Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
RESUMO: O presente artigo nasce junto a uma pesquisa em andamento em uma escola
municipal de Juiz de Fora e foca sua discussão em uma atividade realizada na sala de aula
de matemática da turma de 6º ano do ensino fundamental. Nesta atividade foram dadas
tabelas numeradas de 0 a 99 e esperava-se que os alunos colorissem números conhecidos,
encontrassem padrões e marcassem na tabela algo que chamasse a atenção. Foi nesse
contexto, que Ana e sua colega marcaram os números mudados. Com isso, marcaram um
currículo, uma matemática, uma escola. Inventaram um currículo, uma matemática, uma
escola, uma vida. Um currículo nômade? Que matemática é possível num currículo
nômade? É possível ensinar matemática assim? Arrombamentos de uma atividade.
É dada uma tabela de números organizados em dez linhas e dez colunas, começando do
número 0 e seguindo sucessivamente até o número 993. Um modo de olhar para a tabela é
1
Graduando do curso de Licenciatura em Matemática (oitavo período) pela Universidade Federal de Juiz de
Fora / UFJF.
2
Professora da Universidade Federal de Juiz de Fora (FACED), orientadora e coordenadora da pesquisa
referenciada.
3
Esta atividade foi desenvolvida junto a alunos do sexto e do sétimo anos de uma escola pública do
município de Juiz de Fora (MG). Nesta escola vem sendo desenvolvida, desde setembro de 2013, a pesquisa:
Por uma educação matemática menor: currículo e formação de professores junto à sala de aula de
matemática (Acordo CAPES/FAPEMIG, Processo nº APQ 03480-12, coordenado por Sônia Maria Clareto).
O autor deste artigo é bolsista IC/Capes neste projeto desde seu início. A atividade aqui em questão foi
proposto: procurar padrões matemáticos. Em meio a números pares, ímpares, primos,
quadrados perfeitos, múltiplos de 2, 3, 5, 10, alguns números são coloridos: 27, 72, 34, 43,
28, 82... Quais números são esses? Um sorriso: não sei. Ana4 continua pintando alguns
números. Pinta o 27 e o 72 de vermelho, o 34 e 43 de azul, continua pintando. Uns minutos
depois: professor, são números mudados. Números mudados? Sim. E como funciona? O
que está aqui (aponta para o algarismo da unidade) agora está aqui (aponta para o
algarismo da dezena do outro número). Assim, o algarismo que estava na unidade, passa a
compor o outro número, situando-se na dezena e, do mesmo modo, o que estava na dezena,
agora está na unidade. Ana continua pintando e, assim, inventando os números mudados.
preparada pela equipe executora do projeto que conta com três bolsistas de Iniciação Científica, uma
mestranda, o professor da escola e a professora coordenadora da pesquisa. A atividade foi nomeada
“Intimidade com os Números” e objetivou oferecer possibilidades de encontros dos alunos com os números,
incentivando um estreitamento nas relações, produzindo uma “intimidade” dos alunos com os números. Os
estudantes foram organizados em pequenos grupos para a realização da atividade.
4
Ana é o nome dado a uma aluna do sexto ano que, juntamente com uma colega da mesma sala, realizou a
atividade proposta e inventou os números mudados.
No século VI a.C., Pitágoras de Samos foi uma das figuras mais
influentes e, no entanto, misteriosas da matemática. O que parece certo é
que Pitágoras desenvolveu a ideia da lógica numérica e foi responsável
pela primeira idade de ouro da matemática. Graças ao seu gênio, os
números deixaram de ser apenas coisas usadas meramente para contar e
calcular e passaram a ser apreciados por suas próprias características.
(SINGH, 2002, p. 28)
Pitágoras percebeu que poderia estudar os números sem sua utilidade no
mundo real e, assim, analisar suas propriedades mais genuínas.
O que está aqui (aponta para o algarismo da unidade) agora está aqui (aponta para o
algarismo da dezena do outro número) e, da mesma forma, o que estava na dezena, agora
está na unidade. Ana continua pintando e, assim, inventando os números mudados.
O que está aqui (aponta para o algarismo da unidade) agora está aqui (aponta para o
algarismo da dezena do outro número) e, da mesma forma, o que estava na dezena, agora
está na unidade. Ana continua pintando e, assim, inventando os números mudados.
Pitágoras, quando lhe perguntaram o que era um amigo, respondia: ‘É
um que é outro Eu, como 220 e 284’ (DANTZIG, 1970, p. 50).
Mas, o que são os números amigos? Números mudados? Sim. E como funciona? São os
números que a soma de seus divisores, dá o outro. O que está aqui (aponta para o
algarismo da unidade) agora está aqui (aponta para o algarismo da dezena do outro
5
Poesia produzida pela dupla de alunas que inventou os números mudados.
número) e, da mesma forma, o que estava na dezena, agora está na unidade. Ana continua
pintando e, assim, inventando os números mudados.
Números mudados, números amigáveis. Onde estão estes números? Por que
só depois de abrir este livro me deparei com eles?
Números perfeitos? Mas, o que são os números amigos? Números mudados? Sim. E
como funciona? São os números em que a soma de seus divisores, dá o outro. O que está
aqui (aponta para o algarismo da unidade) agora está aqui (aponta para o algarismo da
dezena do outro número) e, da mesma forma, o que estava na dezena, agora está na
unidade. Ana continua pintando e, assim, inventando os números mudados. São os
números em que a soma de seus divisores dá ele mesmo.
E os números primos? Diferentemente dos números amigos, perfeitos, triangulares,
quadrados, os números primos estão na escola. Por que os números primos estão tão
presentes no currículo das escolas? Os primos têm utilidade no funcionamento na
sequência didática no ensino de matemática nas escolas?
Onde estão estes números? Por que só depois de abrir aquele livro me
deparei com eles?
Números mudados
NÚMEROS PALÍNDROMOS.
A figura acima retrata um poema feito por Su Hui no século IV. O poema é um enigma que
só faz sentido lendo-se a partir da palavra “marido” na primeira linha e continuando pela
diagonal descendente para a direita. Depois o leitor desce um caractere para a direita e sobe
pela diagonal esquerda. Depois de tentar decifrar o poema, um homem do século XVIII
alegou haver descoberto mais de nove mil poemas.
Uma conjectura:
Por exemplo:
Seja 68 o número escolhido.
Primeiro passo:
68 + 86 = 154
Segundo passo:
154 + 451 = 605
Terceiro passo:
605 + 506 = 1111 (deu um palíndromo!).
A conjectura palíndroma afirma que: qualquer que seja o número inicial escolhido se chega
sempre a um palíndromo, após um número finito de passos. Ninguém sabe se essa
conjectura é falsa ou verdadeira.
O menor número inteiro que pode ser um contra exemplo dessa conjectura é o 196. Através
de computadores, já se efetuou centenas de milhares de passos, conforme foi feito no
exemplo com o número 68, sem se obter um palíndromo.
Ah, os números mudados, inventados por Ana, são números usados na conjectura
palíndroma. O que faz com que um conteúdo matemático seja digno que ocupar lugar em
um currículo? Sua utilidade? Sua importância para a própria matemática?
6
Trata-se de uma paráfrase: “É preciso partir de um pensamento sem imagem, um pensamento caracterizado
como nômade: não lhe interessa os pontos de chegada ou de partida, mas sim os trajetos que percorre. É neste
sentido que podemos falar de uma desterritorialização incessante do pensamento não sobre as essências, mas
sobre uma multiplicidade de acontecimentos que saltam do estado de coisas. Em uma sentença, o pensamento
nômade é aquele que surge do encontro com o impensável, com o imprevisto, sem que esteja remetido a uma
experiência vivida ou representada, mas é conduzido apenas pela criação, pelo advento do novo”. (CUNHA,
2014, p. 59).
7
Gilles Deleuze e Félix Guattari, em Mil Platôs (1997) pensam a ciência nômade como extrínseca ao
aparelho de Estado, irmanada à máquina de guerra nômade. A matemática nômade ou matemática menor
vem sendo estudada no âmbito do projeto no qual este artigo se constitui (CLARETO, 2013; CLARETO;
SILVA; CLEMENTE, 2013; CLARETO; SANTOS, no prelo). Este conceito encontra lastro nas discussões
acerca da Educação Menor (GALLO, 2003).
[...] a aprendizagem não é entendida como passagem do não-saber ao
saber, não fornece apenas as condições empíricas do saber, nem é uma
transição ou uma preparação que desaparece com a solução ou
resultado. A aprendizagem, é sobretudo, invenção de problemas, é
experiência de problematização. (KASTRUP, 2001, p. 17).
REFERÊNCIAS:
CLARETO, Sônia M.. Matemática como acontecimento na sala de aula. In: 36ª REUNIÃO
ANUAL DA ANPED, 2013, Goiânia. Sistema Nacional de Educação e Participação
Popular: Desafios para as Políticas Educacionais. Rio de Janeiro: Anped, 2013. v. 01. p.
01-15.
http://36reuniao.anped.org.br/pdfs_trabalhos_aprovados/gt19_trabalhos_pdfs/gt19_3248_t
exto.pdf.
CLARETO, Sônia M.; SILVA, Aline A.; CLEMENTE, João C.. De Triângulo a bola: uma
matemática menor e a sala de aula. In: XI ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, 2013, Curitiba. Educação Matemática: retrospectivas e perspectivas. Rio
de janeiro: Sociedade Brasileira de Educação Matemática, 2013. v. 01. p. 01-12.
http://sbem.esquiro.kinghost.net/anais/XIENEM/pdf/3251_1448_ID.pdf.
CLARETO, Sônia M.; SANTOS, Filipe F. Os infinitos e seus tamanhos: nos becos da sala
de aula, que matemática acontece?. In MONTEIRO, Alexandrina; VILELA, Denise (orgs).
Os Paradoxos do Infinito. São Paulo: Livraria da Física. No prelo.
DELEUZE, Gilles. Proust e os Signos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
8
A pesquisadora Virgínia Kastrup problematiza a noção de aprendizagem a partir da filosofia de Gilles
Deleuze (KASTRUP, 1999).
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Tradução
de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. v. 5.
GALLO, Sílvio Donizete. Deleuze e Educação. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2003.
SINGH, Simon. O Último Teorema de Fermat. 9ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2002.