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(org). Dicionário de
segurança e defesa. São
Paulo: Editora Unesp, 2018.
ISBN: 978-85-9546-300-4
Armamento
(Verbete)
Ainda que seja possível identificar seus primórdios na segunda metade do século
XIX, uma concepção mais madura sobre sistemas de armas emerge nas primeiras décadas
do século XX – impulsionada pela competição naval entre Inglaterra e Alemanha –, sendo
aperfeiçoada posteriormente pela Força Aérea estadunidense na década de 1950 (Kaldor,
1986, p.8). O conceito de sistemas de armas possui caráter tridimensional: desde uma
observação rasa, define-se pela sua materialidade pura e simples, isto é, por plataforma
(aeronave, lançador de míssil etc.) e munição (míssil, ogiva, projétil), em conjunção com
os meios de comunicação e comando; em um segundo nível de aproximação, o sistema de
armas representa o corpo de conhecimento técnico necessário ao seu desenvolvimento,
produção e operação. Nesse sentido, indica o estágio de desenvolvimento tecnológico
alcançado pela sociedade que o desenvolve (Kaldor, 1977, p.121). Por fim, em sua terceira
dimensão, é a expressão da organização social necessária à sua produção e utilização. O
conceito, ademais de uma classificação de material militar, é também uma classificação de
pessoas, implicando a existência de corporações que inventem, construam, utilizem e
reparem tais sistemas de armas (Kaldor, 1986, p.8).
Se tomado como uma mercadoria, o armamento também será passível dos mesmos
efeitos fetichistas aos quais todas as outras mercadorias igualmente se sujeitam. Ao menos
este é o argumento dos autores que trataram do tema desde o prisma marxista. Nessa
vertente, destacamos Robin Luckham (1984a, 1984b) e sua proposição de interpretar o
armamento a partir do conceito de fetichismo. A Luckham (1984b, p.5), a acumulação do
capital militar, bem como a industrialização da guerra e a apropriação da ciência em prol
do progresso técnico nos instrumentos da violência organizada, implica o fetichismo do
sistema de armas como mecanismo da relação entre os Estados. Nesse quadro, é
construída e difundida uma equivalência entre os distintos conceitos de segurança, defesa
e armamento, na qual este último é assumido como um fator imprescindível para o
exercício da defesa, que, por sua vez, garantiria a segurança do Estado. No limite, o
encadeamento de tais elementos orienta a percepção de que a segurança só pode ser
garantida por meio da superioridade militar, que, de acordo com a lógica do fetichismo,
expressa-se pela superioridade tecnológica dos armamentos (Luckham, 1984b, p.7; Harvey,
2003, p.9).
Sob essa leitura, tanto as organizações militares quanto os armamentos podem ser
compreendidos como elementos que cumprem funções similares àquelas das bandeiras e
equipes olímpicas: parte do que os Estados creem necessário para legitimar-se como
Estados modernos (Sagan, 1996, p.74). Para além de seu valor de uso e troca, as tecnologias
militares de maior sofisticação transmutam-se em fator de status e modernidade na ordem
militar global. Nesse quadro, em particular por causa do conjunto de valores simbólicos
atribuídos aos armamentos modernos, as aquisições bélicas são adotadas como prática
essencial da provisão de segurança.
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