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14/02/2007

O Globo
Opinião
Página 07
CANO, Ignacio

O Estado omisso quer aumentar a insegurança

O Rio resolveu enfrentar a questão da segurança pública de forma ciclotímica,


como acometido por um transtorno bipolar. A magnitude do descaso perante os
dramas cotidianos – uma elevada taxa de homicídios, um quinto da população vivendo
sob a coação armada de grupos irregulares, numerosas mortes, inclusive de inocentes,
em intervenções policiais – só encontra paralelo na intensidade da mobilização
dedicada a alguns episódios de grande repercussão.
No nosso imaginário, a história da violência na cidade pode ser resumida numa
coleção de “casos exemplares” de forte impacto, o último do quais a morte
estarrecedora do menino João Hélio após um roubo de carro.
Quando eles acontecem, a omissão torna-se efervescência. Num ritual de catarse
coletiva, vem a tona todas as emoções reprimidas: a nossa raiva, o nosso medo, quem
sabe a nossa culpa, por toda a violência que não podemos conter.
Os debates se debruçam sobre as medidas cabíveis, e alguns dos velhos
fantasmas nesta área reaparecem com força. Entre eles, o mito de que o problema é
basicamente a leniência da legislação e que, portanto, será resolvido com o
endurecimento penal. Num país onde a expectativa de vida dos criminosos violentos é
tão curta, a idéia de que a pena de morte faria alguma diferença é ilusória. Ou a
metáfora entorpecente da guerra, que poderia ser vencida com intervenções militares
mais enérgicas que aumentem as baixas no “exército inimigo”.
O mecanismo cíclico pode ter um valor adaptativo para que os cidadãos
consigam driblar uma sensação constante de medo que faria a vida insuportável, mas
não tem s mostrado muito eficiente para resolver problemas.
Nestes episódios, o poder público que, em geral, abandona as vítimas da
violência a um desamparo quase total, toma emprestado delas o discurso punitivo. Se
é natural que as vítimas diretas da violência apresentem uma reação emocional, é
grave que o Estado aja como se dele se esperasse uma resposta quase instintiva,
fadada a cair na precipitação, no casuísmo ou na vingança.
A resposta do Estado às crises na área não costuma necessariamente guardar
relação com as causas. Assim, a reação do governo á tragédia do ônibus 174,
provocado por uma intervenção policial desastrosa para resgatar uma refém, foi a de
multiplicar as blitzes na cidade e, com elas, a visibilidade da polícia. No episódio de
João Hélio, embora a maioria dos acusados sejam adultos, a presença de um menor
tem provocado um direcionamento oportunista do debate para a questão da
maioridade penal.
A foto dos PMs mostrando as caras dos suspeitos da morte de João Hélio para a
imprensa – e esganando um deles – como se fossem troféus de caça, exemplifica o que
pode acontecer quando o Estado esquece sua função para assumir o papel vingador.
Mais preocupante ainda é a tentativa de derivar políticas públicas e reformas
legislativas de um único caso, por sinal bem atípico, por mais bárbaro que possa
parecer. O que pensaríamos de políticas sanitárias baseadas em cinco ou seis doentes
de extrema gravidade? Os que clamam para não deixar que o caso do menino vire uma
estatística fariam bem em lembrar que por trás dos registros criminais há sempre
pessoas, e que é justamente o descaso com essas estatísticas que nos levou ao quadro
atual.

De fato, algumas das propostas lançadas acabariam fomentando a insegurança


jurídica. Como a de criar um código penal diferente para cada estado, na contramão da
tentativa de integração do sistema de justiça criminal. Ou a que propõe que o juiz
possa antecipar, seletivamente, a maioridade penal de alguns réus, contrariando a
recomendação da ONU de estabelecer uma idade de maioridade legal única para todos
os efeitos. Será que a proposta contempla também a opção de que um juiz possa adiar
seletivamente a maioridade?
Uma sociedade exposta à comoção se vê impelida a reagir de alguma forma, mas
nem toda reação é melhor do que a passividade. A qualidade de um Estado não se
mede pelo tamanho da sua indignação, mas pela racionalidade das suas respostas.

Ignacio Cano
Laboratório de Análise da Violência – LAV
UERJ

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