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EDIÇÃO S7HJ\DHRDBRASILEIRA

DAS OBRAS PSICOLÓGICAS COMPLETAS DE

SIGMUND FREUD
Conaos Comentários e Notas de
JAMES STRACHEY

Ent Colaboração coyt\


ANNAFREUD

Assistidos por
ALIXSTRACHEYeALANTYSON

VOLUME XVlll
(1925-1926)

ALÉM DO PRINCÍPIO DE PRAZER


CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte PSICOLOGIADEGRUPO
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
EOUTROSTRABALHOS
Freud. Sigmund, 1856-1939
F942o Obras psicológicas completas de Sigmund Frcud:
24 vs edição .r/a/ídard brasileira/ Sigmund Freud; com
comentários e notas de James Strachey c Alan Tysoti;
Dtteção da Edição Brasileira de
traduzido do alemão e do inglês sob a direção geral dc
Jayme Salomão. -- Rio de Janeiro: Itnago, 1996.
JAYMESALOMAO
D
Traduçãodc:The standardcdition of thc complete É gggggo
psychological works of Sigmund Freud. Apêndice.
Bibliografia. IL
:c\l
1. Psicanálise. 1.Strachey, Jaincs. 11. Frcud, Anca, !f-\ - :CD
1895: 1992. 111.Título.

86-1114 CDD - 150.1952


CDD - 159.904.26FREUD
ÂMAGO EDITORA
Rio de Janeiro
ALÉM DO PKiNCiPiO DE PRAZER

Na teoria da psicanálise não hesitamos em supor que o curso tomado


pelos eventos mentais está automaticamenteregulado pelo princípio de
prazer, ou sda, acreditamos que o curso desses eventos é invariavelmente
colocado em movimento por uma tensão desagradávele que toma uma
direção tal, que seu resultado ülnal coincide com uma redução dessatensão,
isto é, com uma evitação de desprazer ou uma produção de prazer. Levando
essecurso em conta na consideração dos processos mentais que constituem
o tema de nosso estudo, introduzimos um ponto de vista 'económico' em
nosso trabalho, e se, ao descrever essesprocessos, tentarmos calcular esse
fator 'económico' além dos 'topográHlcos' e 'dinâmicos', estaremos, penso
eu, fomecendo deles a mais completa descrição que poderemos atualmente
conceber, uma descrição que merece ser distinguida pelo nome de 'metapsi-
colóaica'.'
Com relação a isso, não nos interessa indagar até onde, com a hipótese
do princípio de prazer, abordamos qualquer sistema filosófico específico,
historicamente estabelecido. Chegamos a essas suposições especulativas
numa tentativa de descrever e explicar os fatos da observação diária em nosso
campo de estudo. A prioridade e a originalidade não se encontram entre os
objetivos que o trabalho psicanalítico estabelecepara si, e as impressões
subjacentesà hipótese do princípio de prazer são tão evidentes, que dificil-
mente podem ser desprezadas.Por outro lado, prontamente expressaríamos
nossagratidão a qualquer teoria filosófica ou psicológica que pudesseinfor-
mar-nos sobre o significado dos sentimentos de prazer e desprazer que atuam
tão imperativamente sobre nós. Contudo, quanto a esseponto, infelizmente
nada nos é oferecido para nossos fins. Trata-se da região mais obscura e
inacessível da mente e, já que não podemos evitar travar contato com ela, a
hipótese menos rígida será a melhor, segundo me parece. Decidimos relacio-
nar o prazer e o desprazer à quantidade de excitação, presente na mente, mas
que não se encontra de maneira alguma 'vinculada',2 e relaciona-los de tal

[ [Ver Seção [V de '0 ]nconsciente' (1951e).]


2[0s conceitos de 'quantidade' e de excitação 'vinculada' que perpassam todos os escritos de
Freud, encontram aquilo que talvez seja seu mais pormenorizado exame no primitivo
Projeto'(1950a]1 895]). Ver, em paaicular, o prolongado exame da expressão'vinculada

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hipótese constitui apenasoutra maneira de enunciar o princípio de prazer,
modo, que o desprazer corresponda a um aumelzfona quantidade de excita-
porque, se o trabalho do aparelho mental se dirige no sentido de manter baixa
ção, e o prazer, a uma díminzlíção. O que isso implica não é uma simples
relação entre a intensidade dos sentimentos.de prazer e desprazer e as a quantidade de excitação, então qualquer coisa que seja calculada para
modificações correspondentesna quantidade de excitação; tampouco aumentar essa quantidade está destinada a ser sentida como adversa ao
vista de tudo que nos foi ensinadopela psicoüisiologia-- sugerimosa ftlncionamento do aparelho, ou seja, como desagradável.O princípio de
existência de qualquer razão proporcional direta: o fator que detemlina o prazer decorre do princípio de constância; na realidade, esse último princípio
sentimento e provavelmente a quantidadede aumento ou diminuição na foi inferido dos fatos que nos forçaram a adotar o princípio de prazer.' Além
quantidade de excitação num defermfnado período de fe/npo. A expenmen' disso, um exame mais pomlenorizado mostrará que a tendência que assim
tação possivelmente poderia desempenhar um papel aqui, mas não é aconse- aüibuíMos ao aparelho mental, subordina-se, como um caso especial, ao
lhável a nós, analistas, ir mais à frente no problema enquanto nosso caminho princípio de Fechner da 'tendência no sentido da estabilidade', com a qual
não estiver balizado por observações bastante definidas.' ele colocou em relação os sentimentos de prazer e desprazer.
Não podemos, entretanto, pemianecer indiferentes à descoberta de um Deve-se, contudo, apontar que, estritamente falando, é incorreto falar na
investigador de tanta penetraçãocomo G.T.Fechner, que sustentauma con dominância do princípio de prazer sobre o curso dos processosmentais. Se
cepçaosobre o tema do prazer e do desprazer.quecoincide em todos os seus tal dominância existisse, a imensa maioria de nossos processos mentais teria
aspectosessenciais com aquela a que fomos levados pelo trabalho psicana- de ser acompanhada pelo prazer ou conduzir a ele, ao passo que a experiência
lítico. A aülrmação de Fechner pode ser encontrada numa pequena obra, geral contradiz completamente uma conclusão dessetipo. O máximo que se
Einige Ideen zur Schõpfungs' und Entwick-- lungsgeschichte der Orga- pode dizer, portanto, é que existe na mente uma forte fenda/zelano sentido
zzfsPne/z:
1873 (Pare XI, Suplemento, 94), e diz o seguinte: 'Até onde os do princípio de prazer, embora essatendência sda contrariada por certas
impulsos conscientes sempre possuem uma certa relação com o prazer e o outras forças ou circunstâncias, de maneira que o resultado final talvez nem
desprazer, estes também podem ser encaradascomo possuindo uma relação sempre se mostre em hamlonia com a tendência no sentido do prazer.
psicofísica com condições de estabilidadee instabilidade. Isso fornece a base Podemos comparar isso com o que Fechner (1873, 90) observa sobre um
para uma hipótese em que me proponho ingressar com maiores pormenores ponto semelhante: 'Visto que, porém, uma tendência no sentido de um
em outra parte. De acordo com ela, todo movimento psicofísico que se eleve objetivo não implica que este seja atingido, e desde que, em geral, o objetivo
acima do limiar da consciência é assistido pelo prazer na proporção.ein que,
é atingível apenas por aproximações (. . .y
além de um certo limite, ele se aproxima da estabilidadecompleta, sendo
Se nos voltamlos agora para a questão de saber quais as circunstâncias
assistido pelo desprazer na proporção em que, além de um certo limite, se
que podem impedir o princípio de prazer de ser levado a cabo, encontrar-nos-
desvia dessaestabilidade, ao passo que entre os dois limites, que podem ser
emos mais uma vez em terreno seguro e bem batido e, ao estruturaímos nossa
descritos como limiares qualitativos de prazer e desprazer, há uma certa
resposta, teremos à nossa disposição um copioso fundo de experiência
margem de indiferença estética (. . .)"
analítica.
Os fatos que nos fizeram acreditar na dominância do princípio de prazer
na vida mental encontram também expressãona hipótese de que o aparelho
mental se esforça por manter a quantidade de excitação nele presente tão l [0 'princípio de constância' remonta ao início dos estudos psicológicos de Freud. O primeiro
estudo publicado sobre ele, de alguma extensão, foi da &utoría de Breuer(em ternos
baixa quanto possível, ou, pelo menos, por mantê-la constante. Essa última
seiniHisiológicos), perto do final da Seção 2(A) de sua parte teórica dos Estudos Sabre a
/üsfería(Breuer e Freud, 1895). AÍ ele o deãne como 'a tendência a manter constante a
excitação intracerebral'. Na mesma passagem, atribui esse princípio a Freud e, na realidade:
próximo ao final da Seção l da Parte 111daquela obra. Ver também pág. 43 e seg., abaixou
l existemuma ou duasbreves referênciasa ele feitas pelo próprio Freud, emborasó tenham
I'se ponto é novamentemencionado adiante, na pág. 71, e mais desenvolvido em 'The
EconamicProblemofMasochism' (1924c).] .. . sidopub[icadasapóssuamorte.(Ver Freud,194]a [1 892] e Breu« e Freud,1940[1892.]O
2 [Cf. 'Prometo',final da Seção8 da Parte1. -- 'Estética' é aqui utilizada no antigo sentido dc assunto é também estudado extensamente no começo do 'Prometo', de Freud, sob o nome de
refcrt:nte à sensaçãoou à percepção'.] 'inércia neurõnica'.)]

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instintos estavam esforçando-se, de acordo com o princípio, por obter novo
prazer.Os pomaenores
do processopelo qual a repressãotransfomlauma
possibilidade de prazer numa fonte de desprazer ainda não estãoclaramente
compreendidos, ou não podem ser claramente representados;não há dúvida,
porém, de que todo desprazer neurótico é dessa espécie, ou seja, um prazer
que não pode ser sentido como tal.'
As duas fontes de desprazer que acabei de indicar estão muito longe de
abranger a maioria de nossas experiências desagradáveis; contudo, no que
conceme ao restante, pode-se afirmar com certajustiülcativa que sua presença
não contradiz a dominância do princípio de prazer. A maior parte do despra-
zer que experimentamos é um desprazerpercepffvo. Esse desprazer pode ser
a percepção de uma pressão por parte de instintos insatisfeitos, ou ser a
percepção extema do que é aflitivo em si mesmo ou que excita expectativas
desprazerosasno aparelho mental, isto é, que é por ele reconhecido como um
'perigo'. A reação dessas exigências instintuais e ameaças de perigo, reação
que constitui a atividade apropriada do aparelho mental, pode ser então
dirigida de maneiracorretapelo princípio de prazer ou pelo princípio de
realidade pelo qual o primeiro é modificado. Isso não parece tomar necessária
nenhuma limitação de grande alcance do princípio de prazer. Não obstante,
a investigação da reação mental ao perigo extemo encontra-se precisamente
em posição de produzir novos materiais e levantar novas questõesrelaciona-
das com nosso problema anual.

l [NÓ/ade rodapé acrescem/adaem 1925:] Sem dúvida, o ponto essencialé que o prazer e o
desprazer, sendo sentimentos conscientes, estão ligados ao ego.

l [Ver 'Fomiulations on the Two Principles of Mental Functioning', Freud, 1911b.]


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1]

Há muito tempo se conhece e foi descrita uma condição que ícone após
graves concussões mecânicas, desastres ferroviários e outros acidentes que
envolvem risco de vida; recebeu o nome de 'neurose traumática'. A temível
guerra que há pouco findou deu origem a grande número de doençasdesse tipo;
pelo menos, porém, pâs fim à tentação de atribuir a causa do distúrbio a lesões
orgânicas do sistema nervoso, ocasionadaspela corça mecânica.' O quadro
sintomático apresentadopela neurose traumática aproxima-se do da histeria pela
abundância de seussintomas motores semelhantes; em geral, contudo, ultrapas-
sa-o em seus sinais fortemente acentuados de indisposição subjetiva(no que se
assemelhaà hipocondria ou melancolia), bem como nas provas que comecede
debilitamento e de perturbação muito mais abrangentes e gerais das capacidades
mentais. Ainda não sechegou a nenhuma explicação completa, sda das neuroses
de guerra, seja das neuroses traumáticas dos tempos de paz. No caso das
primeiras, o fato de os mesmos sintomas àsvezes aparecerem sem a intervenção
de qualquer grande força mecânica, pareceu a princípio esclarecedor e desnor-
teante. No caso das newoses traumáticas comum, duas características surgem
proeMinentemente:primeim, que o ânus principal de sua causaçãoparece
repousar sobre o fator da surpresa, do susto, e, segunda, que um ferimento ou
dano infligidos simultaneamente operam, via de regra, co/zú'a o desenvolvimento
de uma neurose. 'Susto', 'medo' e 'ansiedade': são palavras impropriamente
empregadas como expressões sinânimas; são, de fato, capazes de uma distinção
clara em sua relação com o perigo. A 'ansiedade' descreve um estado particular
de esperar o perigo ou preparar-se para ele, ainda que possa ser desconhecido. O
medo' exige um objeto definido de que se tenha temor. 'Susto', contudo, é o
nome que damos ao estado em que alguém bica,quando entrou em perigo sem
estar preparado pam ele, dando-se ênfase ao fator da surpresa. Não acredito que
a ansiedade possa produzir neurose traumática; nela existe algo que protege o
seu sujeito contra o susto e, assim, contra as neurosesde susto. Voltaremos
posterionnente a esseponto]pág. 40 e seg.].'

Cf. o estudo da psicanálise das neuroses de guerra, efetuado por Freud, Ferenczi, Abraham,
Simmel e Jones (1919) [do qual Freud fomeêeu a introdução (1910d). Ver também seu
Report on the ElecMcal Treatment of War Neuroses', publicado postumamente(1955c
[i9201
[Eln alemão, 'ScÀreck', 'Ftlrcãr ', e 'Hngsf'.]
3 [Freud, na verdade, estámuito longe de seguir sempre a distinção que faz aqui. Com mais
freqÍiência, utiliza a palavra '.4/zgsf' para denotar estado de medo, scm qualquer referência

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As diferentes teorias sobre a brincadeira das crianças foram ainda
recentemente resumidas e discutidas do ponto de vista psicanalítico por
Pfeifer (1919), a Guioartigo remeto meus leitores. Essas teorias esforçam-se
por descobrir os motivos que levam as crianças a brincar, mas deixam de
trazer para o primeiro plano o motivo eco/zómfco, a consideração da produção
de prazer envolvida. Sem querer incluir todo o campo abrangido por esses
fenómenos, pude, através de uma oportunidade fortuita que se me apresentou,
lançar certa luz sobre a primeira brincadeira efetuada por um menininho de
ano e meio de idade e inventada por ele próprio. Foi mais do queuma simples

[ observação passageira, porque vivi sob o mesmo teta que a criança e seus
pais durante algumas semanas,e foi algum tempo antes que descobri o
significado da enigmática atividade que ele constantementerepetia.
sintomas motores pela fixação no momento em que o trauma ocorreu. A criança de modo algum era precoce em seu desenvolvimento intelec-
Não é de meu conhecimento,contudo, que pessoasque sobem de tual. À idade de ano e meio podia dizer apenas algumas palavras compreen-
síveis e utilizava também uma série de sons que expressavam um significado
inteligível para aqueles que arodeavam. Achava-se, contudo, em bons termos
com os pais e sua única empregada,e tributos eram-lhe prestados por ser um
'bom menino'. Não incomodava os pais à noite, obedecia conscientemente
às ordens de não tocar em certas coisas, ou de não entrar em detemiinados
camadas e, acima de tudo, nunca chorava quando sua mãe o deixava por
algumas horas. Ao mesmo tempo, era bastante ligado à mãe, que tinha não
apenas de alimenta-lo, como também cuidava dele sem qualquer ajuda
extema. Essebom menininho, contudo, tinha o hábito ocasional e perturbador
de apanhar quaisquer objetos que pudesse agarrar e atira-los longe para um
canto, sob a cama, de maneira que procurar seus brinquedos e apanha-los,
tendências masoquistas do ego.' - quasesempre dava bç)mtrabalho. Enquanto procedia assim, emitia um longo
e arrastado 'o-o-o-ó', acompanhadopor expressão de interesse e satisfação.
Sua mãe e o autor do presente relato concordaram em achar que isso não
constituía uma simples interjeição, mas representava a palavra alemã 7brf'.'P
queroreferir-me à brincadeira dascrianças; Acabei por compreender que se tratava de um jogo e que o único uso que o
menino fazia de seusbrinquedos, era brincar de 'ir embora' com eles. Certo
.dia, fiz uma observação que confimlou meu ponto de vista. O menino tinha
um carretel de madeira com um pedaço de cordão amarrado em volta dele

F'orf, que a versão inglesa traduzpor 'gane', particípio passadodo verão/o go, 'ir, partir', é

;Ug;:ÊiÜT:;='='=y=gB=ÜI'Fli.:é?:'=J
ÂMAGO Editora, 1972.]
advérbio utilizado com o mesmo sentido de nosso complemento circunstancial e/nZ)o/a,
nomialmenteempregadona expressão'ir embora', motivo pelo qual assimo traduzimos.(N
do T.)

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24
experiência; repetindo-a, porém, por mais desagradável que fosse,'como
jogo, assumia papel ativo. Esses esforços podem ser atribuídos a um instinto
de dominação que atuava independentemente de a lembrança em si mesma
ser agradável ou não. Mas uma outra interpretação ainda pode ser tentada.
Jogar longe o objeto, de maneira a que fosse 'embora', poderia satisfazer um
impulso da criança, suprimido na vida real, de vingar-se da mãe por afastar-se
dela. Nesse caso, possuiria signiülcado desaüiador:'Pois bem, então: vá
embora! Não preciso de você. Sou eu que estou mandandovocê embora.
completa: desaparecimento e retomo. Via de regra, assistia-se apenas a seu Um ano mais tarde, o mesmo menino que eu observara em seu primeirojogo,
costumava agarrar um brinquedo, se estava zangado com este, e joga-lo ao
chão, exclamando: 'Vá para a dente! ' Escutara nessa época que o pai ausente
se encontrava 'na frente (de batalhar, e o menino estava longe de lamentar
sua ausência, pelo contrário, deixava bastante claro que não tinha desejo de
ser perturbado em sua posse exclusiva da mãe.' Conhecemos outras crianças
que gostavam de expressar impulsos hostis semelhantes lançando longe de
cimento e a volta dos objetos que se encontravam a seu alcance. É natural- si objetos, em vez de pessoas.2Assim, Htcamos em dúvida quanto a saber se
mente indiferente, do ponto de vista de ajuizar a naturezaefetiva do jogo, o impulso paraelaborar na mente alguma experiência dedominação, de modo
saber se a própria criança o inventara ou o tirara de alguma sugestão extema a tomar-se senhor dela, pode encontrar expressão como um evento primário
Nosso interesse se dirige para outro ponto A criança não pode ter sentido a e independentemente
do princípiode prazer.Isso porque,no casoque
partida da mãe como algo agradável ou mesmo indiferente. Como, então, a acabamos de estudar, a criança, afinal de contas, só foi capaz de repetir sua
repetição dessa experiência aflitiva, enquanto jogo, hamK)nizava-se com o experiência desagradável na brincadeira porque a repetição trazia consigo
princípio de prazer? Talvez se possa responder que a partida dela tinha de ser uma produção de prazer de outro tipo, uma produção mais direta.
encenada como preliminar necessária a seu alegre retomo, e que neste último Não seremos auxiliados em nossa hesitação entre esses dois pontos de
residia o verdadeiro propósito do jogo. Mas contra isso deve-se levar eM vista por outras consideraçõessobre brincadeiras infantis. E claro que em
conta o fato observado de o primeiro ato, o da partida, ser encenado como suas brincadeiras as crianças repetem tudo que lhes causou uma grande
um jogo em si mesmo, e com muito mais âeqüência do que o episódio na impressão na vida real, e assim procedendo, ab-reagem a intensidade da
íntegra, com seu õlnal agradável. impressão, tomando-se, por assim dizer, senhoras da situação. Por outro lado,
Nenhuma decisão certa pode ser alcançada pela análise de um caso porém, é óbvio que todas as suasbrincadeiras são influenciadas por um desejo
isolado como esse. De um ponto de vista não preconcebido, fica-se com a que as domina o tempo todo: o desejo de crescer e poder fazer o que as pessoas
impressão de que a criança transfomlou sua experiência em jogo devido a crescidas fazem. Pode-se também observar que a natureza desagradável de
outm motivo. No início, achava-senuma situaçãopasslva, era dominada pela uma experiência nem sempre a toma inapropriada para a brincadeira. Se o
médico examina a garganta de uma criança ou faz nela alguma pequena
intervenção, podemos estar inteiramente certos de que essas assustadoras

Quando essa criança contava 5 anos e 9 meses, sua mãe morreu. Agora que ela realmente
Fora'embora'('o-o-ó'), o menininho não demonstrou sinais de pesar.É verdadeque nesse
meio-tempo uma segunda criança nascera, despertando-lhe violento ciúme.
Cf. minha nota sobre uma lembrançainfantil de Goethe(191 7ó)
Brasileira, Vol. V, pág. 493 n. ÂMAGO Editora, 1972.]

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26
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experiências serão tema da próxima brincadeira; contudo, não devemos
quanto a isso, desprezar o fato de existir uma produção de prazer provinda
de outra fonte. Quando a criança passada passividade da experiência para a Vinte e cinco anos de intenso trabalho tiveram por resultado que os
atividade do jogo, transfere a experiência desagradávelpara um de seus objetivos imediatos da psicanálise sejam hoje inteiramente diferentes do que
companheiros de brincadeira e, dessamanei'a, vinga-se num substituto. eram no começo.A princípio, o médico que analisavanão podia fazer mais
Todavia. decorre desse exame que não há necessidadede supor a do que descobrir o material inconsciente oculto para o paciente, reuni-lo e no
existência de um instinto imitativo especial para fomecer um motivo para a momento oportuno comunica-lo a este. A psicanálise era então, primeiro e
brincadeira. Finalmente, em acréscimo, pode-se lembrar que a representação acima de tudo, uma arte interpretativa. Uma vez que isso não solucionava o
e a imitação artísticas efetuadas por adultos, as quais, diferentemente daque- problema terapêutico, um outro objetivo rapidamente surgiu à vista: obrigar
las das crianças, se dirigem a uma audiência, não poupam aos espectadores o pacientea confirmar a construçãoteórica do analista com sua própria
(como na tragédia, por exemplo) as mais penosasexperiências, e, no entanto, memória. Nesse esforço, a ênfase principal reside nas resistências do pacien-
podem serpor elessentidascomo altamenteprazerosas:'Isso constitui prova te: a arte consistia então em descobri-las tão rapidamente quanto possível,
convincente de que, mesmo sob a dominância do princípio.de prazer: há apontando-as ao paciente e induzindo-o, pela influência humana era aqui
maneiras e meios suficientes para tomar o a.ue em si mesmo é desagradável
que a sugestão, funcionando como 'transferência', desempenhava seu papel
num tema a ser rememoradoe elaboradona mente.A consideraçãodesses a abandonarsuasresistências.
casos e situações, que têm a produção de prazer como seu resultado final, Contudo, tomou-se cada vez mais claro que o objetivo que fora estabe-
deve ser empreendida por algum sistema de estética com uma abordagem lecido que o inconsciente deve tomar-se consciente -- não era completa-
económicaa seu tema geral. Eles não têm utilidade para /lassos fins, pois
mente atingível através desse método. O paciente não pode recordar a
pressupõem a existência e a dominância do princípio de prazer; não comecem totalidade do que nele se acha reprimido, e o que não Ihe é possível recordar
provas do funcionamento de tendências a/ém do princípio de prazer, ou sqa, pode ser exatamentea parte essencial.Dessa maneira,ele não adquire
de tendências mais primitivas do que ele e dele independentes. nenhum sentimento de convicção da correção da construção teórica que Ihe
foi comunicada. É obrigado a fere/fr o material reprimido como se fosseuma
experiência contemporânea,em vez de, como o médico preferiria ver, recor-
da-/o como algo pertencenteao passado.'Essasreproduções,quc surgem
com tal exatidãoindesejada,sempre têm como tema alguma parte da vida
sexual infantil, isto é, do complexo de Edipo, e de seus derivativos, e são
invariavelmente aluadas(acres ou/) na esfera da transferência, da relação do
paciente com o médico. Quando as coisas atingem essa etapa, pode-se dizer
que a neurose primitiva foi então substituída por outra nova, pela 'neurose
de transferência'. O médico empenha-sepor manter essaneurose de transfe-
rência dentro dos limites mais restritos; forçar tanto quanto possível o canal
da memória, e permitir que suba como repetiçãoo mínimo possível.A
proporção entre o que é lembrado e o que é reproduzido varia de caso para

l Ver meu artigo sobre 'Recollecting, Repeating and Working Tlirough'(1914g),[Nesse


mesmo artigo encontrar-se-á uma referência precoce à 'compulsão à repetição' , que constitui
lIFreud 6ez uma tentativa de estudo desse assunto em seu artigo postumamente publicado um dos principais tópicos debatidos na presente obm.(Ver também a Nota do Editor Inglês,
sobre 'Psychopathic Characters on the Stage'( 1942a), escrito provavelmente em 1905 ou acima, pág. ll .) A expressão 'neurose de transferência', no sentido especial em que é
1906.] empregada a]gumas linhas abaixo, também aparece maqueteartigo.]

28 29
atribuída ao reprimido inconsciente. Pareceprovável que a compulsão só
caso. O médico não pode, via de regra, poupar ao paciente essa face do
possa expressar-sedepois que o trabalho do tratamento avançou a seu
tratamento. Deve fazê-lo reexperimentar alguma parte de sua vida esquecida,
encontro até a metade do caminho e que afrouxou a repressão.'
mas deve também cuidar, por outro lado, que o paciente retenha certo grau
Não há dúvida de que a resistência do ego conscientee inconsciente
de alheamento, que Ihe pemiitirá, a despeito de tudo, reconhecer que aquilo funciona sob a influência do princípio de prazer; ela busca evitar o desprazer
que parece ser realidade é, na verdade,apenasreflexo de um passado que seria produzido pela liberação do reprimido. AÍossosesforços, por outra
esquecido. Se isso puder ser conseguido com êxito, o sentimento de convic- lado, dirigem-se no sentido de conseguir a tolerância dessedesprazerpor um
ção do paciente será conquistado, juntamente com o sucessoterapêutico que apelo ao princípio de realidade. Mas, como se acha a compulsão à repetição
dele depende. -- a manifestação do poder do reprimido -- relacionada com o princípio de
A ülm de tomar mais fácil a compreensão dessa 'compulsão à repetição'
prazer? E claro que a maior parte do que é reexperimentado sob a compulsão
que surge durante o tratamento psicanalítico dos neuróticos, temos acima de à repetição, deve causar desprazer ao ego, pois traz à luz as atividades dos
tudo de livrar-nos da noção equivocadade que aquilo com que estamos impulsos instintuais reprimidos. Isso, no entanto, constitui desprazerde uma
lidando em nossaluta contra as resistências sda uma resistência por parte do espécieque já consideramose que não contradiz o princípio de prazer:
inca/zscíen/e.O inconsciente, ou seja, o 'reprimido', não oferece resistência desprazer para um dos sistemas e, simultaneamente, satisfação para outro.'
alguma aos esforços do tratamento. Na verdade, ele próprio não se esforça Contudo, chegamosagora a um fato novo e digno de nota, a saber,que a
por outra coisa que não sqa irromper através da pressãoque sobre ele pesa, compulsão à repetição também rememora do passado experiências que não
e abrir seu caminho à consciênciaou a uma descargapor meio de alguma incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo,
ação real. A resistência durante o tratamento origina-se dos mesmos estratos trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que desde então
e sistemas mais elevados da mente que originalmente provocaram a repres- foram reprimidos.
são. Mas o fato de, como sabemospela experiência, os motivos das resistên- O florescimento precoce da vida sexual infanti! estácondenado à extin-
cias e, na verdade, as próprias resistências serem a princípio inconscientes ção porque seus desejos são incompatíveis com a realidade e com a etapa
durante o tratamento, é-nos uma sugestão para que cornUamos uma deülciên- inadequadade desenvolvimento a que a criança chegou. Esseflorescimento
cia de nossa terminologia. Evitaremos a falta de clareza se dizermos nosso chega ao fim nas mais aflitivas circunstâncias e com o acompanhamentodos
contraste não entre o consciente e o inconsciente, mas entre o ega' coerente mais penosos sentimentos. A perda do amor e o fracasso deixam atrás de si
e o reprimida. E certo que grande parte do ego é, ela própria, inconsciente, e um danopemlanente
à autoconsideração,
sob a fomta de uma cicatriz
notavelmente aquilo que podemos descrever como seu núcleo; apenas peque- narcisista, o que, em minha opinião, bem como na de Marcinowski (19 18),
na parte dele se achaabrangidapelo tempo'pré-consciente'.'Havendo contribui mais do que qualquer outra coisa para o 'sentimento de inferiori-
substituído uma terminologia puramentedescritiva por outra sistemática e dade', tão comum aos neuróticos. As explorações sexuais infantis, às quais
dinâmica, padelnos dizer que as resistênciasdo paciente originam-se do ego,' seudesenvolvimento físico impõe limites, não conduzem a nenhuma conclu-
e então imediatamente perceberemos que a compulsão à repetição deve ser são satisfatória; daí as queixas posteriores, tais como 'Não consigo realizar
nada; não tenho sucessoeln nada'. O laço da afeição, que via de regra liga a
criança ao genitor do sexo oposto, sucumbe ao desapontamento, a uma vã
[A visão do ego como uma estrutura coerente a desempenhar certas funções parece remontar
ao 'Prometo' de Freud. Ver, por exemplo, a Seção 14 da Parte l dessa obra (Freud, t 950a). O
assunto foi retomado e desenvolvido em O Ergo e o /a, 1923 Z).Cf., em particular, o final dos [M)fa de I'oc]apéacreicelz/ada elpz1923:] Argumentei em outra parte[ 1923c] que aqui]o que
Capítulos[ e ]].] assim vem em auxílio da compulsão à repetição é o fator da 'sugestão' no tratamento, ou seja,
2 [Em sua forma anual,essa frase remonta a 1921. Na primeira edição (1920), dizia: 'Pode ser a submissãodo pacienteao médico, a qual tem profiindas raízes em seu complexo paterno
que grande parte do ego seja,ela própria, inconsciente; somente uma parte dela, provavel- inconsciente.
mente, é abrangida peia termo "pré-consciente" .'] [Cf. o liso alegóricofeito por Freud do conto de fadas dos 'Três Desqos' no início da
[Uma descrição mais integral e um tanto diferente das fontes de resistência será encontrada Conferência
XIV de suas/nfr'aduela?Zecfurer(19 16-17).]
no Capítulo XI de /n/zibíffons, Sympfoms and 4m]e9(1926d).]
l
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30
amizades findam por uma traição por parte do amigo; o homem que, repetidas
expectativa de satisfação, ou ao ciúme pelo nascimento de um novo bebê, vezes, no decorrer da vida, eleva outrem a uma posição de grande autoridade
prova inequívoca da infidelidade do objetivo da afeição da criança. Sua particular ou pública e depois, após certo intervalo, subverteessaautoridade
própria tentativa de fazer um bebê, efetuada com trágica seriedade, fracassa c a substitui por outra nova; ou, ainda, o amante cujos casos amorosos com
vergonhosamente. A menor quantidade de afeição que recebe, as exigências mulheres atravessam as mesmas fases e chegam à mesma conclusão. Essa
crescentes da educação, palavras duras e um castigo ocasional mostram-lhe 'perpétua recorrência da mesma coisa' não nos causa espanto quando se
por fim toda a extensão do desdém que Ihe concederam. Estes são alguns refere a um comportamento afino por parte da l5essoainteressada, e padeiros
exemplos típicos e constantemente recorrentes das maneiras pelas quais o discernir nela um traço de caráter essencial, que permanece sempre o mesmo,
amor característico da idade infantil é levado a um término. sendo compelido a expressar-se por uma repetição das mesmas experiências.
Os pacientes repetem na transferência todas essas situações indesejadas Ficamos muito mais impressionados nos casos em que o sujeito parece ter
e emoções penosas, revivendo-as com a maior engenhosidade. Procuram uma experiência passiva, sobre a qual não possui influência, mas nos quais
ocasionar a intemipção do tratamento enquanto este ainda se acha incomple- se defronta com uma repetição da mesma fatalidade. Ê o caso, por exemplo,
to; imaginam sentir-se desprezadosmais uma vez, obrigam o médico a da mulher que se casou sucessivamentecom três maridos, cada um dos quais
falar-lhes severamentee atrata-los íhamente; descobrem objetos apropriados caiu doente logo depois e teve que ser cuidado por ela em seu leito de morte.
para seu ciúme; em vez do nenê apaixonadamentedesejado de sua inmancia, O retrato poético mais comovente de um destino assim 6oi pintado por Tanso
produzem um plano ou a promessade algum grande presente, que em regra em sua epopéia romântica GerzJsa/emme
Liberada. Seu herói, Tancredo,
se mostra não menos irreal. Nenhuma dessascoisas pode ter produzido prazer inadvertidamentemata sua bem amada Clorinda num duelo, estando ela
no passado, e poder-se-ia supor que causariam menos desprazer hoje se disfarçadasob a armadurade um cavaleiroinimigo. Após o enterro,abre
emergissem como lembranças ou sonhos, em vez de assumirem a fomaa de caminho numa estranhafloresta mágica que aterroriza o exército dos Cruza-
experiências novas. Constituem, naturalmente, as atividades de instintos dos. Com a espadafaz um talho numa árvore altaneira, mas do corte é sangue
destinados a levar à satisfação, mas nenhuma lição foi aprendida da antiga que escoa-e e a voz de Clorinda, cuja alma está aprisionada na árvore, é ouvida
experiência de que essasatividades, ao contrário, conduziram apenasao a lamentar-se que mais uma vez ele feriu sua amada.
desprazer.' A despeito disso, são repetidas, sob a pressão de uma compulsão. Se levarmos em consideração observações como essas,baseadas no
O que a psicanálise revela nos fenómenos de transferência dos neuróti- comportamento, na transferência e nas histórias da vida de homens e mulhe-
cos, também pode ser observado nas vidas de certas pessoas normais. A res, não só encontraremos coragem para supor que existe realmente na mente
impressão que dão é de serem perseguidas por um destino maligno ou uma compulsão à repetição que sobrepuja o princípio de prazer, como
ssuídaspor algum poder 'demoníaco'; a psicanálise, porém, sempre foi de tambélrl ficaremos agora inclinados a relacionar com essacompulsão os
opinião de que seu destino é, na maior parte, arrasado por elas próprias e sonhos que ocorrem nas neuroses traumáticas e o impulso que leva ascrianças
detemlinado por influências infantis primitivas. A compulsão que aqui se a brincar
acha em evidência não difere em nada da compulsão à repetição que encon- Contudo, é de notar que apenasem raros casospodemosobservaros
tramos nos neuróticos, ainda que aspessoas que agora estamos considerando motivos puros da compulsão à repetição, desapoiados por outros motivos.
nunca tenham mostrado quaisquer sinais de lidarem com um conflito neuró- No casoda brincadeira das crianças,já demos ênfase àsoutras maneiraspelas
tico pela produção de sintomas. Assim, encontramos pessoasem que todas quais o surgimento da compulsão pode ser interpretado; aqui, a compulsão à
as relações humanas têm o mesmo resultado, tal como o benfeitor que é repetição e a satisfação instintual que é imediatamente agradável, parecem
abandonado iradamente, após certo tempo, por todos os seusprofegés, por convergir em associação íntima. Os fenómenos da transferência são obvia-
mais que eles possam, sob outros aspectos, diferir uns dos outros, parecendo mente explorados pela resistência que o ego mantém em sua pertinaz insis-
assim condenadoa provar todo o amargor da ingratidão; o homem cujas
l Cf. as oportunas observações sobre esse tema, feitas por C. G. Jung(1909)
l cessa frase foi acrescentada em 1?21.]

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tência na repressão; a compulsão à repetição, que o tratamento tenta colocar rv
a seu serviço, é, por assim dizer, arrastadapelo ego para o lado de/e
(aterrando-se, como íkiz o ego, ao princípio de prazer).' Gmnde parte do que O que se segue é especulação,amiúde especulação forçada, que o leitor
poderia ser descrito como compulsão do destino parece inteligível numa base tomará em consideraçãoou porá de lado, de acordo com sua predileção
racional, de maneira que não temos necessidadede convocar uma nova e individual. E mais uma tentativa de acompanhar uma idéia sistematicamente:
misteriosa força motivadora para explica-la. só por curiosidade de ver até onde ela levará.
O exemplo menos dúbio]de ta] força motivadora] é talvez o dos sonhos A especulaçãopsicanalítica toma como ponto de partida a impressão,
traumáticos. Numa reflexão mais amadurecida, porém, seremos forçados a derivada do exame dos processos inconscientes, de que a consciência pode
admitir que, mesmo nos outros casos, nem todo o campo é abrangido pelo ser, não o atributo mais universal dos processos mentais, mas apenas uma
flincionamento das familiares forças motivadoras. Resta inexplicado o bas- função especial deles. Falando em tempos metapsicológicos, asseveraque a
tante parajustiüicar a hipótese de uma compulsão à repetição, algo que parece consciência constitui função de um sistema específico que descreve como
mais primitivo, mais elementar e mais instintual do que o princípio de prazer Cs.' O que a consciência produz consiste essencialmente em percepções de
que ela domina. Mas, se uma compulsão à repetição opera reaZmelzfena excitaçãoprovindas do mundo extemo e de sentimentos deprazer e desprazer
mente. ülcaríamos satisfeitos em conhecer algo sobre ela, aprender a que que só podem surgir do interior do aparelhopsíquico; assim,é possível
ftlnção corresponde, sob que condições pode surgir e qual é sua relação com atribuir ao sistemaPcpf.-Cs.2 uma posição no espaço. Ele deve ülcar na linha
o princípio de prazer, ao qual, afinal de contas, até agora atribuímos domi- fronteiriça entre o exterior e o interior; tem de achar-sevoltado para o mundo
nância sobre o curso dos processosde excitação na vida mental. extemo e tem de envolver os outros sistemaspsíquicos.Ver-se-á que não
existe nadade ousadamentenovo nessassuposições;adotamos simplesmente
as concepções sobre localização sustentadas pela anatomia cerebral, que
localiza a 'sede' da consciência no córtex cerebral. a camada mais externa.
envolvente do órgão central. A anatomia cerebral não tem necessidade de
considerar por que, anatomicamente falando, a consciência deva alojar-se na
superfície do cérebro, em vez de encontrar-se seguramente abrigada em
algum lugar de seu mais íntimo interior. Talvez lzóssqamos mais bem-suce-
didos em explicar essasituação, no caso de nosso sistema Pcpr.-Cs.
A consciência não é o único caráter distintivo que aüibuímos aos processos
desse sistema. Com base em impressões derivadas de nossa experiência psica-
nalítica, supomos que todos os processosexcitatórios que ocorrem nos oz/üos
sistemas deixam atrásde si baços permanentes, os quais formam os ftlndamentos
da memória. Tais traços de memória, então, nada têm a ver com o fato de se
tomarem conscientes; na verdade, com Êeqüência são mais poderosos e perma-
nentes quando o processo que os deixou atrás de si foi um processo que nunca
penetrou na consciência. Achamos difícil acreditar, contudo, que traços perma-

l
[Ver Freud, .4 /rz/erpreração de So/caos (1 900a), Edição Standard Brasileira, Vol. V, pág.
648 e segs., IMAGO Editora, 1972, e '0 Inconsciente' (191 5e), Seçãoll.]
2
[0 sistema Pcpf.(o sistema.perceptivo) foi pe]a primeira vez descrito por Freud em .4
l [Antes de 1923,a última frasedizia: 'a compulsãoà repetiçãoé, por assimdizer, chamada /nrerprefaçõo de So /zos,ibid., iiãe.972 e segs.Num artigo posterior(191 7(f), argumentou
pelo ego em seu auxílio, aterrando-se,como e]e.o faz, ao princípio de prazer'.] que o sistema Pcpr. coincidia com o siskma Cç l

34 35
própria situação,se diferenciará e servirá de órgão para o recebimentode
nestes de excitação como essessoam também deixados no sistema Pcpf.-Cs. Se
estímulos. Na verdade, a embriologia, em sua capacidade de recapituladora
permanecessemconstantemente conscientes,muito cedo estabeleceriam limites da história desenvolvimental, mostra-nos realmente que o sistema nervoso
à aptidão do sistema para o recebimento de novas excitações.' Se,por outro lado,
central sc origina do ectodenna; a matéria cinzenta do córtex permaneceum
fossem inconscientes, nos defrontaríamos com o problema de explicar a existên-
derivado da camada supeidtcial primitiva do organismo e pode ter herdada
cia de processos inconscientes num sistema cujo fllncionamento, sob outros
algumas de suas propriedades essenciais. Seria elntão fácil supor que, como
aspectos,se faz acompanharpelo fenómenoda consciência.Não teríamos, por
assimdizer, nem alteradonem ganhonada com nossahipótesede relegar o resultado do impacto incessante de estímulos externos sobre a superfície da
vesícula, sua substância, até uma certa profundidade, pode ter sido perma-
processo de tomar-se consciente a um sistema especial. Embora essaconsidera-
ção de modo algum sqa conclusiva, leva-nos não obstante a suspeitar de que nentementemodificada, de maneira que os processosexcitatórios nela se-
tornar-se conscientee deixar atrás de si um traço de memória, são processos guem uin curso diferente do seguido nas camadas mais profundas.
incompatíveisum com o outro dentrode um só e mesmosistema.Assim, Fomlar-se-ia então uma crosta que acabaria por ficar tão inteiramente 'calci-
poderíamos dizer que o processo excitatório se toma consciente no sistema Cs.. nada' pela estimulação, que apresentaria as condições mais favoráveis pos-
mas não deixa traço permanente atrás de si; a excitação, porém, é transmitida aos síveis para a recepção de estímulos e se tomaria incapaz de qualquer outra
sistemas que ficam a seguir e é ne/es que seus traços são deixados. Segui essas modificação. Em termos do sistema Cs. isso significa que seus elementos não
mesmas linhas no quadro esquemático que incluí na parte especulativa de minha poderiam mais experimentar novas modificações permanentes pela passa-
/»ferpreraçâo de So/caos.zDeve-se manter emmente que muito pouco seconhece gem da excitação, porque já teriam sido modificados, a esse respeito, atéo
sobre outras fontes de origem da consciência; dessa maneim, quando formula- ponto mais amplo possível; agora, contudo, se teriam tomado capazesde dar
mos a proposição de que a conscíé/zcfa str/lge enzvez de tím a'aço de me/}zórfa, a
<
origem à consciência.Ê possível formar várias idéias, que não podem, de
assertiva merece consideração, pelo menos col-n o fiJndamento de que é estrutu- momento, ser veriülcadas, quanto à natureza dessa modificação da substância
rada cm temposbastante precisos e do processo excitatório. Pode-se supor que, ao passar de detemlinado
Se isso é assim, então, o sistema C3. se caracteriza pela peculiaridade de elemento para outro, a excitação tem de vencer uma resistência e que é a
que nele (em contraste com o que acontece nos outros sistemas psíquicos) os diminuição da resistênciaassim alcançadaque deixa um traço pemlanente
processosexcitatórios não deixam atrásde si nenhuma alteração permanente da excitação, isto é, uma facilitação. No sistema Cs., então, uma resistência
em seus elementos, mas exaurem-se, por assim dizer, no fenómeno de se
dessaespécieà passagemde determinado elemento não mais existirá.' Esse
tomarem conscientes. Uma exceção desse tipo à regra geral exige ser expli-
quadro pode ser relacionado com a distinção efetuadapor Breuer entre
cada por algum catar que se aplique exclusivamente a esse determinado energia catéxica quiescente (ou vinculada) e móvel nos elementos dos
sistema. Tal fator. ausente nos outros sistemas, bem poderia ser a situação
sistemas psíquicos;z os elementos do sistema Cs. não conduziriam energia
exposta do sistema Cs., imediatamente próxima, como é, do mundo extemo
vinculada, mas apenasenergia capaz de descarga livre. Parece melhor,
Imaginemos um organismo vivo em sua folha mais simplificada possí-
contudo, expressamlo-nos tão cautelosamente quanto possível sobre esses
vel. como uma vesícula indiferenciada de uma substância que é suscetível de +

pontos. Não obstante, essa especulação permitiu-nos colocar a origem da


estimulação. Então, a superfície voltada para o mundo extemo, pela sua
consciêncianum certo tipo de vinculação com a situação do sistemaCs. e
com as peculiaridades que devem ser atribuídas aos processos excitatórios
que neles se realizam

574. ÂMAGO Editora, 1972, e o mesmo fora anteriormente considerado de forma bastante
[IEssa passagem acha-sepronunciada na metade posterior da Seção3 da Parte ] do 'Prometo'.]
ampla em seu 'Projeto' de 1895(1 950a), Parte 1,Seção 3. Retomou ao tópico posteriormente 2 Breuer e Freud, 1895.[Ver Seção3 da contribuição teórica de Breuer e, em particular, a nota
em seu artigo sobre 'The Mystic Writing-Pad'(1 925a)] de rodapéno início dessaseção.Cf. também a nota de rodapé ] da pág. 18.]
2 [EdiçãoS/andaráBrasileira,Vol. V, pág.574, IMAGO Editora, 1972.]

37
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Contudo, temos mais a dizer sobre a vesícula viva, com sua camada Nesse ponto, aventurar-me-ei a aflorar por um momento um assuntoque
cortical receptiva. Esse pequeno ítagmcnto de substância viva acha-se sus- mereceriatratamento mais exaustivo. Em conseqüência de certasdescobertas
penso no meio de um mundo externo carregadocom as mais poderosas psicanalíticas, encontramo-nos hoje em posição de empenhar-nos num estu-
energias, e seria morto pela estimulação delas emanadas, se não dispusesse do do teorema kantiano segundo o qual tempo e espaço sãa 'formas neces-
de um escudo protetor contra os estímulos. Ele adquire esse escudo da sárias de pensamento'. Aprendemos que os pipgls$gê:Uçll!!!ãJ!!gon!!jEl4çs
seguinte maneira: sua superfície mais extema deixa de ter a estrutura apro- !ãe, em si mesmos, 'jptçmpg!!i!. . ' Isso significa, em'primeiro lugar, quem.Êío
priada à matéria viva, torna-se até certo ponto inorgânica e, daí por diante, são ordenados temporalmente, qyq Q.t.empade modo algumas altera e que ç!
funciona como um envoltório ou membrana especial, resistente aos estímu- idéiti dé'tempo não lhes pode se11.apycagã;:rata:saldecaracterísticasnegati-
los. Em conseqüência disso, as energias do mundo extemo só podem passar vas que só'pódeilíier claramente entendidas se se ãzer uma comparação com
para as camadas subjacentes seguintes, que permaneceram vivas, com uln os processos mentais conscíe/zfes.Por outro lado, nossa idéia abstrata de
fragmento de sua intensidade original, e essascamadas podem dedicar-se, tempo parece ser integralmente derivada do método de ftlncionamento do
por trás do escudo protetor, à recepçãodas quantidades de estímulo que este sistema Pcpf.-Cs. e corresponder a uma percepção de sua própria parte nesse
deixou passar. Através de sua morte a camadaexterior salvou todas as método de funcionamento, o qual pode talvez constituir uma outra maneira
camadas mais profundas de um destino semelhante, a menos que os estímulos de fornecer um escudo contra os estímulos. Sei que essas observações devem
que a atinjam sejam tão fores que atravessem o escudo protetor. Aprofeção soar muito obscuras, mas tenho de limitar-me a essassugestões.:
co/zfra os estímulos é, para os organismos vivos, uma ftlnção quase mais Indicamos como a vesícula viva está provida de um escudo contra os
importante do que a recepção deles. O escudo protetor é suprido com seu estímulos provenientes do mundo externo e mostramos anteriormente que a
próprio estuque de energia e deve, acima de tudo, esforçar-se por preservar camada cortical seguinte a esseescudo deve ser diferenciada como um órgão
os modos especiais de transformação de energia que nele operam, contra os para a recepçãode estímulos do exterior. Esse córtex sensitivo, contudo, que
efeitos ameaçadores das enormes energias em ação no mundo extemo, efeitos posteriomiente deve tomar-se o sistema Cs., também recebeexcitações desde
que tendem para o nivelamento deles e, assim, para a destruição. O principal o i/zferior. A situação do sistema, entre o exterior e o interior, e a diferença
intuito da recepção de estímulos é descobrir a direção e a natureza dos entre as condições que regem a recepção de excitações nos dois casos,têm
estímulos extemos; para isso, é suülciente apanhar pequenos espécimes do um efeito decisivo sobre o funcionamento do sistema e de todo o aparelho
mundo extemo, para classiüicá-lo em pequenas quantidadesJlqos organismos mental. No sentido do exterior, acha-se resguardado contra os estímulos, e
altamente desenvolvidos, a camada cortical receptiva da antiga vesícula há as quantidades de excitação que sobre ele incidem possuem apenas efeito
muito tempo já se retirou para as profundezas do corpo, embora partes dela reduzido. No sentido do interior, não pode haver esseescudo;sas excitações
tenham sido deixadas sobre a superfície, imediatamente abaixo do escudo das camadas mais profiindas estendem-separa o sistema diretamente e em
geral contra os estímulos. Essas partes são os órgãos dos sentidos, que quantidade não reduzida, até onde algumas de suascaracterísticasdãoorigem
consistem essencialmente em aparelhos para a recepção de certos efeitos a sentimentos da série prazer-desprazer.As excitações queprovêm de dentro,
específicos de estimulação, mas que também incluem disposições especiais entretanto, em sua intensidade e em outros aspectos qualitativos em sua
para maior proteção contra quantidades excessivasde estimulação e para a amplitude, talvez --, são mais comensuradascom o método de funcionamen-
exclusão de tipos inapropriados de estímulo!./É característico deles tratarem to do sistema do que os estímulos que afluem desde o mundo extemo.' Esse
apenas com quantidades muito pequenas ãe estimulação extema e apenas
apanharem amosüas do mundo extemo. Podem ser talvez comparados a l [Ver SeçãoV de '0 Inconsciente'(1915e).]
l
tentáculos que estão sempre efetuando avanços experimentais no sentido do 2 [Freud retoma à origem da ideia de tempo no 6ina] de seu traba]ho sobre 'The Mystic
mundo extemo, e então retirando-se dele. Writing-Pad'(1925a). O mesmo trabalho contém outra discussão do 'escudo contra os
estímulos'.l
3 [Cf. 'Projeto', começoda Seção]O daparte].]
l [Cf. 'Projeto', Parte 1, Seções 5 e 9.] 4 [Cf. 'Profeta', parte ütna] da Seção 4 da Parte ].]

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estado de coisas produz dois resultados definidos. Primeiramente, os senti- em extrair uma lição de exemplos como essee utiliza-los como base para
mentos de prazer e desprazcr (que constituem um índice do que está aconte- nossas especulaçõesmetapsicológicas. Do presente caso, então, ingerimos
cendo no interior do aparelho)predominamsobre todos os estímulos que um sistema que é altamente catexizado é capaz de receber um influxo
extemos. Em segundo lugar, é adotada uma maneira especíülcade lidar com adicional de energia nova e de convertê-la em catexia quiescente, isso é, de
quaisquer excitações intemas que produzam um aumento demasiado grande vincula-la psiquicamente. Quanto mais alta a própria catexia quiescente do
de desprazer; há uma tendência a trata-las como se atuassem,não de dentro, sistema, maior parece ser a sua força vinculadola; inversamente, entretanto,
mas de fora, de maneira que seja possível colocar o escudo contra estímulos quanto mais baixa a catexia, menos capacidadeterá parareceber o influxo de
em operação, como meio de defesa contra elas. E essa a origem daproyeção, energia' e mais violentas serãoas conseqüênciasde tal ruptura no escudo
destinada a desempenhar um papel tão grande na causação dos processos protetor contra estímulos. A essaconcepção não se pode corretamenteobjetar
patológicos. que o aumento de catexia em redor da ruptura pode ser mais simplesmente
Tenho a impressãode que essasúltimas consideraçõesnos levaram a explicado como sendo o resultado direto das massasafluentes de excitação
uma melhor compreensão da dominância do princípio de prazer, mas ainda Seassim fosse, o aparelho mental meramente receberia um aumento em suas
não se lançou luz alguma sobre oscasos que contradizem essadominância. catexiasde energia, e o caráter paralisante do sofrimento e o empobrecimento
Assim, avancemos um passo. Descrevemos como 'traumáticas' quaisquer de todos os outros sistemas pemianeceriam inexplicados. Tampouco os
excitações provindas de fora que sejam suficientemente poderosas para fenómenosmuito violentos de descargaa que o soítimentodá origem
atravessar o escudo protetor. Parece-meque o conceito de trauma implica influenciam nossa explicação, porque ocorrem de maneira reflexa, ou sda,
necessariamente uma conexão desse tipo com uma ruptura numa barreira sob decorrem scm a intervenção do aparelho mental. A indefinição de todas as
outros aspectos eficazes contra os estímulos. Um acontecimento como um nossasdiscussõessobre o que descrevemos como metapsicologia, é natural-
trauma extemo está destinado a provocar um distúrbio em grande escala no
mente devida ao fato de nada sabermos sobre a natureza do processo excita-
funcionamento da energia do organismo e a colocar em movimento todas as
tório que se efetua nos elementos dos sistemas psíquicos, e ao fato de não
medidas defensivas possíveis. Ao mesmo tempo, o princípio de prazer é
nos sentirmos justiülcados em estruturar qualquer hipótese sobre o assunto.
momentaneamenteposto fora de ação.Não há mais possibilidade de impedir
Por conseguinte, ficamos operando todo o tempo com um grande fator
que o aparelho mental sqa inundado com grandes quantidades de estímulos;
desconhecido, que somos obrigados a transportar para cada nova fómtula.
em vez disso, outro problema surge, o problema de dominar as quantidades
Poder-se-ia razoavelmente supor que esse processo excitatório possa ser
de estímulo que irromperam, e de vincula-las no sentido psíquico, a Him de
executado com energias que variam qzza/zflfaíívame/z/e;pode também parecer
que delas se possa então desvencilhar.
provável que ele tenha mais do que uma só.qua/idade(da naturezada
O desprazer específico do sofrimento físico provavelmente resulta de
amplitude,por exemplo).Como novo fator, tomamosem consideraçãoa
que o escudo protetor tenha sido atravessado numa área limitada. Dá-se então
um fluxo contínuo dc excitações desde a parte da periferia relacionada até o hipótese de Breuer de que as cargas de energia ocorrem sob duas formas [ver
aparelho central da mente, tal como normalmente surgiria apenas desde o págs. 30-1], de maneira que temos de distinguir entre dois tipos de catexia
írzferfor do aparelho.' E como esperamos que a mente reaja a essa invasão? dos sistemas psíquicos ou seus elementos: uma catexia que flui livremente e
A energia catéxica é convocada de todos os lados pára fornecer catexias pressiona no sentido da descargae uma catexia quiescente. Podemostalvez
suficientemente altas de energia nos arredores da ruptura. Uma 'anticatexia' suspeitarde que a vinculação da energia que flui para dentro do aparelho
em grande escala é estabelecida, em cujo beneficio todos os outros sistemas mental consiste em sua mudança de um estado de fluxo livre para um estado
psíquicos são empobrecidos, de maneira que as ftJnÇÕes
psíquicas remanes- quiescente.
centes são grandemente paralisadas ou reduzidas. Devemos empenhar-nos
llCf. o 'princípio da insusceptibilidade à excitação dos sistemas não-catexizados', numa nota
l Cf. 'Instintos e Suas Vicissitudes' (191 5c) [e 'Prdeto', Parte ], Seção 6]. de rodapé perto do final de Freud, 1917d]

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é sem embargo independente dele, parecendo ser mais primitiva do que o
Podemos. acredito, atrever-nos experimentalmente a considerar a neu-
intuito de obter prazer e evitar desprazer.
rose traumática comum como conseqüênciade uma grande ruptura que foi
Esse, então, pareceria ser o lugar para, pela primeira vez, admitir uma
causada no escudo protetor contra os estímulos. Isso pareceria restabelecer a
exccção à proposição de que os sonhos são realizações de desejos. Os.sonhos
antiga e ingénua teoria do choque, em aparente contraste com a teoria
dg3.nêkdade,.tomo repetida e pomlenorizadamente demonstrei, não ofere-
posterior e psicologicamentemais ambiciosaque atribuiu importância etio-
cem essa exceção, nem tampouco o fazem os 'son!!glggçg$!!go', porque eles
lógica não aos efeitos da violência mecânica, mas ao susto e à ameaçaà vida.
simplesmente substituem a realização de desejo proibida pela punição ade-
Esses pontos de vista opostos não são, entretanto, irreconciliáveis, nem
quada a ela, isto é, realizam o desejo do sentimento de culpa que é a reação
tampouco a concepção psicanalítica das neuroses traumáticas é idêntica à
ao impulso repudiado.' É, porém, impossível classiHlcarcomo realizaçõesde
teoria do choque em sua forma mais grosseira.Esta última consideraa
desejos os sonhos que estivemos debatendo e que ocorrem nas neuroses
essênciado choque como sendo o dano direto à estrutura molecular ou mesmo
traumáticas, ou os sonhos tidos durante as psicanálises, os quais trazem à
à estrutura histológica dos elementos do sistemanervoso, ao passoque aquilo
lembrança os traumas psíquicos da infância. Eles surgem antes em obediência
que nós procuramos compreender são os efeitos produzidos sobre o órgão da
à compulsão à repetição, embora seja verdade que, na análise, essacompulsão
mente pela ruptura do escudo contra estímulos e pelos problemas que se
é apoiadapelo desejo (incentivado pela 'sugestão'): de conjurar o que foi
seguem em sua esteira. E atribuímos ainda importância ao elemento de susto.
esquecido e reprimido. Dessa maneira, pareceria que a função dos sonhos,
Ele é causado pela falta de qualquer preparação para a ansiedade,' inclusive
que consiste em afastar quaisquer motivos que possam interromper o sono,
a falta de hipercatexia dos sistemasque seriam os primeiros a receber o
estímulo. Devido à sua baixa catexia, essessistemas não se encontram em através da realização dos desejos dos impulsos pemirbadores, não é a sua
ftlnção orfgi/za/. Não lhes seria possível desempenhar essafunção até que a
boa posição para vincular as quantidadesafluentes de excitação, e as conse-
totalidade da vida mental houvesse aceito a dominância do princípio de
qüênctas da ruptura no escudo defensivo decorrem mais facilmente ainda.
prazer. Se existe um 'além do princípio de prazer', é coerente conceber que
Ver-se-á, então, que a preparação para a ansiedade e a hipercatexia dos
houve também uma época anterior em que o intuito dos sonhos foi a
sistemas receptivos constitui a última linha 'de defesa do escudo contra
estímulos. No caso de bom número de traumas, a diferença entre sistemas realização de desejos. Isso não implicaria numa negação de sua função
posterior, mas, uma vez rompida a regra geral, surge uma outra questão. Não
que estão despreparados e sistemas que se acham bem preparados através da
podem os sonhos que, com vistas à sujeição psíquica de impressões traumá-
hipercatexia, pode constituir fator decisivo na determinação do resultado,
ticas, obedecem à compulsão à repetição, não podem essessonhos, pergun-
embora, onde a intensidade do trauma exceda certo limite, essefator indubi-
tavelmente deixe de ter importância. A realização de desejo é, como sabemos, tamos, ocorrer fora da análise também? E a resposta só pode .ser uma
afimlativa decidida
ocasionada de maneira alucinatória pelos sonhos e sob a dominância do
Argumentei em outra parte; que as 'neuroses de guerra' (até onde essa
princípio de prazer tomou-se filnção deles. Mas não é a serviço desse
expressão implica algo mais do que uma referência às circunstâncias do
princípio que os sonhos dos pacientes que soítem de neuroses traumáticas
nos.conduzemde volta, com tal regularidade,à situação em que o trauma desencadeamento da doença) podem muito bem ser neuroses traumáticas que
ocorreu. Podemos antessupor que aqui os sonhos estão ajudando a executar foram facilitadas por um c(!!!!!ilg.Bg.Sgo. O fato a que me referi na pág. 20,
outra tarefa, a qual deve ser realizada antesque a dominância do princípio de o de que um grandedano físico causadosimultaneamente
pelo trauma
prazer possamesmo começar. Essessonhosesforçam-se por dominar retros-
pectivamente o estímulo, desenvolvendo a ansiedade cÜa omissão constituiu [Ver 4 /n/erpre/açõo de Sonhos(1900a), Edição Standard Brasileira, Vol. V, pág. 593,
a causa da neurose traumática. Concedem-nos assim a visão de uma função IMAGO Editora, 1972, e a Seção 9 de 'Remarks on the Theory and Practice of Dream
Interpretation', de Freud(1923c).]
do aparelho mental, visão que, embora não contradiga o princípio de prazer, [A frase entre parêntesessubstituiu em 1923 as pa]avras 'que não é inconsciente', que
apareciam nas primeiras edições.]
3
Ver minha introdução(1919d) a ]::sycÀo-.4/?a/ysfs
and fãe Mar Netfroies
[ [Cf. a nota da pág. 24, acima.]

43
42
l
V

O fato de a camadacortical quc recebeos estíjnulosachar-sesem


qualquer escudo protelar contra as excitações provindas do interior deve ter
como insultado que essas últimas transmissões de estímulos possuam uma
preponderância em importância econâinica e amiúde ocasionam distúrbios
económicoscomparáveis às neurosestraumáticas. As mais abundantesfontes
dessaexcitaçãointerna são aquilo que é descrito como os 'instintos' do
organismo, os representantesde todas as forças que sc originam no interior
do corpo e são transmitidas ao aparelho mental, desde logo o elemento mais
importante e obscuro da pesquisa psicológica. ..
Não se pensaráque é precipitado demais supor que os impulsos que l
surgem dos instintos não pertencem ao tipo dos processosnervosos ví/zcu/a- (
dos, mas sim ao de processos/fvremen/e móveis, que pressionam no sentido
de remissão temporária nessasmesmascircunstancias. da descarga. A maior parte do que sabemos desses processos deriva de nosso
estudo sobre a elaboração onírica. Nela descobrimos que os processos dos
sistemas inconscientes eram fimdamentalmente diferentes dos existentes nos
sistemas pré-conscientes (ou conscientes). No inconsciente, as catexias po-
dem com facilidade ser completamente transferidos, deslocadase condensa-
das. Tal tratamento, no entanto, produziria apenas resultados não-válidos se
fosse aplicado ao material pré-consciente, e isso explica as familiares peru'
liarldades apresentadaspelos sonhos rija:lifestcls depois que os resíduos
pré-conscientes do dia anterior foram elaborados de acordo com as lciõ quc
operam no inconsciente. Descrevi o tipo de processo encontrado no incons-
ciente como sendo o processo psíquico 'primário', ein contraposição com o
processo 'secundário', que é o que impera em nossa vida de vigília normal
Visto que todos os impulsos instintuais têm os sistemas inconscientes como
seu ponto de impacto, quasenão constitui novidade dizer que eles obedecem
ao processo primário. E fácil ainda identificar o processo psíquico priináno
com a catexia livremente tnóvel de Breuer, e o processosecundário,caiu
alterações em sua catexia vinculada ou tónica.' Se assim é, seria tarefa doq
estratosmais elevados do aparelho mental sujeitar a excitação instintual que
atinge o processo primário. Um fracasso el-nefetuar essasujeição provocaria
um distúrbio análogo a uma neurose traumática, e somente após haver sido

l Cf. minha /n/erprefação de Son/zos,Capítulo VllIEdição Standard Brasileira, Vol. V, pág


l 626 e seis., ÂMAGO Editora, 1972. Cf. Também Breuer e Freud, 1895(Seção2 da
11

2 & HEEEEIBg8HãT:u::::::::=:'r" contribuição teórica de Breuer)]

45
44
11 de modo puramente infantil e assim nos mostra que os traços de memória
reprimidos de suas experiências primevas não se encontram presentes nele
em estado de sujeição, mostrando-se elas, na verdade, em certo sentido,
incapazes de obedecer ao processo secundário. Além disso, é ao fato de não
se acharem sujeitas, que devem sua capacidadede fomnar, em conjunção com
os resíduos do dia anterior, uma fantasia de desejo que surge num sonho. A
mesma compulsão à repetição fteqüentementese nos defronta como um
obstáculo ao tratamento, quando, ao ülm da análise, tentamos induzir o
paciente a desligar-se completamente do médico. Pode-se supor também que,
11
quando pessoas desfamiliarizadas com a análise sentem um medo obscuro,
11
um temor de despertaralgo que, segunda pensam, é melhor deixar adorme
lido, aquilo de que no fundo têm medo, é do surgimento dessacompulsão
com sua sugestão de posse por algum poder 'demoníaco
Mas como o predicado de ser 'instintual' ' se relaciona com a compulsão
à repetição? Nesse ponto, não podemos fugir à suspeita de que deparamos
com a trilha de um atributo universal dos instintos e talvez da vida orgânica
em geral que até o presentenão foi claramente identificado ou, pelo menos,
não explicitamente acentuado.zParece, erzrãoqzzeum i/zsfízzroé um i/nplz/se,
í/fere/zfeà l,Ida orgá/7íca, a res/atirar um estado a/z/Criar de coisas, impulso
que a entidadeviva foi obrigadaa abandonar
sob a pressãode forças
perturbadoras extemas, ou sda, é uma espécie de elasticidade orgânica, ou,
para dizê-lo de outro modo, a expressão da inércia inerente à vida orgânica.'
Essa visão dos instintos nos impressiona como estranha porque nos
}
acostumamos a ver neles um fator impelidor no sentido da mudança e do
desenvolvimento, ao passo que agora nos pedem para reconhecer neles o
exato oposto, isto é, uma expressãoda natureza co/zsemadora da substância
viva. Por outro lado, logo relembraremos exemplos tirados a vida animal que
parecem conülmiar a opinião de que os instintos são historicamente determi-
nados. Certolpeixes, por exemplo, empreendem laboriosas migrações na
época daldesova:'b fim de depositar sua progênie em águas específicas, muito
a reexpenencia de algo idêntico, é claramente, em si mesma, uma fonte de afastadasde suas regiões costumeiras. Na opinião de muitos biólogos, o que
prazer. No caso de uma pessoa em análise, pelo contrário, a compulsão à fazem é simplesmente procurar as localidades que suas espéciesantigamente
repetição na transferência dos acontecimentosda infância evidentemente habitavam, mas que, no decorrer do tempo, trocaram por outras. Acredita-se
desprezao princípio de prazer sob todos os modos. O paciente comporta-se
[Ver a penúltima nota de rodapé.]
l [As seis últimas pa]avras foram acrescentadas em 192 1.]

2 $!H:Eam:;SFH$Hi==::=:=='::==:
Freud sobre os chistes(1905c).]
Não tenho dúvida de que noções similares quanto à natureza dos 'instintos' já foram
apresentadasrepetidasvezes.

47
46
orgânicos conservadores e armazenada para ulterior repetição. Esses instin-
tos, portanto, estão fadados a dar uma aparência enganadora de serem forças
tendentes à mudança e ao progresso, ao passo que, de fato, estão apenas
buscandoalcançar um antigo objetivo por caminhos tanto velhos quanto
novos. Ademais, é possível especificar egscobjetivo ülnal de todo o esforço
orgânico. Estaria em contradição à natureza conservadora dos instintos que
o objetivo da vida fosse um estado de coisas que jamais houvesse sido
atingido. Pelo contrário, ele deve ser um estado de coisas anflgo, um estado
inicial de que a entidade viva, numa ou noutra ocasião, se afastou e ao qual
l
se esforça por retomar através àos tortuosos caminhos ao longo dos quais seu
desenvolvimento conduz. Se tomarmos como verdade que não conhece
exceção o fato de tudo o que vive mover por razões l/crer/zas,tomar-se mais
uma vez inorgânico, seremosentão compelidos a dizer que 'o o6yerívode
foda vida é a morre', e, voltando o olhar para Irás, que 'as coisas l/za/limadas
existiram antes das viam
Os atributosda vida foram, em determinadaocasião,evocadosna
matéria inanimada pela ação de uma força de cuja natureza não podemos
formar concepção.Pode ter sido um processo de tipo semelhanteao que
posteriormente provocou o desenvolvimento da consciência num estrato
particular da matéria viva. A tensãoque então surgiu no que até aí fora umas
substânciainanimada se esforçou por neutralizar-se e, dessamaneira, surgiu }
o primeiro instinto: o instinto a retomar ao estado inanimado. Naquela época,
era ainda coisa fácil a uma substância viva morrer; o curso de sua vida era'
provavelmente breve detemiinando-se sua direção pela estrutura química da
jovem vida. Assim, por longo tempo talvez, a substânciaviva estevesendo
t constantemente criada de novo e morrendo facilmente, até que influências
extemasdecisivasse alteraramde maneira a obrigar a substânciaainda
sobreviventea divergir mais amplamentede seu original curso de vida e a
efetuar défaurs mais complicados antes de atingir seu objetivo de morte.
Essestortuosos caminhos para a morte, fielmente seguidospelos instintos de
conservação, nos apRsentariam hoje, portanto, o quadro dos fenómenos da
vida. Se sustentamios com firmeza a natureza exclusivamente conservadora
dos instintos, não poderemos chegar a nenhuma outra noção quanto à origem
e ao objetivo da vida.
As implicações referentes aos grandes grupos de instintos que, segundo
acreditamos, jazem por trás dos fenómenos da vida nos organismos, devem
parecer não menos desnorteantes.A hipótese de instintos de autoconserva-
ção, tais como os atribuímos a todos os seresvivos, alteia-se em acentuada
oposição à idéia de que a vida instintual, como um todo, sirva para ocasionar
são aplicadas.

49
48
t
a morte. Vista sob essa luz, a importância teórica dos instintos de autocon- germinais, portanto, trabalham contra a morte da substânciaviva e têm êxito
servação, auto-aüinnação e domínio diminui grandemente. Trota-se de ins- em conseguir para ela o que só podemos encarar como uma imortalidade
11 tintos componentescuja função é garantir que o orgamsmo seguia seu potencial, ainda que isso possa significar nada mais do que um alongamento
próprio caminho para a morte, e afastar todos os modos possíveis de retomar l da estradapara a morte. Temos de considerar como significante, no mais
11 l à existência inorgânica que não soam os imanentes ao próprio organismo elevadograu, o fato de essafiação da célula germinamser reforçada,ou só
Não temos mais de levar em conta a enigmática determinação do organismo tomadapossível,se ela fiindir-se com outra célula similar a si mesmae
(tão difícil de encaixar em qualquer contexto) de manter suaprópria existên- contudo,diferente dela.
cia dente a qualquer obstáculo. O que nos resta é o fato de que o organismo Os instintos que cuidam dos destinos desses organismos elementares que
desça morrer apenasdo seu próprio modo. AssimT.ggginalmente, esses sobrevivem à totalidadedo indivíduo, que lhes comecemum abrigo seguro
guardiães da vida eram também os lacaios da morte/ Daí surgir a situação enquanto se acham indefesos contra os estímulos do mundo extemo, quc
paradoxal de que o organismo vivo luta com toda a sua energia contra fatos ocasionamseu encontro com outras células germinais etc., coi stituem o
(perigos, na verdade) que poderiam auxilia-lo a atingir tillais rapidamente seu grupo dos instintos sexuais. São conservadores no mesmo sentido dos outros
objetivo de vida, por uma espéciede curto-circujlg=jTal comportamento, instintos porque trazem de volta estados anteriores de substância viva:
entretanto, é precisamente o que caracteriza os esforços piamente instin- contudo, são conservadores num grau mais alto, por serem peculiarmente
tuais. contrastados com os esforços inteligentes.' resistentes às influências extemas; e são conservadores ainda em outro
Mas detenhamo-nospor um momento e reflitamos. Não pode ser assim.
, por preservarema própria vida por um longo período.i São os
Os instintos sexuais, a que a teoria das neurosesconcede um lugar inteira- verdadeiros instintos de vida. Operam contra o propósito dos outros instintos.
mente especial, surgem sob aspecto muito diferente. que conduzem, em razão de sua função, à morte, e este fato indica que existe
A pressão extema que provoca uma ampliação constantemente crescente oposição entre eles e os outros, oposição que foi há muito tempo reconhecida
do desenvolvimento não se impôs a lodos os organismos. Muitos consegui- pela teoria das neuroses. É como se a vida do organismo se movimentasse
ram permanecer até os dias de hoje em seu nível humilde. Na verdade, muitas num ritmo vacilante. Certo grupo de instintos se precipita como que para
elabora não todas -- dessascriaturas, que devem assemelhar-seàs fases }
atingir o objetivo final da vida tão rapidamente quanto possível, mas, quando
primitivas dos animais e vegetaissuperiores,aindahoje acham-sevivas. Da determinada etapa no avanço foi alcançada, o outro grupo atira-se para trás
mesma maneira, a totalidade do caminho do desenvolvimento para a morte
até um certo ponto, a fim de efetuar nova saída e prolongar assim ajomada.
natural não é percorrido por todas as entidades elementaresque compõem o E.ainda que seja certo que a sexualidade e a distinção entre os sexos não
complicado corpo de um dos organismos mais elevados. Algumas delas, as existiam quando a vida começou, permanece a possibilidade de que os
células germinais, provavelmente retêm a estrutura original da matéria viva mstmtos que posteriormente vieram a ser descritos como sexuais, possam ter
l e, após certo tempo, com todo o.seu complemento de disposições instintuais estado em fiincionamento desde o inícios e talvez não seja verdade que foi
herdadas e recentemente adquiridas, separam-se do organismo como um
apenas em época posterior que eles CS)meçaramseu trabalho de oposição às
todo. Essas duas camcterísticas podem ser exatamente aquilo que as capacita atividades dos 'instintos do ego'.2
a ter uma existência independente. Sob condições favoráveis, começam a Retomemos nós mesmos por um momento e consideremos se existe
desenvolver-se, isto é, a repetir o desempenhoa que devem sua existência,
qualquer base para essas especulações. Será realmente o caso que, àpaHê os
e, ao ütnal, mais uma vez \lma parte de sua substância leva sua evolução a um
término, ao passo que outra parte reverte novamente, como um germe
residualnovo, ao início do processode desenvolvimento.
Essascélulas llÀÍora de rodapé acrescenfadz em 1923:] Contudo, é somente a eles que podemosatribuir
umíjmpuiso intimo no sentido do 'progresso' e do desenvolvimento superior!(Ver adiante

Segue-se
l [Nas edições anteriores a 1925, a seguinte nota de rodapé aparecia nesse ponto
uma coração dessa visão extKma dos instintos de autoconservação'.] : .$H:;liígf!'=í:iKZ'.=::&:l==;==='::!=::=.:=:.=:=E=
50
51
o prazer da satisfação que é exigida e a quc é realmente conseguida, é que
fornece o.fatos impulsionador que não permite qualquer parada em nenhuma
das posições .alcançadas,mas, nas palavras do poeta, 'ungebãízdigr ímmer
11 vorw(íris dríngr'.'lO caminho para trás que conduz à satisfação completa
11 acha-se, via de regra, obstruído pelas resistências que mantêm as repressões,
de maneira que não há altemativa senão avançarna direção em que o
crescimento ainda se acha livre, embora sem perspectiva de levar o processo
a uma conclusão ou de ser capaz de atingir o objetivo. Os processosenvol-
vidos na formação de uma fobia neurótica, que nada mais é do que uma
tentativa de fuga da satisfação de um instinto, apresentam-nosum modelo do
modo de origem dessesuposto 'instinto para a perfeição', o qual não tem
possibilidades de ser atribuído a todos os seres humanos.Na verdade,as
condições dinâmicas para o seu desenvolvimento estão universalmente pre-
sentes, mas apenas em raros casos a situação económica parece favorecer a
produção do fenómeno.
Acrescentarei apenasuma palavra para sugerir que os esforços de Eros
para combinar substâncias orgânicas em unidades cada vez maiores prova-
velmente fornecem um sucedâneopara esse 'instinto para a perfeição', cuja
existência não podemos admitir. Os fenómenos que Ihe são atribuídos pare-
cem passíveis de explicação por essesesforços de Eros, tomados em conjunto
com os resultados da repressão.'

l
2
1 ['Pressiona sempre para a atente, indomado'.] MeHlstófoles, em Rausío, Parte ] [Cena 4].
2 Esse parágrafo, acrescentadoem 1923, antecipa a descrição de Eros que se seguirá no
próximo capítulo, pág. 61 e segs.]
resultado de estímulos extemos.
l
53
52
VI

\..Âessência de nossa investigação até agora foi o traçado de uma distinção


nítida entre os 'instintos do ego' e os instintos sexuais, e a visão de que os
primeiros exercempressãono sentido da morte e os últimos no sentido de
um prolongamento da vl1l!\ Contudo, essa conclusão está fadada a ser
insatisfatória sob muitos aspectos, mesmo para nós. Ademais, na realidade,
é apenasquanto ao primeiro grupo de instintos que podemos aHimaarque
l possuem caráter conservador, ou melhor, retrógrado, correspondentea uma
/

compulsão à repetição, porque, em nossa hipótese, os instintos do ego se


originam da animação da matéria inanimada e procuram restaurar o estada
inanimado, ao passo que, quanto aos instintos sexuais, embora sda verdade
que reproduzem estados primitivos do organismos-aquiIQ.aque claramente
visam, por todos os meios possíveis, é ài coalescência)de duas células
germinais que são difuenciadas de maneira particular. Se essaunião não é
efetuada, a célula germinal morrejuntamente com todos os outros elementos
do organismo multicelular. É apenas com essacondição que a função sexual
pode prolongar a vida da célula e emprestar-lheuma aparênciade imortali-
dade. Mas, qual é o acontecimento importante no desenvolvimento da subs-
tância viva, que está sendo repetido na reproduçãosexual ou em sua
antecessora,a conjugação de dois protozoários?' Não podemos dizer, e,
conseqüentemente,deveríamos sentir-nos aliviados se toda a estrutura de
nossa argumentação se mostrou equivocada. A oposição entre os instintos do
ego ou instintos de morte' e os instintos sexuais ou instintos de vida deixaria
então de sustentar-se e a compulsão à repetição não mais possuiria a impor-
tância que Ihe atribuímos.
Voltemo-nos,então, para uma das suposiçõesjá feitas por nós, na
expectativa de podemtos dar-lhe uma negação categórica. Tiramos conclu-
sõesde longo alcanceda kbótese de que'toda substância viva está fadada a
mover por causas intemas.XFizemos essa suposição assim descuidadamente
porque ela não nos parece ser uma suposição. Estamos acostumados a pensar
que esse é o fato, e somos fortalecidos em nossas reflexões pelos escritos de
nossos poetas:rl'alvez tenhamos aditado a crença porque existe nela um certo
consolo. fe teriiõgde morrer, e primeiro perder para a morte aqueles que nos

fINa que se segue,Freud parece utilizar indiferentemente os lenhos 'protesta' e 'protozoário


'apara significar organismos uniçelulares. A tradução segue o original.]
2[Piilneira vez que a expressão aparece pub]icada]

55
são mais caros, é mais fácil submeter-sea uma lei impiedosa da natureza, à O que nos impressiona nisso é a inesperada analogia com nosso próprio
sub[ime 'AvdÍKTI 'ENeccssidade], do que a um acasode que talvez pudésse- ponto de vista, ao qual chegamos ao longo dc caminho tão diferente. Weis-
mos ter fugido. Pode ser, contudo, que essacrença na necessidade interna dc mann, encarando morfologicamente a substância viva, enxerga nela uma
morrer seja apenas outra daquelas ilusões que criamos 'u/n díç.Sç/zwere des parte que estádestinada a morrer -- o soma, o corpo separado da substância
í)a.çeíW.z / e/'fraga/v:. ' Decerto não se trata de uma licença primeva. A noção relacionadacom o sexo e a herança , e uma parte imortal o plasma
di%norte natul-al' é inteiramente estranhaàs raças primitivas; atribuem toda gemlinal, que se relaciona com a sobrevivência da espécie,com a reprodução.
morte que ocone entre elas à influência dc um inimigo ou de um espírito Nós, por outro lado, lidando não com a substância viva, mas com as forças
mau. Devemos, portanto, voltar-nos para a biologia, a fim de testar a validade que nela operam, fomos levados a distinguir duas espécies de instintos:
da crença. aquelesque procuram conduzir o que é vivo à morte, e os outros, os instintos
Sc assim üizcnllos, ficaremos estupefãtosem descobrir quão pouco sexuais,que estãoperpetuamente tentando e conseguindo uma renovação da
acordo existe entre os biólogos sobre a questão da morte natural e, ntl vida, o que soa como um corolário dinâmico à teoria morfológica de Weis-
mana
realidade, que todo o conceito de morte se dissolve em suas mãos. O fato dc
haver uma duração média e fixa de vida, pelo menos entre os anil-naif Contudo, a aparência de uma correspondência significante se dissipa tão
superiores, argúi naturalmente em favor da existência de algo como a morte logo descobrimos as concepçõesde Weismann sobre o problema da morte,
por causas naturais. M as essa impressão é contraditada quando consideramos porque ele só relaciona a distinção entre o soma mortal e o plasma gemiinal
que certos grandes animais e determinados crescimentos arbóreos gigantes- imortal aos organismos mz//fica/u/ares; nos organismos unicelulares, o indi-
cos atingem idade ]nuito avançada,idade que atualmente não pode ser víduo e a célula reprodutora são ainda um só e o mesmo (Weismann, 1882,
computada. De acordo com a grande concepção de Wi]he]m F]iess [1906], 38). Desse modo, considera que os organismos unicelulares são potencial-
todos os fenómenos vitais apresentados pelos organismos e também, mente imortais e que a morte só faz seu aparecimento com os metazoários
indubitavelmente, sua morte estão vinculados à conclusãcl.dç.,leríodos multicelulares. E verdade que essa morte dos organismos mais elevados é
eixos, os quais expl'essam a dependência de dois tipos de substância viva (uln natural, uma morte provocada por causas internas, mas não se funda em
masculino e outro fetninino) quanto ao ano solar. Quando vemos, contudo. nenhuma característica primitiva da substância viva(Weismann, 1884, 84) e
quão fácil e extensamente a influência de forças externas pode inodiHicar a não pode ser encaradacomo uma necessidade absoluta, com base na própria
data do aparecimento dos fenâlnenos vitais (especialmente no mundo vege- natureza da vida (Weismann, 1882, 33). A morte é antes uma questão de
tal), precipitando-os ou retendo-os, temos de levantar dúvidas quanto à conveniência, uma manifestação de adaptaçãoàs condições extemasda vida,
rigidez das fórmulasde Fliess ou, pelo menos,quantoàs leis por ele porque, uma vez as células do corpo tenham sido divididas em soma e plasma
estabelecidas constituírcin os únicos fatores determinantes. terminal, uma duração ilimitada da vida individual se tomaria um luxo
De nosso ponto de vista, o maior interesse prende-se ao tratamento dado inteiramente sem sentido. Feita essadiferenciação nos organismos multice-
ao temiada duração da vida e da morte dos organismos nos escritos dc lulares, a morte toma-se possível e conveniente. Desde então, o soma dos
Wgismann(1882, 1884, 1892 etc.). Foi ele que introduziu a divisão da organismos superiores morreu a períodos Hlxospor razões intimas, ao passo
áibstâncy..viva em partem..mQüais.e..imortais.
A parte mortal é o corpo no que os protestaspemianeceram imortais. Não é o caso, por outro lado, de a
gãlü&o mais estrito, o >ei=ê: que, somente ele, se acha sujeito à morte reprodução ter sido introduzida ao mesmo tempo que a morte. Pelo contrário.
natural. As células terminais, por outro lado, são potencialmente il-nortais, trata-se de uma característica primitiva da matéria viva, como o crescimento
na medida em quc são capazes,em detenninadas condições, de desenvolvcl'- (do qual se originou), e a vida foi contínua desde seu início sobre a Terra
se no indivíduo novo ou, em outras palavras, de cercar-se de um novo soma (Weismann, 1884, 84 e seg.).
(Weismann, 1884). Ver-se-á em seguida que concordar dessa maneira que os organismos
superiores tenham uma morte natural é de muito pouco auxílio para nós,
porque, se a morte é uma aquisição /ardia dos organismos, então não há o
['Pai'a supnrtêti' o fardo da existência.' (Sçhi]]cr, ])/e B/'ízirf vr]/l iVcs.ç/na, 1, 8.]
que falar quanto a ter havido instintos de morte desde o começo da vida sobre

56 57
a Terra. Os organismosmulticelulares podem morrer por razões intensas. lamente a assertiva weismanniana de que a morte é uma aquisição tardia dos
organismos vivos.
devido a uma di fercnciação deficiente ou a imperfeições de seu metabolismo,
Do conjunto dessasexperiências surgem dois fatos que parecem fome-
mas a questão não tem interesse do ponto de vista de nosso problema. Uma cer-nos uma base firme
explicação da origem da morte como esta encontra-se, ademais, eln muito
menor variância com nossosmodos de pensamentoshabituais do que a Primeiro: se dois dos animálculos, no momento antes de apresentarem

cstianh:\ pressuposiçãodos 'instintos de morte' sinais de senescência,puderem coalescer um com o outro, isto é, 'conjuga-
rem-se' (pouco após o que, mais uma vez se separam), salvam-se de ficarem
O debateque se seguiu às sugestõesde Wcismann não conduziu, até
velhos e tomam-se 'rejuvenescidos'. A conjugação é indubitavelmente a
onde posso perceber, a nenhum resultado conclusivo cln qualquer direção. antecessora da reprodução sexual nas criaturas mais elevadas=ainda se acha.
Alguns escritores rctornarain às opiniões de Goethe(1883), quc considerava
por enquanto, desvinculada da propagação e limita-se à mistura das substân-
:l morte o rcsulçÊldí:Ldlgeto
da reprodução.Hartmann ( 1906, 29) não considera
cias dos dois indivíduos. (A 'anfimixia' de Weismann.) Os efeitos recupera-
A". a aparência dc um 'cadáiêi'=-'iiiiiã>arte morta da substânciaviva como
dores da conjugação podem, contudo, ser substituídos por certos agentes
critério de morte, masdefine estacomo sendo 'o término do desenvolvimento
estimulantes, através de alterações na composição do fluido que proporciona
individual'. Nesse sentido, também os protozoários são mortais; em scu caso,
sua nutrição, pela elevação de sua temperatura ou por sua agitação. Somos
a morte também coincide com a reprodução, mas é, até certo ponto, obscu- lembrados do célebre experimento efetuado por J. Loeb, no qual, através de
recida por ela, desde que toda a substância do animal pai pode ser dirctainente certos estímulos químicos, induziu a segmentaçãode ovos de ouriço-do-mar,
transmitida à jovem progênie. processo que nomlalmente só pode ocorrer após a fertilização.
Pouco depois, a pesquisa voltou-se para a verificação experimental, em Segundo: não obstante, é provável que os infüsórios morram de morte
11 organismos unicelulares, da alegada imol'talidade da substância viva. Ulla
biólogo americano, Woodruff. fazendo experiências com un\jnfusório alia-
natural ein resultado de seus próprios processos vitais, porque a contradição
entre as descobertas de Woodruff e dos outros deve-se ao fato de haver' ele
do. o 'anilnálculo dcslizador' (s/@per-a/?lnza/ct//e),
que se reproduz por provido cada geração de fluido nutriente novo. Se deixava de fazê-lo.
fissão cm dois outros indivíduos, persistiu até a 3.029" geração (ocasião em observava os mesmos sinais de senescência que os outros experimentadores.
quc interrom})eu a experiência), a cadavez isolando um dos produtos parciais Concluiu que os animálculos eram prqudicados pelos produtos do metabo-
c colocando-o em água nova. Esseremoto descendentedo primeir(2.ên mál- lismo que expeliam para o fluido circundante. Pede então provar conclusi-
culo cia tão vivaz quantoseu antepassado
e não apresentavasinaisdc vamente que eram apenas os produtos de seu próprio metabolismo que tinham
ençêlhccimento ou degeneração.Assim, até onde cifras desse tipo podem resultados fatais para essetipo específico de animálculo, porque os mesmos
provar algo, a imortz1lidad! dos provo?loários pareceu ser experimentalmente animais que inevitavelmente pereciam se eram apinhados em seu próprio
deinonstrável.' fluido nutriente, Horesciam numa solução supersaturada com os produtos
Outros experimcntadores chegaram a resultados direi'entes. Maupas, excretórios de uma espéciedistantemente aparentada.Um infüsório, portan-
Calkins c outros. cm contraste com Woodruff. descobriram que, após certo to, se é deixado a si mesmo,morre de morte natural devido à evacuação
incompleta dos produtos de seu próprio metabolismo. (Pode ser que a mesma
número dc divisões, aqueles infusórios se tornavam mais débeis, diminuíatTI
incapacidadeseja a causa suprematambém da morte de todos os animais
dc tamanho. soa-iam a perda de algutna parte de sua organização e acabavam superiores.)
por morrer, tl menos quc certas medidas recupctadoras lhes fossem aplicadas.
Nesse ponto, bem pode surgir em nosso espírito a dúvida quanto a saber
Seassim for, os protozoários pareceriam morrer após villa fasede :Ê11g::!2=
seservimos a algum objetivo aotentar solucionar o problema da morte natural
cia, cxatamcntc como aos animais superiores, contraditando assillacomplc- a partir do estudo dos protozoários. A organização primitiva dessascriaturas
pode ocultar-nos condições importantes que, embora de fato presentesnelas
1 Cf. Flartmann(1906). Lipschütz(1914) e Dof]ein(19]9). também, só sc tomam v/sívels nos animais superiores, quando podem encon-
2 1'arz!isso c para o quc se segue,ver Lipschtitz (]914, 26 e 52 c scgs.). \
trar expressão morfológica. E, se abandonarmos o ponto de vista morfológico

58 59
Í

aprendemos que também a conjugação, a coalescência temporária de dois


e adotarmos o dinâmico, toma-se-nos completamente indiferente poder
organismos unicelulares, possui feito preservador de vida e rejuvenescedor
demonstrar se a morte natural ocorre ou não nos protozoários. A substância
sobre ambos. Por conseguinte, podemos tentar aplicar a teoria da líbido a que
que postenormentc é reconhecida como imortal, neles não se separou ainda se chegou na psicanálise à relação mútua das células. Podemos supor que os
da mortal. As forças instintuais que procuram conduzir a vida para a.morte
instintos de vida ou instintos sexuais ativos em cada célula tomam as outras
podem também achar-se em funcionamento nos protozoários desde o inicio;
células como seu objeto, que parcialmente neutralizam os instintos de morte
no entanto. seusesforços podem ser tão completamente ocultos pelas forças
(isto é, os processos estabelecidos por estes) nessas células, preservando
preservadoras da vida, que talvez sqa muito diHicil encontrar qualquer prova
assim sua vida, ao passo que as outras células fazem o mesmo para e/as e
direta de sua presença. Vimos também, além disso, que as observações
outras ainda se sacrificam no desempenho dessa função libidinal. As próprias
efetuadas pelos biólogos nos permitem presumir.que processos intemos desse
células germinais se comportariam de maneira completamente 'narcisista',
tipo, conducentes à morte, ocorrem também nos protistas. Mas, mesmo que
estes últimos se mostrassem imortais no sentido weismanniano, a assertiva para empregar a expressão que estamos acostumados a utilizar na teoria das
de Weismann de que a morte é uma aquisição tardia, se aplicaria apenas.a neuroses para descrever um indivíduo total que retém sua líbido em seu ego
seus fenómenos ma/zeáesfose não tomaria impossível a pressuposição de e nada desembolsa dela em catexias de objeto. As células gemlinais exigem
sua líbido, a atividade de seusinstintos de vida, para si mesmas, como uma
processos a ela rende/z/es. . . ..
reservapara sua posterior e momentosa atividade construtiva. (As células dos
'' Assim, não se realizou nossa esperançade que a biologia contradissesse
redondamente o reconhecimento dos instintos de morte. Estamos livres para neoplasmas malignos que destroem o organismo, talvez também devessem
continuar a nos preocupar com sua possibilidade, se tivemlos outras razões ser descritas como narcisistas nessemesmo sentido: a patologia está prepa-
rada para considerar seus germes como inatos e atribuir-lhes atitudes embriâ-
para assim proceder. A notável semelhançaentre a distinção weismanniana
de soma e plasma germinal e nossa separaçãodos instintos de morte dos nicas.y Dessa maneira, a líbido de nossos instintos sexuais coincidiria com
instintos de vida persiste e mantém a sua significância. o Eras dos poetas e dos HllósofoS, o qual mantém unidas todas as coisas vivas.
Podemosdeter-nos por um momento sobre essavisão preeminentemente Aqui se encontra, portanto, uma oportunidade para considerar o lento
dualística da vida instintual. De acordo com a teoria de E. Hering, dois tipos desenvolvimento de nossa teoria da líbido. Em primeira instância, a análise
das neuroses de transferência forçou à nossa observação a oposição entre os
de processos estão constantemente em ação.na substância viva, operando em
direções contrárias, uma construtiva ou assimilatória, e a outra destrutiva ou ;instintos sexuais', que se dirigem para um objeto, e certos outros instintos,
dissimilatória. Podemos atrever-nos a identi6car nessasduas direções toma- com os quais nos achamos insuülcientemente familiarizados e que descreve-
das pelos processosvitais a atividade de nossosdois impulsos instintuais, os mos provisoriamente como 'instintos do ego'.: Um lugar de proa entre estes
instintos de vida e os instintos de morte? Existe algo mais, de qualquer modo, foi necessariamente concedido aos instintos que servem à autoconservação
a que não podemos permanecer cegos. inadvertidamente voltamos nosso do indivíduo. Foi impossível dizer que outras distinções deveriam ser traça-
cursoparaa baíada filosofiade Schopenhauer.
Paraele, a morte ê o das entre eles. Nenhum conhecimento seria mais valioso como base para uma
'verdadeiro resultado e, até esseponto, o propósito da vida',' ao passo que o ciência verdadeiramente psicológica do que uma compreensão aproximada
instinto sexual é a corporiülcação da vontade de viver. das características comuns e dos possíveis aspectos distintivos dos instintos,
Façamos uma ousada tentativa de dar outro passo à õ'ente. Considera-se mas em nenhuma região da psicologia tateamos mais no escuro. Cada um
geralmente que a união de uma série de células numa associaçãovital o supôs a existência de tantos instintos ou 'instintos básicos' quantos quis e fez
caráter multicelular dos organismos -- setomou um meio de prolongar a sua malabarismos com eles, tal como os antigos filósofos naturalistas gregos
vida. Uma célula acudaa conservar a vida de outra, e a comunidade de células
pode sobreviver mesmo que as células individuais tenham de morrer. Já vIEsse períodofoi acrescentado
em1921.]
H 2IAssim, por exemplo, na descriçãodessaoposição apresentadano artigo de Freud sobre os
distúrbios psicogênicos da visão (19101).]
l Schopenhauer (1851 ; Sãmf/lc/ze H'erre, coord. de Hübscher, 1938, 5, 236)-

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estabeleceu que as psiconeuroses se baseiam num conflito entre os instin-
faziam com seus quatro elementos: a terra, o ar, o fogo e a água. A psicanálise,
tos do ego e os instintos sexuais não contém nada que precisemos rejeitar
que não podia deixar de fazer a/gz/ma suposição sobre os instintos, ateve-se
atualmente. Acontece simplesmente que a distinção entre os dois tipos de
primeiramente à popular divisão de instintos tipificada na expressão 'fome e
instintos, que era originalmente considerada,de certa maneira, como
amor'. Pelo menos, nada havia de arbitrário nisso e, com sua ajuda, a análise
gua/lrafívadeve ser hde diferentementecaracterizada,ou sda, como
das psiconeuroses foi levada à dente até uma boa distância. O conceito de
sexualidade' e, ao mesmo tempo, de instinto sexual, teve, é verdade, de ser fopogr(Í/ica. E, em particular, é ainda verdade que as neuroses de trans-
ferência, o tema essencial do estudo psicanalítica, são o resultado de um
ampliado de modo a abranger muitas coisasque não podiam ser classificadas
conflito entreo ego e a catexia libidinal dos objetos.
sob a função reprodutora,e isso provocou não pouco alarido num mundo Mas ainda nos é mais necessário enfatizar o caráter libidinal dos instintos
austero, respeitável, ou simplesmente hipócrita.
de autoconservação, agora que nos estamos aventurando ao novo passo de
O passo seguinte foi dado quando a psicanálise sondou de mais perto
reconhecer o instinto sexual como Eras, o conservador de todas as coisas. e
o caminho no sentido do ego psicológico, que primeiramente fora conhe-
de derivar a líbido narcisista do ego dos estuques de líbido por meio da qual
cido apenascomo órgão repressivo e censor, capaz de erguer estruturas
as células do soma estão ligadas umas às outras. Mas agora, subitamente,
protetoras e formações reativas. Há muito tempo, espíritos críticos e de
defrontamo-nos com outra questão. Se os instintos de autoconservação são
visão ampla já haviam, é verdade, feito objeção ao fato de o conceito de
também de natureza libidinal, talvez não existam quaisquer outros instintos,
líbido restringir-se à energia dos instintos sexuais dirigidos no sentido de
a não ser os libidinais?,De qualquer modo, não existem outros visíveis. Nesse
um objeto, mas fracassaramem explicar como haviam chegado a seu
caso, porém, seremos,no ülm das contas, levados a concordar com os críticos
melhor conhecimento, ou em derivar dele algo de que a análise pudesse
que desconÊtaramdesde o início que a psicanálise explica /udo pela sexuali-
fazer uso. Avançando mais cautelosamente,a psicanálise observou a
dade, ou com inovadores como Jung, que, fazendo um juízo apressado,
regularidade com que-a líbido é retirada do objeto e dirigida pára o ego
utilizaram a palavra 'líbido' para signiülcar força instintual em geral. Não
(o processo de introversão), e, pelo estudo do desenvolvimento libidinal deve isso ser assim?
das crianças em suas primeiras fases, chegou à conclusão de que o ego é
De modo algum era nossaí/zfe/zçãoproduzir tal resultado. Nosso debate
o verdadeiro e original reservatório da líbido,' sendo apenas desse reser-
teve como ponto de partida uma distinção nítida entre os instintos do ego,
vatório que ela se estendepara os objetos. O ego encontrou então sua
posição entre os objetos sexuais e imediatamente recebeu o lugar de proa que equiparamos aos instintos de morte, e os instintos sexuais, que equipa-
entre eles. A líbido que assim se alojara no ego foi descrita como ramos aos instintos de vida.(Achávamo-nos preparados, em determinada
narcisista'.2 Essa líbido narcisista eratambém, naturalmente, uma mani- etapa [pág. 48], para inc]uir os chamados instintos de autoconservação do
festação da força do instinto sexual, no sentido analítico dessas palavras, ego entre os instintos de morte, mas subseqüentemente [pág. 61] nos corri-
e necessariamente tinha de ser identiHlcada com os instintos de autocon- gimos sobreesseponto e o retiramos.) Nossas concepções,desdeo início,
servação,cuja existência fora reconhecidadesdeo início. Assim, a opo' foram dua/lsfas e são hoje ainda mais deânidamente dualistas do que antes,
lição original entre os instintos do ego e os instintos sexuais mostrou-se agora que descrevemos a oposição como se dando, não entre instintos do ego
e instintos sexuais, mas entre instintos de vida e instintos de morte. A teoria
inapropriada. Viu-se que uma parte dos instintos do ego era libidinal e
da líbido de Jung é, pelo contrário, monista; o fato de haver ele chamado sua
que instintos sexuais (provavelmente ao lado de outros) operavam no ego.
única força instintual de 'líbido', destina-sea causar confusão. mas não
Não obstante,temosjustiülcaçãopara dizer que a antiga fórmula que
precisa afetar-nos sob outros aspectos.' Suspeitamos que instintos outros que
não os de autoconservaçãofiJncionam no ego, e deveria ser-nos possível
1[ Essaidéia foi integralmenteenunciadapor Freud em seuartigo sobre o narcisismo(19 ]4c),
Seção1. Ver, contudo, sua nota de rodapé posterior, perto do início do Capítulo 111de O .Eko aponta-los. Infelizmente, porém, a análise do ego fez tão poucos avanços,
e o /d (1923b), em que corrige essaafirmação e descreveo fd como 'o grande reservatório
dalibido'.l lIAs duas frases anteriores foram acrescentadas em 192 1.]
2 Ver meu artigo sobre narcisismo(1 914c) [Seçãol].

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quc nos é muito difícil proceder assim. E possível, na verdade, que os objeto. Onde quer que o sadismo original não tenha soíiido mitigação ou
instintos libidinais do ego possam estar vinculados de maneira peculiar' a mistura, encontramos
a ambivalênciafamiliar de amor e ódio na vida
essesoutros instintos do ego quc ainda nos são estranhos. Mesmo antes de erótica.i
0 C

dispomtos de qualquer compreensão clara do narcisismo, a psicanálise já Se uma pressuposição assim é pemlissível, atendemos então a exigência
desconfiava que os 'instintos do ego' tinham componentes libidinais a eles de que produzíssemos um exemplo de instinto de morte, embora se trate. na
ligados. Mas trata-se de possibilidades muito incertas, a que nossos oponen' verdade, de um instinto deslocado. Mas essamaneira de considerar a$coisas
tes prestarão muito pouca atenção. Permanece a dificuldade de que a psica- está muito longe de ser fácil de captar e cria uma impressão positivamente
nálise até aqui não nos pemiitiu indicar quaisquer instintos [do ego] que não mística. Sua aparência é suspeita, como se estivéssemos tentando achar um
sejam os libidinais. Isso, contudo, não constitui razão para concordamlos com modo de sair a qualquer preço de uma situação embaraçosa. Podemos
a conclusão de que nenhum outro realmente existe. recordar, no entanto, que não existe nada de novo numa suposição desse tipo.
Na obscuridade que reina anualmentena teoria dos instintos, não seria Já apresentamos outra, em ocasião anterior, antes que se falasse em qualquer
avisado rejeitar qualquer idéia que prometa lançar luz sobre ela. Partimos situação embaraçosa.As observaçõesclínicas nos conduziram, naquela
da grande oposição entre os instintos de vida e de morte. Ora, o próprio ocasião, à concepção de que o masoquismo, o instinto componente comple-
amor objetal nos apresenta um segundo exemplo de polaridade semelhan- mentar ao sadismo, deve ser encarado como um sadismo que se voltou para
te: a existente entre o amor (ou afeição) e o ódio (ou agressividade). Se o próprio ego do sujeito.: Mas, em princípio, não existe diferença entre um
pudéssemosconseguir relacionar mutuamente essasduas polaridades e instinto voltar-se do objeto para o ego ou do ego para um objeto, que é o novo
derivar uma da outrasDesde o início identificamos a presençade um ponto que se acha em discussãoanualmente.
O masoquismo,a volta do
componente sádico no instinto sexual.2 Como sabemos, ele pode tomar-se instmto para o próprio ego do sujeito, constituiria, nessecaso, um retomo a
independente e, sob a forma de perversão dominar toda a atividade sexual uma fase anterior da história do instinto, uma regressão.A descrição ante-
de um indivíduo. Surge também como um instinto componente predomi- riormente fomecida do masoquismoexige uma emendapor ter sido ampla
nante numa das 'organizaçõespré-genitais', como as denominei. Mas, demais sob um aspecto:pode haver um masoquismo primário, possibilidade
como pode o instinto sádico, cujo intuito é prejudicar o objeto, derivar de que naquela época contentei.3
Eras, o conservador da vida? Não é plausível imaginar que esse sadismo Retomemos, porém, aos instintos sexuais autoconservadores. As expe-
seja realmente um instinto de morte que, sob a influência da líbido riênciascom os protistasjá demonstraram
que a conjugação,isto é, a
narcisista, foi expulso do ego e, conseqüentemente,só surgiu em relação coalescência de dois indivíduos que se separam logo após sem que qualquer
ao objeto? Ele entra em ação a serviço da função sexual. Durante a fase divisão celular subseqüenteocorra, tem efeito fortalecedor e rejuvenescedor
oral da organização da líbido, o ato de obtenção de domínio erótico sobre sobre ambos.' Nas geraçõesposteriores, não mostram sinais de degeneração
um objeto coincide com a destruição desse objeto; posteriormente, o
instinto sádico se isola, e, finalmente, na fase de primazia genital, assume,
[lsso prenuncia o estudo freudiano da 'fusão' instíntual no Cap. IV de O Eko e a /d (1 923ó).]
para os fins da reprodução,a função de dominar o objeto sexual até o Ver meus Três Ensaios (1 905{/) [Edição Standard Brasileira, Vol. Vll, pág. 160, IMAGO
ponto necessário à efetivação do ato sexual. Poder-se-ia verdadeiramente Editam, 1972] e 'Os Instintos e Suas Vicissitudes' (1915c). ' '
Uma parte considerável dessasespeculações6oi antecipada por cabina Spielrein (1 91 2) num
dizer que o sadismo que for expulso do ego apontou o caminho para os instrutivo e interessante artigo que, infelizmente, não me é inteimmente claro. Nele. descreve
componenteslibidinais do instinto sexuale que esteso seguirampara o ela os componentes sádicos do impulso sexua] como 'destrutivos'. Também A. Stãrke ( ] 9 14)
tentouidentificar o conceitoda própria líbido com o conceito biológico(presumido em bases
teóricas) de um impulso no sentido da morte. Ver também Rank (1907). Todas essas
l [Na primeira edição apenas: '. . . por " confluência" instintual, para tomar de empréstimo uma discussões, tal como a do texto, dão provas da exigência de um esclarecimento da teoria dos
expressão uti]izada por Ad]ert1908] . . . '.] instintos tal como ainda não foi obtida. --ÍUm estudo posterior do instinto destrutivo pelo
2 iá assim acontecia na primeira edição dos Três .EnsaiosSopre a 7eorfa da Sexzza/idade,em
próprio Freud ocupa o Capítulo Vl-de O Mà/-Es/ar na Cfvf/&açõo(1 930a).]
1905IEdição Sfa/zdardBrasileira, Vol. Vll, pág. 159 e sega.,ÂMAGO Editora, 1972] 4
Ver a descriçâa citada antes, pág. 58, de Lipschütz (1914}

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e parecem aptos a opor resistência mais prolongada aos efeitos prqudiciais resumo do que parece pertinente à nossa linha de pensamento,entre as
de seu próprio metabolismo. Essa observação isolada pode, penso-eu, ser minhas assertivas e concepções discordantes.
tomada como típica do efeito produzido também pela união sexual. Mas, Uma dessasconcepções despoja o problgkna da reprodução de sua
como é que a coalescênciade duas células apenasligeiramente diferentes fascinação misteriosa, representando-o coiro manifestação parcial do
pode ocasionar essa renovação da vida? O experimento que substitui a crescimento. (Cf. a multiplicação por nlssão,brotação e gemiparidade). A
\

conjugação dos protozoários pela aplicaçãode estímulos químicos ou mesmo origem da reprodução por células germinais sexualmente diferenciadas
mecânicos (cf. Lipschütz, 19 14), permite-nos dar o que é, indubitavelmente, pode ser representado,segundo sóbrias linhas darwinianas, imaginando-se
uma resposta conclusiva a essa pergunta. O resultado é ocasionado pelo que a vantagem dahn$mixíi3a que se chegou em determinada ocasião
influxo de novas quantidades de estímulo. Isso condiz bem com a hipótese pela conjugação fortuita de dois protistas, foi retida e posteriomlente
de que os processos vitais do indivíduo levam, por razões internas, a uma explorada para desenvolvimento ulterior.t Segundo essa concepção, o
abolição das tensões químicas, isto é, à morte, ao passo que a união com a 'sexo' não seria nada de muito antigo e os instintos extraordinariamente
substância viva de um indivíduo diferente aumenta essastensões, introduzin- t
violentos, cujo objetivo é ocasionar a união sexual, estariamrepetindo
do o que pode ser descrito como novas 'diferenças vitais', que devem então algo que outrora ocorrera por acaso e desde então se estabelecera, por ser
ser vividas. Com referência a essadessemelhança,naturalmente tem de haver vantajoso.
um ou mais pontos ótimos. A tendência dominante da vida mental e, talvez, Surge aqui a questão,como no casoda morte [pág. 57-8], de saberse
da vida nervosa cm geral, é o esforço para reduzir, para manter constante ou estamos certos em atribuir aos protistas só essascaracterísticas que realmente
para remover a tensãointema devida aos estímulos (o 'princípio do Nirvana', apresentam, ou se será carreto supor que forças e processos que se tomam
para tomar de empréstimo uma expressãode Bárbara Low [1920, 73]), visíveis apenas nos organismos superiores, se originaram pela primeira vez
tendência que encontra expressãono princípio deprazer, ' e o reconhecimento naqueles organismos. A concepção da sexualidade que acabamos de mencio-
desse fato constitui uma de nossas mais fortes razões para acreditar na nar é de pouca ayuda para nossos fins. Contra ela pode ser levantada a objeção
existência dos instintos de morte. de postular a existência de instintos de vida já a funcionar nos organismos
Contudo, ainda sentimos nossa linha de pensamento apreciavelmente mais simples, porque de outra maneira a conjugação, que trabalha contra o
entravadapelo fato de não podermos atribuir ao instinto sexual a caracterís- curso da vida e toma a tarefa de deixar de viver mais difícil, não teria sido
tica de uma compulsão à repetição que primeiramente nos colocou na.trilha mantida e elaborada, mas, ao contrário, seria evitada. Se, portanto, não
dos instintos de morte. A esfera dos processosde desenvolvimento embrio- quisennos abandonara hipótese dos instintos de morte, temos de supor que
nário é. sem dúvida alguma,extremamente
rica em tais fenómenosde estão associados, desde o início, com os instintos de vida. Deve-se, porém,
repetição; as duas células terminais que estão envolvidas na reprodução admitir que, nesse caso, estaremos trabalhando com uma equação de duas
sexual, e a história de sua vida são apenas repetições dos começos da vida quantidades desconhecidas.

orgânica. Mas a essênciado processo a que a vida sexual se dirige é a A parte isso, a ciência tem tão pouco a nos dizer sobre a origem da
coalescência de dois corpos celulares. SÓisso é que asseguraa imortalidade sexualidade, que podemos comparar o problema a uma escuridão em que
da substânciaviva nos organismossuperiores. nem mesmo o raio de luz de uma hipótese penetrou. Em outra região,
Em outras palavras, precisamos de mais informações sobre a origem inteiramente diferente, é verdade, dcfrontamo-nos realmente com tal
da reprodução sexual e dos instintos sexuais em geral. Trata-se de proble-
ma capaz de atemorizar um leigo, e que os próprios especialistas ainda Embora Weismann(1 892) negue também essavantagem: 'Em caso algum a íêrtilização
não foram capazes de resolver. Assim, forneceremos apenas o mais breve corresponde à rejuvenescência ou renovação da vida; tampouco sua ocorrência é necessária
para que a vida possa durar: trata-se simplesmente de uma disposição que toma possível a
mistura de duas tendências hereditárias diferentes.' [Tradução inglesa, .1893, 231.] Nãa
[Cf. pág. l e iegs. Todo o tópico é novamenteconsideradoem 'The Economia Problem of obstante,acredita ele que uma mistura dessetipo conduz ao aumentona variabilidade do
Masochism' (1924c).] organismoem causa

66 67
Seguiremosa sugestãoque nos foi oferecida pelo poeta-filósofo e
hipótese,mas é de tipo tão fantástico,mais mito do que explicação aventurar-nos-emospela hipótese de que a substância viva, por ocasião
científica, que não me atreveria a apresenta-laaqui se ela não atendesse de sua animação, foi dividida em pequenas partículas, que desde então se
precisamente àquela condição cujo preenchimento desejamos, porque faz esforçaram por reunir-se através dos instintos sexuais? De que esses
remontar a origem de um instinto a uma /zecessídadede res/az/rar t/m instintos, nos quais a afinidade química da matéria inanimada persistiu,
estado anterior de coisas gradualmente conseguiram, à medida que evoluíam pelo reino dos protis-
O que tenho no espírito é, naturalmente, a teoria que Platão colocou tas, sobrepujar as diülculdades colocadas no caminho desse esforço por
na boca de Aristófanes no Symposíume que trata não apenasda origem um ambiente carregado de estímulos perigosos, estímulos que os compe-
do instinto sexual, mas também da mais importante de suas variações em liram a formar uma camada cortical protetora? De que esses fragmentos
relação ao objeto. 'A natureza humana original não era semelhante à atual, estilhaçados de substância viva atingiram dessa maneira uma condição
masdiferente. Em primeiro lugar, os sexoseram originalmente em núme- multicelular e finalmente transferiram o instinto de reunião, sob a fobia
ro de três. e não dois, como são agora; havia o homem, a mulher, e a união mais altamente concentrada, para as células germinais? Mas aqui, acho
dos dois (...y Tudo nesseshomens primevos era duplo: tinham quatro eu, chegou o momento de interromper-nos.
Não, contudo, sem o acréscimo de algumas palavras de reflexão
mãos e quatro pés, dois rostos, duas partes pudendaslg.t!:llim por.diante
Finalmente, Zeus decidiu corta-los em dois, 'como umas:g=!hue é dividida crítica. Pode-se perguntar se, e até onde, eu próprio me acho convencido
em duas metades para fazer conserva'. Depois de feita ã. divisão, 'as duas da verdade das hipóteses que foram fomluladas nestas páginas. Minha
resposta seria que eu próprio não me acho convencido e que não procuro
partes do homem, cada uma desejando sua outra metade, reuniram-se e
persuadir outras pessoas a nelas acreditar, ou, mais precisamente, que não
lançaram os braços uma em tomo da ouça, ansiosaspor filndir-se.''
sei até onde nelas acredito. Não há razão, segundo me parece, para que o
favor emocional da convicção tenha, de algum modo, de entrar nessa
l [Traduçãode Jowett. Nora de rodapé acreicenfadaem 1921:] Agradeço ao Professor
questão. É certamente possível que nos lancemos por uma linha de
Heinrich Goperz, de hiena, pelo seguinte.estudoda origem do mito platónico, que começo,
pensamento e que a sigamos aonde quer que ela leve, por simples curio-
parcialmente em suas próprias palavras. É de notar que, essencia mente, a mesma teor a Ja
sidade científica, ou, se o leitor preferir, como um advocafus diabo/í, que
não se acha, por essarazão, vendido ao demónio. Não discuto o fato de
que o terceiro passopela teoria dos instintos, por mim dado aqui, não pode
um homem que estásolitário não sentedeleite. Desejouter um segundo.Era um homem tão
gmndequantomarido e mulherjuntos. Fez então o seuEu tombar em dois e surgiram então
reivindicar o mesmo grau de certeza que os dois primeiros: a extensão do
esposoe esposa.Assim, Yagíiavalkya disse: "Nós somos.assim (cada um de nós) como a conceito de sexualidade e a hipótese do narcisismo. Essas duas novidades
metade de uma concha" . E dessa maneira o vazio que havia foi preenchido pela esposa foram uma tradução direta da observação para a teoria e não se achavam
nenhuma
O .BNAacZáranyaA:a-upa/zis/zad
é o mais antigode todos os Upanishadse
mais abertas a fontes de erro do que é inevitável em todos os casos assim.
autoridade competente o' situa como posterior ao ano 800 a.C., aproximadamente Em
contradição com a opinião predominante, hesitaria em dar uma negativa absoluta à possibi- É verdade que minha afirmativa do caráter regressivo dos instintos tam-
lidade de o mito de Platão derivar, mesmo indiretamente, por assim dizer, da fonte indiana, bém se apóia em material observado, ou seja, nos fatos da compulsão à
já que possibilidade semelhante não pode ser excluída no caso da doutrina da transmiWação repetição. Pode ser, contudo, que eu tenha superestimado sua signiHtca-
Mas. mesmo que uma derivação dessaespécie(atravésdos pitagóricos, por exemplo) fosse
estabelecida a significância da coincidência entre as duas sequências de pensamento dificil- ção. E, de qualquer modo, é impossível perseguir uma idéia desse tipo,
mente seria diminuída, porque Platão não teria aditado uma história desse tipo, que de alguma excetopela combinaçãorepetidade material concretocom o que é
maneira Ihe chegava a#avés de alguma tradição oriental, para não falar em conceder-lhe um puramente especulativo e, assim, amplamente divergente da observação
lugar tão importante, a menos que ela o tivesse impressionado coco contendo um elemento
de verdade. . . . empírica. Quanto mais frequentemente isso é feito no decurso da constru-
Num artigo dedicado ao exame sistemático dessaseqíiência de pensamento antes da ção de uma teoria, menos fidedigno, como sabemos, deve ser o resultado
época de Platão, Ziegler (1913) fá-la remontar a origens babilónicas. .. ., final. Mas o grau de incertezas não é atribuível. Podemos ter dado um
[Freud já aludira ao mito platónico em seusTrês Ensejos, Edição 51andard brasileira, golpe de sorte ou havermo-nos extraviado vergonhosamente.Não penso
yol. yll, pág. 136,ÂMAGOEditora,1972.]
69
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que, num trabalho desse tipo, uma parte grande seja desempenhada pelo particular, por que decidi torna-la pública. Bala? não posso negar que
que é chamado de 'intuição'( Pela.quç.t.çpbo. vlstQ. da intuição, e a me algumas das analogias, correlações e vinculações que ela contém parece-
ram-me merecer consideração.'
parecesero produto deum tipo de lmparcjalidadeintelectual,/infelizmen-
te, porém, ág pessoas raramente são imparciais no que concerne às coisas
supremas, aos grandes problemas da ciência e da vida. Em tais casos, cada
uln de nós é dirigido por preconceitos internos profundamente enraizados,
aos quais nossa especulação inadvertidamente dá vantagem. Já que pos-
suímos tão bons fundamentos para sermos desconfiados, nossa atitude
para com os resultados de nossas próprias deliberações não pode ser outra
que a de uma fria benevolência. Apressa-me a acrescentar, contudo, que
uma autocrítica como esta acha-selonge de vincular-nos a qualquer
tolerância especialpara com opiniões discordantes. É perfeitamente legí-
timo rejeitar sem remorsos teorias que são contraditadas pelos próprios
primeiros passos dados na análise dos fatos observados, enquanto nos
achamos ao mesmo tempo cientes de que a validade de nossas próprias
teorias é apenasprovisória.
Não precisamos sentir-nos grandemente perturbados em ajuizar nos-
sas especulações sobre os instintos de vida e de morte pelo fato de tantos
l Acrescentarei algumas palavras para esclarecer nossa terminologia, que experimentou certo
processos desnorteantes e obscuros nelas ocorrerem, tal como um instinto desenvolvimento no curso da presenteobra. Vimos a saber o que eram os instintos sexuais
ser expulso por outro, ou uln instinto voltar-se do ego para um objeto, e pela sua relação cojn os sexos e com a filnção reprodutora. Mantivemos essenome após
assim por diante. Isso se deve simplesmente ao fato de sermos obrigados termos sido obrigados, através das descobertas da psicanálise, a vincula-los menos estreita-
a trabalhar com termos científicos, isto é, com a linguagem figurativa, menteà reprodução.Com a hipótese da líbido narcisista e com a extensão do conceito de
líbido às células individuais, o instinto sexual foi por nós transformado em Eros, que procura
l
peculiar à psicologia(ou, mais precisamente,à psicologia profunda). Não reunir e manterjuntas as partes da substância viva. Aqueles que são normalmente chamados
poderíamos, de outra maneira, descrever os processos em questão e, na de instintos sexuais são por nós encaradoscomo a parte de Eros voltada para os objetos.
verdade, não nos teríamos tomado cientes deles. As deficiências de nossa Nossas especulaçõessugeriram que Eros opera desde o princípio da vida e aparececomo um
;instinto de vida', em oposição ao 'instinto de morte', criado pela animação da substância
posição provavelmente se desvaneceriamse nos achássemosem posição inorgânica. Essasespeculaçõesprocuram resolver o enigma da vida pela suposição de que
de substituir os termos psicológicos por expressõesfisiológicas ou quí- essesdois instintos se acham ]utando um com o outro desde o início.[.4crescelz/ado e17z
1921 :]
micas. E verdade que estas também são apenasparte de uma linguagem Não é tão fácil, talvez, acompanharastransformaçõespelasquais o conceito de 'instintos do
figurativa, mas trata-se de uma linguagem com que há muito tempo nos ego' passou.Inicialmente, aplicamos essenome a todas as tendênciasinstintuais(de que não
tínhamos conhecimento mais preciso) que podiam ser distinguidas dos instintos sexuais
familiarizamos, sendo também, talvez, unhalinguagem mais simples.
dirigidos no sentido de um objeto, e opusemosos instintos do ego aosinstintos sexuais,dos
Por outro lado, deve-sedeixar completamente claro que a incerteza quais a líbido é a manifestação. Subseqüentemente, dedicamo-nos mais de perto à análise do
de nossa especulação foi muito aumentada pela necessidade de pedir ego e reconhecemosque uma parte dos 'instintos do ego' também é de caráter libidinal e
tomou o próprio ego do sujeito como seuobjeto. Daí por diante, essesinstintos narcisistase
empréstimos à ciência da biologia. A biologia é, verdadeiramente, uma
autoconservadorestiveram de ser incluídos entre os instintos sexuaislibidinais. A oposição
terra de possibilidades ilimitadas. Podemos esperar que ela nos forneça entre os instintos do ego e os instintos sexuais transfonnou-se numa oposição entre os
as informações mais surpreendentes, e não podemos imaginar que respos- instintos do ego e os instintos de objeto, ambos de natureza libidinal. Eln seu lugar, porém,
tas nos dará,dentro de poucasdezenasde a/zos,às questõesque Ihe surgiu uma nova oposição entre os instintos libidinais(do ego e de objeto) e outros instintos,
quanto aos quais há que supor que se achem presentesno ego e que talvez possam ser
formulamos. Poderãoser de um tipo que ponha por terra toda a nossa
realmente observadosnos instintos destrutivos. Nossas especulaçõestransformaram essa
estrutura artiülcial de hipóteses. Se assim for, poder-se-á perguntar por oposição numa oposição entre os instintos de vida(Eras) e os instintos de morte
que nos embrenhamos numa linha de pensamento como a presente e, em \

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Vll

Se procurar restaurar um estado anterior de coisas constitui característica


tão universal dos instintos, não precisaremos surpreender-nos com que tantos
processos se realizem na vida mental independentemente do princípio de
prazer. Essa característica seria partilhada por todos os instintos componentes
e, em seu caso, visariam a retomar mais uma vez a uma fase específica do
curso do desenvolvimento. Trata-se de questões sobre as quais o princípio de
prazer ainda não possui controle, mas disso não decorre que alguma delas
sqa necessariamente oposta a este, e ainda temos de solucionar o problema
da relaçãodos processosinstintuaisde repetiçãocom a dominânciado
princípio de prazer.
Descobrimos que uma das mais antigas e importantes funções do apare-
lho mental é sujeitar os impulsos instintuais que com ele se chocam,substituir
o processo primário que neles predomina pelo processo secundário, e con-
verter sua energia catéxica livremente móvel numa catexia principalmente
quiescente (tónica). Enquanto essatransfomlação se está realizando, nenhu-
ma atenção pode ser concedida ao desenvolvimento do desprazer, mas isso
não implica a suspensãodo princípio de prazer. Pelo contrário, a transfomla-
ção ocorre emlavor dele; a sujeição constitui o ato preparatório que introduz
e assegura a dominância do princípio de prazer.
Façamosuma distinção mais nítida, do quc até aqui dizemos,entre
função e tendência. O princípio de prazer, então, é uma tendência que opera
a serviço de uma função, cuya missão é libertar inteiramente o aparelho mental
de excitações, conservar a quantidade de excitação constante nele, ou man-
tê-la tão baixa quanto possível. Ainda não podemos decidir com certeza em
favor de nenhum dessesenunciados, mas é claro que a função estaria assim
relacionada com o esforço mais fundamental de toda substância viva: o
retomo à quiescênciado mundo inorgânico. Todo nós já experimentamos
como o maior prazer por nós atingível, o do ato sexual, acha-se associado à
extinção momentânea altamente intensiülcada. A sujeição de um impulso
instintual seria uma fiJnÇãopreliminar, destinada a preparar a excitação para
sua eliminação ülnal no prazer da descarga.
Isso levanta a questão de saber se sentimentos de prazer e desprazer
podem ser igualmente produzidos por processosexcitatórios vinculados e
livres. E não parece haver qualquer dúvida de que os processoslimes ou
primários dão origem a sentimentosmuito mais intensosem ambosos
sentidos do que os vinculados ou secundários. Além disso, os processos
pnmános são os mais antigos no tempo; no começoda vida mentalnão

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também, pelos lentos avanços de nosso conhecimento cientíHlco.com as
existem outros e podemos inferir que, se o princípio de prazer não tivesse
palavras do poeta:
sido operante /ze/e.v,jamais se poderia ter estabelecido para os posteriores
Chegamos assim ao que, no fundo, não é uma conclusão muito simples, a
Was mail rLichtetÍliegen kann, mass man erhinken
saber, quc no começo da vida mental a luta pelo prazer era muito mais mtensa
do quc posteriormente, mas não tão irrestrita; tinha de submeter-sc a freqtien
Die Schrift saga,es ist keine Sünde zt{ hinken
tes interrupções. Em épocasposteriores, a dominância do princípio dc prazo
é muitíssimo mais segura,masele próprio não fugiu aos processosdc sujeição
que os outros instintos em geral. De qualquer modo, seja lá o que for aquilo
quc causa o aparecimento de sentimentos de prazer e desprazer nos processos
de excitação. deve estar presente no processo secundário, tal como está no
pnmano
Aqui poderia i\cear-se o ponto de partida p:tra novas mvcstigaçoes-
Nossa consciência nos conaunica sentinaentos provindos de dentro que não
são apenas dc prazer c desprazcr, mas também dc uma tensão peculiar' quc.
por sua vcz, tanto pode ser agradável quanto desagradável. Permitir-nos-á t\
diferença entre essessentimentos distinguir entre processos dc energia vin-
culados c livres? Ou deve o sentimento de tensãoscr relacionado à magnitude
absoluta. ou talvez ao nível da catexia, ao passo que a série prazer e desprazei
indica uma mudança na magnitude da catexia dentro de determinada unidade
de tempo?' Outro fato notável é que os i
cantata com nossa l)elçÊpçêp..!D!!111gi,$WHnçlg.!omo rompcdotE!.gLWC
l;i;;i:iãHteiüe'nte produzindo tlEliqc! galo z1líyo é iêfiüüci:gamo. pl'azar, ao
i;:i::Õ'?itíE=i'lira ntos de norte parecem efetuar seu trabalho discretamente.
O principio de prazer parece,na realidade,servil aos instintos de morte. E
verdade quc mantém guarda sobre os estímulos provindos de fora. quc são
encaradoscomo perigos por ambos os tipos de instintos, luas sc acha mais
especialmente em guarda contra os aumentos de estimulação provindos de
dentro, quc tomariam mais difícil a tarefa de viver. Isso, por sua vcz. levanta
uma infinidade de outras questões,para as quais, no presente, não podemos
cncontiat resposta. Temos de ser pacientes e aguardar novos métodos c
ocasiões de pesquisa. Devemos estar prontos, também, para abandonar um
caminho quc estivemos seguindo por certo tempo, se parecer que cle não leva
l qualquer bom fim. Somente os crentes, que extgetn quc a ciência se.laum
substituto para o catecismo que abandonaram,culparão um investigador poi
desenvolverou mesmotransformarsuasconcepções.Podemoscoillbltar-nos
l ['Ao que não podemos chegar voando, temos de chegar manquejando (. . .). O Livro diz-nos
que não é pecado claudicar. ' Trata-se das últimas linhas de 'Die beiden Gulden'. versão feita
por Rückert de um dos JWaqá/7zá/,
de al-Hariri. Freud também citou essesversosnuma carta
lÍCI. acima. llág. 18. Essasqucstõcsjá haviam sido alvoradaspor Fi'cud cnl scu 'Pin.loto'; l)or
cxcml)lo. na Parte1.acção 8. e tla Paitc ]]]. Scçãnl .] a Fliess, datada de 20 de outubro de 1895 (Freud, 1950a, Carta 32).]

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