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Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil

NATHALIA OLIVEIRA ALVARES

OS COROLÁRIOS DA BOA FÉ OBJETIVA

Brasília, DF
2019
NATHALIA OLIVEIRA ALVARES

OS COROLÁRIOS DA BOA FÉ OBJETIVA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


Universidade Candido Mendes (Atame) como
requisito parcial para obtenção do título
de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo
Civil.

Brasília, DF
2019
ALVARES, Nathalia Oliveira.

Título: Os Corolários da Boa-fé Objetiva / Nathalia Alvares. – 2019.


46, f.
Trabalho de conclusão de curso de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo
Civil – Universidade Candido Mendes

(ATAME), 2019.

1. Princípio da Boa-Fé Objetiva. 2. Funções da Boa-Fé Objetiva. 3.Conceitos


Parcelares da Boa-Fé Objetiva.

CDU
NATHALIA OLIVEIRA ALVARES

OS COROLÁRIOS DA BOA FÉ OBJETIVA

Trabalho de conclusão de curso apresentado à


Universidade Candido Mendes (Atame) como
requisito parcial para obtenção do título
de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo
Civil.

Aprovado em: ______ / ______/ ______. Nota de Aprovação: _____________________


RESUMO

O presente estudo tem por objetivo a análise em geral da boa-fé objetiva principalmente
voltada para o Direito Civil, bem como de seus conceitos parcelares. Para desenvolver esse
trabalho, primeiramente foi necessário abordar o histórico da boa-fé fé objetiva e seu
surgimento no mundo jurídico, sendo certo que seu marco inicial ocorreu no direito romano,
francês e alemão, e, no Brasil, com o Código Comercial, que apenas veio a aplicado graças às
influências da Revolução Francesa, com o Código Civil de 1916. Com efeito, a boa-fé
objetiva veio para ampliar e autorizar as interpretações nas normas contratuais, obrigando as
partes a agir com ética, honestidade e lealdade desde a fase pré-contratual até a pós contratual.
Também será exposto as funções da boa-fé objetiva, quais sejam: função interpretativa;
função integrativa e função de controle. Por fim, fora exposto os conceitos parcelares da boa-
fé objetiva, as quais sevem de suporte para interpretar, suprir e corrigir o contrato quando
houver um desbalanceamento na relação jurídica estabelecida. Referidos conceitos são
denominados como: Venire Contra Factum Proprium non potest, Supressio, Surrectio, Tu
quoque, Duty to mitigate the loss e Exceptio Doli.

Palavras-chave: Princípio da Boa-fé objetiva. Funções da Boa-Fé Objetiva.


Conceitos Parcelares.
ABSTRACT

The objective of this study is the general analysis of the objective good faith mainly focused
on the Civil Law, as well as its partial concepts. To develop this work, it was first necessary
to address the history of good faith, objective faith and its emergence in the juridical world,
being certain that its initial mark occurred in Roman, French and German law, and in Brazil,
with the Commercial Code, which only came to be applied thanks to the influences of the
French Revolution, with the Civil Code of 1916. In fact, objective good faith came to extend
and authorize interpretations in contractual norms, obliging the parties to act with ethics,
honesty and loyalty from the pre-contractual phase until contractual post. It will also be
exposed the functions of objective good faith, which are: interpretive function; integrative
function and control function. Finally, it was exposed the concepts of objective good faith,
which support to interpret, supply and correct the contract when there is an imbalance in the
legal relationship established. Such concepts are referred to as: Venire Contra Factum
Proprium non potest, Supressio, Surrectio, Tu quoque, Duty to mitigate the loss e Exceptio
Doli
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 8
1 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA ........................................................................................................ 10
1.1 Breve histórico do surgimento da Boa-fé objetiva...................................................................... 10
1.2. Conceito geral de Boa-fé no Direito e distinção entre Boa-fé Objetiva e Subjetiva. ................. 14
2 FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO ........................................................ 22
2.1 Função de Interpretação ............................................................................................................. 22
2.2 Função Integrativa....................................................................................................................... 23
2.3 Função de Controle ..................................................................................................................... 25
3 CONCEITOS PARCELARES DA BOA-FE OBJETIVA ................................................................................ 27
3.1 Venire Contra Factum Proprium non potest ............................................................................... 28
3.2. Supressio..................................................................................................................................... 31
3.3. Surrectio ..................................................................................................................................... 33
3.4 Tu quoque .................................................................................................................................... 35
3.5 Duty to mitigate the loss ............................................................................................................. 37
3.6 Exceptio Doli ............................................................................................................................... 41
CONCLUSÃO .......................................................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 45
8

INTRODUÇÃO

Todo negócio jurídico a ser realizado pressupõe-se que ambas as partes estão
baseadas em negociações justas, probas e íntegras, entretanto, dentro uma sociedade
capitalista por muitas vezes tal expectativa não é respeitada.
Ao contrário, há relações jurídicas que quando da sua negociação já se encontra
imbuída de estrita má-fé, fazendo com que por diversas vezes, a outra parte seja prejudicada
e, por conseguinte, tenha sua expectativa frustrada.
Diante de tal situação, há de analisar não só a letra fria da lei, que por muitas
vezes está sendo cumprida, mas também o modelo de conduta empregado por ambas as
partes, em conformidade com os padrões, usos e costumes do lugar, a fim de se averiguar a
boa-fé, razão pela qual é de extrema importância a análise e aprofundamento nos institutos
que regem a boa-fé objetiva.
A boa-fé objetiva vem sendo tratada em diversos ramos do direito, inclusive na
área de Direito Público, devendo estar presente em todas as relações jurídicas.
Estipulado no art. 422 do Código Civil, a boa fé objetiva estabelece padrões de
conduta que todo contratante deve seguir e que por diversas vezes não estão estipulados como
centro do negócio jurídico entabulado.
A consequência disso é que uma parte restará prejudicada por realizar um negócio
jurídico legal, mas que não corresponde à intenção ou vontade da parte quando de sua
contratação.
Nesses casos, há a possibilidade de analisar as lacunas e interpretações daquele
negócio, ampliando ou retraindo as obrigações ali estipuladas, utilizando os institutos da
Venire Contra Factum Proprium non potest, Supressio, Surrectio, Tu quoque, Duty to
mitigate the loss e Exceptio Doli, os quais serão devidamente tratados e detalhados no
presente trabalho.
O presente trabalho visa a análise de cada instituto da boa-fé objetiva, bem como
as consequências e implicações práticas no meio jurídico, com demonstrações de exemplos e
o entendimento pátrio dos Superiores Tribunais de Justiça e recentes julgados do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal.
9

Como metodologia de pesquisa adotada enquadra-se na investigação dogmática,


com os conceitos sobre o instituto da boa-fé objetiva, os quais são apresentados numa linha
lógico-jurídica, tendo por base a doutrina e jurisprudência contemporânea, analisando todo o
seu conteúdo, procurando, desse modo, melhor desenvolver a matéria sob exame.

No primeiro capítulo buscou-se aprofundar o tema com o surgimento da boa-fé


objetiva, realizando distinção entre a boa-fé objetiva e subjetiva, com suas consequências no
meio jurídico.
No segundo capítulo buscou-se analisar as funções da boa-fé objetiva, a fim de
entender a motivação e reconhecimento da boa-fé objetiva no ordenamento pátrio.
Por fim, no último capítulo foi apresentado o tema principal da presente
monografia, que é o estudo específico dos institutos da boa fé objetiva (supressio; surrectio;
venire contra factum proprium e tu quoque), colacionando jurisprudências dos Tribunais
Superiores e doutrinas, a fim de demonstrar as consequências práticas de cada um dos
institutos.
10

1 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA


1.1 Breve histórico do surgimento da Boa-fé objetiva

Cada dia mais a sociedade vêm tendo a necessidade em analisar as relações


jurídicas que são estabelecidas, sob o prisma da boa-fé contratual, a fim de se obter o
equilíbrio nas relações.
Tal importância é nítida e notória, tanto que o legislador introduziu o princípio da
boa-fé objetiva, no Código de Defesa do Consumidor, no Código Civil de 2002, bem como no
novo diploma do Novo Código de Processo Civil, ao se reconhecer a figura da boa-fé objetiva
processual. Também encontra-se presente no ramo do direito do trabalho, administrativo, e
alcança as fases pré e pós contratual.1
Segundo Judith Martins Costa “o princípio [boa-fé objetiva] atua em todos os
‘ramos’ do Direito” (MARTINS-COSTA, 2002, p. 214).
Muito embora a boa-fé esteja presente em todos os ramos do direito, nesse
trabalho será tratada a matéria no ramo do Direito Civil, a fim de adentrar nos conceitos
parcelares do instituto da boa-fé objetiva.
Segundo ensina Tartuce, a boa-fé objetiva foi introduzida no Código Civil de
2002, sendo certo que no Código Civil de 1916 a boa-fé reconhecida era a subjetiva, in verbis:
Uma das mais festejadas mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002 refere-se
à previsão expressa do princípio da boa-fé contratual, que não constava da
codificação de 1916. Como se sabe, a boa-fe, anteriormente, somente era
relacionada com a intenção do sujeito de direito, estudada quando da análise dos
institutos possessórios, por exemplo. Nesse ponto era conceituada como boa-fé
subjetiva, eis que mantinha relação direta com aquele que ignorava um vício
relacionado com uma pessoa, bem ou negócio.2 Fl. 623.

Impende mencionar que a boa-fé objetiva já era previsto no Código de Defesa do


Consumidor, segundo preceitua seu art. 4º, inciso III:
"a Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das
necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a
proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem
como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes

1
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
2
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. Fl. 623.
11

princípios: (...) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de
consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de
desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos
quais se finda a ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sempre com
base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores"

A fim evitar qualquer confrontação de norma, o Superior Tribunal de Justiça


publicou o Enunciado nº 27, segundo o qual: "Na interpretação da cláusula geral da boa-fé
objetiva, deve-se levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas
com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos".
Mas antes da boa-fé ser reconhecida no sistema brasileiro, sua origem histórica se
deu nos modelos romanos, francês e alemão, os quais passa-se a transcrever.
Na origem romana, sua influência iniciou pelo instituto da fides, que, segundo
Edilson Nobre “[...] tudo começara com a fides. Esta fornecera, desde os tempos iniciais de
formação jurídica romana, a noção a pautar as vinculações sociais e morais dos cidadãos.”3
No direito romano a fides significava, segundo Edilson Nobre:
“A fides representara, assim, o fundamento natural das relações humanas em Roma,
dela emanando a concepção de confiança, a alcançar reminiscências nos dias atuais,
tanto que, longuíssimo tempo após o desaparecimento da tradição religiosa, o aperto
de mãos ainda denota sinal de segurança mútua.”4

Com o desenvolvimento da sociedade, apenas a figura da fides não era mais


suficiente para as relações obrigacionais, vez que se passou ter a necessidade das pessoas
adotarem um comportamento de acordo com as suas condutas e com os usos e costume do
comércio, surgindo assim a figura do bona fides5, a qual teve grande importância para a
origem da boa-fé objetiva.
No direito francês, a boa-fé surgiu quando do advento do Código Civil Francês de
1804, o qual teve como base ideológica a liberdade, sendo esse o caminho para a proteção da
liberdade e propriedade.6

3
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 60-61.
4
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 60-61.
5
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 60-61.
6
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 83.
12

Com a Revolução Francesa, as noções de individualismo e autonomia da vontade


passaram a ser o papel fundamental nas relações negociais, servindo o Estado apenas como
um mero garantir dos direitos e liberdades dos indivíduos.
Assim ensina Eugênio Facchini Neto:
As normas estatais protetoras do indivíduo buscavam assegurar tão-somente seu
espaço de liberdade econômica, protegendo o cidadão contra o próprio Estado. As
limitações aos direitos subjetivos, quando existentes, eram aquelas necessárias para
permitir a convivência social.7

Com efeito, a boa-fé foi disciplinada mais especificamente no art. 1134 do Código
Civil Francês de 18048. A primeira parte do artigo tratou do pacta sunt servanda, ou seja, os
convencionados valiam como lei entre as partes. O objetivo era blindar o contrato e as
vontades das partes, não havendo que se falar em interpretações ou intervenções do
magistrado para analisar uma eventual avença.
Percebe-se que a boa-fé, embora existente, era tratada de uma forma secundária,
que, conforme Edilson Nobre “o contratual – costumava-se dizer - confundia-se com o
justo.”9
Nelson Rosenvald se manifesta sobre o tratamento secundário dado à boa-fé pelo
princípio da autonomia da vontade, in verbis:
“Outrossim, o princípio da boa-fé restava inteiramente absorvido pela hegemônica
atuação do dogma da autonomia da vontade. Era evidente o fascínio dos cultores do
direito pela primeira parte do citado art. 1.134 – ‘as convenções legalmente
formadas têm lugar de lei entre as partes’ (alínea a) -, com o desprezo pela parte
final do dispositivo (alínea c), que fazia alusão à boa-fé. Ou seja, do ideário clássico
da Revolução Francesa, ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, a burguesia se apossou
dos dois primeiros valores e comodamente se esqueceu do dever de solidariedade,
que apenas ressurgiu 150 anos após.”10

7
SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. Porto Alegra:
Livraria do Advogado, 2003. p.20.
8
Code civil des Français. 1.134. Les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux qui les ont
faites. Elles ne peuvent être révoquées que de leur consentement mutuel, our pour le causes que la loi autorise.
Elles doivent être exécutées de bonne foi.
9
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 83
10
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 77.
13

Referido professor continua os ensinamentos “[...] é na Alemanha da Idade Média


que nasce a formulação da boa-fé que perduraria até a codificação de 1900 e, posteriormente,
migraria para as outras codificações romanísticas.”11
No direito alemão, o principal dispositivo do BGB que tratava da boa-fé foi o §
242, que disciplinava “O devedor está adstrito a realizar a prestação tal como exija a boa-fé,
com consideração pelos costumes do tráfego”.
José Guilherme Giacomuzzi leciona sobre o princípio da boa-fé objetiva
registrado no § 242 do BGB de 1900, “[...] a princípio, não era mais que um reforço ao § 157,
e não foi de pronto alvo da atenção dos juristas alemães.” Referindo-se aos contratos, o § 157
do BGB de 1900 trazia que, na interpretação daqueles, dever-se-ia levar em consideração a
boa-fé e os costumes do tráfego. 12
Foi apenas na década de 20 que a boa-fé passou a ter significativa valorização ao
ser reconhecida pela jurisprudência e doutrina como norma geral de conduta, que segundo
Edilson Nobre:
“No que concerne aos deveres particulares de conduta extraídos da mensagem
contida no § 242 do BGB, tem-se o seu referimento à preparação da prestação, à
forma de execução desta, juntamente com a cooperação necessariamente esperada de
cada uma das partes, segundo considerações eqüitativas ocorrentes no caso concreto.
Abrangem tanto a fase pré-contratual (dever de informação), uma vez as tratativas
criarem uma vinculação especial de recíproca confiança, como a posterior ao
contrato, exigindo, de acordo com as circunstâncias, que os contratantes, findo o
negócio jurídico, omitam todo comportamento mediante o qual a outra parte teria
essencialmente reduzidas as vantagens oferecidas por aquele.”13

A boa-fé apareceu no Brasil primeiramente no Código Comercial de 1850 em seu


art. 131, o qual previa que havendo necessidade de interpretação de um contrato, tal
intepretação deveria ser em conformidade com a boa-fé. Contudo tal norma não era aplicada
na doutrina, nem nos tribunais:
“Antes mesmo da promulgação do Código Civil, o nosso direito já possuía uma
norma que, ainda em vigor, contempla em termos explícitos a boa-fé incidente no
campo da ação contratual, mas limita àquela função cânone interpretativo. Estamos,
aqui, nos referindo ao art. 131 do Código comercial, datado de 1850, o qual,

11
ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 77.
12
GIACOMUZZI, José Guilherme. A moralidade administrativa e a boa-fé da administração pública: o
conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 233.
13
NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito administrativo
brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2002. p. 102.
14

segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “permaneceu letra morta por falta de
inspiração da doutrina e nenhuma aplicação dos tribunais”.14

Sob forte influência do modelo liberal adotada pelo Código Francês, houve o
advento do Código Civil de 1916 e referida cláusula não foi consagrada expressamente, eis
que o código era totalmente voltado para o cunho patrimonial, individual e liberalista.15
Posteriormente, a sociedade passou por diversas transformações, passando por
diversas alterações sociais e necessidade de promulgações de leis especiais que
regulamentassem os novos problemas emergentes, como é o caso do Código de Defesa do
Consumidor (1990), Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e a Lei de Locações (1991),
diplomas esses que o Código Civil passou a ter aplicação residual.
Com o Código Civil de 2002, houve consagração expressa do princípio da boa-fé
em diversos dispositivos, e aparece associada ao abuso de direito, formação dos contratos,
direito real, posse, dentre outros, disciplinando que a mesma deve ser observada tanto na
conclusão como na execução do contrato.
Tem-se então que a boa-fé passou por diversas modulações, sendo que
anteriormente era relacionada a intenção do sujeito e, atualmente, atua como princípio
primordial às relações contratuais e obrigacionais.

1.2. Conceito geral de Boa-fé no Direito e distinção entre Boa-fé Objetiva e Subjetiva.

A palavra boa-fé origina-se do latim “bona fides”, que significa honestidade,


confiança, lealdade, de modo que quando se trata da ciência do direito, significa não apenas
respeitar a lei, mas também agir em conformidade com as regras de conduta e postura
coerente com os seus atos, sendo sempre presumida.
Com efeito, o princípio da boa-fé se subdivide em duas essenciais linhas
interpretativas da conduta do agente: “boa-fé subjetiva, também chamada de concepção

14
NOVAIS, Aline Arquette Leite. Os Novos Paradigmas da Teoria Contratual: O Princípio da Boa-fé
Objetiva e o Princípio da Tutela do Hipossuficiente. In: TEPEDINO, Gustavo (Cood). Problemas de direito
civil Constitucional. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.17-54. p. 27.
15
RODRIGUES, Renata de Lima. As tendências do Direito Civil brasileiro na pós-modernidade. Jus
Navegandi. Disponível em https://jus.com.br/artigos/6617/as-tendencias-do-direito-civil-brasileiro-na-pos-
modernidade. Acesso em 17 jan 2019.
15

psicológica da boa-fé, e boa-fé objetiva, também denominada concepção ética da boa-fé”


(GONÇALVES, 2014, p. 91.).
Em linhas gerais, a boa-fé objetiva consiste na consciência de uma conduta correta
e ilesa, enquanto a boa-fé subjetiva consiste na crença errônea a respeito de uma situação para
justificar determinado comportamento e seus casos estão estipulados por lei. (ASSIS NETO,
2014).
A boa-fé subjetiva considera a intenção do sujeito. Consiste em “uma situação
psicológica, um estado de ânimo ou de espírito do agente que realiza determinado ato ou
vivencia dada situação, sem ter ciência do vício que a inquina” (GAGLIANO, 2005).
Carlos Roberto Gonçalves (2014, p. 44) explica que a boa-fé subjetiva:
“Diz respeito ao conhecimento ou à ignorância da pessoa relativamente a certos
fatos, sendo levada em consideração pelo direito, para os fins específicos da situação
regulada. Serve à proteção daquele que tem a consciência de estar agindo conforme
o direito, apesar de ser outra a realidade.”

Tem-se que a boa-fé subjetiva está relacionada ao estado psíquico do sujeito e às


noções de justiça em conformidade com o direito no momento da realização do negócio
jurídico. Ela diz respeito ao conhecimento ou ignorância no que se refere a certos fatos. O
agente acredita que aquela conduta está correta, que está de boa-fé.16
O Doutor Luciano de Camargo Penteado cita o seguinte exemplo:
Já no que tange à boa-fé subjetiva, pode-se dar como exemplo o do possuidor que,
de boa-fé, tem a seu favor uma série de efeitos jurídicos, como a contagem de prazo
reduzida para fins de usucapião, na modalidade ordinária (CC 1242 caput e 1260), o
direito de retenção, como garantia de indenização por benfeitorias e acessões
realizadas no imóvel (CC 1219) e ainda, entre muitos outros, certos benefícios em
matéria de acessão imobiliária, quer perante o titular do terreno a que acede
materiais (CC 1255 caput), quer ainda perante o que desempenha acessões em
imóvel de sua titularidade (1x256 caput, interpretado a contrario sensu).17

O Código Civil prevê, principalmente em seus arts. 1.214 a 1.220, 1.254 a 1.257,
1.242 a 1.261, que trata do tema relacionado a posse, situações em que devem ser observadas
a boa-fé subjetiva.

16
VENOSA. Silvio de Salvo. Direito Civil, vol. 02. Teoria das Obrigações e dos Contratos. São Paulo:
Editora Atlas, 13ª. Edição. 2013.
17
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire Contra Factum
Próprium. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Luciano_venire.doc. Acesso em 10/01/2019.
16

Diferenciando o conceito de boa-fé subjetiva da boa-fé objetiva, o Doutor Luciano


de Camargo Penteado ensina:
“Tradicionalmente, no estudo da boa-fé, é comum distinguir a boa-fé objetiva da
boa-fé subjetiva. A primeira atua como modo de interpretar negócios jurídicos (CC
113), como fonte de criação de deveres secundários de prestação (CC 422) e como
limitação ao exercício do direito subjetivo em sentido amplo (CC 187). A segunda
consiste em estado de ignorância, análogo ao erro negocial, daquele que não sabe
estar em uma situação irregular e, nada obstante esta nesciência, atua como se titular
do direito fosse, ainda sem a titularidade e sem a consequente legitimação para o
exercício. Poderia se afirmar que, se legitimação há, esta é de fato, mas reconhecida
pelo sistema justamente por conta da putatividade resultante da ignorância”.18

Assis Neto distingue as duas formas de boa-fé ensinando que:


“Quando a ação é imbuída da consciência de que a conduta é correta e proba, fala-se
em boa-fé objetiva; quando o agente tem noção de que está agindo de forma
improba, acarretando prejuízo à situação de outra parte na relação jurídica, fala-se
em má-fé objetiva(...) como na aquisição de coisa sujeita à penhora não registrada
em cartório; quem age em situação de boa-fé subjetiva, geralmente é terceiro na
relação jurídica. Quando o sujeito conhece a invalidade ou ineficácia, e mesmo
assim opta pela prática do ato, está em situação de má-fé subjetiva.” ( 2014, p.
853)19

O autor ainda menciona que :


“a boa fé subjetiva: é um estado psicológico, uma crença errônea a respeito de uma
situação, em ordem a operar como justificativa para determinado comportamento (
ex.: art. 1.268 do Código Civil): " Feita por quem não seja proprietário, a tradição
não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou
estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente
de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono". Trata-se portanto,
de uma acepção negativa, pois a pessoa alega, pela boa-fé subjetiva, que
desconhecia caracteres do negócio que poderiam torná-lo inválido, invocando esse
desconhecimento em seu favor. Por isso, a boa-fé subjetiva tende a ser casuísta e
seus caos de aplicação costumam estar expressamente previstos em lei. Outro
exemplo de aplicação da boa fé subjetiva é aquele a que nos referimos acima, a
respeito da proteção do terceiro que adquire coisa penhorada mas cuja penhora não
foi objeto de registro, como exige o art. 659, §4º do Código de Processo Civil”(...)

A boa-fé objetiva consiste na análise da conduta do sujeito, fundada na


honestidade e lealdade das partes quando das negociações. (GONÇALVES, 2006, p. 35-36).

18
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire Contra Factum
Próprium. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Luciano_venire.doc. Acesso em 10/01/20169.
19
ASSIS NETO, Sebastião de Marcelo de Jesus, Maria Izabel de Melo , Manual do Direito Civil, 3ª edição,
São Paulo, Juspovivm, 2014.
17

De acordo com Silvio de Salvo Venosa, “a boa-fé objetiva traduz-se de forma


mais perceptível como uma regra de conduta, um dever de agir de acordo com determinados
padrões sociais estabelecidos e reconhecidos”.20
Para Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
“A boa fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve
agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade.
Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da
boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a
relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica de agir com retidão, nos
padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do
lugar”21

Com efeito, a boa-fé objetiva encontra-se devidamente expressa no art. 422 do CC


que prevê que “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.
Segundo Enunciado 26 do CJF/STJ, da 1ª Jornada de Direito Civil, verbis:
"A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar
e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva,
entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes".

Regina Beatriz Tavares da Silva, assevera que:


“O princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio
jurídico, pois segundo ele o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre
a intenção inferida da declaração da vontade das partes, mas também ao interesse
social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com
lealdade e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi
por elas celebrado.”22

Na mesma linha de raciocínio, Anderson Schreiber (2005, p. 112) assim se


manifesta:
E, de fato, não pode haver dúvida, ao menos à luz do ordenamento jurídico
brasileiro, que a boa-fé funciona como um dos critérios axiológico-materiais para a
verificação do abuso do direito. Em outras palavras, o exercício de um direito será
considerado abusivo, e portanto, vedado, quando se verificar ser contrário à boa-fé
objetiva.

20
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Volume II . 5ª edição. Editora Altas: Rio de Janeiro, 2005.
21
NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2.ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
22
DA SILVA, Regina Beatriz Tavares e Outros. Código Civil Comentado, 8ª. Edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2012.
18

O Doutrinador Flavio Tartuce ensina que a boa-fé objetiva exige uma conduta leal
na realização do negócio jurídico, as quais possuem seus deveres de conduta:
(...) como sendo exigência de conduta leal
dos contratantes, está relacionada com os deveres anexos ou laterais
de conduta, que são ínsitos a qualquer negócio jurídico, não havendo
sequer a necessidade de previsão no instrumento negocial. São considerados deveres
anexos, entre outros:
 Dever de cuidado em relação à outra parte negocial;
 Dever de respeito;
 Dever de informar a outra parte sobre o conteúdo do negócio;
 Dever de agir conforme a confiança depositada;
 Dever de lealdade e probidade;
 Dever de colaboração ou cooperação;
 Dever de agir com honestidade;
 Dever de agir conforme a razoabilidade, a equidade e a boa razão.23

Com efeito, a quebra desses deveres gera violação ao contrato e, portanto,


responsabilização civil objetiva, ou seja, independentemente de culpa. Referida
responsabilização foi objeto do Enunciado nº 363 do CJF/STJ, da IV Jornada, segundo o qual:
“os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada
somente obrigada a demonstrar a existência da violação".
A boa fé objetiva é conceituada por Assis Neto como:
“É dever ativo e, ao mesmo tempo, uma norma de interpretação das disposições
contratuais. Por isso se trata de uma acepção positiva. Daí concluir-se que a boa-fé
objetiva é ampla. Será concretizada pela atividade criadora do direito nas decisões
judiciais. Significa que as partes contratantes devem agir de acordo com normas de
conduta pautadas na seriedade e ausência de malícia ou de pretensão de se locupletar
indevidamente. A boa-fé objetiva é caso típico de cláusula geral, adotada pelo
Código Civil (art. 422), que estará automaticamente presente em todos os negócios
jurídicos (...). Por isso, permitirem-nos um aprofundamento maior sobre o tema,
para melhor sedimentação do caráter que se tem, nos dias de hoje, da imposição do
dever de boa-fé em todas as relações jurídicas.”24

Corroborando o entendimento, Nelson Rosenvald ensina que a boa-fé objetiva:

“O princípio da boa-fé objetiva – circunscrito ao campo do direito das obrigações –


é o objeto de nosso enfoque. Compreende ele um modelo de conduta social,
verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de
acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo
a não frustrar a legítima confiança da outra parte. [...] Esse dado distintivo é crucial:
a boa-fé objetiva é examinada externamente, vale dizer que a aferição se dirige à
correção da conduta do indivíduo, pouco importando a sua convicção. De fato, o
princípio da boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo de que as

23
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.P. 623.
24
ASSIS NETO, Sebastião de Marcelo de Jesus, Maria Izabel de Melo , Manual do Direito Civil, 3ª edição,
São Paulo, Juspovivm, 2014.P. 458.
19

pessoas pautem seu agir pela cooperação e lealdade, incentivando-se o sentimento


de justiça social, com repressão a todas as condutas que importem em desvio aos
sedimentados parâmetros de honestidade e retidão. Por isso, a boa-fé objetiva é fonte
de obrigações, impondo comportamentos aos contratantes, segundo as regras de
correção, na conformidade do agir do homem comum daquele meio social.” (2009,
p. 458)25

Miguel Reale, na obra "A boa-fé no Código Civil" definiu boa-fé objetiva como:

“A boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de lealdade, modelo objetivo


de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste
a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta,
proba e leal. Tal conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se
ter em conta, como lembra Judith Martins Costa, ‘a consideração para com os
interesses do alter, visto como membro do conjunto social que é juridicamente
tutelado’. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva, é assim
entendida como noção sinônima de ‘honestidade pública.” (2003, p. 4).26

Tem-se, então, que boa-fé objetiva passou a ser tratada como preceito de ordem
pública, cabendo responsabilização civil objetiva daquele que desrespeita a boa-fé, fazendo
com as partes tenham direitos e deveres mesmo que não esteja estipulado no contrato
(TARTUCE, 2016).
Certo é que a observância da boa-fé objetiva tem que estar presente em todas as
etapas de desenvolvimento do contrato, incluindo a fase anterior, negociação, execução e, até
mesmo posterior ao término do contrato firmado.
Um dos casos de grande repercussão que trata da boa-fé objetiva na fase pré-
contratual é o chamado “caso dos tomates”:
“(...) os primeiros entendimentos jurisprudenciais relevantes que trataram da matéria
envolveram a empresa CICA e foram pronunciados pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, casos que ficaram conhecidos em todo o Brasil sob a denominação
caso dos tomates. Essa empresa distribuía sementes a pequenos agricultores gaúchos
sob a promessa de lhes comprar a produção futura. Isso ocorreu de forma continuada
e por diversas vezes, o que gerou uma expectativa quanto à celebração do contrato
de compra e venda da produção. Até que certa feita a empresa distribuiu as sementes
e não adquiriu o que foi produzido. Os agricultores, então, ingressaram com
demandas indenizatórias, alegando a quebra da boa-fé, mesmo não havendo
qualquer contrato escrito, obtendo pleno êxito.”27

Confira-se uma das emendas dentre vários julgados do caso acima mencionado:

25
ROSENVALD, Nelson; PELUZO, Cezar (Coord.). Código civil comentado: doutrina e jurisprudência. 3.
ed. Barueri, SP: Manole, 2009.P. 459
26
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 1999. A boa-fé no código civil.
16.08.2003. Disponível em: <http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 10 jan 2019.
27
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.P. 624.
20

"Contrato. Teoria da aparência. Inadimplemento. O trato, contido na intenção,


configura contrato, porquanto os produtores, nos anos anteriores, plantaram para a
Cica, e não tinham por que plantar, sem a garantia da compra.” 28

Verifica-se que o art. 422, CC reconhece o dever de reparação por danos causados
na fase pré-contratual quando verificado afronta à boa-fé com a ruptura das tratativas, em
razão da expectativa gerada à outra parte de que o contrato seria concluído.
No que se refere à violação da boa-fé objetiva na fase contratual pode-se
mencionar como exemplo a previsão contida na Súmula 308 do STJ: “A hipoteca firmada
entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de
compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
Flávio Tartuce explica a motivação que desencadeou referida Súmula:
Assim, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o credor reivindique o
bem contra terceiro adquirente, prerrogativa esta que se denomina direito de sequela.
Assim, não importa se o bem foi transferido a terceiro; esse também perderá o bem,
mesmo que o tenha adquirido de boa-fé.
A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção e
incorporação imobiliária, visando a um futuro condomínio edilício. Como muitas
vezes o construtor não tem condições econômicas para levar adiante a obra, celebra
um contrato de empréstimo de dinheiro com um terceiro (agente financeiro ou
agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como garantia, o que inclui todas
as suas unidades do futuro condomínio. Iniciada a obra, o incorporador começa a
vender as unidades a terceiros, que no caso são consumidores, pois é evidente a
caracterização da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei 8.078/1
990.
Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os
contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas obrigações
perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas
do financiamento. Assim sendo, não há maiores problemas.29

Tartuce continua a explicação com a consequência caso não haja o adimplemento


das parcelas entre o incorporador e o banco. Veja:
Em casos tais, quem acabará perdendo o imóvel adquirido a tão duras penas? O
consumidor, diante do direito de sequela advindo da hipoteca. A referida súmula
tende justamente a proteger o último, restringindo os efeitos da hipoteca às partes
contratantes. Isso diante da boa-fé objetiva, uma vez que aquele que adquiriu o bem
pagou pontualmente as suas parcelas à incorporadora, ignorando toda a sistemática
jurídica que rege a incorporação imobiliária. Presente a boa-fé do adquirente, não
poderá ser responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba
não repassando o dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da Súmula

28
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Embargos Infringentes 591083357, 3º Grupo de Câmaras Cíveis,
Rei. Juiz Adalberto Libório Barros, j. 0.11.1991, Comarca de origem: Canguçu. Fonte: Jurisprudência TJRS,
Cíveis, 1992, V. 2, t. 14, p. 1-22.
29
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.P. 628.
21

308 do STJ, que a boa-fé objetiva também envolve a ordem pública, caso contrário
não seria possível a restrição do direito real.30

Como exemplo da última fase do contrato, a pós-contratual, Tartuce ensina que:


Quanto à aplicação da boa-fé objetiva na fase pós-contratual, cite-se o comum
entendimento de que o credor tem o dever de retirar o nome do devedor do cadastro
de inadimplentes após acordo ou pagamento da dívida. Isso, sob pena de surgimento
de uma responsabilidade pós-contratual (post pactum finitum), pela quebra da boa-
fé. Nesse sentido: ‘Inscrição no SPC. Dívida paga posteriormente. Dever do credor
de providenciar a baixa da inscrição. Dever de proteção dos interesses do outro
contratante, derivado do princípio da boa-fé contratual, que perdura inclusive após a
execução do contrato (responsabilidade pós-contratual)’ (TJRS, Processo
71000614792, j. 01.03.2005, 3.ª Turma Recursal Cível, Juiz Rel. Eugênio Facchini
Neto, Comarca de Porto Alegre).‘O cancelamento de inscrição em órgãos restritivos
de crédito após o pagamento deve ser procedido pelo responsável pela inscrição, em
prazo razoável, não superior a dez dias, sob pena de importar em indenização por
dano moral’ (Enunciado n. 26 dos Juizados Especiais Cíveis do Tribunal de Justiça
de São Paulo).31

Foi com base nos entendimentos jurisprudenciais que houve consolidação, por
meio da Súmula 548 do STJ, a qual prevê que "Incumbe ao credor a exclusão do registro da
dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir
do integral e efetivo pagamento do débito".
Realizado então a distinção da boa-fé subjetiva e da objetiva, bem como
apresentado os exemplos concretos quanto à utilização da boa-fé objetiva passam-se ao estudo
das funções da boa-fé objetiva.

30
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.P. 628
31
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.P. 630
22

2 FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO CIVIL


BRASILEIRO

Ante a dificuldade de se encontrar um conceito concreto da boa-fé e tendo em


vista a enorme representatividade existente nos valores éticos das relações entre os indivíduos,
faz-se, necessário entender e compreender sua operacionalidade e efetividade no Direito Civil
através de suas diversas funções, de modo a auxiliar na aplicação e interpretação do princípio,
objeto do presente estudo.

2.1 Função de Interpretação

A função Interpretativa é a função mais importante da boa-fé objetiva, vez que


trata da interpretação dos negócios jurídicos e é a única função que está expressamente
prevista no Código Civil, no seu art. 113, o qual disciplina que “Os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração.”
Conforme ensinamento de Humberto Theodoro Júnior:
Nos tempos atuais, prevalece o princípio de que ‘todos os contratos são de boa-fé’,
já que não existem mais, no direito civil, formas sacramentais para declaração de
vontade nos negócios jurídicos patrimoniais, mesmo quando a lei considera um
contrato como solene. O intérprete, portanto, em todo e qualquer contrato, tem de se
preocupar mais com o ‘espírito’ das convenções do que com a sua ‘letra.32

Nas palavras de Gonçalves:


Nem sempre o contrato traduz a exata vontade das partes. Muitas vezes a redação
mostra-se obscura e ambígua, malgrado o cuidado quanto a clareza e a precisão
demonstrado pela pessoa encarregada dessa tarefa.33

Nesse mesmo sentido, Tartuce se manifesta:


Função de interpretação (art. 113 do CC) - eis que os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. Nesse
dispositivo, a boa-fé é consagrada como meio auxiliador do aplicador do direito para
a interpretação dos negócios, da maneira mais favorável a quem esteja de boa-fé.

32
THEODORO JR., Humberto. O contrato e Seus Princípios. Rio de Janeiro: Aide. 1993.p. 38.
33
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 11. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2014.
23

Essa função de interpretação, repise-se, também parece estar presente no Novo CPC,
no seu art. 489, § 3º, devendo o julgador ser guiado pela boa-fé das partes ao proferir
sua decisão.

Segundo Stolze:
Guarda, pois, essa função, íntima conexão com a diretriz consagrada na regra de
ouro do art. 5º, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, segundo o
qual o juiz, ao aplicar a lei, deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.34

Assevera JUDITH MARTINS COSTA que o princípio da boa-fé

“deve ser compreendido, neste específico campo funcional, o mandamento imposto


ao juiz de não permitir que o contrato, como regulação objetiva, dotada de um
específico sentido, atinja finalidade oposta ou contrária àquela que, razoavelmente, à
vista do seu escopo-econômico social, seria lícito esperar” 35

Conforme bem descreve o professor Rosenvald:

“[...] a boa-fé servirá como parâmetro objetivo para orientar o julgador na eleição
das condutas que guardem adequação com o acordado pelas partes, com correlação
objetiva entre meios e fins. O juiz terá que se portar como um “homem de seu meio
e tempo” para buscar o agir de uma pessoa de bem como forma de valoração das
relações sociais.” 36

Como visto, a função interpretativa é de extrema valor, vez que autoriza o


magistrado considerar as nuances envolvidas no negócio jurídico, servindo para preencher as
lacunas porventura existentes constantes dos negócios jurídicos entabulados, sempre levando
em consideração os princípios da boa-fé, probidade, uso e costumes do local onde está sendo
celebrado o negócio jurídico, representando assim um dos pilares da relação contratual.

2.2 Função Integrativa

34
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria
Geral. Editora Saraiva, 8ª Edição. 2012.
35
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
36
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Lineamentos acerca da interpretação do negócio
jurídico: perspectivas para a utilização da boa-fé objetiva como método hermenêutico. Revista Magister de
Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor, Porto Alegre, v.18, p.20
24

A função integrativa decorre do disciplinado no art. 113,CC, tendo em vista que a


boa-fé é utilizada como parâmetro para complementar o negócio jurídico, e está prevista no
art. 422, CC, a qual disciplina que os princípios da probidade e boa fé devem estar presentes
tanto na execução, quanto na conclusão dos contratos.
A segunda função consiste na criação de deveres jurídicos anexos, que seriam
uma forma de deveres invisíveis, uma vez que não estão descritos no contrato formando assim
uma lacuna.
Nesse sentido, é deveras comum que as partes entabulem um contrato e deixem de
se atentar a pontos importantes ao negócio a ser celebrado, nascendo então a necessidade de
integrar a boa-fé de modo a preencher aquela lacuna.
Aponta o doutrinador Clóvis do Couto:
“(...) o principio da boa-fé revela-se como delineador do campo a ser preenchido
pela interpretação integradora, pois, da perquirição dos próprios e intenções dos
contratantes pode manifestar-se a contrariedade do ato aos bons costumes, ou a boa-
fé.”37

Flávio Tartuce ensina sobre a função da integração nos seguintes termos:


“(...) Função de integração (art. 422 do CC) - segundo o qual: "Os contratantes são
obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os
princípios de probidade e boa-fé'' Relativamente à aplicação da boa-fé em todas as
fases negociais, foram aprovados dois enunciados doutrinários pelo Conselho da
Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça. De acordo com o Enunciado n.
25 do CJF/STJ, da I Jornada, "o art. 422 do Código Civil não inviabiliza a aplicação,
pelo julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual'' Nos termos do
Enunciado n. 170 da II Jornada, "A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes
na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal
exigência decorrer da natureza do contrato'' Apesar de serem parecidos, os
enunciados têm conteúdos diversos, pois o primeiro é dirigido ao juiz, ao aplicador
da norma no caso concreto, e o segundo é dirigido às partes do negócio jurídico.

Como já dito, a aplicação do princípio da boa-fé se inicia desde a fase pré-


processual até a sua conclusão e Miguel Reale Junior cita que a boa-fé exige a análise
individual de cada caso concreto, pois faz-se necessário avaliar a confiança recíproca voltada
para determinada situação. Assim se manifesta:
“Concebida desse modo, a boa-fé exige que a conduta individual ou coletiva – quer
em Juízo, quer fora dele – seja examinada no conjunto concreto das circunstâncias
de cada caso.Exige, outrossim, que a exegese das leis e dos contratos não seja feita
in abstrato, mas sim in concreto. Isto é, em função de sua função social. Com isto

37
SILVA, Clóvis do Couto. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsy, 1976 apud por GAGLIANO,
Pablo Stolze e FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de direito civil. Volume único. 1ª edição.Editora Saraiva Jur:
São Paulo, 2017.
25

quero dizer que a adoção da boa-fé como condição matriz do comportamento


humano, põe a exigência de uma “hermenêutica jurídica estrutural”, a qual se
distingue pelo exame da totalidade das normas pertinentes a determinada
matéria.Nada mais incompatível com a idéia de boa-fé do que a interpretação
atômica das regras jurídicas, ou seja, destacadas de seu contexto. Com o advento,
em suma, do pressuposto geral da boa-fé na estrutura do ordenamento jurídico,
adquire maior força e alcance do antigo ensinamento de Portalis de que as
disposições legais devem ser interpretadas umas pelas outras.O que se impõe, em
verdade, no Direito, é captar a realidade factual por inteiro, o que deve corresponder
ao complexo normativo em vigor, tanto o estabelecido pelo legislador como o
emergente do encontro das vontades dos contratantes.É que está em jogo o princípio
de confiança nos elaboradores das leis e das avenças, e de confiança no firme
propósito de seus destinatários no sentido de adimplir, sem tergiversações e
delongas, aquilo que foi promulgado ou pactuado.”38

2.3 Função de Controle

A última função da boa-fé objetiva é a delimitação de abusos no exercício dos


direitos, e está amparo principalmente no art. 187, CC, o qual prevê que: “Também comete
ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos
pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
O objetivo principal é limitar o abuso de poder de direitos subjetivos de uma
parte em detrimento de outra, necessitando assim interferir na relação contratual.
Em outra palavras, a boa-fé objetiva é utilizada para impedir o exercício abusivo
do direito nas relações contratuais, de modo a evitar que se fira a função social do contrato.
Ao tratar da função de controle na boa-fé objetiva, Flávio Tartuce explica que:
Função de controle (art. 187 do CC) - uma vez que aquele que contraria a boa-fé
objetiva comete abuso de direito ("Também comete ato ilícito o titular de um direito
que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes"). Vale mais uma vez
lembrar que, segundo o Enunciado n. 37 do CJF/STJ, aprovado na I Jornada de
Direito Civil, a responsabilidade civil que decorre do abuso de direito é objetiva, isto
é, não depende de culpa, uma vez que o art. 1 87 do CC adotou o critério objetivo-
finalístico.
Dessa forma, a quebra ou desrespeito à boa-fé objetiva conduz ao caminho sem
volta da responsabilidade independentemente de culpa, seja pelo Enunciado n. 24 ou
pelo Enunciado n. 37, ambos da I Jornada de Direito Civil. Não se olvide que o
abuso de direito também pode estar configurado em sede de autonomia privada, pela
presença de cláusulas abusivas; ou mesmo no âmbito processual.

38
REALE, Miguel. A boa-fé no código civil. 16.08.2003. Disponível em:
http://www.miguelreale.com.br/artigos/boafe.htm>. Acesso em: 12 jan 2019.
26

Regina Beatriz Tavares da Silva ao tratar do artigo 187, CC, destaca:


O uso de um direito, poder ou coisa, além do permitido ou extrapolando as
limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar.
Realmente, sob a aparência de um ato legal ou lícito, esconde-se a “ilicitude”, ou
melhor a antijuridicidade sui generis no resultado, por atentado ao princípio da boa-
fé e aos bons costumes ou por desvio de finalidade socioeconômica para a qual o
direito foi estabelecido.39

Desse modo, como visto, a função de controle da boa-fé objetiva é de extrema


relevância para as relações contratuais, vez que combate desproporcionalidades nos contratos
realizados por agentes que acabam acarretando prejuízo da outra parte, caindo por terra a
função social do contrato.

39
DA SILVA, Regina Beatriz Tavares e Outros. Código Civil Comentado, 8ª. Edição. São Paulo: Editora
Saraiva, 2012.
27

3 CONCEITOS PARCELARES DA BOA-FE OBJETIVA

Como foi visto, o exercício inadmissível de posições jurídicas contraditórias é


uma consequência da boa-fé e da vedação do abuso de direito.
Com base em tal enunciado, foram criadas as “figuras parcelares da boa-fé” na
expressão de Luciano de Camargo Penteado40, os quais são: venire contra factum proprium,
supressio, surrectio, tu quoque e exceptio doli.
Assim escreve Luciano de Camargo Penteado:
A boa-fé, segundo a insuperável classificação feita por Menezes Cordeiro ao tratar
do exercício inadmissível das posições jurídicas, apresentaria oito figuras parcelares,
ou seja, tipos de argumentos recorrentes com vistas a sua aplicação tópica. Entre
eles estariam o venire contra factum proprium, o tu quoque, a exceptio doli,
desdobrada em exceptio doli generalis e exceptio doli specialis, a inalegabilidade
das nulidades formais, o desequilíbrio no exercício jurídico, a supressio e a
surrectio.

Referido autor adverte que em determinados casos concretos podem


simultaneamente enquadrar-se em mais de uma dessas figuras parcelares da boa-fé. Assim
afirma o nobre professor:
Sendo figuras parcelares de uma cláusula geral e não noções próprias de uma
definição conceitual, é preciso desde já salientar que, em sua aplicação, não é
necessário que todos os pressupostos estejam presentes, havendo a possibilidade de
se julgar, não em termos de tudo ou nada, mas em termos de um mais e de um
menos. Do mesmo modo, determinada situação jurídica pode ser reconduzida a mais
de uma das figuras parcelares da boa-fé, porque estas gozam de certa plasticidade.
Todas, entretanto, resultam da incidência do CC 422, em matéria de contratos e de
direito das obrigações. São tipos em torno dos quais é possível agrupar os casos que
tratem do tema da boa-fé objetiva.41

40
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum proprium.
Disponível em
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=3&ved=0CCcQFjAC&url=htt
p%3A%2F%2Fwww.flaviotartuce.adv.br%2Fartigosc%2FLuciano_venire.doc&ei=AxnFU9fQDuvksASq-
IDgDA&usg=AFQjCNHBB2uGOZFjFNeFaBu6gx8STqtQHQ&sig2=bPu3lzdhZ06K0zc8BybI2g. Acesso em
12 jan 2019. P. 10
41
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum
proprium.. Disponível em:
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=3&ved=0CCcQFjAC&url=htt
p%3A%2F%2Fwww.flaviotartuce.adv.br%2Fartigosc%2FLuciano_venire.doc&ei=AxnFU9fQDuvksASq-
IDgDA&usg=AFQjCNHBB2uGOZFjFNeFaBu6gx8STqtQHQ&sig2=bPu3lzdhZ06K0zc8BybI2g. Acesso em
12 jan 2019. P. 11).
28

Tais figuras serviram como aparato para o entendimento manifestado no


Enunciado nº 26 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil, o qual prevê que:
“A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao
juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva,
entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes".
Passa-se então a discriminar resumidamente cada uma delas.

3.1 Venire Contra Factum Proprium non potest

Conforme restará demonstrado, a figura do Venire Contra Factum Próprium é um


dos principais deveres anexos à boa-fé objetiva e, apertada síntese, significa a vedação do
comportamento contraditório, baseando-se na regra de boa-fé assumida pelas partes quando
da relação jurídica inicial.
Em outras palavras, é vedado às partes envolvidas em uma relação jurídica agir de
forma contraditória ou confusa ao que anteriormente vinha fazendo, tendo em vista que tal
situação gera uma expectativa e quebra de confiança da outra parte envolvida.
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves, a figura no Venire Contra Factum
Proprium “Protege uma parte contra aquela que pretende exercer uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente.”42
Nas palavras do Jurista Luciano de Camargo Penteado:
o venire contra factum proprium que se verifica, basicamente, nas
situações em que uma pessoa, durante determinado período de tempo,
em geral longo, mas não medido em dias ou anos, comporta-se de
certa maneira, gerando a expectativa justificada para outras pessoas
que dependem deste seu comportamento, de que ela prosseguirá
atuando naquela direção. Ou seja, existe um comportamento inicial
que vincula a atuar no mesmo sentido outrora apontado. Em vista
disto, existe um investimento, não necessariamente econômico, mas
muitas vezes com este caráter, no sentido da continuidade da

42
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 11. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2014.
29

orientação outrora adotada, que após o referido arco temporal, é


alterada por comportamento a ela contrário.43

Segundo Anderson Schreiber, autor que desenvolveu um trabalho sobre o tema no


Brasil, para ser configurado o venire contra factum proprium, há de estar presente alguns
pressupostos, quais sejam: i) uma conduta inicial; (ii) a confiança legítima de outrem na
preservação do sentido objetivamente extraído dessa conduta; (iii) o comportamento
contraditório em relação ao sentido objetivo da conduta inicial; (iv) dano efetivo ou potencial
decorrente da contradição.44
A respeito do assunto, colhe-se da doutrina de AGUIAR JUNIOR:
A teoria dos atos próprios, ou a proibição de venire contra factum proprium
protege uma parte contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica
em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de
criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de
determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e
de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e
prejuízo à contraparte. Aquele que vende um estabelecimento comercial e
auxilia, por alguns dias, o novo comerciante, inclusive preenchendo pedidos
e novas encomendas, fornecendo o seu próprio número de inscrição fiscal,
não pode depois cancelar tais pedidos, sob alegação de uso indevido de sua
inscrição. O credor que concordou, durante a execução do contrato de
prestações periódicas, com o pagamento em lugar ou tempo diverso do
convencionado, não pode surpreender o devedor com a exigência literal do
contrato. Para o reconhecimento da proibição é preciso que haja univocidade
de comportamento do credor e real consciência do devedor quanto à conduta
esperada.45

Referido comportamento é de tamanha importância que foi tema da IV Jornada de


Direito Civil, conforme consta do Enunciado nº 362, nos seguintes termos: "A vedação do
comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da
confiança, como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil".
Doutrinador Pablo Stolze cita alguns exemplos positivados no próprio Código
Civil:
O primeiro deles reside no art. 973, CC-02 (sem equivalente no CC-16), em que se
estabelece que a “pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de

43
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire Contra Factum
Próprium. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Luciano_venire.doc. Acesso em 12 jan 2019.
44
SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório – tutela da confiança e venire
contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 107.
45
AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. A Extinção do Contratos por Incumprimento do Devedor, 1ª ed. Rio
de Janeiro, Aide, 1991.
30

empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas. Ou seja, embora


impedido de exercer a atividade, se o faz, gera a expectativa, nos contratantes, do
cumprimento pactuado, não podendo o indivíduo invocar a sua própria torpeza para
se desvencilhar das obrigações celebradas.
Outro exemplo reside no art. 330, CC-02 (também sem equivalente no CC-16), em
que o credor, que aceitou, durante a execução de pacto de trato sucessivo, o
pagamento em lugar diverso do convencionado, não pode surpreender o devedor
com a exigência literal do contrato, para alegar descumprimento. A ideia, inclusive,
poder ser desdobrada para o tempo do descumprimento do contrato, em que a
tolerância habitual de determinado atraso, sem oposição, impede a cobrança de
sanção pela mora do período.
Mais um exemplo pode ser encontrado no art. 175, CC-02 (art. 151, CC-16),
explicitando que o contratante que, voluntariamente, iniciou a execução do negócio
jurídico anulável, não pode mais invocar essa nulidade. Isso porque, o cumprimento
voluntário do negócio anulável importa, na dicção legal, em extinção de todas as
ações ou exceções de que dispusesse o devedor, uma vez que esse livremente pratica
o pactuado, não podendo surpreender a outra parte com a alteração de seu
comportamento.46

O primeiro caso emblemático que tratou do venire foi o RESP 95539, o qual foi
proferido o seguinte ementa:
"Promessa de compra e venda. Consentimento da mulher. Atos posteriores. Venire
contra factum proprium. Boa-fé. A mulher que deixa de assinar o contrato de
promessa de compra e venda juntamente com o marido, mas depois disso, em juízo,
expressamente admite a existência e validade do contrato, fundamento para a
denunciação de outra lide, e nada impugna contra a execução do contrato durante
mais de 17 anos, tempo em que os promissários compradores exerceram
pacificamente a posse sobre o imóvel, não pode depois se opor ao pedido de
fornecimento de escritura definitiva. Doutrina dos atos próprios. Art. 132 do CC. 3 .
Recurso conhecido e provido"47

Do mesmo Tribunal Superior foram proferidas diversas decisões diversas decisões


ao se reconhecer o venire em situações que há quebra de confiança e/ou comportamento
contraditório.
No julgamento do AgRg 845.445, o condomínio, à revelia da convenção de
condomínio, cobra taxa condominial de uma determinada maneira. João, enquanto síndico,
também cobrava assim. Assim, o João não poderá, posteriormente, depois de ser síndico,
querer furtar-se a essa metodologia de cobrança para exigir a forma prevista na convenção
condominial, por conta da vedação da venire contra factum proprium.

46
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria
Geral. Editora Saraiva, 8ª Edição. 2012.
47
STJ, REsp 95539/SP, 4.ª Turma, Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 1 4. 1 0. 1 996, p. 39.0 1 5, Data da
decisão 03.09. 1996.
31

Outra situação foi o julgamento do RESP 1143216, o qual teve a seguinte


situação: O fisco não analisou pedido de parcelamento de dívida tributária (pelo programa de
parcelamento – PAES) no prazo de 90 dias e aceitou, sem oposição, o pagamento das
prestações por mais de 4 anos.
O fato de o contribuinte ter desistido de seu recurso administrativo após o prazo
fixado pela PGFN/SRF não o exclui do programa. Fisco não pode adotar comportamento
contraditório: receber prestações, não analisar o pedido no prazo legal e, depois, querer cobrar
a dívida completa.
Ainda no tema, mostra-se relevante consignar trecho do voto do em.
Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR sobre a questão, proferido no RESp n. 95.539-SP (DJ
14/10/1996), nos seguintes termos:
O Direito Moderno não compactua com o venire contra factum proprium,
que se traduz como o exercício de uma posição jurídica em contradição com
o comportamento assumido anteriormente (Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no
Direito Civil, 11/742). Havendo real contradição entre dois comportamentos,
significando o segundo quebra injustificada da confiança gerada pela prática
do primeiro, em prejuízo da contraparte, não é admissível dar eficácia à
conduta posterior.

Oportuno ainda destacar este precedente do STJ:


- O princípio da boa-fé objetiva exerce três funções: (i) a de regra de interpretação;
(ii) a de fonte de direitos e de deveres jurídicos; e (iii) a de limite ao exercício de
direitos subjetivos. Pertencem a este terceiro grupo a teoria do adimplemento
substancial das obrigações e a teoria dos atos próprios ('tu quoque'; vedação ao
comportamento contraditório; "surrectio'; 'suppressio').
- O instituto da 'supressio' indica a possibilidade de se considerar suprimida uma
obrigação contratual, na hipótese em que o não-exercício do direito correspondente,
pelo credor, gere no devedor a justa expectativa de que esse não-exercício se
prorrogará no tempo.”48

3.2. Supressio

A figura da supressio decorre da expressão alemã verwirkung, que significa


supressão, perda de um direito, pela omissão no seu exercício por lapso de tempo suficiente
para criar uma legítima expectativa em terceiros (princípio da confiança), isso é, a perda de
um direito pelo transcurso de tempo ou em virtude da falta de interesse para exercê-lo.

48
STJ, REsp 953389/SP, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 15/03/2010.
32

Para Tartuce,
Ao mesmo tempo em que o credor perde um direito por essa supressão, surge um
direito a favor do devedor, por meio da surrectio (Erwirkung), direito este que não
existia juridicamente até então, mas que decorre da efetividade social, de acordo
com os costumes. Em outras palavras, enquanto a supressio constitui a perda de um
direito ou de uma posição jurídica pelo seu não exercício no tempo; a surrectio é o
surgimento de um direito diante de práticas, usos e costumes. Ambos os conceitos
podem ser retirados do art. 330 do CC/2002, constituindo duas faces da mesma
moeda, conforme afirma José Ferando Simão.

Segundo Gonçalves: “Um direito não exercido durante determinado lapso de


tempo não poderá mais sê-lo, por contrariar a boa-fé”49.
Importante destacar que a supresio não se confunde com a prescrição, pois essa é
a perda do direito, enquanto aquela trata da inércia da parte em realizar determinado pelo ato,
gerando assim em uma legítima expectativa na outra parte.50
Como exemplo, o STJ proferiu entendimento acerca da supresio em situação em
que um condomínio perdeu o direito de usar área comum em favor de determinado
condômino que, por longo tempo, com autorização inicial da Assembléia, utilizava a referida
área.
Com efeito, o não exercício do direito do condomínio sobre a área comum
resultou na sua perda. No julgamento, restou consignado que:
“Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas
unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há
mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores das referidas unidades, pois
eram os únicos com acesso ao local, e estavam autorizados por Assembleia
condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé
objetiva.”51

Em outro caso também envolvendo condomínio, a convenção de condomínio


previa uso exclusivamente comercial; porém, na prática, há longos anos admite-se destinação
mista (residencial e comercial). Por isso, condômino teve de pagar indenização de R$
15.000,00 por ter instalado máquina barulhenta que perturbava o uso residencial do vizinho.
Eis o precedente do STJ:

49
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 11. ed. São Paulo:
Editora Saraiva, 2014.P. 53.
50
STOLZE. 2012, p. 125
51
STJ, REsp 356821/RJ, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJ 05/08/2002). Em igual sentido: STJ, REsp
281.290; REsp 325.870; REsp 356.821; REsp 1.096.639; REsp 214.680.
33

“DIREITO CIVIL. VIZINHANÇA. CONDOMÍNIO COMERCIAL QUE ADMITE


UTILIZAÇÃO MISTA DE SUAS UNIDADES AUTÔNOMAS. INSTALAÇÃO DE
EQUIPAMENTO POR CONDÔMINO QUE CAUSA RUÍDO. INDENIZAÇÃO
DEVIDA. DANO MORAL FIXADO EM QUANTUM RAZOÁVEL.
- O exercício de posições jurídicas encontra-se limitado pela boa-fé objetiva. Assim, o
condômino não pode exercer suas pretensões de forma anormal ou exagerada com a
finalidade de prejudicar seu vizinho. Mais especificamente não se pode impor ao
vizinho uma convenção condominial que jamais foi observada na prática e que se
encontra completamente desconexa da realidade vivenciada no condomínio.
- A 'suppressio', regra que se desdobra do princípio da boa-fé objetiva, reconhece a
perda da eficácia de um direito quando este longamente não é exercido ou observado.
- Não age no exercício regular de direito a sociedade empresária que se estabelece em
edifício cuja destinação mista é aceita, de fato, pela coletividade dos condôminos e
pelo próprio Condomínio, pretendendo justificar o excesso de ruído por si causado
com a imposição de regra constante da convenção condominial, que impõe o uso
exclusivamente comercial, mas que é letra morta desde sua origem.
- A modificação do quantum fixado a título de compensação por danos morais só
deve ser feita em recurso especial quando aquele seja irrisório ou exagerado.
Recurso especial não conhecido.”52

3.3. Surrectio

A surrectio possui conceito bem próximo ao da supressio, todavia, o que


diferencia é que a surrectio refere-se consiste no fato de que o exercício continuado de uma
situação jurídica em contrariedade ao convencionado ou ao ordenamento jurídico faz nascer
uma nova fonte de direito subjetivo.
Anota-se que:
“o supressio e o surrectio são faces da mesma moeda ou derivações do venire
contra factum proprio. O supressio se consuma quando a parte, ao deixar de
exercer um direito, por determinado espaço de tempo, vem a perdê-lo devido à
consolidação de situação favorável à outra parte, beneficiada pela surrectio.
Quando uma parte perde um direito, sofre supressio; consequentemente, outra parte
ganha algo, ocorrendo o surrectio”53.

O maior exemplo que de surrectio encontra-se previsto no art. 330 do CC//2002, o


qual prevê que o pagamento reiterado em local diverso do contratado faz presumir renúncia
do credor. Há, portanto, supressio para o credor, e surrectio para o devedor.

52
STJ, REsp 1096639/DF, 3ª Turma, Rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe 12/02/2009.
53
Francisco Falconi. Internet: http://franciscofalconi.wordpress.com/2011/07/17/o-principio-da-boa-fe-objetiva-
e-seus-desdobramentos-%E2%80%9Cvenire-contra-factum-proprio%E2%80%9D-
%E2%80%9Csupressio%E2%80%9D-%E2%80%9Csurrectio%E2%80%9D-e-%E2%80%9Ctu-
quoque%E2%80%9D/
34

O Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal também já proferiu


entendimento reconhecendo a figura da surrectio, veja-se:

DIREITO CIVIL. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM. UTILIZAÇÃO.


EXCLUSIVIDADE. USO PROLONGADO. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
SURRECTIO. SUPRESSIO. EXPECTATIVA DOS PROPRIETÁRIOS. I - A boa-
fé, como cláusula aberta do ordenamento jurídico, permite o diálogo entre o texto
legal e a realidade dos fatos. Assim sendo, as relações condominiais, como
quaisquer outras relações jurídicas, devem pautar-se pelos postulados da boa-fé, de
forma que a questão formal não pode ser sobrepor a uma situação fática consolidada.
II - Os réus, proprietários de três unidades condominiais, fazem uso exclusivo de
área comum há quase vinte anos sem que tenha havido impugnação por parte do
autor. Constata-se, ainda, a ausência de prova de ofensa à estética do ambiente, à
estrutura ou à segurança do prédio, nem mesmo perturbação aos transeuntes ou
qualquer prejuízo que implique em dificuldade de acesso ao público. III - Trata-se
de situação consolidada a ser mantida de acordo com os postulados do princípio da
boa-fé objetiva, que pela aplicação das figuras da suppressio e da surrectio, faz
surgir posição juridicamente defensável ante o não-exercício de direito por certo
prazo, pois contrário à confiança que a contraparte legitimamente criou. IV - A
aplicação do princípio da boa-fé permite que haja diálogo entre o texto normativo e
os fatos, resultando na criação de norma que impede que a realidade seja
desconsiderada. Desse modo, consolidada situação fática, a convenção de
condomínio esmorece, prevalecendo a realidade como vontade da ordem jurídica em
sua essência V - Negou-se provimento ao recurso.
(Acórdão n.1131872, 07220371520178070001, Relator: JOSÉ DIVINO 6ª Turma
Cível, Data de Julgamento: 11/10/2018, Publicado no DJE: 31/10/2018. Pág.: Sem
Página Cadastrada.)

E mais,

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA.


PAGAMENTOS EFETUADOS EM ATRASO POR PERÍODO SUPERIOR A UM
ANO. AUSÊNCIA DE MANIFETAÇÃO DO CREDOR EM RELAÇÃO AO
PAGAMENTO DE MULTA E JUROS PREVISTOS CONTRATUALMENTE EM
DECORRÊNCIA DO ATRASO. BOA-FÉ OBJETIVA. CONDUTA REITERADA.
APLICAÇÃO DA SURRECTIO. SEGURANÇA JURÍDICA. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. A demanda, em síntese, cinge-se de ação proposta pelo autor/apelante na qual
alega que a parte ré/apelada figura como devedora de multa e juros decorrentes de
atraso de pagamento de serviços prestados, que eram feitos de forma intermitente e
fora do prazo acordado, incorrendo em inadimplemento contratual pelas quitações
intempestivas.
2. Existe previsão contratual em relação à multa e aos juros por atraso, e, levando-se
em consideração somente o prazo prescricional o apelante teria o direito de receber
os encargos que pleiteia. No entanto, o recorrente, deliberadamente, continuou a
prestação de serviços e sequer notificou as apeladas sobre os atrasos, ou, ainda, para
que efetuassem pagamento do ônus em decorrência do adiamento de cumprimento
contratual.
3. Arelação contratual deve ser permeada pelos princípios da boa-fé objetiva, da
confiança e da segurança jurídica, revelando-se, assim, indevida, a admissão da
pretensão do recorrente, pois recebeu todas as parcelas pagas sem apresentar
qualquer observação ou oposição, configurando a surrectio.
4. A conduta consecutiva ou a inércia de uma das partes pode gerar uma fundada
35

expectativa na outra parte de que a forma com que o negócio vem sendo exercido
possa ser mantido.
5. A inércia do apelante, por um período superior a um ano, em relação ao
questionamento dos pagamentos efetuados a destempo pelos apelados, faz com que
a sua reação seja tardia para reaver aquilo que havia sido relevado, pois leva a
insegurança jurídica, afinal, exigir dos apelados o pagamento de tais valores violaria
a boa-fé, sendo medida incoerente diante da postura adotada a todo tempo pelo
apelante.
6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Sentença mantida por seus próprios
fundamentos.
(Acórdão n.1052037, 20160110948653APC, Relator: ROBSON BARBOSA DE
AZEVEDO 5ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 27/09/2017, Publicado no
DJE: 09/10/2017. Pág.: 479/482)

3.4 Tu quoque

Já pela figura do Tu quoque, ninguém pode violar uma norma e, depois,


surpreendentemente, com base nela, pleitear um direito. A ideia é a de que "quem não cumpre
os seus deveres também não pode exigir os seus direitos com base na norma violada, sob pena
de abuso"54.
O tu quoque corresponde à regra do turpitudinem suam allegans non auditur
(quem alega a torpeza não deve ser ouvido ou, em outra tradução, ninguém pode não pode
valer-se da própria torpeza).
Associa-se, também, ao brocardo inglês equity must come with clean hands ("a
equidade deve vir com mãos limpas" ou, em outras palavras, "quem busca a equidade deve
estar com as mãos limpas") e à seguinte regra de ouro da ética: "não faça aos outros aquilo
que não quer que lhe façam"55.
Afirma Penteado:
Em outras palavras, a pessoa que viola uma regra jurídica não pode invocar a mesma
regra a seu favor, sem violar a boa-fé objetiva, na modalidade denominada tu quoque,
que tem outros enunciados conhecidos, como turpitudinem suam allegans non
auditur, ou ainda, equity must come with clean hands.56

54
Francisco Falconi. Internet: http://franciscofalconi.wordpress.com/2011/07/17/o-principio-da-boa-fe-objetiva-
e-seus-desdobramentos-%E2%80%9Cvenire-contra-factum-proprio%E2%80%9D-
%E2%80%9Csupressio%E2%80%9D-%E2%80%9Csurrectio%E2%80%9D-e-%E2%80%9Ctu-
quoque%E2%80%9D/
55
ROSENVALD, Nelson; FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil: parte geral. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010. Pp 615.
56
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras parcelares da boa-fé objetiva e venire contra factum
proprium. Disponível em
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=3&ved=0CCcQFjAC&url=htt
p%3A%2F%2Fwww.flaviotartuce.adv.br%2Fartigosc%2FLuciano_venire.doc&ei=AxnFU9fQDuvksASq-
36

Flávio Tartuce assim denomina:


“O termo tu quoque, citado no penúltimo julgado, significa que um contratante que
violou uma norma jurídica não poderá, sem a caracterização do abuso de direito,
aproveitar-se dessa situação anteriormente criada pelo desrespeito.”

À título de exemplo, Stolze cita: “um bom exemplo desse desdobramento da boa-
fé objetiva reside no instituto do exceptio non adimplendi contractus. Se a parte não executou
a sua prestação no contrato sinalagmático, não poderá exigir da outra parte a
contraprestação.”57
Sobre o tema da exceção de contrato não adimplido, Luciano Penteado explica:
O enunciado, em termos de tu quoque, equivale a dizer: você não pode cobrar
enquanto não pagar o que deve; se o fizer, surpreende-me sua conduta e o direito
fornece um meio de tutela. Em outras palavras, a pessoa que viola uma regra jurídica
não pode invocar a mesma regra a seu favor, sem violar a boa-fé objetiva, na
modalidade denominada tu quoque.58

O STJ quando do julgamento do RESP 1192678, tratou do tu quoque, nos


seguintes termos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA. ASSINATURA
ESCANEADA. DESCABIMENTO. INVOCAÇÃO DO VÍCIO POR QUEM O DEU
CAUSA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DA
TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS SINTETIZADA NOS BROCARDOS LATINOS
'TU QUOQUE' E 'VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM'.
1. A assinatura de próprio punho do emitente é requisito de existência e validade de
nota promissória.
2. Possibilidade de criação, mediante lei, de outras formas de assinatura, conforme
ressalva do Brasil à Lei Uniforme de Genebra.
3. Inexistência de lei dispondo sobre a validade da assinatura escaneada no Direito
brasileiro.
4. Caso concreto, porém, em que a assinatura irregular escaneada foi aposta pelo
próprio emitente.
5. Vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa.
6. Aplicação da 'teoria dos atos próprios', como concreção do princípio da boa-fé
objetiva, sintetizada nos brocardos latinos 'tu quoque' e 'venire contra factum
proprium', segundo a qual ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com
a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons
costumes e a boa-fé 7. Doutrina e jurisprudência acerca do tema.

IDgDA&usg=AFQjCNHBB2uGOZFjFNeFaBu6gx8STqtQHQ&sig2=bPu3lzdhZ06K0zc8BybI2g. Acesso em
10 jan 2019. P. 10.
57
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria
Geral. Editora Saraiva, 8ª Edição. 2012. P. 127.
58
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire Contra Factum
Próprium. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Luciano_venire.doc. Acesso em 12 jan 2019.
37

8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.59

Cabe ainda trazer a jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça do Distrito


Federal em recentes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE NEGÓCIO
JURÍDICO. INSTRUMENTO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS.
VÍCIOS EXISTENTES. CONHECIMENTO. ANUÊNCIA DAS PARTES.
PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. TU QUOQUE. O princípio da boa-fé
objetiva tem por escopo assegurar o comportamento ético, de confiança e lealdade
entre os contratantes. Um de seus desdobramentos, o tu quoque, intimamente ligado
à proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium), tem
por fim impedir que a conduta abusiva de uma das partes coloque a outra em
situação desvantajosa. É vedado à parte que de forma voluntária e consciente celebra
contrato com diversos vícios, aduzir posteriormente, em seu favor, a sua ilicitude,
porquanto tal atitude caracteriza flagrante abuso de direito.
(Acórdão n.1080464, 07044593320178070003, Relator: CARMELITA BRASIL 2ª
Turma Cível, Data de Julgamento: 08/03/2018, Publicado no DJE: 13/03/2018. Pág.:
Sem Página Cadastrada.).

A fim de não deixar dúvidas acerca da importância do tu quoque no TJDFT:


APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO
DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. ABANDONO DE CAUSA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. INSTITUTO TU QUOQUE. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE.
RECURSO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, aquele que der
causa ao ajuizamento da ação responde pelos ônus da sucumbência, devendo arcar
com as custas processuais e honorários de advogado, em observância ao Princípio da
Causalidade. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.
2. Aquele que der causa à propositura da ação devido à inadimplência das parcelas
contratuais não pode exigir a condenação da parte contrária em honorários
sucumbenciais, haja vista a legitimidade no exercício da pretensão.
3. O transgressor da norma jurídica não pode exigir algo que foi por ele
descumprido ou negligenciado, com o posterior intuito de tirar proveito da situação
em benefício próprio. Instituto tu quoque.
4. Apelação conhecida e desprovida.
(Acórdão n.1068704, 20160110690622APC, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO
8ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 14/12/2017, Publicado no DJE:
23/01/2018. Pág.: 1190/1203)

3.5 Duty to mitigate the loss

59
REsp 1192678/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em
13/11/2012, DJe 26/11/2012.
38

Na figura em comento, o credor, dotado de certos poderes na relação com o


devedor, tem o dever de não agravar a situação do devedor por meio de um comportamento
excessivo à luz da boa-fé objetiva.60.
Esse é o entendimento do Enunciado nº 169 do STJ na III Jornada de Direito
Civil, segundo o qual “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o
agravamento do próprio prejuízo”.
De acordo com Tartuce, mencionado Enunciado adveio do estipulado art. 77, da
Convenção de Viena de 1980, que tratava da venda internacional de mercadorias:
“A proposta, elaborada por Vera Maria Jacob de Fradera, profssora
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representa muito bem a
natureza do dever de colaboração, presente em todas as fases contratuais
e que decorre do princípio da boa-fé objetiva e daquilo que consta do
art. 422 do CC.40 Anote-se que o Enunciado n. 1 69 do CJF/STJ está inspirado no
art. 77 da Convenção de Viena de 1 980, sobre a venda
interacional de mercadorias, no sentido de que "A parte que invoca a
quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as
circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o
prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas,
a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção
igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída". Para a
autora da proposta, há uma relação direta com o princípio da boa-fé
objetiva, uma vez que a mitigação do próprio prejuízo constituiria um
dever de natureza acessória, um dever anexo, derivado da boa conduta
que deve existir entre os negociantes.”61

Como ilustração, cita-se uma situação em que houve deferimento de uma tutela
antecipada para retirada do nome do devedor do cadastro de inadimplentes, sob pena de
astreintes de R$ 1.000,00 por dia. A parte aguarda um ano para executar as astreintes,
esperando beneficiar-se de vultosa quantia. O juiz deve, porém, reduzir o valor por conta de
sua excessividade, em clara configuração de violação pelo credor do duty to mitigate the loss,
além dos diplomas legais do art. 461, § 6º, e art. 461-A, § 3º, do CPC.
Para ilustrar o exemplo prático com a jurisprudência pátria, Tartuce cita em seus
ensinamentos a publicação de um acórdão no Informativo nº 439, o qual foi utilizado o
conceito do dut to mitigate the loss, com a seguinte ementa:
"Direito civil. Contratos. Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico.
Observância pelas partes contratantes. Deveres anexos. Dut to mitigate

60
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.p. 639.
61
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.pag. 640
39

the loss. Dever de mitigar o próprio prejuízo. Inércia do credor.


Agravamento do dano. Inadimplemento contatual. Recurso improvido. 1 .
Boa-fé objetiva. Standard ético-jurídico. Observância pelos contratantes
em todas as fases. Condutas pautadas pela probidade, cooperação e
lealdade. 2. Relações obrigacionais. Atuação das partes. Preservação
dos direitos dos contratantes na consecução dos fins. Impossibilidade
de violação aos preceitos éticos insertos no ordenamento jurídico. 3.
Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Dut to mitigate the loss: o
dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as
medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A
parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente
inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia
do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade. 4. Lição
da doutrinadora Véra Maria Jacob de Fradera. Descuido com o dever
de mitigar o prejuízo sofrido. O fato de ter deixado o devedor na
posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse
com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao
contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o
patrimônio do credor, com o consequente agravamento signifcativo
das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa
possessória diminuiriam a extensão do dano. 5 . Violação ao princípio
da boa-fé objetiva. Caracterização de inadimplemento contratual a
justificar a penalidade imposta pela Corte originária (exclusão de um
ano de ressarcimento). 6. Recurso improvido"62 (STJ, REsp 758.5 1 8/
PR, 3 .ª Turma, Rel. Des. Conv. Vasco Della Giustina, j. 1 7.06.20 1 0,
DJE l .º.07.20 10).

Ao analisar o conceito do Duty to mitigate the loss, Tartuce comenta a relação


direta entre o dut to mitigate the loss e a cláusula stop loss. A fim de esclarecimento, o stop
loss é um mecanismo utilizado pelos investidores como medidos de risco dos investimentos.

Por fim, a respeito das i lustrações, a este autor parece que há uma
relação direta entre o dut to mitigate the loss e a cláusula de stop loss,
tema analisado pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça no ano de 2014.
Nos termos de julgado publicado no Informativo n. 541 da Corte Superior, "a
instituição financeira que, descumprindo o que foi oferecido a
seu cliente, deixa de acionar mecanismo denominado stop loss pactuado
em contrato de investimento incorre em infração contratual passível de
gerar a obrigação de indenizar o investidor pelos prejuízos causados.
Com efeito, o risco faz parte da aplicação em fundos de investimento, podendo a
instituição financeira criar mecanismos ou oferecer garantias
próprias para reduzir ou afastar a possibilidade de prejuízos decorrentes das
variações observadas no mercado financeiro interno e externo.
Nessa linha intelectiva, ante a possibilidade de perdas no investimento,
cabe à instituição prestadora do serviço informar claramente o grau de
risco da respectiva aplicação e, se houver, as eventuais garantias concedidas
contratualmente, sendo relevantes as propagandas efetuadas e
os prospectos entregues ao público e ao contratante, os quais obrigam
a contratada. Neste contexto, o mecanismo stop loss, como o próprio
40

nome indica, fixa o ponto de encerramento de uma operação financeira


com o propósito de 'parar' ou até de evitar determinada 'perda' . Assim,
a falta de observância do referido pacto permite a responsabilização
da instituição financeira pelos prejuízos suportados pelo investidor. Na
hipótese em foco, ainda que se interprete o ajuste firmado, tão somente,
como um regime de metas quanto ao limite de perdas, não há como
afastar a responsabilidade da contratada, tendo em vista a ocorrência de
grave defeito na publicidade e nas informações relacionadas aos riscos
dos investimentos" (STJ, REsp 656.932/SP, Rel . Min. Antonio Carlos
Ferreira, j . 24.04.20 1 4).63

Trazendo ao tema ao Egrégio Tribunal de Justiça, veja-se entendimento proferido,


o qual se manifesta sobre a obrigatoriedade das partes integrantes do contrato agirem de modo
a evitar que o dano alheio seja agravado:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS À EXECUÇÃO. PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES.
AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEITADA. PROPOSITURA DA AÇÃO
DE COBRANÇA. DEMORA. JUROS DE MORA. DUTY TO MITIGATE THE
LOSS. VIOLAÇÃO. INEXISTENTE. BOA-FÉ OBJETIVA. OBSERVÂNCIA.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. A mera repetição, nas razões recursais, dos argumentos lançados na exordial, não
configura, por si só, ofensa ao princípio da dialeticidade, quando os argumentos de
fato e de direito evidenciarem a pretensão da parte em ver reformada a sentença.
Preliminar em contrarrazões rejeitada. 2. Lastreado no princípio da boa-fé objetiva e
no preceito dele decorrente, duty to mitigate the loss, as partes integrantes do
contrato devem agir de forma a evitar que o dano alheio seja agravado, tomando as
medidas necessárias para evitá-lo. 3. Não basta apenas o decurso de um longo
espaço de tempo sem o exercício do direito de ação de cobrança, para que se tenha
caracterizada a violação ao preceito. Se assim o fosse, o instituto da prescrição
perderia o motivo de existir. 4. Demonstrado nos presentes autos que o credor não
agiu contrário ao princípio da boa-fé objetiva anexa ao contrato, não há que se falar
em ofensa ao instituto do duty to mitigate the loss. 5. Honorários advocatícios
majorados. Art. 85, §11, do CPC. 6. Recurso conhecido e não provido. Sentença
mantida.
(Acórdão n.1143651, 07008699020188070010, Relator: ROMULO DE ARAUJO
MENDES 1ª Turma Cível, Data de Julgamento: 12/12/2018, Publicado no PJe:
10/01/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

E mais,

APELAÇÃO CIVIL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO COM COBRANÇA


DE ALUGUÉIS. ÔNUS PROBATÓRIO. VEROSSIMILHANÇA DAS
ALEGAÇÕES. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DUTY TO MITIGATE
THE LOSS. SENTENÇA REFORMADA.
1. As peculiaridades na reconstrução probatória de determinados tipos de eventos e a
importância da temática em debate autorizam o julgamento por verossimilhança.
2. A recusa injustificada do locador em receber as chaves do imóvel afasta o
inadimplemento do locatário quanto ao pagamento dos alugueis e demais encargos
financeiros.

63
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016. P. 642.
41

3. A Teoria do Duty to Mitigate the Loss impõe ao credor o dever de mitigar as


próprias perdas.
4. Recurso conhecido e provido.
(Acórdão n.1095192, 20140710392067APC, Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO
8ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 10/05/2018, Publicado no DJE:
14/05/2018. Pág.: 828/833)

3.6 Exceptio Doli

No que se refere à Exceptio Doli, como o próprio termo fala, refere-se à exceção
do dolo, isso é, a boa-fé objetiva não é considerada quando a parte vale-se de uma conduta
dolosa com o intento de “não de preservar legítimos interesses, mas, sim, de prejudicar a parte
contrária.”64
Tartuce conceitua a figura da Exceptio como:
“A exceptio dali é conceituada como sendo a defesa do réu contra ações dolosas,
contrárias à boa-fé. Aqui a boa-fé objetiva é utilizada como defesa, tendo uma
importante função reativa, conforme ensina José Fernando Simão. A exceção mais
conhecida no Direito Civil brasileiro é aquela constante no art. 476 do Código Civil,
a exceptio non adimpleti contractus, pela qual ninguém pode exigir que uma parte
cumpra com a sua obrigação se primeiro não cumprir com a própria. A essa
conclusão chega Cristiano de Souza Zanetti. O jovem jurista da Universidade de São
Paulo aponta que a exceptio dali pode ser considerada presente em outros
dispositivos do atual Código Civil brasileiro, como nos arts. 175, 190, 273, 274, 281
, 294, 302, 837, 906, 915 e 916.

Conforme Stolze: “Uma aplicação deste desdobramento é brocardo agit qui petit
quod statim redditurus est, em que se verifica uma sanção à parte que age com interesse de
molestar a parte contrária e, portanto, pleiteando aquilo que deve ser restituído.”65
Levando a teoria ao caso concreto, aponta-se interessante julgado publicado no
Informativo nº 430 do Superior Tribunal de Justiça:
"Exceção. Contrato não Cumprido. Tratou-se de ação ajuizada pelos recorridos que
buscavam a rescisão do contrato de compra e venda de uma sociedade empresária e
dos direitos referentes à marca e patente de o sistema de localização, bloqueio e
comunicação veicular mediante uso de aparelho celular, diante de defeitos no
projeto do referido sistema que se estenderam ao funcionamento do produto.
Nessa hipótese, conforme precedentes, a falta da prévia interpelação (arts. 397,
parágrafo único, e 473, ambos do CC/2002) impõe o reconhecimento da
impossibilidade jurídica do pedido, pois não há como considerá-la suprida pela

64
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria
Geral. Editora Saraiva, 8ª Edição. 2012.P. 127.
65
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil – Contratos: Teoria
Geral. Editora Saraiva, 8ª Edição. 2012.P. 127.
42

citação para a ação resolutória. Contudo, consta da sentença que os recorrentes já


estavam cientes de sua inadimplência mesmo antes do ajuizamento da ação e, por
sua inércia, não restou aos recorridos outra alterativa senão a via judicial. Alegam os
recorrentes que não poderiam os recorridos exigir o implemento das obrigações
contratuais se eles mesmos não cumpriram com as suas (pagar determinadas dívidas
da sociedade). Porém, segundo a doutrina, a exceção de contrato não cumprido
somente pode ser oposta quando a lei ou o contrato não especificar a quem primeiro
cabe cumprir a obrigação. Assim, estabelecido em que ordem deve dar-se o
adimplemento, o contratante que primeiro deve cumprir suas obrigações não pode
recusar-se ao fundamento de que o outro não satisfará a que lhe cabe, mas o que
detém a prerrogativa de por último realizar a obrigação pode sim postergá-la,
enquanto não vir cumprida a obrigação imposta ao outro, tal como se deu no caso.
Anote-se que se deve guardar certa proporcionalidade entre a recusa de cumprir a
obrigação de um e a inadimplência do outro, pois não se fala em exceção de contrato
não cumprido quando o descumprimento é mínimo e parcial. Os recorrentes também
aduzem que, diante do amplo objeto do contrato, que envolveria outros produtos
além do sistema de localização, não haveria como rescindi-lo totalmente (art. 184 do
CC/2002). Porém, constatado que o negócio tem caráter unitário, que as partes só o
celebrariam se ele fosse válido em seu conjunto, sem possibilidade de divisão ou
fracionamento, a invalidade é total, não se cogitando de redução. O princípio da
conservação dos negócios jurídicos não pode interferir na vontade das partes quanto
à própria existência da transação. Já quanto à alegação de violação da cláusula geral
da boa-fé contratual, arquétipo social que impõe o poder-dever de cada um ajustar
sua conduta a esse modelo, ao agir tal qual uma pessoa honesta, escorreita e leal, vê-
se que os recorridos assim agiram, tanto que buscaram, por várias vezes, solução que
possibilitasse a preservação do negócio, o que esbarrou mesmo na intransigência dos
recorrentes de se recusar a rever o projeto com o fim de sanar as falhas; isso obrigou
os recorridos a suspender o cumprimento das obrigações contratuais e a buscar a
rescisão do instrumento. Precedentes citados: REsp 1 59.66 1 /MS, DJ 14.02.2000;
REsp 176.435/SP, DJ 09.08 . 1999; REsp 734.520/MG, DJ 1 5.10.2007; REsp
68.476/RS, DJ 1 1 . 11. 1996; REsp 35.898/RJ, DJ 22. 11 . 1993; REsp 1 30.01
2/DF, DJ 1 .º.02. 1999; e REsp 783.404/GO, DJ 1 3 .08.2007" (STJ, REsp 98 1
.750/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 1 3 .04.2010).

Traz-se o entendimento proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito


Federal,
APELAÇÃO CÍVEL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. TERRACAP.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. EDIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXCEÇÃO DO
CONTRATO NÃO CUMPRIDO.
1. Mostra-se desarrazoada a exigência de cumprimento de obrigação de fazer por
parte do adquirente do imóvel, qual seja, realizar edificação no prazo de 70 meses,
quando a própria vendedora incorreu em mora, ainda que o motivo do
inadimplemento decorra de fato imputável a outrem.
2. Configurado o inadimplemento da Terracap, ao entregar imóvel objeto de compra
e venda inapto à fruição imediata, aplica-se a exceptio non adimpleti contractus e,
ausente a culpa do contratante, afasta-se a possibilidade de incidência de multa
contratual, atualização monetária e juros de mora.
3. Apelação conhecida e não provida.
(Acórdão n.1099285, 20160110855784APC, Relator: FÁBIO EDUARDO
MARQUES 7ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 23/05/2018, Publicado no
DJE: 29/05/2018. Pág.: 543-546)

E ainda,
43

DIREITO CIVIL. EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO.


COMPROVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS.
CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO E PROFISSIONAL PARA ELABORAR DE
LAUDO PARTICULAR. RESTITUIÇÃO PELA PARTE CONTRÁRIA.
IMPOSSIBILIDADE. MERO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL.
EXERCÍCIO REGULAR DO DIREITO DE AÇÃO. DANOS MORAIS. NÃO
OCORRÊNCIA.
I - O art. 206, §3º, V, do Código Civil prevê que prescreve em três anos a pretensão
de reparação civil, sendo o termo inicial de contagem do prazo prescricional a data
em que o titular teve ciência de que seu direito foi violado.
II - A exceptio non adimpleti contractus, ou exceção de contrato não cumprido, pode
ser invocada quando houver efetiva demonstração do descumprimento das
obrigações contratuais assumidas pela parte contrária e, quando acatada, conduz a
improcedência da ação.
III - Não é devido o ressarcimento das despesas realizadas com honorários
contratuais de advogado ou de profissionais responsáveis pela produção de laudos
particulares porque decorrem de avença estritamente particular entre o profissional e
seu cliente, que optou por realizar o ajuste e as referidas despesas, não podendo
repassá-las à parte contrária.
IV - O mero inadimplemento contratual e o exercício regular do direito de ação não
constituem fatos geradores de dano moral, na medida em que não têm aptidão para
ofender os atributos da personalidade de forma a ensejar a compensação pecuniária.
V - Deu-se parcial provimento ao recurso.
(Acórdão n.1070875, 20150110325600APC, Relator: JOSÉ DIVINO 6ª TURMA
CÍVEL, Data de Julgamento: 31/01/2018, Publicado no DJE: 06/02/2018. Pág.:
538/563)

O Doutrinador Luciano de Camargo Penteado ainda divide a exceptio doli em dois


subconceitos, isto é, excepio doli generalis e exceptio doli especialis, as distinguindo da
seguinte forma:
A exceptio doli especialis nada mais seria do que uma participação da exceptio doli
generalis referida a atos de caráter negocial e atos dele decorrentes, quando o
primeiro houvesse sido obtido com dolo. Assim, a generalis, como o próprio nome
já diz, é gênero e a outra espécie. A diferença específica encontra-se nos casos em
que a fonte da que dimana o possível direito é um negócio jurídico e não qualquer
outra fonte. O caráter excessivamente geral das duas figuras acaba por tornar sua
aplicação perigosa em termos de segurança jurídica, valor que parece preservado
pelas figuras anteriormente consideradas, na medida em que tem pressupostos
concretos de verificação.66

Diante do exposto, verifica-se que a cada dia as teorias da boa-fé objetiva estão
sendo objeto e amparo em diversas decisões, a fim de solucionar os litígios da forma mais
razoável e balanceada possível.

66
PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire Contra Factum
Próprium. Disponível em: www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/Luciano_venire.doc. Acesso em 10/01/2019.
44

CONCLUSÃO
Como visto acima, o princípio da boa-fé objetiva é o princípio balizador de toda
negociação contratual, sendo indubitavelmente tratada como garantia fundamental à função
social do contrato e da ordem pública.
É certo que, ao ter o entendimento das funções da boa-fé objetiva, verifica-se a
grande evolução no entendimento doutrinário e jurisprudencial ao considerar as interpretações
do contrato voltadas para o cotidiano de cada relação contratual existente.
Do mesmo modo, as figuras parcelares e deveres anexos que formam o conceito
de boa-fé objetiva concedem ao princípio uma amplitude na formação e análise dos negócios
jurídicos.
É inegável que o crescente entendimento jurisprudencial tem se revelado como
limitador e regulador das ilegalidades existentes decorrentes de um sistema capitalista cada
vez mais severo.
45

REFERÊNCIAS

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Civil, 3ª edição, São Paulo, Juspovivm, 2014.

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Devedor, 1ª ed. Rio de Janeiro, Aide, 1991.

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administração pública: o conteúdo dogmático da moralidade administrativa. São Paulo:
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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2006.

NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação
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46

NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O princípio da boa-fé e sua aplicação no direito


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da Boa-fé Objetiva e o Princípio da Tutela do Hipossuficiente. In: TEPEDINO, Gustavo
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PENTEADO, Luciano de Camargo. Figuras Parcelares da Boa-fé Objetiva e Venire


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SARLET, Ingo Wolfgang (Org). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado.


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TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único 6. ed. Ver., atual. e ampl – Rio
de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.

THEODORO JR., Humberto. O contrato e Seus Princípios. Rio de Janeiro: Aide. 1993.

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São Paulo: Editora Atlas, 13ª. Edição. 2013.

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