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POR UMA METODOLOGIA DO DIREITO DE BASE PRAGMATISTA: O

RACIOCÍNIO ABDUTIVO NO DIREITO

For A Legal Methodology Grounded On Pragmatism: Abdutive Reasoning In Law

Flavianne Fernanda Bitencourt Nóbrega

Sumário: 1. Proposta Pragmatista para uma Metodologia Jurídica; 2. A contribuição


pragmatista no contexto de descoberta - Metodêutica, o método para descobrir métodos; 3. A
abdução e o Direito; 4. A inferência abdutiva; 5.O retorno à apagoge em Aristóteles; 6. O
argumento jurídico apagógico; 7. O Método de clarificação conceitual de Peirce; 8. A dúvida
e a fixação da crença no pragmatismo – a superação do método a priori ; 9. Postura
Pragmatistas no Direito; 10. Bibliografia

RESUMO

A metodologia jurídica é aqui tomada na perspectiva da aplicação do direito pelo operador


jurídico. É analisada do ponto de vista de suas deficiências e a investigação se centra na
proposta pragmatista como alternativa de aperfeiçoamento, através de modo de inferência
abdutivo – lógica das conseqüências, originariamente desenvolvido por Charles Sanders
Peirce. A postura pragmatista proposta para o processo de decisão judicial encontra-se
inserida no contexto da descoberta pela própria natureza do raciocínio abdutivo de Peirce. A
forma de pensar pragmatista não se presta a servir de baliza para aferir a racionalidade
argumentativa da decisão jurídica, pois a essência do raciocínio abdutivo se opera no âmbito
da descoberta e não da justificação. A inadequação e insuficiência das construções analítico-
formais da Teoria Geral do Direito, verificada na pós-modernidade, desponta a necessidade
de construção de novos paradigmas para a Ciência Jurídica. O Pragmatismo exsurge nesse
contexto como uma alternativa de se repensar as questões jurídicas sob uma nova plataforma
de raciocínio, hábil a compreender problemas que a dinâmica social faz nascer. Para isso foi
realizada uma revisão bibliográfica do Pragmatismo Clássico em seus principais expoentes –
C. S. Peirce, W. James e J. Dewey – e discutida as possibilidades de uma Filosofia do
Direito e Metodologia Jurídica Pragmatistas. Aprofundando-se no método de investigação

1
científica de Peirce, foi revelado que a lógica cartesiana de grande influência no meio
jurídico conduz à auto-ilusão, pois seu pressuposto é uma dúvida irreal, abstrata,
estabelecida por um juízo de autoridade, despida de qualquer conexão com os elementos
sensíveis do mundo. Nesse ponto reside a vantagem do método pragmático, pois não orienta
a investigação por dogmas, mas a partir da realidade, mediante a prova e o erro. A
determinação pragmatista do significado de algo se deve ao exame do conjunto de todas as
futuras conseqüências práticas verificáveis. Estabelece-se uma ‘claridade’ real das idéias que
se distinguem pelos diferentes modos de ação que têm lugar na prática. O raciocínio
abdutivo de Peirce, ao possibilitar se inferir daquilo que já se sabe algo que ainda não se
conhece, supera a ‘falácia da indução’, permitindo o avanço da ciência e conhecimento
novo. Distinta da indução e da dedução, a abdução é uma forma sintética de inferência, que
não é validada nem a priori, nem dedutivamente. Sua base racional é o falibilismo. O caráter
de falibilidade é imanente ao Pragmatismo, pois não se alcança o conceito definitivo e
acabado de algo, mas se trabalha pelo seu permanente aperfeiçoamento. Desse modo, o
método pragmatista admite uma continuidade, uma evolução e uma dinâmica para o Direito.
Do ponto de vista da prática judicial, tem-se que o método dominante ainda é o subsuntivo
igual ao utilizado no século XIX. Assim, por maior correspondência da abstração – teoria –
com a realidade prática, faz-se necessária uma Metodologia do Direito, mais devotadas aos
fatos, que se acrescente à de base aprioristica-racionalista, sem, no entanto, descartá-la. O
Pragmatismo Clássico, como método capaz de processar a mutabilidade da realidade social,
representa uma possibilidade real de aperfeiçoar o Direito.

Palavras-chave: METODOLOGIA JURÍDICA – FILOSOFIA PRAGMATISTA –

ABDUÇÃO

ABSTRACT

The legal methodology here is taken in the perspective of law-making. We analyse the
deficiencies of the traditidional legal methodology and present pragmatic adjudication as an
alternative way to improve the Law, through the Abdutive Reasonig, developed by Charles
Sanders Peirce. Is is important to notice that this pragmatic proposal is inserted within the
“context of discovery” considering the abductive reasoning own’s nature. Pragmatism does
take into consideration the “context of justification”, which deals with the rational adequacy

2
of a judge’s veredict, otherwise the essence of pragmatism reasoning is operated in
discovery context. An abdutive inference is not concerned with a process of argumentation
as a process of justification, but with a process of imagination and discovery. The
deficiency of the Traditional Theory of Legal Reasoning, which was grounded on Legal
Formalism, indicates the need of a new paradigm. Hence, Pragmatism appears in that
context as an alternative to refound legal theories under a new plataform of reasoning – the
Abduction, which is able to understand the dynamic of social and legal changes. For that, a
bibliographical revision of the Classical Pragmatism within its main exponents – C. S.
Peirce, W. James and J. Dewey – was done and the the possibilities of a Philosophy of Law
and Legal Pragmatic Methodology was discussed. Taking Peirce’s Pragmatism into
consideration, it is reavealead that the acartesian logics leads to ato-ilusion, because its
assumption is an unreal doubt, estabilished by method of authority, without any link with the
sensible elements of the world. Therein resides the advantage of the pragmatic method. Thus
it does not take dogma for granted, instead it considers reality through the evidence and the
error. For Peirce the whole meaning of any idea is to be found in considering what effects
that might conceivably have pratical bearings, we conceive the object of aour conception to
have. Peirce’s Abductive Reasoning infers the known from what is unknown, overcoming
the “falacy of induction”, allowing the advance of new science and knowledge. Unlike
Induction and Deduction, Abduction is a synthetic inference, not valid “a priori”, neither
deductively. Its rational ground is falibilism. The character of falibility is inherent to
Pragmatism, for it does not achieve the definite concept of something, but it constantly
works its permanent enhancement, througt the evolution and dynamic of the Law. The
Classical Pragamatism is a capable method of understanding the changes of social reality
represents a real possibility of enhancing the Law.

Keywords: LEGAL METHODOLOGY – PRAGMATISM PHILOSOPHY – ABDUCTIVE


REASONING

3
1. Proposta Pragmatista para uma Metodologia Jurídica

A metodologia jurídica é aqui tomada na perspectiva da aplicação do direito pelo


operador jurídico. Esta é analisada do ponto de vista de suas deficiências e a investigação se
centra na proposta pragmatista como alternativa de aperfeiçoamento, através de modo de
inferência abdutivo – lógica1 das conseqüências, originariamente desenvolvido por Charles
Sanders Peirce.
O pensamento pragmatista tem suas raízes na antiguidade e manifestou-se
posteriormente na modernidade, através do Clube Metafísico de Boston, tendo como figuras
proeminentes C. S. Peirce, W. James, S.J. Green, J. Dewey e O. W. Holmes. Este último foi
jurista e chegou à Corte Suprema dos Estados Unidos, tendo defendido que a vida no direito
não tem sido a lógica, mas a experiência. Para ele mais importante do que o silogismo na
determinação das regras pelos quais os homens devem viver, estão as necessidades vividas
pelo seu tempo, as teorias políticas e morais prevalecentes, confessadas ou inconscientes e
até mesmo os preconceitos que os juízes compartilham com seus contemporâneos2.
Averso aos modelos formais de conceituação do discurso e às teorias abstratas, tendo
como pressuposto uma doutrina anti-essencialista, o pragmatismo torna-se uma nova forma
de raciocínio para tratar de questões jurídico-filosóficas, em substituição ao modo de pensar
cartesiano de base idealista. As deficiências do modelo subsuntivo tradicional, incapaz de
resolver os problemas que a realidade social faz surgir revela a necessidade de se buscar
respostas para interrogações com base em uma teoria crítica3. O Pragmatismo americano do
século XX e suas manifestações recentes representam uma alternativa possível, face à crise
de paradigmas instaurada com a frustração das teorias analítico-formais, bem como suas
repercussões na Teoria Geral do Direito.

A aplicação do referencial pragmático à metodologia jurídica, inicia-se, na expressão

peirceniana, com a dúvida genuína4, em função das exceções e erros que desafiam a

consistência do modelo subsuntivo tradicional. O modo de pensar pragmatista tem como

1
Tenha-se que a expressão lógica adota por Peirce não se limita ao sentido clássico de lógica formal, sendo ao
mesmo tempo uma lógica, uma ética e uma estética.
2
MURPHY, John. O Pragmatismo: de Peirce a Davison. Trad. Jorge Costa. Portugal: Asa, 1990. p. 54.
3
Boaventura de Souza Santos aponta o Pragmatismo americano do nosso século como uma das fontes de
inspiração para o que o autor chama de Teoria Crítica Moderna. SANTOS, Boaventura de Souza. A crítica da
razão indolente : contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez, 2001. p.25.

4
ponto de partida a inquietação real que o sujeito tem com todos seus preconceitos e trata de

eliminar os falsos problemas criados unicamente na abstração.

Em sentido oposto ao dogmatismo tradicional, o pragmatismo supera o dualismo e


integra o mundo dos fatos e o mundo dos direitos num plano único. “Ligar pensamento à
existência, ligar o pensamento à vida, eis a idéia fundamental do Pragmatismo”5
Com o pensamento pragmatista deixa, então, de haver o salto mortal – o abismo
epistemológico – entre existência e pensamento. Este último encontra sua significação na
conduta que o agente está apto a produzir. Assim, o pensamento só se faz como elemento da
realidade, movendo-se tão somente num plano único, do qual também fazem parte a
existência e a vida.
Os efeitos concebíveis de natureza prática que algo pode envolver compõem seu
significado. O método pragmático, não concebendo uma diferenciação que se opere na
abstração e que não se distinga na realidade, revela a impossibilidade de se pensar em planos
separados – abstrato e real.
Os significados dos conceitos intelectuais no pragmatismo não são definitivos, porém
dinâmicos e abertos, repousando no somatório de todas as conseqüências práticas previsíveis
de algo, cujo número é indefinido. Por esta razão, diante da impossibilidade de se levantar
todos os futuros resultados experimentais, o conceito no pragmatismo é probabilístico. A
falibilidade lhe é imanente, o que possibilita ao pragmatista buscar sempre um
aperfeiçoamento e refinamento do significado6
O método pragmático busca liquidar disputas que, de outro modo, seriam
intermináveis7. Crítico voraz às inconsistências do dogmatismo tradicional e com uma
filosofia voltada ao concreto, aos fatos, o pragmatismo não se filia nem à corrente
racionalista, nem à empirista8, procurando antes reconciliá-las, ou melhor, superá-las. Tome-
se as palavras de James9 :

4
PEIRCE, Charles Sander. Fixation of belief. www.peirce.org. Acesso em 10 de jun de 2005
5
DURKHEIM, Emile. Sociologia, Pragmatismo e Filosofia. Trad. Evaristo Santos. Porto:Rés. p.31 Destaque-
se que esta citação das lições de Durkheim se refere à parte na qual o sociólogo descreve o Pragmatismo e não
corresponde ao seu posicionamento que é de oposição à filosofia pragmatista.
6
STROH, Guy W. A Filosofia Americana: Uma Introdução.Cultrix, São Paulo, 1968. p. 115.
7
JAMES, William. O que significa pragmatismo. In: Pragmatismo e outros ensaios.Lidador, p.44.
8
Em sua primeira conferência, intitulada ‘ O atual dilema da Filosofia’, James esquematiza o dualismo em
duas colunas, enumerando suas dicotomias. Em uma delas tem-se o Espírito Terno (Racionalista, o que segue
princípios, Intelectualista, Idealista, Otimista, Religioso, Livre arbitrista, Monista e Dogmático) e em outra
coluna tem-se o Espírito Duro (Empírico, o que seguem fatos, Sensacionalista, Materialista, Pessimista,
Irreligioso, Fatalista, Pluralista e Cético). JAMES, William. O atual dilema da filosofia. In: Pragmatismo e
outros ensaios.Lidador, p.29.
9
JAMES, William. O que significa pragmatismo. In: Pragmatismo e outros ensaios. Lidador, p.57.

5
[..], o pragmatismo , devotado aos fatos, não tem essa propensão
materialista sob a qual o empirismo ordinário opera. Mas ainda, não
faz qualquer objeção ao sistema de abstrações, na medida em que
possa percorrer os particulares com sua ajuda, o que realmente, pode
ser feito.Interessado não em conclusões, mas naquilo que nossos
espíritos e nossas experiências elaboram juntos, [..]

Voltando o olhar para a prática judicial, tem-se que do ponto de vista metodológico
ainda se assenta no método subsuntivo, que remonta ao século XIX10. Esse modelo, na qual
a decisão jurídica resulta senão a partir da lei através de uma subsunção lógica dos fatos, não
resiste a uma análise mais profunda. Não raro são os casos em que as normas jurídicas não
se conformam ao fato por mera subsunção, dada a singularidade de cada evento e a
impossibilidade de o legislador prever a infinidade de ocorrências fáticas que se podem dar
na realidade.
Destaque-se, ainda, que neste modelo as decisões se processam por uma inferência
lógica a partir de norma jurídica e do fato jurídico. Acrescente-se que no método subsuntivo
a norma jurídica, como entidade abstrata, integra o plano do dever ser e o fato, como
entidade concreta do real, o plano do ser. A própria estruturação do modelo subsuntivo
revela uma aporia: Como se pode realizar no plano da abstração uma transposição de duas
realidades ( ser e dever ser) que se consideram apartadas em planos distintos?
Adiante-se que da lei não se pode subsumir nada. Com base no pressuposto
pragmatista desenvolvido por Charles Sander Peirce “nothing new can ever be learned by
analysing definitions”11. Neste sentido, o modelo subsuntivo não permite ao julgador
avançar12 para uma decisão jurídica, pois que se queda no plano da pura abstração.
A referência epistemológica do modelo subsuntivo, é o representacionismo, segundo
o qual o conhecimento é entendido como uma representação da mente do que existe fora
dela, como se a mente fosse um espelho da natureza. Assim, a partir da teoria dos dois
mundos natureza e espírito, ser e consciência, real e ideal, objeto e sujeito, ser e dever-se
estariam separados rigorosamente. Pontue-se que essa oposição binária da metafísica

10
KAUFMANN. E W. Hassemer. Introdução à Filosofia do direito e à teoria do Direito Contemporâneas.
Trad. Marcos Keel. Fundação Caloute Gulbekian: Lisboa, 2002.p.184.
11
“nada de novo pode ser aprendido apenas se analisando definições”. PEIRCE, Charles Sanders. How to make
our ideas clear. In: Charles S. Peirce: Selected Writings. Org. Phiplip Wiener.New York: Dover Publications,
1980. p.113
12
Diversamente o método pragmático possibilita se avançar no conhecimento, pois que suplantando o dualismo
metódico, a significação de algo pelas suas conseqüências práticas verificáveis. No pragmatismo há a idéia de
avanço, de continuidade

6
ocidental, estabelecidas pela tradição européia clássica, notadamente através de Platão,
Descartes e Kant é refutada pelo pragmatismo13.
É de notar que as teorias do direito que se desenvolveram no período moderno,
mantiveram a distinção entre o ser e dever ser, ora privilegiando um ou outro. Assim, as que
procederam dedutivamente, como o positivismo lógico-normativo, a jurisprudência de
conceitos e a teoria pura do direito acentuaram o dever ser do direito, olvidando-se, todavia
dos fatos jurídicos – momento de ser do direito. As que de outro modo procederam
indutivamente, como a teoria jurídica de Rudolf von Jhering, o positivismo jurídico
empírico, a jurisprudência dos interesses, o movimento do direito livre e a sociologia
jurídica empírica, voltaram-se à realidade, sem, no entanto lograr justificar como a partir do
ser se poderia alcançar o dever ser.14
Arthur Kaufmann, em contraponto a esses dois paradigmas, revelando que não se
pode atingir o direito por mera dedução ou indução, desenvolve uma metodologia jurídica a
partir da analogia15. O modelo subsuntivo tradicional seria deficiente, pois que norma e
situação de fato nunca seriam idênticos, mas apenas semelhantes. A analogia, para o autor,
subjaz todo processo de aplicação da norma, na qual são comparadas duas realidades. Dessa
forma, é uma metodologia aberta às situações concretas que se oferecem à observação.
A aproximação entre ser e dever ser se daria numa relação de correspondência, de
referência recíproca. Apesar do salto que a tese de Kaufmann representou para a
metodologia jurídica, com raciocínio por analogia, ela comporta algumas dificuldades em
razão da própria natureza do raciocínio por semelhança. Esclareça-se que na analogia, aquilo
que está para ser reconhecido não é reconhecido no seu ser, em si, mas numa relação
mantida com outro mais conhecido. E no caso de este outro ser desconhecido, como o
operador jurídico vai proceder, tendo em vista que a relação de semelhança não se
estabelece?

É exatamente o raciocínio abdutivo ou retrodução16 que fundamenta o método

pragmático de Peirce que responde a essa indagação. A abdução como uma forma ousada de

descobrir hipóteses e explicar novos fatos (lógica da investigação ou lógica das

13
RORTY, Richard.Esperanza o conocimiento? Una introducción al pragmatismo. Fondo de Cultura
Económica: Mexico, 2001.p.9
14
KAUFMANN. E W. Hassemer.(n.10).p.182.
15
KAUFMANN. E W. Hassemer.(n.10).p.187.
16
PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1990.p.6.

7
conseqüências), consubstanciaria uma nova metodologia jurídica concebida sob uma

perspectiva pragmatista.

2. A contribuição pragmatista no contexto de descoberta - Metodêutica, o método para


descobrir métodos.

Importa substancialmente situar o âmbito de abordagem da contribuição da postura


pragmatista no que pertine ao processo de decisão judicial. Trazendo para o Direito a
distinção que Hans Reichenbach e Karl Popper fizeram na filosofia da ciência entre o
contexto de descoberta e o contexto de justificação17, tem-se que no primeiro se está a
discutir a razão explicativa porque o juiz tomou a decisão, seja, por exemplo, por um motivo
religioso, econômico, psicológico, social, jurídico, dentre outros; enquanto que no segundo
contexto está a razão justificadora, na qual se observa a adequação racional, correição da
argumentação, coerência, interpretação da lei.
Os estudos desenvolvidos em Teoria do Direito sempre deram demasiada atenção ao
contexto de justificação, subestimando o contexto de descoberta, sob o argumento de este
cair em psicologismos18. Não atribuindo importância à imaginação e ao descobrimento,
esses teóricos se voltaram à lógica e à racionalidade dos argumentos.
A postura pragmatista proposta para o processo de decisão judicial, neste trabalho,
encontra-se inserida no contexto da descoberta. A forma de pensar pragmatista não se presta
a servir de baliza para aferir a racionalidade argumentativa da decisão jurídica, pois a
própria essência do raciocínio abdutivo, evidencia uma análise que se opera no âmbito da
descoberta.
Expressão da máxima pragmatista de Peirce, a abdução representa uma forma de
raciocínio ousado, na qual se lança uma hipótese provisória criativa, com vistas as suas
conseqüências, em resposta aos estímulos dados da experiência, que geraram um estado de
perturbação, de dúvida.
Essa lógica da descoberta está impressa no método pragmático de clarificação
conceitual desenvolvido por C. S. Pierce , o qual objetiva superar obscuridades decorrentes
de distinções imaginárias que não se diferenciam no modo de expressão na realidade,

17
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: Teorias da Argumentação Jurídica.São Paulo: Landy Editora,
2003. p.22.
18
ABIMBOLA, Kola. Abductive reasoning in law: taxonomy and inference to tehe beste explanation. Cardozo
Law Review. v. 22 p. 1682-1689.

8
tomando a significação de algo pelo somatório de todas as possíveis conseqüências práticas
concebíveis.19
Esclareça-se que a concepção pragmatista de algo, sendo uma concepção de todos os
efeitos práticos concebíveis, faz com que a concepção tenha um alcance muito além da
prática e as hipóteses sejam sempre falibilistas, pois nenhuma hipótese vai abarcar a
completude da realidade. Permite qualquer vôo de imaginação, contanto que essa
imaginação se depare com um efeito prático possível e muitas hipóteses que pareceriam a
primeira vista excluídas da máxima pragmática não o são.
Dessa sorte, a postura pragmatista está a colaborar para o Direito especialmente no
que pertine aos chamados hard cases, pois nesses o método pragmatista e a abdução se
oportunizam em razão da dúvida genuína no sentido dado por Peirce. Nessas situações, a
disposição e agir pragmatista permite evidenciar as premissas que motivam a decisão e que
na maioria das vezes ficam inarticuladas na sua fundamentação.
O fato de a abordagem pragmatista só poder falar acerca do contexto de descoberta,
não significa que o contexto de justificação deva ser desprezado, mas que o da descoberta
seja substancialmente considerado.
Interessa para a compreensão dessa proposta pragmatista para o Direito a revisão de
conceitos próprios do pragmatismo como método, dúvida, crença, hábito, investigação,
inferência, claridade conceitual.
Antes de adentrar na análise desses conceitos, no entanto, tenha-se que a lógica das
conseqüências, como também é conhecido o raciocínio abdutivo, difere substancialmente da
argumentação conseqüencialista do MacCormick, pois este tem sua teoria inserida no
contexto da justificação e essa argumentação conseqüencialista20 está circunscrita aos limites
marcados pelos princípios da universalidade, consistência e coerência.

3. A abdução e o Direito

Distinta da indução e da dedução, a abdução é uma forma sintética de inferência, que


não é validado nem a priori, nem dedutivamente. Sua base racional é o falibilismo. É uma
forma de raciocínio que parte dos efeitos para remontar às causas e procura descobrir a partir
da consideração daquilo que já se conhece, alguma outra coisa que não se conhece. Dessa

19
PEIRCE, Charles Sander. How to make our ideias clear.www.peirce.org . Acesso em 23 do jun de 2005.
20
ATIENZA, Manuel. As razões do direito: Teorias da Argumentação Jurídica.São Paulo: Landy Editora,
2003, p. 133.

9
sorte, a abdução insiste sobre as conseqüências experimentais e se constitui eminentemente
uma lógica da descoberta21.
No Direito, Kauffman, que desenvolveu uma metodologia jurídica a partir da
analogia, embora não tenha teorizado acerca da abdução, ressalta a importância do grande
passo que pode ser dado na filosofia e teoria do direito com a aplicação do raciocínio
abdutivo22, também denominado pelos teóricos do pragmatismo com a lógica das
conseqüências.
O próprio Kauffman aponta que “ futuramente, terá, a metodologia jurídica, que se
prestar maior atenção à abdução do que até agora aconteceu. Não se esperem dela, todavia,
conclusões irrefutáveis, pois ela não as pode oferecer.”23

Juristas pragmatistas apresentaram teorias interessantes do ponto de vista filosófico

que tem expressão na famosa frase de Oliver W. Holmes de que “a vida do direito não tem

sido lógica, tem sido experiência”, falhando, no entanto, como aponta Benjamin N. Cardozo

em razão da ausência de um método claro, sem o qual a proposta pragmatista seria apenas

uma promessa que estaria ainda por amadurecer24.

Holmes apontou que a decisão judicial não se tratava de um processo inferencial do

tipo silogismo dedutivo, pois os juízes procedem de forma a deixar, conscientemente ou não,

inarticulados o verdadeiro terreno, no qual se funda o seu julgamento25. Premissas que

efetivamente motivam a decisão, sejam de ordem psicológica, social, jurídica, econômica,

dentre outras, não aparecem explícitas na fundamentação. Como adiantou Roscoe Pound, o

papel do o silogismo dedutivo faz é papel de justificador a posteriori, depois que a decisão

foi tomada.

21
PEIRCE, C. S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1990.p.203.
22
KAUFMANN. E W. Hassemer. Introdução à Filosofia do direito e à teoria do Direito Contemporâneas.
Trad. Marcos Keel. Fundação Caloute Gulbekian: Lisboa, 2002.p.129.
23
KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Trad. Antonio Ulisses Cortes. Fundação Caloute Gulbekian:
Lisboa, 2004, p. 118.
24
CARDOZO, Benjamin N. A Natureza do Processo e a Evolução do Direito. Porto Alegre: Ajuris, 1978. p.
46.
25
HOLMES, Oliver. The Path of Law. In: The Holmes Reader. Julius Marke. Ocena Publications: New York,
1955. p.59-85

10
A abdução ou apagoge, que constitui a base lógica na qual se alicerçou o

pragmatismo de Peirce, é apresentada como alternativa para o suprir o problema da falta de

método a fim de fundamentar a proposta pragmatista de como pensar e aplicar o direito, que

é devotada para as conseqüências da decisão jurídica.

Importa compreender como se opera exatamente essa inferência abdutiva para se ter

clara sua contribuição para o Direito.

4. A inferência abdutiva

Para ilustrar observe os três tipos de raciocínios: o dedutivo, que infere do geral para

o particular, o indutivo que infere do particular à regra e a abdução que infere dos efeitos à

causa:

Dedução

Regra – Todos os grãos de feijão no saco são brancos

Caso – Estes grãos de feijão foram retirados deste saco

Resultado – Logo, estes grãos de feijão são brancos

Indução

Caso – Estes grãos de feijão foram retirados deste saco

Resultado – Estes grãos de feijão são brancos

Regra – Logo, Todos os grãos de feijão no saco são brancos

Abdução

Regra – Todos os grãos de feijão no saco são brancos

11
Resultado – Estes grãos de feijão são brancos ( indício, não é
conclusão)

Caso – Estes grãos de feijão foram retirados deste saco (hipótese)

Tenha-se que a inferência na abdução não é justificada pela mediação de um termo

médio, mas pela heurística da descoberta de hipóteses que é o princípio que habilita esta

forma de raciocinar. É uma inferência sui generis. A abdução é, assim, uma inferência

provável, e, portanto falibilista, não necessária e está relacionada com uma adivinhação, a

formulação de uma hipótese a partir de um insight. Este, no entanto, não se confunde com a

concepção descartiana de uma iluminação interior ou intuição para alcança a verdade. O

insight a que a abdução se refere é o de cunho pragmático, pois o estímulo para a adivinhar,

criar hipótese, advém da provocação que a experiência ocasiona, ou seja, dos seus efeitos26.

E isso já era anunciado por Aristóteles nos Primeiros Analíticos como se verá.

Assim, no silogismo abdutivo a inferência se dá da regra e do resultado para o caso.

No exemplo dado acima, tem-se a situação na qual alguém entra numa casa e se depara com

alguns grãos de feijão brancos sobre a mesa (resultado – fato particular ou indício) e sabe

que o saco desta casa contém grão de feijão branco (Regra), razão pelo qual pode inferir,

supor que aqueles grãos de feijão sobre a mesa são provenientes do saco (Caso)27. Perceba-

se que a abdução é a forma de raciocínio arrojado de que se valem normalmente os detetives

para formular um conjectura.

Observe-se que a premissa menor do silogismo dedutivo aparece como solução

hipotética do silogismo abdutivo. A hipótese é uma inferência de uma premissa menor do

26
PEIRCE, C.S. Três tipos de raciocínio. In: Semiótica. Perspectiva: São Paulo, 2003, p. 221.
27
FEIBLEMAN, James K. An Introduction to the Philosophy of Charles S. Peirce. M.I.T: Cambridge,
1946, p. 117.

12
silogismo, a partir de outras duas proposições. E a indução é uma inferência de uma

premissa maior de um silogismo a partir de sua premissa menor e conclusão.

5. O retorno à apagoge em Aristóteles

Interessa saber que C. S. Peirce fez um resgate dos escritos de Aristóteles e


investigou as formas de silogismo quanto ao seu aspecto inferencial, ou seja, em atenção às
diferentes espécies de raciocínio. Nesse sentido Peirce encontra em Aristóteles três tipos
fundamentais de silogismo ou modos fundamentais de inferência: a Dedução (synagoge), a
Indução (epagoge) e a Abdução (apagoge)28.
Peirce retorna à Aristóteles para redescobrir o raciocínio abdutivo e em especial o
seu potencial como processo inferencial criativo, de grande contribuição para as ciências e as
artes, e que por muito tempo passou despercebido e foi subutilizado.
Esses três tipos de raciocínio foram dados por Aristóteles nos Primeiros Analíticos.
Todavia, a ilegibilidade de uma única palavra neste manuscrito e a sua substituição por uma
palavra errada, realizada pelo seu primeiro editor – Apellicon, é apontada por Peirce como
fator que acabou por alterar por completo o sentido do capítulo sobre Abdução29. A
expressão do grego correspondente é apapoge e se encontra tematizada no Livro II, Capítulo
25 dos Primeiros Analíticos, 69a , 20-35.

Além dos Primeiros Analíticos, 69a, há referência à apagoge nos Tópicos 159b e

160a. Todavia, é fundamentalmente nos Primeiros Analíticos onde a lógica dessa forma de

inferência é anunciada. O título do capítulo 25, Livro II, desta obra, referente à abdução –

apagoge, encontra-se traduzido como redução.

Neste capítulo a questão que se percebe como posta por Aristóteles é a seguinte: se a

Virtude (areté) pode ser ensinada (didaction). Os três termos do silogismo possível são a

Ciência (epistemé), o que pode ser ensinado(didaction) e a Virtude (arete).

28
PEIRCE, C.S. Espécies de Raciocínio. In: Semiótica. Perspectiva: São Paulo, 2003, p.5.
29
PEIRCE, C.S. Os Três Tipos do Bem. In: Semiótica. Perspectiva: São Paulo, 2003, p. 207.

13
Aristóteles tem que a “Ciência poder ser ensinada” é evidente, mas se a “Virtude é

uma Ciência” não está claro. Assim, se “Virtude ser uma Ciência” é tão ou mais

convincente, no sentido de ser não menos provável ou mais provável que a “Virtude poder

ser ensinada”, tem-se a redução. Dessa sorte, avança-se no conhecimento, pois um termo

adicional é inserido como hipótese. 30

Assim, em vez de se perguntar se a “Virtude pode ser ensinada”, se questiona se a

“Virtude é uma Ciência”.

Esse silogismo seria arranjado da seguinte forma:

Regra: “Ciência poder ser ensinada”

Resultado: “Virtude poder ser ensinada” ( Fato, Indício)

Caso: “Virtude ser uma Ciência” (Hipótese)

A inferência da proposição do tipo a “virtude ser uma Ciência”, denota um

silogismo que raciocina pelos efeitos, lançando hipóteses para se chegar à causa. Esse

raciocínio torna o efeito explícito na conclusão, pois reduzindo ao absurdo teríamos que se a

Virtude pode ser ensinada é porque a Virtude é um Ciência. A conseqüência de a Virtude ser

uma Ciência é tomada como hipótese.

É de notar que o arranjo da inferência apagoge de Aristóteles identifica-se com a

abdução peirceniana. Efetivamente, aqui, não se infere do geral para o particular, nem do

particular para o geral, não se tratando nem de um silogismo dedutivo, nem de um indutivo.

Procura-se conhecer o desconhecido por aquilo que já se conhece, inferindo-se a hipótese.

Na apagoge a aceitação da premissa menor e do silogismo é provisória de modo que

se afasta do raciocínio puramente dedutivo.

30
ARISTÓTELES. Primeiros Analíticos, II, 25, 69a, 20-35.

14
6. O argumento jurídico apagógico

Embora o Direito não tenha teorizado a apagoge ou abdução como modo de

inferência, alternativo ao dedutivista, na forma tratada por Peirce, esta forma de raciocínio

aparece na doutrina jurídica como topoi, tipo de argumento jurídico31 ou mesmo como lógica

retórica, no sentido de um procedimento quase-lógico, que se opõe a concepção de lógica

formal 32.

O argumento jurídico apagógico é enunciado na doutrina como redução ao absurdo.

Isso se deve, em parte, pela tradução do termo grego apagoge como sendo redução. A idéia

central na apagoge não é a redução, mas a peculiaridade de ser uma forma inferencial de

criação de hipóteses que parte dos efeitos para as causas, ou seja, é uma lógica voltada à

conseqüência.

Não obstante tenha a expressão redução prevalecido, a argumentação jurídica

apagógica ainda revela uma raiz de conexão com apagoge original de Aristótles – a atenção

aos efeitos. Esse argumento jurídico é entendido como sendo aquele na qual se supõe que o

legislador é sensato e que jamais poderia ter admitido uma interpretação das leis que

conduzisse a conseqüências iníquas. Perelman destaca que este argumento está no centro de

todos os raciocínios que se preocupam com as conseqüências de uma decisão jurídica, como

o fato de ser injusta ou justa, afastando-se da concepção puramente positivista do Direito.

31
PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica: Nova Retórica. Martins Fontes: São Paulo, 2000, p. 79.
32
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. São
Paulo: Atlas, 1994, p.335.

15
Acrescenta, ademais, que esse modo de raciocinar ficou mais difundido depois da Segunda

Guerra Mundial33.

Os juízes de primeiro grau estariam, ainda segundo ele, mais sensíveis a esse tipo de

argumento, pois atuam mais pragmaticamente, buscando soluções conforme o que lhe parece

justo e aceitável, enquanto que as Cortes de Cassação são mais sensíveis à coerência do

sistema.

Interessa pontuar que a reminiscência da apagoge no Direito que se circunscreve ora


a argumentos do tipo consequencialistas ora de redução ao absurdo se construíram
especificamente no contexto da justificação, perdendo a característica fundamental da
inferência abdutiva resgatada por Peirce, que é a criação e só pode se desenvolver
plenamente no âmbito do contexto da descoberta, onde se oportuniza vôos de imaginação,
como tratamos no segundo tópico.

7. O Método de clarificação conceitual de Peirce

A possibilidade de se superar a obscuridade das idéias em torno de um determinado


conceito é apresentada pelo método de clarificação conceitual pragmatista. Na obra Como
tornas nossas idéias claras34, Peirce enuncia a máxima pragmatista: “ [...] whole meanig of
any idea is to be found in considering what effects that might conceivably have pratical
bearings, we conceive the object of aour conception to have” 35
Peirce critica as teorias de significação existentes, propondo um método na qual
seriam consideradas as conseqüências práticas para compor a concepção que se tem de
determinado objeto. Esta é a máxima do pragmatismo.
Em Algumas conseqüências de quatro incapacidades (1868)36, Peirce critica o
espírito cartesiano, que segundo ele, influenciou a maior parte dos filósofos modernos. A
máxima cartesiana, esclarece o autor, parte de uma dúvida completa, na qual todos os

33
PERELMAN, Chaim. Lógica Jurídica: Nova Retórica. Martins Fontes: São Paulo, 2000, p. 80.
34
PEIRCE, Charles S. How to make our ideas clear. In: Selected Writings. New York, Dover
Publications.p.113.
35
“Considerer quels sont lês effets pratiques que nous pensons pouvouir être produits par l´objet de notre
conception,.La conception de tous ces effets est la conception de l´óbjet”- Comment rendre nos idées claires -
“Considerar quais são os efeitos práticos que nós pensamos poderem ser produzidos pelo objeto de nossa
concepção. A concepção de todos esses efeitos é a concepção do objeto”.- Como tornas nossas idéias claras.

16
preconceitos são abandonados. Ocorre, no entanto, que este ceticismo inicial não passa de
uma ilusão da abstração a conduzir a um rodeio inútil, pois o método cartesiano não
descansa enquanto não recuperar as crenças postas de lado formalmente.
O pragmatismo, diversamente, começa com a dúvida real, não a dúvida abstrata
cartesiana. Isso significa que o ponto de partida leva em consideração todos os preconceitos
que se possui no momento. Destaque-se a famosa frase pragmatista37: “Não vamos agora
duvidar em filosofia daquilo que não duvidamos em nossos corações”
A tese cartesiana na qual uma idéia clara é aquela que se reconhece onde quer se
encontre, sem que se confunda com qualquer outra, não permite distinguir de maneira
objetiva as idéias que são claramente apreendidas, daquelas que aparentemente são.
Isso porque se toma como base a doutrina do uso familiar da idéia ou da distinção
abstrata, que não são adequadas nem suficientes para determinar claramente a significação
de algo (Descartes – método a priori de auto-evidência e Leibniz – método da definição
abstrata).
A familiaridade leva à subjetividade e a distinção abstrata conduz a uma
objetividade abstrata que não se sabe se é realmente a objetividade efetiva. A doutrina da
claridade e da distintividade de Descartes não atentou para o fato de que o pensamento
sozinho não origina pensamento, nem nada de novo pode ser apreendido unicamente
analisando definições.
O Pragmatismo de Peirce formula, em oposição, um método em busca de uma maior
perfeição da claridade do pensamento, num grau mais elevado que a lógica anteriormente
proposta.
As idéias obscuras conduzem a um dispêndio de energia sem sentido Importante,
assim, o método pragmático para uma direção clara das ações no mundo.
Ao desenvolver sua tese, Peirce utiliza terminologias próprias definindo o que são
crença e dúvida. Segundo o autor a indecisão, concebida como a dúvida genuína, excita a
ação do pensamento que decide o modo de atuar. Quando a irritação da dúvida cessa a
crença é criada, o que significa, em outros termos, o estabelecimento de um hábito. Note-se,
no entanto, que a crença é tanto o ponto de partida como o de chegada para o pensamento,
pois constituindo uma regra de ação influirá num futuro pensar e estimulará novas dúvidas.

36
PEIRCE, C. Sander. Algumas conseqüências de quatro incapacidades.In: Escritos Coligidos. São Paulo:
Abril Cultural, 1983. p.71.
37
PEIRCE, C. Sander. Algumas conseqüências de quatro incapacidades.In: Escritos Coligidos. São Paulo:
Abril Cultural, 1983. p.71.

17
Portanto, a função do pensamento é a criação da crença e tudo o que não se refira à
crença não faz parte do pensamento em si mesmo. O pensamento que está fora da crença é
simples acréscimo e não pensamento propriamente.
Em resumo, toda a função do pensamento é produzir hábito de ação. Assim, para
desenvolver um significado é preciso determinar quais os hábitos que ele produz. Sabendo
que a ação sempre produz um resultado sensível, a base da distinção real do pensamento são
as possibilidades de diferenças práticas.
Essas possibilidades é que revelam o carácter de probabilidade e falibilidade que a
significação apresenta e permitem a busca constante por um maior aperfeiçoamento e
claridade das idéias.

8. A dúvida e a fixação da crença no pragmatismo – a superação do método a priori

Retomando o que foi dito anteriormente, o emprego do método pragmático


possibilita revelar as falsas distinções imaginárias que não se diferenciam na sua forma de
expressão. A distintividade das idéias está sentada nos diferentes modos de ação que têm
lugar na prática.
Tratando da lógica do pensamento e os elementos determinantes dos processos de
inferência, Peirce mostra que o hábito da mente é o que condiciona se uma ou outra
inferência será extraída.
Assim, estar-se a falar em inferências válidas e inválidas e não em inferências
verdadeiras ou falsas, tendo em vista que as inferências decorrem de um hábito da mente que
em geral produz conclusões verdadeiras ou não, sem referência necessária à verdade ou
falsidade de sua conclusão. Nesse sentido, a validade é puramente uma questão de fato e não
de raciocínio.38
O impulso que o homem tem para aceitar ou acreditar naquela ou em outra premissa
aparece no hábito da mente. E cada hábito específico que determina uma ou outra inferência
constitui o princípio condutor de inferência, que é um fato.
Os fatos que servem de princípios condutores podem ser identificados na classe dos
absolutamente essenciais ou na dos que possuem outro interesse distinto como objetos de
pesquisa, ou seja, no segundo grupo estão todos os fatos excluídos da primeira classe.

38
PEIRCE, C.S. The Fixation of Believe.www.peirce.org. Acesso em 10 de jun de 2005

18
Os princípios condutores insertos na primeira divisão são aqueles fatos tomados
como certos ao se questionar se de certas premissas se segue determinada conclusão.
Acredita-se, por exemplo, que regras de raciocínios deduzidas da própria idéia de processo
são essenciais.
Peirce identifica, no entanto, existirem fatos que já são supostos mesmo antes de ser
colocada a questão lógica, tendo em vista possuir o ser humano os estados de espírito da
dúvida e da crença. Exsurge, assim, a importância da reflexão lógica como capaz de trazer
novos elementos e descobrir novas coisas a partir do que já se conhece.
Frise-se, novamente, a distinção entre a dúvida e a crença. O hábito que determina as
ações do homem constitui a crença, não significando, no entanto, um agir imediato, mas um
direcionamento do comportamento de acordo com a ocorrência da ocasião. É um estado
calmo e satisfatório que não se procura alterar.
A dúvida, por sua vez, é o estado de irritação que impulsiona a um agir a fim de
destruí-la, de sorte a alcançar um estado de crença.
Essas concepções são eminentemente pragmáticas, pois a crença guia o desejo do
homem e molda suas ações, ao passo que a dúvida genuína é despida de tal efeito. A
transição, também, é possível da crença para a dúvida.
A discussão acerca da dúvida é a inquirição como a luta causada por este estado de
irritação direcionado à busca da crença. A partir da inquirição é que se logra o
estabelecimento da opinião.
Essa opinião alcançada conformará um estado de crença que restará firme até
enquanto o homem encontrar-se suficientemente satisfeito com ela, independente de ser
verdadeira ou falsa. É necessário um novo elemento a afetar a mente de sorte que o homem
venha realmente se incomodar com esse novo objeto do conhecimento.
Com o pragmatismo, portanto, devem ser extirpadas as proposições que não
encerram uma inquirição cujo fim é o estabelecimento da opinião, pois não partem de uma
dúvida real. Assim é o caso dos filósofos que colocam uma inquirição questionando tudo, ou
aponto uma interrogação na proposição. Isso não instiga a mente para a busca da crença. O
mesmo quando se duvida de premissas que não podem ser mais satisfatórias do que já são,
ou quando se discute um assunto do qual todo mundo está convencido e donde a dúvida
cessou.
Tenha-se que o pragmatismo apresenta-se como o método adequado capaz de
satisfazer a dúvidas dos homens, de sorte a estabelecer a opinião real, coincidente com os
fatos.

19
Interessa, aqui, trazer à discussão as quatro possibilidades de fixação da crença,
apresentadas por Pierce: o método de tenacidade, o de autoridade, a priori e o científico39. A
insuficiência dos três primeiros métodos são apontadas pelo filósofo.
No método da tenacidade o sujeito não aceita nada que venha a perturbar sua crença.
É o método de simples acreditar. Dessa sorte, não há possibilidade de trânsito de crença para
dúvida e vice-versa. Em determinadas situações esse método é satisfatório, pois a calma e a
fé compensam o estado de perturbação a que o homem se submeteria. Em relação, no
entanto, ao impulso social, esse método não se sustenta, pois o homem não vive isolado e
está sempre a ser influenciado pelos outros.
Na autoridade, há uma imposição arbitrária da crença, tornando-se os sujeitos
pensantes em escravos intelectuais.
O método apriorístico, por sua vez, ao fazer com que o indivíduo adote idéias que
acredite como resultado da razão, pode levar a resultados enganosos, dissociados dos fatos e
a transformar a inquirição num processo parecido ao desenvolvimento do gosto,
direcionando-se o agir de acordo com o que se acredita que traz mais prazer.
Em oposição, o método científico, que é o pragmático, apresenta-se como o único
capaz de estabelecer uma significação em concordância com a realidade dos fatos. Através
do raciocínio abdutivo, este método possibilitaria a solução dos problemas, que surgem com
a dúvida genuína, ao transpô-los para um estado de crença.
Esclareça-se que esse conceito de método científico deve ser entendido num contexto
maior pragmatista e se presta tanto à Ciência quanto à Arte, sendo tomado associado a
perspectiva criativa imprimida pelo raciocínio abdutivo.

9. Postura Pragmatistas no Direito.

Uma vez esclarecidos os pressupostos pragmatistas, tem-se que a atitude


pragmatista se presta aos hard cases, pois é nesses onde método pragmatista e a abdução se
oportunizam em função de uma dúvida genuína, na expressão peirceneana . Nessas
situações, a disposição e o agir pragmatistas permitem evidenciar as premissas que motivam
a decisão e que na maioria das vezes ficam inarticuladas na sua fundamentação.
Dewey em ‘Minha Filosofia do Direito’ iniciou este trabalho. Para o autor a lei –
norma jurídica – não poderia ser concebida como uma entidade separada, somente podendo

39
PEIRCE, C.S. The Fixation of Believe.www.peirce.org. Acesso em 10 de jun de 2005

20
ser discutida em termos das condições sociais em que surge e do que concretamente se faz.
Atente-se para às palavras do filósofo 40:
[...] Um dado ajuste legal é aquilo que se faz, e aquilo que faz reside
no campo de modificar e/ou manter as atividades humanas enquanto
interesses em andamento. Sem aplicação, há pedaços de papel ou
vozes no ar, mas nada que possa ser chamado de lei.

Os fenômenos e fatos sociais não são concebidos como algo acabado, mas como
processo, coisas em andamento. O padrão, ou seja, a tipicidade não está encerrada em
molduras teóricas terminadas, considerando que o exame das conseqüências na realidade
constitui a base para a manutenção ou modificação deste padrão.
Holmes critica com propriedade as deficiências da teoria tradicional que tende “a
colocar a carroça diante do cavalo e a considerar o direito ou o dever como algo que existe à
parte e independente das conseqüências de sua violação, à qual certas sanções são
acrescentadas mais tarde.”41
O que se costumou chamar de aplicação da lei não é algo que ocorre após uma regra
ou lei, mas é uma parte necessária deles42. Vê-se, assim, que para os pragmatistas norma
jurídica e fato jurídico integram uma mesma realidade, na medida em que se fazem
acontecer e não se diferenciam na prática.
A postura pragmatista de atentar para as conseqüências da decisão jurídica,
possibilita tornar claro premissas que não aparecem num contexto de justificação e assim
através de um raciocínio abdutivo trazer à evidência pelas conseqüências da decisão as
premissas de motivação que se quedam ocultas.

10. Bibliografia
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beste explanation. Cardozo Law Review. v. 22 p. 1682-1689
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40
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Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 517.
41
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1955. p.59-85
42
DEWEY, John. Minha Filosofia do Direito. In: Os grandes filósofos do direito.Org. Clarence Morris. São
Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 517

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23

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