemente atingida por aquilo que se denomina mutação
social. Já por diversas vezes nos referimos
a um exemplo de mutação social a transição da chamada sociedade «burguesa» na
sociedade «industrial» do nosso tempo.
Como se realiza uma tal mutação social? Esta questão ocupa hoje em dia muitos
investigadores, tanto sob o ponto de vista sociológico e psicológico como à luz
da Antropologia Cultural.
Pitirim Sorokin engloba todas estas mutações no conceito de evolução social. É
possível que este critério seja acertado, encarando nós apenas o movimento geral
na sua totalidade. Nos
207208 A transformação da moda à esquerda 1900, à direita 19,60 exprime a
transformação cultural e social
casos particulares, porém, verificamse naturalmente também repressões,
retrocessos portanto, e alterações de estruturas que não estão necessariamente
incluídas no ponto de vista de uma evolução. Quando, por exemplo, se altera o
estilo dos penteados femininos ou de outros pormenores relativos à moda, operam
se mutações de gosto que não significam progresso nem retrocesso Quando, porém,
se introduz a moda de saias curtas e de cabelos curtos por ser mais prática e
sobretudo mais adequada para a mulher que trabalha, verificase aí um progresso
pelo menos
aos olhos dos que crêem nas profissões femininas.
Aliás, as modificações da moda como tal estão incluídas no conceito de mutação
cultural, ou seja, mutação de costumes e
tradições. Contudo, no nosso segundo exemplo cabelo curto e
saia curta em vez de penteados complicados e de compridos «varre pó», a mutação
cultural é a resultante da mutação social, ou seja, da situação modificada da
mulher na vida pública
Se quiséssemos, nem que fosse só tomar pé no campo extraordinariamente vasto dos
factos e noções que dizem respeito à mutação social, seria necessário um
capítulo, se não um livro próprio. Por esse motivo limitarnosemos também aqui
como
até ao presente às perspectivas que possam ser essenciais para a compreensão
pessoal do mundo em que vivemos.
Em primeiro lugar pareceme importante frisar que uma
mutação social tanto se pode processar gradual como repentinamente. A mutação
gradual processase em pequenas modificações que decorrem continuamente. A
mutação repentina realizase por meio de resoluções ou de procedimentos
violentos.
As mutações graduais bem como as repentinas podem provir ou irromper do interior
de um grupo, ou podem ser introduzidas ou provocadas a partir do exterior.
Estas mutações, podem, além disso, constituir pequenas transformações ou grandes
revoluções.
Alguns exemplos poderão ilustrar esta diferença: Bales, por exemplo, descreve
nos no seu estudo sobre mutação de hierarquias uma alteração pequena, operada a
partir do interior, tal como resulta, no decurso de certo tempo, no íntimo de um
grupo. Certos grupos que tinham escolhido o membro «mais querido» como o mais
adequado para chefe, modificaram
a sua opinião logo no decurso de quatro reuniões. O preferido foi cedendo cada
vez mais lugar àquele que possuía as melhores ideias, ainda que este
normalmente não fosse estimado.
Kurt Lewin estudou, em investigações brilhantes, as mutações relativamente
pequenas operadas a partir do exterior.
27
Tornouse muito conhecido o seu trabalho sobre a mutação dos hábitos de
alimentação ocorrida em consequência de resoluções. Descobriu, em primeiro
lugar, que apesar dos diversos caminhos pelos quais os víveres entram em casa,
era sempre em
última análise a dona da casa quem decidia dos hábitos de alimentação. Denomina
a o «porteiro», com poderes de abrir ou fechar o portão em face dos novos meios
de alimentação.
Juntamente com Alex Bavelas, Lewin concebeu então experiências com o fim de
alterar certos hábitos na recepção de alimentos, por forma a aumentar, por
exemplo, o consumo de espécies de carne e de bebidas à base de leite que não
gozassem da preferência do público. Demonstrouse que isso era mais fácil de
obter através de discussões de grupo do que através da instrução pessoal, uma
vez que o grupo revela ser um elemento de apoio quer na modificação quer na
conservação de um hábito.
O terapeuta de grupo pode comprovar este facto, acrescentando que certas
modificações operadas no indivíduo se obtêm mais facilmente em grupo do que
através de terapia individual.
A mutação social em grande escala, tal como se opera em movimentos e revoluções
políticas, é difícil de abranger nas suas
relações psicológicas. Neste aspecto uma das questões principais é a seguinte:
Existirão atitudes gerais quanto a uma mutação social? Segundo parece, existem
diferentes atitudes segundo os
grupos: o sistema dos partidos políticos organizados e consolidados reflecte,
entre outros aspectos, a diferente atitude dos grandes grupos em face da mutação
social.
Talcott Parsons iniciou observações teóricas pormenorizadas sobre o problema da
mutação social. Distingue dois processos de metamorfose que, por assim dizer, se
sobrepõem um ao outro:
um autónomo (submetido a uma lei própria) e um provocado politicamente.
O processo autónomo é uma mutação da estrutura social que (na América) é
sobretudo provocada por factores económicos, ao passo que o processo provocado
politicamente resulta da contraactuação recíproca de grupos radicais e
conservadores.
Além dos factores económicos verificamse naturalmente muitos outros que
provocam uma mutação autónoma da estrutura social. Assim, por exemplo, a
educação em toda a espécie de escolas primárias, médias, secundárias e
superiores bem como
nas escolas profissionais é um factor da mais alta importância: A divulgação
crescente de uma melhor preparação profissional, de um saber mais sólido e de
uma aptidão mais elevada, modifica
não só a estrutura cultural como também a estrutura social de um país.
Factores como os bens, a educação e a formação profissional, a religião e as
relações sociais e internacionais tudo isso são valores pelos quais os partidos
políticos se empenham.
Devemos à exposição de Abram Kardiner e Ralph Linton um exemplo
extraordinariamente interessante de uma quarta variante de mutação social, ou
seja, da revolução de uma ordem social e cultural provocada a partir do
exterior. Tratase da mutação que teve lugar nos Tanela, na ilha de Madagáscar,
quando esta tribo pôs de parte o cultivo seco do arroz para dar preferência ao
sistema de irrigação.
O cultivo seco do arroz era realizado por grupos de famílias que viviam
conjuntamente em aldeias autónomas, independentes umas das outras. O campo de
arroz cultivado a seco tornavase, passado algum tempo, impróprio para o
cultivo, e voltava a ser
posse da comunidade em troca de um outro que esta cedeu como feudo. Ninguém,
portanto, tinha a posse da terra. A organização da aldeia era democrática.
Quando o terreno até então cultivado se tornava infrutífero, a comunidade
deslocavase para outro local.
Porém, com a irrigação, o campo de arroz tornouse um
bem valioso. A partir desse momento, a comunidade não mais necessitou de se
mudar em busca de áreas próprias para o cultivo. Os campos de arroz cultivados
continuamente levaram à instalação de povoações permanentes. Estas organizaram
se hierarquicamente, de acordo com a posse do terreno e outras diferenças nos
factores económicos. O detentor do governo era
um rei que dispunha de um poder ilimitado, e desenvolveuse um sistema de castas
rigidamente estruturado.
Com a organização da tribo modificouse igualmente a da família, passando o pai
a ocupar no interior dela uma situação correspondente à situação de poderio de
que desfrutava o rei.
Kardiner salienta que a segurança e a igualdade de valores que o indivíduo
isolado possuía no antigo sistema desapareceu
na sua totalidade, e que, no novo sistema, aumentaram, de forma considerável, o
medo e a hostilidade mútua.
Os exemplos com que ilustramos os fenómenos da mutação social revelam como eles
se encontram estreitamente ligados à mutação cultural. Voltaremos a abordar este
aspecto no capítulo sobre as culturas.
Ix. Exemplos de Estruturas Sociais
1. GRUPOS NATURAIS E ARTIFICIAIS
Uma das questões mais interessantes da Sociologia foi, desde sempre, a forma
como se realizam as diversas modalidades de organização da sociedade humana os
grupos. Logo no início se reconheceu a existência de dois factores que
representam um papel nesse processo: necessidades naturais e pontos de vista
racionais. Aliás, como indica Alvin W. Gouldner, os diferentes sociólogos
atribuem a esses dois factores um significado diverso para o desenvolvimento da
sociedade humana e consideram em ambos influências benéficas ou prejudiciais
para o destino da mesma sociedade.
Auguste Comte, por exemplo, afirma já em 1830 que «uma
ordem que resulte de modo espontâneo» será sempre superior a outra que os homens
criem artificialmente.
Max Weber demonstrou que a sociedade moderna é essencialmente criada a partir de
uma base racional e legal; fundamentase, portanto, em medidas tomadas de acordo
com a razão e com a lei que, embora possibilitem a realização, provocam, no
entanto, uma regulamentação que desumaniza a personalidade isolada.
Tõnnies vê na oposição entre grupos criados natural e
artificialmente o contraste entre «comunidade» e «sociedade», enquanto Durkheim
contrapõe à «solidariedade orgânica» uma
«solidariedade mecânica».
A organização mais fortemente baseada em factores naturais é, sem dúvida, a
família, cuja união assenta normalmente em parentesco de sangue.
O exemplo clássico de uma organização baseada em factores racionais é o moderno
empreendimento económico, uma fábrica, mas também qualquer outra espécie de
empresa.
Seymour Lipset considera a família aquele grupo que, mais do que qualquer
outro, contribui para a manutenção da sociedade. Segundo a sua opinião,
verificase a situação inversa no caso de instituições construídas com base em
princípios puramente económicos, já que estes considerando o problema sob o
ponto de vista meramente teórico se têm de orientar pelas exigências do
mercado, independentemente das consequências que daí resultem para os indivíduos
e para os grupos. Na realidade, porém, mesmo no caso da organização mais
racional, os factores não racionais conseguem actuar.
Precisamente nesse sentido, iniciaramse, num passado recente, esforços vivos
que continuam em curso na actualidade com o fim de introduzir na empresa o
factor «humano», de um modo psicologicamente adequado. As coisas já não se
passam totalmente segundo a amarga observação de S. Kracauer, feita em 1930 no
livro sobre «Os empregados»: «Na definição de economia apresentada pelo Conselho
Administrativo, não figura a palavra homem. É possível que esse esquecimento
provenha do facto de ele não representar já um papel tão significativo». Dizia a
verdade. Com efeito, o Conselho Administrativo apresentava a seguinte definição:
«Racionalização é a aplicação de todos os meios que a técnica e a ordem planeada
põem ao nosso alcance para incremento da economia e, simultaneamente, para
aumento da produção de bens, para a diminuição do seu preço e para o seu’
aperfeiçoamento.»
Desde então a situação modificouse essencialmente, como
já expusemos no capítulo precedente e continuaremos a comprovar no presente
capítulo. Apesar de tudo mantémse válida a
afirmação de que, no caso da empresa, a instituição prevalece em face do
indivíduo e que, em princípio, a sua subsistência não depende da pertença de
pessoas determinadas. Pelo contrário, a família surge como estrutura social cuja
existência se
verifica através dos indivíduos que, como tal, a constituem.
2. A FAMíLIA: UM GRUPO NATURAL
É frequente afirmarse que a família se desmembra no nosso tempo. Esta afirmação
contém em si uma certa verdade que é, no entanto, apenas uma verdade parcial. É
sem dúvida verdade que uma série de tradições se encontra em vias de extinção,
dando lugar a novos costumes e modos de comportamento; é certo, além disso,
teremse operado grandes transformações nas relações recíprocas dos membros da
família, o que teve como consequência um afrouxamento dessas relações e
possibilitou
uma dissolução dos laços familiares de um modo que antigamente mal se podia
admitir ou mesmo conceber. Mas, como diz Ruth Benedict, a família mantevese em
todas as sociedades humanas e subsistirá também hoje na nossa, embora a sua
estrutura e
as suas funções se possam alterar.
De facto, na América, onde no início do século se realizaram diversas
experiências com a educação de crianças em regime,, de internato, observamos um
retorno à insistência no valor da educação na família. E, na União Soviética, a
legislação mais recente encontrase igualmente empenhada num fortalecimento da
família, que nos anos a seguir à revolução fora primeiro combatida com vigor.
Por esse motivo, em vez de nos referirmos ao desmembramento da família será
preferível cingirmonos apenas ao facto comprovado de se verificarem, hoje em
dia, na estrutura e função da família, amplas alterações, observáveis não só na
nossa cultura como em muitas outras culturas.
Burgess e Locke, cujo livro sobre «A família» constitui uma
das obras mais significativas existentes neste domínio, consideram mutação
fundamental o desenvolvimento da família de grupo institucional em
«companionship», em um grupo que se sente pertencente entre si, uma «associação
para a vida». Este sentimento de pertença mútua da família é também considerado,
na grande obra de Frõlmer, Stackelberg e Eser sobre «Família e matrimónio», como
uma das características principais da actual estrutura deste grupo, que
constituía antigamente uma
«associação doméstica».
A família é definida por Burgess e Locke através das seguintes características:
1A família compõese de pessoas que se
encontram ligadas umas às outras pelo casamento, parentesco sanguíneo ou
adopção. 2 Os membros da família vivem juntos sob o mesmo tecto ou constituem
um único lar; quando vivem separados consideram, no entanto, uma determinada
casa como seu lar. 3A família é uma unidade de pessoas que se encontram num
sistema de ligação mútua e em relação de reciprocidade, de acordo com os
papéis de pai, mãe, filho, filha, irmã, irmão. 4A família representa uma
unidade cultural provindo, por um lado, da fusão das estruturas culturais
trazidas por ambos os cônjuges, por outro, da pertença da família à cultura em
que vive.
George P. Murdock, um dos principais peritos no campo da investigação familiar,
distingue a família núcleo composta pelos pais e respectivos filhos, a família
poligâmica proveniente
dos diversos casamentos de um dos cônjuges e a família em
sentido lato, resultante da vida em comum dos mais diversos parentes.
A família em sentido lato, também denominada família patriarcal, é a forma
historicamente mais antiga, que prevaleceu na China, no Japão e na índia e ainda
hoje se encontra com frequência nesses locais. Também a família na Roma antiga
pertencia a este tipo. Por «pequena família patriarcal» designase a família da
Idade Média europeia, que reunia no mesmo lar apenas alguns parentes. Comum a
todas as famílias patriarcais é o facto de um chefe masculino, pai ou avô,
exercer autoridade absoluta sobre os restantes familiares.
A família poligâmica, bem como a patriarcal, apresenta carácter institucional.
Não só na nossa cultura como também noutras existe, hoje em dia, a tendência
para acabar com estas formas institucionais de família. Em seu lugar impõese
cada vez mais a família núcleo, desenvolvida na cultura ocidental.
Numa interessante obra sobre a «Família, a sua função e
o seu destino», editada por Ruth N. Anshen, diversos autores descrevem a mutação
operada na tradição familiar do Islão, da China, índia, Rússia, América do Sul e
América do Norte. Particularmente relevantes são as aproximações da concepção
familiar do Ocidente operadas no Islão, na China e na América Latina. A mudança
mais radical é a da família chinesa: os círculos cultos, sobretudo, insistem na
liberdade na escolha do cônjuge e na
igualdade dos sexos.
Tal como no Islão e na índia, a regulamentação institucional da vida de família
apresentava aí, anteriormente, um carácter excepcionalmente rígido.
No Islão, por exemplo, o noivado era estabelecido pelos pais, logo na infância.
Nem a idade, nem a personalidade ou a inclinação eram factores determinantes de
escolha, mas apenas o facto de os cônjuges se encontrarem adequados segundo a
sua classe e posição social, a sua religião, a sua profissão e o
seu grau de liberdade. Os factores mais importantes eram a
classe e a posição social; a idade não desempenhava qualquer factor importante.
Aisha, a esposa preferida de Maomé, tinha seis anos de idade quando ficou noiva
e nove quando a levaram para viver com ele.
Tal regulamentação institucional implica um papel subalterno por parte da
mulher, a quem era exigida obediência e a quem era permitido castigar e bater.
Tal como o governo da casa, também ela se encontrava totalmente submetida à
autoridade do marido. O seu único direito consistia em poder aguardar um
209 O noivado e o casamento praticados já na infância são costume típico da
família
patriarcal
sustento de acordo com a sua posição social; permanecia também na posse plena do
seu dote.
Apenas o marido tinha o direito de exigir a separação. Podia exercêlo sem uma
motivação séria, e eralhe também permitido e
mesmo recomendado casar com diversas mulheres. Os filhos «pertencem ao leito»;
mesmo os filhos ilegítimos são geralmente incluídos na família.
Se encararmos bem o quadro desta instituição, poderemos medir a grandeza da
mutação operada com a aproximação da família islâmica da cultura ocidental. A
luta por esta aproximação é levada a efeito primeiramente pela juventude, que
exige uma educação moderna e maior grau de liberdade e, em segundo lugar, pelo
movimento feminino, de revolta contra o harém. As pessoas atingidas por estas
mutações e penetrações culturais vêemse obrigadas a enfrentar problemas
particularmente complexos.
Tomi é uma jovem japonesa cuja família emigrou para a
América mas cujo pai se manteve, no entanto, completamente ligado aos antigos
costumes e concepções. Reivindicava, assim, plena autoridade no lar, aguardava
submissão por parte de todos os familiares que se encontravam sob a sua tutela,
contando igualmente com os serviços de todos os membros femininos da casa. Tomi,
que via não raras vezes como ele batia na mãe, revoltavase, ao comparar este
estado de coisas com o que reinava nas famílias das suas amigas de raça branca
que frequentavam a mesma escola.
Tomi casouse com um chinês americano, Fred, que absolutamente ao contrário do
pai dela se curvava absolutamente perante os seus desejos e a ajudava nos
trabalhos domésticos. Esse grau de submissão por parte do marido causava, no
entanto, sérios conflitos em Tomi: por um lado, sentiase agradecida perante a
amabilidade de Fred, por outro, encontravase possuída de sentimentos de
culpabilidade ao deixarse amimar dessa
maneira e, por vezes, dava por si a criticar essa amabilidade como sendo uma
característica não masculina. Nesses momentos, parecialhe que a personalidade
autoritária do pai correspondia melhor à sua concepção de virilidade do que a
maneira de ser amável do marido.
Na mutação estrutural da família institucional em associação para a vida e
família núcleo, que William Goode apresenta como família moderna no seu pequeno
livro «A estrutura da família», cuja leitura aconselhamos, os factores sobre os
quais esta assenta avançam nitidamente para primeiro plano.
O primeiro factor de importância é a escolha livre do cônjuge, baseada, por
princípio, no amor. O direito a divórcio existente de ambos os lados resulta
logicamente do postulado do casamento de amor.
Um segundo ponto principal diz respeito à situação da mulher; na família moderna
ela tem os mesmos direitos que o
homem. Deste modo, modificase tanto o papel que ela representa no lar como a
sua posição social.
Um outro factor essencial é o contrôle dos nascimentos. resultante de um acordo
mútuo dentro da família: o número de filhos bem como a altura em que estes são
desejados constituem problemas que se ponderam cuidadosamente hoje em dia já em
muitas famílias.
A dinâmica da vida de família constitui o quarto factor importante: enquanto na
família institucional as relações recíprocas dos respectivos membros são
reguladas pelo direito e
pela tradição essencialmente como relações de autoridade e
de dependência, na família moderna o princípio de autoridade transformase num
aspecto irracional, como lhe chama M. Horkheimer. o papel de poderio
desempenhado pelo pai já não tem apoio legal e mesmo economicamente a família já
quase não se
encontra sob a sua dependência.
Na dinâmica passam para primeiro plano as relações emocionais dos membros da
família. Segundo Goode, nesta estrutura familiar cada membro da família tem a
«obrigação» de amar
todos os restantes «por mais paradoxal», diz Goode, «que essa obrigação possa
parecer. As crianças devem amar os seus
irmãos e são castigadas se confessam odiar o que nasceu por último e por
conseguinte é amimado. Os filhos têm de amar os pais e viceversa ... » Goode
frisa que, na nossa cultura, cada qual se encontra, a maior parte das vezes, em
intensivas relações emocionais com os restantes membros da família, sobretudo
com a mãe, símbolo do amor que se sacrifica, e que, desta situação, resultam
muitas vezes cargas e problemas.
Sobretudo os psicanalistas ocuparamse com os problemas dinâmicos dentro da
moderna vida de família. No seu livro dedicado à «Psicodinâmica da família»,
Nathan Ackermann discute a carga de responsabilidade imposta pela sociedade à
família moderna: aguardase que a família dê ao indivíduo aquela segurança e
aquele calor que ele já não encontra numa sociedade que lhe é estranha. Essa
«estranheza», como E. Fronm a denomina, baseiase no facto de o indivíduo
isolado ter o sentimento de estar perdido e se encontrar só na moderna sociedade
industrializada.
Como Talcott Parsons expõe na sua discussão da estrutura social da família, as
formas de comportamento que na moderna vida profissional se encontram
institucionalizadas, apresentam contraste marcante com as necessidades e
motivações mais fundas do homem, como, por exemplo, a necessidade de relações
nas quais os sentimentos pessoais, a amizade, a fidelidade, a solicitude e
outros sentimentos semelhantes representam um
papel. Na vida profissional apenas podemos funcionar hoje em
dia se observarmos uma disciplina rígida, uma disciplina de trabalho que é
motivada pelo desejo de produzir uma boa realização e que é mantida pelo facto
de não cedermos aos nossos
sentimentos pessoais.
Como diz Ackermann, em face do abandono do indivíduo neste sistema, a sobrecarga
imposta à família é insuportável. Desta forma «comunidade» transformase em
palavra da moda, de grande divulgação. Mas as reuniões de domingo organizadas
com o fim de uma formação de comunidade comportam, muitas vezes, senão a maior
parte das vezes, algo de artificial em si; produzem mesmo uma «neurose de
domingo», visto as pessoas que se reúnem, experimentarem na realidade uma tão
pequena pertença mútua.
Na minha colecção de diários de diversas gerações é deveras marcante
precisamente esta diferença no sentimento experimentado perante a vida. Nas
palavras ingénuas de um jovem dos anos 70 e 80 do século passado, desempenham
papel importante uma série de acontecimentos triviais da vida de família; são
descritos com uma visível comparticipação e um indiscutível sentimento de
pertença. Pelo contrário, os jovens do nosso século surgem nos seus diários como
indivíduos isolados, e fazem com que os membros da sua família e os amigos
surjam do mesmo
modo, isoladamente.
Hoje, diz Ackermann, já ninguém sabe ao certo para que existe a própria família,
o que são ou deveriam ser as suas ânsias, normas e valores. A mãe, o pai, os
filhos têm as mais
diversas opiniões a este respeito. Os pais sentemse pouco seguros, os seus
papéis não são atribuídos com exactidão, a autoridade de cada um não é clara; o
pai, que na maior parte das vezes
se encontra ausente, é constantemente exortado a ocuparse mais da família e a
assumir uma maior responsabilidade em casa; a mãe vêse obrigada a assumir
diversos deveres e a fingir uma
segurança e força que não possui. Os filhos adolescentes ou
procuram segurança numa adequação conformista ou se tornam cedo independentes e
tendem frequentemente para um com~
portamento associal, senão para a criminalidade. Max Lerner denominaos a
«juventude sem entusiasmo».
Entre os problemas da dinâmica da família é especialmente actual o papel
ambivalente da mulher, principalmente no círculo da cultura americana. A mulher,
que deve ser, por um lado, uma boa dona de casa, por outro, uma «glamour girl»
de encanto arrebatador e deslumbradora elegância e, além disso, se possível, a
companheira compreensiva do marido, encontrase perante o
problema diário de como desempenhar todos esses papéis, sobretudo se a esses
aspectos houver a acrescentar a assistência a filhos pequenos ou o exercício de
uma profissão. Na maior parte dos casos o homem ainda não chegou a uma conclusão
sobre o papel primordial que a mulher deve representar na sua casa e
na sua vida. Mas também não se encontra bem delineado o papel que ele próprio
deve assumir em casa para além das suas tarefas profissionais.
A multiplicidade e as muitas implicações de todos estes problemas que apenas nos
limitamos a abordar, revelam que a
família moderna está exposta ao assédio de pesados ataques e das maiores
exigências. Pareceme extraordinário que, apesar de todas essas dificuldades
aparentemente insolúveis, continuem a existir famílias que não só mantêm a sua
solidariedade, como significam, de facto, para os seus membros um porto de
abrigo e lhes oferecem um apoio no turbilhão da vida moderna.
Ao referirmonos à família travámos conhecimento com um tipo de estrutura cuja
solidariedade, para usar as palavras de Parsons, se encontra em contraste
marcante com a estrutura dos nossos grupos profissionais. Tem a sua base natural
nas relações de sangue. Os direitos e as obrigações dos membros são definidos
pela idade, sexo e relação biológica, e a dinâmica das relações é de ordem
emocional. Pelo contrário, os grupos definidos a partir da profissão baseiamse
em relações impessoais e realizações objectivas, para as quais é necessário
apresentar um atestado de qualificação e em que os sentimentos não desempenham
qualquer papel.
3. A EMPRESA: UM GRUPO ARTIFICIAL
Assim como num extremo dos grupos naturais se encontra a família, encontrase no
outro extremo dos grupos artificiais a empresa. Entre um e outro existem muitas
formas de transição, como grupos de adolescentes, sociedades e clubes
constituídos segundo os mais diversos objectivos e apresentando uma união dos
membros mais ou menos estreita, grupos e associações.
A empresa é um produto da sociedade industrial moderna. Compreendida em sentido
mais lato ela é, segundo Bernhard Herwig expõe no volume «Psicologia da Empresa»
pertencente ao novo manual alemão de Psicologia, um «produto totalitário no qual
os homens, as máquinas e o material actuam conjuntamente para obtenção de
determinado fim. A partir deste ponto de vista geral também uma administração
poderá ser considerada uma empresa, bem como uma empresa de transportes, uma
empresa agrícola ou mecânica, um teatro ou um hotel».
Inicialmente a empresa era considerada em primeiro lugar como «local. de
produção técnica de bens», enquanto hoje em dia, como frisa Arthur Mayer na sua
introdução à obra acima citada, é considerada como um «produto técnico,
económico, social e humano». Integrada no mesmo contexto, F. Fürstenberg cita
uma observação de Alfred Krupp, que se pode considerar característica da
primitiva orientação dos industriais dirigentes. Krupp afirmou no ano de 1909:
«A minha aspiração é que nada seja dependente da vida ou da existência de uma
determinada pessoa, para que, simultaneamente com o desaparecimento desta’
não cesse nenhum saber e nenhuma função. que no escritório da administração
central seja possível estudar e abranger o passado da fábrica bem como o
eventual futuro da mesma, sem que se torne necessário interrogar para isso
qualquer mortal.»
Desta frase ressalta muito nitidamente como o ideal originário de uma
organização, orientada exclusivamente para a produção e lucro, é o seu carácter
absolutamente impessoal. Hoje em dia, esta situação modificouse sensivelmente
sobretudo em
consequência da pressão exercida pelas massas trabalhadoras, uma vez que o homem
se defende, de forma bem legítima, de ser tratado como simples membro mecânico
de uma engrenagem. Na medida em que se reconheceu este modo de ver, os pontos de
vista exclusivamente técnicos e económicos foram substituídos, ou pelo menos
completados pelos fins humanitários, e a questão é actualmente a seguinte: «De
que forma poderá o indivíduo que trabalha ser integrado na grande empresa
moderna, de modo
a encarar com aceitação interior o seu trabalho e as suas manifestações
subsidiárias, sem por isso renunciar a um desenvolvimento pessoal?»
(Fürstenberg.)
Na concepção moderna, a empresa apresentase como uma instituição cujas
características principais são a divisão de trabalho, a distribuição de plenos
poderes, as instituições de comunicação e as formas de comportamento. As duas
últimas necessitam de ser amplificadas de modo a produzir a cooperação dos
executores de trabalho aspecto a que já nos referimos no capítulo precedente.
Hoje em dia dispensase especial atenção aos meios de comunicação, designados
por Miller «o sistema
nervoso da empresa». FürsPlenos poderes tenberg apresenta uma re
Grupos de hierarquia presentação gráfica da e ssuperior
trutura de empresa, que
aqui reproduzimos.
O exemplo concreto de
o uma grande empresa poderá
servirnos de base para ou ‘0 w E O Z
tras considerações.
Seleccionemos a empreo
sa de empacotamento de carne Swift and Company, Grupos de trabalho tal
como se encontrava
Funções organizada no ano de 1957 (estes dados foramnos
210 Diagrama da estrutura de uma em amavelmente cedidos pelo
presa. (Segundo F. Fürstenberg) Dr. Harvey Locke. São extraídos dos seus
apontamentos sobre a estrutura de diversas empresas, que ele compilou para uma
obra que se encontra em elaboração). 1
A referida empresa é uma das 57 fábricas de conserva de carne que esta firma
explora. No ano de 1957, a empresa de Chicago tinha 2954 trabalhadores e 256
capatazes, contramestres e gerentes. A organização é complexa, existem onze
secções especializadas que por sua vez se ramificam em subsecções
especializadas. As quatro secções principais correspondem às tarefas
grupos de ti earquiia
supe, or
0
mais importantes da empresa: secção de matadouro de gado bovino e ovino bem como
de preparação da carne; secção para aproveitamento para sabão, glicerina e
outros produtos subsidiários; oficina de máquinas.
Em todas estas secções existe uma série de trabalhadores altamente
especializados. Os seus papéis no processo de trabalho
encontramse delineados com exactidão, as suas relações uns com os outros
estabelecidas. Falase desta divisão do trabalho como de uma dimensão horizontal
à qual se contrapõem as verticais das hierarquias e dos níveis de autoridade
correspondentes.
Os níveis de autoridade na empresa de Chicago de Swift & Co., em 1957, estavam
assim ordenados:
Director 1 Assistente do Director
1 Chefes de Secção 9 Contramestres Assistentes de
Contramestre 245 Capatazes Trabalhadores
2954
Total
3210
T. V. Purcell, que estudou esta empresa, diz que para cada trabalhador a sua
secção significa «a firma». Existem trabalhadores no «extremoleste» da empresa
que jamais estiveram no «extremooeste» e tãopouco se sentiriam aí à vontade.
Apresentamos a seguir as características de um grupo do tipo desta empresa:
1 Organização de todos os sectores da empresa de acordo com determinadas
especialidades. 2 Uma estrutura hierárquica com dimensão horizontal e
vertical. 3 Plenos poderes no que respeita a autoridade e a responsabilidade.
4 Limitação das comunicações em determinados canais. 5 Relações impessoais
com os pertencentes a outros sectores do grupo.
A empresa que descrevemos é, como já referimos, uma das
57 que pertencem a esta sociedade. Entre 14 empreendimentos gigantescos que
Locke investigou, Swift é o décimo em tamanho. A totalidade do seu pessoal
comporta 71900 pertencentes à empresa, a sua venda anual monta a cerca de 2,5
bifiões de dólares.
Talvez neste contexto seja interessante saber que as outras
13 grandes empresas com vendas anuais que oscilam entre os
2 e os 11 biliões de dólares são a indústria de automóveis, óleo, aço e centrais
eléctricas.
Em regra, todas estas grandes organizações abrangem uma
multiplicidade de funções especializadas, comunicam todas as
suas instruções de ordem interna pela forma impressa e necessitam de um grande
equipamento administrativo.
Apesar do seu carácter impessoal, estas empresas, para manutenção e aumento da
sua capacidade de produção, vêemse
211 Nas grandes empresas, como nesta fábrica de carnes de Chicago, o trabalhador
considera a sua secção
«a firma»
obrigadas a despertar no seu
pessoal atitudes subjectivas de espécie construtiva, sobretudo no que diz
respeito ao
sentimento de pertença à empresa. Isso exteriorizase sobretudo na relação
positiva com o trabalho de equipa e
na alta avaliação do próprio grupo de trabalho. Para o
sentimento de pertença à empresa e para a vontade de trabalhar contribuem ainda
um interesse pessoal da direcção da empresa pelo trabalhador isolado bem como
trabalho e comportamento exemplares por parte dos superiores.
É sabido que, apesar de todos os esforços realizados para obter uma boa
atmosfera de empresa, se verificam constantemente em todas elas tensões e
conflitos. Como meios de remediar esses inconvenientes e obter um possível
acordo, existe hoje em dia uma série de medidas bem pensadas, que vão desde as
negociações até à greve.
Recentemente fazse bastante uso do sistema de sugestões na empresa, com o fim
de dar vasão à eventual crítica e de dar aos que pertencem à empresa a
possibilidade de fazer sugestões para aperfeiçoamento de ordem técnica,
económica ou assistencial. As propostas são normalmente anónimas e metidas em
caixas de correio. As opiniões divergem no que respeita ao valor desta
instituição. Muitos dirigentes de empresa são de opinião que será melhor
chegar a um diálogo aberto e confiante através de medidas acertadas do que
favorecer demasiado a crítica anónima.
Cada vez se utiliza em mais larga escala o método de apaziguar, por meio
de negociações, tanto os conflitos que surgem no interior da empresa entre
a direcção da firma e os pertencentes à firma, como também as
divergências entre os grupos trabalhadores e de patrões em todos os
ramos da economia representando os sindicatos os interesses de uma das partes.
Neste aspecto os sindicatos encontramse na posição vantajosa de poder fazer
valer o elevado número dos seus membros. Nos Estados Unidos, por exemplo, o
número de membros de sindicatos nacionais e internacionais que comportava 4
milhões no ano de 1930, ascendeu a cerca de 17 milhões no ano de 1958.
Segundo a opinião de H. Locke, os conflitos que muitas vezes se exteriorizam em
negociações e em greves têm funções úteis sob o ponto de vista sociológico. Isso
verificase pelos seguintes motivos: 1 Os conflitos abertos conduzem a uma
exposição clara das contradições existentes e forçam os partidos contendores a
fundamentar as suas exigências. 2Os conflitos levam os problemas que causaram a
divergência ao conhecimento da colectividade, dando a esta bem como às entidades
oficiais a oportunidade de tomarem medidas no que se refere a questões de
interesse geral. 30 conflito aberto entre grupos de poder e de influência força
a uma solução rápida. Por esse motivo é necessário velar por compromissos e
equilíbrio. 40 conflito aberto estabiliza a estrutura social na medida em que
conduz ao esclarecimento e definição do comportamento que se deve aguardar.
Nas divergências entre os grandes grupos de patrões e de empregados sobretudo
nas questões de horário de trabalho e de salário as negociações colectivas
representam um papel extraordinariamente grande: em 1956 concluíramse, nos
Estados Unidos, cerca de 128 000 contratos colectivos nos quais se atendia aos
interesses de 18 milhões de trabalhadores.
A partir de todas estas observações tornase nítido como
a empresa representa o grupo mais contrário à família.
A Família existe como grupo, antes que alguns dos seus membros, os filhos, se
tenham desenvolvido plenamente como indivíduos. A pertença ao grupo bem como o
papel que os membros representam no seu íntimo são conferidos pela natureza. As
relações recíprocas entre os membros são pessoais primárias. Exigese que o amor
os una. Toda a formalização e distanciação nas relações dos membros da família
uns com os outros tornase aqui um produto artificial.
O fim da família é garantir aos seus membros a manutenção de vida e
possibilidades de desenvolvimento. Para além destas tarefas, a família não tem,
em princípio, qualquer objectivo.
Os valores e as tradições fazem parte do fundamento da família, tal como os
cônjuges o constituem ao contrair matrimónio. Os filhos crescem dentro da
estrutura de valores já existente.
A estrutura da empresa é de ordem contrária. Este grupo é formado
artificialmente através de resoluções e contratos. Os indivíduos não surgem
desde sempre como membros, apenas adquirem essa qualidade pelo ingresso no
grupo. Os seus papéis são adquiridos sãolhes atribuídos , as relações
recíprocas
28
dos membros do grupo apresentam carácter impessoal. O formalismo e a distância
nas relações interhumanas apenas podem ser suavizados ou extintos por meio de
medidas especiais. Se é exigida do trabalhador fidelidade à empresa, o patrão
terá de fazer o possível para despertar e fomentar essa mesma fidelidade.
A finalidade da empresa é a criação de produtos que logo a abandonam. Só de modo
secundário garante aos seus componentes a manutenção de vida bem como as
possibilidades de desenvolvimento.
A eclosão de tradições e de valores comuns no interior de uma empresa necessita
de esforços especiais e contínuos.
Ambos, tanto a família como a empresa, são grupos em que surgem conflitos e
tensões. Ambas as estruturas podem ser desintegradas por conflitos. Mas no que
se refere a este problema, a pertença a uma família nunca se extingue
completamente, ainda que o grupo como tal deixe de existir. A empresa, pelo
contrário, deixa de existir quando não é possível apaziguar os conflitos que a
desintegram.
Para o acordo de conflitos a empresa encontrou hoje em
dia regulamentações formais, enquanto os conflitos familiares permanecem muitas
vezes longo tempo sem solução e raras vezes
são resolvidos sistematicamente.
Na dinâmica da empresa representam um papel especial a
conformação de trabalho impessoal e racional contrário à natureza do homem, como
Poppelreuter afirmou em 1929; as tensões entre direcção de empresa e
trabalhadores, entre grupos de empreendedores e sindicatos; as resistências
emocionais contra a estrutura da empresa em que o grupo de trabalho, como diz
Arthur Mayer, representa uma espécie de «ilha humana».
A empresa e a família são aqui descritas como duas estruturas de organizações
sociais colocadas em dois extremos opostos. Entre ambos existem inúmeras
espécies de grupos que representam formas intermédias entre a estrutura social
artificial e natural.
X. As Culturas
Até ao momento presente temonos ocupado, neste sector do nosso livro, com a
psicologia da sociedade, ou seja, com
a vida do ser humano em grupo. Doravante voltarnosemos para um dos campos mais
fascinantes da moderna ciência, ou seja, a investigação da vida de cultura e dos
problemas psicológicos relacionados com o fenómeno cultural.
1. DEFINIÇÃO E PROBLEMÁTICA das culturas
É extraordinariamente difícil apresentar uma definição inequívoca daquilo que
denominamos cultura. Kroeber e Kluckhohn enumeram nada menos do que 164
definições diferentes desse termo! Não admira, portanto, que o conceito não seja
utilizado em toda a parte nem por todos os autores no mesmo sentido. Os
americanos, por exemplo, utilizavam ainda no início do século propriamente já
não hoje em dia as expressões «cultura» e «civilização» como equivalentes. Os
alemães, pelo contrário, marcaram sempre uma diferença nítida: por «cultura»
compreendiam e compreendem essencialmente os valores vitais expressos na
ciência, arte, filosofia, religião e formas aperfeiçoadas de vida. Pelo
contrário, a palavra «civilização» era e é preponderantemente utilizada para o
campo dos progressos de ordem técnica.
Edward Tylor foi o primeiro a definir o que na actual terminologia científica se
compreende por cultura, ou seja, o todo complexo que engloba saber, crença,
moral, lei, costume e uso
bem como outras capacidades e hábitos que o ser humano adquiriu enquanto membro
da sociedade. A Antropologia Cultural ocupase com a investigação da cultura
nesse sentido, enquanto a Antropologia Física tem como objecto o homem no que
respeita às suas propriedades corpóreas. A Antropologia Cultural, pelo
contrário, investiga e compara o modo como vivem os seres humanos e investiga o
mundo que eles criaram para si.
É frequente falarse de cultura como da parte do mundo ambiente que o ser humano
criou de modo artificial. Outros investigadores, pelo contrário, preferem
atender, a par das coisas criadas, ao comportamento determinado pela cultura e,
como
é por exemplo o caso de Walter Goldschmidt, referemse à cultura como «Ways of
Mankind», «caminhos da humanidade», empregando a palavra «caminho» no sentido de
modo de viver conhecemos este emprego da palavra a partir da ião citada
«American Way of Life». O filósofo Charles Morris referese a «caminhos de vida»
no sentido das diversas filosofias da vida segundo as quais os seres humanos se
orientam.
Mais do que em qualquer outro domínio, tornase difícil fazer uma selecção
adequada de factos relacionados com os problemas da cultura. Os motivos desta
dificuldade residem, por um lado, na extensão absolutamente espantosa que esta
jovem ciência tomou em curto espaço de tempo. Por outro lado, a
relação entre Antropologia Cultural e Psicologia ainda se encontra por explicar
na sua quase totalidade. Uma obra como a de Clyde Kluckhohn e Henry A. Murray
que, secundados por muitos colaboradores, tentaram descrever a estrutura da
personalidade tal como é condicionada pelos factores natureza, sociedade e
cultura, constitui praticamente um exemplo esporádico.
Este é um possível caminho de acesso ao problema. No nosso
contexto, porém, parece imporse uma outra problemática. É a
seguinte: De que modo actua na nossa vida o factor cultura?
Para poder tomar posição perante este problema teremos de abranger primeiramente
os factos. Para isso é necessário proceder à selecção de modo a encontrar os
pontos de vista essenciais para a nossa própria vida.
2. CARACTERíSTICAS UNIVERSAIS DA CULTURA
Importa, em primeiro lugar, determinar algumas das características gerais e
específicas das culturas. Reconhecese, de modo geral, que todas as culturas
apresentam em comum determinadas características, por esse motivo denominadas
universais.
As características comuns das culturas devemse ao facto simples de a vida e o
destino de todos os seres humanos que existem neste mundo serem, sob determinado
ponto de vista, semelhantes. Todos os seres humanos são gerados por uma mãe e
todos os seres humanos morrem. O crescimento e o desenvolvimento, a capacidade
de procriação e de comunicação, as necessidades, os sentimentos, a percepção, o
pensamento e outras
experiências íntimas, a linguagem, o movimento e o aproveitamento de materiais
são comuns a todos os seres humanos.
Desde Malinowski (vide pág. 447), diversos investigadores têm tentado constituir
em sistemas os aspectos universais da cultura, construídos pelos seres humanos
com auxílio do seu equipamento espiritual e físico. Parece, contudo, que nenhum
destes sistemas foi universalmente reconhecido.
Alterando a divisão proposta por Melville Herskovitz, parecemme ser os
seguintes os aspectos fundamentais:
1 Cultura material II Instituições Sociais
Economia Comunicação, Organização Social Técnica
Educação, Estruturação Política
III Arte e Ciência IVHomem e Universo
Artes gráficas e plásticas Sistema de crença Música e dança, usos e
costumes Sistema de valores Língua e Literatura
Filosofia Organizações espirituais e Ciência
Todas as culturas se ocupam em medida diversa com os aspectos que aqui
apontamos. Os meios e os métodos que utilizam para a sua realização variam
fortemente e, quando contemplamos imagens de tribos primitivas ou ouvimos falar
dos seus costumes peculiares, somos impressionados, a maior parte das vezes,
pelas grandes diferenças existentes entre nós e esses
seres humanos. Qual de nós, homens do Ocidente, não contempla com estranheza os
rostos e corpos de nativos, a nosso ver desfigurados pela tatuagem e pela
ornamentação, e quem não ouve falar com pavor de canibais, de escalpelizações e
infanticídio!
Por outro lado, porém, verificamse coincidências notáveis. George P. Murdock,
que muito se ocupou com o problema dos aspectos comuns, enumerou uma extensa
lista de modos de comportamento e usos descobertos em toda a parte. Referirnos
emos a alguns deles, apenas para dar uma noção do muito que todos os seres
humanos têm em comum.
Não só existem em todos os povos e tribos vida de família, ritos de casamento e
de enterro, agrupamento segundo as idades, educação, jogo e trabalho, música,
dança e arte, como existe também em toda a parte, o que pode parecer mais
surpreendente, calendários, interpretação de sonhos, normas estabelecidas para o
convívio, visitas e presentes mútuos, narração de anedotas.
divisão de trabalho, diferenças segundo a classe e posição social, leis,
regulamentação de herança e muitas outras instituições.
Porém, como também Murdock acentua, mais importante do que a comparação de
formas de comportamento segundo o
seu conteúdo é a comparação subordinada a pontos de vista mais fundamentais.
Assim consideradas, pareceme haver cinco categorias imbuídas de significado
universal. São elas os factores ordem, valores, integração, tradição e mutação.
Ordem
Todas as culturas se desenvolvem em grupos sociais que estabelecem sempre
quaisquer organizações para a ordem das relações humanas. «Um sistema de
relações ordenadas é, em
todos os níveis, condição primária de vida» (Robert McIver). E acrescenta ser
pura fantasia a referência ao « bárbaro não sujeito a leis». O «selvagem» nunca
é livre de leis pelo contrário: mantémse rigidamente preso às leis vigentes no
seu grupo.
Para além da regulamentação das relações de homem para homem, que a lei
estabelece, verificase ainda uma delimitação da posição social e papéis,
igualmente de acordo com determinadas regras. Ralph Linton distingue a situação
atribuída a uma
pessoa daquela que ela alcançou mediante o seu trabalho.
Para a atribuição de papéis têmse em conta, em todas as sociedades, os factores
biológicos bem como a idade e o sexo. Como aponta Linton, existem, em toda a
parte, regras para o
tratamento das crianças e a sua posição na sociedade; o desempenho destas
determinações cabe em parte à família, em parte a outros grupos. E em toda a
parte existe algo que se pode denominar educação.
Por toda a parte encontramos também medidas para a assistência a pessoas idosas;
a família, o grupo e a comunidade têm nesse aspecto determinadas obrigações.
Aliás, em algumas sociedades, os anciões são mortos, o que se fundamenta
afirmando que serve o interesse da pessoa idosa e da sua alma o facto de a
preservarem do declínio final.
A par da idade, o critério mais importante para a atribuição de papéis é o
sexo.
Em todas as sociedades existem regras sobre as relações dos sexos na
puberdade, assim como antes do matrimónio, e dentro e fora dele. As respectivas
proibições ou tabos em vigor são aliás diferentes; também sobre o incesto
existem diversas concepções.
Em toda a parte se encontram ligadas ao sexo determinadas atribuições de
hierarquia, de direitos e deveres. Estas são, porém, tão contraditórias que ao
contrário do que muitas vezes se tem afirmado a fundamentação fisiológica não
representa neste aspecto praticamente nenhum papel, mas sim, como diz Linton, é
a arbitrariedade cultural que decide destas determinações. Apontemos apenas
alguns exemplos:
Entre os Arapaches, no distrito Sepik da Nova Guiné, compete às mulheres trazer
cargas mais pesadas do que os homens, visto que segundo se diz as suas
cabeças são «mais duras e mais fortes».
Em algumas sociedades as mulheres desempenham todo o
trabalho corporal; noutras, como entre os habitantes das Ilhas Marquesas, na
Polinésia Oriental, são os homens quem, além da sua actividade habitual, ainda
cozinham, dirigem o governo da casa e tratam das crianças pequenas, enquanto as
mulheres passam a maior parte do tempo a enfeitarse.
Mesmo a regra geralmente aceite, de que a gravidez e a
amamentação excluem a mulher das actividades mais pesadas, não é seguida
em toda a parte. Entre os indígenas da Tasmânia, exterminados iá no século
passado, a caça às focas era tarefa das mulheres: nadavam até aos rochedos onde
se encontravam as focas, esperavam aí os animais e matavamnos à pancada.
Competialhes também caçar uma espécie de cangurus do tamanho aproximado de
cães, para o que tinham de trepar a árvores de grande altura.
Em quase todas as sociedades se atribuem aos homens e
mulheres determinadas actividades, podendo variar o
princípio segundo o qual e
sa atribuição se processa. s
Mas mesmo quando os dois sexos trabalham em conjunto na mesma actividade, os
papéis são distribuídos de maneira diversa.
Assim, por exemplo, em Madagáscar, as tarefas do cultivo do arroz encontramse
nitidamente delineadas:
212 Quase todas as culturas atribuem diferentes actividades aos sexos. Aqui, um
habitante da Polinésia ocupado na apanha
dos cocos
os homens preparam os campos para a plantação das estacas; as mulheres têm de
empreender o pesado trabalho da plantação, cansativo por obrigar a uma posição
curvada; são também elas que mondam as ervas daninhas. Os homens recolhem a
colheita, as mulheres carregam a colheita até à eira, os homens malham, as
mulheres debulham. Finalmente as mulheres trituram o grão em almofarizes e
cozinhamno.
A atribuição de determinadas funções resulta fundamentalmente com base no sexo,
idade e situação na família. Porém, em muitas sociedades, os factores puramente
sociais são também determinantes na atribuição.
Segundo Linton, na maioria das sociedades verificase a tendência para
distribuir os indivíduos em grupos ou categorias e para atribuir a essas
categorias diversa importância social.
As origens destas diferenças de classe são múltiplas. Em alguns casos são
capacidades especiais, uma aptidão de ordem técnica ou coragem guerreira. Em
outros casos, devese procurar a origem na formação de organizações associativas
pensese na liga guerreira das tribos de índios norteamericanos, ou nos
célebres «cães» ou nas castas de sacerdotes existentes em muitas culturas. Em
terceiro lugar, a sujeição de uma sociedade a outra pode ser a causa da formação
de classes.
A Europa da época feudal constitui um bom exemplo da atribuição de papéis com
base na pertença a uma classe! O facto de se ser destinado e educado para
cavaleiro ou camponês dependia exclusivamente da classe a que se pertencia.
Em quase todas as sociedades, diz Linton, se verifica a tendência para atribuir
papéis, não, porém, um concurso que permita a comprovação do melhor trabalho. Em
grande parte isto verificase ainda na nossa própria sociedade. Linton referese
ao
facto de nenhuma mulher, nenhum negro, nenhum índio, e só com muita dificuldade
um judeu ou um católico, poderem vir a ser presidente dos Estados Unidos. Porém,
desde que tal afirmação foi feita no ano de 1936 já um destes obstáculos foi
demolido: o católico John Kennedy tornouse em 1961 Presidente dos Estados
Unidos. De um modo geral, a sociedade americana encontrase empenhada em que os
papéis sejam adquiridos e
não atribuídos. É possível que uma tendência semelhante se verifique na Europa.
Valores
Em todas as culturas existem certas normas determinantes de como viver a vida.
Estas normas não só se expressam em
mandamentos e proibições, em sistemas religiosos e filosóficos, mas também no
modo como se processa a vida diária: no convívio com os outros seres humanos e
no tratamento dos problemas que surgem diariamente, exprimemse determinados
princípios.
No capítulo «Motivação» encarámos as preferências ou valores subjacentes no
comportamento humano, sob o ponto de vista das condições que são dadas a cada
qual, como se desenvolvem as preferências factitivas e normativas em cada
criança e como
são influenciadas através da relação da criança com o seu meio ambiente.
Agora, porém, passamos a contemplar os valores de modo mais englobante. Do ponto
de vista do investigador da cultura, os valores de um indivíduo ou de uma
família têm de ser compreendidos a partir de um contexto maior do que o da
motivação e identificação individuais. O investigador é de opinião que o
mundo de valores que o indivíduo vai construindo gradualmente para si próprio,
se é verdade que é adquirido em confronto com o seu ambiente mais próximo,
provém contudo em última análise,, do tesouro das ideias de um grupo cultural.
Tomemos um exemplo elucidativo de dois grupos da cultura ocidental.
Martha Wolfenstein descreve, num interessante estudo, a forma como as crianças
francesas se devem comportar num parque público e comparaa com o modo como as
crianças americanas se podem comportar numa situação idêntica.
Uma menina de dois anos tirou uma tira de cabedal de um grupo de crianças que
brincava nas ‘imediações. A criada ralhalhe, dizendo que não se deve fazer uma
coisa dessas, tomaa pela mão e vai com a criança restituir a tira.
Um pouco depois, um rapazinho do grupo próximo vem
brincar com a menina. Enquanto a criada dá de comer a esta, ele vaise embora,
levando consigo um balde que pertence à menina. A avó dele vê o facto e então
repetese a cena: ralha com o miúdo, dálhe um tabefe e levao pela mão a
restituir o balde. Ao pé da criada, bate novamente na criança.
M. Wolfenstein acentua que, ao contrário da concepção aqui absolutamente patente
de que um brinquedo é propriedade privada de uma criança e de uma família, se
ensina desde muito cedo às crianças americanas a deixar as outras tomar parte
nas
suas brincadeiras e a darlhes confiantes o seu próprio brinquedo. Assim se
promove uma viva permuta social, enquanto as crianças francesas, no parque, são
antes mantidas à distância uma das outras,
Se o leitor pensar nas grandes discussões acerca dos valores vitais
fundamentais, tais como os experimentamos, por exemplo, na política, mas também
no convívio com os nossos semelhantes, a observação acima apresentada poderá
parecerlhe de diminuta importância. Assim é na realidade. Sobretudo quando se
trata de questões que tenham implícita uma visão do mundo, como a
seguinte: Forma de vida, sociedade e economia ocidentais, ou
comunismo? então não parece ser muito essencial o facto de as crianças
partilharem ou não os seus brinquedos. Porém, se
atentarmos mais exactamente, veremos que nas representações e valores dos grupos
de cultura existem relações íntimas e que para remontarmos ao nosso exemplo o
àvontade social das crianças americanas, em comparação com o comportamento para
o qual as crianças francesas são educadas, reflecte pontos de vista mais
profundos quanto à concepção do mundo.
De modo extraordinariamente brilhante e cuidadoso, de grande profundidade
científica, Florence Kluckhohn demonstrou há pouco, num estudo sobre cinco
culturas, esse reflexo das orientações de concepção de vida no comportamento
diário. F. Kluckhohn escolheu para as suas investigações cinco subculturas
americanas. Estas eram constituídas por dois grupos índios. os Navaho e os Zuni,
uma aldeia hispanoamericana (Atrisco), uma aldeia Mormonen (Rimrock) e uma
povoação de rendeiros do Texas de recente formação, chamada «Homestead,>. As
cinco comunidades encontramse no Sudoeste da América do Norte; as distâncias
entre elas comportam menos de 80 quilómetros.
Nas suas investigações, F. Kluckhohn partiu de uma série de considerações
teóricas. Faz em primeiro lugar três suposições:
1 Que existe apenas um número limitado de problemas humanos comuns para os
quais todos os homens se vêem obrigados a
buscar uma solução; 2 Que o número das soluções possíveis é limitado; 3 Que
se experimentam em todas as sociedades as diferentes possibilidades de solução,
que estas são, no entanto, preferidas em diverso grau em cada uma delas.
Observando mais concretamente: em toda a parte os seres
humanos têm concepções sobre a natureza humana: ou que ela é má, ou que é
simultaneamente boa e má, ou que o homem é bom por natureza. Em toda a parte
existem concepções sobre a
relação do homem com a natureza: o homem ou é considerado como estando submetido
a ela ou em harmonia com ela ou como sendo dominador dela. Em toda a parte
encontramos uma relação com o tempo; os seres humanos ou vivem mais em relação
com o passado, ou com o presente ou com o futuro. Existe, além disso, toda a
espécie de ideias sobre as nossas relações com a vida
activa: os homens ou vivem mais no sentimento do ser, ou seja, do gozo e da
aceitação daquilo que lhes é dado; do devir, ou seja, na ânsia contínua de
desenvolvimento ou de procedimento activo; que o mesmo é dizer da constante
disposição para agir e realizar coisas determinadas. E, finalmente, todas as
pessoas têm concepções sobre as suas relações com os outros, optando ou por uma
separação individualista ou pela colectividade ou por seguir o procedimento dos
demais.
Alguns exemplos poderão ilustrar esta teoria profunda. A sociedade da classe
média americana é, na sua orientação, individualista, voltada para o futuro, vê
no homem o dominador da natureza, crê no procedimento activo e considera o
homem, segundo a sua natureza, mau ou simultaneamente mau e bom.
Pelo contrário, na sociedade hispanoamericana, presa às suas tradições, pensa
se que o homem se deve orientar pelos outros, vivese no presente, o ser humano
é compreendido como
submetido à natureza, a vida é ser e o homem é, segundo a sua
natureza, simultaneamente bom e mau.
Esta divisão aparentemente abstracta tornase, contudo, muito viva na aplicação.
Assim, a submissão à natureza ressalta das observações de alguns hispano
americanos:
«Se for da vontade de Deus que eu morra, morro mesmo» como motivação para o
facto de não chamar um médico. Ou um pastor diz: «Quando vem uma tempestade,
pouco se pode fazer para salvar as ovelhas».
Ao contrário, o americano típico afirma: «Ajudate a ti próprio, que Deus te
ajudará». A natureza é completamente modificada; que nisso possam existir
obstáculos, é facto que não é reconhecido.
Talvez seja interessante observar mais pormenorizadamente um dos cinco grupos de
cultura que F. Kluckhohn investigou. Os índios Navalio, nas suas relações
humanas, são completamente orientados no sentido de uma comunidade. Exemplos
dessa orientação são as imagens apresentadas nas páginas imediatamente
posteriores e as observações seguintes:
«Numa família não pode ser um único a decidir. Isso não seria justo para os
outros. É necessário que as pessoas se reúnam e discutam os assuntos».
«Se há problemas a solucionar, o melhor é formar um grupo e procurar um acordo».
Por ocasião de uma herança: «Se os irmãos e as irmãs puxassem pelo mesmo
tirante, não teriam quaisquer dificuldades».
213214 Nas suas relações humanas, os Navaho, vigoroso ramo de índios do sudeste
dos Estados Unidos da América, dão um papel primordial à
colectividade
Na relação com o tempo predomina a orientação para o presente:
«Na educação das crianças, deversed pri .mei.ro equipálas para o
presente, mais tarde se lhes contará então alguma coisa sobre a maneira de viver
de outros tempos».
«0 passado era bom, mas já não sabemos grande coisa acerca dele».
«Primeiro vem o presente. De nada nos serve pensar nos tempos antigos. Todas as
coisas se modificam e nós estamos mesmo dentro delas».
O Navaho crê na harmonia com a natureza. r de opinião que, devido aos homens, o
equilíbrio da natureza pode ser perturbado:
«Quando alguém não vive como deve ser, não pode esperar protecção para os seus
carneiros e cavalos».
«Quando fazemos o que há de melhor ao nosso alcance para viver acertadamente,
temos boas perspectivas para a nossa colheita».
«.É certo que os médicos e as injecções podem auxiliar, já fiz a experiência
disso. No entanto, é assim: quando se faz alguma coisa de mal, isso influencia a
nossa vida e, quando se é bom, não é necessário ter preocupações».
No que diz respeito à actividade ou à passividade, o Navaho inclinase para a
acção.
215218 Imagens da vida dos Navaho: em cima, à esquerda, uma mãe carinhosa com o
seu filho. A tábua a que está enfaixado impede aliás a liberdade de movimentos e
consequentemente o desenvolvimento da criança (vide pág. 67). Ao lado:
trabalho colectivo numa pintura a cores feita na areia e destinada ao culto.
Em baixo, à esquerda: mulheres da tribo Navaho, junto a uma cova feita no chão
que serve de forno, ocupadas na preparação em comum da massa de um bolo de milho
que uma jovem distribuirá por ocasião da sua cerimónia da puberdade. Ao lado,
outra cena extraída do ritual da cerimónia da puberdade: a jovem está deitada
sobre uma das coberturas coloridas dos Navaho enquanto o seu corpo recebe uma
massagem. Esta «massagem» ritual destinase a conferir à
jovem graciosidade e maturidade femininas
«Os que são activos e trabalham tendo em vista os bons resultados, procedem
acertadamente».
«Se procederes bem e trabalhares duramente, serás feliz». A natureza humana é
considerada tanto boa como má, e não susceptível de modificação:
«Jamais ouvi dizer que alguma coisa tenha modificado a
natureza (de um ser humano)».
O conceito da orientação de valores de Florence Kluckhohn abrange visivelmente
factores fundamentais da filosofia da vida prevalecente numa cultura.
Normalmente, entre os valores determinantes da uma cultura, compreendese em
primeiro lugar a
ética. F. Kluckhohn é visivelmente de opinião que a ideologia total de uma
cultura remonta em última análise a valorizações. Embora isto possa ser
contestado, cabe à sua obra, há pouco publicada, tal profundidade e
originalidade, que quisemos dar conhecimento desta ordem de ideias aos nossos
leitores.
Integração
A exposição de Kluckhohn comprova melhor do que qualquer outro trabalho anterior
a lei da integração, da unidade interna de qualquer cultura, que Ruth Benedict
foi a primeira a enunciar. Uma cultura é um todo integrado, cujos factores
unificantes necessitam de ser compreendidos. No seu livro actualmente muito
divulgado «Patterns of culture» (edição alemã «Urformen der Kultur»), Benedict
afirma que uma cultura não pode ser compreendida através da compilação e
estatística de factos isolados. Tal como o ser humano, ela tem antes de ser
compreendida a
partir de motivos centrais. Apenas tratamos a cultura de modo adequado quando a
encaramos como um todo vivente, como uma estrutura comunitária cujas feições
características se formam a partir de um processo que inclui em si uma intenção
e
anseia por determinado fim.
Segundo Benedict, em cada cultura tomada como um todo as coisas passamse tal
como na arquitectura gótica, em que se expressou primeiramente a preferência
pela elevação e pela luz para, a pouco e pouco, se acrescentarem outros
pormenores através dos quais o homem medieval ansiava por exteriorizar o seu
sentido da vida e da arte. Segundo esta concepção, aquilo a que se chama estilo
é um distintivo característico que não só remonta
a uma fundamentação estética do gosto, como possui igualmente uma fundamentação
psicológica e filosófica na respectiva concepção de vida.
Benedict denomina a descrição que o grande etnólogo anglopolaco Bronislaw
Malinowski (18841942) fez dos indígenas das ilhas Trobriand na Melanésia, o
primeiro estudo de cultura que visa a compreender o todo vivente, ao contrário
das análises inventoriais de características isoladas que era costume fazer até
então.
Na sua própria exposição de temas centrais da integração, Benedict trata de
assuntos diferentes de F. Kluckhohn e a sua
análise tem carácter mais intuitivo do que sistemático. Nos índios Zuni, por
exemplo, vê a prevalência de um princípio «apolíneo» de moderação; considera um
dos fundamentos desta cultura a
autodissolução do indivíduo em face da sociedade.
Pelo contrário, descreve os índios Kwakiutl da ilha Vancouver como sendo
«dionisíacos» na rivalidade individualista e no êxtase, com tendência para
alucinações de grandeza omnipotente de tipo paranóico.
Considera os Dobu da Melanésia reservados, pérfidos, traiçoeiros; sentemse em
luta contra um mundo ambiente duro; têm temor da natureza e encontramse
possuídos da desconfiança perante os seus vizinhos.
Este modo de observação, que procura reduzir tudo ao mesmo denominador, é
naturalmente demasiado simplificativo. Como expôs sobretudo Morris Opler, uma
cultura tem não só um como muitos «ternas» e possui para estes inúmeras e
diversas formas de expressão. Por esse motivo, os exemplos de Benedict possuem
hoje em dia maior significado histórico do que real.
Além de R. Benedict e F. Kluckhohn, também Margaret Mead tratou, como veremos
logo a seguir, certas tendências básicas de ordem cultural, tendo adquirido
sobretudo esse conhecimento por ocasião das observações que levou a efeito junto
de povos da natureza sobre assistência infantil e educação da juventude. Na
verdade, cabe a Mead o mérito de ter sido o primeiro antropologista a
proporcionarse a visão das relações de sentido de ordem cultural.
Nas suas investigações, passam de novo para primeiro plano princípios ideais
absolutamente heterogéneos, sobretudo no que se refere às diversas
representações e avaliações segundo as quais, nas diversas culturas, os mais
idosos actuam sobre os membros das gerações mais jovens (Ver págs. 450 e segs.).
A nossa curta exposição revela que os esforços exercidos pelos modernos
antropologistas com o fim de adquirirem ideias nítidas sobre os princípios de
integração vigentes nas diversas culturas não conduziram ainda a qualquer
resultado definitivo. Sem dúvida, tratase aqui, contudo, de um esboço
excepcionalmente
interessante. O seu desenvolvimento posterior contribuirá fundamentalmente para
a nossa autocompreensão futura. Isso tornarseà particularmente claro se
fizermos agora incidir a nossa
atenção sobre as investigações realizadas acerca da tradição e da educação.
Tradição
Poderá ser difícil para nós, diz Walter Goldschmidt, aceitar que os nossos
sentimentos de amor e de ódio, e os estímulos que libertam tais sentimentos, têm
uma determinação de ordem cultural. Mas é este, na verdade, o caso. Não só a
forma de pensar e sentir de povos cujos costumes nos dão uma impressão de
estranheza como, por exemplo, os Balineses, que cantam e rejubilam nos
enterros, ou os índios Karankowa, que derramam lágrimas ardentes ao cumprimentar
um amigo é expressão desse condicionalismo cultural, mas também todo o nosso
próprio modo de pensar e de sentir nos é inculcado desde cedo sem que disso
tenhamos conhecimento. Contrariando a opinião anteriormente prevalecente, de que
as particularidades hereditárias e congénitas eram decisivas para os cunhos
culturais característicos, os investigadores da cultura também hoje em dia
determinantes são de opinião que o património cultural é transmitido através de
costumes e de tradições; de que ele é, portanto, aprendido e susceptível de
aprendizagem no mais alto grau.
Entre aqueles que apresentaram provas de que os factores culturais são
independentes dos dados biológicos, desempenhou um papel determinante o
antropólogo e etnólogo germanoamericano Franz Boas, que dedicou a este problema
estudos pormenorizados. «Uma investigação crítica» afirma ele «revela que as
formas de pensamento e de acção que temos tendência a
considerar fundamentadas na natureza humana não são válidas de uma forma geral,
mas sim características da nossa cultura específica».
As disposições rácicas, as tendências e as aptidões devem, é certo,
originariamente ter traçado determinadas directrizes de acordo com as condições
de vida já existentes; no entanto, nas estruturações culturais que hoje
encontramos, tratase de estruturas altamente complicadas para cuja construção
contribuíram as pessoas, os povos e os grupos mais diversos. De um modo geral,
perfilhase actualmente a opinião de que um indivíduo de qualquer raça ou povo
transferido na mais tenra infância para outra comunidade de cultura adoptará a
língua, comportamento e modo de pensar desta e se identificará totalmente com
eles.
Amram Scheinfeld, para demonstrar o grau de influência exercida pelo ambiente
cultural, cita o exemplo de dois jovens. o qual é neste aspecto particularmente
pertinente.
O primeiro, nascido com o nome de Joseph Rhinchart e de ascendência germano
americana, foi adoptado aos dois anos por um chinês em Long Island e levado três
anos mais tarde para a China. Aí passou a usar o nome de Fung Kwok Keung.
Aos 20 anos regressou a Nova Iorque e viuse obrigado a sofrer um intensivo
processo de americanização para se poder adaptar à vida americana. No entanto,
não se sentia à vontade entre os americanos, sobretudo durante o período de
serviço militar. Depois da guerra arranjou o lugar de compositor na
redacção de um jornal chinês em Nova Iorque. Continua ainda a sentirse chinês.
O mesmo caso, apenas «com características inversas», passase com Paul Fung Jr.
Este é um americano, chinês de origem, que, tal como os seus pais, foi educado
na América. O seu pensamento e comportamento, a sua linguagem e filosofia da
vida,
o seu humor, são totalmente americanos.
Paul sabia pouco chinês e pouca coisa sobre os chineses. No desejo de os
conhecer melhor fezse destacar durante a
segunda guerra mundial para um regiNANey BY ERNIE RUSHMILLER
mento no qual se
encontravam alisDON'T BE tados apenas chineWE'D
RiDICULOUS VOU NO ses de nacionalidade L1KE TO
TRUST BORROW us americana. Porém, *10
em breve reconheceu que não estava adequado a eles nem no seu pensamento
@’óumu5'.,rT N O us@
nem no seu modo de vida. A comida repugnavalhe; os caSOME UST,
maradas não o comTRUST COMpJôNY@@ preendíam e pensaCOMPANY
;5@
219 Só quem pensar e sentir absolutamente como os americanos estará apto a
desenhar estes «comics» típicos dos Estados Unidos. (Extraído do Los Angeles
Times)
29
220 As estreitas relações de uma mãe do círculo da cultura ocidental com o
seu bebé
vam que ele representava o
papel de americano «genuíno». Assim, sentiuse extremamente aliviado ao ser
destacado mais tarde para unia unidade americana.
Depois da guerra tornouse desenhador de «Comic Strips» para um jornal de Nova
Iorque. Quem conhecer os «comics» sabe como eles são extraordinariamente
peculiares da culericana. È preciso tura am que alguém sinta de um
absolutamente amemodo a ]o para poder realizar rica
desenhos deste tipo.
Ao lermos estes dois exemplos, vemos que eles são simples e esclarecedores. É
evidente, concluise, que desde muito cedo crescemos de tal modo dentro de um
estilo de pensamento e de vida de uma cultura, que não nos podemos transferir
facilmente para outra.
Mas, se perguntarmos a nós próprios de que modo isso se processa no indivíduo
isolado, então o todo revelase como um problema altamente complexo e ainda bem
pouco esclarecido.
1 Margaret Mead foi a primeira a realizar observações inovadoras sobre os
fenómenos e dados situacionais através dos quais as particularidades culturais
são transmitidas às crianças, e a
primeira a valorizálas nos seus livros «Coming of Age in Samoa» (1928) e
«Growing up in New Guinea» (1930). Ocupemonos um
pouco com alguns pormenores dos seus trabalhos mais recentes.
A partir da obra de Margaret Mead «Groivth and Ciílture» (1951), concebida em
grandes moldes, na qual se estudam oito bebés de Bali que são apresentados em 58
gravuras em diversas situações e a praticar diversas acções, adquirimos unia boa
imagem pelo menos de um tipo de influências formativas de ordem cultural. Estas
são em primeiro lugar as relações humanas que acompanham o crescimento da
criança.
Desde o início e quase durante todo o primeiro ano de vida, o meio ambiente
físico do bebé balinês é constituído, quase exclusivamente, pelo colo e mais
tarde pelas ancas de um ser
humano, que não é sempre necessariamente a mãe. Desde muito cedo podem ser
outras pessoas, sobretudo os irmãos. O bebé é frouxamente enfaixado izum pano e
passa a sua existência acor 31 dado ou a dormir,
primeiramente nos
braços e, passados dois meses, sobre a anca, fortemente atado ao corpo daquele
que o transporta. Durante o dia k@4 jamois está deitado
para dormir; apenas quando a restante família se reco
#k lhe à noite para descansar, o deitam, r
@á então adormecido.
Após o segundo mês de vida, uma criança destas vê o mundo em posição
I@@ vertical, a partir da anca daquele que J a transporta.
Sentese ffitimamente ligado a uma outra pessoa, podendo tratarse de vários
indivíduos diferentes.
Só a partir do momento em que é capaz de gatinhar, de se pôr em pé e
correr é que começa a moverse sozinha por aqui e por acolá, e começa a ocupar
se com as coisas. No entanto, mesmo nessa altura está constantemente junto de
outros.
Evidenciemos algumas das particularidades decisivas de ordem cultural destas
influências do meio ambiente, comparandoas com algumas das influências que
actuam sobre as nossas crianças.
Na cultura ocidental o recémnascido é deitado num berço ou numa seirinha; aí
passa a maior parte do tempo,
M acordado e a dormir. Passa apenas
p uma fracção do dia nos braços ou ao colo da mãe.
221223 Em Bali, durante quase todo o primeiro ano de vida, o meio físico que
rodeia o bebé está, de princípio, restringido aos braços e mais tarde à anca do
adulto
224225 Em Bali ao contrário do que acontece no círculo de cultura ocidental
um bebé nunca está completamente só. (Imagens 221225 de
Mead, Growth and Culture)
Como em geral o bebé da cultura ocidental não tem outro adulto em seu redor que
não sejam os pais, é evidente que depende mais ou menos completamente do amor e
do interesse destes dois seres, sobretudo da mãe. Esta relação adquire assim
necessariamente uma intensidade que nunca pode alcançar nas
circunstâncias absolutamente diferentes da cultura Bali.
O bebé que cresce no seu próprio berço passa uma grande parte do tempo sem a
ligação física estreitíssima a outras pessoas e tem, assim, uma liberdade de
movimentos de que o bebé Bali, por se encontrar ligado, não dispõe. Assim, não
só se torna
mais independente mais cedo, como é essencialmente mais activo. Élhe possível
fazer experiências por meio de movimentos corporais e manejo de objectos, com o
que se estabelece o primeiro fundamento não só para uma maior actividade mas
também para iniciativa e actividade criadora com materiais.
Esta comparação entre as observações de Margaret Mead realizadas com crianças
balinesas e as circunstâncias em que as crianças crescem entre nós, dá uma boa
ideia de um primeiro grupo de diferentes condições de vida conformadoras da
cultura.
Não me recordo de ter lido em M. Mead que existam também em Bali mães mais ou
menos carinhosas ou interessadas; no
entanto, as fotografias parecem comproválo. Mead nota também, e isto é
importante, que «mesmo na cultura homogénea e estática de Bajoeng Gedé de 1936»,
que ela descreve, «se pode observar
226228 Através da comparticipação em todos os acontecimentos religiosos, a
criança, em Bali, cresce imiscuída no culto. Em cima, à esquerda, as crianças
observam a máscara Barong por ocasião de uma procissão em volta da aldeia. Em
baixo: uma criança faz de Barong, pondo uma esteira sobre a cabeça. À direita:
as crianças brincam, imitando as máscaras do
culto com cascas de coco
o papel enorme que desempenham as particularidades temperamentais individuais e
constitucionais ».
Segundo a opinião de Mead, o indivíduo não é, assim, logo de início tão
completamente cunhado pelo seu meio ambiente que mal lhe restem ainda algumas
possibilidades individuais de se exprimir e de se realizar a si próprio, como
supõe, por exemplo, Marvin K. Opler. No entanto, são necessárias outras
investigações para separar nitidamente o factor individual das influências do
mundo ambiente.
Aos princípios fundamentais da assistência infantil em Bali pertence, como
vimos, o facto de o bebé desde os seus primeiros dias de vida se encontrar
constantemente no meio de muitas pessoas e tomar parte em todas as actividades
dos adultos. Assim, por exemplo, logo desde o início, a criança é levada a todas
as cerimónias religiosas. Deste modo, cresce tanto dentro do culto como da vida
de família ou de qualquer outro sector da vida.
229231 Crianças de Bali observam o cerimonial por ocasião de uma cremação (em
cima), tomam parte no acto (esquerda) e reproduzemno em representações
dramáticas (direita). (Imagens 226231 de Margaret Mead e
M. Wolferistein, Childhood in Contemporary Cultures)
No capítulo «Crianças e ritual em Bali», do livro de M. Mead e M. Wolfenstein
«Childhood in Contemporary Culture», M. Mead descreve a forma como as crianças
de todas as idades tomam parte no culto religioso. Nas imagens da página
anterior, vemos
como as crianças observam e experimentam as máscaras utilizadas no ritual. São
patentes a curiosidade, o temor, o fascínio, mas também o evidente sentimento de
pertença aos actos, manejos e fenómenos do culto.
Desta espécie de vida em comum com os adultos resulta então, por exemplo, uma
modalidade de arte infantil completamente diferente da que nós conhecemos. O
desenho e a música revelam menos características infantis e, em maior grau,
particularidades do culto. Os desenhos de uma criança de cinco e seis
anos, que apresentamos a seguir, revelam bem esse aspecto, se os compararmos com
desenhos das nossas crianças (infra).
Nesta actuação em conjunto e neste estar presente das crianças à actividade do
mundo ambiente dos adultos exprimese um
outro factor cultural conformativo, ou seja, aquilo que Ruth Benedict denominou
continuidade do desenvolvimento em oposição à descontinuidade vigente entre nós.
Por continuidade sancionada culturalmente compreendese o facto de as crianças
irem crescendo, pouco a pouco interessadas nas formas de comportamento dos
adultos, sem quebra e sem cisões marcantes. Segundo
as suas próprias necessidades e capacidades, as crianças estão autorizadas a
estar presentes e a colaborar em tudo o que fazem os grandes. Os seus deveres e
direitos não estão separados dos dos adultos. Tal como participam dos trabalhos,
de acordo com
a sua capacidade, não são impedidas por ninguém de tomar parte em cerimónias
religiosas, em jogos ou também em ocupações sexuais, à semelhança dos adultos.
Na nossa cultura, pelo contrário, verificase uma «descontinuidade», querendo
isso dizer que as actividades, os direitos, os deveres das nossas crianças são
diferentes dos dos adultos, existindo entre o mundo de ambos os grupos uma
separação mais ou menos fortemente acentuada.
232233 Estes desenhos de crianças de Bali d
3 ‘ ‘e cinco e seis a= diferem absolutamente dos de crianças europeias da mesma
idade. O desenho de cima mostra o deus Krislina e o herói Salja do jogo de
sombras tradicional; o desenho de baixo, «uma vaca deitada, pessoas, aves e um
porco», mas, além disso, surgem novamente figuras do jogo de sombras. (De Mead e
Wolfenstein, Childhood in Contemporary Cultures)
r. A
O processo de educação a que as crianças se submetem na cultura ocidental
encontrase cuidadosamente graduado, e o mundo das coisas que se abrem e se põem
à disposição dos adolescentes modificase por diversas vezes. Assim, no
Ocidente, é possível falar de uma cultura infantil própria e de uma cultura de
adolescentes própria a qual, nos últimos decénios, se foi tornando cada vez
mais fortemente autónoma por exemplo, como cultura dos movimentos juvenis, das
«Teenager» dos «Twen».
Mutação Cultural
Os costumes, os usos e as tradições servem à manutenção da estabilidade
cultural. Porém, a par destas influências estabilizadoras, existem também
constantes modificações. A cultura é, na verdade, adquirida e transmitida por
meio da aprendizagem, mas, como acentua por exemplo Edward Sapir, é expressa e
desenvolvida por cada indivíduo de um modo que lhe é peculiar.
Através dos homens que vivem um sistema sóciocultural este tornase um produto
vivente, ao qual, segundo afirma Pitirim Sorokin, é tão peculiar a mutação
contínua como a qualquer sistema vivo.
A par deste princípio geral da mutação imanente existem também motivos especiais
que levam a mutações culturais por vezes processadas de forma drástica.
De um modo geral, observamse, por exemplo, certos contrastes mais ou menos
marcantes entre os anseios e desejos das sucessivas gerações. Estes contrastes
podem transformarse em
mutações radicais.
As novas ideias, tais como o princípio da responsabilidade individual em face de
Deus, de Lutero, a condenação do capitalismo, de Marx, ou os progressos
técnicos, como sejam a invenção da máquina a vapor, do automóvel e do avião,
tiveram como
consequência mutações culturais amplamente propagadas. A mutação económica tal
como foi iniciada pela grande indústria moderna, as reformas como a admissão das
mulheres às eleições
e aos estudos, a fundação de novas instituições como a das Nações Unidas na sua
qualidade de forum para resolução de questões que dizem respeito ao mundo
inteiro estes e outros acontecimentos semelhantes modificaram completamente, na
sua estrutura, a cultura da actualidade.
Porém abstraindo de regiões absolutamente isolada ssempre existiu desde os
primórdios da humanidade uma influência e penetração recíprocas das culturas,
sempre se verificou uma
transmissão mútua de novas ideias e novas descobertas, revelando, aliás, certas
culturas uma maior impermeabilidade em
face às inovações.
Ao falar da cultura como de um produto vivente surge a
questão de saber se em cultura é possível falar de desenvolvimento no mesmo
sentido em que o termo é utilizado para um ser vivo.
No decurso do triunfo da teoria evolucionista de Darwin, segundo a qual no reino
dos seres vivos as formas superiores surgem das menos elevadas, a ideia de um
desenvolvimento penetrara também na investigação da cultura. Neste campo,
contudo, essa ideia, no sentido de uma sequência em linha recta ou de um
progresso inequívoco, foi hoje absolutamente posta de lado.
O problema de saber se é possível comprovar uma direcção nos
desenvolvimentos culturais, na história das sociedades humanas, e em que sentido
isso se verifica, ocupou muitos filósofos marcantes da História e da Cultura
desde Auguste Comte, Max Weber, Oswald Spengler até aos modernos Alfred Kroeber,
Arnold Toynbee, Robert McIver. No decorrer destas investigações, somos
sobretudo impressionados pela problemática e múltiplo entrelaçar dos fenómenos
como afirma K. N. Naegele ao editar uma selecção dos tais escritos: «0 mundo
tornouse mais pequeno mas o nosso cepticismo cresceu desde que estudamos o
mundo globalmente abrangendo um longo período. A nossa crença no progresso e no
constante aperfeiçoamento humano foi substituída por ideias muito pessimistas»
(Theories of Society, pág. 1330).
Os valores culturais desenvolvemse e extinguemse novamente e não nos podemos
defender da impressão de que na ideia spengleriana do desenvolvimento orgânico
de um estilo de cultura que nasce, cresce, floresce, amadurece e morre, se
encontra contido um núcleo de verdade.
Por outro lado, os neoevolucionistas, como Leslie White, fazem notar que, de
certo modo, não se pode negar uma evolução mais ou menos contínua. Seja como
for, o certo é que não nos encontramos, infelizmente, em situação de notar um
«progresso», nem no campo ético nem estético. No entanto ‘ na conquista
técnica do mundo quase não é possível contestar um aumento constante de
possibilidades.
Consideramse a descoberta e a difusão os dois princípios fundamentais na
promoção de uma mutação cultural. O último princípio, introduzido por Franz
Boas, é menos comummente conhecido do que o primeiro. Por difusão compreendese
o alargamento e transmissão de determinados elementos culturais de umas
sociedades e culturas para outras.
Kroeber dá uma imagem viva de uma série de aquisições culturais, feitas por meio
da difusão, que se tornaram próprias da vida americana.
«Falamos» diz ele «uma versão anglosaxónica d uma língua germânica, que
contém mais palavras de origem latina do que palavras inglesas. A nossa
religião é oriunda da Palestina, com alterações específicas na formulação
segundo as diferentes orientações de crenças que se constituíram em Roma,
Alemanha, Inglaterra, Escócia e Holanda. A nossa Bíblia foi em parte traduzida
do hebraico, em parte do grego. Bebemos café que foi primeiramente plantado na
Etiópia e depois aceite pela Arábia; chá, que a China descobriu; cerveja, feita
pela primeira vez na
antiga Mesopotâmia ou no Egipto; álcool, descoberto na Europa medieval. O pão, a
carne de vaca e outras carnes que comemos
provêm de plantas e de animais que foram criados pela primeira vez na Ásia,
enquanto que as batatas, o milho, os tomates e o feijão foram, tal como o
tabaco, utilizados pela primeira vez pelos índios. Escrevemos uma variante
etruscoromana da forma grega de um alfabeto que foi descoberto na Fenícia ou
nas suas imediações por uma tribo semita, com base nas escritas não alfabéticas
de culturas ainda mais antigas.»
A impressão que se adquire a partir desta enunciação sobre o significado
extraordinário do factor de difusão cultural não deve, aliás, levar a olvidar um
outro facto: ou seja, que muitas ideias surgem em diversos lugares autonomamente
e independentes de uma influência estranha; que não se trata, portanto, sempre
de transmissão quando nas diversas culturas encontramos as mesmas ideias e os
mesmos valores. Este ponto de vista foi acentuado sobretudo pela escola de
cultura histórica de Viena, sob a direcção do padre WilheIni Schmidt. O padre
Schmidt comprovou, por exemplo, que a crença num ser superior é comum
a toda a humanidade; mesmo nos povos das culturas mais primitivas se encontra em
toda a parte esta «crença num Deus Supremo», sem que ela possa ser atribuída à
instrução missionária.
Isso não obsta a que o princípio da penetração recíproca das culturas mantenha o
seu significado eminente. Se pensarmos nos meios de transporte e de
comunicações, tão pouco desenvolvidos nos séculos anteriores, veremos como é
espantoso que desde os tempos mais antigos tais fenómenos de permuta cultural se
tenham processado e tenham mesmo transposto continentes. De acordo com este
conhecimento e no caso de a humanidade subsistir, podemos esperar do futuro
próximo uma ampla frutificação recíproca, como resultado das recentes migrações
bem
como da exploração dos últimos territórios terrestres até agora quase não
pesquisados e da conquista do espaço e do tempo, aos quais se vai dando cada
vez maior incremento.
A moderna migração de povos, nome que se pode dar no
nosso tempo aos movimentos das massas humanas causados pela evasão e pelas
expulsões, conduz, em grau cada vez mais elevado, àquilo que se designa por
aculturação. Aculturação, adequamento a, integração na vida de uma nova cultura
para a qual são transferidos indivíduos isolados ou grupos inteiros, são, de
facto, um
dos problemas de maior acuidade da nossa vida presente. Em toda a parte, em
todos os países e em todos os recantos e extremos do mundo, temos hoje em dia
refugiados e imigrantes vindos dos mais diversos lugares, e a integração destes
novos elementos nos grupos existentes nem sempre se processa sem atrito.
3. DIFERENÇAS CULTURAIS
Devese a A. A. Goldenweiser a afirmação de que, nas condições da vida humana
existentes, se verifica sempre apenas um
número reduzido de possibilidades de comportamento. Este facto de possibilidades
limitadas explica a presença dos mesmos costumes e práticas em diversas
culturas, mesmo no caso de não se ter verificado transmissão cultural.
Quando se pretende ter um bom remo, diz Goldenweiser, dando um exemplo, ele não
deverá ser nem demasiado longo nem
demasiado curto; é necessário que possua uma superfície plana e que seja, além
disso, manejável. Do mesmo modo que a satisfação destas condições levou a uma
forma absolutamente idêntica, mesmo em culturas extremamente separadas umas das
outras, também as necessidades e experiências iguais ou semelhantes,
verificadas em diferentes culturas independentes, fizeram surgir formas de
comportamento iguais ou semelhantes, e tanto
mais quanto existe apenas um número reduzido de soluções possíveis.
Apesar das necessidades e experiências em grande parte paralelas sofridas por
todos os homens, as diversas culturas desenvolveramse histericamente, por vezes
em consequência de acasos, de forma diversa e ocasionalmente única. Deste modo,
acontece que cada cultura encontrou o seu cunho próprio e nos
encontramos, assim, perante uma pujança de diferenças culturais.
Um dos campos mais essenciais da vida humana, em que se verifica uma
variabilidade considerável de comportamento cultural, é a sexualidade. Todas as
sociedades e culturas regulam a vida sexual em diversas direcções. Porém,
sancionam, proíbem
e castigam coisas absolutamente diferentes. Julia S. Brown apresentou uma
interessante compilação de proibições a que se encontra sujeito o comportamento
sexual. Ela investigou inúmeras sociedades de povos da natureza, que não possuem
tradição escrita. Nem todas as sociedades puderam ser estudadas com base em
todas as formas de comportamento indicadas na tabela.
O número mínimo constava de 43, o número máximo de 97 nas diversas culturas.
MODO DE COMPORTAMENTO
Percentagem das sociedades investigadas que proíbem ou castigam
o comportamento
Relações sexuais entre mãe e filho, irmão e irmã,
pai e filha 100 Rapto de
uma mulher casada 100 Violação de uma
mulher casada 99 Violação de um mulher
solteira 95 Relações sexuais após o
nascimento de um filho 95 Relações sexuais durante a
menstruação 92 Adultério da mulher
87 Infidelidade do noivo (da noiva) 86
Relações sexuais durante a gravidez 67 Relações
prénupciais da mulher 44 Relações pré
nupciais do homem 41 Relações sexuais com a
própria noiva ]o
Formas de comportamento sexual proibidas ou castigadas em diversos povos da
natureza (segundo Julia S. Brown, «A Comparative Study of Deviations from the
Sexual Mores», Amer. Sociolog. Review, 17, 1952)
Como se vê, a concordância vai bastante longe em muitos casos. Assim, o incesto
é detestado e severamente castigado em
todas as culturas. Mas logo voltamos a encontrar fortes diferenças! Por exemplo,
um indígena das ilhas Trobriand (em frente da costa oriental da Nova Guiné), que
encontre a sua mulher nos braços de um amante, fica autorizado a matálo
imediatamente. Por outro lado, os Toda dos montes Nilgiri, na índia Anterior,
chamam imoral a um homem que não ofereça a sua
mulher a outros homens.
Em algumas sociedades, um homem que represente o papel de mulher é considerado
um poderoso feiticeiro. Nos beduínos Rwala, pelo contrário (segundo Ford e
Beach), a homossexualidade é de tal modo detestada, que tanto os homens como as
mulheres que infrinjam a estrita proibição de actividades homossexuais são
condenados à morte.
Interessantes são também as diferenças no tratamento das pessoas de idade, que
na maior parte dos povos da natureza desfrutam de determinados direitos,
deveres, privilégios e segurança. Em alguns, porém, ao tornaremse decrépitos,
são expostos aos elementos e votados à morte.
Uma tabela de L. W. Siminons, composta dos resultados da investigação de 71
povos da natureza, mostra a concordância mas também a divergência no tratamento
das pessoas idosas.
DIVULGADO EM TODA A PARTE Percentagem
Tratamento dos doentes pelos velhos 100 Conselhos
sobre trabalhos manuais,
controle de trabalho 100 Divulgação
das tradições tribais 100 Festejados como
heróis e feiticeiros na ficção 100
DIVULGADO QUASE EM TODA A PARTE
Chefes de festividades, cantos, danças 98
Actividade como feiticeiros 98
Subsistência assegurada pela família 97 Honrado e
temido 97 Membro de um
conselho dos anciãos 95 Mantenedores da
cultura e dos costumes; Juízes 93
VARIÁVEL
Direitos no interior da família, incluindo o direito
de a dirigir 88
Privilégios no caso de proibições alimentares 79 Apoio
dado pelo genro 73 Funções em
sociedades secretas 63 Exposto aos
elementos 32
Características culturais respeitantes ao tratamento de anciãos em povos da
natureza. Apontamse as características divulgadas na totalidade, divulgadas
quase na totalidade e variáveis (segundo L. W. Simmons, «The Role of the Aged in
Primitive Societies», New Haven, Yale Univ. Press, 1945)
Todas as culturas possuem religião. Pois, como diz Reinhold Niebulir, o
sentimento humano geral de culpa e de arrependimento e a consciência, comum a
todos os homens, tornam necessária a aceitação de forças sobrenaturais.
Nada, porém, é mais diverso do que os ritos com o auxílio dos quais os homens
honram e conjuram os seus deuses, e os dogmas em que eles expuseram as suas
concepções quanto à essência e actuação das suas divindades.
462
234237 Não existe qualquer cultura sem religião; no entanto, as formas de
adoração da divindade são completamente diversas. Em cima, un. Lacandone,
descendente dos Maya, queimando incenso nas «panelas dos deuses»; ao lado, uma
mulher Meo da Tailândia do Norte perante o altar dos antepassados. Em baixo, uma
casa sagrada da Nova Guiné e um
templo egípcio
238239 No interior dos locais sagrados: à esquerda, um crente budista
oferecendo uma vela no templo da sua localidade; à direita, as cerimónias
de uma beatificação na Igreja de S. Pedro, em Roma
Temos que prescindir aqui de penetrar no vasto e profundo campo das religiões
universais. Uma análise psicológica, mesmo uma simples descrição da
multiplicidade dos pensamentos e sentimentos inerentes às religiões humanas,
transcenderia o âmbito deste livro. Para este aspecto recomendamos ao leitor
obras como «As Grandes Religiões do Mundo» e a colectânea em 36 volumes «As
Religiões da Humanidade».
4. O INDIVIDUO E A SUA CULTURA
o problema das relações recíprocas entre o indivíduo e a sua cultura encontra
se, hoje em dia, no primeiro plano do interesse da investigação da Antropologia
Cultural. Como diz C. Kluckhohn, existe uma relação dinâmica contínua entre os
padrões de uma cultura e a personalidade dos seus diversos membros. Contudo, o
papel que o indivíduo desempenha e a importância que se atribui a esse papel
constituem uma questão ainda por resolver.
Nas exposições de alguns investigadores particularmente impressionados pela
influência conformadora das culturas, parece que o indivíduo isolado é
absolutamente determinado pela cultura a que pertence. De facto, R. Benedict,
uma das primeiras antropologistas a verificar o carácter de totalidade e a força
conformadora das culturas, considera o indivíduo mais ou menos como o produto do
sistema de valores, concepções e costumes em que cresce.
Surge a pergunta: Em que medida é este, de facto, o caso? Até que ponto é
possível ao homem exprimirse a si próprio como indivíduo dentro de um contexto
cultural, e até que ponto terá ele, para além dessa autorealização, porventura
a oportunidade de influenciar o seu meio ambiente através da sua actuação e do
seu ser.
O facto de personalidades espirituais de chefia, onde quer que surjam,
imprimirem o seu cunho à cultura em que vivem, indicandolhe novos caminhos, não
pode ser s contestado por ninguém. Tornase mais difícil fazer outras
comprovações: em primeiro lugar saber como o génio condutor brota do
condicionalismo da sua cultura formando, a partir dela, algo de novo que o grupo
pode recolher e tornar propriedade sua; em segundo lugar, saber como o ser
humano médio consegue distinguirse do grupo enquanto indivíduo, e se também a
ele é possível conformar o processo cultural e o modo como o realiza.
Numa interessante obra de Marvin K. Opler, há pouco publicada, «Culture and
Mental Health», uma série de colaboradores tenta investigar a questão do
desenvolvimento intelectual no
interior de grupos fortemente coactivos.
Apontemos, como exemplo, o trabalho de T. Gladwin e S. B. Sarason, que apresenta
o desenvolvimento e integração de personalidades individuais em Truk, uma das
ilhas pertencentes às Carolinas, na Micronésia (ocidente do Pacífico).
A personalidade de grupo dos nativos de Truk é caracterizada do seguinte modo:
emoções fracas; pouca consciência; incapacidade de autojuízo; objectivos e
expectativas limitados no que respeita o próprio eu; animosidade não definida. A
preocupação de adquirir alimentação suficiente é um motivo fundamental, e
o indivíduo isolado é mantido em posição subalterna pela família, por meio de
ameaças e castigos que podem ir igualmente até à privação de alimentos. A
iniciativa individual é reprimida. Os pais possuem pouco amor verdadeiro pelos
filhos; na sua educação comportamse de modo caprichoso e inconsequente.
Apesar da uniformidade deste todo cultural, revelamse, no
entanto, certas diferenças individuais, como se apurou no exame a habitantes
isolados de Truk, realizado por meio de testes e de entrevistas. Em primeiro
lugar, revelaramse diversos graus de
adequação social: aqueles que tinham um dos pais, o do próprio sexo, solícito e
possuído de certos sentimentos de amizade, desenvolviam relações mais
satisfatórias com os companheiros da mesma idade e sentiamse mais à vontade na
sua companhia. Pelo contrário, os indivíduos que tinham o progenitor do seu
próprio sexo possuído de sentimentos de animosidade e desprovido de afecto,
revelavam uma insuficiente adaptação social, mesmo para as normas vigentes entre
os habitantes de Truk.
Andy, por exemplo, um rapaz de 19 anos, conta como foi um rapazito feliz:
«Andava por aí a cantar e a fazer visitas de casa em casa e recebia pequenos
presentes. Havia sempre muito que comer».
Identificavase com o pai: «0 meu pai é como eu. É o melhor no lançamento do
dardo, enquanto eu sou o melhor a disparar o dardo pequeno, que se atira com
uma fisga».
Com a idade de 12 e 13 anos tinha sucesso com as raparigas. «Eu andava sempre
com flores nos cabelos e davaas às raparigas. Fazialhes cócegas pelas pernas
acima, com uma folha de coco, até onde podia chegar».
Só uma vez, quando tinha seis anos, o pai lhe bateu seriamente, por ir nadar sem
licença. Numa reacção fora do habitual, de personalidade ferida, gritou que o
pai o tratara «como a um animal». A mãe era compreensiva com ele: para as
condições habituais em Truk, era uma mãe carinhosa.
Por outro lado, Tony, um jovem de 23 anos, teve uma infância infeliz. As suas
relações com os pais eram más: quase não ouvia outra coisa a não ser ordens e
proibições, batiamlhe muito e muitas vezes não lhe davam nada que comer. Sempre
que lhe era possível, fugia para brincar com os companheiros da sua
idade. Quando voltava para casa era frequentemente castigado por ter andado
tanto tempo lá por fora. Os pais ameaçavamno de um dia possivelmente não os
encontrar nem saber onde eles estavam. Isso aconteceu, de facto, várias vezes.
Tinha frequentes brigas e cenas de pancadaria com os irmãos. Em toda a história
da sua vida não brilha um só raio de amor ou de alegria.
A situação de Tony é agravada pelo facto de o seu modo de reagir à sua situação
ter sido extremamente insensato e muitas vezes absurdo. Contou, por exemplo, o
seguinte: «Quando o meu
pai ia à pesca, eu esperava por ele até que voltasse. Ele davame os peixes para
eu levar para casa. Mas eu iame embora e davaos
a comer aos meus amigos. Depois ia para casa. Os meus pais perguntavam onde
estavam os peixes. Eu dizialhes. Então batiamme». Por que motivo procedia Tony
deste modo? Era vingança, inconsciência ou desejo de se tornar popular entre os
amigos? As suas próprias aspirações tinham um carácter não construtivo e apenas
contribuíam para agravar a situação.
*/*
Em adulto Tony encon04. travase absolutamente possuído de sentimentos de medo
nas suas relações sociais. Não mostrava estar à ~v altura de situações de
conflito.
Apresentámos como exemplo os nativos de Truk para mostrar, com base numa
investigação psicológica cuidadosa, como mesmo no grupo de cultura mais estreito
e de maior 240 Habitantes de uma ilha da Micronésia por ocasião de
uma dança feita coesão se formam diferen em cima de canoas atadas
entre si ças individuais segundo as
diversas personalidades. Os factores conformadores são aqui o
tratamento por parte dos pais; a identificação com um dos progenitores, quando
tal é possível; privações, castigos, recompensas; relações com irmãos e
companheiros e brincadeiras com estes. Existem algumas práticas transmissíveis
como a construção de cabanas e de barcos, o lançamento do dardo, a pesca, e
verificamse alguns costumes reproduzimos a fotografia da dança dos barcos de
uma das ilhas e mostramos aqui uma das aldeias das ilhas Salomão.
241 Cabanas de uma pequena aldeia insular do grupo Malaita pertencente
às ilhas Salornão
O ensino escolar foi proporcionado a alguns destes indivíduos mas a maior parte
das vezes relativamente tarde e em proporções mínimas. Não constituiu um factor
conformativo da infância.
No entanto, temos também aqui, como em todas as culturas, dados culturais
objectivos bem como influências subjectivas variáveis, exercidas pelos
indivíduos e grupos entre si.
Será possível para nós, enquanto indivíduos, esclarecer ainda um pouco o nosso
papel e a nossa posição neste processo total? Os antropologistas culturais
actualmente preponderantes, que se ocuparam com o problema da actuação recíproca
entre os indivíduos por um lado, e o seu meio ambiente social e cultural por
outro, parecem estar de acordo quanto ao facto de residirem aqui factores
inseparáveis e fortemente entretecidos.
A. Irving HallowelI, num capítulo brilhante do seu livro «Culture and
Experience», discute o fenómeno da origem do eu, explicando como este resulta do
meio que o cerca. Vai ao ponto de declarar que a cisão entre «interior» e
«exterior» é irrelevante, e cita uma frase de Henry Murray, em que este afirma
que «o organismo e o seu meio devem ser considerados como um ser único, ou seja,
como unidade». Hallowell é também de opinião que os motivos são mais adquiridos
do que determinados por factores congénitos.
Já refutámos esta concepção extrema no capítulo sobre as
«motivações». Concordamos antes com Ralph Linton quando este afirma no seu
valioso livro, «0 Fundamento Cultural da Personalidade», que nem as capacidades
inatas nem o meio ambiente podem ser considerados factores dominantes na
conformação da personalidade.
Tal como Kardiner, Linton é de opinião que cada sociedade prepara um tipo de
personalidade fundamental que é característico dela e a diferencia de todas as
outras. O modo como as experiências, a organização interna e as capacidades
colaboram para formarem esse tipo fundamental ou variantes dele, é problema
ainda por resolver. O facto de, presentemente, ainda não ser possível discernir
o contributo do meio ambiente e do indivíduo para a formação da personalidade
não pode obstar a que se reconheçam ambas as influências.
No indivíduo médio poderá prevalecer o tipo cultural. Contudo, em indivíduos
cuja capacidade de expansão criadora é predominantemente forte, deveria
prevalecer o contributo individual.
Sob forma poética, Hans Weigel exprime isto a propósito de Salzburgo e de
Mozart:
«Salzburgo é beleza de arte e de paisagem na sua forma
mais elementar, imediata, directa, subjugante, difícil de suportar. Se um dia
conheceres Salzburgo, dif@cilmente te deixarás impressionar por outras
cidades!,>
«A luz jorra das fachadas. Só aqui, transposta a grande ponte de Salzburgo, só
aqui poderás compreender realmente tudo. Aqui está a torre clara e serena da
Câmara Municipal, a estreita Getreidegasse, o burburinho das vielas estreitas
que bem poderia competir com Florença. Mozart nasceu aqui, como todos sabem, e
tal facto poderia igualmente levarnos a especular e dar margem a brilhantes
deduções: poderseia concluir que só aqui o
seu nascimento era possível, onde o que há de austríaco, de alemão e de italiano
festeja o seu encontro excepcional. Mas Mozart encontrase mais além, pairando
acima de tudo o que é nacional, e pareceme blasfémia profanálo com simples
dados geográficos e históricos. A Mozart apenas se pode rezar. Terse orgulho
nele seria já uma abusiva familiaridade.
Entre a Getreidegasse e o Mõnchsberg existe apenas pouco espaço. Este espaço,
porém, é uma grande praça única, é como uma grande casa de Deus com muitos
quartos, que se chamam Praça da Catedral, Praça do Capítulo, Mercado Velho,
Praça da Residência e aqui, lado a lado, comprimemse as igrejas e os pátios, os
palácios e as fontes. Onde se encontra, em qualquer outra parte do mundo, uma
tal infinidade de coisas num recanto tão imensamente estreito? Tudo é aqui tão
apertado que mesmo um cemitério tem que fazer as vezes de rua e tudo é aqui tão
abençoado que a actualidade comercial e a paz eterna não se excluem.»
A música de Mozart é, mais do que qualquer outra, a expressão da cultura
específica que em Salzburgo encontrou a sua
realização arquitectónica. Por outro lado, Mozart e os construtores de Salzburgo
ajudaram a criar e a construir esta cultura
com o seu gênio.
O contributo do indivíduo para a conformação do próprio ambiente cultural e
social, o modo como a peculiaridade individual se relaciona com a peculiaridade
do seu meio ambiente, são questões para as quais ainda nã o se encontrou uma
solução científica.
No caso da aculturação, isto é, da adequação e adaptação a uma cultura
estrangeira, como ela actualmente se exige a miK lhões de indivíduos
desenraizados e transferidos para outro local,
revelamse diferenças individuais espantosamente relevantes. Existem pessoas que
adquirem e desenvolvem um sentimento de pertença com a maior facilidade, e
outras que jamais se conseguem adaptar a um estilo de vida mais ou menos novo. o
São de múltipla espécie os motivos psicológicos que levam um ser humano a
sentirse completamente prejudicado no seu bemestar e na sua identidade ao ser
transferido para uma natureza, sociedade, modo de vida e de pensar que não estão
de acordo com ele, enquanto que outro não atribui qualquer importância a tais
divergências. Além da flexibilidade sensibilidade, gosto, hábitos, formação de
opinião, preconceitos é’ muitos outros aspectos, interessa, sem dúvida, o que o
indivíduo isolado anseia realizar consigo próprio no mundo.
Se, acima de tudo, pretende auxiliar o seu próximo, poderá partir para o
interior da África como Albert Schweitzer ou como um missionário da Europa
Central e aí ser feliz. Pelo contrário, àquele que só com dificuldade consiga
adaptarse a situações
novas e cuja ordem interior dependa de se poder estabelecer num
meio ambiente conservador não sujeito a alterações, já uma
mudança de domicílio poderá fazer perder o equilíbrio. Como Weigel
judiciosamente afirma a propósito do austríaco, ele persistirá num «sistema
privado de relações» do qual não lhe será possível sair.
Estas são apenas algumas indicações sobre o significado das tendências
individuais com as quais o indivíduo defronta o seu mundo ambiente. Na sua
extrema complexidade, estes problemas aguardam um trabalho de investigação que
lhes seja adequado.
Parte D
A PRÁTICA
Parte D
A PRÁTICA
XI. O Papel da Psicologia e sua Aplicação Prática na Vida de Hoje
A grande revista americana «Life» publicou em Janeiro de
1957 uma série de cinco artigos intitulados «A era da Psicologia nos Estados
Unidos». O autor, Ernest Havernann, com formação psicológica e aconselhado pelo
conhecido psiquiatra e psicanalista Frederick C. Redlich (de Viena) e pelo
psicólogo Clifford T. Morgan, começa a sua exposição com um exemplo elucidativo.
John Jones, um americano médio, vive o seu dia da maneira seguinte: primeiro
barbeiase; comprou o aparelho de barbear por causa de um anúncio que fora
concebido pelo psicólogo de uma firma de propaganda. Ao pequeno almoço lê o seu
jornal, interessandose por um artigo psicológico acerca da «Intuição das
mulheres» e depois por uma série de perguntas, através de cuja resposta se pode
averiguar se, e em que medida, a pessoa está «satisfeita». No trajecto para o
trabalho, orientase pelos sinais de trânsito e sinais luminosos cujas cores
foram escolhidas segundo os conhecimentos psicológicos. Na fábrica começa um
novo trabalho que lhe íora confiado mediante testes psicológicos...
A tarde ouve dizer que a direcção da firma está muito preocupada com o resultado
fornecido por um instituto que se dedica a estudos psicológicos de mercados e
opiniões. É que este verificou que a firma nos últimos seis meses perdeu
popularidade entre os clientes.
Quando chega a casa encontra a mulher excitada porque o
filho mais novo fora malcriado para com o professor e por isso fora enviado ao
psicólogo escolar. Para se distrair, vai com a
mulher ao cinema, onde vê uma cena que se passa numa clínica para perturbados
mentais, e quando chegam a casa estão a dar na televisão uma reportagem sobre as
despesas da táctica militar psicológica...
Isto talvez seja um pouco exagerado e decerto alguns europeus dirão que isto é
«tipicamente americano». O próprio E. Have
mann salienta que a imagem que esboça é americana. Quem considerar exagerada a
exposição de Havemann, muito provàvelmente subestima em que medida também ele se
encontra sob a influência da Psicologia, que cada vez mais perpassa a nossa
vida. E mesmo que a imagem pareça exagerada neste ou naquele sentido podêla
íamos completar ainda noutras direcções.
Está muito difundido e não só na América o interesse dos pais pela psicologia
infantil, especialmente no que respeita os primeiros anos de vida da criança. Em
toda a parte se adoptam nas escolas modernas métodos psicológicamente
fundamentados de ensino e aprendizagem e relações para com os alunos. Muitas
mulheres deixamse influenciar na compra dos seus vestidos ou objectos
domésticos por conselhos psicológicos mais ou menos
bem fundamentados no que respeita os efeitos da cor e da forma. É muito vulgar
recorrerse a conselhos sobre a profissão. Em muitos ramos profissionais é hoje
indispensável uma boa formação psicológica. Na indústria utilizase em
larguíssima escala a psicologia: o papel decisivo que a psicologia desempenha
na propaganda e a enorme influência que exercem as diferentes espécies de
propaganda (não só na indústria, mas por exemplo também nas eleições) é visível
para qualquer pessoa e só pode ser negado por alguém que seja ingénuo ou esteja
imbuído de preconceitos.
Apesar do poderoso papel que a Psicologia desempenha penetrando hoje em toda a
nossa vida, ela não é ilimitadamente reconhecida, pelo menos não goza do
reconhecimento que, como
se deveria pensar, caberia a um tão importante ramo do saber. ]@_ certo que há
muitos entusiastas que estão profundamente imbuídos do significado tão alto
deste moderno campo de investigação, mas encontramos continuamente pessoas que
têm em relação à Psicologia uma atitude de desconfiança, se não até de repulsa.
E perguntase: Porquê?
Eu pessoalmente penso que há sobretudo duas razões que se podem considerar
responsáveis por essa atitude. A primeira é tratada por Ernest Havemann na
citada série de artigos: a
moderna Psicologia, que como ciência ainda não tem sequer 100
anos e como Psicoterapia tem pouco mais de 50 anos, desempenha um papel de
autoridade em campos em que o leigo se considera a si próprio competente.
Mais de uma vez me disseram alguns pais: «Para que é que de repente havemos de
consultar os psicólogos acerca da maneira como devemos educar os nossos filhos?
Os nossos pais e avós não o souberam fazer, também sem o auxílio de psicólogos?»
Eu nem sempre tive a coragem de responder que talvez aquilo que os pais, avós e
outros antepassados fizeram (e não fizeram)
475
seja em parte responsável por toda a insatisfação e desassossego de que está
cheia a vida dos homens. Aliás Os Psicólogos não provaram por enquanto serem
capazes de melhorar o mundo; eles esperam poder fazêlo. Entretanto, muitos dos
que duvidam preferem recorrer àquilo que lhes ensinou a tradição ou o mundo
ambiente, ou procuram conselho e orientação junto do seu padre ou talvez junto
do seu médico assistente ou pediatra.
Se fazemos ressaltar tão fortemente a importância da Psicologia para a evolução
da humanidade, como aqui o fazemos, não queremos com isso menosprezar o
significado e valor das autoridades tradicionais. Tratase apenas de delimitar
correctamente os campos das autoridades.
A Psicologia moderna não pretende usurpar o lugar nem da religião, nem da
medicina, no que realmente cabe a estas. Também não pretende demolir valores
culturais transmitidos, que são guardados pela família ou pelo grupo social. A
sua missão consiste antes em influir sobre aqueles princípios e procedimentos
relativos à configuração da vida, tratamento dos homens e orientação humana, em
que se chegara a um caminho errado.
Põese agora a questão, de como determina a Psicologia nestes casos o facto de
se estar numa via errada, e qual a via correcta que ela possa indicar. Os três
«caminhos errados» mais importantes que a moderna Psicologia reconheceu são, ao
que me parece: ignorância, autoilusão e preconceitos.
De muitos factos que foram relatados nos capítulos anteriores, e também de muita
coisa que ainda se seguirá, pode provarse quanto a ignorância, a autoilusão e
o preconceito influenciam o
modo de pensar e viver dos homens.
A ignorância domina sobretudo no que respeita a limitação das nossas capacidades
de poder predizer o efeito das nossas decisões e das medidas que tomamos. Quando
por exemplo os pais são de opinião que os filhos só se educarão e tornarão
pessoas de bem e activas através de autoridade e disciplina; quando dois jovens
acharn que foram destinados um para o outro e que farão a felicidade um do outro
durante toda a vida; quando um profissional desiste de um determinado lugar e
inicia outro emprego em todos estes casos, aquilo que estas pessoas, convencidas
da correcção do seu pensar e agir, esperam do futuro, baseiase normalmente em
conhecimentos absolutamente insuficientes.
Não é que a Psicologia possa afirmar que consegue substituir em todos estes
casos a ignorância pelo conhecimento. Mas quando se trata de factos: do facto do
efeito de uma educação rispidamente autoritária, do facto de duas pessoas
ligarem uma com
a outra, do facto da escolha de uma profissão ou de um lugar
em tudo isso pode realmente hoje em dia contribuir o conselheiro psicológico, e
pelo menos fornecer alguns pontos de apoio que podem melhor fundamentar o juízo
do que habitualmente acontece.
Desde a obra monumental de Freud sobre a tendência para a autoilusão no que
respeita os motivos próprios, a Psicologia passou a saber bem mais. Ela pode
vulgarmente provar ao pai autoritário que além da preocupação pelo futuro dos
filhos, também desempenha um papel importante a sua própria personalidade,
quando é tão duro para com os filhos e os castiga tão severamente: a sua
necessidade de domínio ou até de descarregar a sua má disposição sobre a
família. A Psicologia pode muitas vezes mostrar ao jovem casal que confunde a
atracção sexual com a boa ligação. E poderá talvez mostrar àquele que desiste de
um determinado lugar por causa de outro, que não se sentia à altura das tarefas
que tinha de realizar no primeiro lugar, ou
que não se entendia com os seus superiores.
E ainda se conhece muito mais acerca do papel dos preconceitos. Assim, o pai
severo poderá ter o preconceito de que as
crianças educadas com tolerância não têm respeito aos pais. A rapariga que casa
cedo demais poderá precipitarse por ver
apenas a boa impressão que causará o seu casamento sobre as amigas. E o
empregado que muda de emprego pode, preso a
um preconceito racial, arreliarse por ter como superior um judeu ou um preto.
É certo que, em muitos domínios, a Psicologia se encontra ainda na fase inicial
em relação àquilo que sabe. Mas o psicólogo pode dar geralmente uma base mais
sólida às opiniões e juízos de que aqui se trata, e desviar os homens de
decisões e caminhos errados.
É claro que se parte do princípio de que os participantes * queiram. E com isto
chegamos a um segundo motivo decisivo para * desconfiança de muita gente perante
a Psicologia e para a sua recusa por vezes brusca.
Muitas pessoas gostam dos seus preconceitos. Não as incomoda a sua ignorância, e
nem sequer querem ouvir falar de uma autoilusão. Estas pessoas levam a mal à
Psicologia o querer imiscuirse nos seus assuntos pessoais, o descobrir os seus
impulsos mais profundos e o querer imporlhes os esforços de uma
modificação interior. Tudo isto lhes parece antipático e de qualquer maneira
suspeito. Como háde ser possível penetrar repentinamente em todas estas
profundezas e saber tanto? Acham que não é desejável saber todas essas coisas e
trazêlas à luz
do dia. O inconsciente, argumentam elas, é o fundo originário donde provém a
intuição e onde vivem os sentimentos verdadeiramente profundos. Mas estes não
devem ser perturbados nem desfolhados.
É uma conclusão errada a destes adversários da moderna Psicologia, ao suporem
que o tornar consciente destrói necessàriamente a profundidade. «Conhecete a ti
próprio», liase outrora no pórtico do templo de Apolo em Delfos: os sábios
gregos, pelos vistos, não recearam que a visão da própria essência destruísse a
profundidade ou a força da intuição.
Não temos grandes esperanças de, com estas considerações, afastar a relutância
daqueles que já formaram uma opinião inabalàvelmente firme. Mas os indecisos,
aqueles que estão prontos a ouvir argumentos de ouvidos bem abertos, talvez
devido aos nossos raciocínios fiquem mais inclinados a aproveitar com
utilidade para a sua própria vida as possibilidades práticas da Psicologia, que
vamos em seguida expor.
XII A Psicologia na Educação e Orientação Profissional
1. CONSIDERAÇõES INTRODUTóRIAS
Vamos considerar a educação e a orientação profissional no sentido mais lato
destes conceitos ao tratarmos estes pontos a seguir. A educação abrange por um
lado todas as influências do indivíduo em crescimento, começando pela formação
de hábitos, pela manutenção de ordem e bom comportamento na primeira infância,
até à formação da personalidade e carácter. Educação é por outro lado, e mais no
sentido mais estrito, o
ensino e a aprendizagem na escola.
Na Psicologia da educação temos pois de distinguir entre o estudo da influência
educadora sistemática de pessoas em
crescimento, e o estudo da aprendizagem na escola e do trabalho escolar, assim
como de todos os factores relacionados com estas questões.
Também a Psicologia da orientação profissional tem dois aspectos: um geral, isto
é, o do desenvolvimento do máximo das potencialidades humanas, e um especial, o
dos problemas da aptidão profissional e da escolha de profissão.
Se perguntarmos qual o papel que desempenha a Psicologia neste grande campo,
teremos, segundo a minha opinião, de concluir duas coisas. Em primeiro lugar é
inegável que o saber objectivo e de factos que foi elaborado pela moderna
Psicologia infantil, Psicologia escolar, Psicologia da profissão e deliberação
profissional, abrange um â mbito enorme e que é já absolutamente imprescindível
para o campo da formação dos jovens. Em segundo lugar, a Psicologia pedagógica
encontrase por enquanto extraordinàriamente restringida no seu papel por uma
circunstância de importância fundamental, de que raramente tomam consciência até
aqueles que costumam meditar. E é o facto de, exceptuando opiniões mais ou menos
subjectivas, não termos ainda uma concepção unívoca, cientificamente
fundamentada acerca daquilo
que interessa verdadeiramente na educação e na orientação. Por outras palavras:
não sabemos o que é, do ponto de vista científico, a finalidade da educação.
Reconhecendo claramente esta falha fundamental, Hildegard Hetzer diz, no prólogo
à sua grande «Psicologia Pedagógica» por ela editada, o décimo volume do novo
manual alemão de Psicologia, que o fenómeno pedagógico como tal por enquanto mal
foi acessível à investigação e que hoje não há ainda «uma exposição
empiricamente segura do processo meramente educacional». No mesmo volume, também
W. Hochheimer chama a atenção para o facto de, apesar dos imensos conhecimentos
de factos sobre a psicologia da criança pequena, continuarmos a saber muito
pouco acerca do processo pedagógico em si neste grau.
Klaus Eyferth, autor de um artigo publicado no mesmo manual, sobre crianças
dificilmente educáveis, atinge certamente o cerne do problema ao dizer que em
nenhuma cultura se fixou a representação ideal do homem para o total da sua
personalidade.
Mas em todo o caso, no que respeita o ideal educacional, notamse
particularidades determinadas pela cultura. E assim, não me parece um acaso que,
além de Eyferth, que se ocupa da dificuldade de educar, nenhum autor deste
volume alemão mencione sequer o conceito de socialização em conexão com a
educação. Em vez disso, a educação é considerada como servindo a «auto
realização» do indivíduo e também é assim apresentada por J. Derbolav, na
introdução. Eduard Spranger vê igualmente a principal missão do professor em
conduzir a si próprio o
jovem. A ideia condutora desta psicologia pedagógica alemã é portanto uma
educação individual.
O americano Frederick J. McDonald, com a mesma convicção, declara pelo
contrário, na sua «Educational Psychology» de 1959, que a educação deve ser
considerada como processo de socialização, como o processo através do qual a
criança é introduzida nos costumes da sociedade em que vive. Estas finalidades
sociais da educação e da escola no âmbito da sociedade e como parte importante
do processo social, foram já destacadas por John Dewey; este não desprezou de
modo nenhum a
ideia da evolução do indivíduo, mas já em 1902 utilizou até a palavra «auto
realização».
As duas coisas juntas autorealização e socializaçãoseria, ao que parece, a
ligação ideal. Mas parece que as diferentes sociedades têm concepções diferentes
acerca de como e até que grau a educação deve atender ao indivíduo por um lado,
e à sociedade por outro.
E tudo se torna ainda mais complicado se compararmos as ideias teóricas cheias
de problemas, com aquilo que acontece de facto e pràticamente na educação.
2. A PRáTICA E A TEORIA NO TRATAMENTO DAS CRIANÇAS
Se observarmos como são realmente tratadas as crianças e
os adolescentes em casa e na escola, se ouvirmos os pais ralhar
e os professores advertir, se perguntarmos o que é que, exactamente, eles
procuram fazer, então é muito maior a confusão. Frequentemente se pode ver que
uma mãe nã o faz mais do que defender a própria pele, que um pai não faz mais do
que exercer a sua tirania, e uma professora procura facilitar as coisas ao
máximo. E então não se vê muito de educação em tudo isto.
Mas também ouvimos defender princípios que têm pouco a
ver com uma autorealização da criança ou com a sua socialização, especialmente
quando esta última não é entendida de modo autocrático mas democrático no
sentido de levar em consideração os direitos de outro ou outros.
O que havemos de dizer, quando um pai afirma com orgulho que os seus filhos
obedecem à primeira palavra e que são castigados se ele tiver de repetir a
ordem! Este pai sentese ainda por cima especialmente orgulhoso por não explicar
as suas ordens: «Tu fazes isso, porque sou eu que o digo», é a sua sentença.
Quando ouvimos isto, como pensadores da nossa época, não podemos evitar
perguntar a nós próprios: A que fim superior deverá servir na nossa época uma
obediência cega e imediata?
O que temos aqui diante de nós é, pelos vistos, uma sobra dos tempos em que
dominavam os ideais da autoridade militar.
242 «Bater ou não bater?» Caricatura de Nem a autorealiL. Fisher
tirada de D. Baruch, New Ways in zação nem a socializaDiscipline
ção são fomentadas
pela obediência cega.
Pelo contrário: Para ambas necessitamos de gente que pense, a
que se tenha desde cedo ensinado a compreender porquê uma
conduta é mais adequada ou tem mais valor do que outra.
«Mas as crianças pequenas não compreendem isso», é a resposta de pais
autoritários. «Além disso habituamse a contradizer quando damos explicações. O
que interessa é ensinálos a ter
boas maneiras».
É claro que todas estas afirmações carecem totalmente de demonstração, e é fácil
apontar casos que mostrem o contrário. No capítulo sobre «A Personalidade»
relatámos acerca da evolução especialmente feliz de Linda, cuja mãe já explicara
à criança de três a quatro anos por que razão todos têm certos deveres, mas
também certos direitos.
Mas o que é um facto, é que, como já dissemos no início, não foram por enquanto
ainda sisternàticamente analisadas as
consequências das diversas influências da educação.
Muitas medidas, chamadas educativas, têm a sua razão de ser no facto de os pais
na sua perplexidade não saberem fazer nada melhor.
«Bater ou não bater?» é o título que Dorothy Baruch dá ao primeiro capítulo do
seu livro «Novos caminhos da Educação». Ela conta acerca de um pai que lhe
assegura: «Não há nada de tão bom como uma boa sova à moda antiga, de vez em
quando.» «Acha então que é necessário bater?» «Com toda a certeza! É um mal
necessário. Eu não conheço nada de melhor ... »
Esta perplexidade provém em parte do facto de muitos
adultos não saberem como se hãode aproximar realmente dos seus filhos e como
poderão falar com eles. Além disso verificase infelizmente que tanto pais como
educadores raras vezes meditam acerca das razões e últimos fins das suas medi
243 O ciúme por causa de irmãos mais novos das. Proíbese leva muitas
vezes a dificuldades. (De Baruch,
New Ways in Discipline) muita coisa, or
denase muita coisa só para alcançar qualquer coisa de momento. E outras medidas
baseiamse em opiniões .... . ... .. que se referem a
outras autoridades, mas especialk@M
mente à tradição.
«Ê estranho», dizme o
o pai dapai de Denny @O0 quele rapaz de 17 anos de L
que falámos no capítulo
«ago
ra grito da sexto
W@ . . . . . . . . . mesma maneira com o meu .............
filho como o meu pai gritava comigo. Quando a minha mulher no outro dia me
censurava por eu tratar Denny da mesma maneira
244 Se o irmão mais velho já tiver dura que o meu pai me traquatro
anos, tem menos ciúmes do ir tava a mim, declareilhe que mão que
acaba de nascer. (De Mussen as suas tareias me tinham e Conger,
Child Developrnent an Personality) feito muito bem. Imagine
só! E eu odiava o meu pai por me educar de uma maneira tão incompreensiva.» Eu
não ousei chamarlhe a atenção para o facto desta Wucação lhe ter feito muito
mal, para o facto de ele estar tão mal adaptado.
Esta falta de equilíbrio interno e maturidade dos educadores é outra razão que
contribui para que o decorrer do processo educacional seja tão perturbado e
infeliz numa percentagem tão elevada e até ainda não determinada de casos.
Segundo Albrecht Gaupp, que contribuiu para o citado manual alemão com um artigo
digno de ser lido, sobre «Problemas psicológicos da educação familiar», tanto a
maturidade da personalidade como a
maturidade social do educador são em primeira linha decisivas para a sua atitude
educadora.
Jean Walker Mac Farlane a orientadora do vasto estudo longitudinal da
Universidade de Berkeley, em que se observaram durante vários anos algumas
famílias médias verifica que os pais cujo matrimónio não era feliz e pais que
não estavam de acordo no que respeita a educação dos seus filhos, eram os que
tinham o maior número de filhos «difíceis».
Mas acrescentamse a isto ainda outros problemas: o ciúme causado pelo
nascimento de mais irmãos, assim como certas dificuldades para a criança
provenientes da sua posição dentro da ordem de sequência dos irmãos. Mais de 80
% das crianças americanas têm irmãos e nos Estados Unidos existe uma tendência
para as famílias numerosas. Na República Federal Alemã têm irmãos 70 % das
crianças; mas não se verifica um aumento de número de famílias maiores.
No que respeita ao ciúme entre irmãos, pela primeira vez
cuidadosamente estudado por David Levy, este considerase hoje em dia normal,
especialmente em crianças pequenas. Os que vêm de novo são menos objecto de
ciúme se o que nasceu primeiro já completou os quatro anos de idade. Quando as
diferenças de idade são menores, o que é muito mais frequente, a criança mais
velha necessita muitas atenções e amor para vencer o seu ciúme.
O facto pela primeira vez observado por Alfred AdIer, de que a posição dentro da
ordem de sequênci .a dos irmãos implica vantagens e inconvenientes, foi
durante algum tempo contestado, mas foi entretanto corroborado através de
cuidadosos estudos. Considerase que os filhos mais velhos tendem para a
insegurança e para pouca confiança em si próprios; eles representam uma
percentagem enormemente grande dos casos devido aos quais os pais consultam as
instituições de conselhos a educadores. Por outro lado são justamente os mais
velhos que muitas vezes são o exemplo irrefutável dos mais novos, e
frequentemente têm responsabilidades perante estes dentro da família. Filhos
mais novos são considerados geralmente como sendo mais conscientes de si
próprios e muito mais bem adaptados do que os mais velhos. Crianças que se
encontram entre os mais velhos e os mais novos são consideradas como tendendo
para a sociabilidade e como mais fàcilmente influenciáveis; são mais inseguras
do que os filhos mais novos.
Também não conhecemos nada de seguro acerca da questão de saber se influi, e em
que medida influi, o tamanho da família
o número de filhos, portanto sobre a educação.
Deve ter sido o Instituto FeIs que mais avançou, com as suas observações, na
tentativa de apreender quantitativamente no
seu efeito a atmosfera total dentro de uma família. A. L. Baldwin e os seus
colaboradores elaboraram propositadamente para este fim técnicas de entrevistas
e uma escala de 30 características de conduta. Um exemplo da conduta dos pais
numa família de atmosfera cordial e de atitude não autoritária («warm democratic
home» ) énos dado no diagrama que apresentamos a seguir.
Se tentarmos interpretar a imagem fornecida por esta tabela, então resulta a
seguinte estrutura de comportamento para a
família observada:
O comportamento que mais se salienta é o reconhecimento. A criança não
desempenha um papel subordinado mas um papel central, pois é amada; as relações
mútuas entre pais e filho são estreitas e intensas.
Existe a tendência para ajudar; a criança recebe muitas sugestões. Fomentase o
seu desenvolvimento intelectual. A compreensão que se oferece à criança é acima
da média; dãose conânuamente explicações à criança.
Aliás também se verifica uma certa tendência de proteger e de se preocupar
demasiado. A «disciplina» isto é , as exigências impostas à criança e os
castigos que se aplicam é suave, a criança é relativamente livre e tem de se
sujeitar a menos
SEGORANÇA Concentração sobre a criança (Warmth) Reconhecimento
Aceitação de criança Ternura Relação Intensidade de contacto
PROTEGER Estar a seu lado (possessiveness) Protecção
Preocupação
POLITICA EDUCATIVA (dernocracy)
COMPORTAMENTO INTELECTUAL (intellectuality) RESTRIÇOES (restrictiveness)
SEVERIDADE (severity)
INTERFERENCIA (interference)
AJUSTAMENTO (adjustment)
ACT VIDADE DA FAMIlLIA, (activeress)
Ju.stificação da política Princípio da política
Fomento da educação espirrtual Disposição ao esclarecimento Compreensão Dera a
criança
Restringir mediante prescrições Obrigator@íÍec[ade das propostas
Disposição pare obrigar Severidade dos castigos
Disposição à crítica Multipi icidade de. estímulos
Ajustamento Ambiente caseiro Eficiência da política educadora Menção de questões
de educação
Actividade caseira Convívio caseiro Sociabilidade do lar Duração dos contactos
Univocidade das medidas Emocionalidade
subordinando a criança releitandoa reDelindoa inimistosamente isolamento da
criança pequena
recusando ajuda entregandoa a si descuidado
procedendo arbitrária di tat<)ria 1 autoritária
inibidor a ânsia de saber não é satisfeita sem compreensão
libertando dando liberdade & execução
fraca suave
nãocrítica sem estímulos
sem ajustamento harmónico sem êxito concordância
pouca actividade caótico retirada curte, indeterminada objectiva
1 1
criança no, reconhecen dirigindos
com ternur
cont acto ín viva
ajudando protegendopreocupaçã
apoiada em democrátic
fornentador a ânsia de compreensã
limitando dando orde
áspera pesada
crítica estímulos
bem ajusta rico em co
com êxito disputas
muita activ harmónico muitos cont extensa clara emocional
i 1
1 a
1
prescriçoes do que é habitual. Estas não são impostas arbitràriamente, mas são
ponderadas, a atitude dos pais não é de ditadores mas discutem as coisas
«democràtícamente» com a criança. Entre os pai .s são menos frequentes do que
habitualmente os
atritos em questões de «disciplína».
A «política» de família, isto é, os princípios pelos quais a
família regula as relações mútuas, é eficaz. Existe harmonia, há concordância em
todas as acções e as medidas são claramente meditadas. Os contactos dentro desta
família são numerosos e os
componentes estão muito uns com os outros.
Enquanto que em estudos como os do Instituto FeIs aparece nitidamente a
estrutura de comportamento do grupo familiar no
seu condicionamento recíproco, outras observações orientadas mais clinicamente
interessamse em primeira linha pela apreensão da estrutura de motivação dos
componentes.
Foram aqui de importância decisiva os trabalhos psicanalíticos sobre as relações
entre pais e filhos; o material destas observações consistia essencialmente em
casos que foram tratados psicoterapêuticamente, e as ideias pedagógicas eram
deduzidas da teoria psicanalítica. A literatura extraordinàriamente vasta com
August Aichhorn, David Levy, Melanie Klein, Anna Freud, René Spitz, Erik
Erikson, Bruno Bettelheim, Fritz Redl e
Rudolf Ekstein como principais representantes desta orientação considera o
processo de socialização da criança sob uma perspectiva totalmente diferente da
escola de pedagogos orientada sociológicamente e que parte de John Dewey.
Enquanto que no processo educacional orientado sociológicamente, como por
exemplo é apresentado por F. McDonald, o
ponto de partida é formado pelas imposições da sociedade ao
indivíduo, pelos papéis e possibilidades de evolução que a sociedade oferece ao
indivíduo, a investigação da educação para a
socialização orientada psicanaliticamente ocupase em primeiro lugar dos
indivíduos que entram em relações mútuas.
Como já expusemos atrás, a evolução normal da personalidade consiste, encarada
sob o ponto de vista psicanalítico, em
o bebé que nasceu «amoral», e inteiramente entregue aos seus
impulsos, superar esta existência exclusivamente de impulsos, e se adaptar à
realidade assim como às imposiçõ es do mundo social que o rodeia. Neste aspecto
acentuase hoje especialmente a adaptação do Eu à realidade. O «fortalecimento
do Eu» e a
«diminuição da angústia» são tanto para Anna Freud como para Melanie Klein fins
essenciais da educação. O problema de encontrar e perseguir os valores vitais
adequados para o indivíduo, está neste caso menos dentro da perspectiva da
Pedagogia ana
lítica do que antes o problema da dinâmica das relações das quais pode provir um
Eu normal. Aliás nas mais recentes análises de famílias inteiras, tanto Martin
Grotjahn como especialmente Nathan Ackerman dão atençã o à questão dos valores
que se
devem seguir.
Mas nem destas nem de outras observações das relações entre pais e filhos
obtemos uma imagem clara e completa de como se deveria processar a educação do
homem moderno da cultura ocidental. W. Hochheimer expôs acertadamente no seu
excelente artigo do citado manual, como é ainda parcelar aquilo que se pode dar
como conselho.
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR E PSICOLOGIA
A quem viveu durante algum tempo em países diferentes do círculo de cultura
ocidental, não deve ter escapado que tanto a ideologia como a prática de
educação revelam consideráveis diferenças em diversas orientações. E se isto é
já flagrante para o caso da educação na família, éo ainda mais para o caso da
educação na escola.
Na educação na família a diferença principal consiste em
que nalguns países europeus, nomeadamente na Alemanha, se dá uma grande
importância à rispidez e autoridade, enquanto que nos Estados Unidos as crianças
são educadas com tolerância e se lhes deixa uma maior liberdade. Mas é difícil
de dizer até que ponto se podem generalizar estas observações, uma vez que em
toda a parte há uma grande gama de variações de comportamento.
Contudo os dois princípios básicos, onde quer que sejam aplicados, criam um
alicerce absolutamente diferente para as
influências da escola.
A educação que trabalha com rispidez e autoridade coloca o fundamento para um
conceito de decência e dever, que é essencialmente o resultado de prescrições e
proibições, por um lado, de recompensas e castigos, por outro lado o resultado
de um adestramento, como K. Bühler chamou a este processo, mediante o qual mais
tarde pode resultar uma identificação inteligente com aquilo que se aprendeu.
A educação que trabalha com tolerância e liberdade, pelo contrário, não
desenvolve nenhum conceito de dever autoritáriamente fundamentado, mas um apelo
à compreensão e juízo da criança, que parte tão cedo quanto possível da
explicação de deveres e direitos. Ouer dizer, em vez da obediência fomentase
aqui desde muito cedo a capacidade para tomar decisões próprias, e em vez de
ordens surge uma orientação para a perceptividade
social, ou, o que é o mesmo, observação atenta e o tactear do próprio caminho.
Este difícil método não é naturalmente manejado sempre com a mesma habilidade e
por isso há muitos fracassos.
Mas é importante verificarse que estas duas fundamentações da evolução moral
representam também dois fundamentos totalmente diferentes para a educação
escolar.
Como segunda diferença essencial para a educação familiar, considerase
geralmente a posição do pai americano, em comparação com as condições europeias,
menos autoritária. Muitas vezes ouvimos dizer que na família americana é a
mulher que desempenha o papel dominante e que esse papel prevalece também na
educação dos filhos. Aliás isso talvez seja mais uma
impressão do que um facto. Robert Sears, que com alguns colaboradores estudou
por meios empíricos os mé todos de educação na família, verificou que na maioria
dos casos (62 % na classe média, 59 % entre os operários) a autoridade familiar
se distribui igualmente por ambos, pai e mãe. Mas se há um dos membros que
domina, então é mais frequentemente o pai (29 % na classe média e 25 % entre os
operários) do que a mãe (9 % na
classe média e 16 % entre os operários). Não conhecemos números comparáveis a
estes para a Europa.
As diferenciações na ideologia e técnica da educação escolar são essencialmente
mais marcantes do que as diferenças na educação familiar, que não são
universais.
E esta diferença tornase muito nítida quando comparamos a educação escolar
alemã «de estilo clássico» com a americana, uma vez que os outros países
europeus tomam antes uma posição intermediária entre ambos os sistemas. A
finalidade principal da escola superior alemã é acadêmica, a finalidade
principal da escola americana é social.
Por outras palavras: a escola alemã tem em primeira linha finalidades de
aprendizagem. Atendese à personalidade da criança e à sua inserção na
sociedade, sobretudo no que respeita ao êxito da aprendizagem e manutenção da
ordem, a interesse em aprender manifestado pela classe e a um bom «espírito de
classe». A escola americana, pelo contrário, pretende aproveitar a ocasião da
aprendizagem para educar no sentido da comunidade em grupos e responsabilidade
social. A posição social do aluno na
sua classe e escola e os seus papéis sociais dentro desta são daí tão
importantes como o aproveitamento escolar. Já desde o início da frequência da
escola são atribuídos à criança papéis em que ela aprende a sentirse membro de
um grupo, a tomar responsabilidades e a desenvolver um juízo autónomo. E, dentro
do pos
sível, estes papéis não são dados apenas a alguns poucos «leaders», mas toda a
criança é, mediante a improvisação hábil de muitos pequenos deveres, posta na
situação de demonstrar a sua independência.
A ideia de que em caso de necessidade todos podem interferir, dominar uma
situação e tomar a chefia, é incutida nos americanos já cedo. Nessa ideia
baseiase também a formação militar: qualquer que esteja presente tem de saber
tomar o comando no caso de morrer o oficial que comanda uma patrulha.
Isto não significa que não haja também uma chefia especializada para
determinadas missões, cuja correcta formação constitui hoje em dia até um
problema analisado sob muitos pontos de vista.
Na educação que a criança americana recebe na escola, o método mais relevante
pareceme ser aquele, que hoje já se
tornou tradição, com que a criança é inscrida na dinâmica da interacção social.
Na escola americana não se entrega a evolução do sentido de pertença de um
indivíduo ao grupo de classe simplesmente a si própria ou ao destino social de
cada um, como acontece no sistema escolar alemão. Antes ele é continuamente
incluído como membro em funções, e continuamente confirmada
a sua participação. Por outro lado, aprende a apoiarse em si próprio e a não
considerar os outros como responsáveis pela sua conduta, ou a recorrer a
autoridades. Como, além disso, já desde o jardim infantil se ensinam boas
maneiras às refeições e nas relações com os outros, este sistema de ensino
nivela as desvantagens de uma educação familiar insuficiente sob o ponto de
vista social. E por fim, qualquer pessoa tem acesso a qualquer das diferentes
formas da escola superior; a sua frequência é até obrigatória por lei a todos os
cidadãos. O resultado de uma educação escolar deste tipo é uma sociedade em
que todos são elevados a um certo nível médio e relativamente alto de saber e
formas de vida.
O que nesse sistema é descurado é a cultura acadêmica no sentido mais restrito,
que aquele que por ela se interessar terá de adquirir por si próprio. De
qualquer maneira, a transmissão de conhecimentos é muito menos metódica do que
na escola alemã, de tal maneira que o americano médio, apesar de estar informado
e poder falar acerca de muito mais coisas, carece de profundidade e coesão no
seu saber.
Mas, na minha opinião, não era preciso necessàriamente sacrificar totalmente a
educação social e sociopolítica a um tesouro de sabedoria assente em bases
sólidas, como é tradição na escola dos círculos culturais alemã es.
E por outro lado deveria ser possível fomentar a educação social sem que em nada
fosse prejudicado o saber, quer em
profundidade quer em solidez, na medida em que isso sucede muitas vezes na High
School, nos Estados Unidos da América.
Por outras palavras: se se conseguissem reunir as vantagens dos dois sistemas,
teríamos realmente uma escola perfeita.
Há ainda outro facto que nos faz pensar: é a diferença das relações professores
alunos em ambos os círculos culturais. A acção pedagógica, diz P. Ruppert no seu
artigo do manual alemão já citado, tem sempre o seu centro de gravidade na
relação do educador para com o educando.
A relação do professor para com os seus alunos, diz em contrapartida F. J.
McDonald, pode ser apreendida como um processo que tem por fim realizar no aluno
uma determinada orientação finalizada.
Não se poderia exprimir de modo mais drástico a diferença de posição dos centros
de gravidade: por um lado estão colocados em factores pessoais, por outro lado
em factores impessoais.
Sendo a relação do professor para com o aluno considerada decisiva, tornase
importante a questão (que aliá s M. J. Hillebrand também põe) de qual a
influência dos diversos tipos de professores sobre os diferentes tipos de
alunos. Aqui terão sem
dúvida de desempenhar um papel muito grande a autoridade, a
capacidade de dar um exemplo, a capacidade de suscitar interesse, assim como
outras qualidades pessoais.
Maria Zillig relatanos, baseandose em interrogatórios feitos a alunos, que 40
% dos alunos de dez a treze anos entre os alunos mais velhos a percentagem é
ainda maior desejam uma
relação pessoal com o professor.
Se, pelo contrário, o professor se ocupar principalmente com
os processos da aprendizagem e da postura de finalidades por parte dos alunos,
cada vez mais passam a segundo plano os
factores da reacção e influências pessoais. Será então mais raro
que um professor tenha uma importância pessoal para um aluno.
Duma maneira geral podemos dizer que para a criança americana em idade escolar,
e ainda mais para o jovem, os adultos desempenham um papel menos importante do
que para os grupos de idade alemães correspondentes. Para a criança alemã é
importante ser louvada pelo adulto, para a americana ser aceite duma maneira
geral, com o que o grupo de idade próprio adquire cada vez mais importância, em
comparação com o adulto.
A orientação segundo os da mesma idade pareceme pessoalmente significar maior
maturidade do que a constante orientação segundo os mais velhos e superiores.
Por outro lado, a ânsia de
popularidade que aparece neste sistema, restringe a liberdade do desenvolvimento
pessoal em sentidos diferentes do domínio da autoridade. A popularidade pode
transformarse num fetiche tal que passa a ter em todos os campos e até nas mais
altas funções mais influência do que alguma vez a teve a realização de uma
tarefa.
Aliás, no centro da Europa, e especialmente entre a classe jovem de
trabalhadores alemães, verificase, como expõe Schelsky, uma evolução no sentido
das condições americanas (vide pág. 295).
Como se pode ver através da nossa breve exposição, a interpretação psicológica
dos processos educacionais, encarada sob o ponto de vista científico, é por
enquanto ainda bastante insatisfatória. São muito mais pormenorizados e precisos
os nossos conhecimentos acerca da Psicologia das aulas, do ensino, dos factores
inteligência e talento, do aproveitamento escolar, da aptidão profissional e da
‘orientação profissional. Como nesta exposição é impossível podermos dar o
devido relevo à plenitude de factos, escolhemos dois temas que nos parecem de
especial interesse geral. Primeiro discutiremos brevemente o aproveitamento
escolar obtido pelo ensino, um aproveitamento tal como ele se apresenta encarado
psicológicamente. E em segundo lugar, também brevemente, abordaremos o tema de
orientação e aptidão tal como se apresentam no contexto do nosso processo
educacional e de ensino.
4. A COMPREENSÃO E VALORAÇÃO PSICOLóGICA DO APROVEITAMENTO
Enquanto que os fundamentos do saber, das tradições e
costumes de uma época e cultura são adquiridos na família e no mundo ambiente, a
escola é o lugar onde este fundamento se erige sistemàticamente e onde vem a
desenvolverse. A escola é por isso considerada geralmente, com razão, como o
instrumento mais importante para a formação do indivíduo, assim como para a
manutenção e continuação da cultura e da civilização.
A nossa época reconheceu numa medida ràpidamente ascensional a relação estreita
que existe entre o saber intelectual e o domínio da natureza e dos homens. A
posição de potência mundial da ciência que daí resulta faz com que a escola,
como mais importante pressuposto de qualquer ciência, se torne cada vez mais
objecto, se é que não joguete, da política, e até da política mundial. Para o
«hornem simples» contudo, que se ocupa de política mundial apenas como ocupação
recreativa, o saber significa apenas a frequência das escolas e universidades, o
acesso a
profissões com nível superior e o caminho para obter ordenados mais elevados e
um nível de vida superior. Mas para além destas considerações pragmáticas existe
também uma «ânsia de saber» natural e o desejo de adquirir bens culturais
através do estudo.
O mais importante na escola e no aproveitamento, parece para o psicólogo
consistir no desenvolvimento pleno das potencialidades humanas e em leválas a
produzir efeitos que fomentem o
indivíduo e a sociedade.
Pelas razões pragmáticas citadas, assim como por razões de ideal, o
aproveitamento intelectual e o progresso intelectual estão no centro dos
interesses de todos os países que se sintam como participantes activos dentro da
história mundial.
O que realizou realmente a psicologia pedagógica em conexão com este ciclo de
problemas?
Já o dissemos: encontrase ainda bastante por esclarecer a
situação científica da psicologia pedagógica. É o que acentua também Max J.
Hillebrand num excelente artigo. Ele expõe que a psicologia pedagógica não
trata, corno devia, da «aprendizagem do homem no sentido de uma orientação
mundial e domínio mundial, à medida dos conhecimentos», mas que, em vez disso,
se movimenta no enquadramento estreito da «situação pedagógica», especialmente
do ensino na escola.
Naturalmente que não é nossa intenção diminuir a importância deste problema
prático; mas queremos pelo menos ter chamado a atenção para o facto de a missão
de futuro da psicologia pedagógica dever consistir, segundo a nossa opinião, em
pôr, a par das questões técnicas, também mais questões de princípio no que
respeita às finalidades da cultura humana e do progresso intelectual, assim como
acerca dos métodos com cuja ajuda se poderão realizar tais finalidades.
Dentro do nosso âmbito não é possível desenrolar tais problernas. Em vez disso
temos de perguntar a nós próprios o que é que, para os nossos fins, vamos
encarar de tudo aquilo que se nos depara. Encontramos uma imensidade de
trabalhos que se
ocupam dos pressupostos, métodos, processos e resultados da aprendizagem nos
mais diversos campos, começando por experiências com diversas técnicas de
aprendizagerr. de leitura e
escrita, até à discussão dos problemas da preparação profissional e aptidão
profissional, da organização e métodos de escolas especiais para atrasados,
surdosmudos, cegos, diminuídos físicos e
crianças difíceis, até à questão da cultura universitária e cultura popular.
Para o estudo destes problemas especializados remetemos o leitor para o Manual
de Psicologia Pedagógica já muitas vezes citado.
Para nós, que queremos saber o que a Psicologia como ciência nos pode oferecer
como proveito para a situação humana em geral, pareceme especialmente digno de
atenção um objecto da psicologia pedagógica: tratase do estudo do
aproveitamento, em primeiro lugar o aproveitamento na escola, mais tarde a
realização na profissão e na vida, em torno da qual tudo se move.
Com que contribuí a Psicologia pedagógica para a compreensão das realizações
humanas, para a sua apreensão e sua valoração?
A palavra e o fenómeno «realização» ( = « aproveitamento ») não aparece aqui
pela primeira vez na nossa obra. O leitor atento talvez concorde que vale a pena
folhear um pouco para trás e
relembrar os problemas em relação aos quais falámos aqui de «realização».
Referimonos a ela sobretudo em relação com o
problema do desenvolvimento. Aí definimos «rcalização» como
produção de produtos criados em relaçúo social com a sociedade.
O primeiro pressuposto da realização é a maturidade que permita receber e
executar uma missão, que por vezes é penosa e custosa e para uma grande maioria
das pessoas não tem o
carácter de prazer da actividade lúdica. Contudo, para a criança de cerca de 5 a
6 anos tem já o carácter de interesse, isto é, de uma participação ligada a uma
certa tensão, que é fomentadora da criação de realizações. Uma criança normal
desta idade gosta de aprender e de realizar qualquer coisa.
Esta maturidade para a realização de tarefas, que é uma
das características principais da maturidade escolar, não aparece,
como se supunha antigamente, automàticamente como a maturídade intelectualmente
ou a capacidade de aprendizagem. Do ponto de vista da capacidade de aprendizagem
considerada isoladamente, já muitas vezes crianças de quatro anos se encontram
em situação de ler, para o
que antigamente não raras
vezes eram até incitadas. Hoje sabemos que se deve preferir uma aprendizagem com
compreensão, interesse e boa vontade da parte da criança pequena, à fixação
amente mecânica. As primeiras são característi246 A capacidade de se encarregar
de uma tarefa difícil e de a realizar é uma das principais características da
maturidade
escolar
cas da maturidade humana, mais exactamente da maturidade moral. A maturidade
escolar foi observada em magníficos estudos, especialmente por Lotte Schenk
Danzinger e por Hildegard Hetzer; ambas desenvolveram também técnicas de testes
para alunos principiantes. Num livro sobre o teste de maturidade escolar,
recentemente publicado, Hetzer e Tent mostram de modo exemplar a ligação da
utilização destes testes com estudos de personalidade, tal como já os
introduzira SchenkDanzinger.
Citamos alguns pormenores da descrição da personalidade de um rapazinho, Heinz,
que, segundo o resultado de quase todas as tarefas de testes, possuía maturidade
escolar:
Heinz segue consequentemente os seus fins, exige muito de si próprio e não fica
de modo nenhum indiferente a qualquer insucesso. A reacção aos insucessos é
tanto mais nítida de observar, quanto Heinz normalmente se mantém bastante
sossegado, dominado e retraído durante o exame.
Resumindo podemos dizer que se trata de uma criança com
desenvolvimento e com maturidade escolar correspondentes à sua idade. Heinz é
inteligente, quer realizar tarefas e exige alguma coisa de si próprio. Apesar de
se mostrar muito disposto a sujeitarse à autoridade representada pelo
examinador e do esforço, muitas vezes coroado de êxito, de se adaptar
rigorosamente à situação, Heinz tem de vez em quando dificuldades de adaptação
se for necessária uma viragem rápida. Atrás do domínio e reserva
exteriores, que se tornaram notados também devido ao facto de ele não fazer
nenhuma tentativa de contacto activo com os examinadores ou os camaradas durante
o exame, escondese uma vida afectiva rica (expressão gráfica), mas também um
certo receio e insegurança que o tornam especialmente sensível a vivências
angustiantes de fracassos.
Quando se falou com os pais, soubese que se tratava do mais velho de três
filhos, que já colaborava muito no trabalho
em casa e na quinta e nisso era tratado «muito rígorosamente», para que se
acostumasse cedo ao trabalho que ele, uma vez que o pai era relativamente velho,
se veria talvez dentro de pouco tempo obrigado a tomar a seu cargo.
Pelo contrário, o estudo sobre Werner, um rapaz de cinco anos
e nove meses que só conseguiu resolver ao nível da maturidade escolar duas das
dez tarefas, concluise com as seguintes palavras:
O seu comportamento global durante o exame mostrouo como sendo uma criança
viva, aberta, que se apoiava ainda muito nos adultos ese deixava guiar por
eles, mas que procurava também contacto com os camaradas, especialmente no
recreio. Parecia altamente despreocupado (cf. também como colocou o
seu desenho livre mesmo no meio da superfície de desenho), desinteressado pelo
resultado das suas tarefas, e totalmente absorvido pelas actividades em si. Ele
ficou para trás e foi entregue por mais um ano aos pais compreensivos e à
jardineira infantil que o considerava uma criança obediente, viva e entusiasmada
pela brincadeira.
O teste de maturidade escolar está no início da grande série de testes e de
outros processos com os quais hoje em dia se apreendem e valoram as realizações
de indivíduos e grupos desde o priw@ípio da escola até ao início da actividade
profissional. Não é nossa intenção perdermonos nos pormenores destas técnicas.
Pretendemos apenas compreender aquilo em que se baseiam todos estes testes e por
que parecem ter hoje tanta importância.
Em primeiro lugar: O que é um teste? Um teste é um método de medição
estandardizado, isto é, um processo mediante o qual se pode determinar
quantitativamente com meios apropriados um comportamento qualquer, comparandoo
com um padrão, Este padrão é criado pela determinação da distribuição do
comportamento que se pretende medir num grupo grande e
estatisticamente representativo. O resultado do teste é objectivo.
Quando se sabe que dois terços de todas as crianças de oito anos que frequentam
a escola são capazes de indicar algumas semelhanças e diferenças entre uma bola
e uma laranja, ou entre um avião e um papagaio de papel, ou que dois terços de
todas as crianças de dois anos sabem o que é uma chávena e o que é um dedal e
os identificam numa imagem, tratase de resultados objectivos que levam a
valorações objectivas de realizaçõ es de tarefas. Um teste que abrange um número
suficiente de tarefas para a medição de qualquer categoria de realização, leva a
uma imagem geral e objectiva de realização dentro do âmbito testado.
Mas para que necessitamos disso hoje? Porque é que as
notas e os exames dos tempos antigos já não são suficientemente bons? Porque não
confiamos no juízo do professor experimentado ou do examinador? Além de nem todo
o professor ser experimentado e nem todo o examinador ser objectivo, os
processos estandardizados oferecem, evidentemente, uma base mais segura para a
escolaridade e escolha de profissão correctas dos examinandos. Perante o aumento
populacional que hoje é impossível reter, por um lado, e a diferenciação cada
vez maior dos ramos da economia e das profissões, por outro lado, perante o
custo em parte muito elevado da especialização em muitas profissões, da
concorrência de candidatos a lugares de aprendizagem e
empregos, tornouse necessário determinar tão cedo e tão cuidadosamente quanto
possível a capacidade de realização e a aptidão.
Como nos diz Hildegard Hetzer no prefácio do seu livro de testes, o valor dos
testes não consiste em primeira linha ou
exclusivamente em servirem para a selecção, mas sim em oferecerem pontos de
referência para o futuro tratamento pedagógico do examinando.
Este era também já o duplo ponto de vista que desde o início tinha em vista o
inventor do primeiro teste, o psicólogo francês Alfred Binet. Quando em 1904 o
Ministério da Educação encarregou em Paris uma comissão de estudar o problema da
educação de crianças atrasadas mentais, o que se pretendia saber tinha um duplo
aspecto: em primeiro lugar, como se poderiam seleccíonar a tempo estas crianças,
e em segundo lugar como se lhes poderia ministrar uma educação adequada.
Foi sem dúvida um feito genial, quando Binet, de colaboração com o seu colega
Th. Simon, inventou e publicou em 1905 os primeiros testes de inteligência. A
ideia destes testes era
determinar, mediante tarefas estandardizadas, se uma criança era capaz de
solucionar as tarefas de aprendizagem e raciocínio que se consideravam adequadas
à sua idade. O pressuposto de Binet, que ao aumento de idade corresponderia um
aumento regular da memória assim como das capacidades de pensamento mais
complexas, foi corroborado, pelo menos para os graus de idade por ele
observados.
Discutiase muito então a questão do crescimento da inteligência. Edward
Thorndike foi o primeiro a traçar em 1926 uma curva de crescimento da
inteligência. Dos testes parecia concluirse que o homem médio atinge o ponto
máximo da sua
inteligência pouco mais ou menos aos 16 anos. Isto parece à primeira vista
absurdo, mas tem de ser correctamente interpretado. Significa que a memória
atinge nesta idade o seu ponto máximo, e que simultâneamente também se encontra
totalmente desenvolvida a capacidade de pensar. Os muitos conhecimentos e ideias
que muitas pessoas manejam depois deste período não significam mais do que a
utilização de um capital de funçõ es que está à sua disposição desde a
puberdade.
Reproduzimos, na página seguinte, uma curva do crescimento da inteligência
considerada como especialmente bem calculada.
Depois de Henry Goddard ter levado para a América o método de BinetSimon para o
exame de crianças débeis mentais, Stern e Kulilmann manifestaram a opinião de
que os testes se poderiam utilizar para determinar a precocidade do mesmo
modo que para determinar o atraso. Esta ideia foi retomada por Lewis Terman, que
publicou em 1916 a célebre StanfordRevision. dos testes de BinetSimon.
Corrigiu as séries de testes, estandar
dizouas, servindose de um número extraordinàriamente grande de pessoas, e
acrescentou ao método de determinar a idade mental, o novo processo de
determinação do quociente de inteligência (Q. I.).
Referimonos aqui a um quociente em que se exprime a relação da idade mental com
a idade cronológica. A idade mental
é a inteligência que corres+ 2001 1 1 ponde à
inteligência de uma
4 150 criança normal numa deter * 100
minada idade. No caso de * 50 inteligência
normal o Q. I. é
o 1 (uma vez que idade men
50 tal: idade cronológica = 1,
100
150 portanto a idade mental é
200 igual à idade cronológica),
em pessoas acima da média
O 5 10 15 20 25 30 35 40
247 Curva do crescimento da inteligêpcia segundo os cálculos de H. Heinis
é superior a 1 e em pessoas abaixo da média é inferior a 1. Vulgarmente é
expresso em fracções de centenas, em
que o 100 representa o valor normal, as inteligências superiores atingem valores
acima de
120, enquanto que por exemplo a debilidade mental corresponde a um Q. I. entre
50 e 75.
Com esta nova técnica criouse um magnífico instrumento, apesar de tudo o que se
possa objectar contra o processo quantificador neste campo (especialmente quando
se trata de «testes de génios», como Terman os utilizou). Não podemos já
prescindir dos testes dentro da educação, e muito menos da sua utilização
clínica, embora hoje todos reconheçam que a interpretação dos resultados dos
testes exige todo o cuidado.
O que queremos dizer com «todo o cuidado» é o ter em conta factores que não são
apreensíveis de maneira puramente quantitativa. Nestes se incluem, além das
condições físicas e condições de vida, sobretudo a maturidade e a estrutura de
motivação da personalidade.
O conjunto destes últimos dados, cuja apreensão se designa de método clínico, é
hoje considerado tão importante como o
resultado quantitativo do teste. Na América até se verifica em muitos casos uma
diminuição de interesse pelos resultados dos testes como tais e um incremento de
interesse pelos estudos clínicos, em que se inserem os resultados dos testes.
Mas dentro da valoração feita em massa do aproveitamento escolar, os testes têm
de ser considerados como indispensáveis.
32
Entre os mais importantes processos de testes que usamos para a apreensão de
aproveitamento situamse: testes de maturidade, de inteligência, de realização,
de capacidade, de interesses e de aptidão.
A diferença entre testes de maturidade e testes de inteligência consiste no
facto de estes pretenderem determinar aproveitamentos de aprendizagem ou
pensamento, enquanto que aqueles não examinam necessàriamente um aproveitamento
intelectual, mas o comportamento como tal adequado à idade.
Assim, por exemplo, um teste de maturidade da série de testes de BühlerHetzer
destinados a crianças pequenas, impõe a tarefa de executar uma construção
tridimensional, que é o que se espera de uma criança de quatro anos; ou num
teste da série de Arnold GeselI, o bebé tem de segurar sózinho o biberão, o que
normalmente um bebé de nove meses já consegue.
Os testes de maturidade para bebés foram muito atacados como não sendo de
confiança. O seu manejo adequado pressupõe muita experiência com bebés. As
cuidadas observações do comportamento deveriam ser acompanhadas sempre do
processo quantitativo.
Se nos encontrarmos perante questões como por exemplo qual a saúde psíquica e
evolução normal de uma criança desti248249 Os testes de BühIerHetzer para a
determinação do grau de desenvolvimento de crianças pequenas até aos seis anos
estão hoje muito desenvolvidos. Para cada idade são apresentadas dez tarefas que
correspondem às exigências de situações naturais da
vida
nada à adopção, então vemos que não é possível hoje em dia uma resposta
conscienciosa sem a utilização de testes.
Um exemplo de um resultado de testes invulgarmente preciso énos dado através do
caso de Sven, que um casal americano pretendia adoptar. Devido a diversas
circunstâncias, Sven tinha já onze meses, isto é, tinha um pouco mais de idade
do que aquela em que as instituições americanas de adopção recomendam
normalmente a entrega de uma criança a novos pais.
Sven era contudo um bebé desenvolvido tão harmoniosamente em todos os sentidos,
com o elevado quociente de desenvolvimento de 1,25, que previmos uma boa
capacidade de adaptação e desenvolvimento. Recomendámos que os pais se
ocupassem pessoalmente muito dele, pois ele era um pouco tímido e não estava
socialmente tão desenvolvido como noutros sectores, pois parece que não lhe
haviam dado suficiente atenção pessoal. Sven tinha extraordinária capacidade
física e era muito hábil
com os brinquedos.
Os pais adoptivos de Sven, que se dedicaram a ele com grande amor e muita
compreensão, relataramme, desde 1949 todos os
anos por altura do Natal, o progresso magnífico do desenvolvimento de Sven. Sven
é um rapaz que se afirma em todos os campos, que se salienta especialmente no
desporto, mas também tem o aproveitamento normal na escola e tem muitos
interesses. Toca vários instrumentos, entre eles saxofone, oboé e guitarra.
250251 A adopção, coroada de êxito, de Sven à esquerda com nove meses, à
direita com treze anos é um belo exemplo de resultados de
testes invulgarmente precisos
Na quinta dos pais cria galinhas e pombos, uma ovelha, um gato, um cão e
cágados, assim como, além de dois cavalos de que gosta muito, também duas
cobras, porque talvez queira vir a ser investigador de répteis.
É muito estimado entre os rapazes da sua idade e tem relações afectivas
profundas para com os pais, a quem já ultrapassou em estatura.
Com a ajuda de testes de capacidades podemse testar capacidades específicas
quiçá inatas. A ideia de que se partiu nos
testes de capacidade era semelhante à que se tivera inicialmente nos testes de
inteligência, isto é, que se podia descobrir e depois também medir dotes
realmente inatos. Mas nos testes de inteligência em breve se teve de reconhecer
que aquilo que é inato não só é extremamente difícil de detectar, mas até que
também era bastante inútil esse detectar, porque a efectivação e a utilização de
potencialidades são determinadas na maioria dos campos em grande parte pela
modelação ou não modelação que elas sofrem desde o início.
No mesmo sentido diz Wilhelm Arnold, num estudo tão profundo como bem pensado,
que as disposições e capacidades humanas se modificam. Um conceito de aptidões
rígido não tem em conta a plasticidade da natureza humana. Nenhuma experiência
pode predizer como evoluirá uma pessoa sob condições fortemente modificadas. Por
isso, são pràticamente impossíveis os prognósticos de aptidões. Os dotes só se
manifestam com alguma segurança quando se afirmam em tarefas correspondentes.
«Realizações e comportamento podem ser determinados; em contrapartida não se
podem determinar as especificidades do homem». Não se poderia exprimir mais
claramente que as capacidades se estudam da melhor maneira em relação com as
realizações e os comportamentos; mas deviam também acrescentarse estudos de
motivação para determinar a posição para com a realização e o presumível êxito.
Enquanto que os testes de realização ou outras formas de exames determinam a
capacidade disponível, para obtermos uma
visão acerca da utilização previsível da capacidade, são necessários estudos de
motivação. Pois em última análise a realização é uma questão da personalidade.
Foi esta opinião que me levou a expor a professores, juntamente com alguns
colaboradores, os problemas de aprendizagem e problemas sociais da criança na
escola.
A ideia do livro «Problemas infantis e o professor» foi mostrar ao professor,
partindo de um grande número de casos, as
profundas relações vitais a partir das quais se podem desenvolver
problemas escolares. Faith Smitter e Sybil Richardson inseriram as minhas
observações psicológicas no sistema escolar americano, e Lotte SchenkDanzinger
nos sistemas da Europa Central. Mostrámos em que medida o professor pode
contribuir para a solução de problemas infantis, e sobretudo o papel que
desempenham o psicólogo escolar e o orientador escolar, que auxiliam dentro do
sistema escolar tanto os professores como os pais quando se
tratam problemas de personalidade e ensino. Os métodos de que nos servimos então
revelam ainda grandes diferenças, contudo em toda a parte dáse cada vez mais
atenção ao factor da motivação que determina o aproveitamento.
5. A PSICOLOGIA NA ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL
Orientação profissional é, segundo Walter Stets, «todo o
fornecimento planeado e organizado de conselhos e informações na escolha da
profissão».
Se não estou enganada, o primeiro centro de orientação profissional foi fundado
em 1909 em Nova lorque, por sugestão de Frank Parsons. É singular o facto de
Parsons desde o início considerar a escolha da profissã o como um problema que
se
deve tratar cuidadosamente com meios científicos. O candidato à profissão
deveria primeiramente estudarse a si próprio e obter conhecimento acerca do
mundo da profissão.
Apesar de cedo se ter reconhecido a grande importância da escolha da profissão,
tanto para o indivíduo como para a sociedade, até hoje, como lamenta Donald
Super, ainda não existe uma teoria unitária e geral que se tivesse posto, ou até
que se
pudesse vir a pôr, na base da ordenação psicológica do processo da escolha da
profissão.
Em vez disso, os métodos da maioria dos sistemas usados na orientação
profissional são puramente pragmáticos; trabalhase exclusivamente com a análise
de traços caracterológicos, capacidades e interesses por um lado, com análises
de profissões e das exigências que impõem aos candidatos, por outro lado.
A isto acrescentase por outro lado a orientação prática sobre colocações
disponíveis. Foi justamente com uma tal informação de empregos vagos e de grupos
apropriados de profissões que começou a orientação profissional na Alemanha, em
1911; relacionados com os movimentos femininos, organizaramse centros de
informações acerca de profissões femininas. Seguiuse em 1913 um centro geral de
orientação no centro para a prosperidade popular. A orientação profissional foi
assim a forma de orientação que mais cedo se desenvolveu sistemàticamente.
Lefever,
Turrell e Weitzel relatam na sua vasta obra sobre «Fundamentos e técnica da
orientação», que inicialmente « orientação» (em inglês: guídance) era
absolutamente idêntico a «orientação profissional». Embora hoje a orientação
profissional seja apenas uma das muitas formas de orientação, ela manteve
contudo um
lugar de destaque ao lado da orientação familiar, matrimonial, da orientação de
pessoas idosas e da orientação pedagógica.
Para a orientação profissional tal como ela hoje está estruturada nos diversos
países da nossa cultura, é necessário um
grande complexo de observações. As mais importantes são a determinação da
maturidade profissional, a análise de actividades profissionais (a expressão
americana «job analysis» foi retomada em muitas publicações alemãs), depois a
determinação de interesses, de capacidade de realização e aptidão e finalmente a
orientaçã o sobre a formação profissional e o mercado de trabalho.
Para aquele que está de fora e que queira ter uma ideia da quantidade de
investigações existentes sobre todos estes temas e que queira esclarecerse
acerca do que hoje, com a ajuda das observações e testes, se disse acerca da
escolha mais adequada da profissão e o que se pode predizer acerca do possível
êxito profissional, serão de utilidade as seguintes conclusões que aqui expomos
resumidamente.
1 Os pontos de vista para se ajuizar acerca da maturidade profissional, da
aptidão profissional e para prever o êxito profis252253 Exames de aptidão na
orientação profissional de rapazes que terminaram a escola: à esquerda deve
montarse uma pequena máquina,
e à direita examinase o sentido de forma e espaço
sional, não só são diferentes nos diversos países e sistemas pedagógicos, mas
até entre os diversos investigadores e profissionais. Não há ainda unidade neste
campo.
2 Segundo eu vejo, os diversos autores viram como determinante para a
maturidade, aptidão e êxito, e recomendaram como fundamento do diagnóstico na
escolha de profissão, sobretudo quatro factores: realizações, interesses,
carácter e personalidade, além disso maturidade de vida, isto é, concepção da
vida.
3 No que respeita às realizações verdadeiras e à capacidade de realização de
um candidato a uma profissão, nenhum orientador sensato deixará de atender a
elas. Mas considerálas como única ou mais importante bitola de previsões, leva
a muitas desilusões.
Todos os clínicos tomam conhecimento nas suas consultas de dúzias de casos de
carreiras frustradas de pessoas que tanto na escola como por vezes também na
formação posterior revelaram capacidade de realizações e bons dotes e até
obtiveram bons resultados em todos os testes de aptidão, e contudo depois
falharam. Nã o é só o clínico que conhece este fracasso; até qualquer leigo já
deparou com casos destes.
Para além destes casos individuais possuímos pelo menos
um estudo de grupo completo, que E. L. Thorndike e E. Hagen realizaram com mais
de 10 000 componentes do pessoal da aviação comercial americana. O grupo foi
escolhido de um conjunto de 75 000 pessoas, e portanto considerado
estatisticamente representativo para a observação da relação existente entre
capacidade de realização e êxito profissional.
Estes mesmos homens, que quando do exame de aptidão tinham 19 a 20 anos, foram
procurados vinte anos mais tarde nos seus diversos locais de trabalho e
observados em função do seu êxito profissional.
O resultado desta investigação realizada em grande escala foi: testes de
capacidade de realização, até quando tomavam em
consideração certos dados biográficos, mostraramse insuficientes para neste
grupo predizer um êxito profissional que se estendesse por um longo lapso de
tempo. Os autores concluem daí que se
devem julgar com grande cepticismo as previsões sobre o êxito profissional
feitas à base de testes de capacidade de realização.
4As observações de interesses consideramse hoje geralmente importantes na
orientação profissional. Há dois testes americanos que são os mais utilizados,
também na Europa, o teste Kuder e o teste Strong.
Mas tãopouco os testes de interesses, como os testes de realizações ou
aptidões, podem servir de único fundamento para a orientação profissional.
5 E para além destas observações particulares dáse hoje em dia grande
importância à apreensão do homem total. O problema que se põe, é como se pode
proceder a esta do modo mais seguro e adequado para o futuro profissional.
Escolheramse três processos diferentes:
O primeiro tenta a apreensão do homem total através de observações sobre o
carácter de um candidato; sobre isso nos
informa a obra «0 exame de carácter do candidato à profissão», de Franziska
Baunigartens. As observações caracterológicas são recomendadas de preferência
por aqueles que pretendem que se
tenha em consideração as qualidades morais no sentido mais estrito, ao tratarse
da admissão profissional.
Aqueles que, como expusemos no capítulo «A Personalidade», vêem com cepticismo
as nossas actuais possibilidades de uma
apreensão do carácter, e além disso também não se inclinam a considerar o
carácter como absolutamente fixo, preferem outro processo: estudos de
personalidade. Aplicamse aqui sobretudo métodos profundos, de que falaremos no
capítulo seguinte. As descrições de personalidade ocupamse mais de verificações
acerca
da maturidade, autocontrôle, finalidade, sensibilidade, emocionalidade e coisas
análogas, do que qualidades morais, das quais hoje, falando cientificamente,
ainda não sabemos o suficiente.
Há um terceiro método usado para a apreensão do homem total e que é considerado
em muitos casos pelos orientadores profissionais americanos como o mais
eficiente. É o processo que Donald Super desenvolveu com uma série de
colaboradores na Universidade de Columbia. Super procura determinar a maturidade
profissional e a aptidão profissional dentro do âmbito mais vasto duma teoria do
comportamento profissional e da maturidade de vida de uma pessoa.
Como fundamento teórico para os seus estudos sobre o comportamento profissional,
Super escolheu a teoria das fases da vida de Charlotte Bühler, cuja aplicação
prática neste campo já fora exposta por Paul Lazarsfeld. Tratase da teoria
discutida no capítulo sobre o «Decurso da Vida», que afirma que os homens passam
por fases de autodeterminação. Depois dos prenúncios da autodeterminação durante
a infância, seguese um período de tentativas para uma autodeterminação na
juventude, que normalmente é substituída pela fase de autodeterminação
definitiva e orientada de modo realista, do adulto. O período em
que se lança uma visão crítica sobre os resultados da vida e se tenta remediar
os erros e recuperar o que não se fez, é finalmente substituído, mais depressa
ou mais devagar, pelo período da decadência.
Além destas fases da autodeterminação, Super considerou como factores decisivos
também a capacidade de realização, os interesses, a personalidade, as exigências
da profissão, assim como outros factores mais. O resultado dos vastos exames por
ele realizados é expresso em «perfis de maturidade». De 19 factores que nas suas
observações se revelaram relativamente independentes uns dos outros, aquele que
revelou mais alta correlação com a maturidade profissional foi a capacidade de
planear uma carreira de modo realista, depois de colhida suficiente informação e
com sério interesse pela escolha, assim corno com sentido de responsabilidade
por esta. O interesse, a informação, o planearnento e o sentido de
responsabilidade estão especialmente pouco desenvolvidos entre os jovens sem
maturidade profissional.
As investigações de Donald Super são aquelas que nos dão mais esperança numa
futura orientação profissional, na medida em que ele vê a evolução profissional,
o êxito profissional e a satisfação profissional como uma parte da realização da
vida e da evolução da vida, em vez de operar apenas com capacidades, realizações
ou outras qualidades isoladas.
XIII A psicologia nas profissões de assistência
1. AS PROFISSõES DE ASSISTÊNCIA NO NOSSO TEMPO
«Profissões de assistência» é este o nome dado na América a três profissões
muitas vezes ligadas num «team», o assistente social, o psicólogo e o
psiquiatra. (Esta palavra «profissão» adequase especialmente a estas três
actividades, pois no conceito de «profissão» encontramos o «reconhecerse» a uma
actividade).
O «team» do assistente social, psicólogo e psiquiatra representou de facto
durante muitos anos uma espécie de «standard», tanto para a orientação
pedagógica como para outros centros e clínicas de orientação. Hoje contudo não
existe já uma separação rigorosa das actividades da apreensão biográfica de um
caso, inclusivamente das condições sociais e económicas dos estudos
psicodiagnósticos e da Psicoterapia e também já não há uma
separação estrita das funções. É certo que o assistente social é ainda o
especialista em observações e provável orientação de assistência das condições
sociais e económicas da vida de um indivíduo, o psicólogo o especialista em
diagnósticos psicológicos, o psiquiatra o especialista do tratamento de doenças
mentais e
cerebrais graves, mas na categoria média dos casos as funções não se podem
separar rigorosamente porque se usurpam mútuamente o terreno.
Do enorme número de tarefas que são impostas à Psicologia dentro do âmbito das
profissões de assistência, vamos salientar
o seu papel dentro da orientação, diagnóstico e terapia para esta categoria
média da população, pois o leitor pode tirar o maior proveito pessoal da
exposição destes três campos.
A categoria média entre as pessoas psicológicamente equilibradas e as
perturbadas mentais graves, é representada pelas inúmeras pessoas perturbadas e
angustiadas pelos problemas da sua
vida: São aquelas pessoas que fracassam na sua missão de pais ou cônjuges, que
falham na profissão, e, além disso, todas aquelas pessoas cuja sexualidade, cuja
sobrecarga ou cujas relações infe
lizes para com os outros as levam a esgotamentos emocionais, doenças
psicossornáticas, alcoolismo, abuso de pílulas e toxicomanias, a delitos e
crimes. Todas essas pessoas têm hoje à sua
disposição centros de orientação, onde assistentes profissionais se
ocupam dos aspectos sociais, diagnósticos, terapêuticos, medicamentosos ou
outros, do caso em questão. Esta grande quantidade de pessoas, para cujos
padecimentos o psiquiatra Thomas Szasz e até já antes dele também H. S. Sullivan
querem legitimar a
designação de «problemas de vida» em substituição do conceito de «neurose» e
«doença>@, procura hoje em dia cada vez mais uma ajuda por parte de
profissionais.
A esta espécie de problemas da vida acrescentamse, como
vemos, ainda outros dados do nosso tempo, que levam um número crescente de
pessoas a encontrar o caminho para o orientador e para o terapeuta.
E porquê, teremos de nos interrogar, como o fazem hoje muitas pessoas,
precisamos de repente de toda esta orientação e
psicoterapia? A humanidade não se aguentou na vida até agora sem todos estes
auxílios?
Para começar pela segunda pergunta, a resposta é que a
humanidade nunca se aguentou em época alguma sem um auxílio, mas que, desde
sempre e em todas as culturas, arranjou auxiliares espirituais. Nas culturas
primitivas estes apareciam sob a forma das funções combinadas dos mágicos
curandeiros, profetas e
sacerdotes; eles foram especialmente venerados devido à sua
capacidade de auxiliar nas necessidades físicas e espirituais. Nas culturas
evoluídas separaramse as funções do médico e do assistente espiritual.
Corresponde à crescente especialização e à situação de progresso da Psicologia,
o facto de se separar desde os inícios da psiquiatria, e cada vez mais, o
tratamento de perturbações mentais do conforto espiritual em questões
religiosas. Aliás ambas caminham muitas vezes a par na maior harmonia, e em
muitos casos sacerdotes de formação psicológica relacionam os seus conselhos
religiosos com o trabalho psicoterapêutico simultâneo de um psiquiatra ou
psicólogo.
Mas temos de voltar a perguntar, porque é que hoje cresceu
tão extraordinàriamente, e continua ainda a crescer, a necessidade desta espécie
de assistência? Porque é que as pessoas que têm problemas que antigamente
costumavam solucionar sàzinhas, se
dirigem hoje a conselheiros ou psicoterapeutas?
A esta pergunta, que muitas pessoas fizeram ao pensar neste assunto, podem dar
se diversas respostas. Em primeiro lugar, muitos psiquiatras e psicólogos, tal
como já na passagem do século XIX para o século XX Binswanger e KrafftEbing,
cha
inaram a atenção para o facto de o aumento de mecanização do mundo impor enormes
exigências ao aparelho anímico. Meio século mais tarde o célebre cientista
atómico Robert Oppenheirner expôs, num discurso que se tornou célebre, com que
velo cidade e expansão incompreensíveis cresceram os nossos conhecimentos
científicos e progrediu o domínio técnico do mundo, salientando em tom de
advertência a importância vital da evolução de um domínio psíquico e social
correspondente. E hoje, que estou a escrever isto, faz justamente um dia que o
astronauta John H. Glenn Jr. voou três vezes à volta da Terra.
A apreensão e a assimilação espiritual de todas estas muitas e vastas inovações,
assim como o lidar com elas, exigem um
grande esforço. Uma época em que os nossos filhos de quatro anos (se não com
menos idade ainda) atendem ao telefone; são levados a cinemas onde não lhes
compete ir; ligam a televisão em cujos écrans as imagens flamejam frenèticamente
diante da sua vista; uma época em que correm o mundo, não só de comboio e
automóvel, mas também de avião uma época assim exige uma extraordinária
capacidade de adaptação tanto anímica como espiritual. Os peritos estão
constantemente a pôr a mesma
questão com palavras parecidas e preocupação semelhante à de Oppenheimer: como
será possível desenvolver o nosso domínio sobre a vida psíquica humana e as
relações humanas na mesma
medida em que se desenvolve este poder técnico monstruoso? A
pressão proveniente da relação de desequilíbrio existente, sob a qual todos nós
vivemos, aumenta as sensações de angústia de que sofrem tantos.
Um segundo ponto é a insegurança invulgar da nossa existência. Pensemos
retrospectivamente nos tempos dos nossos
avos, que na passagem do século XIX para o século XX se instalavam cómodamente
na vida, construíam moradias e fundavam contascorrentes nos bancos, ou pelo
menos gozavam de uma 254 A era das viagens espaciais (aqui o
astronauta Glenn) e da energia atómica segurança mais modesta@
exige muito da alma e do espírito
e aos quais teria parecido uma loucura da imaginação a ideia de perder tudo, de
ter de emigrar ou prescindir da sua pátria se
pensamos retrospectivamente nesse tempo, então sentimonos hoje num outro mundo.
Como Hoff e Spiel há pouco voltaram a expor, quando acentuaram a necessidade de
um trabalho de higiene psíquica, houve milhares milhares? antes milhões! de
famílias « desenraizadas e que tiveram ou têm de começar uma nova vida numa nova
situação. Perdeuse aquela continuidade da segurança da existência, que é tão
importante para o desenvolvimento infantil e com isso para a maneira de ser do
homem». Perdeuse também a fé em que possa ainda haver neste mundo alguma coisa
como
«segurança». Este enorme cepticismo perante um destino que provàvelmente os
espera, parece particularmente trágico na boca de jovens que antigamente nos
apareciam atrevidos e ousados, cheios de espírito de aventura e de esperanças.
Achei extraordinàriamente deprimente ouvir anunciar entre um grupo de jovens dos
16 a 19 anos como finalidade principal da vida a segurança. Os seis rapazes e
raparigas provinham quase todos de famílias abastadas e consideradas; todos
iriam tirar um curso superior à custa dos pais, o que na América não é a
regra. Apesar disso, a maioria estavam de acordo em que a segurança era a única
coisa que séri.amente pretendiam.
«E porquê a segurança?» perguntei eu a discussão acerca de finalidades de
futuro fora iniciada por um componente deste grupo de terapia «porque sentes
que tens problemas de segurança tão grandes? O teu futuro não está tão
assegurado quanto é possível? No Outono vais frequentar o College e estudas para
vir a ser engenheiro, o teu pai prometeu pagar os estudos...»
«Ah», disse Denny (o mesmo que já encontrámos), «o meu
pai tem muitas dificuldades nos negócios. Nunca se sabe o que pode acontecer, e
eu não sou bom estudante. Sabese lá se passarei eu acho que hoje em dia tudo
é inseguro.»
Brenda, a sua namorada, é de opinião diferente. Ela irá para a escola de Belas
Artes, mais tarde será professora e ensinará História da Arte. Tem confiança no
futuro. Mas também ela diz: «A minha carreira proporcionarmeá segurança».
Rupert quer vir a ser actor de teatro. Ele é muito dotado. Apesar disso
compreendese, em relação à sua finalidade profissional, que ele não esteja
seguro, e que se preocupe sobre se triunfará ou não.
Lisa era uma rapariga infeliz. Os pais estão divorciados; ela vivia com a mãe,
pela qual não se sentia compreendida. O seu desejo principal era casar o mais
depressa possível para sair de
casa. Não tinha nem energia, nem vontade para seguir uma formação profissional
qualquer; com 17 anos já contara dois «affairs» amorosos e um noivado, e olhava
a vida com muito medo e ansiedade.
Willi, pelo contrário, era demasiado confiante. Perdera cedo o pai e sentiase
como o homem da casa. Como a maioria dos rapazes americanos, dos 10 aos 12 anos
fora ardina, com 12 começara uma espécie de negócio com revistas, e hoje, com
18, tem um lugar de dirigente num pequeno negócio de jornais. Willi não tem
vontade de aprender ou estudar, mas tem ideias claras acerca de assuntos de
negócios, e graças à sua encantadora personalidade é bemvisto em toda a parte
por onde passa. Ele tem a certeza que um dia será rico e que triunfará, e não o
preocupa a sua tendência para uma certa leviandade em coisas de dinheiro. Quando
os outros membros do grupo o ouvem falar, abanam a cabeça com um cepticismo
precoce, que na realidade não corresponde às suas idades.
Kurt, o mais novo do grupo, é filho de um médico e é um rapazito sério que pensa
muito para a sua idade, lê muito e estuda com interesse. Quer vir a ser físico e
provàvelmente tem estofo para isso. Sob o ponto de vista social talvez seja um
pouco solitário; também não namora. A sua opinião é que na vida actual já não há
segurança e que nos temos de conformar com isso: teremos de nos preparar o
melhor possível para o futuro, estudar muito e passar com boas notas nos exames
isto é, segundo a sua opinião, o melhor meio, porque um físico bem classificado
tem aceitação em toda a parte...
Mas serão realmente a pressão elevada, a angústia e insegurança os motivos pelos
quais um número crescente de pessoas procura os conselheiros e terapeutas? Eu
penso que não. Não devemos esquecer que dispomos de regulações internas e que a
capacidade de adaptação do homem provàvelmcnte equilibra as complicações em que
ele se envolve.
Aliás, o significado desta regulação interna foi recentemente de novo acentuado
por H. Rohracher num tratado da Academia das Ciências da Áustria, e um livro de
Franziska Baumgarten menciona, servindose de muitos exemplos, a riqueza das
«forças reguladoras da vida psíquica».
Eu não creio que sejam as crescentes complicações e o aumento de insegurança
como tais que levam cada vez mais gente à Psicoterapia. Além de que as pessoas
foram sempre de uma maneira ou outra inseguras, raras vezes são estas
dificuldades objectivas em si que induzem as pessoas a dar esse passo, que é
sempre uma decisão especial, muitas vezes difícil.
Então serão os problemas da vida, como mencionámos de início? E será talvez que
as experiências favoráveis obtidas por amigos e conhecidos com a terapia venham
a ganhar círculos cada vez mais vastos para esta forma de assistência?
Pareceme indubitável que a expansão destas experiências desempenha um papel
importante, e de certeza que uma grande parte dos nossos casos se explica pelo
facto de a Psicoterapia ser reconhecida cada vez mais como o método adequado
para a
solução de problemas da vida.
Mas também só com isso não me parece que se possa explicar suficientemente a
importância actual da Psicoterapia. A razão talvez mais importante está, a meu
ver, noutro ponto. Vamos ao
seu encontro mediante um exemplo concreto:
Recordemos Vítor, cujos problemas matrimoniais e profissionais conhecemos no
capítulo «Motivação». Os problemas da vida de Vítor não eram tão
insuperàvelmente difíceis que este
homem inteligente, e no fundo ps@quicamente normal, os não tivesse podido
solucionar sàzinho. Não foi a dificuldade dos problemas em si que o levou a
procurar conselho.
Mais do que isso, ele interrogavase a si próprio acerca do que seri.a para ele
a solução «acertada»
«acertada» não no sentido de «boa» ou «má». Vítor era uma pessoa decente que
se esforçava por agi.r bem. «Acertado» entendiase no
sentido da vida mais adequada para ele e nas suas condições.
Esta questão da vida adequada no sentido da realização das potencialidades
próprias no sentido da maior realização de valores possível, no sentido daquilo
para que se está « determinado » não diz tanto respeito aos problemas da vida
como
tais, como muito mais ao sentido da nossa existência humana.
A angústia que provém da sen255 A coroa fúnebre no quadro de L. Albright «0 que
eu deveria ter feito, não o fiz», simboliza o desespero duma vida
cujo sentido não se realizou
256 «0 grito» de Edvard Munchexpressão de angústia que provém da sensação de
«ser lançado para
a existência»
sação de «ser lançado para a existência», a que se referira outrora já
Kierkegaard e hoje de novo Heidegger, a «angústia existencial» e a consciência
de ser de qualquer maneira culpado e de ter deixado de fazer aquilo que estava
certo estas vivências são hoje sentidas por muita gente. E se num
homem simples como Vítor to mam a forma de malestar, noutras pessoas ganham a
profundidade de um grito de desespero que ninguém parece ouvir nem atender.
Para esta questão do sentido que as pessoas dão à sua existência ou que querem
encontrar na sua existência, procuram elas hoje soluções mais adequadas do que
aquelas que lhes deram as
autoridades e tradições vigentes até agora. A derrocada de altas culturas sob o
domínio da miséria, da desuniã o e de uma orientação falsa, encheu os homens da
nossa época de profundas dúvidas sobre si e a sua própria existência. Quais são
os valores da existência humana correctos, verdadeiramente autênticos? Não foi
por acaso que o existencialismo nasceu das ruínas de uma cultura destroçada.
Mas, poderseà perguntar, porque háde ser o psicólogo e o
psiquiatra quem pode ensinar à humanidade os valores da vida? A resposta é a
seguinte: ele não ensina, pelo menos se entender
a sua função correctamente. O que ele faz é uma coisa diferente: ele esclarece o
caminho das pessoas dandolhes a possibilidade, primeiramente, de se verem como
são e, em segundo lugar, de meditarem de modo objectivo acerca dos problemas da
vida, sem
se deixarem enganar pelo amor ou ódio, preconceitos e autoridades. E com isso
restituilhes a liberdade interior que haviam perdido em confusões emocionais,
assim como também lhes fornece os métodos para utilizar a sua liberdade para uma
determinação de vida com sentido.
E é este meditar dos problemas, das missões e do sentido da existência humana
que acompanha a elaboração dos próprios problemas da vida até à libertação
interior deles, até à veracidade
perante si próprio são estes dois processos que a moderna Psicoterapia (e
nenhum outro método antes dela) tem para nos oferecer. E esta é a razão que faz
levar os homens a procurar o psicólogo com intuição e esperança crescentes,
embora nem sempre tenham consciência disso.
Àqueles que são ávidos de saber talvez interesse informaremse um pouco mais
exactamente acerca dos métodos que se aplicam na orientação, no diagnóstico e na
terapia.
2. A APREENSÃO ClíNICA
A apreensão clínica e o processo diagnóstico pertencem aos trabalhos prévios da
psicoterapia. Limitamos aqui a sua exposição à parte puramente psicológica; mas
partese do princípio, embora aqui não tratemos disso, de que o caso em questão
sofreu uma observação e tratamento médicos que em parte antecederam e em parte
acompanham a observação e o tratamento psicológicos, e com os quais o psicólogo
está em relação contínua.
à apreensão clínica psicológica pertence tudo o que se tem de saber para dar a
um caso o tratamento psicoló gico adequado. Segundo o problema e os meios
disponíveis, uma apreensão será mais minuciosa ou limitarseá a um mínimo.
O mínimo extremo é aqui a determinação daquilo de que o doente se queixa. Mas
duma maneira geral fornecese também a biografia, que é designada por anamnese.
Aqui poderá procederse com maior ou menor profundidade.
Em clínicas que tenham assistentes sociais à sua disposição, mais do que em
clínicas particulares, procedese hoje cada vez
mais a observações do conjunto das circunstâncias da vida de um indivíduo ou de
uma família em estudos sociais de campo. As informações daqui resultantes,
acerca dos antecedentes culturais de um caso, são tomadas em consideração
especialmente pela Psiquiatria Social.
Esta nova disciplina parcelar, cujos inícios se podem seguir até Alfred AdIer, e
para cuja fundação contribuíram K. Horney, E. From, H. S. Sullivan e sobretudo
A. Kardiner, encontrase hoje em pleno florescimento especialmente em
Inglaterra, assim como nos Estados Unidos, e também é fomentada na Escandinávia.
Kardiner introduziu o conceito da estrutura básica de personalidade («Basic
Personality Structure» ou BPS), pelo que entende uma estrutura que resulta de
experiências culturais antigas e que é comum à maioria dos componentes de uma
cultura. São célebres os seus estudos e os de Ovesey acerca de pretos
americanos. Entre os trabalhos mais recentes temos, por exemplo, os estudos de
M. Spinley sobre a sociedade inglesa, e os estudos americanos de L. S. Kubie, F.
C. Redlich, M. Opler, J. Spiegel, G. Seward. A melhor orientação oferecenos
certamente a grande colectânea de A. H. Leighton, J. A. Clausen e R. N. Wilson.
Um volume publicado por Roy Grinker mostra a nova evolução do assistente social
psiquiatra, que muitas vezes é orientado no sentido de, depois da apreensão,
participar também na psicoterapia ou executála ele próprio sob orientação
psiquiátrica. A actividade dos assistentes sociais é portanto hoje em dia, tal
como a dos psicólogos e psiquiatras, tanto de conselho como de terapia.
3. QUEM DIAGNOSTICA E QUEM TRATA?
Referimonos atrás a um processo que aliás é característico principalmente para
os Estados Unidos. Noutros países o tratamento psicoterapêutico encontrase
exclusivamente nas mãos dos médicos, enquanto que os assistentes sociais e os
psicólogos são apenas admitidos dentro da actividade de orientação e conselho.
Mas o ponto de vista que domina na América, é que a orientação
e a terapia não se devem separar rigorosamente, mas que se completam. A opinião
cada vez mais propagada é que a formação acadêmica do psiquiatra, psicólogo e
assistente social dá bases essenciais em três orientações, das quais cada uma
poderá ser
mais ou menos importante nos diferentes casos. Isto é: nos problemas da vida de
um paciente poderão desempenhar um papel mais importante factores físicos de
doença, noutro poderão ser
mais importantes factores de personalidade, e num terceiro factores sócio
culturais.
No que respeita a orientação psicoterapêutica, esta é considerada hoje em dia
não raramente como objecto de uma disciplina parcelar própria, a desenvolver
desde o começo, que se deveria apoiar sobre qualquer dos três ramos de formação
acadêmica que citámos. Isto foi defendido por muitos analistas, desde o
próprio Freud até L. S. Kubie. De entre os psiquiatras, foi especialmente L. R.
Wolberg que defendeu este ponto de vista; T. Szasz considera a Psicoterapia
como objecto dos psicólogos, uma vez que, a seu ver, se trata aqui do tratamento
de problemas da vida e não de doenças, e entre os psicólogos é sobretudo E. K.
Schwartz quem defende a teoria de que a psicoterapia pertence ao campo do
psicólogo clínico.
O psiquiatra Viktor E. Frank1 assume a respeito disto uma
posição especial. Ele pertence, por um lado, aos mais decididos
representantes da opinião de que o psicoterapeuta se vê hoje muito mais
frequentemente a braços com problemas da vida do que perante doenças com
sintomas clínicos. Ele cita o psiquiatra Farnsworth a propósito da afirmação de
que na crise actual «os médicos necessàriamente se têm de entregar a problemas
filosóficos», e menciona o psicólogo Carl Rogers a propósito da sua adequada
descrição do encontro entre o terapeuta e o paciente. Mas depois exige um
«recolher da Psicoterapia na Medicina». Mas, poderseia perguntar, porque é que
o médico háde estar mais apto a ajudar de modo adequado as pessoas a
encontrarem o sentido da sua vida do que os psicólogos e assistentes sociais,
muito mais profundamente treinados em problemas de personalidade e no tratamento
de problemas sociais e culturais?
Por todas as razões mencionadas, pareceme pessoalmente como o mais favorável o
trabalho em conjunto das três profissões de assistência, da maneira como hoje
ela evolui na América, até que se tenha formado a disciplina parcelar da
Psicoterapia.
Aquele que se interessar pelo problema da educação no sentido da Psicoterapia,
encontra uma exposição magnífica e objectiva das questões decisivas e hoje
discutidas numa monografia de Gertrude Blanck, há pouco editada.
Nos países em que se considera a Psicoterapia como um
campo da Medicina, separamse rigorosamente a orientação e o
tratamento; a actividade do psicólogo limitase à orientação, ao
psicodiagnóstico e à actividade de investigação. A investigação que, por
exemplo, o conhecido psicólogo inglês H. J. Eysenck considera como a principal
contribuição da Psicologia para a
actividade principalmente prática do psiquiatra, revelouse aliás enormemente
fértil desde que se dedicou ao campo clínico. Tanto a visão da estrutura de
doenças mentais, assim como a penetração em fenómenos outrora impenetráveis na
terapia, foram essencialmente fomentadas através da investigação psicológica.
Muitos consideram, ao lado da investigação, o psicodiagnóstico mais ou menos
como campo específico do psicólogo.
O diagnóstico especificamente psicológico apoiase então principalmente em
observações de testes e métodos de questionários. Os psiquiatras e psicólogos
que se dedicam ao tratamento, acrescentamlhe vulgarmente entrevistas orientadas
diagnósticamente. Vamos em seguida estudar estes campos mais de perto.
4. PROBLEMAS E PROCESSOS DIAGNÓSTICOS
Em primeiro lugar: o que é, exactamente, um diagnó@,tico? Um diagnóstico é a
identificação ou determinação exacta de uma
doença, com base nos sintomas ou características conhecidos para ela, assim como
com base em verificações sobre a sua origem e
decurso. Um diagnóstico realizase na maioria das vezes na forma de uma
classificação, identificandose a doença com a ajuda de um determinado nome.
Empregámos, em passagens anteriores deste livro, por exemplo o nome de
«esquizofrenia», pelo qual se designa uma doença mental exactamente definida.
Características da personalidade normal
Aparecem problemas diagnósticos quando nos dirigimos àqueles camposlimite em
que encontramos tantas pessoas com problemas na vida. Muitas delas ficam
absolutamente «indignadas» quando alguém as designa de «neuróticas» ou
«doentes». E na realidade o psiquiatra Szasz propôs que se deixasse de chamar
«doentes» a pessoas com problemas na vida. E contudo estas pessoas não são
realmente «normais».
Mas o que é normal? Logo que se começou a pôr esta questão em Psiquiatria,
verificouse que se podia definir doença mental, mas não normalidade psíquica.
Durante muito tempo pensouse que normalidade era simplesmente a ausência de
doença. Mas a pouco e pouco reconheceuse e verificouse que a normalidade
psíquica se tem de definir através de algumas características positivas.
Entre os diversos estudos que se ocuparam então com pormenor da questão da
definição da normalidade psíquica, o mais conhecido passou a ser o de Marie
Jahoda. Ela chega à conclusão de que pelos vistos se tem de considerar uma série
de critérios diferentes, se se quiser definir adequadamente «normalidade
psíquica» . Ela encontra sobretudo seis das características que são salientadas
por diversos autores. Estas seis características principais da personalidade
normal são as seguintes:
1 A pessoa normal tem uma posição adequada em relação a si própria; vêse
realistamente tal como é, e tem perante si própria uma atitude crítica, sem
contudo deixar de ter consideração por si própria.
2 A pessoa normal está interessada numa evolução interior adequada e na sua
autorealização. Quer aproveitar as suas melhores potencialidades.
3A pessoa normal esforçase pela unidade interior ou
integração das suas tendências. Não se deixa dilacerar por tendências que não
são conciliáveis, mas procura resolver os seus conflitos.
4A pessoa normal é uma pessoa autónoma; isto é, uma
pessoa que se determina a partir de si própria e não se torna dependente de
outros.
5A pessoa normal tem uma percepção adequada da rea
lidade tal como ela é; isto é, ela não se deixa influenciar por desejos e
receios na sua apreensão do mundo exterior.
6A pessoa normal é capaz de dominar as circunstâncias da sua vida. A isso
pertence a capacidade de amar, a adequação do amor, trabalho e actividade
lúdica, a adequação das relações interpessoais, a eficiência no tratamento das
exigências de situações dadas, a capacidade de adaptação, a eficiência na
solução de problemas.
A estes critérios principais da personalidade normal acrescentase, segundo a
minha opinião, ainda um outro que me parece importante do ponto de vista da
Psicoterapia. Tratase da capacidade da pessoa normal de ter uma visão
panorâmica da sua
vida na sua continuidade, enquanto que o neurótico muitas vezes esquece mais ou
menos totalmente períodos completos da sua vida.
Erich Fromm, que no seu livro «A sociedade normal» definiu normalidade psíquica
com critérios semelhantes aos precedentes, chama a atenção para o facto de esta
interpretação coincidir totalmente com as normas que foram exigidas também pelos
grandes mestres espirituais da humanidade.
E como se realiza então a apreensão diagnóstica da normalidade psíquica no
sentido destes critérios e a da doença mental segundo os sintomas definidos pela
Psiquiatria?
O processo diagnóstico
Tal como a apreensão, a observação diagnóstica pode ser
mais ou menos vasta. Pode, em caso de necessidade, limitarse a
entrevistas ou pode incluir testes e observações sistemáticas.
No decorrer deste capítulo daremos um exemplo de um diagnóstico realizado em
entrevista, em que a terapeuta se apoiou nos seus conhecimentos da dinâmica da
doença, isto é, o caso
do tratamento da depressão da Senhora R. R., que foi orientado
a pela Dr. Hedda Bolgar.
E. Kuno Beller dá, numa obra acabada de publicar sobre o «processo clínico», uma
visão extraordinàriamente completa sobre os métodos diagnósticos que se aplicam
no Child Development Center, em Nova Iorque. Mencionamolos brevemente como
exemplo de um processo especialmente vasto.
Depois da apreensão muito pormenorizada, procedese a testes fisiológicos e
psicológicos, Aos resultados de testes, tanto
quantitativos como qualitativos, acrescentase, no caso das crianças, um estudo
de observação de uma situação de jogo livre.
O diagnóstico realizase depois em duas fases. É por um lado descritivo, pelo
outro classificador. Na parte descritiva procedese segundo pontos de vista
determinados, geralmente fixos. Segundo dados sobre a impressão geral que a
criança produz, reúnemse observações pormenorizadas sobre funções corporais e
hábitos, sobre movimentos, emoções, percepções do ambiente, sobre o
pensamento, a linguagem, a fantasia, a autoapreensão e as relações para com o
ambiente humano e objectivo.
O diagnóstico classificador distingue entre perturbações psicogénicas, isto é,
perturbações determinadas pela mente, graus intelectuais de debilidade mental e
as chamadas perturbações de comportamento, determinadas orgânicamente e que são
aque~ lãs que têm a sua origem em doenças do cérebro e do sistema nervoso.
Em quase toda a parte se utilizam hoje em dia testes psicodiagnósticos que são
da especialidade e competência do psicólogo. Entendemse por testes
psícodiagnósticos tarefas que se poem aos que vão ser examinados. A maneira como
se encaram e resolvem estas tarefas serve para lançar luz sobre a vida interior
da pessoa testada. Só se reconhece e aplica uma série de tarefas como teste,
quando estejam estandardizadas, isto é, tenham sido aplicadas a um grupo
representativo e se tenham validado poi meios estatísticos.
Já falámos do conceito de teste no capítulo sobre a educação, e isso em conexão
com os primeiros testes de inteligência, assim como dos testes de
desenvolvimento e realização. Agora vamos
ocuparnos principalmente de alguns testes diagnósticos particularmente
importantes. A necessidade de uma escolha extremamente limitada tornanos
impossível dedicarmonos, mesmo só aproximadamente, a toda a plenitude dos
magníficos métodos de teste que hoje temos à nossa disposição. Remetemos o
leitor interessado para o «Manual do diagnóstico psicológico», extremamente
pormenorizado, de Richard Meili.
Indicaremos muito brevemente que a apreensão da personalidade, de que se trata
em primeira linha no diagnóstico psicológico, se pode realizar com a ajuda de
métodos verbais e não verbais.
Testes verbais
Aos métodos verbais pertencem os questionários e outras técnicas de
interrogatório pelas quais se podem obter informa
ções sobre os mais diversos objectos através do paciente ou de outra pessoa de
experiência (como se lhe chama).
É conhecido o questionário de personalidade Maudsley de H. J. Eysenck, em que se
deve responder a 56 perguntas com um
sim ou não. Por exemplo:
Tenho por vezes tonturas Sim Não Sintome fàcilmente
ofendido Sim Não Preocupome com a minha saúde
Sim Não
Na América utilizase muito o Minnesota Multiphasic Inventory (MMPI) de J. C.
McKinley e S. R. Hathaway, que consiste em mais de 500 cartões com perguntas
parecidas que são ordenadas pelo paciente segundo responde afirmativa ou
negativamente.
Métodos projectivos
Os métodos nãoverbais partem do princípio de que as
pessoas interrogadas tenderão naturalmente a esconder as suas fraquezas e que,
como Freud mostrou, não têm consciência das suas tendências mais profundas. Por
isso, se apresentarmos a uma pessoa um material ao qual ela reage
inconscientemente de maneira emocional, como acontece nos testes nãoverbais,
podemos esperar atingir mais profundamente o mundo afectivo e os verdadeiros
motivos dessa pessoa. O facto sobre o qual nos apoiamos aqui e, como o revelam
os êxitos, justíficadamentechamase proíecção. Quer dizer, pode suporse que o
paciente, e
também qualquer outra pessoa, exprima ou projecte no material que lhe é
apresentado o seu sentir e o seu pensamento.
Indicaremos como exemplo só alguns dos mais conhecidos dos muitos e excelentes
métodos projectivos, como se chama a
estes testes.
O teste de Rorschach
O mais famoso e o mais usado de todos os testes é o teste inventado pelo suíço
Hermann Rorschach, que tem o seu nome,
e ao qual o público muitas vezes dá o nome de teste das manchas de tinta. Na
realidade tratase no teste de Rorschach de dez cartões com manchas de tinta que
se apresentam ao testado pedindolhe que diga o que lhe fazem recordar as partes
ou o todo das figuras assim como se podem ver objectos ou acontecimentos nas
nuvens (Fig. 257 As partes claras são vermelhas no original).
257 O quadro 11 do total de dez quadros do Teste de Rorschach, reproduzido
diminuído. (De H. Rorschach Psychodiagnostik)
Eis o exemplo de um borrão e algumas reacções:
Glen, um jovem de 25 anos cujo caso
discutiremos mais adiante, dá as seguintes interpretações a este cartão (II):
. . . . . .. . . . .
Vejo duas pessoas que discutem enquanto jogam a um jogo de bater as mãos; têm
chapéus vermelhos e casacos longos e pretos de um tecido pesado.
2 Se voltar o cartão veio um cão que tem uma peúga vermelha no focinho, a qual
abana a brincar. Está diante de um espelho enquanto faz isso.
3 Duas pessoas que têm entre si em ambas as mãos qualquer coisa entre as mãos
pela qual lutam. Lutam por um símbolo de poder. Nós vemolos de trás.
4 Voltado ao contrário: um foguetão a ser lançado. Ele é branco, e atrás sai
fogo.
Aquele que não estiver habituado a testes e que ler isto, abanará a cabeça e
perguntará o que se pode concluir de tais respostas. Isso não é à primeira vista
visível, porque os sentimentos e as vivências indicados que se exprimem nas
respostas dos testes só podem ser descobertos através da interpretação. Isto
levanos ao factor da interpretação, tão fundamentalmente importante na
Psicologia moderna e que temos de esclarecer em
poucas palavras.
As interpretações têm de ser utilizadas quando uma coisa não se exprime
directamente, mas apenas indirectamente.
Isso acontece continuamente até na vida do diaadia. Alguém diz uma coisa «por
outras palavras», ou «dános a entender uma coisa», quando não quer dizer
directamente que algo o arrelia ou incomoda.
Enquanto que interpretações de ocultações conscientes são fàcilmente
compreensíveis a todos, e enquanto que a maioria das pessoas são capazes de
reconhecer e interpretar intenções e sentimentos que não se exprimem
directamente, uma interpretação é difícil e não geralmente acessível quando se
trata de material inconsciente. Aqui são necessários muitos conhecimentos sobre
a vida psíquica humana, tal como só nos veio a proporcionar a
psicanálise de Freud. Freud descobriu que indicações indirectas e ocultações
simbólicas são utilizadas por nó s com especial frequência quando uma vivência
nos parece inaceitável ou insuportável.
O psicólogo tem de ter um grande treino na interpretação do sentido oculto no
método, de maneira que ela esteja de acordo com aquilo que sabemos sobre as
tendências básicas de tais ocultações. E mesmo então ainda se chega a uma falta
de concordância pelo facto de por vezes serem possíveis diversas interpretações
de uma vívência. E a razão está no facto de as vivências humanas serem
complexas, e de se poder exprimir várias coisas acerca delas. E por isso uma
determinada interpretação não tem de ser necessàriamente menos correcta do que
uma outra, mas poderá trazer à luz apenas uma outra conexão da vivência de uma
camada de personalidade mais ou menos profunda.
Na interpretação do Rorschach aplicamse dois métodos diferentes. A
interpretação do conteúdo destas respostas representa apenas uma parte e para
muitos não a mais importante da valoração do teste. Não se pode estandardizar e
tem um aspecto diferente segundo a orientação teórica do psicólogo que a
realiza.
Eu própria concluo das quatro respostas de Glen, tiradas de um total de 49, que
ele se encontra em grave conflito com
outra pessoa, no qual se trata de jogo, mas também de questões de poder. Talvez
esteja em luta consigo próprio. O elemento lúdico exprimese outra vez no
comportamento do cão. A ideia de uma acção poderosa que liberta
explosivamente é manifestada também pelo lançamento do foguetão.
Eu concluiria portanto que Glen tem dissensões e lutas internas, em que
desempenham um papel importante questões de jogo, opondose ao desabrochar de
forças. E isto é realmente o
caso, como veremos.
O Rorschach não serve em primeira linha para a interpretação de conteúdos de
vida de um paciente, mas antes para a apreensão da estrutura da sua
personalidade. Esta resulta de um
processo quantitativo por meio do qual se determinam e contam os momentos
formais das reacções. Esta é a segunda técnica de valoração deste teste.
Os momentos formais assim obtidos foram indicados em parte já pelo próprio
Rorschach. Desde a morte prematura de Rorschach diversos autores continuaram a
trabalhar neste problema, tanto na Europa como na América. O sistema mais
conhecido e difundido deve ser o de Bruno Klopfer, embora também gozem de
popularidade os métodos de S. Beck e E. Bohm e eu própria tenha trabalhado numa
estandardização com K. Bühler e W. D. Lefever. R. Meili dá também sobre isto uma
óptima visão panorâmica.
Na representação quantitativa do chamado perfilRorschach, Glen revelase como
uma personalidade que se encontra em grave conflito entre grande frustração e a
forte necessidade de se
submeter às exigências que se lhe impõem. A sua hipersensibilidade e insegurança
interior contribuem para a sua angústia e
excessiva tensão. Ele tem uma grande fantasia e parece ser uma pessoa dotada,
que não realiza as suas capacidades mas pensa segundo padrões e actua dentro de
vias delineadas. Uma forte rebelião interior contra esta situação parece não
levar a nada. Está cheio de agressividade e explosivídade, sem alcançar nada com
isso, Sexualmente encontrase imaturo e talvez inquieto por tendências
homossexuais.
Duma maneira geral, oferece a imagem de uma personalidade tanto imatura como
emocionalmente bastante perturbada.
A terapia que se seguiu como consequencia do estudo diagnóstico provou a
exactidão da interpretação do teste de Rorschach, cuja utilidade consistiu em
ter dado uma rápida visão do modo e grau de perturbação, e em ter preparado o
terapeuta para aquilo que devia esperar.
O teste TAT
Um segundo teste que goza de extraordinária expansão, e que em certas
orientações completa o teste de Rorschach, é o teste de apercepção temática,
geralraente conhecido por TAT, criado por Henry A. Murray. Este teste genialmente
concebido consiste em se apresentar ao testado um grande número de quadros
(normalmente 10 a 12), perante os quais ele deve contar uma história. A
perspicácia na invenção deste teste consiste no facto de as situações
representadas nas imagens poderem ter vários sentidos e por isso poderem ser
interpretadas por diversas pessoas de maneira diferente. A interpretação trai
então a projecção que a
pessoa testada realizou. Eis um exemplo:
Na cena que reproduzimos na página seguinte, estão repre
258 Uma das imagens do «Teste de Apercepção Temática», perante as quais o
testado deve contar uma história. (De
Henry A. Murray, TATTest)
sentados uma mulher idosa
e um jovem numa posição que trai uma tensão qualquer entre eles.
Uma das histórias mais frequentes que este cartão provoca, é o desentendimento
entre uma mãe e o seu filho. Vulgarmente o
f ilho é apreendido como o
transmissor de uma notícia desagradável à senhora idosã, como por exemplo a
participação de que sempre casará com a jovem que o Ad ela não aceita,
ou de que
decidiu deixar a cidade para, por exemplo, aceitar uma colocação no estrangeiro.
Quando a pessoa testada quer evitar o conflito, o filho chega com uma notícia
triste: tem de ir para a guerra, ou acabou de ouvir que o irmão morreu no
estrangeiro. Neste caso não há tensão entre ambos, mas existe um luto comum aos
dois.
Mas quando a pessoa testada tem uma posição de distância interior para com a
própria mãe, neste relato o jovem não será o filho da senhora.
Esse é o caso de Glen. Ele entende que o transmissor da notícia não é o filho
mas um amigo do filho. A esta distância acrescentase ainda uma certa crueldade
contra a mãe, ao contar
que o amigo trazia a notícia inesperada e chocante da morte do filho. Assim
exterioriza secretamente a sua posição inamistosa contra a mãe, e como muitas
crianças que desejam estar mortas e depois gostariam de ver os pais a lamentá
las, também ele goza de certo modo com o luto da mãe pela sua morte fictícia e,
como
mais tarde contou, com o remorso dela por aquilo que ela lhe fez. Todos estes
processos são naturalmente inconscientes à pessoa testada.
Tal como nos conteúdos do Rorschach, também no TAT os diferentes intérpretes dão
diferentes interpretaçõ es, que contudo no total do processo servem para o
terapeuta principalmente como sinais daquilo que se tem a esperar.
Mas, qualquer que seja a interpretação, o TAT é em todo o caso utilizado
geralmente para conhecer as relaçõ es do paciente para com a sua família e para
consigo próprio.
Projecção e Interpretação
Eysenck chamou a atenção para o facto de os métodos projectivos não serem testes
«no sentido vulgar da palavra» e nem
sequer pretenderem ter em consideração os mecanismos de projecção determinados
por Freud. Por esta razão quer que se ponha de parte a expressão «testes
projectivos», que Lawrence K. Frank cunhou com tanta felicidade.
Contudo, o facto de os processos da projecção, assim como
de toda a dinâmica da vida psíquica, serem interpretados hoje por muitos de
maneira diferente do próprio Freud, devese à evolução da neorealização e das
teorias da autorealização (com o que em nada se dá um corte com a genialidade
das ideias originárias de Freud). Esta evolução está apresentada no capítulo
acerca da motivação.
Outros testes de personalidade
Uma vez que nos interessa essencialmente a explicação dos princípios utilizados
nos testes de personalidade e não nos interessa uma visão completa, referiremos
apenas de passagem que M
leili considera importantes, além do Rorschach e do TAT, o teste
de configuração de desenho de Wartegg, o teste Sceno de G. von Staabs, em que se
tem de construir uma cena com a ajuda de figuras de bonecas articuladas, e o
teste das pirâmides de cores
de Pfister e Heiss. Acerca do último, que, como diz o nome, consiste em
pirâmides de cores, diz Heiss que ele dá uma visão da estrutura afectiva e dos
seus problemas e que, em aplicações repetidas, é muito clucidativo para os
processos psíquicos «normais» e «neuróticos». Contudo, o próprio Heiss é de
opinião de que são o Rorschach e o TAT os processos decisivos do diagnóstico da
personalidade. Na América, dos testes europeus o teste de quatro imagens de Van
Lennep é mais conhecido do que os citados.
Métodos de testes para crianças
Para crianças, aos métodos citados acrescentamse ainda outros. O jogo
diagnóstico de bonecas ou jogo com outros brinquedos que pela primeira vez foi
utilizado por Anna Freud e
Melanie Klein, é empregado em clínicas de orientação analítica para
interpretações acerca de processos emocionais e relações familiares.
O jogo do mundo, pela primeira vez introduzido por Margaret Lõwenfeld e que
consiste em objectos de miniatura tal como se
encontram no mundo casas, árvores, sebes, homens, animais, carros, etc. por
mim estandardizado com a ajuda de M. van
Wylick, G. Kelly e outros, formando o teste do mundo, é hoje não raramente
utilizado diagnósticamente. Revela os sentimentos que a criança tem para com o
mundo exterior, se o vê limitado por sebes (proibições), se o vê caótico e
perturbante, cheio de ordem e animado, se por medo evita as pessoas, se apreende
o
mundo como sendo cheio de perigos ou se o seu mundo reflecte um vazio interior,
e outras coisas mais (vide figs. 259264).
A bateria de testes
O estudo psicodiagnóstico dos actuais psicólogos clínicos apoiase, na grande
maioria dos casos, não num teste só, mas em vários. Falase então duma bateria
de testes. Uma tal bateria pode, segundo os problemas existentes, abranger um
número maior de testes, sendo tomadas em consideração as informações que se
completam, ou poderá consistir apenas em dois ou três testes. Como fundamento
clássico de uma bateria suficiente, consideramse hoje, dum modo geral e em toda
a parte, especialmente três testes: o Rorschach, o TAT e o Teste de Inteligência
de Wechsler, designado nos Estados Unidos da América também por Teste Wechsler
Bellevue.
No teste de Wechsler tratase de um teste moderno de inteligência que substituiu
em grande medida o teste de StanfordBinet, descrito no capítulo anterior, pelo
facto de consistir apenas em dez tarefas em vez de um número muito maior, e por
se ter revelado especialmente proveitoso chnicamente. E a razão para isso está
no facto de Wechsler ter tido a ideia brilhante de alinhar e contrapor cinco
testes puramente verbais a cinco testes de realização prática. E assim se
ofereceu a possibilidade de comparar o nível da memória e pensamento verbal com
as realizações da inteligência apoiadas principalmente na percepção e na
actividade motora.
Esta comparação revelouse especialmente auxiliadora em
casos de funções cerebrais com perturbações parciais.
O teste de Wechsler tem formas estandardizadas para adultos e crianças e foi
aferido tanto para as condições americanas como
europeias, para a Europa Central por C. Bondy como teste de inteligência
Wechsler Hamburgo (HAWIE para adultos; HAWIK para crianças).
O diagnóstico diacrítico
Com a ajuda de um trabalho integrador de Rorschach, TAT e Wechsler pode fazerse
duma maneira geral um diagnóstico diacrítico, isto é, um diagnóstico que
possibilite uma decisão entre diversas doenças que entrem em consideração. Um
exemplo de um diagnóstico dessa espécie foinos posto à disposição graças à
amabilidade do Dr. Rogers H. Wright, psicólogo que exerce
clínica particularmente em Los Angeles. No diagnóstico diacrítico, aqui
reproduzido resumidamente, tratavase de distinguir as causas orgânico
neurológicas e funcional psicológicas de uma
incapacidade de leitura.
O paciente S. Y., um jovem de 23 anos, procurou um psiquiatra por causa das suas
dificuldades conjugais e das suas grandes angústias e tensões. Durante a
entrevista, o paciente mencionou de passagem que tinha uma «inibição
psicológica» ao
ler e que desde os seus onze anos frequentara habitualmente conselheiros e
psicoterapeutas. O psiquiatra achou isto estranho e mandouo ao Dr. Wright a fim
de que este o examinasse cuidadosamente.
O psicólogo quis primeiramente determinar quanto o paciente seria capaz de ler.
Envergonhado e atrapalhado, este rapaz sério, limpo e de bom aspecto confessou
então que na realidade nem sequer sabia ler e só sabia escrever o seu nome e
algumas palavras. Interrogado como então pudera passar pela escola,
inclusivamente a High School, o paciente explicou que aprendia de cor tudo o que
ensinavam na escola, que os amigos lhe liam as
coisas dos livros e cadernos e que os professores, amigàvelmente, o examinavam
oralmente em vez de o obrigarem a fazer as provas escritas, por causa da sua
«inibição».
O Dr. Wright submeteu então o paciente a um exame geral de testes. A bateria de
testes era constituída pelo teste de WechslerBellevue, pelo teste da figura de
Bender, pelo teste da casa, árvore e pessoa e pelo teste de Rorschach.
O teste de inteligência revelou que S. Y. possuía capacidades espirituais
extraordinàriamente elevadas, isto é, que tinha um
Q. I. de mais de 130, mas que as oscilações entre realizações invulgarmente
elevadas e até quase deficientes eram muito grandes.
No paciente dava especialmente na vista aquilo que desde Kurt GoIdstein se
designa de «pensamento concreto», isto é, uma
239264 O «Teste do Mundo», desenvolvido a partir do «Jogo do Mundo» está hoje
internacionalmente divulgado, como nos mostram estes seis exemplos
259, O mundo cheio de perigos de uma rapariga inglesa de
17 anos. (Segundo
M. Lõwenfeld)
260 O mundo rico, formado a partir de pequenas unidades, de Dorli, de cinco
anos. (De Viena, segundo M. van Wylick)
261 O mundo alinhado do débil mental DudIey. (De U. S.A., segundo Gay1e
Kelly)
262 O mundo rígido, rodeado de sebes, de Nancy, de oito anos. (De U. S. A.,
segundo C.
Bühler)
263 O mundo vazio de Erich, de nove anos. (De Inglaterra, segundo H. M.
Meyer)
264 O mundo caótico de um rapaz de treze anos, gravemente perturbado. (De
França, segundo Roger Mucchieli)
34
incapacidade de realizar abstracções. Esta incapacidade é um
sintoma conhecido em determinadas lesões cerebrais. Estas lesões tornaramse
depois claramente reconhecíveis mediante alguns testes apoiados sobre a
discriminação perceptível. O paciente tinha consciência desta incapacidade e
disse frequentemente: «Eu sei como se tem de fazer isso, mas não sei porquê não
sou capaz de o fazer». Resolvia muitos problemas mediante rodeios, mediante
reflexões estranhas de que ele, pelos vistos, se apropriara.
Finalmente revelouse uma enorme quebra da realização devido ao cansaço; este
parecia invulgarmente grande.
No teste de Rorschach apareceram ffitidamente todos os
sinais característicos da existência de lesões cerebrais.
Do conjunto do material dos testes resultou que o paciente sofria de uma forma
invulgar de lesão orgânica da capacidade de apreensão de símbolos, tal como se
utilizam na leitura, escrita e pensamento. Era uma perturbação de tipo afasia,
isto é, um
fenómeno parecido com as perturbações da linguagem causadas organicamente.
O paciente sensível reagia ao seu defeito, até agora não diagnosticado, como a
uma inferioridade e tinha uma atitude destruidora, cheia de desprezo para
consigo próprio. Ele considerava
o seu defeito como insuficiência sem esperança possível. Muitas das suas
respostas ao Rorschach deixavam reconhecer que também tinha dúvidas acerca da
sua total virilidade, o que ele compensava através de um comportamento
agressivo.
O Dr. Wright chegou à conclusão que se deveria esclarecer totalmente o paciente
sobre tudo o que respeitava ao seu defeito. Assim o fez, e propôs a S. Y. tomar
parte num curso de aprendizagem para exercícios de percepções e formações
conceptuais, tal
como se faz para crianças com lesões cerebrais. E ele seguiu esses
cursos simultâneamente com a assistência psicoterapêutica. Graças à sua alta
inteligência, o paciente aprendeu em pouco tempo,
com a ajuda destes novos métodos, a ler e a escrever, e através da explicação do
defeito assim como da psicoterapia adquiriu uma atitude muito melhor para
consigo próprio.
Outro estudo diagnóstico
O resumo do estudo diagnóstico de um problema muito diferente darnosá uma
ideia do vasto âmbito da investigação psicológica actual. A observação para que
amàvelmente me
chamou a atenção a Dr a Hildegard Hiltmann diz respeito à veracidade de
testemunho de uma rapariga de treze anos, e foi realizada por ingeborg Janssen
no Instituto de Psicologia e Caracte
rologia da Universidade de Friburgo i. Br. sob orientação do Prof. Dr. Robert
Heiss. O ponto principal era neste caso a exploração, isto é, o diálogo
diagnóstico do psicólogo com a pessoa que se pretendia observar.
Observouse e ajuizouse a veracidade de testemunho de uma rapariga de treze
anos. Ela acusara de actividades imorais um homem até aí de porte
irrepreensível. Quando da exploração psicológica, ela repetiu as declarações que
já fizera quando do interrogatório policial.
Dos seus antecedentes sabese que a rapariga foi criada num
meio muito pernicioso e que já cometeu várias vezes roubos de dinheiro, que
acabou por confessar só depois de negar vivamente.
A primeira vista a rapariga não dava a impressão de ser
pessoa em que alguém pudesse confiar, mas também não se lhe podia atribuir sem
mais nem quê uma acusação falsa tão grave.
Durante a observação psicodiagnóstica rotineira provaramse, como traços
característicos, uma forte impulsividade e um grande desejo de se exibir. Além
disso, revelouse que o ressentimento e sede de vingança deviam ser considerados
como móbil dos seus desvios de comportamento.
Com base no conhecimento do seu carácter e da sua maneira de ser, orientouse
depois a exploração de maneira a ofereceremse à rapariga muitas oportunidades
de exprimirse acerca do seu conhecimento com o acusado e a ideia que ela dele
fazia, e assim deixar livre curso aos seus sentimentos. No decorrer destas
conversas ela revelou com visível emoção que ele uma vez a ofendera gravemente.
Finalmente concordou e mantevese firme na sua opinião úe que a sua acusação
fora um acto de vingança pela ofensa outrora sofrida.
5. A ORIENTAÇÃO PSICOLóGICA
Embora, como já dissemos, a orientação e a terapia não se
devam separar rigorosamente e muitas vezes se justaponham, existem diferenças
entre o processo orientador e o processo terapêutico, mesmo quando é o mesmo
clínico que utiliza os dois.
Encontro a exposição mais clara das diferenças na «Psicologia Terapêutica» de L.
M. Brammer e E. L. Shostrom, dois psicólogos dos quais um é especialmente
orientador e o outro principalmente terapeuta.
Estes autores acentuam como características da orientação o facto de ela se
ocupar essencialmente de problemas conscientes, determinados por certas
situações da vida, e que o orientado
aprende a resolver melhor, experimentando por parte do orientador uma grande
ajuda e apoio emocional.
A característica da terapia orientase pelo contrário e isto é válido em grande
medida, e é independente do sistema específico utilizado pelo terapeuta mais em
relação aos conflitos inconscientes de alguém atingido por graves perturbações
emocionais. O apoio por parte do terapeuta limitase a determinados aspectos. O
ponto central está no tratamento em profundidade
com a finalidade de uma reestruturação total ou parcial da personalidade.
Vamos explicálo por palavras simples, servindonos de um exemplo.
O senhor e a senhora Braun dirigemse à orientação psicológica porque têm
dificuldades com a filha de catorze anos.
Hanna é a mais velha de duas irmãs e nos últimos dois anos tornouse rebelde e
de difícil trato. Os problemas que põe é que ela já não quer fazer como
antigamente os deveres da escola e os trabalhos domésticos e em vez disso passa
horas com as amigas fora de casa, sentase ao telefone ou ao espelho e
interessase mais por toda a espécie de ninharias e conversas do que por
qualquer coisa séria. Anda muito entusiasmada por dois rapazes que a levam ao
cinema, recusandose a ir à igreja com a família, porque de momento está cheia
de dúvidas. Desistiu quase totalmente de tocar piano; a professora está tão
desiludida com isso
como os pais.
Neste caso típico de orientação educacional o psicólogo competente e
experimentado tentará primeiramente determinar mais exactamente o grau de
gravidade da situaçã o. Com exactidão, do que se trata aqui? Tratarseá
principalmente daquelas dificuldades tão frequentes que vemos desenvolveremse
entre pais e filhos no início da puberdade? Tratarseá de pais um pouco
caturras que ligam muita importância ao dever, e de uma filha outrora dócil e
que de repente descobriu que há coisas mais divertidas do que lavar a loiça,
engomar blusas e fazer os deveres da escola? Que ao fim e ao cabo também temos
uma vontade própria e não somos obrigados a fazer sempre aquilo que exigem de
nós? Ou existem aqui problemas mais profundos?
Quando empregamos a palavra profundo, que já utilizámos muitas vezes, ela
referese às motivações e às emoções que são próprias de determinadas vivências.
Camadas profundas são, desde Freud, os campos interiores inacessíveis à
consciência, em
que se acumulam as vivências por um lado préconscientes, e por outro lado
recalcadas. As vivências são recalcadas, como já ouvi
mos atrás, quando são inaceitáveis ou vêm carregadas de demasiados sentimentos
de culpa.
No caso da Família Braun os problemas «mais profundos» poderiam consistir em
várias coisas: poderseia tratar de pais que não querem confessar a si próprios
que pretendem demasiado dos filhos, exigindo deles a perfeição; ou então que
querem provar qualquer coisa com a sua rispidez, como por exemplo a
sua autoridade ou a sua adesão a princípios conservativos. E também poderia ser
que a mãe e o pai tivessem motivos diferentes: talvez o pai seja um tirano e a
mãe desespere no seu trato com os filhos.
Hanna, por outro lado, poderia ter caído no extremo oposto da sua antiga
docilidade por razões profundas. Talvez que anteriormente não tivesse ousado
rebelarse e tenha acumulado um ressentimento a que agora dá livre curso. Talvez
que ela, que «adorava» o pai como se viu através do diálogo tivesse
desenvolvido a pouco e pouco forte ciúme contra a mãe.
Desde o início que é bastante certo que não se trata de complicações muito
profundas, como por exemplo de um ódio prof undo entre pais e f ilhos.
Por outro lado parece que existe mais qualquer coisa do que as usuais
dificuldades da puberdade, porque nesse caso a senhora Braun terseia
simplesmente aconselhado com a vizinha, a senhora ScImeider, pois Hanna é amiga
íntima da filha desta.
A própria Hanna conta à orientadora durante a entrevista que realmente ama
profundamente os pais, adora o pai, mas que estes têm concepções totalmente
desactualizadas e que o pai tende a tiranizar os membros da sua família, também
a mulher. Que ele era vaidoso e pretendia que lhe dessem sempre razão e o
admirassem. A mãe, por sua vez, diz Hanna, nunca a compreendera, embora tivesse
boas intenções. Além disso, a mãe tem um pouco de inveja de Hanna por esta se
divertir tanto, enquanto que ela própria teve uma juventude séria e nada feliz.
Hanna acha de si própria que não é diferente das amigas. Com o tempo havia de
lhe vir outra vez mais vontade de trabalhar. <@Isso com a igreja», dizia
respeito ao facto de ela não querer ser hipócrita, porque de momento não pode
acreditar em nada; além disso, o
pai, que tanta importância dá ao assunto, no outro dia, quando ela finalmente
tinha acedido em ir à igreja, adormecera imediatamente no começo do sermão.
Portanto qual é, na realidade, a
autenticidade da sua fé religiosa? E com o piano, o facto é que ela não tem
talento nem vontade; tudo isso é, aos seus olhos, apenas desperdício de tempo...
Segundo tudo isto, Hanna não parece estar envolvida em
profundos ressentimentos. Apesar disso, a situação necessita de um tratamento um
pouco mais completo, para dar aos pais mais compreensão para com as necessidades
de independência da puberdade e a sua expressão na época actual, e em relação à
filha terá de se penetrar um pouco mais profundamente nos motivos do seu
comportamento um tanto ou quanto demonstrativo e proporcionarlhe uma
autocompreensão mais profunda.
No caso presente, tal como noutros casos, é justamente a
aquisição desta compreensão de si próprio que constitui um dos principais fins
de toda a orientação e terapia. O aumento do reconhecimento da importância que
tem o conhecimento de si próprio para que se possa levar uma vida satisfatória,
fez com que a instituição se expandisse cada vez mais.
Além dos ramos de orientação que mencionámos no capítulo anterior, e que estão
relacionados com a escola e a profissão, existem hoje em dia centros de
orientação para o ensino, problemas familiares e sexuais, matrimoniais e de
divórcio, para os
problemas dos idosos, dos alcoólicos, toxicómanos e suas famílias, assim como
outras coisas mais.
Ao lado da orientação educacional, deve ser a orientação matrimonial hoje em dia
a mais difundida. Vamos servirnos de um exemplo relativamente simples tirado de
um compêndio de orientação matrimonial que foi editado por E. H. Mudd, M. J.
Karpf, A. Stone e F. Nelson para a «União Americana dos Orientadores
Matrimoniais».
O problema de que se tratava no caso de Miss Winston, de
25 anos, e do seu noivo, Mr. Evans, de 30 anos, consistid nas
súbitas dúvidas e receios da noiva no que respeitava ao casamento, que o seu
noivo, por outro lado knão queria adiar m@ais. Os receios de Miss W. eram
pouco claros ,e ela assegurava que ambos se amavam muito um ao outro. Apesar
disso, o psicólogo orientador teve a impressão que ela queria adiar o projecto
de casamento ou até que o queria ver anulado.
Os seus motivos principais eram ao lado de outros menos importantes o facto de
ela e o seu noivo não se entenderem suficientemente bem, e ainda mais o facto de
não querer separarse da família e ir viver para uma cidade grande. E ainda se
mostrava preocupada com o problema de se as suas relações sexuais iriam decorrer
bem, pois nenhum dos dois tinha experiência nesse domínio.
O orientador diagnosticou o problema aqui posto baseandose em observações de
entrevista, não como um problema neurótico mais profundamente fundamentado, mas
como um problema
agudo determinado pela situação, e que ele achou apropriado ser tratado ao nível
de uma orientação consciente.
Miss W. e Mr. E. provinham ambos de famílias conservadoras da classe média,
tinham uma excelente educaçã o mas ambos frequentaram Colleges não mistos. Daí
terem menos experiências de convívio com o sexo oposto do que a média dos
americanos. Mr. E. era engenheiro, Miss W. tinha estudado jornalismo e
colaborava na edição de um suplemento feminino de um jornal local. Ela estava
disposta a desistir da sua carreira em proveito do matrimónio e da família, que
lhe pareciam mais importantes; e por isso queria ter tanto mais segurança do
êxito do seu casamento.
O orientador achou que Miss W., apesar da sua independência profissional,
dependia demasiado da sua família, e especialmente do pai. Ligavaa a ele uma
relação de compreensão mútua, que explicava a sua preocupação no que respeitava
o seu entendimento com o seu noivo um pouco rígido e socialmente inexperíente.
Em entrevistas inicialmente separadas, e mais tarde comuns, o orientador
conseguiu levar os dois noivos a uma esclarecedora autocompreensão e compreensão
mútua, e a uma abertura mútua que terminou por fim num matrimónio
extraordinàriamente feliz.
O caso exposto aqui muito brevemente foi por nós escolhido por deixar entrever
de modo especialmente claro o carácter do caso legítimo de orientação.
Assim como o caso de Hanna representa essencialmente um
problema de puberdade, o caso destes noivos mostra igualmente um problema agudo
proveniente da decisã o de casamento entre dois parceiros inexperientes na
compreensão com o outro sexo e
emocionalmente um pouco imaturos.
Um terceiro caso, que nos foi amàvelmente comunicado por Maurice J. Karpf da sua
extensa prática de orientador matrimonial, mostranos o orientador chamado a uma
situação crónicamente complicada. A possibilidade de a levar a uma solução
favorável apenas com a ajuda da orientação, sem entrar na psicoterapia, resultou
em conexão com duas circunstâncias favoráveis que vieram auxiliar o orientador.
Mrs. A., filha de um homem de negócios, estava casada há seis anos com um jovem
que tornou a pouco e pouco desagradável o seu matrimónio de início aparentemente
feliz, pelo facto de cada vez se dedicar mais exclusivamente ao seu trabalho. Em
consequência da sua competência passou a ser sócio do sogro, mas na sua entrega
ao trabalho descuidava a mulher e o filho,
a convivência e, devido ao cansaço crescente, também a vida sexual que
inicialmente os satisfazia.
Quando finalmente se declarou disposto a dirigirse à orientação matrimonial,
durante muito tempo Mr. A. recusouse a
reconhecer o que havia de errado no seu modo de vida. O orientador era de
opinião que neste jovem não se tratava de um caso de compulsividade neurótica,
mas de exagerada diligência assim como de imaturidade na sua posição perante os
valores da vida. A sua discussão destes aspectos foi ajudada pela circunstância
de o sogro estar disposto a pôr mais pessoal à disposição do genro, com o que
Mr. A. f icaria com mais tempo livre.
Mas a situação complicarase pelo facto de a jovem senhora entretanto se ter
lançado numa aventura que significava mais para ela do que inicialmente
supusera. Ao que parece, quando se dirigiu ao orientador não tinha ideias claras
sobre quanto lhe haveria de custar mais tarde dedicarse inteiramente e
totalmente ao seu matrimónio, para o qual ela pretendia recuperar o marido.
Também aqui foi um acontecimento exterior que ajudou à solução feliz. Mrs. A.
receou de repente ter engravidado do amante. Também, reconheceu ela finalmente,
fora imatura e, a
brincar, não considerara as possíveis consequências do seu comportamento. O
assustado despertar para a realidade levoua a romper imediatamente a sua
relação amorosa e a regressar inteiramente para um matrimónio que era realmente
aquilo que ela queria e agora tornava ambos felizes.
6. PSICOTERAPIA
Sob o ponto de vista daquilo que a moderna Psicologia pode dar aos homens para o
melhor êxito da sua vida, são de especial significado dois temas do nosso livro.
Em primeiro lugar é a
apresentação da estrutura do decorrer de vida normal, corno o
fizemos mais atrás, e em segundo lugar a demonstração do papel fundamental da
psicoterapia, partindo do princípio de que esta é manejada com a correspondente
compreensão para os problemas da vida. Desta exigê ncia falámos já no início
deste capítulo.
A posição privilegiada da psicoterapia no âmbito da autoeducação e autoformação
bem entendidas de uma pessoa moderna é também a única justificação de querermos
tentar transmitir em poucas páginas uma ideia dentro do possível concreta deste
campo enormemente extenso.
Para darmos vida às parcas observações teóricas a que nos ternos de restringir,
vamos apresentar três casos e depois exem
plos de diálogos e descrições de técnicas. As contribuições que devo a alguns
colegas amigos estão ordenadas de tal maneira que exprimem a diversidade da
problemática e metódica.
O que é a psicoterapia
Jerome Frank, que há pouco se ocupou intensivamente com
a questão do que se passava realmente na Psicoterapia, dá como introdução uma
definição do processo que talvez se possa considerar como sendo a mais vasta
abrangendo todas as espécies de terapia. A Psicoterapia, diz Frank, é um
processo destinado a
aumentar a sensação de bemestar de uma pessoa, e isso por meio da intervenção
de um terapeuta experimentado, oficialmente autorizado, que em encontros
sistemàticamente organizados realiza certas modificações salutares nos
sentimentos, ideias e modos de comportamento do paciente que procura auxílio.
As perguntas que se põem a seguir são em primeiro lugar como o terapeuta provoca
nos casos particulares estas modificações, e em segundo lugar o que, visto
exactamente, está incluído nestas modificações, ou o que é que elas abrangem.
Infelizmente ainda não existe por enquanto unanimidade nenhuma na resposta a
estas perguntas fundamentais.
Tentando colocar no denominador mais simples as concepções mais aceites destes
complicados processos, mencionamos como factores mais importantes da
Psicoterapia os seguintes:
a) A relação entre terapeutas e pacientes (para simplificar, propomos neste
capítulo falar de T. e P.);
b) As declarações do paciente; c) As intervenções do terapeuta; d) A finalidade
do processo; e) O resultado do processo.
a ) A relação entre terapeuta e paciente
Todos os terapeutas consideram extraordinàriamente importante a relação entre T.
e P., embora a apreendam de maneira diferente. A teoria originária de Freud era
que para um tratamento coroack) de êxito tinha uma importância decisiva uma
chamada neurose de transferência. E com isso quer dizer que o
paciente tem de atravessar um período em que transfere para o terapeuta todos os
sentimentos de amor e ódio que sentia para com os pais. Freud considerava isto
como o pressuposto da autolibertação do paciente de todos os sentimentos que o
impe
diam numa evolução normal; ele via como fundamento essencial da neurose o
desgaste interior feito através de tais sentimentos não trabalhados.
O método da neurose de transferência é principalmente utilizado apenas por
psicanalistas. O facto, ao qual Freud foi o primeiro a dar valor, de as relações
passadas para com os pais terem importância até ao presente, e não só em
pacientes mas na maioria das pessoas, e de terem importância também nas relações
para com o terapeuta, é reconhecido por todos, mas não utilizado por todos os
terapeutas como factor dinâmico decisivo.
Carl Rogers, por exemplo, um dos terapeutas mais considerados, cujo método
próprio mais tarde ainda viremos a conhecer, representa neste aspecto o extremo
oposto de Freud. Ele acentua que a relação de auxílio, como ele lhe chama, actua
muito mais através das atitudes e sentimentos do terapeuta do que através de
técnicas e modos de proceder que este aplica. Ele diz que a relação se baseia
no facto de o P. ter a impressão de o T. ser digno de confiança, suficientemente
dotado de compaixão, cordial e atencioso, amoroso e interessado, de ser em si
suficientemente estável, ser suficientemente compreensivo no que respeita a
sentimentos ocultos, suficientemente sensível para não ajuizar nem condenar.
Isto é, Rogers vê a eficiência da relação terapêutica como partindo da
personalidade do terapeuta, tal como é e como consegue identificarse com o
paciente. Freud, pelo contrário, ve a eficiência no facto de o terapeuta saber
deixar o paciente transferir para ele o papel dos pais.
Com a sua doutrina do papel decisivo da relação entre T. e
P. continua Rogers uma tradição que começou com Ferenczi, Rank e Sullivan. Otto
Rank, um dos mais importantes discípulos de Freud, e cuja doutrina foi exposta
num excelente livrinho por Fay Karpf, goza actualmente de um aumento de atenção,
uma
vez que acentua a libertação de forças criadoras através da terapia, no sentido
do nosso pensamento actual. Esta ideia é também a de Rogers.
Àquele que alguma vez trabalhou terapêuticamente parecerá mais adequado, segundo
o caso, uma relação de transferência
ou uma «relação de auxílio».
Existem mesmo ainda outras variantes de relações de efeito dinâmico que vamos
ilustrar com os casos com que contribuíram os Doutores Hedda Bolgar e Franz
Alexander. Na realidade a Dr a
Hedda Bolgar mencionou que trata os diversos casos de maneira diferente, uma
verificação que eu quereria corroborar bascan
dome na experiência própria. Decisiva é por certo a capacidade do terapeuta de
realizar com o seu paciente a relação pessoal mais eficiente para cada caso.
b) As declarações dó paciente
O paciente quem é o paciente? Quem se dirige à psicoterapia e sobre que vem
falar?
Talvez convenha determonos um momento e perguntarmos: Quem deveria dirigirse à
psicoterapia? Num encantador artigo no «Los Angeles Times» contanos William
Merminger, um dos dois irmãos que fundaram a famosa clínica Merminger, em Kansas
‘o que, como psiquiatra, gostaria de saber acerca de uma pessoa. O que se
pretende com este interrogatório é um inventário curto e popular de ideias e
modos de comportamento que lhe mostrariam qual o estado de saúde emocional de
uma pessoa.
Muitas pessoas, diz Menninger, acreditam, como ele próprio, na necessidade de
observações físicas regulares feitas pelo seu médico assistente. Ele próprio
acredita também na necessidade de observações no que respeita as emoções.
Todos, continua Menninger, deveriam por vezes, talvez uma
vez por ano, arranjar tempo para se esclarecerem sobre para onde vão, o que é
para eles importante e quais são as suas intenções e as suas finalidades.
Menninger defende que se deve acreditar em qualquer coisa que se considere a
vocação própria e pela qual se lute. Mas é igualmente importante para a saúde
emocional que se façam férias do trabalho. E também se deveria ter alguns
«hobbys» eles enriquecem a vida.
Nas observações de Menninger respeitantes à saúde emocional está em primeiro
lugar a pergunta acerca das relações pessoais: de que espécie são, qual a sua
constância e de quem gostas e porquê?
Em segundo lugar quer saber como se comporta alguém numa situação difícil: se
fica furioso, se tem medo, ou como domina de outra maneira a realidade.
Em terceiro lugar interessalhe saber até que ponto nos
entregamos construtiva e criadoramente tanto a pessoas e ideias como a coisas.
Um ponto seguinte é como conseguimos aceitar frustrações. Menninger quer saber
em seguida até que ponto se está livre de angústia e tensão. Todos, diz ele, têm
naturalmente certos períodos de angústia e tensão. Mas quem nunca sai da
angústia e tensão está doente.
E, por f im, o principal é a coragem de se ver a si próprio tal como se é. E
isto é, naturalmente, o mais difícil. Isto, é reconhecer perante si próprio
quando se necessita de auxílio.
Neste verse a si próprio pareceme ser importante ainda uma coisa, que eu
quereria acrescentar no sentido das nossas observações anteriores: reconhecer se
se tem liberdade interior ou não.
Eu creio que constitui uma experiencia de todos os terapeutas o facto de as
pessoas interiormente menos livres que eles encontram serem as que acentuam
sempre mais fortemente quão normais são, e que elas em todo o caso não
necessitam de nenhuma espécie de auxílio terapêutico. Para dizer com toda a
franqueza, creio que todos podem necessitar alguma vez na vida daquilo que a
moderna assistência terapêutica hoje tem para oferecer, pelo menos como
orientação para se ver como é. Por esta razão, vou propor no meu último capítulo
a introdução da terapia de grupo para os últimos anos das escolas superiores,
assim como de escolas complementares e escolas profissionais.
O «paciente» de que vamos sobretudo aqui falar, não é portanto necessàriamente
uma pessoa totalmente fracassada. É antes alguém que procura conselho e ajuda em
problemas da vida que não consegue resolver suficientemente bem. Mas se lhe
aconselham a terapia e não a orientação psicológica, ele é, no sentido das
observações que fizemos até agora, uma pessoa que é impedida por conflitos
profundos inconscientes de adoptar racionalmente uma solução de vida que se lhe
proponha. Há qualquer coisa que o impede, e este impedimento pode ser de
profundidade e amplitude diversas.
Se Mrs. R. R., cujo caso será descrito mais adiante pela Dr aBolgar (vide pág.
550), uma senhora que até há pouco conseguira dominar uma vida cheia de
privações emocionais e que agora, perante uma quantidade de dificuldades que
recentemente desabam sobre ela, parece sucumbir de repente; se Glen, o jovem de
25 anos de cujos problemas demos uma rápida visão e cuja história ouviremos mais
adiante (vide pág. 541), estava bastante satisfeito com a sua conduta de vida
até agora sem finalidade, mas agora se encontra profundamente inquieto então
estes dois necessitam viAvelmente de uma investigação mais profunda daquilo de
que se trata realmente no caso dos seus problemas.
E realmente aquilo de que primeiro necessitam é de um
desabafo. Este desabafo, que se realiza nas sessões de alguns dias, semanas,
meses ou até em certas ocasiões durante anos, é o que constituí o cerne da
terapia.
Mas claro que todos conhecemos quão benéficos são os desabafos, mesmo sem
terapia. Não há nada mais calmante para o ânimo excitado do que poder desabafar
junto de um amigo ou de um cônjuge compreensivo acerca de qualquer desgraça ou
desilusão que se sofreu.
A Igreja Católica deu relevo, para além do valor benéfico do desabafo, também na
confissão ao factor do remorso, da penitência e descarregamento da culpa como
importante para a consolação e a recuperação da liberdade interior.
Freud viu por algum tempo no desabafo a parte mais importante do processo de
cura. Mas em breve chegou à conclusão que a catarsis como tal, palavra grega com
que ele designou o processo de purificação interior conseguido mediante o
desabafo, não origina nenhuma cura.
Teve depois a ideia das chamadas associações livres; isto é, motivava os seus
pacientes a apresentar qualquer coisa que lhes passasse pela cabeça. Com este
processo introduziu uma técnica que era bem mais complicada do que o desabafar,
porque nestas associações ou ideias aparecia material não relacionado que ele
reconheceu e utilizou como tópicos de camadas profundas de problemas, e
orientadores para elas.
Com «utilizar» querse dizer o emprego de interpretações, com que ligava estas
ideias. E com isso dáse então muito mais do que um escutar cheio de
compreensão. Com isso entrou em jogo uma intervenção activa por parte do
terapeuta e da qual ouviremos mais no capítulo seguinte.
Mas assinalemos já neste ponto que há tanto analistas como
também outros terapeutas que se limitam em grande medida a
escutar, sendo de opinião de que é o próprio paciente que vai elaborando uma
compreensão mais profunda dos seus problemas.
Foi Carl Rogers que mais decididamente defendeu esta opinião. É a ele que cabe o
mérito de, entre os psicólogos, ter sido o primeiro a elaborar uma teoria da
psicoterapia autónoma e
fundamentada numa nova base de ideias e além disso de a ter também observado em
estudos empíricos.
No seu processo originàriamente denominado de método nãodirectivo, partia
Rogers da opinião de que, devido à necessidade inata em todas as pessoas de
crescer e ser normal, também todas as pessoas estão em condições de superar os
seus problemas independentemente e chegar a uma clarificação interior
encontrandose a si próprias. Ele acreditava que o paciente não necessita de
outro auxílio do que o que lhe é conferido pelo escutar compassivo,
amigàvelmente intencionado e atento por parte do terapeuta.
Rogers foi o primeiro terapeuta a gravar todas as comunicações faladas durante
as horas de terapia, dando assim a outros colegas a ocasião de estudar com ele o
fenómeno até então inacessível, Este processo científico ousado abriu uma fase
totalmente nova na história da Psicoterapia, que até essa altura tinha sido uma
espécie de ciência oculta. Graças ao método de Rogers, todos os terapeutas se
encontram hoje em condições de comparar diversas técnicas com a sua própria e de
discutir acerca delas servindose de elementos empíricos.
O próprio Rogers aprendeu, contudo, das suas experiências que só em
circunstâncias especialmente favoráveis o paciente chegará a uma autocompreensão
suficiente sem qualquer contríbuição do terapeuta. Hoje utiliza na sua relação
de auxílio o método de perguntas que lança e que são apropriadas para
desenvolver a descoberta do awareness do paciente. E com isso introduziu também
o princípio da intervenção até um certo grau.
c) A intervenção do terapeuta
A intervenção do terapeuta pode realizarse de maneira muito diferente;
representa, segundo a experiência, convicção e personalidade do terapeuta, um
processo que varia em muitos sentidos. Por outras palavras: a espécie de
intervenção constitui realmente a diferença principal entre as diferentes
possibilidades da terapia.
Primeiramente, a intervenção significa, em oposição ao processo de escuta
puramente passivo, um processo nitidamente activo. Em princípio esta actividade
pode servir para o esclarecimento, fomento, clarificação do passado e presente
do paciente, ou pode ocuparse com a nova orientação e finalidade para o
futuro do paciente.
Não pode ser nossa missão aqui entrar em pormenores técnicos dos princípios que
regem as intervenções das diversas escolas terapêuticas, mas vamos dar
resumidamente algumas ideias principais.
A exploração analítica
A técnica de intervenção mais importante é a interpretação introduzida por
Freud, que aliás hoje já não é utilizada geralmente da maneira em que Freud a
concebeu.
Como já dissemos ao discutir os testes projectivos, as interpretações aplicadas
na Psicologia consistem em interpretações de
acções e vivências. O terapeuta está interessado especialmente nos motivos e
sentimentos dos seus pacientes e que estes não lhe traem directamente.
A pergunta é: Porque são sobretudo as interpretações que podein ocasionar uma
transformação profunda numa pessoa e como se realiza esta transformação?
A resposta breve a esta complicada pergunta acerca de um dos processos mais
complexos e específicos de que ternos conhecimento, é a seguinte:
A pessoa que sofre e que foi roubada na sua liberdade por qualquer angústia,
complexos de culpa, compulsão ou ideias falsas, pode experimentar uma
transformação se chegar até às origens emocionais dos seus sofrimentos com o
auxílio de um terapeuta, nas interpretações descobertas por ambos. Segundo as
circunstâncias, isto pode acontecer repentinamente e de uma só vez ou então e
isso é o caso mais frequente a pouco e pouco e gradualmente. Um exemplo
ilustrará o que acabamos de dizer:
Glen, um jovem de 25 anos, encontrase em dificuldades e
está cheio de rebelião em relação a problemas da sua profissão. Ele defende a
opinião que a pressão sob a qual a sociedade mantém o indivíduo é totalmente
injusta. O tempo de trabalho obrigatório na oficina em que trabalha, os exames
prescritos na
universidade que ele frequenta como aluno voluntário tudo isso o indigna. Ele
acha que deveria ter o direito de desenvolver o seu talento como pintor sem ser
criticado por todos os lados e sem ouvir que se tem de ganhar dinheiro e ficar
aprovado nos exames prescritos. Toda esta pressão já o indignava na escola e de
momento encontrase em tal estado de rebelião que está prestes a irse embora e
fixarse numa ilha dos mares do sul.
Quando lhe perguntaram porque o não fazia, mas viera para a terapia, respondeu
Glen que pensava que qualquer coisa nele não devia estar em ordem, uma vez que
a maioria das pessoas que ele conhecia não partilhava da sua opi .ni.ao.
E dentro de poucas semanas vê claramente que reage contra
* autoridade da sociedade tal como o fizera desde sempre contra
* autoridade da mãe. Parecialhe tão injustificada uma como a outra. Conta
apaixonadamente a maneira iníustificada e insensata como a mãe exercia a sua
autoridade. Indignado conta como ele acumulava castigo sobre castigo quando, em
rapazinho pequeno, não cumpri .a os seus diversos deveres tal como ela o
exigia: nã o pendurava os seus fatos, não mantinha as coisas em ordem, não fazia
os deveres da escola ou não ajudava a limpar a loiça. O seu
castigo consistia em não o deixar sair durante um certo tempo
nem brincar lá fora com os amigos. E visto ele permanecer numa
posição teimosa, a mãe aumentava as horas de castigo até atingirem «números
astronómicos», como ele se exprimia. Ela prolongava durante semanas os castigos
não redimidos e nunca
pareceu ver que o seu método era perfeitamente falhado e fazia com que o filho
se tornasse cada vez mais teimoso.
E o que fazia durante todo esse tempo o pai de Glen? Ah, o
pai tinha uma concepção de vida totalmente diferente. Sempre amável e bem
disposto, levava a vida sem grandes complicações e na maioria das vezes não
estava presente quando a mãe de Glen tinha as suas discussõ es com o filho. Mas
quando Glen pedia apoio ao pai, este declarava que Glen tinha de obedecer à mãe.
Não se intrometia absolutamente nada nas questões de educação e castigos.
«E portanto o resultado de toda esta disciplina é que eu
hoje sou uma pessoa absolutamente indisciplinada».
«Mas parece», respondi eu, «que isso de certa maneira não lhe parece bem».
«Pois é», disse ele, «isso é que é estranho. Eu rebelome. contra a sociedade
tal como contra a minha mãe quando ela me
impunha disciplina, mas por outro lado penso que se deveria ter uma disciplina
qualquer.»
Mas para quê, se ele só queria fazer o que lhe dava prazer? A pouco e pouco, no
decorrer de vários meses, Glen descobriu o que o perturbava. Arreliavao,
maçavao e com o decorrer das semanas deprimiao, e ele começou a sentir mais
profundamente que na realidade não era capaz de criar algo que pudesse respeitar
e admirar como uma tarefa realizada. Não fazia nada além de quinquilharias, nada
para o que pudesse olhar com orgulho como obra ou acção sua.
Que maneira de viver tão sem sentido! Deveria haver alguma coisa que ele pudesse
realizar realmente. E ele tinha para consigo próprio a dívida de fazer o melhor
de si próprio. A expectativa e esperança na prova dum talento era uma forma de
autoengano, pois se o possuísse ele terseia revelado certamente muito mais
intensamente. Numa nítida identificação com o pai, quisera desenvolver e levar
ao êxito e à glória o «hobby» artístico deste, sem
que na realidade houvesse qualquer fundamento para isso.
Quando chegou a este ponto, e a terapeuta lhe perguntou se
isso ainda se relacionava com a mãe, ele viu com repentina clareza o que
acontecera. Fazer o melhor de si próprio era o seu desejo próprio e a missão que
se pusera a si próprio. Já não tinha nada a ver com autoridades. Ele via claro
que a sua identificação de tarefas com aquilo que exigem as autoridades lhe
tinha bloqueado
o caminho para se impor tarefas a si próprio. Ele f icara preso à sua situação
de infância, na sua dependência em relação à mãe e na sua rebelião contra ela.
Agora sentiase liberto. Por outro lado, esta liberdade interior permitialhe
agora ver mais ffitidamente em que medida e porquê a sociedade na qual ele
exigia um lugar também tinha direitos sobre o seu trabalho e sobre um certo grau
de adaptação.
Analisemos a parte por agora exposta do resultado, deixando aqui ainda de parte
a relação para com o «pai».
Esta espécie de reconhecimento adquirido por Glen e que culmina numa vivência de
«espanto» lentamente preparada, foi denominada pelos psicanalistas de «
reconhecimento » (Einsicht).
O caso de Glen, a que ainda voltaremos, representa naturalmente uma estrutura de
problemas relativamente simples. Ele foi escolhido para dar ao leitor uma ideia
das coisas de que se trata na terapia, sem introduzir diversas complicações
técnicas. Um grande número de casos é naturalmente muito mais complicado e é
muito mais demorado e difícil chegarse aos reconhecimentos decisivos.
Importante é neste caso que os reconhecimentos não sejam vividos apenas
intelectualmente e que portanto não apareçam como consequência de reflexões.
Eles têm antes de ser sentidos e experimentados no fundo.
Freud viu que neste ponto o auxiliavam em grande medida os sonhos dos pacientes.
Esta descoberta do conteúdo de sentido disfarçado em imagens dos sonhos é
considerada por muitos a realização mais genial de Freud.
A interpretação dos sonhos
O próprio Freud interpretava os fenómenos do sonho como vivências de realização
de desejos ocultos que o sonhador não ousa confessar a si próprio quando
acordado, porque são proibidos e são condenados pela consciência, pelo SuperEu.
Thomas French expôs recentemente em relação a isso que o sonho significa muito
mais: ele representa de facto um profundo trabalho de pensamento. No sonho o
sonhador procura representarse os conflitos em que está envolvido e leválos a
uma solução qualquer. Esta solução pode, segundo as circunstâncias,
ser uma realização de desejos, mas pode também ser a visão racional de uma
situação real.
Assim, por exemplo, Glen sonha, na altura em que superava em si a dependência em
relação à mãe e a rebelião contra ela, que saía de casa pedalando numa
bicicleta como uma que possuíra quando fora rapazinho. Mas viase como adulto.
Tinha uma pesada
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amarra à volta do braço, que o puxava constantemente para trás com todo o seu
peso. Desmontou da bicicleta e viu o que se
passava. E então descobriu que não era uma amarra, mas a corda da roupa da mãe.
Enroloua, meteua num saco e seguiu viagem...
Isto quer dizer: aquilo que lhe parecera uma influência enormemente forte e
inibitória da mãe, revelase, visto mais exactamente, como um laço leve do qual
se pode libertar, e apesar do qual pode viver.
Poderão servir ainda como exemplo dois outros sonhos; um
mostra uma solução encontrada, o outro uma solução de um desejo.
Beate é uma mulher de trinta anos que acabou de se divorciar do seu segundo
marido. O seu terapeuta chamou a atenção para as situações paralelas em que ela
se envolvera duas vezes. Das duas vezes casara com homens muito atraentes e que
sexualmente a satisfaziam, mas que passado pouco tempo se revelaram como
caracteres duvidosos, colocandoa em situações perigosas: o primeiro quase a
estrangulara num ataque de ciúme, e do segundo divorciouse quando descobriu
diversas desonestidades sérias que ele cometera. Isto aconteceu pouco antes de
ele ser preso devido a graves fraudes.
Enquanto que meditava por que razão esta espécie de homens a atraía, sonhou o
seguinte:
«Vime a entrar para a gigantesca boca aberta de uma baleia. Por dentro estava
tudo iluminado, as paredes eram de um corderosa brilhante. Continuei a andar
sobre a sua coluna vertebral até ao fim; aí parecia haver um lugar confortável.
Alguém disse: «Sai daqui depressa!»’ Mas eu pensei que me sentia bem ali na
ocasiã o e que ficava.
Por outras palavras: ela compreendeu nitidamente que, devido às condições
aparentemente cómodas e brilhantes, ela não gostava de reconhecer o perigo de
certas situações da vida.
Helmut é um jovem de 16 anos que não quer reconhecer que os seus problemas
provêm das suas relações com o pai, que ele odeia no seu íntimo mais profundo.
HeImut foi uma dessas crianças do tempo da guerra, dignas de dó, que não
conheceu o pai até que, com três anos, o encontra um dia pela manhã na
cama da mãe. «Sai da cama da mãezinha!» gritou ele.
Desde este começo traumático das relações até aos atritos
com o pai na idade da puberdade, existiu sempre uma tensão entre eles. Helmut
negava a profundidade do seu ressentimento. Enquanto exprimia isto na sua
terapia, sonhou o seguinte:
«0 meu pai e eu subíamos uma colina, de carro. Arrumámos o automóvel e chegámo
nos ao desfiladeiro. Olhando para baixo,
vimos uma camioneta cheia de feno. O meu pai disse: «Vamos saltar para cima do
feno e buscar o carro.» Eu disse: «É demasiado alto, é melhor não o fazeres.»
Ele respondeu: «Estás a
mentir, não é assim tão alto» e saltou. Caiu a milhas de distância, lá no f
undo, e estava morto quando chegou lá abaixo. Eu tive a
sensação de que o tinha matado ... »
Todo o conflito que Helinut vive exprimese mais claramente no sonho do que ele
era capaz de o dizer por palavras. Por um
lado ele quer demonstrar ao pai, sempre sarcástico e pretendendo saber tudo
melhor, como ajuíza mal a situação que Helinut vê correctamente tão mal que
morre por isso; e por outro lado Helinut arrependese imediatamente depois de o
ter desejado, e
sentese culpado por isso.
Apresentámos aqui bastante pormenorizadamente a técnica da interpretação porque
ela representa o ponto central do processo para toda aquela terapia que esteja
orientada em qualquer medida psicanaliticamente. Mas também fora da situação
terapeutica se encontra em divulgação crescente a compreensão interpretativa do
agir humano, e justamente na sequência da análise. Mostrámos isto no capítulo «A
motivação» com o exemplo das duas mães e voltaremos a falar mais uma vez do
papel da compreensão e autocompreensão interpretadora no homem moderno, no
último capítulo do livro.
A interpretação representa contudo apenas uma forma da intervenção, isto é, a
exploração analítica. A este processo, que elabora analiticamente a estrutura
deficiente da personalidade, opõemse outros processos, que pretendem contribuir
para a
futura reestruturação da personalidade.
A exploração construtiva
Carl Jung foi o primeiro que acentuou, opondose a Freud, que ao tratamento
analítico se teria de seguir um tratamento sintético. No que respeita este
processo construtivo, contudo, existe por enquanto um largo desacordo.
Primeiramente grandes grupos de terapeutas especialmente orientados pela
doutrina de Freud são de opinião que a terapia dá ao paciente a possibilidade de
encontrar por si próprio o seu
novo caminho. Por isso e por outras razões, rejeitam qualquer interferência na
nova configuração da vida e nova autoconfiguração do paciente.
Aqueles que, como aliás de modo surpreendente o próprio Freud, chegaram à
conclusão que algumas pessoas necessitam de auxílio para darem ao seu futuro uma
configuração mais favo
rável do que a que teve o seu passado, têm apesar disso ideias muito diferentes
no que respeita o grau ou a espécie de orientação que devem dar ao paciente. As
opiniões oscilam entre extremos de prescrições autoritárias, até conselhos e
opiniões do terapeuta até questões e discussões de possíveis orientações na
vida.
De que se trata, rigorosamente, nestas intervenções que orientam os pacientes?
Pelos vistos o paciente que saiu da sua neurose
está pela primeira vez em situação de escolher livremente finalidades. E nesta
nova escolha de finalidades tudo depende de o
paciente erigir para si novos valores, mais adequados do que aqueles que tinha
antes.
No capítulo «A motivação» discutimos o início da colocação de valores, daquelas
primeiras construções ideais em que as crianças dependem tão grandemente do seu
ambiente. E inostrámos também então a tenacidade extraordinária com que
persistem os sistemas de valores desenvolvidos na infância e na juventude.
É extraordinàriamente difícil a adopção autónoma de novos
valores especialmente numa época como a nossa, na qual, como
expusemos, predomina grande insegurança acerca dos pontos de vista de valores.
Aquele que procura novos valores está hoje exposto a decisões mais difíceis do
que por exemplo a decisão por uma maior virtude, por uma compreensão amorosa,
por finalidades mais realistas ou uma maior autenticidade perante si próprio. O
que o martiriza tantas vezes para além destas missões é a pergunta: Qual é o
sentido de tudo isto e em que é que posso acreditar?
Os terapeutas que defendem uma intervenção em relação com problemas do encontro
de finalidades, valores e sentidos, podem dividirse principalmente em dois
grandes grupos, entre os quais existem, aliás, diversas formas íntermédias.
Um dos extremos é representado por aqueles que revelam as suas próprias opiniões
e não temem exercer uma influência directa nos seus pacientes. É neste sentido
que, por exemplo, Frederick C. Thorne fala de uma psicoterapia activa. Tanto ele
como Edith WeisskopfJoelson recomendam uma educação no
sentido da filosofia da vida como uma das missões principais da psicoterapia.
Um dos mais conhecidos representantes desta concepção é Viktor E. FrankI, um
existencialista cujas obras contribuíram essencialmente para que a questão do
sentido da vida, totalmente posta de parte pela psicoterapia de orientação
unilateralmente analítica, voltasse, corno fundamental, à consciência de muitos
terapeutas, e, para além deles, também de muitos contemporaneos. A sua intimação
de despertar de novo a nossa «vontade de
sentido» em nós e nos nossos pacientes abalou todos fortemente e ganhou muitos
adeptos para a sua logoterapia, como ele chamou à sua doutrina.
Enquanto que Frank1 encontrou para esta concepção da psicoterapia vasta
aderência, considerase por outro lado muitas vezes o seu método, com o qual
chama de modo bastante directo a atenção dos seus pacientes sobre a sua
responsabilidade espiritual perante si próprios, como uma maneira extremista de
orientação. O próprio Frank1 fala de Psicagogia, isto é, orientação psíquica, e
de «medicina pastoral». No seu conhecido livro «0 doutor e a alma» ele declara
que quer ensinar aos seus pacientes o respeito pela vida, que proclama Albert
Schweitzer, e que empreende leválos às suas missões de vida específicas.
O psicanalista Martin Grotjahn aplica uma técnica de influência directa
fundamentada sobre a psicologia dos valores do Eu, relacionandoa com o seu
tratamento de «neuroses familiares».
Martin Grotiahn, que introduziu na Psicanálise o tratamento de famílias
inteiras, utiliza a técnica de conselhos directos; por exemplo, diz à mãe de uma
rapariguinha que trata: «Naturalmente que tem de oferecer um automóvel à sua f
ilha; como é que ela se poderá deslocar de outra maneira numa cidade que está
construída mais para automóveis do que para pessoas?» Grotjahn é de opinião que
a sua exortação à mãe deixa transparecer o conselho geral: Dá mais liberdade à
tua filha, e que este conselho, assim como o valor desta orientaçã o, pode ser
interpretado pela própria mãe.
Diferenciandose destas indicações directas de finalidades por parte do
terapeuta, outros psicólogos defendem a opinião de que deve ser respeitado o
direito do paciente de encontrar e
colocar ele próprio os seus valores, e que as intervenções do terapeuta só
deveriam ser utilizadas no sentido de exploração construtiva, como lhe chamei. A
influência é aqui mais indirecta e o terapeuta apela para a capacidade de
escolha do paciente, a que em certas circunstâncias chama a atenção para
possibilidades de valor alternativas.
Vamos continuar neste ponto o caso de Glen, que já conhecemos, como exemplo de
uma nova escolha de valores relativamente independente. Glen, que, como vimos,
iniciou a sua terapia com a verificação da sua rebelião contra a sociedade,
tinha inicialmente ideias de valores muito confusas. Ele era de opinião que
ninguém tinha o direito de fazer prescrições a outrem, e que também a sociedade
não tinha o direito de manter sob pressão os indivíduos. Ele exigia de positivo
que se tivesse a possibilidade de desenvolver os seus talentos, embora
reconhecesse que da
sociedade dfficilmente se poderia esperar que ela o financiasse. Quando se
perguntou a Glen quais os verdadeiros valores seguidos pelos seus pais, ele
disse que a mãe não tinha nenhuns valores reais, apenas ideias esbatidas e
abstractas, e ao lado delas regras que lhe ditavam que era bem fazer isto ou
aquilo!
Era o pai que pairava constantemente diante dele como
exemplo, embora também ele não tivesse indicado nenhuma orientação clara. «0 meu
pai», dizia Glen, «era despreocupado e fazia tudo sem esforço. Trabalhava como
desenhador técnico para diversas firmas, mas como tinha algum dinheiro, não
trabalhava com regularidade. Pintava durante as horas livres» «Vendeu alguns
quadros?» «Não, penso que não. Faziao mais por prazer. Também nos ensinou a
pintar e mostrava aliás muito interesse por nós, muito mais do que a nossa mãe.
E assim todos o amávamos muito.» «Admirava a maneira como ele vivia?» «Sim,
nessa altura pareciame magnífico. Mas hoje começo a duvidar disso. Ele afinal
vivia para quê?» «Acha que se deveria viver para alguma coisa?» «Bem, dever
seia pelo menos saber para onde se vai. O meu pai tinha na realidade uma vida
totalmente desordenada. Nessa altura eu pensava que a sua maneira fácil de
trabalhar era o ideal hoje começo a achar que talvez não fosse assim tão boa
... »
Glen desenvolveu estes pontos de vista cerca de oito meses após o início da sua
terapia. Depois destes inícios de uma viragem de orientação ele analisou
repetidamente a pergunta: «Para onde vou?» Nesta procura descobriu que não
possuía absolutamente nenhuma confiança em si próprio porque na realidade não
aprendera nada de jeito e não realizara nada, e que o seu impulso nestes
sentidos fora fraco. Pouco a pouco a ideia de que se deve fazer de si o melhor e
realizar tarefas tornouse a ideia condutora para Glen. As perguntas do
terapeuta estavam de tal maneira planeadas que o deveriam conduzir nesta
orientação, mas deixavamlhe a possibilidade em aberto de se declarar contra a
ideia de um sentido da vida, como entrementes acidentalmente ponderou.
Se nos interrogarmos concisamente no sentido dos nossos conhecimentos da
motivação e finalidades de vida humanos, discutidos nos capítulos precedentes,
do que Glen alcançou para si através da terapia, então poderemos dizer o
seguinte:
Quando veio para a terapia, Glen estava totalmente insatisfeito consigo e com a
sua vida. O seu malestar, que aqui, dado o limite de espaço, só foi apresentado
em relação ao caminho da actividade profissional, não era menos grande no campo
social e sexual. Também aqui era imaturo e não estava motivado, nem
por impulsos suficientemente fortes, nem por fortes necessidades de
sociabilidade. Todas as suas relações eram vagas e superficiais exceptuando a
sua grande dependência, para ele inconsciente, em relação à família, a que
estava ligado sem lhe dar valor. Necessidades é atracções sexuais tinham levado
a algumas aventuras breves com companheiras femininas, sem que se desenvolvessem
relações mais profundas de qualquer espécie. Ocasionalmente também tinha
fantasias homossexuais, ao lado de fantasias heterossexuais.
Teóricamente, tratase aqui de uma pessoa imatura e irrealizada em todos os
aspectos, diante da qual pairam vagamente como ideais a satisfação de
necessidades e a ideia de qualquer expansão criadora; que se rebela contra a
adaptação autolimitadora que a sociedade exige, e que não possui nenhuma ordem
interna. Pela libertação da rebelião, que no fundo representa uma dependência
interior; por desistir da ideia de que os ú nicos fins estavam na satisfação de
necessidades; por uma nova posição de valores agora pela primeira vez livre,
proveniente do reconhecimento crescente de que as produções da expansão criadora
própria com os meios disponíveis tomam sentido na medida em que servem a
sociedade; pela realização de uma adaptação autolimitadora dentro das
possibilidades dadas e pela realização da ordem interior que se efectuou devido
a todas estas mudanças de orientação em poucas palavras, por um equilíbrio
dinâmico de todas as vivências básicas pela primeira vez conseguido, Glen
encontrase no caminho da realização da sua vida.
d) A finalidade da terapia
Pode ser de várias espécies a finalidade da terapia, tanto no que respeita ao
caso, por um lado, como por outro lado no
que respeita à escola terapêutica a que pertence o terapeuta. Começando por
aquilo a que se chama apoio de uma personalidade necessitada de auxílio,
passando pelas transformações e
em parte modificações da personalidade até à total mudança de estrutura da
personalidade mediante tratamento em profundidade, podem ser vários os fins em
vista.
O caso de Glen leva a uma mudança de estrutura da personalidade bastante vasta,
que chega até a uma posiçã o de valores totalmente nova. Aliás isso só foi aqui
exposto no que respeita à actividade profissional, e não sob o ponto de vista da
personalidade social e sexual de Glen.
Visto se atacar muitas vezes a psicoterapia de orientação analítica por ser tão
extraordinàriamente longa, a seguir expomos
duas terapias curtas de dois analistas, sob o ponto de vista dos fins por eles
pretendidos e alcançados.
A Dr.@ Hedda Bolgar, psicóloga de formação psicanalítica, pôs à minha disposição
um caso de terapia curta que lhe agradeço, em que ela alcançou em cinco
entrevistas uma notável mudança parcial de estrutura. Ela utilizou neste
tratamento terapêutico, numa cuidada estratégia planeada, os seus conhecimentos
analíticos da dinâmica psíquica.
Mrs. R. R., uma senhora de 45 anos, fora enviada pelo seu
médico, ao qual se queixara, muito excitada, de nervosismo, falta de sono,
incapacidade de cuidar da sua casa, grave depressão e a sensação de estar farta
da vida. A Dr aHedda Bolgar ocupouse imediatamente da paciente, uma vez que
havia grave perigo de suicídio.
Mrs. R. relatou uma quantidade de dificuldades e arrelias que nos últimos meses
se haviam acumulado de tal maneira que a dominavam simplesmente. A coisa começou
com o facto de o
marido ter aceite uma nova colocação no outro extremo do continente e de ela ter
ficado incumbida de desmanchar a casa, e ir de carro com os dois filhos de Nova
Iorque até Los Angeles e aí encontrar um novo lar para a família. O pior foi que
pouco antes da mudança partira uma perna, que estava ainda em gesso durante a
viagem. E, para cúmulo, os seus parentes no ocidente não a receberam de modo
especialmente amável, os filhos de
11 e 13 anos não se adaptaram às novas condições na escola, o marido tinha um
horário de trabalho pouco favorável e ainda se acrescentavam outras coisas
aborrecidas.
O seu aspecto era inquieto e extremamente excitado, e o seu
rosto estava banhado em lágrimas. Com as mãos conúnuamente em movimento apertava
o lenço molhado, a boca tremia e muitas vezes mal conseguia falar. Poderseia
ter considerado o esgotamento de Mrs. R. como determinado pela situação se não
se tivesse revelado, ao relatar ela a história da sua vida, que o seu
problema agudo formava apenas o ponto culminante de uma vida já há muito tempo
bastante infeliz, e com isso atingia o ponto em que se dava a derrocada.
Mrs. R. era a filha única de um pai ríspido e frio e de uma mae ocupada consigo
própria por causa de muitas doenças. A sua
família, que pertencia à boa burguesia, proporcionoulhe segurança e uma
excelente formação universitária, mas exigia muito da sua capacidade de
realização e exigia que ela fosse perfeita em todas as orientações. A atmosfera
doméstica era soturna, séria e rigorosamente religiosa.
Mrs. R. conheceu o futuro marido no College. Ele provinha de uma família modesta
que ela em parte desprezava, mas cuja cordialidade e amabilidade lhe agradavam.
O marido não terminou o curso universitário, mas aceitou uma colocação sem
interesse na administração.
Devido à sua passividade, moleza e insuficiência sexual, ele deixava a desejar
como companheiro masculino, mas ela amavao devido à sua bondade e à sua
compreensão. Também os filhos o amavam mais do que a ela, que era demasiado
ríspida. Talvez ela tivesse o que merecia, se os filhos não a amavam. Disse isto
ela pró pria, banhada em lágrimas.
Viase em Mrs. R. que sofrera muitas frustrações emocionais e encontrara pouca
alegria nas relações com o seu próximo. Apesar de se acusar a si própria
constantemente, ela estava ffitidamente tão cheia de animosidade como de
complexos de culpa.
a «No fim da primeira entrevista», disse a Dr. Bolgar, «tive de me decidir
acerca do tratamento imediato do caso. A minha impressão diagnóstica era que
Mrs. R. se encontrava num grande estado depressivo de excitação e que se
encontrava próximo de um colapso psicótico».
A Dr a Bolgar considerou três possibilidades: internála numa
clínica para se proceder a um tratamento com sequência; remetêla a uma clínica
para um tratamento psicoterapêutico ambulante prolongado, uma vez que a escassez
de meios impedia uma
psicoterapia particular a longo prazo, ou então uma psicoterapia
a curta, intensiva e extraordinàriamente apoiadora. A Dr. Bolgar decidiuse pela
terceira possibilidade recorrendo à ajuda do pai, a quem confiou a vigilância da
paciente que se entregava a ideias suicidas.
As razões para esta decisão foram as seguintes: o internamento numa clínica
teria prejudicado muitíssimo a vida familiar, talvez até a tivesse destroçado,
além disso teria afundado o
autorespeito da senhora e confirmado os seus receios de estar ps@quicamente
gravemente doente. Além disso, a terapeuta considerou que, apesar de todos os
seus problemas, Mrs. R. até agora pelos vistos conseguira sempre resolver os
problemas da sua vida, e que era uma mulher inteligente com cuja colaboração se
podia contar.
Ela explicou abertamente à paciente quais as suas ideias e planeou algumas
poucas entrevistas tendo cuidadosamente em consideração a psicodinâmica da
depressão. «Decidi», explica a Dr aBolgar, «alcançar três coisas:
Em primeiro lugar eu era de opinião que Mrs. R. necessitava urgentemente de
apoio, calor e reconhecimento. Decidi fornecerlhe tanto quanto possível este
«alimento». Eu falei muito, acentuei a sua força, fizlhe elogios acerca das
suas realizações e da sua diligência, deixeia participar nos meus sentimentos e
nas minhas experiências e sugerilhe uma identificação comigo, traçando
paralelos entre as nossas vidas. Sempre que podia, punhame ao lado dela e
insinuava que a apreciava e que a
admirava pela maneira como conseguira vencer as muitas dificuldades do passado.
Eu mostrava muita preocupação também no que respeitava ao seu bemestar físico
tanto durante as sessões como nos intervalos».
O segundo ponto importante considerado pela Dr a Bolgar era o tratamento
da animosidade de Mrs. R. Ela procurou mostrar à paciente que a cólera e o
ressentimento eram reacções humanas normais, que ela tinha o direito de exprimir
essas
reacções perante a família e que tudo isso não teria de ter as
influências destruidoras que Mrs. R. lhes atribuía,
Em terceiro lugar a Dr aBolgar ocupouse com a tendência de Mrs. R. para o
autocastigo. «Era para mim evidente, diz ela, «que a sua consciência
patológicamente ríspida (sádica) teria de reagir às satisfações que eu lhe
oferecia e ao encoraiamento de exprimir os seus sentimentos adversos de tal
maneira que mais tarde a levaria à autopunição. Procurei contrariar esta
evolução concentrando os seus sentimentos de culpa sobre outra coisa. Critiquei
a por causa das exageradas exigências que se impunha * si própria, e designei
de «arrogante» o facto de ela se julgar * único entre todos os mortais a poder
passar sem realizar as suas necessidades e sem alegrias. Eu censureia por não
querer ser como nós outros e de não procurar tornar a vida mais agradável para
si. Por outras palavras, deilhe um sentimento de culpa por não se permitir
necessidades e desejos humanos normaís.»
Felizmente a paciente reagiu excelentemente a todo o processo e sofreu durante
as cinco horas da sua terapia uma transformação que percorreu todas as fases
pretendidas. No fim discutiu projectos de futuro com a Dr a Bolgar e mostrou
uma
posição cheia de esperanças, construtiva que, como mais tarde se verificou,
realmente se confirmou.
Ao relatarnos esta terapia curta, a Dr a Bolgar expõe o que foi a sua
finalidade. Ela não via naturalmente a melhoria como
uma «cura» ou como uma modificação contínua de personalidade. A sua finalidade
foi, servindose de uma estratégia cuidadosamente
planeada, quebrar o círculo destruidor da depressão, que era
constituído por ânsia, ódio e complexos de culpa autodestruidores.
A finalidade era portanto aqui a de uma modificação interna de orientação, ou
mudança de posição, que bastou para afastar a situação momentânea de perigo.
O tratamento é claro que só representou um primeiro passo do caminho para a
libertação da dependência neurótica em que se encontrava esta paciente, e dever
seiam seguir muitos outros para afastar a neurose.
É de interesse o carácter da relação terapêutica que pareceu favorável a esta
espécie de tratamento de apoio. Foi posta de maneira que a paciente se pudesse
identificar com a terapeuta, pelo que se evitou o desvio através da relação de
transferência.
Franz Alexander, um dos mais eminentes discípulos de Freud e seu antigo
colaborador, tenta outra espécie de desvio de orientação, elaborando uma
experiência emocional correctiva. Alexander atribui a S. Ferenczi e O. Rank o
mérito de serem os primeiros a ter reconhecido este princípio.
O caso que vamos discutir em poucas palavras foi apresentado por Alèxander como
«Caso A» no livro inovador publicado por ele, T. M. French e outros
colaboradores, sobre «Terapia Psicanalítica». O Professor Alexander teve a
amabilidade de acrescentar algumas observações ao meu relato.
Mr. A., um comerciante de 42 anos que foi enviado para a
psicoterapia por um neurologista por causa de sintomas epilépticos de base
histérica, isto é, de base emocional, sofria de convulsões e era, além disso,
uma pessoa com uma personalidade irritável, intolerante e autoritária. Além
disso, estava há alguns meses impotente. O tratamento consistiu em 26
entrevistas que se estenderam por um espaço de dez semanas. Depois da sexta
semana os sintomas tinham já desaparecido.
O paciente era um homem que estivera durante toda a sua
vida sob a sombra do seu pai dominante, um homem feito à sua
custa, de temperamento impetuoso e autoconfiança ilimitada, que tiranizava tanto
a sua família como os seus subordinados no escritório. A mãe, que amava e
protegia a criança, morreu quando o rapazinho tinha dez anos. Mr. A. tentara
duas vezes durante a sua vida insurgirse contra o pai. Pela segunda vez, depois
do seu casamento realizado contra vontade do pai, este permaneceu
irreconciliável até pouco antes da sua morte.
Quando, depois da morte do pai, com trinta anos, assumiu a direcção da empresa
da família, o seu desejo principal foi demonstrar que era melhor negociante que
o pai. E conseguiu isso com firme decisão.
No entanto, o negócio foi o seu único êxito. Fracassou em todas as outras
relações humanas; em toda a parte arranjava inimigos. A mulher divorciouse
dele, voltou a casar com ele, mas estava disposta novamente a divorciarse.
Na situação de terapia Mr. A. procurou imediatamente reconstituir a relação pai
filho tal como a conhecia, transferindo para o analista o papel do pai perante o
qual tinha uma atitude tanto de rebelião como de admiraçã o submissa. Mas o
analista estava decidido a não deixar que se formasse uma neurose de
transferência, e contrariou por isso o desenvolvimento de uma relação paifilho.
Conseguiu isto mostrando desde o início uma extraordinária tolerância e deixando
que o paciente tomasse muitas decisões mesmo a respeito da própria terapia, por
exemplo, quantas vezes queria vir, se preferia estar sentado, deitado ou andar
pela sala e outras coisas parecidas. Além disso, ao contrário da posi .ção
crítica que o pai mostrara, exprimia repetidamente admiração pelas muitas
qualidades do seu paciente.
O paciente, que esperara uma figura paterna tirânica e
«necessitava» dela para poder exprimirse do modo que lhe era
próprio, isto é, agressivamente e rebelandose, ficou confuso e
de certa maneira insatisfeito. Quando deu livre curso à sua irritabilidade em
novas agressões, o analista pôde mostrarlhe que estas já não eram reacções a
uma figura paterna dominante, mas
provinham ffitidamente das suas necessidades íntimas.
Depois de se opor inicialmente, Mr. A. aceitou a pouco e pouco estas
interpretações. O primeiro êxito foi que começou a
mostrarse perante o próprio filho como um pai tão dócil como
o era o analista para com ele.
Três sonhos reflectiram a transformação que se realizou neste período. No
primeiro, Mr. A. via o analista cheio de fúria partir alguns objectos de vidro
que ele, o paciente, produzira
na sua fábrica. Contou que isto o fazia lembrar uma cena com o pai, em que este
destruíra uma série de objectos de vidro porque não lhe agradava o desenho que o
filho esboçara.
Estes dados levaram o analista a pedir ao paciente que descrevesse
pormenorizadamente o seu trabalho. O paciente fêlo com entusiasmo, de maneira
condescendente e instrutiva. Depois desta hora em que se pudera revelar perante
o analista como conhecedor e autoridade dentro do seu campo, recobrou
a sua potência sexual.
Na vigésima entrevista Mr. A. contou um sonho em que se
via como estudante que voltava para casa com um florete quebrado ao esgrimir. O
pai devolveulho consertado. Aqui agradecia
portanto ao pai por lhe ter devolvido a sua espada para esgrimir, isto é, a
virilidade, enquanto que no sonho precedente se vira humilhado pelo analista em
vez de o ser pelo pai.
Saindo lentamente desta confusão até chegar ao esclarecimento, no sonho seguinte
encontravase no plano da situação de novo alcançada: viuse sentado num
tribunal como juiz presidente, com um juiz célebre de Chicago a seu lado. O caso
que ele tratava era um divórcio. Conseguiu reconciliar o casal.
Aqui identificava o analista com um colega com cuja colaboração realizava a
salvação do casamento do seu casamento:
O analista e o paciente já não são pai e filho, mas dois colegas.
O Dr. Alexander acentua no seu comentário a este caso que a experiência viva de
uma nova relação paifilho ajuda o paciente à experiência emocional correctiva
que forma o fundamento da sua cura. Também aqui nã o se entende a terapia curta
como
não tendo o mesmo valor de uma análise completa, mas sim como sendo suficiente
para substituir uma posição básica neurótica do paciente por uma posição mais
normal.
Numa conversa pessoal perguntei ao Dr. Alexander quais foram as reflexões ou
dados que o levaram a escolher neste caso a «psicanálise breve». Isto deulhe
ocasião para as seguintes verificações, que eu cito com sua autorização.
Franz Alexander acerca da escolha da psicanálise longa ou breve.
Na minha actividade terapêutica não estabeleço nenhuma linha de delimitação
rigorosa entre psicanálise longa ou breve, nem entre psicanálise na realidade ou
psicoterapia orientada psicanalfficamente. Eu não decido logo de início se o
tratamento háde ser breve ou longo, se o paciente deve deitarse ou sentarse
diante de mim. Eu tacteio o meu caminho e adapto as particularidades do método
às situações psicodinâmicas do paciente, as
quais estão sempre em mutação.
Considero missão do terapeuta ajudar o Eu do paciente no sentido de realizar a
sua função integradora e por fim de libertar o paciente de maneira a que recobre
o seu potencial espontâneo. Neste ponto sou rigorosamente hipocrático e creio
que a força essencial da cura consiste na capacidade integradora do paciente,
que ficara bloqueada por processos de adaptação de relações humanas que falharam
numa tenra idade. Nalguns casos bastará um rompimento que se dá através de
«experiencias emocionai .s
correctivas» durante o tratamento, deixando livre o caminho para o seguimento da
cura espontânea.
No conjunto da personalidade estão relacionadas mútuamente todas as formas de
processos emocionais, todas as cunhagens através de experiências passadas. Uma
transformação manifesta mim dos campos centrais tem um efeito inevitável sobre
toda a personalidade. A evolução emocional precoce do paciente, assim como a sua
capacidade integradora inata e
adquirida, determinam quantas destas experiências emocionais correctivas são
necessárias até que o Eu do paciente possa continuar a orientarse sem a ajuda
do terapeuta. Continuar o tratamento para além deste ponto óptimo, poderá
retardar mais uma
melhoria do que acelerála.
No estado actual da ciência não é possível decidir teórícamente quando se atinge
este ponto em que a continuação da terapia já não é necessária ou até
provàvelmente termina a
inelhoria. Por isso eu utilizo a técnica de repetidas interrupções curtas ou
prolongadas do tratamento. Durante a interrupção o
paciente está entregue a si próprio e vêse perante a tarefa de resolver os seus
problemas por si próprio. Quando se retoma o tratamento, vêse em breve o que
ainda falta alcançar. Tratamentos interrompidos durante muito tempo cedem às
tendências de demora dos pacientes.
A minha técnica foi denominada erróneamente «análise breve». O tempo de duração
total do meu processo flexível muitas vezes não é mais curto do que o de uma
análise clássica prolongada e não interrompida. Mas, segundo as minhas
experiências, o número total de entrevistas fica bastante diminuído.
O meu princípio técnico principal consiste numa adaptação flexível a todos os
aspectos do tratamento, incluindo a frequência das entrevistas e o decorrer do
processo terapêutíco, que podem ser diferentes de paciente para paciente e são
imprevisíveis no
estado actual do nosso saber acerca da psicodinâmica.
Por isso, não aceito pacientes com uma prévia combinação de que o tratamento
será mais breve ou mais demorado ou que terá mais ou menos a forma da análise
clássica, mas decidome acerca disso durante o tratamento. Eu aceito os meus
pacientes para um tratamento que se baseia em princípios psicanalíticos, mas não
para uma forma de técnica determinada. Considero o
processo terapêutico como um processo de transacção extremamente complicado
entre terapeutas e pacientes, cujo decorrer depende de um grande número de
variáveis conhecidas e desconhecidas e por isso não pode ser cingido por
qualquer plano técnico preconcebido. Os pormenores técnicos têm de desen
volverse emp@ricanzente no decorrer do processo. O único quadro fixo é a
aplicação de princípios psicodinâmicos fundamentais, que provêm da teoria e
prática psicanalíticas.
lcámos a conhecer através dos exemplos destas duas terapias breves um processo
dirigido para um rompimento causado por uma concepção de vida determinada
neuróticamente, com o
que se abriu caminho a uma libertação da compulsividade e
sof rimento.
A finalidade da psicoterapia a longo prazo e além disso destinada a mudança de
estruturação é, como vimos no caso de Glen, a obtenção de novas posições de
valor que possibilitem uma realização mais profunda da vida.
e) O êxito da Psicoterapia
Expusemos nas últimas páginas com bastante pormenor os
processos da moderna psicoterapia. O leitor pode daí deduzir fàcilrnente a
grande importância que damos a estes processos apropriados para melhorar de
maneira outrora absolutamente impossível de supor o destino da nossa psique. O
leitor crítico poderá contudo perguntar: qual é a dimensão e até que ponto se
pode generalizar esse êxito?
Precedendo a resposta a esta pergunta, seguirseão as seguintes observações:
Os métodos de cura psíquica são pràticamente tão antigos como a humanidade. Mas
só neste século começamos a conhecer com alguma clareza o que fazemos
exactamente. Não há dúvida que todos os processos de cura, como expôs há pouco
Jerome Frank, se baseiam no facto de se exercerem influências sobre o paciente e
de se dirigir a ele um apelo em que podem entrar sugestões. Mas para além disso
começamos a ver nitidamente que na psicoterapia se trata de um processo em que
desempenham um papel relativamente grande tanto uma relação humana como
uma técnica, Como Hans Strupp mostrou num brilhante estudo empírico sobre
«Psicoterapeutas em acção», ambos os factores têm de ser aplicados numa
proporção correcta.
Os fracassos que ainda hoje são frequentes e que são hoje estudados por muitos
psicólogos que pretendem determinar a sua causa, explicamse em parte geralmente
pela má proporção na
aplicação daqueles dois factores. Os psicoterapeutas que são frios e se apoiam
exclusivamente na sua técnica têm de contar tão frequentemente com fracassos
como aqueles que operam exclusivamente com a sua personalidade, sem conhecerem
suficientemente a dinâmica da personalidade.
Se perguntarmos pelo êxito da Psicoterapia, temos de ter primeiramente em
consideração o que entendemos por êxito. Num estudo realizado por Werner Wolff
com 43 representantes das mais variadas escolas de terapia, o analista Sandor
Lorand diz por exemplo: «Qualquer psicoterapia faz bem. A questão é de saber até
que ponto. Muita coisa depende do material com que se trabalha». Ele expõe
depois como em alguns casos já considera como um êxito pequenas melhorias,
enquanto que noutros casos espera grandes modificações antes de poder falar de
êxito. Outros terapeutas exprimem a mesma opinião.
Tem especial interesse uma obra de Carl Rogers e seus colaboradores, em que se
analisam com critérios cuidadosamente definidos modificações de personalidade na
sequência de psicoterapia. Numa grande percentagem daqueles que se encontravam
há muito sob orientação psicológica verificaramse exteriorizações tanto no que
respeita o comportamento como na atitude para com os outros e na integração da
personalidade como um todo. Rogers utiliza um grupo de «contrôle» de indivíduos
que não estiveram em tratamento mas que foram testados e voltados a testar com
os mesmos meios dentro do mesmo espaço de tempo. O amadurecimento daqueles que
estavam em tratamento revelouse, no fim do mesmo espaço de tempo e com
segurança estatística, muito mais avançado do que o do grupo de «contrôle».
Rogers considera como o critério mais importante de maturidade interior a
capacidade de uma autopercepção realista, isto é, a capacidade de se ver a si
próprio tal como se é. Isto pode também exprimirse da maneira seguinte: a
psicoterapia educa no sentido de uma maior veracidade interior.
Rogers chama «orientação» ao seu processo, uma vez que não empreende nenhuma
terapia interpretadora. Oual é a diferença no que respeita ao êxito?
A questão, hoje muito discutida e que aqui se põe, é em que medida a veracidade
interior como tal é uma garantia de que uma pessoa, para além do
autoconhecimento, pode arranjar novas finalidades de vida e as pode realmente
seguir. Autoconhecimento é uma coisa, autoformação, outra.
Como a autora tentou mostrar no livro «Values in Psychoterapy» (Valores na
Psicoterapia), são necessários métodos profundos de mudança de estruturação,
isto é, métodos que penetrem até ao inconsciente, para afastar antigas posições
de valores e dar lugar a novas. Além disso são necessários outros processos hoje
ainda em germe, para obter impulsos eficientes para novas orientações de
finalidades.
Ainda não possuímos por enquanto métodos suficientes para alcançar adequadamente
esta mudança de estruturação. Podemos descrevêla segundo os casos e podemos
indicar quando a alcançámos e quando não. Uma das missões mais importantes da
investigação no futuro mais próximo é penetrar nos segredos dos processos pelos
quais se podem moldar e realmente também modificar as personalidades. Esta
investigação tem um significado decisivo não só para a psicoterapia, mas também
para a educação e formação da nossa juventude.
7. MÉTODOS ESPECIAIS DE PSICOTERAPIA
A Psicoterapia com crianças
Na psicoterapia infantil aplicamse por assim dizer os mesmos princípios que
valem para a terapia dos adultos, mas neste campo resultam problemas no que
respeita as técnicas a aplicar.
Já as primeiras analistas infantis, Melanie Klein e Anna Freud, se opunham neste
ponto uma à outra. M. Klein defendia a opinião de que na análise das crianças se
deveria proceder essencialmente segundo os mesmos princípios básicos que na dos
adultos, enquanto que A. Freud é de opinião que no tratamento das crianças se
deveria aplicar, ao lado de uma técnica analítica modificadora, ainda um método
educativo.
Duma maneira geral a psicoterapia infantil é montada em
situações de jogo. Brinquedos, assim como materiais em bruto, como sejam areia,
barro e água, são postos à disposição da criança para lhe dar ocasião de
exprimir com eles os seus sentimentos. Além disso, muitos terapeutas incitam a
desenhar, pintar e a outras actividades artísticas.
As actividades lúdicas e produções da criança têm uma dupla finalidade na
terapia infantil. Em primeiro lugar dáse à criança ocasião de manifestar os
seus sentimentos com uma liberdade quase ilimitada; em segundo lugar, os jogos
assim como os produtos feitos ou destruídos pela criança dão ao terapeuta a
possibilidade de compreender os problemas que inquietam a criança e, segundo as
circunstâncias e também conforme a posição teórica do terapeuta, de os
interpretar à criança.
No que respeita em primeiro lugar à expressão livre de sentimentos no jogo,
descobriuse cedo que ela é tão catártica como o verificámos anteriormente em
relação ao desabafo do adulto. David Levy serviuse com especial frequência
deste método para libertar uma criança de graves angústias, especialmente depois
de experiências traumáticas como acidentes, uma operação
36
265266 «Palhaço» e «macaco» desenhos de um criminoso de catorze anos, débil
mental. (De L. Bender: Child Psychiatric Techniques)
ou divórcio dos pais. Alguns terapeutas deixam à criança livre iniciativa no
jogo, enquanto que outros orientam a
actividade lúdica de modo determinado.
Clark E. Moustakas demonstra uma especie de terapia de jogo apoiada
essencialmente na actividade livre, em
que contudo se incita a criança a uma
expressao oral ao lado da manipulação, e o terapeuta se esforça por criar uma
relação positiva com a criança. O seu
2
livro sobre «Psicoterapia com crianças», proveniente da conhecida escola
MerrillPalmer, em Detroit, dános uma boa visão panorâmica sobre as mais
diversas situações e processos no tratamento de crianças.
Lauretta Bender recomendou espe
2:cialmente a utilização de actividades artísti as no decorrer das terapias
infantis. Do seu trabalho realizado durante anos com crianças esquizofrénicas,
psiquicamente gravemente defeituosas e outras gravemente perturbadas, no
Hospital de Bellevue de Nova lorque, resultou uma obra com exemplos didácticos
da importância tanto diagnóstica como terapêutica que tem a criação infantil com
os mais diversos materiais.
Reproduzimos aqui os desenhos de um débil mental de catorze anos, que desde os
onze anos assaltara lojas por duas vezes juntamente com outros rapazes, e que
exprimia a sua inimizade contra os seres humanos em desenhos de caricaturas de
cabeças.
Discutese dentro da terapia infantil o campo da interpretação. Muitos
especialistas opõemse a que se tornem conscientes às crianças os seus
sentimentos através de palavras. Outros, por sua vez, acham que se pode e deve
proporcionar à criança, do mesmo modo que ao adulto, embora numa linguagem ao
nível infantil, uma visão (Einsicht) dos seus problemas. Aqueles que tentam
explicar às crianças as suas motivações e reacções têm geralmente consciência da
dificuldade assim como da responsabilidade deste processo.
Assim, Rudolf Ekstein, um analista infantil experimentado e
subtil, ocupouse com especial pormenor da questão da interpretação correcta.
Pela deficiência de comunicação verbal, não se
pode ter sempre totalmente a certeza de interpretar correctamente os fenómenos
inconscientes da criança. Como exemplo de uma
interpretação que alcança o contacto limitado possível a uma
criança, apresentamos o caso de Ted.
Ted, um caso limite de 10 anos, isto é, um caso que era considerado quase, mas
não ainda totalmente, esquizofrénico, estava em tratamento com J. Wallerstein,
colaboradora de Ekstein. Ambos relatam o seguinte jogo, que Ted repetidamente
sugeriu.
A terapeuta devia colocarse no meio do recreio da escola e não se podia mexer,
enquanto a criança corria a uma velocidade louca de um extremo do pátio para o
outro. Ted impunhalhe a
tarefa de adivinhar a sua fantasia secreta (a que ele chamava zona secreta)
naquela fracção de segundo em que ele passava por ela. A regra deste jogo, e que
deveria ser rigorosamente observada, consistia em que a criança deixaria cair a
bola que segurava se a terapeuta tivesse adivinhado. No caso de ela não
adivinhar, ele continuaria a correr com a mesma velocidade, e darlheia de cada
vez uma única oportunidade, um único aceno, um único segundo para adivinhar o
segredo.
Nos casos raros em que a terapeuta conseguiu cumprir esta invulgar condição e
adivinhar o segredo, a criança sentiase viAvelmente aliviada durante o resto da
sessão.
O jogo revela uma imagem exacta do sentimento de Ted, da sua quase total
incapacidade de criar uma relaçã o com outras pessoas, de tal maneira que só se
conseguia ajudálo mediante uma intervenção mágica, quiçá à maneira que
conhecemos dos filmes em que a heroína é salva, no último momento por um
milagre, de um perigo ameaçador.
Os exemplos apresentados na literatura acerca de interpretações que são
fornecidas às crianças oscilam entre grandes extremos.
Melanie Klein, por exemplo, publicou há pouco tempo um
livro sobre a análise coroada de êxito de um rapazinho de dez anos, Richard, ao
qual explicou logo na primeira hora o seu medo de que a mãe fosse de noite
assaltada e roubada como sendo o medo de que o pai pudesse fazer algo de mal à
mãe durante a
noite. Depois explicou que ele talvez receasse que na cama acontecesse entre os
pais, com os seus órgãos sexuais, alguma coisa que pudesse ferir a mãe. M. Klein
conta que Richard reagiu a
estas assim como a outras interpretações inicialmente assustado, mas que depois
pareceu aceitálas.
Ao contrário disto, outros terapeutas ou não fornecem nenhumas interpretações,
como se vê nos estudos de Moustakas, ou então interpretações muito cuidadosas e
poucas. Como exemplo mencionaremos um caso que foi tratado com êxito por PhyIlis
Blanchard, numa clínica orientada por Frederick Allen. É o caso
de Henry, de nove anos, que entrou numa clínica infantil devido a uma
perturbação de linguagem e também por causa das suas dificuldades nas suas
relações com outras crianças.
Só a partir da décima entrevista a Dr.a Blanchard começou com a interpretação de
que ele talvez gostasse de ser Superman (o «superhomem» dos «comics» e filmes
americanos) para poder fazer mal àqueles que odiava. Noutras raras
interpretações indicou que naquele dia ele se portava tão bem porque receava
que ela pudesse ficar zangada com ele; que ele sentia que as outras crianças
não gostavam dele; que ele pensava que ninguém poderia gostar realmente dele,
mesmo talvez a sua terapeuta, por ele ser
mau. Mas que ele não deveria recear tal coisa.
Paralelamente ao tratamento da criança mantiveramse, como
acontece muitas vezes, conversas com a mãe, à qual se explicou como contribuía
para as dificuldades do filho e como em vez disso o poderia ajudar.
Para os pais da nossa época, pareceme extraordinàriamente importante que
conheçam a evolução dos medos inconscientes nos seus filhos e que tomem contacto
com o moderno pensamento psicológico no campo da terapia infantil. Aliás, hoje
empregase muito com crianças e mais ainda com jovens a terapia de grupo, da
qual ainda falaremos.
Hipnose, treino autógeno e terapia pela música
A hipnose pertence aos métodos mais antigos da psicoterapia. Designase por
hipnose (derivado da palavra grega para sono) um estado semelhante ao do sono,
produzido artificialmente, em
cuja produção desempenha um papel importante a sugestão. Existe tanto a hipnose
«estranha» como a «auto»hipnose.
Depois das célebres e mal afamadas curas de Mesmer, em
que este se serviu do método a que ele próprio chamou «mesmerismo», a expressão
hipnose foi primeiramente usada por J. Braid em 1843. Foi sobretudo o famoso
psiquiatra francês J. Charcot quem desenvolveu a hipnose como uma técnica séria.
Foi com ele que Freud aprendeu. A hipnose foi estudada pelos psicólogos em
muitas experiências, desde os anos 20 do nosso século.
267 Os pacientes de Mesmer sentavamse numa sala escura à volta de uma selha
cheia de água e lâminas de ferro, da qual saíam barras de ferro. A estas
apoiavamse as partes do corpo doentes. Soava música, Mesmer entrava, punha a
mão sobre os doentes ou tocavalhes com a sua vara
e curava assim, como dizia, mediante «magnetismo animal»
Hoje a hipnose é uma técnica reconhecida, utilizada para produzir distensão e
repouso. Também a aprendem cada vez
mais os dentistas, ginecólogos e outros médicos para desconectar as dores em
operações da boca, partos, depois de queimaduras e
em outras ocasiões.
Os psiquiatras e psicólogos utilizam frequentemente a hipnose em conexão com a
psicoterapia, quando se trata de determinados problemas como a recordação de
vivências infantis remotas, ou
de se conseguir uma distensão total.
Um método desenvolvido sistemàticamente com o fim de conseguir uma distensão
total, e que está extraordinàriamente difundido especialmente na Europa, é o
treino autógeno de J. H. Schultz. Consiste numa técnica de autohipnose, que se
aprende por meio de exercícios.
Schultz delimita o seu método em relação aos sistemas psicoterapêuticos que
modificam a personalidade designando o «grau inferior» do treino autógeno como
um processo de exercício e de mudança que vai «desde a cultura física até ao
tratamento da febre e leucotomia» (entendendose aqui por «leucotomia» uma
separação psíquica entre as realizações motoras e espirituais superiores e os
afectos provenientes das camadas inferiores do cérebro, separação essa análoga a
uma operação cirúrgica do cérebro). Ao «grau superior» chama uma submersão que
implica um confronto imediato com o mundo interior. Nesta submersão ensina uma
«instrução de posição» que, baseandose nas suas
experiências, se adequa a permitir que as pessoas se desenvolvam desde a
autocompreensão até à autorealização.
O próprio Dr. Schultz formulou amàvelmente os êxitos conseguidos com o seu
método, pelas seguintes palavras:
«No grau inferior, o treino autógeno proporciona repouso àqueles que fazem
regularmente os exercícios (assim muitas pessoas, treinadas por outras razões,
anunciam passados alguns meses que já não são capazes de se arreliar); além
disso, uma
rápida possibilidade de restabelecimento (assim, o Dr. Hannes Lindemann, um
jovem médico, pôde com a sua ajuda atravessar o Atlântico sãzinho durante 72
dias e noites num pequeno barco desmontável, de fabricaçã o em série); domínio
de funções habitualmente «arbitrárias» (assim, um desportista soterrado a 300 C
negativos debaixo de uma avalanche de neve, com a ajuda do grau inferior,
mediante mais forte irrigação sanguínea das orelhas, nariz e dedos dos pés e das
mãos, que ele próprio activava, preservouse dos enregelamentos que atingiram
todos os seus
camaradas); aumento de resistência contra constipações é frequentemente relatado
(como por exemplo da clínica de Ernst Kretschmer), autodeterminação automática
através de «formações de propósitos em fórmulas» (uma professora de 46 anos,
treinada com êxito por causa de graves perturbações da menopausa, com
os mais graves e justificados complexos de inferioridade em
todos os campos essenciais da vida, e com uma correspondente posição de
recalcamento desencorajado, atingiu com a fórmula «Eu represento o meu direito»
uma modificação total da sua
atitude para com a vida e o mundo ambiente).
A grande importância psicohigiénica do treino autógeno foi valorada, fora do
nosso círculo de trabalho, especialmente pelo Professor Heinrich Meng, de
Basileia, o primeiro professor universitário desta cadeira.»
Schultz é de opinião que o seu método só pode ser utilizado por médicos e no
grau superior por psiquiatras de formação psicanalítica.
Um método relacionado com o treino autógeno é a terapia pela música,
desenvolvida por Hildebrand Teirich, que aliás também é usada noutros sítios e
sem esta ligação com uma técnica de hipnose. Também o Dr. Teirich me forneceu
amàvelmente um breve resumo do seu processo.
O método por ele desenvolvido liga o treino autógeno com
a música:
«Depois de terminar o treino autógeno realizado em comum, o paciente fica
deitado distendido no sofá e élhe transmitida música. Isto acontece de uma
maneira especial: o paciente não
só ouve a música mas sentea também’ pois as vibrações do som irradiam,
através de uma instalação especial, do sofá para a região do «plexus solaris»
esta é a rede da cavidade abdominal ou rede solar, o mais poderoso sistema
reticular do sistema neurovegetativo com o que se produz um aumento de
irrigação sanguínea e de aquecimento altamente desejável no treino autógeno,
produzindose um estado invulgarmente agradável que pode levar até ao transe.
Por razões científicas só se transmitem os seguintes discos: a Tocata e Fuga em
ré menor de Bach (em órgão), pois aqui estão especialmente acentuados os baixos,
que exercem um efeito especial sobre o sistema vegetativo, e visto que a música
desta espécie impulsiona fortemente associações e imagens interiores. Nas
pessoas eidèticamente dotadas, isto é, naquelas que pensam em imagens, mostrou
se eficiente a «Moldávia» de Smetana, visto que aqui se exprime especialmente
bem a sensação de «fluir» que, como se sabe, aparece também na vivência da
distensão.» (0 Dr. Teirich acentuou que não acreditava que determinada música
fosse especialmente eficaz em determinados doentes mas os discos aqui
mencionados revelaramse eficientes no modo peculiar da sua clínica).
Um produto acessório do método são quadros que os pacientes pintam sob a
influência da música. O paciente tem a possibilidade, a seguir ao treino
autógeno, de ficar ainda na sala de espera (onde se encontra sàzinho) e de
desenhar as imagens interiores que lhe ocorreram durante a vivência de
distensão, ou pode levar para casa o disco ouvido ou cores especiais estas são
constituídas por potezinhos de cores que possibilitam a pintura directamente com
os dedos, ou giz de óleo ou coisas parecidas, e aí criar imagens. Alguns
quadros realizados sob a
influência da música revelam aliás uma certa parecença com aqueles que Walt
Disney representou outrora em «Fantasia».
Psicofarmacologia e terapia de choque
Enquanto que as técnicas de hipnose são hoje utilizadas em diversos aspectos
pelos psicólogos, as terapias de choque e farmacológicas são do domínio
exclusivo do médico. Em muitos casos, contudo, em numerosas clínicas assim como
na clínica particular, encontramos médicos e psicólogos em estreita colaboração,
encarregandose o médico do tratamento médico e o psicólogo do tratamento
psicoterapêutico de um caso.
Na terapia de choque dáse em altas doses insulina ou cardiazol, ou fazemse
incidír correntes eléctricas sobre o cérebro
(electrochoque). A terapia farmacológica trabalha com produtos farmacêuticos, a
que se dá o nome de psicofá rmacos.
Aliás discutese ainda muito a questão se será aconselhável a aplicação destes
meios físicos de tratamento quando se trata de doenças psíquicas, isto é,
mentais.
Por um lado, a solução da questão depende em grande parte da interpretação
teórica da génese das doenças psíquicas. Neste ponto, os especialistas
convencidos do papel preponderante da hereditariedade opõemse decididamente
àqueles que dão a primazia às causas psicogénicas. Um excelente representante do
primeiro grupo é o psiquiatra norueguês Gabriel Langfeldt, que há pouco
apresentou sistemàticamente os princípios da psiquiatria escandinava. Ele
acentuou no seu relatório o enorme interesse dos factores constitucionais nas
doenças mentais e salienta que uma psicoterapia de longa duração não é aplicada
frequentemente na Escandinávia. Ele dá um valor limitado à psicanálise e cita
outros psiquiatras escandinavos que são da mesma opínião. Parece que, pelo
contrário, aqui se preferem métodos de medicação.
O conhecido psicanalista Lawrence S. Kubie exprimese, pelo contrário bastante
cèpticamente acerca do valor da psicofarmacologia. Fálo em conexão com um
excelente e recente relatório de investigação sobre «Medicamentos e
comportamento» (Drugs and Behavior), que acaba de ser publicado por L. Uhr e J.
G. Miller. Kubie vê apenas uma utilidade muito limitada na aplicação de drogas,
que realmente dão resultados imediatos onde estes são urgentemente necessários,
mas cuja capacidade de modificar realmente a personalidade humana ainda é por
enquanto contestável.
E este é o verdadeiro problema: em que consistem os efeitos reais de tais
medicamentos? «De modo nervoso» diz F. Bello em
1957 num estudo sobre Tranquilizer (também se chama a estes sedativos de efeitos
calmantes e distensores Atarácticos), «de modo nervoso os Estados Unidos entram
numa nova era, na era da modificação da personalidade humana mediante meios
químicos». No volume publicado por Uhr e Miller, um grande número de
colaboradores analisa os efeitos produzidos por drogas; este vasto trabalho
sobre os produtos farmacológicos, só desde há cerca de vinte anos usados na
psiquiatria, mas cada vez em maior número, esclarecenos acerca do enorme
âmbito, assim como da grande complexidade dos fenómenos de que aqui se trata.
Mas visto que, como geralmente se sabe, estes medicamentos se destinam em
primeira linha ao tratamento de perturbações psíquicas e emocionais graves, não
há nenhuma razão para lhe
dedicarmos dentro do quadro da nossa exposição qualquer tratamento
pormenorizado. Como salienta H. E. Himwich numa das suas contribuições à obra de
conjunto mencionada, certos atarácticos revelaramse temporàriamente eficazes em
estados de angústia e tensão, em. que tanto podem cair os neuróticos como as
pessoas normais. Mas muitos pacientes preferem passar sem
«Muletas» desta espécie.
A terapia de grupo
A terapia de grupo pertence hoje aos métodos especiais com
mais êxito e contase entre os mais populares. De facto ela evoluiu em tal
medida no sentido dum método principal, que muitos terapeutas a utilizam
simultâneamente com a terapia individual ou até se dedicam mais ou menos
exclusivamente à terapia de grupo.
Apesar de ser a forma mais moderna do tratamento psicoterapêutico, a terapia de
grupo tem uma préhistória longa e
interessante que G. Bach e H. Illing há pouco apresentaram. Nas suas duas
principais formas actuais, a terapia de grupo foi criada por um lado por J.
Moreno já em 1923, e por outro lado por P. Schilder e L. Wender. S. R. Slavson
publicou o primeiro manual em 1937.
Antes de estudarmos estas variantes, teremos de determinar primeiramente o que
se deve entender por terapia de grupo. Tal como o nome indica, a terapia neste
processo é realizada no
grupo e em grande parte pelo grupo.
A muitos que ouvem isto, parecerá absurdo especialmente o último aspecto. Como é
que leigos, como é que pacientes podem tratarse uns aos outros? É claro que só
o podem dentro de certos limites e dentro de grupos que actuam construtivamente
em conjunto. Por isso a orientação por um especialista habilitado é condição
prévia para um avançar mais profundo nos problemas dos membros isolados do
grupo. Os grupos hoje em muitos sítios formados por alcoólicos, viciados de
pílulas e de estupefacientes e outros, que se uniram com o fim de se ajudarem a
si próprios, relatam acerca de resultados favoráveis mas que se
limitam essencialmente ao domínio de vícios ou compulsividades específicas.
O grupo normal que trabalha sob a orientação de um psicólogo ou psiquiatra é
constituído por seis a doze componentes que se sentam em círculo e discutem
livremente problemas. Alguns terapeutas preferem trabalhar em grupos muito
pequenos de três ou quatro pacientes, outros com grupos muito grandes
que podem chegar até 60 pacientes. A maioria dos membros de grupos em média
grandes encontramse ao mesmo tempo em tratamento individual com o mesmo
terapeuta.
A escolha dos componentes de um ou outro grupo, ou da participação na terapia de
grupo, é realizada pelos diversos terápeutas segundo pontos de vista diferentes.
Muitos tomam em
consideração até certo grau, além da gravidade da perturbação existente, também
a espécie de problemas do paciente, assim como a idade, a classe profissional,
etc.
A discussão, que na maioria é impulsionada pelos componentes, desenvolvese sem
constrangimento. O carácter da orientação varia com a orientação teórica assim
como com a
personalidade do terapeuta. Analistas e não analistas poderão influenciar os
fenómenos nos seus grupos de modo diferente, de acordo com os princípios que
aplicam também na terapia individual.
De acordo com a natureza da coisa, os grupos prestamse melhor para o estudo
daqueles problemas que dizem respeito às relações humanas recíprocas. Ao
contrário da terapia individual, na qual o paciente apenas pode fornecer um
relato acerca das suas relações para com os outros, o grupo oferece ao paciente
tal como ao terapeuta ocasião para ver em plena acção a personalidade social de
todos. As declarações abertas e recíprocas, as
reacções de cada um sobre os outros indivíduos, assim como sobre o grupo como
todo, trazem à luz posições sociais e em
grande medida também sexuais, tal como não é possível em
nenhuma outra situação. A tolerância mútua que os membros do grupo adoptam
porque todos sabem que também eles têm defeitos, o sigilo dos segredos dos
componentes como segredo do grupo, que por sua vez está garantido pelo facto de
todos estarem do mesmo modo interessados na discussão tudo isto torna o grupo
um instrumento único de auxílio mútuo.
Alguns exemplos darnosão da maneira mais rápida uma
ideia daquilo que se passa na terapia de grupo.
O primeiro grupo começa com o problema agudo de um
participante que está às portas de um exame. Alfred, que já encontrámos
repetidas vezes, um jovem engenheiro trabalhador e hiperconsciencioso, tenciona
fazer o seu doutoramento. Ele abre a sessão falando das suas eternas
preocupações.
ALFRED: Tenho um problema: Preocupome sempre demasíado. Sou um autêntico
inventor de preocupações. Não sei como
é que isso começou nem quando. Mas de momento tornaseme insuportável. Tortura
me. Sempre tive preocupações, na escola
e no College. Mas agora é pior que nunca. E agora tenho um
medo desnecessário de não conseguir estudar tudo até ao exame.
JOHN: Trabalha com a intenção de alcançar a perfeição? ALFRED: Sim, sempre.
GRACE: Sente que'realiza menos do que corresponde às suas capacidades?
ALFRED: Sim, em todo o caso criticome conúnuamente e digo a mim próprio que
poderia fazer melhor.
JOIIN: É a sua família que o incita, ou é a pressão da sociedade?
ALFRED: Não, a pressão vem de mim próprio. Talvez a razão esteja em eu esperar e
ter esperança de me encontrar a mim próprio através das realizações, como já
vimos anteriormente.
MARK: É que você espera demasiado de si próprio. A mim também me acontece isso
frequentemente. Ou talvez não esteja no ramo que lhe competiria?
ALFRED: Não, não creio. Eu não daria noutras profissões. Mas eu também me estou
constantemente a preocupar com outras coisas. Por exemplo com o meu automóvel. E
com assuntos financeiros. E com problemas sociais.
BARBARA: Quais são as suas preocupações com problemas sociais?
ALFRED: É que não me adapto de maneira nenhuma a qualquer forma de
sociabilidade. Resolvi simplesmente pôr isso de parte.
PHYLLIS: Tem receio que as raparigas não queiram sair consigo?
ALFRED: Eu saio por vezes. Mas não me sinto bem quando o faço. Antes da minha
terapia nem sequer saía. Agora saio, mas
receio ser repelido.
Nesta sessão, que é em grande parte dedicada a Alfred, colabora a maioria dos
membros do grupo. A interferência posterior da terapeuta leva Alfred a
relacionar as suas contínuas preocupações com a sua relação para com a mãe, que
já expusemos (pág. 138). A sua decisão precoce de «nunca cometer um erro>@
tornalhe a vida cada vez mais insuportável. Discutese a
questão da superação deste perfeccionismo.
A sessão de um grupo dirigido por George Bach decorre de modo parecido. O texto
encontrase no seu livro sobre «Terapia de grupo intensiva», muito difundido.
O pretexto foi a partida em viagem da mãe de um dos membros femininos do grupo.
A atitude inamistosa desta para com
a mãe, acompanhada de complexos de culpa para com ela, levam
a uma, discussão sobre a atitude de diversos outros componentes do grupo para
com as suas mães (F referese a participantes femininos, M referese a
participantes masculinos).
HF: Eu não posso compreender EF. BM: O que é que não pode compreender? Que a
mãe a enerve?
HF: Não, que ela não queira ter a mãe em casa. EF: Ela sente que se trata de
uma horrível rejeição da mãe. TERAPEUTA: Se a sua mãe fosse ainda viva quereria
que ela vivesse consigo?
HF: Sim. EF: Não, você não o quereria. Você dizia antigamente que não queria
viver com a sua irmã, e essa é uma situação muito parecida.
TERAPEUTA: Interessalhe muito a posição de LIF? EF: Sim, interessame muito.
TERAPEUTA: E o que se passa consigo própria? EF: Eu tenho o mesmo problema que
ela exactamente. E só tenho uma solução, a solução que a minha mãe impõe. E eu
não
posso fazer nada.
GM: Porque é que não quer a sua mãe em casa? EF: Porque não nos entendemos.
GM: Porque não? EF: Ela está sempre a dizerme o que heide fazer ou deixar
de fazer.
AM: Ora, essa é exactamente a situação em que me encontro também. Todos
aqueles cuja mãe vive nas proximidades estão nessa situação. As nossas mães não
se conseguem nunca desabituar de nós.
Ao tratar de problemas agudos ou também crónicos que são comuns às pessoas ou em
que elas se podem entender reciprocamente, ajudamse mútuamente na procura de
melhores soluções ou pelo menos em se sentirem aliviados acerca das suas
preocupações e remorsos.
Muitos terapeutas têm grupos com continuidade, que se
mantêm durante anos; deles vão saindo aqueles que terminaram
a sua terapia e no seu lugar vãose admitindo novos participantes. Por vezes
iniciase um grupo exclusivamente com participantes novos, e neste caso revelam
se muitas vezes de início inibições. Estes receios daquele que entra numa nova
relação social são aproveitados imediatamente por um terapeuta hábil mediante
interpretações a favor do processo. Raymond Corsini dános um
bom exemplo no seu valioso livro «Métodos da terapia de grupo».
O terapeuta explica a modo de introdução a finalidade e a maneira de trabalhar
da terapia de grupo. Depois convida o
grupo, composto de três membros masculinos e três femininos, a começar a
discussão.
TERAPEUTA: Quem'quer começar? A: Parece que ninguém quer começar. TERAPEUTA: É
difícil começar. Todos esperam que seja um
dos outros a fazêlo. Isto ensinanos que somos todos iguais a ter medo de novas
situações. Mas talvez não seja um acaso que tenha sido o senhor, senhor A, a
falar primeiro. O que é que isso poderá significar?
A: Eu sou um pouco impulsivo. É típico da minha pessoa ser eu a tomar a
iniciativa. E, na realidade, é esse um dos meus problemas... Eu creio que às
pessoas não agrada que eu seja tão agressivo.
X: No entanto, eu creio que neste caso agiu muito bem. Ninguém queria dizer nada
e o facto de você ter começado provocoume uma sensação agradável. Você quebrou
o gelo.
A: Mas um quebragelos sofre muitos danos, e por vezes fica preso no gelo.
A observação do terapeuta está de tal maneira concebida que um dos participantes
imediatamente tem ocasião para uma autoobservação. Esta é naturalmente apenas
uma das técnicas possíveis que o terapeuta pode escolher. Neste caso tratase de
um terapeuta muito activo.
Até aqui tratámos apenas a forma de discussão da terapia de grupo. O psicodrama
introduzido genialmente por J. Moreno representa uma segunda forma que alguns
terapeutas utilizam entrelaçada na discussão, outros como método à parte.
O psicodrarna, também chamado representação de papéis, consiste em participantes
de grupos representarem certas cenas
em que apresentam os seus problemas. Moreno construiu em
Nova Iorque um teatro próprio para a terapia psícodramátíca. Ele utiliza
assistentes a que chama «0 outro Eu» (alter ego) e que estão treinados para
fazer sobressair outros aspectos do Eu e dos conflitos. A experiência mostra que
nestas representações se avivam mais fortemente as emoções do que na simples
discussão, e que assim se tornam nítidas muitas coisas que anteriormente não
eram claras para ninguém.
Assim, por exemplo, num dos meus grupos, um jovem que se queixava que as
raparigas depois de um ou dois encontros já não queriam voltar a sair com ele,
compreendeu claramente a razão dessa recusa, quando se representaram as cenas no
grupo: Viuse que nunca se preocupava com os desejos da rapariga,
mas era ele que determinava tudo o que haviam de empreender juntos, onde haviam
de comer e mais coisas análogas.
O método do psícodrama é muito especialmente apropriado para crianças e jovens,
cujo tratamento em grupos é considerado geralmente extraordinàriamente coroado
de êxito.
A Dr a Zelda Wolpe, psicóloga infantil de grande experiência, pôs amàvelmente à
minha disposição uma cena dramática cuja representação foi levada a cabo por um
grupo de jovens de doze a dezasseis anos.
Serena, um dos membros mais velhos do grupo, falava da maneira como o pai a
fazia infeliz muitas vezes. Ela explica o seu conflito: que por um lado ama
muito o pai e o considera um homem admirável, mas que por outro lado ele deixa
recair sobre a família as suas próprias frustrações, especialmente quando volta
do escritório arreliado e cansado.
TERAPEUTA: Vamos representar a cena. Serena representase a si própria, Joan é a
mãe e Bruce o pai (os três retiramse um
momento para combinarem a cena).
«PAI» (entra): Serena, deixaste um bocado de papel em cima da relva; isso não dá
bom aspecto à frente da casa. Se eu voltar a ver isso, zangome a valer. Talvez
penses que se exige demasiado de ti.
SERENA: Lá estás tu com as tuas observações amáveis. Eu própria gosto de ver
tudo bonito e não penso que exigem demasiado de mim. Porque é que tens de estar
sempre a dizer essas coisas desagradáveis, Papá? Então atirame à cara um
bocado de papel É sempre assim, nem sequer posso falar contigo, digo eu.
«PAI»: Cala a boca. SERENA: Nunca posso dizer nada. É como se eu não fosse nada.
«MÃE»: Tu não devias vir para casa, Greg, para descarregar as tuas arrelias
sobre a tua filha.
SERENA: Então começo a chorar e vou para o meu quarto ... Choro por causa
do meu próprio desespero perante esta tirania ...
CHR1SSIE: É exactamente como o meu pai, sómente que não me atira nada à cara.
Ele divertese à minha custa, é sarcástico. Às vezes era capaz de o matar.
SERENA: Eu grito: «Odeiote». E apesar disso compreendo o
seu comportamento é que ele tem muitos problemas neste momento...
Originàriamente havia em muitos casos na terapia de grupo a ideia que este
método era recomendável porque tornava mais suportável económicamente a um
grande número de pessoas a
participação na terapia, e assim tornava acessível a psicoterapia a muito mais
gente. Hoje, contudo, todos sabem que independentemente de questões económicas
a terapia de grupo tem um valor insubstituíve 1.
O método difundese num número crescente de variações. Aplicase na orientação
matrimonial e familiar, entre empregados e administradores, em clínicas, prisões
e outras instituições. No capítulo final chamaremos ainda a atenção para o seu
valor como
método de educação.
O Dr. George Bach relata num resumo que há pouco pôs ao meu dispor, que hoje nos
Estados Unidos participam cerca de
20 000 pacientes em grupos de terapia e que cerca de 1500 psicoterapeutas de
grupo pertencem a associaçõ es profissionais.
O movimento é absolutamente internacional e os seus representantes pertencem às
mais variadas escolas psicológicas.
Na Europa o maior interesse pela terapia de grupo deve encontrarse em
Inglaterra. São conhecidas as obras de W. R. Bion, H. Ezriel e H. S. Foulkes. Na
clínica de Tavistock em Londres fazemse experiências com diversos métodos de
grupo.
No círculo de língua alemã deve ser H. Teirich o mais conhecido representante do
método. Também em outros países europeus se pratica cada vez mais a terapia de
grupo.
XIV A psicologia industrial
Como todos os ramos da Psicologia, também a psicologia industrial se desenvolveu
extraordinàriamente. Faremos em seguida uma curta exposição sobre dois dos
campos mais importantes, a psicologia de empresa e a psicologia de mercados. Se
este capítulo é relativamente curto em oposição ao anterior, «As profissões de
assistência», isso explicase pela finalidade deste livro: ele pretende chamar o
mais possível a atenção para o significado eminente da Psicologia no âmbito de
todos os campos da vida da nossa época, contudo a sua missã o principal consiste
em fazer ressaltar aquilo que podemos aproveitar da psicologia moderna para a
nossa vida pessoal. Neste sentido, a psicologia industrial tem um interesse mais
especializado do que um interesse humano geral. Apesar disso, também neste campo
tem muita importância a nossa orientação actual de vida. Tratase da atitude em
relação ao homem, pondose totalmente de parte o tratamento do homem como uma
máquina de trabalho, que apareceu originàriamente na época industrial.
1. A PSICOLOGIA DE EMPRESA
«No princípio», assim diz Arthur Mayer no seu capítulo de introdução à grande
obra «Psicologia de Empresa», editada por ele e por B. Herwig, «a técnica
ganhara um prestígio tão inabalável, que se julgava poder resolver todos os
problemas económicos, sociais e humanos mediante a aplicação das suas leis e
ordens».
Assim, no início do nosso século falavase da psicologia aplicada na empresa
como da ciência da Psicotécnica. A teoria e a prática daquela época estavam sob
a alçada daquilo a que se chamava o «Taylorismo», isto é, a ideia de uma
«organização científica do trabalho» e de uma «orientação científica da
37
268 «Room for understanding» «Sala da compreensão» numa empresa moderna: a
psicologia de empresas pretende fomentar as relações do homem que trabalha para
com os seus companheiros de trabalho e para com a
empresa
empresa», concebida por Frederick W. Taylor. Esta pretendia colocar os operarios
como «indivíduos se. ... .. rados» no lugar mais adequado pa
para eles, a fim de alcançarem o
seu máximo de realizações. Mas o
que Taylor, cujas obras principais apareceram em 1903 e 1911, não viu foram os
aspectos sociais do trabalho humano. A realização e a
satisfação dela resultante foram encaradas por ele sem compreensão para com os
mais importantes .. ........... motivos humanos.
Mayer chama a atenção para o facto de os problemas sociais que apareceram já no
início da industrialização terem sido considerados durante muito tempo como
«questões de assistência e beneficência social e política». Só a pouco e pouco
se percebeu que são extraordinàriamente importantes as relações do homem
trabalhador para com os seus companheiros de trabalho e para com a empresa.
Especialmente os famosos estudos Hawthorne, que se realizaram na Western
Electric Company em Chicago, e
cujos resultados foram interpretados por Elton Mayo, Roethlisberger e outros,
mostraram que o mais importante para o comportamento no trabalho são as relações
interhumanas em grupos «formais» e, ainda mais, « informaís». Mayo verificou
que enquanto a capacidade de realização da humanidade tem aumentado
confinuamente de há 200 anos para cá, durante o mesmo período de tempo a
capacidade humana de trabalho em conjunto tem diminuído continuamente.
Estas e outras investigações chamaram a atenção dos psicólogos para a estrutura
social da empresa. Como factores decisivos devem referirse sobretudo o grupo de
trabalho e a orientação da empresa.
Os pequenos grupos informais de trabalho representam, como dissemos, «ilhas
humanas» dentro da estrutura de organização técnicoformal da empresa
industrial. Como já revelaram
os estudos Hawthorne e mais tarde outras observações, o grupo informal de
trabalho tem uma influência decisiva sobre a moral de trabalho, a produtividade
e a satisfação individual. As normas de comportamento e a prática do trabalho
dependem igualmente do modo e grau do trabalho em conjunto dentro destes grupos.
As observações originàriamente feitas em empresas industriais ainda hoje são
consideradas válidas também para escritórios e serviços administrativos.
Os grupos de trabalho são um factor importante, embora não sejam o único que é
decisivo para condições de trabalho favoráveis. Para além da influência da vida
do grupo tem importância todo o conjunto da organizaçã o de uma empresa, e
especialmente o modo de orientação representa um segundo factor de grande
influência.
Como escreve E. Lõssl num capítulo do manual citado, dedi cado à «organização
do pessoal» na empresa, outrora parecia suficiente uma «cooperação espontânea»
para dominar as limitadas necessidades de organização. Hoje existe em seu lugar
o
management. RechIer designa como função do «management» o
«planeamento, contrôle, previsão, coordenação, realização de ideias,
ensinamento, orientação e entusiasmo de pessoas».
Na organização do pessoal assim como na direcção do trabalho em grupo há então
diversos estilos de chefia. Em experiências, compararamse, no que respeita o
seu êxito total, a
chefia «democrática» e superiores «orientados no sentido do operário», com
superiores «autoritários» e «orientados no sentido da produção», e verificouse
que os primeiros tinham mais êxito.
Aquilo a que D. Cartwright chamou «chefia comum» revelase humanamente bastante
satisfatório. Tratase de uma forma de organização em que o operário participa
na chefia da empresa.
Na formação do «management» americano dáse, ao lado do factor da organização,
especial atenção ao factor da relação pessoal entre superiores e empregados,
isto é, operários. Muitos dirigentes de empresas frequentam hoje cursos
psicológicos para adquirirem formação de sensitividade social. Neste treino de
sensitividade estudase, normalmente em forma de representações de papéis de
tipo psicodramático, o efeito da própria personalidade sobre os outros e
analisase a acção recíproca das diversas pessoas umas sobre as outras. E assim
se pode demonstrar pràticamente qual a espécie de chefia que é realmente eficaz.
Se a moderna direcção de empresas procura assim estruturar os factores sociais
do trabalho dentro do quadro de organizações de maneira humanamente
satisfatória, por outro lado a psicologia do trabalho pretende desenvolver a
estrutura do trabalho
mediante condições de trabalho e métodos de trabalho favoráveis, assim como
através de auxílio na escolha profissional e
formação profissional, tornandoo uma ocupação que satisfaça o indivíduo.
Os estudos extraordinàriamente vastos dentro do campo da psicologia do trabalho
estendemse, de acordo com isso, tanto às questões das condições psicofísicas
mais favoráveis do lugar de trabalho, horas de trabalho, descansos, dados
climáticos e muitos outros, como à questão de aptidão profissional, escolha
profissional, formação profissional e muitas outras coisas parecidas.
A questão é saber o que significam estas vastas investigações para a vida do
homem moderno. A psicologia industrial actual vê e estuda evidentemente o
trabalho nos seus dois âmbitos fundamentais: no seu significado para a evolução
pessoal do indivíduo e para a estruturação do decurso da sua vida, assim como
no seu significado para o papel social do indivíduo e para a estruturação da sua
inserção social. O resultado provisório pareceme ser que o aumento dos
conhecimentos nos dão a possibilidade de ter em maior conta a motivação
individual no que respeita ao
trabalho, que estamos em condições de ajuizar melhor as capacidades e as
condições para determinadas actividades, e que podemos ter melhor em
consideração os factores de satisfação social assim como os de pressã o social.
Outro progresso importante é o facto de cada vez mais se tratarem clínica e
psicológicamente os problemas e conflitos de indivíduos e grupos que trabalham.
Assim, se continuar a desenvolverse a psicologia de empresas, tão jovem ainda,
podemos esperar que consigamos estruturar o
trabalho de modo a tornálo cada vez mais um factor de vida mais positivamente
vivido e mais construtivo também para as grandes massas daqueles que ainda hoje
estão em grande parte insatisfeitos.
2. A CUNHAGEM PROFISSIONAL DA PERSONALIDADE
NO AMBITO DA EMPRESA
Entre os estudos psicológicos modernos mais interessantes encontramse, a meu
ver, aqueles em que se analisa a cunhagem de personalidade formada através da
actividade profissional.
Já tivemos ocasião de ver o que significa cunhagem quando estudámos o problema
do desenvolvimento humano. H. Thomae, assim como P. Hofstãtter, consideram a
cunhagem sobretudo como resultado de um processo natural de aprendizagem,
através do qual o indivíduo, no decorrer da sua vida, se fixa a pouco e pouco em
determinados padrões de comportamento.
Nos modernos estudos profissionais mostrase agora como
o homem que trabalha e justamente tanto aquele que trabalha nas organizações
de indústria e administração como aquele que trabalha em profissões liberais é
cunhado pelas condições e
exigências da sua profissão.
O motivo originário para esta investigação foi o problema do operário de
fábrica, cuja actividade foi considerada especialmente insatisfatória, devido à
sua monotonia e devido à sua falta de importância dentro do conjunto do processo
de produção.
Chris Argyris discute os factos de o trabalhador não ter «contrôle» do seu
ambiente de trabalho e de não poder fazer planos de futuro em relação ao seu
trabalho por não ter influência nem informações no que respeita ao futuro desse
trabalho, e expõe que estas circunstâncias têm de impedir de tal maneira o
desenvolvimento da personalidade, que levam à passividade, submissão, falta de
«contrôle» sobre as próprias acções e a uma
perspectiva de tempo curta tudo características de imaturidade.
Já conhecemos as diferentes evoluções nas modernas empresas que procuram
combater estes factores, favorecendo a reunião de pequenos grupos informais e a
participação na chefia da empresa. Alguns investigadores consideram um bom
capataz como
o factor mais importante para a vida habitual do trabalhador na fita
transportadora, e como mostram especialmente estudos de Walker, Guest e Turner,
aquele pode, conseguindo relações pessoais para com os seus homens e através da
maneira como os trata, transformar a situação de trabalho anónima e impessoal
numa situação individual.
Apesar disso, não há dúvida de que o trabalho da fábrica é mais inibidor do que
impulsionador para o desenvolvimento da personalidade do indivíduo.
Robert K. Merton e também Arthur K. Davis estudaram as organizações burocráticas
no que respeita à maneira como influenciam os empregados, isto é, funcionários,
no desenvolvimento da sua personalidade. Merton acentua como a pressão que tem
em
vista um comportamento metódico, disciplinado e politicamente cuidadoso imprime
uma marca à personalidade do funcionário. A observância de regras, diz Merton,
que originàriamente apenas eram impostas como meios para se atingir o fim da
confiança, discrição, etc., transformase a pouco e pouco em finalidade própria;
e a isso acrescentase também aqui uma despersonalização, uma falta de
personalização das relações pessoais.
No oficial, cuja vida profissional é descrita por Davis, acrescentase ainda a
extrema formalidade das relações, que se mantém mesmo na vida social e faz com
que ela se torne rígida e impes
soal. O oficial de marinha está para além disso ainda longe da terra firme,
isolado devido ao seu serviço, e tanto ele como a família raramente se podem
radicar num sítio qualquer. É a sua
organização que passa a ser a sua terra. Davis comenta além disso a influência
cunhadora que exercem as regras rígidas no
que respeita à ordem de patentes e ao ritual profissional e social.
Muitos trabalhos ocupamse da estrutura de personalidade do empregado com
funções de chefia. Na realidade, muitos sonham com a imagem do jovem comerciante
com pretensões a «chefe de secção» e «director» . Num espirituoso estudo sobre
valores culturais Donald A. Bloch expõe como esta imagem da personalidade
simpática, autodominada e comedida do jovem e
triunfante «executive» representa o ideal para a classe média americana, mas em
muitos casos também é a imagem idealizada que os terapeutas vêem diante de si
para os seus doentes.
Outras observações, pelo contrário, mostram a pressão sob a qual se encontra
aquele que toma posições de chefia dentro da vida industrial. William E. Henry
discute as exigências a que ele tem de bastar: ele tem de viver exactamente de
acordo com as normas do «mundo dos superiores» e de pertencer aos clubes,
partidos e outros grupos «correctos»; tem de se manter continuamente activo, tem
de recear continuamente vir a ser ultrapassado e posto de lado, nunca pode
cometer um erro, e nunca se pode sentir totalmente seguro dentro da sua posição.
Pareceme especialmente interessante um estudo de William F. Whyte sobre a
cunhagem da personalidade numa profissão de serviço, neste caso a da criada de
restaurante. O trabalho de Whyte faz parte de uma grande investigação de
psicologia industrial feita pelo sindicato das hospedarias.
Nesta categoria profissional é a adaptação às exigências de uma clientela,
perante a qual não se tem a mínima possibilidade de contradição, que desempenha
o papel principal. A pressão é aqui extraordinàriamente grande.
«0 pior», diz uma criada de restaurante a Whyte durante a
entrevista, «é que quando os fregueses são desagradáveis não nos podemos
defender e dizerlhes a nossa opinião. Temos de engolir tudo. É isso que torna
tão extenuante o trabalho. Seria muito mais fácil para nós se pudéssemos dar uma
resposta.»
«Apeteciame gritar», disse uma outra, «mas como não o podia fazer, saí a correr
para chorar.»
Whyte chegou à conclusão de que a quantidade das lágrimas choradas estava em
relação com a quantidade de tempo desde o qual a criada de servir tinha
experiência no seu serviço. Ter de engolir ofensas, não receber louvores
esperados e não poder
<@O cliente tem sempre razão» esta lei de tradição faz com que a profissão de
criada de restaurante, além de fisicamente fatigante, seja
sobretudo psiquicamente muito difícil
defenderse de críticas injustas tudo isto torna esta profissão uma profissão
psiquicamente difícil para a qual são necessários grande autodomínio, equilíbrio
interno, assim como autoconfiança.
Outras investigações ocupamse com a cunhagem da personalidade do médico, da
enfermeira, da telefonista, do funcionário dos caminhos de ferro e outros. Estes
estudos deixam entrever o início de uma nova maneira de apreensão da
personalidade proveniente da psicologia industrial. E isso será então
especialmente interessante, quando um dia pudermos vir a comparar a cunhagem
profissional da personalidade nas diversas culturas.
O que há aqui de novo sob o ponto de vista do método é que, mediante a aplicação
de uma técnica de entrevistas clinicamente orientadas, se torna possível uma
penetração mais profunda do que o permitiam os anteriores métodos de observação
e questionário.
3. PRODUTOR E CONSUMIDOR NA PSICOLOGIA DE MERCADOS
A jovem ciência da psicologia de mercados serviu nos seus
inícios para a investigação do comportamento dos compradores especialmente no
interesse do negociante que queria vender. Hoje, corno diz Paul Lazarsfeld, um
dos primeiros e mais impor
tantes psicólogos de mercados, a Psicologia de Mercados é uma
parte da Sociologia. Já nos referimos na terceira parte do nosso
livro a esta importância sociopsicológica do estudo do negócio; aqui vamos vê
Ia agora sob outra perspectiva, a do negociar prático.
Lazarsfeld referese a Max Weber na sua discussão teórica do negócio de venda
como um sistema de acções engendradas umas nas outras. Este analisou sob o ponto
de vista sociológico a «posição de mercados» e o seu regulamento. O mercado é
evidentemente uma situação de compra e venda de produtos vendáveis. Neste
processo realizase uma troca de bens, em que cada um dos participantes dá algo
e adquire algo. A finalidade destas acções é a aquisição de propriedade de
qualquer espécie, e a
posse é o valor pretendido.
De modo ideal, o dar e o adquirir consistem na troca de bens equivalentes. O
comprador necessita da mercadoria, o vendedor, aliás o produtor, precisa do
dinheiro. O bem respectivamente adquirido representa para ambos um ganho, na
medida em que aumenta a sua posse. Mas significa contudo uma perda para um deles
se o outro, para além de um ganho honesto, realizou aquilo a que se chama lucro.
Lucro no sentido de um ganho desonesto ou que não corresponde ao valor real da
troca, representa, como expõe Max Weber em conexão com a sua análise do
capitalismo, uma exploração do parceiro no processo de venda.
Mais frequente do que a tendência para uma autêntica exploração deverá existir
em muitas pessoas a tendência para obter uma vantagem. É neste princípio de
aparentes vantagens para o
comprador que se baseia o enorme êxito dos saldos «a preços reduzidos» e das
mercadorias pelas quais se dão selos de desconto, porque com estes como se
pensa se pode comprar «mais».
Em minha opinião, é justamente este factor da vantagem na compra e na venda, por
tantos tão esperado, que torna o
comércio de qualquer modo antipático ou até suspeito aos olhos daquele que não
está habituado aos assuntos comerciais. É esta, julgo eu, também a razão pela
qual, como nota Lazarsfeld, os sociólogos se ocupam menos do que se poderia
esperar com os
problemas do comércio.
Na realidade, os antigos estudos de mercados realizavamse no sentido da
vantagem para o comerciante nã o de uma vantagem desonesta, mas sim no sentido
de uma situação favorável ao vendedor,
Lembrome ainda de um dos antigos estudos sobre a venda de sapatos, que se
realizaram em Viena e que revelaram, entre outras coisas, a vantagem de o
vendedor descalçar os sapatos ao cliente logo que este se sentasse, porque assim
o tinha, por assim dizer, «pilhado».,Percebi então porque é que intuitivamente
não permitia que me tirassem os sapatos antes de ver a mercadoria que queria
experimentar.
Para muitas pessoas a propaganda moderna é especialmente irritante. O
consumidor, tal como aquele que lhe está exposto em qualquer outro sector da
vida pública, por exemplo na política, sentese perante ela numa situação
desamparada: mesmo
que ele tente não lhe dar atenção, ela impõeselhe e as suas
sugestões transformamse por vezes naquilo a que se chamou «sedutores secretos»
(hidden persuaders). O homem moderno, a
cada passo rodeado de reclames, não raramente se sente vítima de uma espécie de
intriga e isso tanto mais que frequentemente não se pode defender do desejo
imperioso de comprar e
experimentar qualquer produto novo apresentado com todos os requintes.
«E por isso sabemos que temos razão», diz Martin Mayer no título introduzido no
seu livro em parte divertido, em parte informativo e em parte um pouco asustador
«Madison Avenue, U. S. A.» referindose ao efeito do reclame. Mayer discute a
propaganda de efeitos infalíveis. Contudo devemos confessar que hoje as técnicas
refinadas de propaganda se dirigem muito mais a vantagens legítimas que resultam
do facto de se ressaltarem com acuidade psicológica as vantagens dos produtos de
uma
maneira justificada.
«0 que é que há de novo na Colgate? O que é que falta falta falta em qualquer
outra das conhecidas pastas de dentes?» Rosser Reeves comentou, acerca desta
propaganda, uma
das que aumentou para mais de trinta vezes a venda da Colgate; Reeves é
dirigente da agência de publicidade cujo reclame obteve este êxito para a pasta
Colgate.
A sua propaganda segue o princípio da «Unique Selling Pro positíon» (USP), do
«único argumento de venda». Reeves diz: «Em primeiro lugar, necessitamos de um
produto bom. Só podemos vender um produto quando é bom, e mesmo assim precisamos
de um USP úníco». Para este existem três regras: em
primeiro lugar tem de se fazer ressaltar uma qualidade específica; em segundo
lugar tem de se prometer um ganho ou uma
utilidade específica, e em terceiro lugar tem de ser uma qualidade que se vende.
Reeves conta que o texto de reclame, «Colgate sai como uma fita e fica achatada
sobre a sua escova», não teve êxito, porque a ninguém interessava uma fita
achatada. Mas quando se disse: «Colgate purifica o seu hálito ao purificar os
seus dentes» (na propaganda de língua alemã «Colgate purifica o hálito e os
dentes ainda por cima») subiu extraordinàriamente a venda.
Na realidade, toda a boa pasta de dentes reúne as duas vantagens recomendadas,
mas nenhuma firma o ressaltara até então na sua propaganda.
Mas com isso revelase já uma importante função positiva da boa propaganda: ela
clucida o público em parte sobre qualidades que ele desconhecia totalmente e
aumenta gradualmente o
conhecimento acerca daquilo que se pretende comprar.
É certamente nisso que Peter Hofstãtter pensa quando chama a atenção para o
facto de que o consumidor se poderia sentir muito melhor dentro do seu papel de
comprador se fosse um «consumidor com conhecimentos». Ele quer com isso dizer
que o comprador teria menos a sensação de ser um «seduzido» se obtivesse cada
vez mais conhecimentos acerca dos objectos de que necessita, de maneira a
comprar com mais critério.
Hofstãtter verificou numa engenhosa experiência que as
pessoas vivem o seu papel de compradores com certos sentimentos de
inferioridade.
Nestas experiências, em que se apresentaram às pessoas submetidas à experiência
desenhos de cabeças, perguntandoselhes qual destes homens seria um «produtor»
e qual um «constimidor», o resultado foi surpreendente.
Talvez o leitor esteja interessado em submeterse a si próprio à experiência,
antes de ler os resultados. Apresentamos as imagens na página seguinte.
O resultado verificado com segurança estatística é bastante divertido, teremos
de concordar: os homens mais velhos são encarados como «produtores» e os mais
novos como «consumidores». E isto aconteceu sem se ter em consideração o facto
de que também as pessoas mais idosas são consumidoras. A falta de outras
características de diferenciação, escolheuse a idade.
O consumidor, assim conclui Hofstãtter, vêse no papel de um «filho» perante o
produtor, que aparece como «figura paterna», isto é, como autoridade em situação
de superioridade.
Estas experiências fizeramse na Alemanha. Tenho a impressão de que na América
os resultados seriam totalmente diferentes porque aqui é muito mais frequente
gente nova ocupar posições de chefia e autoridade. Eu acharia provável que aqui
se tívesse escolhido para o papel de produtor não as caras mais
velhas, mas antes as de aspecto mais jovem, em todo o caso as mais enérgicas e
de aspecto mais empreendedor. Também aqui se encararia o papel de produtor como
presumivelmente superior, mas não por ser uma autoridade, mas por ser
considerado mais enérgico, mais empreendedor e talvez também mais triunfante.
Hofstãtter achou além disso, no decorrer da sua observação, que o comprar é
considerado «pouco viril». E é nisso que consiste o facto de se considerar a
produção como uma actividade enérgica que está ligada às ideias de trabalho e
diligência. O papel de comprador, por outro lado, parece ser vivido com uma
espécie de «remorso», porque durante a compra por assim dizer se «anda
271 Um teste interessante: Quais das figuras representadas considera um
consumidor, portanto um comprador, e quais toma por um produtor? (Segundo
Hofstãtter de: Consumidor e Propaganda, Discursos parlamentares BDW. Colónia,
1960)
DistribuiÇão das atribuiÇões às figuras
Figura ‘Consurnidor Produtor’ KIP
10,1
O,2
O,4
8,3
O,2
4,4
O,7
1,O
Meio
29
Por detrás está sempre uma cabeça inteligente
272273 Propaganda de um jornal na Alemanha e nos Estados Unidos da América: O
anúncio do jornal alemão dirigese à «cabeça inteligente», o do
jornal americano a «toda a gente»
a preguiçar» e além disso se gasta dinheiro em vez de o poupar, que é
considerado uma virtude.
Hofstãtter diz que o «consumidor elucidado>, poderá comprar sem «remorsos». Eu
receio que esta esperança seja vã. Pareceme que a «consciência suja» tem a sua
origem mais profunda no
facto de todos nós, quando compramos, exceptuo quando se trata das coisas mais
necessárias, não nos podermos libertar da ideia, que provém da nossa educação
moral, de que estamos a concedernos prazeres que não nos são permitidos.
O elogio do valor de usufruto de mercadorias, que uma
grande parte da propaganda ressalta, provoca estes complexos de culpa. É certo
que há reclames que fazem ressaltar o extraordinário valor de utilidade de um
objecto. Um exemplo é a recomendação do jornal, que todos estão ávidos de ler.
Aliás os dois exemplos que reproduzimos mostram a apresentação culturalmente
diferente da avidez de leitura entre os alemães e os americanos.
Mas segundo a impressão que tenho, a maioria dos reclames está orientada no
sentido da acentuação de valores de usufruto, de prazer. E de novo são
interessantes as comparações culturais.
O reclame alemão da «CocaCola» está ligado com a expressão «Faz uma pausa».
Para os alemães é suficientemente satisfatória a ideia da pausa. Para o
americano isso não basta, porque ele tem a possi
bilidade de, de qualquer maneira, fazer uma pausa quando lhe apetece. Ao
americano tem de se oferecer algo de invulgar. Por isso todo o reclame «Coke»
apresenta nas revistas ou na televisão americanas a extraordinária frescura que
esta bebida saltitante «Zing!» proporciona durante uma grande actividade.
4. A ACÇÃO DE ESCOLHA NA ACTIVIDADE POLITICA E COMERCIAL
Num estudo de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet do ano de
1948, e que hoje se considera um estudo clássico, analisaramse psicolàgicamente
os fenómenos de escolha quando da eleição presidencial num círculo do estado
federal de Offio. As questões que os autores punham diziam respeito aos pontos
de vista sob os quais se dão as eleições. Tratavase das eleições de 1940, em
que se encontravam frente a frente o democrata Roosevelt e o republicano
Willkie. Os pontos de vista dos eleitores eram de natureza socioeconómica,
ideal, mas por fim entravam também factores pessoais.
274275 Propaganda ao mesmo produto em dois países diferentes, de acordo com os
dados culturais: «Faz uma pausa ... » na Alemanha, e «Zing!» nos
Estados Unidos da América
Para milhões de pessoas «CocaCola» e as palavras «Faz uma pausa ... » são um
conceito inseparável. Em toda a parte, na cidade e
no campo, é «CocaCóla» a deixa para «Faz uma pausa ... ». E, ao contrário,
ninguém poderá dizer, pensar ou ler «Faz uma pausa», sem que imediatamente se dê
a associaç3o de ideias com «CocaCola». Sim, «CocaCola» e «Faz uma pausa ... »
estão ‘intimamente ligadas.
Faz uma pausa ...
«CocaCola» e «Faz uma pausa» são sinais de marca da CocaCola G . m . b . H
Essen, registados.
OnfyCokegivesyouthatREFRESHING NEWFEELING Cool and crisp as a ride or slide down
the mountam kecold ComCola. Ib lively lift and sparkling taste heighten
the fun ... brighten khe occasion. for Qjny CocaCola refreshes you best! i
Os pontos de vista de natureza social e económica manifestavamse no facto de
determinados grupos sociais e determinados grupos económicos preferirem o
partido republicano ou o partido democrático e um ou outro dos candidatos: a
maioria dos indivíduos de classes abastadas que tinham interesses económicos e
que pertenciam a grupos profissionais mais elevados, eram republicanos; a
maioria dos que nada possuíam e que pertenciam a
categorias profissionais mais baixas elegiam o partido democrático. Por razões
queLazarsfeld considera em parte determinadas localmente, a maioria dos
católicos da população observada votou a favor dos democratas, enquanto que os
protestantes votavam mais a favor dos republicanos. Membros jovens de ambas as
comunidades religiosas votam menos pelo partido republicano do que membros mais
velhos.
Como o próprio Lazarsfeld diz, as pessoas jovens têm mais tendência para a
ideologia democrática progressiva do que as
mais velhas, que muitas vezes se voltam para a ideologia conservadora. Isso
significa que o factor idade pertence aos factores ideológicamente
determinantes.
A diferença ideológica de partido revelase no facto de os
eleitores democratas acentuarem que pretendem um presidente com experiência de
governo, enquanto que os republicanos desejam que o presidente tenha experiência
da vida económica.
Se continuarmos a interpretar estes resultados, então vemos
que as ideias progressivas são mais favorecidas por aqueles que ainda não
venceram, porque ou a sua situação social e económica ou a sua juventude os faz
ter esperanças em novas evoluções. Os que já venceram, por outro lado, são
conservadores.
Com base nesta determinação psicológica de grupo em relação à posição perante as
eleições, tornase compreensível um dos mais interessantes e principais
resultados de Lazarsfeld e dos seus colaboradores. É a verificação que o público
é notàvelmente pouco influenciado pela propaganda eleitoral na sua opinião
política.
Esta verificação inesperada explicase pelo facto de a maioria dos eleitores já
ter formado a sua opinião no que respeita à sua
orientação política. Ela utiliza a propaganda em primeira linha para reforçar os
seus próprios argumentos.
Isto parece acontecer em toda a parte onde as pessoas têm já opiniões pré
formadas. Joseph T. Klapper, num interessante livro sobre os efeitos da
comunicação da massa, baseandose na
literatura existente chega à conclusão de que as mudanças de opinião se
conseguem principalmente sob duas condições: em
primeiro lugar, quando um assunto é totalmente novo e aquele
que o defende ainda não encontra nenhuma opinião préformada, e, em segundo
lugar, quando um assunto é defendido por alguém pessoalmente e a influência é
exercida pessoalmente.
Este último foi um dos resultados principais do estudo de Lazarsfeld e dos
seus colaboradores no que respeita à formação individual de opinião daqueles
que não se confessaram a favor de nenhum dos grupos existentes e que não se
decidiam. Nestes era por vezes da maior importância a influência pessoal;
referiamse neste ponto a amigos e membros da família. Muitas vezes pertenciam a
um círculo em que se fazia sentir um «chefe de opinião». É através destes que se
realiza aquilo a que Lazarsfeld chama o «movimento a dois passos» de
comunicações: o primeiro passo consiste em o chefe de opinião arranjar quaisquer
informações através da leitura de jornais e revistas, da rádio ou algo parecido.
No segundo passo manifesta no seu círculo a sua formação de opinião baseada
nestas informações.
Os pequenos grupos mostramse aqui tão importantes como
nas empresas. Em certas circunstâncias também se obtém uma opinião através do
contacto pessoal no pequeno grupo, sem que apareça um chefe de opinião:
«Disseram na fábrica ... » ou «0 meu marido ouviu falar disso no escritório ...
», ou uma criada de restaurante diz: «Muitos clientes eram contra Willkie.»
Muito importantes são os grupos familiares. Uma mulher diz: «Eu sempre fui
democrata, e creio que Roosevelt era bom. Mas toda a minha família é a favor de
Willkie. Eles afirmaram que ele daria o melhor presidente e insistiram comigo de
tal maneira que eu acabei por votar em Willkie.» E um jovem declarou: «0 meu avô
matarmeia se eu não votasse por Roosevelt.»
Estes estudos mostramnos que as pessoas realizam as suas
eleições políticas em parte sob a influência de pontos de vista de grupos. Até
aqueles que elegem individualmente em muitos casos estão subjugados às
influências de certos grupos.
Isto é compreensível dentro dos acontecimentos políticos, visto ser, devido à
complexidade destas coisas, quase impossível o indivíduo poder formar
independentemente uma opinião. Ele está sujeito àqueles em cujo juizo ou
conhecimento ele confia.
Mas o que se passa então na acção de escolha na vida económica? Quais são, por
exemplo, os pontos de vista sob os quaís um consumidor compra?
O comprar foi nos últimos trinta anos estudado psicológicamente com minúcia
extraordinária. Paul Lazarsfeld deunos há pouco tempo um resumo com pormenores
fascinantes. Mas o
facto é que os pontos de vista sob os quais os compradores esco
lhem este ou aquele produto por enquanto só são parcialmente visíveis e em todo
o caso são muito mais complicados do que se poderia supor.
Também aqui, em todo o caso, se fazem valer fortemente influências de grupos.
Referimonos a esses processos no capítulo @( Grupo e Indivíduo» em relação com
a expansão de uma moda. Aqui é excessiva a tirania dos grupos que prescrevem a
moda e daqueles que a subscrevem.
O gosto é duma maneira geral muitas vezes ditado por grupos, por exemplo, o
gosto por determinados estilos artísticos, programas musicais, livros e peças de
teatro, o gosto por determinadas marcas de automóvel, por comestíveis e bebidas,
por determinado tipo de casas e decorações interiores, o gosto pelo modo de vida
que se leva, pelas coisas que se quer possuir ou não, o aspecto que se pretende
ter.
Continuamos ainda a viver na época dos «gentlemen» que <@preferem as loiras mas
casam com as morenas». Por outro lado, existem para a figura e o aspecto da
mulher nas diferentes culturas e subculturas diversas representações ideais, que
por sua vez vão influenciar directa ou indirectamente a acção de escolha na vida
económica. E por fim a análise psicológica das acções de escolha económicas,
assim como dos processos económicos em geral, levarnosia de novo a questões de
psicologia da cultura e a questões fundamentais das motivações do homem.
XV Psicologia e filosofia da vida
A tese fundamental do nosso livro foi, desde o início, que a Psicologia moderna
nos pode oferecer muita coisa para a nossa
vida pessoal. E agora, no fim, perguntemos, em resumo, em que direcções a
psicologia nos proporcionará sabedorias de vida que vão para além da simples
tomada de conhecimento de informações interessantes.
Aliás teremos de antepor a observação limitadora de que a Psicologia e a
Filosofia não são naturalmente a mesma coisa e que nós como psicólogos não nos
sentimos destinados a propor à humanidade uma concepção de vida ou até uma visão
do mundo.
O que podemos fazer é simplesmente chamar a atenção para aquelas verificações da
moderna psicologia das quais resultam certas consequências para uma filosofia da
vida incluindo alguns pontos de vista da visão do mundo.
Para em primeiro lugar esclarecer em poucas palavras estes conceitos vamos
definir Filosofia da vida como um sistema de linhas directrizes, tanto quanto
possível integrado para a nossa
vida prática no particular e como um todo. Por concepção do mundo entendemos,
para além disso, um edifício de pensamentos mais ou menos fechado, que tenta
explicar o decorrer e eventualmente também o início assim como a finalidade e o
propósito dos acontecimentos no Universo.
As religiões e as filosofias dos povos esforçaramse durante milénios por
encontrar resposta a estas questões e surgiram as mais diversas edificações de
doutrinas e dogrnas. Normalmente estas estavam de tal maneira montadas que
representavam em
sistemas fechados concepções sobre o Universo, e, partindo dos seus conceitos
cosmológicos, deduziam princípios para o actuar humano.
A maioria das pessoas no mundo ainda hoje deve viver, como desde sempre, dentro
de determinadas religiõ es e aceitar as suas
38
doutrinas sobre a criação e a ordem do Universo, baseadas no
princípio da revelação. Também pessoas orientadas cientificamente concedem em
parte o primado às religiões quando se
trata das últimas perguntas para as quais a investigação por enquanto não
consegue dar uma explicação satisfatória. Outros defendem hoje em muitos casos o
ponto de vista de que deveríamos desistir da tentativa de apreender o Universo
num sistema fechado, porque não estamos à altura dessa tarefa com os meios que,
pelo menos até hoje, temos à nossa disposição.
Devido a esta problemática não solucionada, defendese numa
medida cada vez maior a opinião de que as questões da conduta de vida adequada
e moral devem e podem ser tratadas independentemente de dogmas religiosos e
teorias filosóficas sobre o Universo.
Já Inimanuel Kant estabeleceu o princípio de que a «razão prática», como ele lhe
chamava, isto é, a Ética, deveria ser separada da Teoria do Conhecimento. Na
nossa época ouvimos cada vez mais pensadores defender este ponto de vista.
Um discurso proferido em 1935 pelo célebre físico e prêmio Nobel Max Planck
sobre «A Física na luta pela concepção do mundo» foi muito lido e repetidas
vezes reimpresso em muitas edições. Tal corno Kant dois séculos atrás, também
ele chega à conclusão de que não se podem deduzir cientificamente linhas de
orientação para o actuar humano, mas que são «sentimentos puros e uma boa
vontade» que trazem consigo a certeza de estarmos dentro do bom caminho.
Talvez que sentimentos puros e uma boa vontade tragam uma certeza subjectiva.
Mas infelizmente os resultados de ciências modernas como a Psicologia,
Psiquiatria e Sociologia mostraram que sentimentos puros e boa vontade sózinhos
não chegam para produzir uma formação da vida humana adequada. Além da
honestidade e boas intenções são necessários conhecimentos e reconhecimentos
(Einsinchten) que nos mostrem como a boa vontade pode ser transformada numa
vontade verdadeiramente construtiva.
Num dos seus brilhantes estudos sobre «As orientações da evolução humana»,
Asliley Montagu chama a atenção para o
facto de que, para sabermos para que nasceu o homem, primeiramente temos de
saber de que, como, nasceu, isto é, temos de conhecer claramente a natureza do
homem antes de lhe podermos dar linhas directrizes éticas.
É exactamente isto que tencionámos fazer com as observações que acabámos de ver;
temos presentes todos os conhecimentos e reconhecimentos essenciais de que
dispomos na Psicologia
actual para daí deduzirmos tanto quanto possível linhas directrizes para um
possível agir construtivo. Por «construtivo» entendo, como já defini noutros
pontos atrás, um agir que seja a longa distância o mais proveitoso para o bem do
que actua assim como para o bem de todos os outros homens um agir que contribua
para a realização da edificação da existência humana,
O que é então, numa consideração resumida, que aprendemos e podemos utilizar
para um agir construtivo com o fim de realizar a edificação da nossa existência
humana?
O que me parece mais importante, é que tenhamos conseguido ter ideias claras
acerca da própria finalidade. Sem dúvida que atingem mais de perto a finalidade
da vida que designamos de realização aqueles que encontram a autorealização
numa dádiva criadora aos outros. Na história da vida de Anna SetIme, cuja
apresentação constituiu o momento máximo da nossa primeira parte principal,
vimos acontecer e formarse diante da nossa vista a realização humana da vida:
«Todos os dias são maravilhosos através do trabalho, simplesmente nenhum tem
horas suficientes. Mas isso constitui justamente a sua alegria. Fui uma mulher
feliz», diz Anna Sethrie no fim da sua longa vida cheia de êxitos.
Mas este resultado não aparece evidentemente sem dificuldades e lutas. A nossa
tendência de finalidades está colocada desde início diante da tarefa da
integração de tendências que conduzem, sob contínua tensão interior, a nossa
motivação para diversas direcções. Em decisões continuamente renovadas temos de
escolher entre satisfação de necessidades, adaptação autolimitadora, expansão
criadora e manutenção da nossa ordem interior, cujo equilíbrio só pode ser
mantido em reciprocidade dinâmica.
Para darmos a devida atenção ao motivo principal da autorealização numa entrega
criadora, necessitamos da libertação das nossas melhores potencialidades. E
nisto dependemos de modo lamentável tanto dos nossos factores hereditários
como do ambiente que nos rodeia, que são os dois a determinarem continuamente
e desde o princípio toda a nossa vida. Sob a pressão inevitável de todos
estes factores perdemos muitas vezes
a nossa liberdade interior e desenvolvemos «handicaps» neuróticos no domínio das
tarefas da vida.
E nisto revelamse particularmente desvantajosas as condições iniciais de
carência de amor e uma educação errada. A enorme importância do amor, do
contacto conseguido entre pais e filhos, e a influência favorável de uma
educação democrática no sentido da independência, iniciativa, temeridade e
actuar
planeado dos jovens, tornamse para nós numa visão retrospectiva da nossa
própria evolução, tão evidente como a achamos impor tante para os nossos
filhos.
Parecemme ainda fundamentais os conhecimentos da moderna sociopsicologia,
sociologia e antropologia cultural para a compreensão dos problemas da ordenação
social de nós próprios e dos outros.
Obtivemos conhecimentos de um vasto significado para a evolução do nosso papel
social, para o conhecimento dos nossos preconceitos, para a compreensão de
condicionalismos sociais e culturais do nosso pensamento e agir.
As questões que não tratei, acerca do futuro da humanidade, da obtenção de
relações pacíficas entre grupos e povos, parecemme apenas solucionáveis, ao fim
e ao cabo, se conseguirmos educar homens socialmente mais compreensivos e
pessoalmente mais firmes.
Isto levame ao último ponto, o mais importante, o do papel de um sistema
educacional psicológicamente pensado e de uma psicoterapia inscrida
sisternàticamente na educação, pensando sobretudo na terapia de grupo. Seria
talvez mais realista planear discussões de grupo clinicamente orientadas dentro
das últimas classes das escolas superiores e nas escolas profissionais de
aperfeiçoamento, para o que se poderiam formar professores interessados em
psicologia, se eles próprios se submetessem anteriormente a um trabalho de grupo
parecido.
Como fomos reconhecendo passo a passo, aquilo que mais nos falta é o treino nos
métodos de pensar as conexões da vida. Aprendemos inúmeras coisas dentro e fora
da escola, mas só marginalmente e insuficientemente obtemos a capacidade de nos
vermos a nós próprios e aos outros tal como somos e como eles são. Uma
compreensão e autocompreensão autênticas e não perturbadas por ilusões foram
hoje, meio século depois de Freud ter aberto as portas para estas verdades,
desenvolvidas de modo a tornaremse métodos utilizáveis na prática. O nosso
sistema educacional em casa e na escola deveria incluílos até ao ponto de já o
adolescente aprender a pensar claramente e compreensivamente sobre si, os seus
semelhantes e o mundo.
E agora, depois de tudo isto, a pergunta: como obter a felicidade por que todos
ansiamos, como o príncipe do conto que parte em busca dela?
A felicidade, diz R. M. MacIver, filósofo da vida inglesa, contemporâneo,
encontrálaás quando te esqueceres de ti próprio e te esqueceres de a procurar
e tiveres procurado e encontrado uma outra coisa muito diferente. E com isso
referese à mesma
entrega criadora de que nós falámos como condição principal da realização na
vida. Todo o resto parece revelarse como menos duradoiro.
Dediquemos ainda uma última observação ao problema da fé, de que falámos
repetidamente em conexão com os valores.
Para aceitarmos valores e nos dedicarmos a eles criadoramente, temos de
acreditar em qualquer coisa. Para aquele que se encontra religiosamente ancorado
não existe aqui nenhum problema. Aquele que considera necessário, no sentido do
que comentámos anteriormente, deixar em aberto a questão da ordem do mundo, tem
de esclarecerse a si próprio sobre aquilo em que pode acreditar. «É necessário
acreditar em qualquer coisa», diz o conhecido biólogo Julian HuxIey. Pois: «Se
não acreditássemos em nada não agiríamos de maneira nenhuma». Isto significa que
todo o actuar humano se realiza com vista a finalidades que representam para nós
valores em que acreditamos acreditamos que nos realizam a nós ou a outros de
qualquer maneira. «0 grau de força interior e integridade de um indivíduo»,
assim diz Rollo May, um psicólogo do nosso tempo que vai bem ao fundo dos
assuntos, «depende de como ele próprio acredita nos valores pelos quais se
orienta».
Para construir uma vida de acordo com um plano numa
sequência fechada, o homem necessita de uma fé mais profunda do que a da crença
em valores isolados. Como HuxIey, como
Montagu, como MacIver e muitos outros o vêem hoje, ele tem de acreditar que
actua para um melhor futuro psíquico da humanidade.
Para além disso, é também necessário para muitos acreditarem num Universo
governado por um espírito construtivamente criador, que lhe dá sentido e
persegue uma finalidade, ao qual, de acordo com isso, nos subordinamos, cheios
de esperança.
A P E N D 1 C E
B 1 B L 10 G R A F 1 A
Parte A INTRODUÇÃO
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Culture. G. P. Putnarn's Sons, New York 1951 Mead, Margaret e M. Wolfenstein,
Childhood in Contemporary Cultures.
University of Chicago Press 1955 Schrõder, M. (editor), Die Religionen der
Alenschheit. 36 volumes, até agora
estão publicados 3 vol. W. Kohlhammer, Stuttgart 1960 ff. Weigel, Hans, O du
mein Osterreich. 4. ed. Steingrüben, Stuttgart 1959 Weyer, Edward, Jun.,
Primitive Võ1ker heute. C. BerteIsmann, Giltersloh/Westf. 1959
Parte D A PRATICA
XII A PSICOLOGIA NA EDUCAçÃO E ORIENTAçÃO PROFISSIONAL
Arnold, Wilhelm, Begabungswandel und Erziehungsfragen. Juventa, München 1960
Baurngarten, Franziska, Die Charakterprüfung der Berufsanwürter. Rascher,
Zürich 1945 BühIer, Charlotte e Hildegard Hetzer, Kleinkindertests. 3. ed. Joh.
Barth,
München 1961 Bühler, Charlotte, Lotte Schenk@Danzinger e Faith Smitter,
Kindheitsprobleme und der Lehrer. Verlag für Jugend und Volk, Wien 1958
Goodenough, Florence, Mental Testing. 2. ed. Rinehart & Co., New York
1950 Hetzer, Hildegard, Pddagogische Psychologie (Handbuch der Psychologie).
Verlag für Psychologie, vol. 10, Gõttingen 1959 Hetzer, Hildegard e Lothar Tent,
Der Schulreifetest. Piorkowski, Lindau
1958 Lazarsfeld, P. F., Jugend und Beruf (Quellen und Studien zur Jugendkunde
8), Gustav Fischer, Jena 1931 Lefever, D. W., A. M. Turrell e H. C. Weitzel,
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for Guidance. 2. ed. Ronald Press Co., New York 1950 Mayer, A. e B. Herwig,
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Psychologie). Verlag für Psychologie, vol. 9, Gõttingen 1961 McDonald, Frederick
J., Educational Psychology. Wadsworth Publishing Co.,
San Francisco 1959 SchenkDanzinger, Lotte, Entwick1ungstests für das Schulalter.
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Jugend und Volk, Wien 1953 Super, Donald, Vocational Development. Carcer Pattem
Study I and 11,
Teachers College, Columbia University, New York 1957 e 1960
XIII A PSICOLOGIA NAS PROFISSõES DE ASSISTÊNCIA
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Anderson, An Introduction to Projective
Techniques. Prentice Hall Inc., Englewood Cliffs, New York 1951 Bach, George R.,
Intensive Group Psychoterapy. Ronald Press Co., New
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Everett L. Shostrom, Therapeutic Psychology.
PrenticeHall Inc., Englewood Cliffs, New Jersey 1960 BühIer, Charlotte, Values
in Psychoterapy. The Free Press of Glencoe Inc.,
New York 1962
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New York 1957 FrankI, Viktor E., Ãrztliche Seelsorge. 6. ed. Franz Deuticke, Wien
1952 Freud, Anna, Einführung in die Technik der Kinderaizalyse. Internationaler
Psychoanalytischer Verlag, Wien 1927 Das Ich und die AMvehrmechanismen.
Internat. Psychoanalytischer
Verlag, Wien 1936 Freud, Sigmund, Die Traumdeutung. Franz Deuticke, Wien 1922
Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie. 6. ed. Franz Deuticke, Wien 1926 Gesammelte
Werke. 17 volumes ordenados cronológicamente. S. Fischer,
Frankfurt a. Main 19481961 Grinker, Roy R. e colaboradores, Psychiatric Social
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Norton & Co. lnc., New York 1960 Horney, Karen, Neurosis and Human Growth. W. W.
Norton & Co. Inc.,
New York 1950 Karpf, Fay, The Psychology and Psychoterapy of Otto Rank.
Philosophical
Library, New York 1953 Leighton, Alexander, John, A. Clausen e Robert N. Wilson,
Explorations
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Psychologischen Diagnostik. 4. ed. Hans
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jedermann. Ernst ,Reinhardt, München. 1954 Meyer, Henriette H., Das Weltspiel.
Hans Huber, Bern 1957 Moreno, J. L., Das StegreifTheater. G. Kiepenheuer,
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Nelson,
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autogene Training. 10. ed. George Thierne, Stuttgart
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Inc., New York 1960 Watson, R. I., The Clinical Method in Psychology. Harper &
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York 1951
XIV A PSICOLOGIA INDUSTRIAL
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und Werbung heute und morgen. Wirtschaft und Werbung VerlagsgeselIschaft, Essen
1960 Klapper, Joseph T., The Effects of Mass Communication. The Free Press
of Glencoe Inc., New York 1960
39
Lazarsfeld, Paul, Reflections on Business. In: The American Journal of Sociology
Vol. LXV N.o 1, Julho 1959. Columbia University, Bureau of Applied Social
Research Lazarsfeld, Paul, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, The People's Choice.
Columbia University Press, New York 1944, 1949, 1952 Mayer, A. e B. Herwig,
Arbeits und Betriebspsychologie (Handbuch der
Psychologie). Verlag für Psychologie, vol. 9, Gõttingen 1961 Mayer, Martin,
Madison AvenueVerführung durch Werbung. Verlag für
Politik und Wirtschaft, KõIn 1959 Merton, Robert K., Social Theory and Social
Structure. The Free Press
of Glencoe Inc., New York 1949 Tannenbaurn, Robert, Irving R. Wechsler e Fred
Massarik, Leadership
and Organization. McGrawHill BookCo. Inc., New York 1961
XV PSICOLOGIA E FILOSOFIA DA VIDA
Cole, Stewart G., This is my Faith. Harper & Brc, New York 1956 HuxIey, Julian,
Religion without Revelation. Harper & Bros., New York
1957 Mae Iver, R. M., The Pursuit of Happiness. Simon & Schuster, New York
1955 May, Rollo, Man's Search for Himself. W. W. Norte, & Co. Inc., New
York 1953 Montagu, AshIey, The Direction of Human Developmert. Harper & Bros.,
New York 1955 Planck, Max, Die Physik im Kampf um die Weltanschauung. 9. ed.
Joh.
A. Barth, Leipzig 1958
REFÉRÊNCIA DAS GRAVURAS
A adaptaç5o das estatísticas e gravuras esteve a cargo de Barbara von Damnitz
1 UllsteinBilderdienst, Berlim.
25 The Bettmann Archive, Nova
Iorque
68 UlIsteinBilderdienst, Berlim.
9 Historiches Bildarchiv Handke,
Bad Berneck
10 Prof. Dr. F. MayerHillebrand,
lnnsbruck
11 Archiv für Kunst und Geschichte,
Berlim
12 Fotografia particular
13 UllsteinBilderdienst, Berlim
14 Archiv für Kunst und Geschichte,
Berlim
15 Deutsche Fotothek, Dresda
16 Conzett & Huber, Zurique
17 John R. Freeman & Co., Londres
18 The Associated Press, Francoforte s. Meno
19 UllsteinBilderdienst, Berlim
2021 Fotografia particular
2224 United Press International,
Nova lorque
25 Fotografia particular
26 IngeLotte Dortschy, Francoforte
s. Meno
27 Fotografia particular
28 Süddeutscher Verlag, Munique
29 Zeitschrift: für Vülkerpsychologie
und Sprachwissenschaft, Dümmler, Berlim 1860
30 Roebild, Francoforte s. Meno
31 T. 1. Storer, General Zoology,
MacGrawHill Book, Nova Iorque
1951
32 Deutsche PresseAgentur, Francoforte s. Meno
33 BavariaVerlag, Gauting vor Munique
34 Scheinfeld, The New You and
Heredity, J. B. Lippincott Co., Filadélfia 1950
35 Fritz Engel, Reute no Tirol
36 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
37 Stefan Moses, Munique
3839 Segundo Keller Wiskott, Lehrbuch der Kinderhei1kunde. G. Thieme, Estugarda
1961
40 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
41 Dimock, Rediscovering the Adolescent, Association Press, Nova Iorque 1937
42 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem,
Verlag für Psychologie’ Gõttingen 1959
4345 Segundo Wirtschaft und Statistik, 1961
46 BavariaVerlag, Gauting vor Munique
47 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
48 DanzingerFrankI, Zum Problem
der Funktionsreifung, Zeitschrift für Kinderforschung, Vol. 43. Springer, Berlim
1934
49 UllsteinBilderdienst, Berlim 1934
5053 Fotografia Stefan Moses, Munique, segundo A. GeselI, The First Five Years
of Life. Harper Bros., Nova Iorque 1940
54 J. EiblEibesfeldt, Prados junto do lago de Starnberg
55 M. Oldenburg, Kleine Methodik
der physikalischen Therapie und Diagnostik, de Gruyter, Berlim
1954
56 Segundo H. Rohracher, Kleine
Charakterkunde. Urban und Schwarzenberg, Viena 19,61
57 Segundo Peter R. Hofstãtter, Psychologie (FischerLexikon 6). Fischer
Bücherei, Francoforte s. Meno 1957
58 Segundo F. Ruch, Psychology
and Life, Scott, Foresman and Co., Chicago 1958
59 Segundo E. Brunswick, Bericht
über den 11. Kongress für Psychologie. Fischer, Jena 1930
6064 Desenhos Barbara von Damnitz, Munique
6567 Segundo Krech e Crutchfield,
Elements of Psychology. Alfred A. Knopf, Nova Iorque 1959,
6870 J. v. Uexki111 e F. Brock, Atlas
zur Bestiramung der Orte in den Sehrãumen der Tiere, in Zeitschrift für
vergIeichende Physiologie, Vol. 5. Springer, Berlim 1927
71 Segundo Peter R. Hofstãtter, Psychologie (FischerLexikon 6). Fische,r
Bücherei, Francoforte s. Meno 19,57
72 Ilse Collignon, Munique
73 Tinbergen, The Study of Instinct
74 Paul Steinemann, Jardim Zoológico, Basileia
7577 Fotografias Stefan Moses, Munique, segundo C. BühIer, Testing Children's
Developrnent. Allen & Unwin, Londres 1935
78 Freud, Drei AbhandIungen zur
Sexual.theorie, 3.’ edição. Deuticke, Leipzig e Viena 1915
79 Rudolf Betz, Munique
80 Segundo Alexander e French,
Psychoanalytic Therapy. Ronald Press Co., Nova lorque 1946
8185 Fotografias Stefan Moses, Munique, segundo Hetzer, Kind und Schaffen, in
Quellen und Studien
zur Jugendkunde, caderno 7, Fischer, Jena 1931
86 Gesell Institute of Child Development, New Haven
87 Halverson, The Developrnent of
Prchension. Genetic Psychology. Monographs. Journal Press, Provincetown 1931
88 Segundo Coleman, Abnormal
Psychology and Modern Life. Scott, Foresman and Co., Chicago
1956
89 Laenderpress, Dusseldorfe
90 Graewe, Zwillingsforschung und
Erbwissenschaft, in Orion 5. Jahrgang n.o 17. LuxVerlag, Murnau
91 Elisabeth Hase, Francoforte s.
Meno
92 Paul Steinemann, Jardim Zoológico, Basileia
9397 Stefan Moses, Munique
98 Segundo Thorndike, Adult Learning. Macrnillan, Nova lorque
1928
99 Segundo Jones, Conrad, Horn,
Psychological Studies of Motion Pictures II. University of California. Publ.
Psychol. 1928
100 Segundo Welford, Ski11 and Age.
Nova Iorque 1951
101 Segundo F. Ruch, Psychology
and Life. Scott, Foresman and Co., Chicago 1958
102 Stefan Moses, Munique
103, Segundo SchenkDanzinger,
Handbuch für Psychologie, Vol. 3, Verlag für Psychologie, Gõttingen
1939
104 Sigrid Maldonado, Uhn
105107 Stefan Moses, Munique
108 Bernd Lohse, Francoforte s.
Meno
109 Roebild, Francoforte s. Meno
110 Max Dellacher, Munique, com
referência ao volume ilustrado Terra Mágica «Kinder aus aller Welt», Harins
Reich, Munique
111 Da série de fotografias BR 248,
«Gutes Spielzeug für das Kleinkind» do Instituto para filme e imagem, Munique
112121 Goodenough, Measurement
of Intelligence by Drawings. World Book, Nova lorque 1926
122 Da clínica particular de Ilse Pichottka, Munique
123 Da clínica particular de L.
Welty
124 Bühler, SchenkDanzinger, Smitter, Kindheitsprobleme und der Lehrer. Verlag
für Jugend und Volk, Viena 1958
125 A. van Krevelen, De tekening.
Kroese N. V., Leida 1953
126 Segundo C. Bühler, der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem.
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
127130 E. Kafia, Die Reaktionen des
Sãuglings auf das menschliche Gesicht. Annales universitatis aboensis, Turku
19,52
131 Spitz e Wolf, The Smiling Response. Genetic Psych. Monogr.,
1946
132 Spitz, Die Entstchung der ersten Objektbeziehungen. Klett, Estugarda 1960
135137 Fotografias Stefan Moses,
Munique, segundo C. Bühler, Soziologische und psychologische Studien tiber das
I. Lebensjahr. Fischer, Jena 1927
138141 M. Koskenniemi, Soziale Gebilde und Prozesse in der SchulMasse.
Helsínquia 1936
142 Elisabeth Hase, Francoforte s.
Meno
143 Süddeutscher Verlag, Munique
144 Segundo Solberg e Zubek, Human Development. McGrawHill Book Co., Nova
Iorque 1954
145 Fotografias Stefan Moses, Munique. Segundo Lois Murphy
146 Historisches Bildarchiv Handke,
Bad Berneck
147 Werner Rebhulm, Hamburgo
148 Segundo Kurt Lewin
149151 Kretschmer, Kõrperbau und
Charakter. Springer, Berlim 1961
152 Segundo Healy, Bronner, Bowers, The Structure and Meaning of Psychoanalysis.
Alfred A. Knopf, Nova lorque 1931
153 ‘Los Angeles Times, Comic Section, Part 2, 1961
154 Laenderpress, Dusseldorfe
155 Paul Poper Ltd., Londres
156 Dr. Wolff & TritschIer, Francoforte s. Meno
157 Archiv der deutschen Jugendbewegung, Witzenhausen
158 Paul Poper Ltd., Londres
159 Hurok Attractions Inc., Nova
Iorque
160 United Press International, Nova Iorque
161 Segundo Kinsey, Pomeroy, Martin, Sexual 13chavior in the Human Male. Saunders
Co., Filadélfia 1948
162 Segundo Kinsey, Pomeroy, Martin, Gebhard, Sexual Behavior in the Human
Female
163, Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs Psychologisches Problem.
Verlag für Psychologie, Güttingen 1959 164167 Fotografias particulares
168 Charlotte BühIer
169 Segundo Pressey e KuhIen, Psychological Development through the Life Span.
Harper & Bros., Nova Iorque 1957
170 HistoriaPhoto, Bad Sachsa
171 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem.
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
172 UlIsteinBilderdienst, Berlim
173 Richard Neutra, Los Angeles
174 HistoriaPhoto, Bad Sachsa
175 Kunstarchiv Arntz, Haag (Obb.)
176 Fratelli Alinari, Florença
177 Grandma Moses Prop., Inc., Nova lorque
178 Galeria St. Etienne, Nova Iorque
179 United Press International, Nova Iorque
180 Keystone, Munique
181 Segundo C. Bühler, Der menschliche Lebenslauf aIs psychologisches Problem.
Verlag für Psychologie, Gõttingen 1959
182 BavariaVerlag. Gauting vor Munique
183 Deutsche Fotothek, Dresda
184185 Kunstarchiv Arntz, Ilaag (Obb.)
186 Roebild, Francoforte s. Meno
187 Dr. Wolff & Tritschier, Francoforte s. Meno
188 Laenderpress, Dusseldorfe
189 Stefan Moses, Munique
190 Desenho de cartaz Eckersley,
Londres
191 Desenho de reclame Hans Maier
e Harry Preusser
192 Desenho de cartaz LeforOpeno,
Paris
193 Segundo Peter R. Hofstãtter,
Die Psychologie der õffentlichen Meinung, Viena 1949
194195 Süddeutscher Verlag, Munique
196197 Dr. Wolff & TritschIer,
Francoforte s. Meno
198 Segundo R. F. Bales, Interaction Process Analysis. AddisonWesley, 1950
199 Segundo W. F. Whyte, StrectCorner Society. University of Chicago Press,
Chicago 1955
200201 Segundo R. Lippitt e R. K. White, An experimental Study of
Leadership and Group Life. Henry Holt & Co., 1952
202 The Associated Press, Francoforte s. Meno
203, UllsteinBilderdienst, Berlim
204205 Süddeutscher Verlag, Munique
206207 UllsteinBilderdienst, Berlim
208 Süddeutscher Verlag, Munique
209 Ilse Collignon, Munique
210 Segundo F. Fiirstenberg, Handbuch der Psychologie, 9. vol. Verlag für
Psychologie, Gõttingen
1959
211 AmerikaDienst, Munique
212 Bernd Lohse, Francoforte s.
Meno Com referência a Edward Weyer, Primitive Peoples Today. Chanticleer Press,
Nova Iorque 1959
213~215 Joscf Muench, Santa Bárbara, Califórnia
216218 Allen C. Read, Phoenix, Arizona Com referência a Edward Weyer, Primitive
Peoples Today. Chanticleer Press, Nova Iorque 19,59,
219, Los Angeles Times
220 Fotografia particular
221225 Margaret Mead, Growth and
Culture. Putnarn's Sons, Nova Iorque 1951
226233 Margaret Mead e M. Wolfenstein, Childhood in Contemporary Cultures.
Universidade de Chicago Press 1955,
234235 Edward Weyer, Primitive
Peoples Today. Chanticleer Press, Nova Iorque 1959
236 Eliot Elisofon, Nova lorque
237 Ilse Collignon, Munique
238 BavariaVerlag, Gauting vor Munique
239 Süddeutscher Verlag, Munique
240241 Eliot Elisofon, Nova Iorque
242243 D. Baruch, New Ways in Discipline, McGrawHill Book, Nova Iorque 1949
244 Mussen e Conger, Child Developrnent and Personality. Harper Bros., Nova
Iorque 1956
245 Segundo Baldwin, Kalhorn e
Breese, Patterns of Parents Behavior. Psych. Mon. 1945
246 Roebild, Francoforte s. Meno
247 Segundo H. Heinis
248 Misako Miyamoto, Tóquio
249 Stefan Moses, Munique
250251 Fotografias particulares
252253 BavariaVerlag, Gautíng vor
Munique
254 AmerikaDienst, Munique
255 United Press Internatiorial, Nova lorque
256 Kunstarchiv Arntz, Haag (Obb.)
257 H. Rorschach, Psychodiagnostik.
Hans Huber, Berna
258 Henry A. Murray, TATTest.
Harvard University Press, Cambridge, Mass.
259 Segundo M. Lõwenfeld
260 Segundo M. van Wylick, Viena
261 Segundo Gay1e Kelly, U. S. A.
262 Segundo C. BühIer, U. S. A.
263 Segundo H. M. Meyer, Inglaterra
264 Segundo Roger Mucchieli, França
265266 L. Bender, Child Psychiatric
Techniques. Thomas, Springfield,
111. 1952
267 The Bettmann Archive, Nova
Iorque
268 AmerikaDienst, Munique
269270 BavariaVeTIag, Gauting vor
Munique
271 Peter R. Hofstãtter in Verbraucher und Werbung. Wirtschaft und Werbung,
Essen. 19,60
272 Frankfurter Allgemeine Zeitung,
Francoforte
273 The Philadelphia Bulletin, Filadélfia
274275 CocaCola GmbH, Essen
íNDICE ONOMASTICO
Os números assinalados com um * referemse às gravuras. Os nomes próprios de
ficção e que se referem aos casos expostos para melhor compreensão do assunto,
encontramse em caracteres cursivos.
A., Sr. 536, 555 A., Sr., 535, 536 Ach, N. 35, 109 Ackermann, N. 427 seg., 487
Aden, F. 409 Adenauer, K. 342 Adler, A. 121, 147 seg., 149, 226, 266,
271, 484 Adorno, Th. W. 295, 369 Aichhorn, A. 486 Aisha 424 Albright, L. 512,
*255 Alec 392 Alexander, F. 12, 148, 153, 538, 555
segs. Alfredo 138, 139, 147, 150, 152, 289
seg., 292, 360 seg., 570 seg. Allen, F. 564 AlIport, F. H. 47, 387 AlIport, G. W.
13, 39, 40, 46, 127, 194,
236, 240, 262, 271, 275, 278, 324, 364,
366, 367 AUmann, Mizzi 380, 388 Anastasi, A. 112 Anderson, J. E. 224, 279 Andy
465 Angelus 210 Anita 131, *75*77 Anna O. 143 Anshen, R. N. 424 Anton 284
Argyris, @Ch. 403, 581 Aristóteles 26, 27, 29, 39, 96, 257, *1
Arndt, Sr a 244 Arnold, W. 13, 500 Artur 208 Asch, S. E. 368, 378 Agostinho,
Santo 29
Bach, família 59, *35a Bach, G. 12, 13, 14, 260, 569, 575 Bach, J. S. 59 Baier,
Liesel 379, 388 Bailey, N. 223 Bakke, E. W. 402 Baldwin, A. L. 306, 356, 484
Baldwin, J. M. 45, 167 Bales, R. F. 384 seg., 395, 417 Barbara 571 Baruch, D. 482
segs. Bauragarten, F. 504, 511 Bavelas, A. 418 Beach, F. 76 Beate 546 seg.
Bechterew, W. 34 Beck, S. 523 Beller, E. K. 518 Bello, F. 568 Ben 333 seg.
Bender, L. 163, 242, 562 Benedict, R. 46, 361 seg., 423, 446
segs., 455, 464 Berelson, B. 373, 400, 589 seg. Berger, H. 83 Bergius, R. 229,
306
Bertalanffy, L. von 12, 57, 65, 169, 260 Bettelheim, B. 486 Bettina 288 Bilz, J.
183 Binet, A, 48, 167, 496, *15, *32 Binswanger, L. 125 seg., 334, 508 Bíon, W.
R. 575 Blake, R. 114 Blanchard, Ph. 564 Blanck, G. 516 Bleuler, E. 162 seg., 215
BlixenTincke, K. T. 409 Bloch, D. A. 582 Blumer, H. 400 Boas, F. 44, 347, 448
Bohm, E. 523 Bolgar, H, 12, 13, 14, 15, 518, 538, 540,
552 segs. Bolle, F. 15 Bondy, C. 527 Boring, E. G. 30 Bowers, W. H. 269 BowIby,
J. 161 seg. Bracken ‘ H. von. 256, 334 Braid, J. 564 Braly, K. W. 367 Brammer,
L. M. 531 Brandenburg, G. C. 178 Braun, Hanna 532 seg. Breese, F. H. 485 Brenda
298, 510 Brent 210 Brentano, F. 34, *10 Breuer, J. 143 Brody, S. 163, 206, 207
Bronner, A. F. 263 Brown, J. S. 460 seg. Bruce 574 Bruner, J. S. 114, 278, 324
Brunswik, E. 94, 170, 197 Bühler, C. 34, SO, 63, 128, 140, 183,
194, 209, 229, 273, 278, 310, 313, 352,
498, 500, 504, 526, 529, 560, *166 BühIer, K. 16, 31 seg., 33, 38, 39, 108,
111, 128, 168, 172, 184, 207, 350, 487,
523, *21 Bülow, G. von 339 Bunker, H. A. 49 Burgess, E. W. 363, 423 segs.
Burt, Ch. 107 Busemann, A. 229, 306 Butzke, 1. 15
Cannon, W. B. 145 Cantril, H. 114, 278, 399 Cartwright, D. 47, 260, 380, 579
CattelI, J. Mc K. 48 Charcot, J. 564 Chasius, A. 301 Child, 1. 361 Chorus, A. M.
306 Chowdhry, K. 394 Christie, R. 369 ChurchilI, W. S. 342 Claparède, E. 107
Clausen, J. A. 515 Cleckley, H. M. 253 Cliburn, van 300 segs., *159, *160 Cobb,
S. 115 Cornte, A. 39, 421, 457 Cooley, C. H. 45, 347, 352, 379, 383 Corsini, R.
572 Cory, D. W. 321 Crutchfield, R. S. 97, 108
DaniclI, R. S. 48 Danny 392 Danzinger, L. 70 Darwín, Ch. 29, 31, 42, 457 David,
H. P. 256 Davis, A. K. 581 seg. Davis, K. 404 seg. de Grazia, S. 325 Dehn, G.
300 Dennis, W. 71, 200 Denny 297, 483, 510 Derbolav, J. 480 Despres, M. 302
Dewcy, J. 30, 45, 480, 486, *16 Dickson, W. J. 407 Dilthey, W. 36 Dimock, H. S.
63 Dinesen, 1. 409 Disney, W. 567 Doc 391 Dollard, J. 355, 398 Droemer, W. 15
Dublin, L. 1. 317, 329 Dubois, E. 85 Durfec, H. 350 Durkheim, E. 41 seg., 347,
420
Ebbinghaus, H. 108 Economo, C. von 85
Edison, Th. A. 331, *170, *171 Ehrenfels, Chr. von 26, 35, 95 Eisenhower, D. 340
Ekstein, R. 486, 518 Elinor 290 Elisabeth 78 Elkin, F. 353 Ella 133 segs. Elly
305 Engel, família 59, *35 Erich 255 Erikson, E. 139, 154, 208, 229, 273,
279, 306, 357, 486 Erwin 155 Escalona, S. 150, 163, 204, 206, 352 Eser, W. 318,
423 Evans, Sr. 534 Evchen 356 Eyferth, K. 480 Eysenck, H. J. 261 segs, 516, 520,
525 Ezriel, H. 575
Farah Aden 409 Farberow, N. 329 Farnsworth, D. 516 FecImer, G. Th. 21, 30, 145,
*8 Feifel, H. 342 seg. Fenichel, O. 218 Ferenezi, S. 538, 555 Fischer, A. 49
Fishberg, família 59, *34 Fishberg, 1. 59, *34 Fisher, L. 481 Flagstad, K. 59
Fontane, Th. 340 Foulkes, H. S. 575 Frances 208 Frank, J. 537, 559 Frank, L. K.
112, 525 FrankI, L. 70, 203 FrankI, O. 93 FrankI, V. E. 125 seg, 515, 548 Fred
425 Frederico o Grande 85 French, Th. 122, 545, 555 Frenkel, E. 197 Frenkel
Brunswik, E. 368 Freud, A. 356, 525, 561 Freud, S. 21, 36, 76, 106, 112, 117, 120
segs, 127, 128, 130, 139, 140 segs.,
151, 152, 154, 186 seg, 201, 212 segs,
229, 242, 257, 260, 267 segs, 277, 281,
288, 321, 354, 476, 486, 515, 520, 522,
525, 532, 537, 538, 541, 542, 545, 547,
564, 596, 14 Frieda 356 Fries, M. 54 Frisch, K. von 72 Frõhner, R. 319, 423
Fromm, E. 46, 127, 266, 267, 272, 368,
398, 427, 514, 518 Fung, Paul 449 Fung Kwok Keung 449 Fiirstenberg, F. 429 seg.
Galeno 28, 263 GalI, F. J. 81, *56 Galton, F. 32, 277 Gaudet, H. 373, 589 seg.
Gaupp, A. 483 Gebsattel, V. E. von 125 Geiger, Th. 413 seg. Gese11, A. 33 seg,
69, 158, 229, 242,
498, *22, *86 Giese, F. 50 Gilbert 238 segs. Gilbert, G. M. 5, 67 Gladwin T.
464 Glen 521 segs, 540, 543 segs., 545
segs., 549 seg. Glenn, J. H. 509, *254 GocIdard, H. 496 Goethe, J. W. 96,
332 Goffman, E. 360 Goldenweiser, A. A. 459 GoIdschmidt, W. 436, 448
Golcistein, K. 35, 89 seg, 96, 97, 128,
140, 272, 527, *20, *34 Gomperz, H. 27 Goode, W. J. 317, 319, 426 Goodenough, F.
191, 193 Gottschaldt, K. 265, 275 Gouldner, A. W. 403, 421 Grabinger, W. 15 Grace
571 Grancima Moses 228, 340 seg, *177, *178 Grazia, S. de 325 Green, Th. F. 341,
*180 Greenacre, Ph. 169, 187, 277 Gretel 155, 165 Grinker, R. 515 Groos, K. 32,
184 Grothe, Sr.’ 79
Grotjahr), M. 487, 549 Guest, R. N. 581 Guggenheim, F. 14, 15 Gutzkow, K. 365
Hacker, F. 14 Hagen, E. 503 Hal 249 Hall, C. 256, 266 HalI, G. St. 49, 167 HalI,
J. K. 48 HallowelI, A. 1. 467 Halverson, H. M. 159 Hankin, H. 116 Hanna 78
Hansel 351 Hartley, E. L. 366, 394 Hartley, R. E. 366, 394 Hartmann, H.
154, 251 Hartmann, N. 257 Hathaway, S. R. 520 Hauptmann, Sr. 411 Hauptmann,
Sr.’ 411 Havemann, E. 473 Havighurst, R. 229, 231, 279 Head, H. 242 Healey, W. 269
Hegel, G. F. W. 39 Heidegger, M. 111, 125, 513 Heider, F. 113, 390 HeimVõgtlin,
M. 282 Heinis, H. 497 Heinroth, O. 105 Heinz 494 Heiss, R. 14, 225, 258, 275,
525, 531 Helen 285, 294, 296 Hellpach, W. 50 HeImut 546 seg. Henrique 252 seg.,
284 Henry 564 Henry, A. F. 42 Henry, W. E. 582 Herbert 119, 129 Herskovitz, M.
437 Herwig, B. 50, 429, 577 Herzberg, F. 195, 325, 358 Hesíodo 317 Hetzer, H. 14,
34, 49, 101, 159, 177,
183, 190, 202, 389, 480, 494, 496, 498 Hilgard, E. 29 seg, 103, 104 Híllebrandt,
M. J. 490, 492 Hilprecht, H. V. 116
Hiltmann, H. 14, 530 Him,,vich, H. E. 569 Hipócrates 28, 263 Hitler, A. 398
Hobbes, Th. 39 Hochheimer, W. 480, 487 Hoff, H. 510 Hofstãtter, P. R. 13, 92, 96,
223, 225,
268, 295, 300, 347, 371, 416, 580, 586 segs. Hõhn, E. 32, 168 Holter, A. C. S.
311 Holter, A. K. 15 Homans, G. C. 382, 388 Homero 317 Homme, F. J. 20
Horkheimer, M. 368, 426 Horney, K. 46, 127 seg, 147, 266, 267,
272, 288, 514, 23, *35 Horowitz 366 Hu11, C. 104 Humboldt, A. von 339 Humboldt,
W. von 339, 344 Hume, D. 29 Humphrey, G. 109 Husserl, E. 35, 390 HuxIcy, J. 597
1 Iling, H. 569 Inkeles, A. 41 seg, 42, 44 Isabel 208
Jacqueline 181 Jahoda, M. 369, 517 James, J. 383 James, W. 31, 45, 47, *11
Jandorf, E. M. 278, 324 Janowitz, M. 400 Janssen, 1. 530 Jennings, H. 389 Joan
574 Job 282 Jocasta 151, *79 John 571 Johnson, Brent 247 Johnson, Linda 235, 237,
246 segs.,
291 seg., 297 Johnson, Ted 247 Jones, H. 174, 223 iones, John 473 Jones, M. C.
195, 223
Jung, C. G. 121, 127, 262, 271, 275, 333,
343, 547 Jungk, Robert 14, 15 Jungk, Ruth 14, 15
Kahn, R. L. 404 Kafla, E. 202 seg. Kalhorn, J. 485 Kant, 1. 342, 594, *181, *182
Kardiner, A. 419, 467, 514 Karpf, F. 12, 14, 15, 39 seg., 44, 538 Karpf, M. 12,
14, 15, 534, 535 Küthi 252 Katz, D. 33, 168, 211, 367, 390 Katz, E. 374, 400, 404
Kekulé v. Strador?itz, A. 116 Keller, W. 61 Kelly, G. 526, 528 Kelly, L. 225
Kennedy, J. 440 Kerschensteiner, G. 168 Key, E. 168 Kierkegaard, S. 513 Kimball,
W. L. 11 Kinsey, A. 303 seg, 320 Mapper, J. T. 590 Maus 362 Kleemeier, R. 325
Klein, M. 486, 534, 561, 563 Kleist, K. 85, 86 Klimpfinger, S, 94 Kline,berg, O.
362 Klopfer, B. 523 Kluckhohn, C. 44, 443, 446, 463 Kluckhohn, F. 273, 442 segs.,
446 Koch, M. 273 Koehler, O. 33, 105 Koffka, K. 35 KõhIer, W. 32, 33, 35, 88, 96,
110, 143,
172, 24, 35 KoIlwitz, K. 343, *183 Koskennierni, M. 210 seg. Kowalewska, S. 282
Kracauer, S. 422 Kraepelin, E. 162 seg, 263 KrafftEbing, R. von 277, 508 Kramer,
B. M. 366 Kraus, F. 257 Krause, Sr a 274 Krech, D. 97, 108 Kretschmer, E. 21, 59,
163, 262, 263,
275, 566, *26
Krevelen, A. van 194 Kroeber, A. 44, 435, 457, 458 Kroh, O. 198, 229 Krupp, A.
429 Kubie, L. S. 515, 568 KuhIen, R. J. 230, 279 Kuhlmann, F. 496 Külpe, O. 35,
108 Künkel, H. 317 Kurt 511 Kutner, B. D. 336
Lange, Robert 146 segs, 150 Langfcldt, G. 150, 255, 568 Laotse 96 LashIey, K. S.
43 Laski, H. 410 Lasswell, H. 398 Lavater, J. K. 28 Lazarsfeld, P. 13, M> 47,
279, 300, 373
seg., 389, 400, 504, 583 seg, 589 seg,
591 Lazarus, @M. 39, 41 Le Bon, G. 41, 347, 371, 398 Leeds, R. 11, 13, 14 Lefever,
W. D. 14, 501, 523 Lehmann, Fritz 379 seg, 388 Lehmanu, H. 197, 331 Lehmann, Irma
379, 388 Lehr, U. 306 Leighton, A. H. 515 Leitch, M. 163, 204 Leonie 216 Lerner,
M. 428 Lersch, P. 13, 112, 228, 242, 257 seg. Levant, O. 113 Levinson, D. J. 369
Levinstein, S. 168 Levy, D. 161, 214, 484, 486, 561 LévyBruhl, L. 41 seg. Lewin,
K. 35, 47, 96, 99, 104, 106, 109,
192, 258, 284, 357, 379, 380, 417, *25, *36 Lewis, M. M. 177 Liddell, H. 33 Lie,
Emil 313 Linda 235, 237, 246 segs., 291 seg,
297, 482 Lindemann, H. 566 Lindzey, G. 256, 266 Linton, R. 48, 419, 438, 440, 467
Lippitt, R. 47, 357, 389, 396
Lipset, S. M. 399, 421 Lisa 510 Locke, H. J. 13, 423 seg., 430 segs. Locke, J.
29, 44 Lombroso, C. 277 Lorand, S. 560 Lorenz, K. 33, 43, 72, 73, 105 seg., *54
Lõssl, E. 579 Louttit, C. M. 48 Lõwenfeld, M. 526, 528 Ludwig 134 Luise 171
Lunt, P. S. 412 Lutero, M. 456 Lynd, H. 46 Lynd, R. 46
Mac Farlane, J. W. 483 Mac Iver, R. M. 596 Mackay, J. S. 15 Magda 79 Maier, A. 15
Maier, Frau 74 Malinowski, B. 437, 447 Mannheim, K. 415 Maomé 424 Margot 147
Marguerite 210 Maria 119, 129 seg. Mark 571 Martha 237 Marx, K. 456 Mary 210
Maslow, A. 128, 140, 272, 316, 323, 329 Massarik, F. 390, 394, 405 Mausner, B.
195, 326, 358 Mauthner von Mautstein 49 Maxel 155, 221 seg, May, R. 125, 597
Mayer, A. 49> 429, 434, 577 Mayer, M. 585 Mayo, E. 50, 578 McCarthy, D. 177, 352
McCIelland, D. 194, 358 McDonald, F. J. 480, 486, 490 McDougalI, W. 32, 39, 43,
347, 349, *18 McFarlane, J. 223 Mclver, R. 399, 438, 457 McKinley, J. C. 520
Mead, G. H. 45, 46, 347, 350 Mead, M. 46, 267, 273, 447, 450 segs.,
453 segs.
MechIer, H. 579 Meili, R. 111, 224, 519, 523, 525 Mendel, G. 56 Meng, H. 566
Menninger, K. 330 Menninger, W. 539 seg. Merton, R. K. 47, 362, 408, 581 Mesmer,
A. 564 seg., *267 Meumann, E. 168 Meyer, A. 49 seg. Meyer, H. M. 529 Miles, W. R.
364 Miller, A. 282 seg. Miller, J. G. 115, 568 Miller, N. E. 355, 398 Minkowski,
M. 169 Mitscherlich, A. 149 Miyarnato, M. 15 Moede, W. 50 Moers, M. 306, 323
Mohr, G. 302 Monroe, M. 373, *194 MGntagu, A. 594, 597 Moore, T. V. 49 Morel, B.
162 Moreno, J. L. 46, 211, 389, 569, 573
seg. Morgan, C. T. 473 Morgan, L. 32, 43 Morris, Ch. 436 Moses, A. M. 228, 340,
*177, *178 Moustakas, C. E. 562, 564 Mozart, W. A. 116, 467 seg. Muccieli, R. 529
Mudd, E. H. 534 Müller, Wilhelm 379 Munch, E. 343, 513, *185, *256 Munroe, R.
268 Münsterberg, H. 50 Murdock, G. P. 423, 437 Murphy, G. 112, 226, 271, 276
Murphy, L. 226 Murray, H. A. 436, 467, 523
Nadine 298 Naegele, K. N. 457 Nagy, Bela 274 Nelson, F. 534 Neutra, R. 15, 335
seg., *172, *173 Newcomb, Th. M. 47, 362 NewelI, N. 164 Niebuhr, R. 461
Nietzsche, F. 125 Nina 243 Noland, A. 27 Nortons 392 Nutsy 392
Oldenburg, M. 84 Opler, Marvin K. 273, 286, 453, 464 Opler, Morris 447, 515
Oppenheimer, R. 509 Ortega y Gasset, J. 399 Otto 362 Ovesey, L. 514
Plark, R. E. 363 Parsons, F. 501 Parsons, T. 46, 359, 406, 418, 427, 428 Paulinho
156 Pawlow, I. P. 99, *13 Pepi 93 seg. Peters, W. 168 Pfahler, G. 334 Pfister, M.
525 Phyllis 571 Piaget, J. 33, 179 seg., 205, 224, 229,
351, *27, *36 Pichottka, 1. 15 Piorkowski, C. 50 Pitágoras 27 Planck, M. 594
Platão 27, 39, 96 Poppelreuter, W. 50, 434 Postman, L. 114 Pressey, S. L. 230,
279 Preyer, W. Th. 34, 167, *12 PurcelI, T. V. 431
Rank, O. 121, 271, 538, 555 Rebhuhn, W. 253 RedI, F. 292, 356, 486 Redlich, F. C.
273, 286, 473, 515 Reeves, R. 585 Reich, W. 218 Reininger, K. 211 Revers, W. J.
226 Rhinehart, J. 449 Richard 563 Richardson, S. 501 Riecken, H. W. 382
Riesmann, D. 295, 363, 402
Rilke, R. M. 344 Ripin, R. 101, 203 Roberts, Bill 228, 308 segs., 338, *163
Rocco, Johnny 381 Roe, A. 198, 278, 325 Roethlisberger, F. J. 50, 407, 578
Rogers, C. 272, 516, 538 seg., 541, 560 Rohracher, H. 86, 100, 104, 108, 109,
511 Rorschach, H. 520 segs. Rosenstiel, L. v. 12 Ross, E. A, 39, 43 Rothacker, E.
225, 228, 242, 257 seg. R. R., Sr.’ 508, 540, 552 segs. Rubinow, O. 93, 203
Ruch, F. 90, 91, 175 Rudert, J. 228, 258 Rümke, H. C. 306 Rupert 510 Ruppert, P.
490 Rust 178
Sally 283, 321 Sanford, R. N. 369, 397 Sapir, E. 456 Sarason, S. B. 464 Sargent,
S. S. 359, 401, 411 Schachter, St. 381 Scheinfeld, A. 449 Schelsky, H. 296, 300,
317, 319, 363,
413 seg., 491 SchenkDanzinger, L. 11, 14, 15, 167,
194, 494 seg, 501 Schiel, L. 15 Schilder, P. 569 SchjelderupEbbe, K. 390
Schmidt, W. 458 Schultz, J. H. 12, 565 seg. SchuIZ, Sr.’ 74 Schwartz, E. K. 515
Schweitzer, A. 331, 333, 469, 549 Sears, R. 216, 355, 358, 488 Selye, H. 65 Selz,
O. 35 Serena 574 Sethne, A, 311 segs, 324, 595, *164*168 Sethne, J. 313, *165
Seward, G. 364, 515 Seward, J. 15 Shakow, D. 49 Shaw, C. 46
Sheldon, W. 263, 265 Shepard, J. K. 405 Sherif, M. 47, 362, 368, 385, 407 Shils,
E. A. 406 Shneidmann, E. 329 Short, J. F. 42 Shostrom, E. L. 523 Simmel, G. 41,
347, 382, 411 Simmons, L. W. 461 Simon, Th. 496 Slavson, S. R. 569 Small, W. S.
103 Smith, M. E. 177 Smith, M. K. 177 Smitter, F. 194, 501 Snyderman, B. B. 195,
326, 358 Solberg, P. A. 230, 279 Sommer, Sr., 244 Sommer, Hilda 244 Sontag, L.
224 seg. Sorokin, P. 416, 456 Spearman, Ch. 107, 261, *17, *33 Spencer, H. 42, 44,
184 Spengler, O. 457 Spiegel, J. P. 515 Spiel, O. 510 Spinley, M. 515 Spitz, R.
130, 162, 201 segs., 350, 486 Spranger, E. 36, 127, 364, 480 S<prensen, H. 313
Staabs, G. von 525 Stackelberg, M. von 319, 423 Stagg, C. 341, *179 StanleyHall,
G. 277 Starbuck, E. D. 277 Steinthal, H. 39, 41 Stephan 361 Stem, C. 34, 168
Stern, E. 329 Stern, W. 34, 107, 108, 112, 168, 335,
496 Stets, W. 501 Stone, A. 534 Stransky, E. 257 Straus, E. W. 81, 125 Strong,
E. 225 Strupp, H. 559 Sullivan, H. St. 266, 508, 514, 538 Super, D. 501, 504,
505 Susi 156 Sven 499 S. Y. 527
Symonds, P. 293 Szasz, Th. 271, 508, 515, 517
Tácito 371 Taine, H. 33 Tales 26 Tandler, J. 49 Tannenbaum, R. 390, 394, 405
Tarde, G. 39, 41, 347, 371 TayIor, C. 13 TayIor, F. W. 578 Ted 563 Teirich, H. R.
12, 566 seg., 575 Tent, L. 494 Terman, L. M. 364, 496 Thigpen, C. H. 253 Thomae,
H. 13, 49, 221, 225, 227, 228,
256, 275, 580 Thomas, W. 1. 46, 347 Thomes, M. 13 Thorndike, E. L. 32, 104, 107,
174, 496,
503 Thorne, F. C. 548 Thorpe, W. H. 101 Thurstone, L. L. 107, 261 Ticiano 340
Tiedemann, D. 33 Tillich, P. 344 Tina 389 Tinbergen, N. 33, 43, 72, 105 seg., 169
Tíntoretto 337, 340, *174*176 Titchener, E. E. 30 Tocqueville, A. de 399 Tolman,
E. C. 104 Tomi 425 Tommie 351 Tõnnies, F. 41, 347, 384, 404, 421 Tony 465
Toscanini, A. 59, 113 Toynbec, A. 457 Turner, A. N. 581 Turrel, A. M. 502 TyIor,
E. B. 42, 435
Uexküll, J. v. 98 Uhr, L. 568 Ursula 252 Useem, J. 408 Useem, R. 408
van Cogh, V. 343, *184 van Krevelen, A. 194 Van Lennep 525 Vernon, M. D. 364
Vischer, A. L. 338, 340, 342 Vitor 133 segs., 137, 138, 139, 512 seg. Vogt, A. 331
Wãlder, R. 187 Walker, C. A. 581 Wallerstein, J. 563 Walter 283 Walter, W. G. 84
Wanda 236 seg. Warner, W. L. 411 Wartegg, E. 525 Watson, J. B. 32 seg., 168,
200, *19 Weber, M. 41 seg., 347, 407, 421, 457,
584 Wechsler, 1. R. 390, 394 Weigel, H. 467 seg. Weinert, F. 11, 12 Welser, E. 56
WeisskopfJoelson, E. 548 Weitzel, A. C. 502 Welford, A. T. 175 Wellck, A. 242
Welty, L. 15, 194 Wender, L. 569 Werner 494 Werner, H. 113, 228 Wertheimer, M.
35, 96, 98, 143 West, Ellen 125 West, J. 411 Wewetzer, K. H. 11, 13 White, L. 457
White, R. K. 47, 396 seg. Whitehead, T. N. 50 Whiting, J. W. M. 358 Whitman, C.
O. 105 Whyte, W. F. 391 seg., 582 Wiener, N. 88 Wiener, P. P. 27 Wilkín, H. A.
170 Willi 511 Williamson, R. C. 15, 359, 401, 411 Wilson, R. N. 515 Wineman D.
292 Winston,'@iss 534 Wiskc>tt, A. 61 Witmer, L. 48 Wolberg, L. R. 515 Wolf, K.
162, 202 Wolfenstein, M. 441, 454, 455 Wolff, W. 560 Wolpe, Z. 574 Wright, R. H.
12, 468 Wundt, W. 21, 26, 30, 31, 41, 108, 347, *9 Wylick, M. van 525, 528
Yerbury, E. C. 164 Yerkes, R. M. 32 Young, P. V. 15, 363
Zoigarnik, B. 100 Zilboorg, G. 48 Zillig, M. 490 Znaniecki, F. 46, 382 Zubek, J.
P. 230, 279
40
íNDICE GERAL
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
PARTE A INTRODUÇÃO
1. O nosso mpo necessita da Psicologia . . . . . . . . . . 19
2. O que é e o que @prange a Psicologia? . . . . . . . . . . 20
3. A Psico ogia actual e algo do seu passado . . . . . . . . . 22
Da história da psicologia do indivíduo . . . . . . . . . . 25 Da
história da psicologia social e da antropologia cultural . . 39 Da
história da psicologia aplicada . . . . . . . . . . . . 48
PARTE B0 INDIVíDUO
IAS RAIZES BIOLóGICAS
1. A vida é primàriamente activa . . . . . . . . . . . 53
2. O recémnascido é já um indivíduo . . . . . . 54
3. As características hereditárias e as adquiridas confluem logo
de início . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
4. É mais fácil comprovar a hereditariedade posteriormente do
que prevêIa . . . . . .. . . . . . 58
5. Para o desenvolvimento da personalidade o mundo circundante
é de importância decisiva . . . . . . . . . . . . . . . 60
6. Factos fundamentais do crescimento e do envelhecimento . . 62
7. Factos fundamentais da maturação biológica . . . . . . . 67
8. Maturação, experiência e desenvolvimento . . . . . . . . . 70
9. Influência da sexualidade na maturação . . . . . . . . . 71
10. O factor tempo no desenvolvimento . . . . . . . . . . . 73
11. Tudo o que acontece é de ordem psicofísica . . . . . . . . 76
12. Saúde e doença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
c( e po @ e o que b @(o,iMaactu 1
11 AS FUNÇõES
1. Os fenómenos psíquicos básicos . . . . . . . . . . . . . 81 *
que são funções? . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 *
experimentação na Psicologia Científica . . . . . . . . . 82
2. O cérebro e o sistema nervoso . . . . . . . . . . . . .
O cérebro é o órgão central . . . . . . . . . . . . . . Localizações no
cérebro . . . . . . . . . . . . . . . . Perturbações orgânicas do cérebro
. . . . . . . . . . . . * cérebro como sistema reticular . . . . . . . . .
. . . * ciência da cibernética . . . . . . . . . . . . . . . . Os lesados
cerebrais de Kurt GoIdstein e a reacção de catástrofe Crianças com lesões
cerebrais . . . . . . . . . . . . .
3. Os órgãos dos sentidos . . . . . . . . . . . . . . . .
As capacidades dos nossos sentidos . . . . . . . . . . . Existem muito
mais do que cinco sentidos . . . . . . . .
4. As percepções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que é uma percepção? . . . . . . . . . . . . . . . . A evolução da
constância do objecto . . . . . . . . . . . Ilusões ópticas . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . .
O princípio da configuração . . . . . . . . . . . . . . A reacção de
forma e fundoe as figuras reversíveis . . . . . A apreensão global e a
aprendizagem mecânica . . . . . . .
5. Memória e aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . .
O que é a memória? . . . . . . . . . . . . . . . . . Diversos modos de
aprendizagem . . . . . . . . . . . . Experiências com animais em
labirintos . . . . . . . . . Teorias da aprendizagem . . . . . . .
. . . . . . . . . A teoria de Tolman . . . . .. . . . . . . . . . . . .
Animais que seguem preponderantemente os instintos . . . . A teoria da
aprendizagem de Kurt Lewin . . . . . . . . .
6. Inteligência e Pensamento . . . . . . . . . . . . . . .
O que é a inteligência? . . . . . . . . . . . . . . . . .
O pensamento como apreensão de sentido . . . . . . . . . As experiências
de KõhIer com chimpanzés . . . . . . . .
7. Emoções e Impulsos . . . . . . . . . . . . . . . . .
O campo dos sentimentos . . . . . . . . . . . Os movimentos impulsivos
. . . . . . . . . . . . . . . Diferenças individuais e o mundo «privado»
. . . . . . . . As paixões influenciam as percepções . . . . . . . . .
. . Outras interpretações subjectivas da percepção . . . . . . .
8. Funções psíquicas inconscientes . . . . . . . . . . . . .
Dezasseis modos de inconsciente . . . . . . . . . . . . . Os fenómenos
oníricos como símbolo ou profecia . . . . . . Sonhos criadores e
inspirações intuitivas . . . . . . . . . Sonhos e recalcamentos em@Õcionais
. . . . . . . . . . .
111 A MOTIVAÇÃO
1. O que é a motivação? . . . . . . . . . . . . . . . . .
2. Motivação normal e patológica . . . . . . . . . . . . .
3. Novas teorias das motivações básicas . . . . . . . . . . .
14. O Existencialismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
S. A Psicologia Humanista . . . . . . . . . . . . . . . .
6. Tendências básicas e finalidades de vida . . . . . . . . .
7. Potencialidades e Valores . . . . . . . . . . . . . . .
8. A teoria da motivação de Freud . . . . . . . . . . . .
9. Um caso psicossomático . . . . . . . . . . . . . . . .
145
10. Diversas opiniões acerca das origens das doenças mentais . .
146
11. Definição de neurose e da disposição psíquica . . . . . . .
149
A nova psicologia do Eu . . . . . . . . . . . . . . . .
154
IV O DESENVOLVIMENTO
1. Conversa entre duas mães . . . . . . . . . . . . . . .
155
2. Maturação e desenvolvimento psíquico . . . . . . . . . . .
156
3. Ambiente e desenvolvimento psíquico . . . . . . . . . . .
161
4. Predisposição e desenvolvimento psíquico . . . . . . . . .
165
5. Funções e realizações no desenvolvimento . . . . . . . . .
167
O desenvolvimento do conhecimento . . . . . . . . . . .
170 Adestramento e inteligência . . . . . . . . . . . . . . .
172
* desenvolvimento da aprendizagem . . . . . . . . . . .
174
* início da linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . .
176
* primeiro pensamento reflexivo . . . . . . . . . . . .
179 Pensamento mágico e simbólico . . . . . . . . . . . . .
180 Jogo, criação, realizações e interesses no desenvolvimento . .
184
O prazer da função . . . . . . . . . . . . . . . . . .
184 Inícios do domínio . . . . . . . . . . . . . . . . . .
186 Jogos de ficção . . . . . . . . . . . . ... . . . . ...
187 Jogos de construção . . . . . . . . . . . . . . . . . .
189 A actividade física no jogo e a necessidade moderna de movimento
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190
Percepção e projecção . . . . . . . . . . . . . . . . .
191 Realização e trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . .
192 Vital! dade e mentalidade como factores de realização . . . .
196
O interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
197 Funções sociais no desenvolvimento . . . . . . . . . . .
200 A teoria psicanalítica acerca das relações mãefilho . . . . .
201 Interacção e comunicação bem sucedida . . . . . . . . .
206 Condução recíproca . . . . . . . . . . . . . . . . . .
207 Intercâmbio social entre bebés . . . . . . . . . . . . .
208 A integração num grupo . . . . . . . . . . . . . . . .
211
O início da sexualidade . . . . . . . . . . . . . . . .
212 Instintos sexuais parciais . . . . . . . . . . . . . . . .
213
O período da latência e a puberdade na teoria da sexualidade de Freud
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217 A teoria
de Freud acerca da origem da angústia . , . . . . 218
Influências hormonais no desenvolvimento . . . . . . . . .
219
6. Investigações sobre o desenvolvimento através de estudos
longitudinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
220 Desenvolvimento gradual e desenvol ‘vimento repentino . . . .
221 Constância e variabilidade no desenvolvimento . . . . . . .
223
7. O desenvolvimento como cunhagem . . . . . . . . . . .
225
8. Teorias do desenvolvimento . . . . . . . . . . . . . . .
227
As teorias de fases acerca do desenvolvimento . . . . . . .
229 Ascensão e declínio de funções e realizações da idade média
230 Tarefas de desenvolvimento segundo Havighurst . . . . . .
231
V A PERSONALIDADE
1. O que significa a palavra «Personaljd@ide».) . . . , . . . . 233
Acerca do conceito de Personalidade . . . . . . . . . 235
3@ A estrutura e a evolução da Personalidade . . . . . . . . . 240
4. Estrutura de Personalidade normal e patológica . . . . . . 251
5. A investigação da Personalidade e as teorias da Personalidade 256
Teorias de camada da personalidade . . . . . . . . . . . 257 As
teorias gestaltistas da personalidade . . . . . . . . .. . 2,58 As
teorias dos factores da personalidade . . . . . . . . 261 Teorias
tipológicas da personalidade . . . . . . . . . . . 263 As teorias
sociopsicológicas da personalidade , , . . . . . 266 As teorias
psicanalíticas . . . . . . . . 268
6. Carácter e Personalidade . . . . . . . . . . . . . . . . 273
VIO DECURSO DA VIDA HUMANA
1. Questões de métodos . . . . . . . . . . . . . . . . . 277
2. Propositura de problemas . . . . . , . . . . . . . . . 280
3. Como é sentido o êxito e fracasso da vida? . . . . . . . . 281
4. Expectativas da vida e a concepção de vida . . . . . . . . 284
5. Finalidades e problernas de vida . . . . . . . . . . . . . 287
6. Inícios infantis durina vida realizada ou falhada 289
7. Os problemas do êxito e fracasso na adolescência 293
Problemas da autodeterminação . . . . . . . . . . . . . 297
Problemas do desenvolvimento sexual dos impulsos . . . . . 302 Acerca
de divisões em fases . . . . . . . . . . . . . . 306
8. A fase média da vida . . . . . . . . . . . . . . . . . 308
Acerca da homossexualidade , . @ . . . . . . . . . . 320
O problema do tempo na vida . . . . . . . . . . . . . 323
Actividade profissional e actividade recreativa . . . . . . . 324
9. Climatério e balanço da vida . . . . . . . . . . . . . . 328
10. A problemática da realização na idade avançada e na morte 336
PARTE CA SOCIEDADE
VIIO INDIVIDUO E A SOCIEDADE
1. Considerações iniciais . . . . . . . . . . . . . . . . . 347
2. O condicionalismo social e as necessidades sociais do indivíduo 348
3. A Socialização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 352
4. O conceito do papel . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359
5. Papéis e valores . . . . . . . . . . . . . . . 362
6. O desenvolvimento de preconceitos e de formação da opinião 365
7. Os meios de divulgação e a sua influência nas atitudes sociais 369
VIIIO GRUPO E O INDIVIDUO
1. O que é um grupo? ... . . . . .
2. A origem e a subsistência dos pequenos grupos
378
382
3. Estrutura e processos de grupo . . . . . . . . . . . . . 384
4. Chefia, grupo e massa . . . . . . . . . . . . . . . . . 393
Organização, motivação e controle . . . . . . . . . . . . 402
6. Estratifícação, mobilidade e mutação sociais . . . . . . . . 409
IXEXEMPLO DE ESTRUTURAS SOCIAIS
1. Grupos naturais e artificiais . . . . . . . . . . . . . . 421
2. A família: um grupo natural . . . . . . . . . . . . . . 422
3. A empresa: um grupo artificial . . . . . . . . . . . . . 429
X AS CULTURAS
I. Definição e problemática . . . . . . . . . . . . . . . . 435
2. Características universais da cultura . . . . . . . . . . 436
Ordem . . . . . . . . . . . . . . . ; . . . . . . . 438 Valores
, . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 440 Integração .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 446 Tradição . . . . . .
. . . . . . . . « . . . . . . . 448 Mutação cultural . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . 456
3. Diferenças culturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 459
4. O indivíduo e a sua cultura . . . . . . . . . . . . . . 463
PARTE DA PRATICA
XIO PAPEL DA PSICOLOGIA E A SUA APLICAÇÃO PRATICA
NA VIDA DE HOJE . . . . . . . . . . . . . . . . 473
XIIA PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO E GRIENTAÇÃO PROFISSIONAL
1. Considerações introdutórias . . . . . . . . . . . . . . . 479
2. A prática e a teoria no tratamento das crianças . . . . . . 481
3. Educação escolar e psicologia . . . . . . . . . . . . . . 487
4. A compreensão e valoração psicológica do aproveitamento . , 491 S. A
psicologia na orientação profissional . . . . . . . . . . 501
XIIIA PSICOLOGIA NAS PROFISSÕES DE ASSISTÊNCIA
1. As profissões de assistência no nosso tempo . . . . . . . . 507
2. Apreensão clínica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 514
3. Quem diagnostica e quem trata? . . . . . . . . . . .
4. Problemas e processos diagnósticos . . . . . . 516
Características da personalidade normal . . . . . . . . . . 517
O processo diagnóstico . . . . . . . . . . . . . . . . 518 Testes
verbais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 519 Métodos
projectivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 520
O teste de Rorschach . . . . . . . . . . . . . . . . . 520
O teste TAT . , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 523
Projecção e Interpretação . . . . . . . . . . . . . . . Outros testes de
personalidade . . . . . . . . . . . . . Métodos de testes para crianças . .
. . . . . . . . . . . * bateria de testes . . . . . . . . . . . . . . . . . . *
diagnóstico diacrítico . . . . . . . . . . . . . . . . Outro estudo
diagnóstico . . . . . . . . . . . . . . . .
5. A orientação psicológica . . . . . . . . . . . . . . . .
6. Psicoterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
O que é a psicoterapia . . . . . . . . . . . . . . . . . a) A relação entre
terapeuta e paciente . . . . . . . . . . b) As declarações do paciente . . .
. . . . . . . c) A intervenção do terapeuta . . . . . . . . . . . . . . A
exploração analítica . . . . . . . . . . . . . . . . . A interpretação dos
sonhos . . . . . . . . . . . . . . . A exploração construtiva . . . . . . . .
. . . . . . . . d) A finalidade da terapia . . . . . . . . . . . . . . . Franz
Alexander acerca da escolha da psicanálise longa ou breve e) O êxito da
psicoterapia . . . . . . . . . . . . . . .
7. Métodos especiais de psicoterapia . . . . . . . . . . . .
A psicoterapia com crianças . . . . . . . . . . . . . . Hipnose, treino
autógeno e terapia pela música . . . . . . . Psicofarmacologia e terapia de
choque . . . . . . . . . . A terapia de grupo . . . . . . . . . . . . . . .
. . .
XIVA PSICOLOGIA INDUSTRIAL
1. A psicologia de empresa . . . . . . . . . . . . . . . .
2. A cunhagem profissional da personalidade no âmbito da empresa
3. Produtor e consumidor na psicologia de mercados . . . . .
4. A acção de escolha na actividade política e comercial . . . .
XV PSICOLOGIA E FILOSOFIA DA VIDA
A P É N D 1 C E
Bibliografia . . . . . Referência das gravuras índice onomástico . .
Esta edição de A PSICOLOGIA NA VIDA DO NOSSO TEMPO, de Charlotte Büliler, foi
composta e impressa para a Fundação Calouste Gulbenkian nas oficinas da
Tipografia Antônio Coelho Dias, Lda., em Lisboa. A tiragem é de 3000 exemplares,
sendo 1500 brochados e 1500 encadernados. A brochura e a encadernação foram
feitas por Virgílio Pereira da
Costa, Lisboa. Janeiro, 1971.