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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

ESCOLA DE EDUCAÇÃO E HUMANIDADES


LICENCIATURA EM HISTÓRIA

SAVIUS MIGUEL POVALUK

O REI, A NOBREZA E A BATALHA DO SALADO (1279-1340)

CURITIBA
2015
SAVIUS MIGUEL POVALUK

O REI, A NOBREZA E A BATALHA DO SALADO (1279-1340)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura em
História da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de Licenciado em
História.

Orientador: Prof. Drª. Adriana Mocelim de


Souza Lima.

CURITIBA
2015
Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Povaluk, Savius Miguel


P879r O rei, a nobreza e a Batalha do Salado (1279-1340) / Savius Miguel
2015 Povaluk ; orientadora, Adriana Mocelim de Souza Lima. – 2015.
83 f. ; 30 cm

TCC (História) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2015


Bibliografia: f. 80-83

1. História. 2. Nobreza. 3. Guerra. Idade Média - História. I. Lima, Adriana


Mocelim de Souza. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escola de
Educação e Humanidades. III. Título.

CDD 20. ed. – 981

Biblioteca Central
SAVIUS MIGUEL POVALUK

O REI, A NOBREZA E A BATALHA DO SALADO (1279-1340)

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura em
História da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de licenciado em
História.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________
Professor (a) Dra. Adriana Mocelim de Souza Lima
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_____________________________________
Professor (a) Dr. Wilson Maske
Pontifícia Universidade Católica do Paraná

CURITIBA, 17 DE JUNHO DE 2015.


Dedicado em memória de José Povaluk
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus por ao longo de minha vida guiar-me através de
sua Graça, principalmente neste momento de conclusão de mais uma etapa em
minha vida.

Agradeço aos meus familiares, em especial minha mãe Iracema Kito Povaluk por
estar sempre ao meu lado me incentivando e acreditando em minha capacidade,
além de me ajudar com a parte financeira em determinados momentos, através de
seu enorme esforço e trabalho.

Quero agradecer a todos os professores que tive em minha vida, pois sem a
formação que me deram jamais eu teria chego à graduação. De maneira especial,
agradeço a professora Adriana Mocelim de Souza Lima, que desde o início do curso
acompanhou meus passos, e contribuiu não só para a escolha do tema deste
estudo, como também me orientou com muita atenção e carinho.

Por último e não menos importante, gostaria de agradecer a certas pessoas muito
próximas que me deram ânimo e apoio nos momentos de fraqueza, nervosismo e
desespero, assim como nos momentos de euforia e alegria. Não citarei nomes para
não ser injusto, e sem querer acabar esquecendo alguém, mas com certeza tais
pessoas sabem que a elas me refiro.
RESUMO

No final do século XIII é possível visualizar no reino Portugal, os primeiros efeitos da


política de centralização régia iniciada pelo rei Afonso III, tendo sua continuidade
com seus sucessores D. Dinis e D. Afonso IV. É também a partir deste período que
se tem uma redução das operações de Reconquista, fazendo com que esta nobreza
medieval portuguesa que era estruturada e encontrava sua importância e função em
tal fenômeno, enfrente um processo de transformação, pois era necessário
reestruturar essa nobreza para se ajustar ao novo momento vivido no reino. Então, a
nobreza buscava novamente compor seu lugar na sociedade. Para
compreendermos como se deu este processo, recorremos à narrativa da Batalha do
Salado de 1340, adicionada ao Livro de Linhagens do Conde Pedro de Barcelos por
um refundidor mais ou menos quarenta anos depois. Esta batalha foi um episódio
marcante na história, pois se trata do reflexo de uma mentalidade ainda presente na
Península Ibérica que remete ao processo de Reconquista cristã. Tal processo
demonstrou que havia uma mentalidade de cruzada e cavalaria pertencente à
nobreza portuguesa, que enfrentava não só os conflitos com o poder régio, mas
também sofria com uma estratificação interna cada vez mais acentuada; e é a partir
desta mentalidade em que a mesma irá difundir sua importância para a sociedade.
Portanto, a narrativa da batalha serviu como meio para esta nobreza sustentar sua
posição de relevo mediante o fortalecimento do poder régio, além de demonstrar que
o rei ainda dependia desta própria nobreza para governar.

Palavras-chave: Nobreza Medieval. Batalha do Salado. Reconquista.


ABSTRACTO

A finales del siglo XIII, se puede ver el reino de Portugal, los primeros efectos de la
política de centralización real iniciadas por el rey Alfonso III, y su continuidad con sus
sucesores D. Dinis y D. Afonso IV. También es de esta época que ha habido una
reducción en las operaciones de Reconquista, haciendo con que medieval nobleza
portuguesa que fue estructurada y se encontró con su importancia y su papel en
este fenómeno, se enfrentan a un proceso de transformación, que era necesario
reestructurar la nobleza adaptarse al nuevo tiempo vivido en el reino. Entonces, la
nobleza buscó de nuevo componer su lugar en la sociedad. Para entender cómo fue
este proceso, se recurre a la narración de la batalla de Salado, in 1340, añadido a
las cepas del libro de Pedro Conde de Barcelos por un refundidor unos cuarenta
años más tarde. Esta batalla fue un episodio notable en la historia, porque es el
reflejo de una mentalidad aún presentes en la Península Ibérica, que se refiere al
proceso de Reconquista cristiana. Este proceso demostró que había una mentalidad
de cruzada y de caballería perteneciente a la nobleza portuguesa, que se enfrentó
no sólo conflicto con el poder real, pero también sufría de una estratificación interna
cada vez más pronunciada; y es a partir de esta mentalidad que va a transmitir su
importancia para la sociedad. Por lo tanto, la narración de la batalla sirvió como un
medio para esta noble mantener su posición de liderazgo mediante el fortalecimiento
del poder real, y demostrar que el rey seguía dependiendo de la propia nobleza para
gobernar.

Palabras-clave: Nobleza Medieval. Batalla Del Salado. Reconquista.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ed. Edição
Ed. Editor
f. Folha
p. Página
Vol. Volume
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 8
2 CONTEXTO: O REINO DE PORTUGAL (1279-1340) ................................. 11
2.1 D. DINIS (1279-1325) ................................................................................... 11
2.2 GUERRA CIVIL DE 1319-1324 .................................................................... 21
2.3 D. AFONSO IV (1325-1340) ......................................................................... 28
3 A ARISTOCRACIA....................................................................................... 33
3.1 A NOBREZA MEDIEVAL PORTUGUESA .................................................... 36
4 A RECONQUISTA........................................................................................ 46
5 A BATALHA DO SALADO .......................................................................... 51
5.1 ANTECEDENTES DA BATALHA ................................................................. 51
5.2 A BATALHA .................................................................................................. 56
6 CONCLUSÃO............................................................................................... 76
7 FONTES ....................................................................................................... 80
8 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 81
8

1 INTRODUÇÃO

Dentro do Reino de Portugal, o século XIV foi um período conturbado


marcado por conflitos políticos entre a própria nobreza, desencadeando assim uma
série de transformações, reestruturação, e adaptação perante o rei e a sociedade.
Tais processos tiveram seu início a partir do reinado de D. Dinis (1279-1325). Assim,
o primeiro capítulo tem como objetivo apresentar o contexto do reino de Portugal e
suas vicissitudes a partir do reinado de D. Dinis, onde o seu intuito era evitar que a
nobreza continuasse a usufruir demasiadamente de honras e direitos senhoriais,
porque julgava que era o rei quem deveria tomar as decisões como árbitro maior.
Além da visualização do contexto durante o reinado de D. Dinis, o primeiro capítulo
tem sua continuidade também na apresentação contextual do reinado de Afonso IV
(1325-1357), que assume após a morte de D. Dinis. No entanto, é importante
destacar que será abordada a conjuntura de seu reinado até o ano de 1340, quando
ocorre a Batalha do Salado, que é o tema central deste estudo, e cumprindo assim o
primeiro objetivo.

Portanto, para o primeiro capítulo, foram utilizados como principais


referenciais teóricos os autores José Mattoso, onde seus estudos abrangem de
forma detalhada o período a ser analisado referente à Historia de Portugal;
apontando que se caracterizou uma acentuação do processo de concentração do
poder político na pessoa do rei. Para avaliar este quadro, também serviram os
estudos de Joaquim Veríssimo Serrão. Serviram como fonte primária, assim como
as crônicas do rei D. Dinis e D. Afonso IV, ambas de Ruy de Pina, escritas no século
XV, pois apesar de servirem como biografias destes reis também serviram para
retratar os acontecimentos da época referente. Convém destacar também que foram
utilizados diversos artigos, teses e dissertações que possibilitaram maior explanação
acerca do conteúdo.

Após ser trabalhado no primeiro capítulo o contexto de Portugal entre o final


do século XIII até meados do século XIV, passamos para o segundo capítulo, o qual
tem como objetivo trazer à luz o conceito de aristocracia e a estruturação da nobreza
durante o período da Baixa Idade Média em linhas gerais. Portanto, utilizando como
material de apoio a obra chamada A Sociedade Feudal, escrita por Marc Bloch, As
Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo, da autoria de Georges Duby
9

forneceram assim elementos suficientes para compreender além do próprio


significado de aristocracia, também como se dava a estratificação da mesma. Assim,
em um segundo momento foi direcionado a atenção exclusivamente para a nobreza
medieval portuguesa no período já mencionado. Nesse sentido, o segundo capítulo
irá averiguar a transformação desta nobreza, que anteriormente a política de
centralização régia, estava organizada para a guerra e o processo de reconquista
cristã; para posteriormente se reorganizar após o fim das operações de reconquista,
que servirá de gancho para o próximo capítulo. Assim, referente à nobreza medieval
portuguesa, foi utilizado novamente duas obras de José Mattoso: principalmente sua
obra intitulada Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros, e a outra: A Nobreza
Medieval Portuguesa: a família e o poder. Também serviram de apoio para este
momento, a pesquisa feita por Adriana Mocelim de Lima, intitulada “A Nobreza
Medieval Portuguesa no Livro de Linhagens do Conde Pedro de Barcelos”, e
diversos artigos sobre o tema. Não podemos deixar de mencionar também Adeline
Rucquoi, que com o seu livro História Medieval da Península Ibérica contribuiu em
diversos momentos deste estudo.

Já para o terceiro e último capitulo, tomamos como ponto de partida a


questão referida no capítulo anterior, onde é possível visualizar que a nobreza
medieval portuguesa estava inserida no processo de Reconquista cristã. Assim, num
primeiro momento, iremos nos debruçar para esta questão, buscando esclarecer o
que este processo representou e quais suas motivações, tendo como objetivo
identificar o ideal de Cruzada e Reconquista presente na sociedade portuguesa no
período do século XIV. Após verificarmos este processo de Reconquista, partiremos
para o objeto central deste estudo: A Batalha do Salado de 1340. Esta batalha foi
um episódio marcante na história, pois se trata do reflexo de uma mentalidade ainda
presente na Península Ibérica que remete ao processo de Reconquista cristã. Tal
processo demonstrou que havia uma mentalidade de cruzada-cavaleiresca
pertencente à nobreza portuguesa; a qual demonstrava este paradigma também
como um caráter sagrado, além de evidenciar as relações sociais e de poder desta
nobreza.
Diante deste quadro é que se apresentam os questionamentos que serviram
de problemáticas para este estudo:
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a) Quais os papéis da nobreza e da monarquia tardo-medieval na Batalha do


Salado?
b) Quais fatores explicam e justificam a presença do relato desta batalha no Livro de
Linhagens do Conde Pedro de Barcelos?
No anseio de responder tais questões, será apresentada neste terceiro
capítulo a narrativa da Batalha do Salado, que está inserida no título vinte e um do
Livro de Linhagens do Conde Pedro de Barcelos. Além disso, esta narrativa serviu
como fonte primária para este estudo, pois é através dela que tal batalha é
lembrada, e assim, especialmente neste sentido que temos por objetivo analisar a
Batalha do Salado e sua narrativa como peça chave para enaltecer a nobreza da
época. Assim, como referencial teórico para este capítulo derradeiro, além dos já
citados anteriormente, também utilizamos principalmente a obra de Ricardo da
Costa: A Guerra na Idade Média: um estudo da mentalidade de cruzada na
Península Ibérica; tal obra demonstra a mentalidade de cruzada no imaginário
cavaleiresco ibérico durante a fase de Reconquista e de qual forma esta
mentalidade cruzadística é utilizada ao longo do período. Também foram
fundamentais os estudos de Fátima Regina Fernandes que contribuiu com diversos
artigos referentes ao tema.
Após apresentada a estrutura em que este estudo está organizado, além de
trazer não só os autores que servirão como referencial teórico, mas também os
objetivos a serem cumpridos bem como a solução das problemáticas; passaremos a
seguir para o primeiro capítulo, trazendo assim o contexto de Portugal nos reinados
de D. Dinis e D. Afonso IV.
11

2 CONTEXTO: O REINO DE PORTUGAL (1279-1340)

Iniciaremos o primeiro capítulo fazendo uma contextualização do Reino de


Portugal durante o período que vai do início do reinado de D. Dinis em 1279 e seu
término em 1325, quando este falece e quem assume o trono é seu filho Afonso,
tornando-se assim o Rei Afonso IV, o qual irá reinar de 1325 até 1357, ano em que
morre. Porém, convém destacar que iremos estudar a conjuntura de seu reinado até
o ano de 1340, quando ocorre a Batalha do Salado, a qual será trabalhada
posteriormente.
A necessidade de se contextualizar o reino português durante este período
mencionado se dá mediante o intuito de compreender o que se passava em Portugal
sobre diversos aspectos – políticos, sociais, religiosos e econômicos; assim como a
relação com os reinos vizinhos.
Diante das observações supracitadas, passaremos a partir de agora a estudar
o reinado de D Dinis.

2.1 D. DINIS (1279-1325)

Após a morte de Afonso III1 quem assumiu o trono português foi o Infante e
herdeiro Dinis, o qual teve ascensão à coroa portuguesa em 1279, tornando-se o
sexto rei de Portugal.
Já nos primeiros anos de seu reinado D. Dinis demonstrou êxito e astúcia que
herdara do pai ao consolidar uma aliança com o reino de Aragão mediante um
casamento entre ele e Isabel, filha de Pedro III 2 rei de Aragão. Este feito demonstrou
que:

_______________
1
Afonso III de Portugal (1210-1279), também conhecido como O Bolonhês por ter se casado com a
condessa Matilde II de Bolonha, é filho de Afonso II e Urraca de Castela. Assumiu o reino de Portugal
em 1245 após seu irmão Sancho II ser deposto, vai reinar até sua morte em1279, dando lugar a D.
Dinis. Durante seu reinado comandou o processo de Reconquista, que em virtude desta em 1249
incorporou o território do Algarve ao reino. No ano de 1253, desposou D. Beatriz, filha de Afonso X de
Castela e por este motivo, envolveu-se em conflitos com a Igreja. Já no fim de seu reinado novos
conflitos com a igreja causaram sua excomunhão em 1268 pelos arcebispos de Braga e Porto, além
do papa Clemente IV. Mais tarde em 1279 buscou a reconciliação com a Igreja restituindo a esta tudo
o que havia confiscado, porém ainda com a pena de interdito do reino. Morreu em 1279 e foi
sepultado no mosteiro de Alcobaça. RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica.
Lisboa. Editorial Estampa, 1995. Op. Cit., p. 195-279.
2
Pedro III de Aragão (1239-1285), cognominado O Grande, assumiu o trono em 1276 e reinou até
1285. Filho de Jaime I e Iolanda da Hungria, casou-se com Constancia de Hohenstaufen em 1262, a
12

tratava-se de uma aliança valiosa, porque Aragão acabava então de adquirir


uma importância fundamental na economia e na política mediterrânica e
porque Pedro III (1276-1285) e, sobretudo seu filho, e irmão de Isabel, Jaime
II (1291-1327) exerceram um papel de primeiro plano na diplomacia
peninsular. (MATTOSO, 1997. p.128)

Tratando-se de uma estratégia política, as negociações para o casamento


foram lentas, pois os dois reinos – de Portugal e Aragão – precisavam certificar-se
de que o mesmo não se tratava apenas de uma manobra política, o que caracterizou
um período de intensas trocas de informações entre os reinos. As negociações:

iniciadas em 1280, com o envio de uma embaixada portuguesa a Aragão,


incluíram, no ano seguinte, uma embaixada aragonesa à corte de D. Dinis;
depois, em Abril de 1281, a generosa carta de dotação da futura rainha com
o senhorio de três vilas e a segurança de doze castelos; mais tarde, em
Fevereiro de 1282, em Barcelona, o casamento por procuração. E
finalmente em Junho seguinte, em Trancoso, as bodas dos dois esposos.
(MATTOSO, 1997, p.128)

Com o casamento consolidado, Portugal passava a exercer maior presença


no cenário político da Península Ibérica, tendo em vista que Aragão exercia uma
importância econômica e política na região mediterrânica. Para o reino aragonês,
tratava-se de uma aliança importante, pois “trazia a possibilidade de unir-se a um
reino forte, que poderia ser de grande auxilio em sua política externa”. (MOCELIM,
2007. p. 21)
D. Dinis herdou de seu pai também alguns problemas graves que
necessitavam de serem resolvidos com certa urgência, como é o caso do conflito
com o alto clero e a Santa Sé, em virtude do qual foi lançado um interdito geral.
Mesmo com a necessidade de se resolver esta questão, o processo de
apaziguamento entre Portugal e a Igreja foi complicado e demorado, tendo em vista
que o conflito se estendia desde o reinado de seu pai. Então com a morte de Afonso
III, houve a possibilidade de solucionar tal conflito. As negociações entre a Coroa
portuguesa e a Igreja iniciaram-se novamente em 1281, as quais:

parece terem começado por iniciativa de D. Dinis, que se reuniu na Guarda


com os bispos que então haviam no reino. Aí, depois de se terem lido os
documentos emitidos por Gregório X, os bispos debateram durante várias

qual era herdeira de Manfredo da Sicilia, adquirindo então os direitos sobre a ilha. Durante todo o seu
reinado, centrou-se na expansão da Coroa de Aragão no Mediterrâneo. Uma de suas importantes
realizações foi solucionar alguns dos problemas internos concedendo, em 1283, a formação da União
aragonesa, e prestando juramento ao "Privilegio General", que defendia os privilégios da nobreza.
Morreu em 1285 na cidade de Vilafranca de Penedès e deixou como herdeiro Afonso III (1265-1291),
porém este por não deixar herdeiro, quem irá assumir o trono será o secundogênito da sucessão
Jaime II. Id. Op. Cit., p. 195-279.
13

semanas as questões pendente, provavelmente já sem a presença do rei.


Chegaram finalmente a um texto de acordo, que lhe foi apresentado em
Évora em Abril de 1282. Daí, estando reunido em cortes, escreveu ao papa,
então já Martinho IV, a pedir que o ratificasse. A resposta demorou. Veio só
em 1284, com a exigência de numerosas emendas e instruções a dois
delegados apostólicos, o bispo de Leão e o arcediago de Ledesma,
encarregados pelo papa de persuadir o rei a aceitar a nova versão .
(MATTOSO, 1997, p. 127)

O processo de aproximação e reconciliação referido entre o clero e o rei


ainda estava longe de se consolidar, pois nos próximos anos, o rei D. Dinis
demonstrou não tratar com prioridade este assunto. Mediante a presença dos
delegados apostólicos enviados por Martinho IV, reuniu-os no ano seguinte, em
1285, na Corte de Lisboa. Então os bispos escreveram ao novo papa Honório IV,
afirmando que o monarca português “teria mandado ler os artigos propostos por
Martinho IV sem a presença do clero e apenas para declarar que a ordenação papal
havia caducado com a sua morte”. (MATTOSO, 1997, p. 127) No entanto, o rei
resolveu nomear dois embaixadores seus para negociarem com a Santa Sé, a qual
por ordens do papa foram três cardeais para se reunir com os embaixadores
portugueses. Porém não conseguiram chegar a um acordo, pois o papa Honório IV
veio a falecer em 1287 e foi substituído por Nicolau IV. Finalmente em 1289, “as
duas partes chegaram a um acordo, firmado em um texto com 40 artigos, que foram
aprovados pelo papa em sete de março do mesmo ano” (MATTOSO, 1997, p. 127),
conseguindo assim, o encerramento dos problemas da Coroa com a Igreja.
Ao mesmo tempo em que D. Dinis buscava resolver os conflitos com a Igreja,
também tratava de outros assuntos políticos, em especial suas medidas relativas “à
pronta aplicação da justiça, como forma de conter a criminalidade, contribuindo para
o sossego das populações, (...), procurava uma ação mais justa, estando mais
disposto a proteger os povos do que exercer dureza sobre eles” (SERRÃO, 1979.
p.247). Neste cenário, o rei D. Dinis estava dando continuidade ao trabalho que seu
pai havia começado que era criar bases sólidas para o funcionamento do reino.
Na esfera político-administrativa, D. Dinis tratou de recuperar os direitos
senhoriais que eram sonegados pela nobreza e aperfeiçoar assim a justiça do reino.
Ao direcionar para si a concentração do poder econômico e político mediante as
inquirições gerais, as quais:

destinam-se a fazer o cadastro dos nobres de seus rendimentos senhoriais.


Mesmo àqueles que são de origem pública, como os que derivam de
14

prestações de natureza fiscal, se equiparam aos exigidos de virtude da


autoridade feudal. (MOCELIM, 2007. p.29)

Portanto fazendo uso das inquirições, ao rei:

permitiu-lhe,combater eficazmente o poder senhorial, embora seja difícil


dizer até que ponto se limitou a impedir a sua natural proliferação ou
conseguiu mesmo reduzi-lo ou atrofiá-lo de maneira efectiva. A luta travada
entre a coroa e os detentores do poder senhorial constitui, de facto, um dos
aspectos mais mercantes do reinado e da actuação política de D.Dinis.
Demonstrando uma grande capacidade de decisão, utilizou os instrumentos
jurídicos ao seu dispor para fazer prevalecer a sua vontade e demonstrou
que não hesitava em pegar em armas quando era necessário para atingir os
seus objectivos. (MATTOSO, 1997, p. 136)

Sendo assim, “o seu reinado teve a marca da primeira administração


completa que houve em Portugal, na elaboração de leis assentes na realidade
política, econômica e social, assim como na obrigação do seu integral cumprimento”.
(MOCELIM, 2013. p.255) Diante deste cenário, observou-se que durante todo o seu
reinado não admitia que a nobreza tivesse seu princípio de soberania e que,
somente o rei tinha este atributo, proibindo assim, que o mesmo fosse utilizado no
poder senhorial pela nobreza.
Ainda nos primeiros anos em que D. Dinis passou a exercer o seu reinado,
necessitou dedicar uma atenção cuidadosa a questões familiares em relação ao seu
direito de trono. Tais questões envolviam o Rei com o seu irmão, o infante D.
Afonso. O conflito entre os irmãos dava-se logo após a morte de D. Afonso III, em
referência ao direito de sucessão do trono. Afonso III foi casado duas vezes, a
primeira com a condessa de Bolonha chamada Matilde, e a segunda vez com
Beatriz de Guillen, filha bastarda do rei de Castela Afonso X3, estabelecendo assim
uma relação política com o reino vizinho.

_______________
3
Afonso X de Castela nasceu em 1224, sendo primogênito de Fernando III de Castela e Isabel de
Hohenstaufen e recebeu como cognome “O Sábio”. Ainda Infante, participou na tomada de várias
praças andaluzes, entre as quais Múrcia, Alicante e Cádis, na reconquista durante o reinado do seu
pai, Fernando, O Santo. Porém enquanto rei teve que renunciar à posse do Reino do Algarve pelo
Tratado de Badajoz de 1267. Na política interna, enfrentou diversas rebeliões, das quais se destacam
a dos mudéjares (mouros em territórios controlados pelos cristãos) em 1264 e o problema sucessório
nos últimos anos do seu reinado. Foi casado desde 1246 com Violante de Aragão, filha de Jaime I, o
Conquistador. O seu primogênito legítimo e herdeiro do trono, Fernando de La Cerda, morreu em
1275. Afonso X passou a defender os direitos sucessórios do seu neto primogénito de Fernando,
Afonso de Lacerda, mas D. Sancho, seu segundo filho e irmão de Fernando, reclamou a sucessão
para si, recebendo poderosos apoios à sua causa. Apesar de ter deserdado o seu filho Sancho por
decreto a 8 de Novembro de 1282, este viria a ser coroado como Sancho IV após a sua morte em
1284. No meio cultural, realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, idioma que adoptou
como oficial em detrimento do latim. È atribuído a Afonso X a autoria da A Primeira Crónica Geral de
15

Fruto do primeiro casamento, D. Dinis nasceu em 1261 sendo, portanto,


primogênito de D. Afonso III e:

considerava-se o legítimo sucessor; já o infante Afonso, secundogênito,


alegava que, quando Dinis nascera, o casamento estava sob condenação
papal, em função do grau de parentesco que ligava Afonso III à Beatriz, filha
de Afonso X de Castela. Para que pudesse afastar qualquer possibilidade
do Infante Afonso assumir o reino, Dinis e seus partidários consideraram o
casamento do Infante Afonso com Violante ilegítimo, em função do grau de
parentesco que havia entre eles. (MOCELIM, 2013, p.259)

Este problema de sucessão do trono entre os irmãos acabou ganhando


proporções maiores e tornando-se uma questão de senhorio. O Infante Afonso
herdou de seu pai:

os senhorios de Portalegre, Marvão, Arronches e castelo de Vide,


propriedades situadas na região fronteiriça de Portugal com Castela,
territórios livres de jurisdição régia, podendo o Infante Afonso transmitir
esses bens, quando morresse aos seus descendentes. (MOCELIM, 2013,
p.259)

No casamento com Violante4 o Infante Afonso teve três filhas: Isabel,


Constança e Maria; as quais se casaram com importantes famílias castelhanas que
estavam envolvidas na disputa pelo trono. Fato este que acabou por aumentar as
desavenças entre Afonso e D. Dinis, culminando em um conflito que ocorre em três
períodos, e a paz entre os irmãos sendo estabelecida somente em 1299.
O primeiro conflito surge quando em 1281 o Infante Afonso resolve cercar a
vila de Vide fortificando-a com muros e erguendo uma torre além de transformar a
vila em um Castelo sem a autorização régia. Provavelmente:

D. Dinis tivesse, sobretudo pretendido evitar a constituição de um potentado


feudal hereditário, especialmente perigoso para a coroa por estar situado na
fronteira entre Portugal e Castela, e poder, por isso mesmo, aliar-se com o
reino vizinho contra o seu senhor. (MATTOSO, 1997. p.136)

Este conflito só foi resolvido no ano seguinte por meio de um acordo entre os
irmãos em Estremoz, confirmada pelo Infante que:

além de prometer derrubar as fortificações militares que tinha mandado


fazer, comprometeu-se a ser armado cavaleiro pelo rei e a ficar seu vassalo
durante toda a vida, excepto se viesse a obter algum reino ou condado fora

Espanha, em castelhano Primera Crónica General ou Estoria de España entre 1260 e 1274. Idem, p.
177-268.
4
Violante de Aragão nasceu em 1236, filha da princesa Iolanda da Hungria e de Jaime I de Aragão,
casou em 1246 com Afonso X de Leão e Castela e morreu em 1301. Idem. p.328.
16

de Portugal. O rei, por seu lado, aumentaria o seu rendimento anual em


35000 libras, que seriam pagas em terras, dinheiro ou panos. (MATTOSO,
1997, p.136)

Ao contrário das inquirições feitas por seu pai em 1220 e 1258 que
destinavam “principalmente a registrar os foros e rendas pagos a el-rei, embora
mencionassem também aqueles que tinham sido sonegados por fidalgos, ordens
militares ou senhores eclesiásticos” (MATTOSO, 1997, p.137), a inquirição de 1284
tratava:

principalmente de averiguar de que maneira tinham sido adquiridas e


transmitidas aos actuais detentores as honras dos fidalgos. Nelas se
relatam também problemas de jurisdição, como as funções, direitos,
rendimentos e formas de designação dos mordomos e juízes régios, assim
como casos anteriores de demandas e conflitos ocorridos entre nobres e
representantes do rei. (MATTOSO, 1997, p.137)

Foi diante deste cenário que ocorreu o segundo conflito no mesmo ano de
1284 ao término da inquirição, onde os nobres não se contentaram com a atitude
ofensiva da administração central. Nas cortes de 1285 os nobres protestaram contra
o rei em virtude da quebra de imunidade senhorial. Então “foi talvez o clima de
contestação criada nesta ocasião que incitou o Infante D. Afonso a desencadear
uma verdadeira revolta contra D. Dinis” (MATTOSO, 1997, p.137), chegando a
suscitar parte da nobreza a voltar-se contra o Rei em revoltas armadas. Assim, o
Infante D. Afonso aliou-se a Álvaro Nunes de Lara, que sustentava uma guerra
contra o rei de Castela, Sancho IV, sendo a região fronteiriça entre os dois reinos o
principal ponto de resistência. Em decorrência da associação entre o Infante D.
Afonso e Álvaro Nunes de Lara, os Reis de Portugal e Castela se associaram para
combatê-los entre outubro e novembro de 1287 quando D. Dinis e Sancho IV
cercaram o Infante português em Arronches, fazendo com que o infante devesse
submeter-se a:

assinar um acordo na cidade de Badajoz em meados de dezembro. Aí, além


de renovar os compromissos feitos em 1282, obrigava-se a mandar seus
alcaides dos castelos de Marvão e de Portalegre que prestassem
homenagem ao rei, como garantia de que não utilizaria contra ele estas
duas importantes fortalezas. Por outro lado, resignava-se a trocar a vila de
Arronches pela de Armamar, perto de Lamego, sinal evidente de que D.
Dinis estava preocupado com a eventualidade de revolta de uma praça-forte
perto da fronteira. (MATTOSO, 1997, p.137)

A última etapa deste confronto com seu irmão ocorreu em 1299, quando o rei
D. Dinis contando com a ajuda das ordens militares de Avis e do Templo, nos meses
17

entre maio e outubro deste mesmo ano; tratou de cercar o Infante Afonso em
Portalegre. Além de contar com a ajuda das ordens militares, o Rei estabeleceu um
acordo com Sancho IV de Castela o casamento de seu filho primogênito D. Afonso 5
com a infanta D. Beatriz, filha de Sancho IV; assim como o de sua filha D.
Constança com D. Fernando6, futuro herdeiro da coroa de Castela. Assim, o acordo
estabelecido com os reis D. Dinis e Sancho IV:

pretendia liquidar a ambição dos genros de D. Afonso, que se haviam


rebelado contra Sancho IV e se serviam dos referidos castelos para mover
guerra ao próprio rei. O que deu origem a que D. Dinis, em 1299, fosse
cercar Arronches, Marvão e Portalegre, onde o irmão ao tempo se achava,
levando-o a assinar um acordo para que muito contribuiu a rainha Santa
Isabel. Foi assim que o infante D. Afonso resignou às quatro vilas para
receber, a título de indemnização, Sintra, Ourém e outros lugares da
comarca de Lisboa. (SERRÃO, 1979. p.249)

A partir deste acordo assinado entre D. Dinis e o Infante Afonso:

o que estava em causa para o nosso monarca não era o reconhecimento


dos direitos senhoriais do irmão, mas o justo receio de que, com base nos
castelos do Alentejo, este viesse a criar problemas à integridade do Reino
que o Tratado de Alcanices havia praticamente definido. (SERRÃO, 1979,
p.249)

_______________
5
Afonso XI de Castela nasceu em 1311, sendo filho de Fernando IV e Constança de Portugal, sendo,
portanto neto da Rainha Santa Isabel e o rei D. Dinis de Portugal; no ano seguinte foi coroado como
rei tendo apenas alguns meses de vida. Portanto o reino ficou sob a regência de D. Maria de Molina
até o ano de 1321 quando esta morre. Afonso XI assumiu a coroa de Castela em 1325 quando atingiu
a maioridade. Já nos primeiros anos restaurou a ordem no reino, exerceu uma política enérgica frente
a uma nobreza revoltada. Procurou melhorar a administração régia, criando magistrados urbanos
nomeados pelo poder real; conduziu uma política prudente no conflito entre a França e a Inglaterra.
Armado cavaleiro no mosteiro real de Las Huelgas em Burgos a 1331, iniciou imediatamente um
conflito contra o seu sogro Afonso IV de Portugal, que cessaria com a aliança entre os dois monarcas
para a Batalha do Salado. RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Op. Cit.p. 195-279
6
Filho de Sancho IV e D. Maria de Molina, Fernando nasceu em dezembro de 1285 em Sevilha.
Assumiu o reino após a morte de Sancho IV, porém como era menor de idade, D. Maria de Molina
assumiu a regência até 1301, quando ele atinge a maioridade. No período da regência houve alguns
conflitos com a nobreza pela questão da sucessão do trono, pretendido para o seu primo Afonso de
Lacerda por uma facção de nobres encabeçada pelo seu tio, o Infante D. João. Esta pretensão fora
originada quando o seu pai Sancho IV se apoderara do trono legado a Afonso de Lacerda, em
desrespeito a vontade testamentária do rei anterior Afonso X. Havia também conflitos com Portugal,
onde o rei D. Dinis acabou por aceitar terminar a invasão em troca das vilas de Serpa e Moura. Pelo
Tratado de Alcanises firmou a Paz com Castela. Fernando IV Casou-se em 1302 na cidade de
Valladolid com Constança, infanta de Portugal, filha da Rainha Santa Isabel e do rei D. Dinis I de
Portugal. Seu reinado foi apoiado numa política de cedências. Uma das decisões importantes do
novo rei foi o acordo de fronteiras com Jaime II de Aragão em 1304, a Sentença Arbitral de Torrellas:
estabeleceu-se o limite para Castela na margem direita do rio Segura, incluindo a cidade de Múrcia,
conquistada por Jaime de Aragão a Fernando de Castela com o auxílio de Afonso de Lacerda.
RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Op. Cit.p. 177-279.
18

Após o desfecho dos conflitos com o irmão, o rei D. Dinis saiu com seu poder
fortalecido perante todos, o que revela uma postura firme contra as jurisdições
senhoriais.
Não obstante D. Dinis dedicar esforços a questões administrativas internas,
precisou ainda envolver-se na política externa com seus vizinhos peninsulares. Foi o
caso da questão de sucessão de trono em Castela, após a morte de Sancho IV.
Neste momento, as questões políticas internas de Castela se aqueceram, pois
surgia aí um problema de tutoria do herdeiro do trono, que se tratava de D.
Fernando, o qual possuía somente nove anos quando seu pai morreu. Assim sendo,
a mãe do príncipe castelhano, Maria de Molina “teve a tutoria questionada pelos
infantes: Henrique (irmão de Afonso X), João (irmão de Sancho IV), Afonso e
Fernando de La Cerda, filhos do primogênito de Afonso X.” (MOCELIM, 2013. 261)
Observando a instabilidade política em Castela, os reis D. Dinis e Jaime II de
Aragão desejavam demarcar suas fronteiras com o reino vizinho além de
enfraquecê-lo politicamente, utilizando por meio de campanhas contra Castela.
Desta forma, para Portugal agir desta maneira representaria:

por um termo sobre as disputas com Castela pelo Algarve, até com
possibilidades de avançar suas fronteiras sobre Badajoz e Andaluzia, [...],
para Aragão, uma Castela enfraquecida significava um empecilho a menos
para que o Reino aumentasse sua área sobre o Mediterrâneo e realizasse a
conquista do Reino de Múrcia.” (GIMENEZ, 2005. p.262)

Com o reino de Portugal alcançando seu interesse, restava Aragão posicionar-se


nesta situação. Então, “Jaime II aliou-se à França e reconheceu Afonso de La Cerda
como único herdeiro do trono castelhano.” (GIMENEZ, 2012. p.102) Com esta
atitude, Jaime II rompeu um acordo político de quatro anos firmado por uma aliança
matrimonial, uma vez que:

el matrimonio con la infanta Isabel de Castilla, hija de Sancho IV y de Da.


Maria de Molina, a pesar de haber ostentado dicha infanta el título de reina
de Aragón durante el tiempo que vivió en esta corte, quedo sin efecto por
renuncia del monarca antes de haberse consumado. (MARTINES, 1948.
p.3)

Por sua vez, os infantes castelhanos buscaram formar alianças cada qual de
acordo com seus interesses e possibilidades. O Infante:

D. João busca o apoio de D. Dinis, que o reconhece como rei, o que leva o
novo tutor do pequeno rei, o infante D. Henrique, a comprar posterior
19

neutralidade do soberano português mediante a promessa de lhe entregar


as povoações de Moura, Serpa Aroche e Aracena, de demarcar a fronteira
luso-castelhana em litígio e de renovar a promessa do casamento de
Fernando com D. Constança. (MATTOSO, 1997, p.129)

Para firmar este compromisso, em 1295 os dois reis se encontram em Cidade


Rodrigo junto à presença de Maria de Molina, a qual serviu de juíza neste episódio.
Posteriormente, “o infante D. João aceitava a autoridade de Fernando IV e ratificava
este acordo.” (MATTOSO, 1997, p.129)
Durante este episódio, a inexperiência política do jovem monarca castelhano
e as divergências que ocorriam internamente representaram para Portugal uma
oportunidade de reconsiderar suas alianças políticas. No ano seguinte ao acordo,
isto é, em 1296, novamente os infantes que reclamavam para si o trono castelhano
promovem uma tentativa de retirar o trono de Fernando IV. Assim, Segundo José
Mattoso, (1997, p.129) “os infantes D. João e D. Afonso de La Cerda partilham o
reino entre si, atribuindo Leão, Galiza e Astúrias ao primeiro, Castela e Andaluzia ao
segundo e Múrcia ao rei de Aragão”. Junto a estes dois infantes, quem resolve dar
apoio é o D. Dinis, ao enviar centenas de cavaleiros para ajudar o infante D. João.
Então os três:

marcharam de Salamanca sobre Tordesilhas e Simancas com o intuito de


conquistar Valhadolid. Dão-se também combates entre castelhanos e
portugueses na fronteira alentejana. Mas a resistência e a diplomacia
castelhanas, organizadas por D. Maria de Molina, permitem vencer ou
resistir a todos os adversários. (MATTOSO, 1997. p.129)

Entretanto, a tentativa dos dois infantes que contou com a ajuda do monarca
português, conforme mencionado não surtiu efeito, pois “devido a diplomacia dos
dois reinos, Portugal e Castela reaproximaram-se e assinaram, em 1297, um novo
tratado de cooperação e amizade”; (MATTOSO, 1997. p.129) foram ainda a partir
deste Tratado, firmando na cidade de Alcañices, renovadas as antigas promessas
de casamentos já citadas anteriormente entre Fernando de Castela e D. Constança
filha de D. Dinis; assim como a infanta Beatriz, irmã do jovem rei castelhano com o
outro filho de D. Dinis, o futuro rei Afonso IV. Foi também fruto deste tratado, as
demarcações do território de Portugal, “fronteira esta que manter-se-ia até hoje, com
pequenas alterações”. (MARQUES, 1996. p. 110) Por último, necessitava legitimar
os casamentos definidos. Então, em março de 1300:
20

D. Dinis voltou a encontrar-se em Cidade Rodrigo com os soberanos de


Castela, para com eles repartir os custos das bulas que era necessário
obter em Roma para a legitimação de Fernando IV e para as dispensas de
parentes dos dois casamentos combinados em Ancañices, importante para
a legitimação da autoridade do soberano castelhano. De facto, no ano
seguinte, Fernando IV atingia a maioridade e recebia as bulas, celebrava as
suas bodas com D. Constança em Janeiro de 1302. (MATTOSO, 1997,
p.130)

A partir daí, D. Dinis volta suas atenções para o seu próprio reino, visando dar
continuidade às questões administrativas, visando combater o poder senhorial. No
ano de 1301, D. Dinis promove novas inquirições:

Em quase todo o Minho e em parte da Beira: depois, em 1303, de novo no


Minho e em Tás-os-Montes; e finalmente, em 1307, nestas mesmas
províncias e na Beira. Entretanto, em Maio de 1305, promulgava a lei que
proibia os nobres de armarem cavaleiros os vilãos dos concelhos,
declarando que só o rei podia exercer este privilégio. (MATTOSO, 1997.
p.138)

Sendo assim, para ser mais efetiva a sua política de fortalecimento do


aparelho administrativo e até mesmo o papel do estado, o rei passou a contar com
as relações estabelecidas entre seus filhos bastardos com membros da nobreza
portuguesa mediante os acordos matrimoniais, fazendo com que retornasse á coroa
importantes senhorios. Nota-se, portanto, que:

uma das estratégias usadas pelos monarcas portugueses durante toda a


idade média para ampliar e solidificar sua permanência no poder apoiava-se
nos favores que recebiam de uma nobreza constituídas por linhagens de
bastardia régia. Essa pratica política mostrou-se mais significativa ainda
quando os filhos bastardos dos reis constituíram-se em aliados importantes
para auxiliar os monarcas nos seus projetos políticos. (GIMENEZ, 2005.
p.70)

Foi este o caso quando o rei D. Dinis recebeu o apoio no seu processo de
centralização por Afonso Sanchez. O monarca português teve com diferentes
mulheres em torno de cinco a seis filhos bastardos:

D. Afonso Sanches, que depoys ho chamarom d Albuquerque, que este D.


Afonso foy depoys casado com Dª. Branqua, filha de Pero Anes de Portugal,
filho de D. Yoão dAbodym, e de Dª. Constamça Mendez filha de . Martim
Garcia de Souza, e de Pedro que depojs foi conde de Portugal, e D. João
Afonso ouue ElRey de huma boa dona do Porto; e D. Fernando Sanchez, e
Dª Marja, que casou com D. Yoão de La Cerda. E outra Dª Marja, que foi
monja de Odiuelas. (PINA, [1500]. p.17)

Dois dos filhos de D. Dinis ocuparam cargos importantes no reino português.


Foi o caso de Afonso Sanches, que em 1312 foi nomeado mordomo-mor, chegando
21

assim a possuir um dos mais altos cargos dentro da hierarquia política e social do
reino. O outro filho trata-se de Pedro Afonso, que herdou o condado de Barcelos,
tornando-se assim o terceiro conde de Barcelos e posteriormente, em 1317, foi
nomeado Alferes-mor, recebendo também funções militares. Portanto, D. Dinis
colocou seus filhos bastardos em cargos que até então eram somente destinados a
membros da alta nobreza:

Afonso Sanches foi mordomo Mor entre 1312 e 1323; Pedro Afonso foi o
terceiro conde de Barcelos, nomeado em 1314 e Alferes Mor em 1315 e
1317; João Afonso foi Alferes Mor entre 1318 e 1325 e Mordomo Mor entre
1324 e 1325. (MOCELIM, 2007, p.17)

Tais movimentos políticos de D. Dinis fizeram com que os nobres, os quais


vinham desde 1285 se opondo ao rei de maneira passiva, ou através de apelos
judiciais resolvessem; por volta de 1316, a se opor ao monarca de forma mais direta,
recorrendo então ao filho de D. Dinis, o Infante Afonso, recurso para:

torná-lo o seu leader, para que a oposição se transformasse em guerra civil.


Era a reação a uma política centralizadora que não havia sabido utilizar com
tanta habilidade como no reinado anterior os apoios de uma parte da
nobreza. (MATTOSO, 1997, p.137)

Assim, em 1317, o infante Afonso resolve demonstrar oposição ao seu pai


abertamente, em resistência a sua política, atraindo para si a nobreza descontente
com as ações do rei e desencadeando assim uma revolta que dois anos mais tarde,
isto é, em 1319, tornar-se-á uma guerra civil que durará até 1324.

2.2 GUERRA CIVIL DE 1319-1324

As hostilidades entre D. Dinis e o príncipe Afonso ganharam tantas


proporções que no ano de 1319 o herdeiro passou a exigir do rei que lhe fosse
entregue a justiça do reino. Os fatores que contribuíram para tal atitude foram em
primeiro lugar pelas constantes queixas da nobreza “que estava descontente e se
sentia prejudicada diante da forma como o rei vinha fazendo uso do poder judicial
para reprimir o abuso dos monarcas”. (MOCELIM, 2007. p.36) Portanto, esta
nobreza depositava esperanças no Infante Afonso. Por seu turno, o Infante Afonso
demonstrou descontentamento pela atitude de seu pai conceder cargos importantes
aos seus filhos bastardos, como foi o caso de Pedro Afonso ter recebido em 1314 o
condado de Barcelos e o cargo de Alferes Mor. Então esta atitude do rei D. Dinis
22

representava, aos olhos do Infante Afonso, que o rei fez o que fez para afastá-lo do
trono. Diante destas circunstâncias, o Infante Afonso recorreu para sua sogra e
rainha de Castela, Dª. Maria de Molina, a qual escreveu uma carta destinada á D.
Dinis pedindo para ele que:

largasse o governo do Reyno ao Principe D. Affonso, com hombros para


sustentar o pezo, que sem muyta opressaõ naõ poderião levar os de tão
diferentes annos; sedo certo, que o deixar a coroa, não era deixar a vida; &
ficando na cabeça de seu Filho, ficava menos perdida, que ganhada, [...],
que mays honorifico era para sua Magestade o descansar, que o cahir; &
mays gloriozo seria para sua coroa o perpetuala, que o perdela;
imortalizando seu nome na duraçaõ da fama, que publicaria em todas
as idades o discreto proceder de hum Rey, que pòde, & soube tanto, &
mays, que a natureza, & a fortuna; poys a pezar da sorte, & do tempo
deixava a hum Filho, que só nacera herdeiro. (JESUS, 1985, p.101)

D. Dinis, ao receber esta carta, se mostra afrontado e como represália,


“resolveu acusar seu filho publicamente, apresentando-o em revolta aberta contra
ele, num manifesto que mandou ler em Santarém em 1 de julho de 1320, no qual lhe
fazia severas acusações” (MATTOSO, 1997. p.140). Entre as acusações, o rei
também divulgou uma Bula feita pelo Papa João XXII que declarava a falsidade de
um documento elaborado pelos aliados do Infante; o conteúdo deste documento
também afirmava que o rei estaria disposto a legitimar o reino para seu filho
bastardo Afonso Sanches, ao invés do próprio Infante. Além disso, a Bula papal
também solicitava a paz entre as duas partes, orientando a união entre os vassalos
do infante e o rei. O responsável nesta tentativa de reconciliação tratava-se de D.
Geraldo Domingues, bispo de Évora. Porém a conversação de paz entre o rei e o
infante não ocorreu, pois “em 5 de Março de 1321 o bispo foi assassinado por dois
partidários de D. Afonso, Afonso Novais e Nuno Martins Barreto, junto da Igreja de
Santa Maria de Estremoz” (PIZARRO, 2008. p.360), demonstrando assim que uma
aproximação entre as duas partes não seria possível.
Ao circular a Bula pelo Reino, D. Dinis procurou também, alertar aos
partidários do filho, “o grave dano que estavam causando, por meio da violência e da
mentira, para desacreditar a autoridade real”. (SERRÃO, 1979. p.264) Dois meses
depois, o rei mandava ler em Lisboa um segundo manifesto contra seu filho,
manifesto este que contava os diversos casos de assassinatos e má feitoria dos
partidários do filho.
Por sua vez, o Infante D. Afonso resolve então adotar uma postura mais
ofensiva e direta. Para tanto, primeiramente tomou medidas preventivas a sua
23

família, isto é, envia sua esposa e seu filho Pedro para a cidade de Alcanizes,
protegendo-os da guerra. Nesta altura dos acontecimentos o infante já ocupara a
região de Leiria.
O Infante Afonso contava com o apoio dos “bispos de Lisboa e do Porto,
membros da nobreza de corte, outros pertenciam à segunda ou a terceira nobreza,
sendo seus mais ativos partidários filhos segundos ou bastardos”; (MOCELIM, 2004,
p. 9), onde estes últimos eram os protagonistas das ações mais violentas, dos
crimes que o rei lhes atribuía e que pretendia castigar. Portanto, o infante recebe
maior influência dos nobres da região ao norte do Rio Mondego, onde havia maior
presença de forte presença senhorial. Já o rei D. Dinis tinha como partidários:

três de seus filhos bastardos Afonso Sanches, João Afonso e Fernão


Sanches, oficiais da corte, alguns nobres de segunda, o bispo de Évora, o
deão do Porto, os mestres de ordens militares, poucos chefes de linhagens,
fidalgos, filhos segundos além de indivíduos de pouca expressão e
membros dos concelhos. (MOCELIM, 2004, p. 9)

Sendo assim, o Rei buscava seu apoio na região sul, onde havia maior
concentração dos concelhos.
De acordo com José Mattoso (1997, p. 172) “alguns membros da nobreza
resolveram optar pela neutralidade da guerra, é o caso dos membros das famílias
dos Teixeiras, Silvas, Cunhas, Correias, Albergarias e Limas”. Diversos membros
destas famílias buscaram se distanciar da guerra, esperando o resultado final em
posição de neutralidade.
Tendo em vista que os conflitos estão em eminência de ocorrer e dadas às
proporções que abrangem todo o reino, é evidente que os vizinhos peninsulares
iriam prestar atenção e se envolveriam direto ou indiretamente neste conflito. Foi
este o caso de Aragão. Primeiramente partiu do monarca português enviar cartas ao
rei Aragonês, Jaime II, com queixas sobre o comportamento e intenções do seu filho
Afonso; enviara junto à carta uma cópia do segundo manifesto. Como resposta,
Jaime II escreve alegando que se havia um culpado pelo comportamento do filho e
da distância entre o pai, tratava-se do próprio monarca. Como resposta, em oito de
julho D. Dinis envia uma nova carta relatando dos acontecimentos no reino para o rei
Aragonês, e que este ultimo, por sua vez responde em agosto:

manifestando o comportamento de seu sobrinho e aconselhando prudência


e bom senso a D. Dinis, informando-o de que enviaria proximamente um
emissário para tentar a concórdia entre as partes, e efectivamente a 15 de
24

Setembro foi enviado a Portugal Frei Sancho de Aragão.(PIZARRO, 2008,


p. 374)

Diante deste cenário, “em 17 de Dezembro, D. Dinis apresenta o seu terceiro


manifesto, ainda em Lisboa. Nesta altura devia já pretender obter o apoio da opinião
pública para a acção armada que, de facto, desencadeou logo a seguir” (MATTOSO,
1997, p. 140). Após apresentar o manifesto, o monarca também desterrou Dª. Isabel
para a cidade de Alenquer, por desconfiar que a rainha estivesse apoiando o filho
contra o governo do Rei.
Este terceiro manifesto diferencia-se dos dois primeiros em alguns pontos:

em primeiro lugar, o facto de dirigir este manifesto ao Concelho de Lisboa,


demonstra que pretendia o apoio concelhio para as suas acções, em
segundo lugar, os remoques que faz a intromissão da rainha e ao apoio que
o infante várias vezes pedia ao rei de Aragão, dizendo que os
acompanhavam o infante nada tinham que devesse à rainha, e também que
o infante nada tinha que viesse de Aragão mas sim do rei seu pai, e terceiro
e ultima afirmação do rei de que o infante pelos actos e atitudes, já não
merecia a fidelidade de ninguém, porque o infante, pelas obras em que
andou e anda e pelos seus cometimentos feitos até aqui, e que agora faz
atacando o Rei, desnaturou-se do Rei e da sua terra e dos seus naturais.
(PIZARRO, 2008. p.378)

Foi neste período que Frei Sancho chegou a Portugal para cumprir o que
havia prometido Jaime II, de promover uma conciliação entre D. Dinis e o infante
Afonso. Todavia, já era demasiado tarde, pois os atritos e desavenças entre os dois
“avolumaram-se de tal forma que entre meados de dezembro de 1321, D. Afonso
partiu com sua força de Coimbra em direção ao norte ocupando os castelos da
Feira, Vila Nova de Gaia e do Porto.” (MATTOSO, 1997, p. 140) Mais tarde, tratou
de atacar e cercar a cidade de Guimarães, local onde se encontrava refugiado o
meirinho-mor do rei, Mem Rodrigues de Vasconcelos, o qual assumiu a
responsabilidade de defender a cidade.
Como resposta às investidas do infante, o rei D. Dinis retomou a cidade de
Leiria, a qual havia “sido oferecida ao infante por traição do alvazil e antigo copeiro-
mor do rei, Domingo Domingues e de outros cidadãos principais, o rei prendeu-os no
mosteiro de Alcobaça, onde se tinham refugiado, e condenou-os a morte por
traição.” (PIZARRO, 2008. p.384) Dando continuidade as suas investidas para
retomar as cidades perdidas, o Rei dirigiu-se para Coimbra e a cercou em março de
1322.
25

Percebendo os avanços régios, o Infante resolveu abandonar o cerco que


havia estabelecido em Guimarães e rumou para Coimbra a fim de intervir no cerco
promovido pelo pai. Não obstante, o infante enviou um pedido de auxílio para o seu
irmão, Pedro Afonso7, o qual ainda se encontrava exilado em Castela8.
Respondendo ao chamado do irmão, o Conde regressou de Castela para ajudar o
irmão além de resolver suas questões e reconciliar-se com o Rei, no intuito também
de reaver seus bens que haviam sido tomados.
Em função das proporções que esta guerra civil estava ganhando, o Papa
João XXII, sentiu a necessidade de intervir e voltou a escrever para a Rainha Dª
Isabel, pedindo para que esta se portasse como mediadora entre o infante Afonso
seu filho, e o rei D. Dinis. Então, “quando as tropas do Rei e do Infante se
encontraram nas proximidades de Coimbra, mesmo com alguns conflitos, iniciaram-
se as conversações de paz”. (MOCELIM, 2013, p. 277) Sendo assim, Dª Isabel que
se encontrava em Alenquer, em função do banimento e desterro que havia recebido
como penado próprio rei D. Dinis, deixa a cidade de Alenquer e parte para Coimbra,
contando também com a ajuda do Conde Pedro. A partir deste momento, a Rainha
Isabel irá estabelecer as negociações entre as duas hostes. Para evitar conflitos, D.
Dinis retira-se com sua hoste para a cidade de Leiria, ao passo em que o infante e
suas tropas se estabelecem na cidade de Pombal.

_______________
7
Pedro Afonso foi o primeiro filho bastardo do rei D. Dinis, e sua mãe foi Grácia Aires; nasceu por
volta de 1285 e faleceu em 1354. Embora fosse filho ilegítimo do rei, foi acolhido e criado na Corte
Régia desde muito jovem; tal medida foi solicitada pela própria Rainha Isabel para que os filhos
bastardos do rei fossem criados num ambiente político, ao qual serviriam de objetos para angariar
influencias políticas para a Coroa Portuguesa, através de negociações de casamentos para com
estes bastardos. Já no ano de 1298, o rei escreveu um testamento contendo uma cláusula em que
dava plenos poderes para a Rainha Isabel ser tutora e administradora de seus filhos bastardos. Pedro
Afonso foi casado duas vezes, a primeira com Dona Branca Peres de Sousa, o segundo casamento
foi com Maria Ximenez Coronel, cuja família possuía grande prestígio em Aragão. Seu pai, D. Dinis,
sempre o tratou com proteção e o garantiu posses em Lisboa, Estremoz, Sintra entre outros; também
recebeu heranças de João Soares, frei da Ordem do Templo e em 1307 tornou-se mordomo da
Infanta Beatriz. Tornou-se titular de forma vitalícia o Condado de Barcelos no ano de 1314, e três
anos mais tarde, passou a ser Alferes-mor. Ao Conde Pedro é atribuído a autoria de algumas obras
literárias, sendo duas suas principais obras: O Livro de Linhagens, e a Crônica Geral de Espanha de
1344. MOCELIM, Adriana. “Segundo conta a estória...” A Crônica Geral de Espanha de 1344
como um retrato modelar da sociedade hispânica tardo medieval. 2013, p. 8-11.
8
O Conde Pedro foi exilado após ser nomeado Alferes-mor, e provavelmente valendo-se do acumulo
destas funções, liderou um combate contra seu também irmão Afonso Sanches. É importante
ressaltar, que o Conde sempre se postou a favor do pai, D. Dinis. Entretanto, também era de seu
interesse, permanecer aliado do Infante, o qual futuramente seria o Rei. Por se sair vitorioso deste
combate contra seu irmão, causou desgosto ante a Coroa, sendo, portanto, desterrado e exilado em
Castela, assim como os outros que se opuseram ao Rei. MOCELIM, Adriana. “Segundo conta a
estória...” A Crônica Geral de Espanha de 1344 como um retrato modelar da sociedade
hispânica tardo medieval. 2013, p. 8-35.
26

Ao desenvolverem as negociações de apaziguamento, ambas as hostes


acordaram em pontos a cumprir e a respeitar.
Portanto, o infante Afonso receberia o senhorio da cidade de Coimbra, dos
castelos de Montemor-o-Velho, da Feira, da Gaia e do Porto que havia conquistado
anteriormente, porém devia prestar homenagem ao rei; que o rei perdoaria a todos
aqueles que nas rebeliões passadas haviam tomado partido do infante, além de
receberem restituição de seus bens. Já para os interesses régios,

o príncipe colocaria para fora de sua casa os responsáveis pelos crimes,


para que a justiça regia pudesse agir sobre eles; que o Infante seria
obrigado a prestar homenagem ao Rei, pelas terras que recebia,
comprometendo-se a não fazer guerra e nem celebrar a paz sem a ordem
do Rei; daquele dia seria obediente e fiel; que perdoaria os excessos régios;
que esqueceriam os escândalos e as vexações passadas. (2013, p. 276).

Segundo José Mattoso (1997, p. 140), “estes acontecimentos deviam ter


abalado seriamente a saúde de D. Dinis, então com 61 anos de idade”, pois pouco
tempo se passou desde o acordo de paz estabelecido em maio de 1322 quando D.
Dinis enfrentando os problemas de saúde resolve redigir um segundo testamento, o
qual “deixava como testamenteiros a rainha D. Isabel, o bastardo D. Afonso
Sanches, Frei Estêvão Vasques, prior do Hospital, Gonçalo Pereira, deão da sé do
Porto, Frei João, monge beneditino e seu confessor, e um Estêvão da Guarda.
(SERRÃO, 1979. p. 265)
O período de paz foi curto, pois em outubro do ano seguinte, isto é, de 1323,
novamente iniciaram os conflitos por parte do Infante Afonso, o qual enviou uma
carta ao rei D. Dinis exigindo que o mesmo convocasse Cortes em Évora.
Atendendo ao pedido do filho, após convocar as Cortes, o Rei mandou enviar um
aviso ao filho com detalhes sobre a data que a mesma ocorreria. Entretanto
aconteceu que “o infante não compareceu, descumprindo obrigações que haviam
sido acertadas na concordata do ano anterior. Em Santarém, deu inicio à reunião de
suas forças com a finalidade de conquistar Lisboa.” (MOCELIM, 2013. p. 276-277)
A razão do descontentamento do Infante que o levou a reiniciar o conflito com
seu pai figurava na pessoa de Afonso Sanches, “pois além de Afonso exigir do pai a
confirmação de seus direitos de herança ao trono e à Justiça do reino, solicitava que
o cargo de mordomo do seu meio-irmão fosse retirado” (GIMENEZ, 2008. p. 63)
O conflito de fato se deu quando as duas hostes encontraram-se na região
das cidades de Alvalade e Loures, na região próxima a cidade de Lisboa e
27

Santarém. Para evitar um conflito ainda maior surge como interventora novamente a
Rainha Dª Isabel no intuito de promover a paz.
Passado algum tempo, se deu a derradeira etapa destes conflitos que vinham
se arrastando ao longo dos últimos anos. Chegando o Rei à Santarém em 1324 para
encontrar com o Infante, o mesmo não permitiu a entrada do pai na cidade, além de
ocorrer um combate entre as hostes, D. Dinis contou com o apoio de seus filhos
bastardos Pedro Afonso e João Afonso de La Cerda.
Finalmente, em fevereiro do mesmo ano foi assinado um novo acordo de paz.
Neste acordo o rei D. Dinis

aumentou em 10000 libras as rendas do herdeiro e comprometeu-se a


retirar o cargo de mordomo-mor a Afonso Sanches. Substituiu também o
meirinho-mor, Mem Rodrigues de Vasconcelos, por Vasco Pereira e o
meirinho da casa real, Lourenço Anes Redondo, por Lourenço Mendes. Era
uma efetiva cedência às reclamações de seu filho e da nobreza senhorial.
Mas todos deviam desejar o fim das violências. Em maio de 1324,chegou a
Santarém o arcebispo de Compostela, enviado pelo papa para confirmar os
acordos estabelecidos, tendo assim, com a solenidade da sua presença, dar
um carácter sagrado à celebração da paz. (MATTOSO, 1997. P. 140.)

Com o fim desta guerra civil que ocorreu nestes últimos cinco anos, nota-se
que “não era possível acabar facilmente com os privilégios senhoriais da nobreza”,
(MOCELIM, 2013. p. 279) tendo em vista que as medidas de centralização do poder
e da administração na figura do rei foram os principais motivos que causaram a
reação desta nobreza. Portanto, em função destas medidas adotadas pelo monarca,
“os Concelhos têm em mente que os únicos prejudicados eram os nobres, mas
passado este momento, já durante o reinado de D. Afonso IV, viram que também
eles foram afetados”. (LACHI, 2000. P. 25)
Percebe-se também que D. Dinis desempenhou esforços para consolidar uma
posição de destaque político dentro da Península Ibérica, além de realizar um dos
mais importantes feitos para Portugal, que foi estabelecer a fronteira territorial
praticamente como conhecemos nos tempos atuais, salvo pequenas alterações.
Assim, dando suporte a esses seus feitos,

constatamos a sua habilidade na promoção de mudanças institucionais,


cuja consecução confiou a juristas [...], dando impulso à constituição de uma
rede de agentes reais, habilmente recrutados, entre os mesmos
sobressaindo como seu critério de escolha principalmente a competência, o
que era uma inovação pois o que vigorava até esse momento era o do
prestígio familiar.(2000, p. 25-26)
28

Portanto, depois de constituída essa estrutura possibilitou maior eficiência na


administração do reino, sendo representada pelo monarca e não demorando então,
para surgirem “as condições adequadas que o soberano precisava para ter em suas
mãos o controle de toda a orgânica administrativa.” (2000, p. 26.)
O rei D. Dinis, que estava com a saúde seriamente debilitada já desde os últimos
tempos da guerra civil “morreu em Santarém, em 7 de janeiro de 1325.” (MATTOSO,
1997. p. 140) Então após a sua morte:

vieram a Portugal algumas embaixadas a apresentar os pêsames pelo seu


desaparecimento. De Castela manifestaram as suas condolências à rainha
viúva D. Isabel e ao novo rei D. Afonso IV. (MORENO, 1997. p. 38)

O rei foi sepultado no mosteiro de São Dinis, na cidade de Odivelas.

2.3 D. AFONSO IV (1325-1340)

Com a morte de D. Dinis em 1325 quem vai assumir o trono é seu filho
Afonso IV, um dos principais personagens da Batalha do Salado. Este rei logo que
assumiu o trono, tratou de “convocar as Cortes nas cidades de Évora, as quais
chamaram ricos homens, cavaleiros, bispos abades, priores e representantes de
cabidos e procuradores dos concelhos” (1997. p.406), no intuito de reunir para junto
do rei o pais como um todo: povo em geral, nobreza e o clero. Esta convocação, “foi
a primeira vez, desde 1254, ano das primeiras Cortes comprovadas, que Cortes
foram convocadas para jurar um Rei acabado de subir ao trono” (MOCELIM , 2007.
p.43).
Não obstante além de fazer todo o sentido da convocação das cortes em
função do inicio de um novo reinado, segundo Bernardo Vasconcelos e Souza:

ganhava ainda um maior significado face ao conturbado período que se


vivera nos últimos anos do governo de D. Dinis e aos receios que o herdeiro
da coroa tinha de que lhe retirassem tal prerrogativa. Nesta óptica, é bem
provável que as Cortes de Évora tenham também sido confrontadas com a
proposta, ou, melhor dizendo, a imposição régia, para liquidar o conflito
entre o novo monarca e aqueles que ele considerava constituírem uma
ameaça em aberto. (2009, p.82)

Diante desta posição adotada, serviu também para anunciar a tônica que seria o seu
reinado. Sendo assim, foi nesta época que havia retomado os conflitos com Afonso
Sanches que se arrastavam desde os tempos da guerra civil entre 1319 e 1325. Por
mais que tivesse prometido na época em que era infante ao seu pai, D. Dinis que iria
29

apaziguar-se com o meio-irmão, não pôde evitar ter que resolver tais questões com
Afonso Sanches, pois este representava ao agora Rei um perigo. Aproveitou então,
nestas mesmas Cortes, para acusar o seu meio-irmão, João Afonso, de traição, pois
“se colocando ao lado de Afonso Sanches e não hesitando em apoiá-lo na guerra,
João Afonso quebrara o dever de servir o seu rei e de lhe ser leal, não se mostrando
reconhecido pelo bem que Afonso IV lhe concedera” (2009, p.86). Assim, a sentença
régia imposta para João Afonso foi a pena de morte.
Em decorrência da sentença que o monarca aplicou ao seu meio-irmão João
Afonso, “fez com que Afonso Sanches pegasse em armas, reunisse forças em
Castela e invadisse Portugal” (MOCELIM, 2013. p.281). Em seguida, invadiu a vila
de:

Trás-os-Montes, e Alentejo, além de invadir as terá de Braguança, onde


queimou e roubou mujtos lugares e fez neles grandes danos, assim como
em teras de Riba do Diana, onde praticou roubos queimas e catyveyros,
causando pânico a toda populylacion. (PINA, 1953. P.148)

Este conflito que envolvia o Rei e seu meio-irmão tratava-se de uma guerra
feudal, todavia estava na eminência de se tornar uma guerra entre dois reinos,
Portugal e Castela; então o Rei de Castela, Afonso XI, passou a intervir também
neste conflito. No entanto, a situação em que se encontrava Afonso XI era um tanto
complicada, pois de um lado almejava promover um estreitamento nas relações
entre os reinos, buscando assim consolidar a paz; ao tempo em que “tinha obrigação
de defender o senhor de Albuquerque, sogro de Afonso Sanches, contra as
investidas de Afonso IV, era obrigação de suserano a vassalo.” (MOCELIM, 2013.
p.281)
Em resposta as investidas promovidas pelo seu meio-irmão, o monarca
português ordenou que o “exercito português do comando de Gonçalo Vaz, mestre
de Avis” (SERRÃO, 1979, p.267) marchasse em direção ao norte senhorial.
Entretanto, o exército foi derrotado na cidade de Ouguela, o que “levou D. Afonso IV
a invadir o reino vizinho e arrasar a vila de Codeceira.” (1979, p.267)
Outra personagem a tomar partido nesta guerra foi a:

Rainha Santa Isabel, da sua clausura de Coimbra, aonde se remetera,


temia o pior e enviava ao filho recados. Recados de paz e de restituição ao
bastardo dos bens espoliados. Mas a contenda durou três anos e só
terminou porque Afonso Sanches, tendo adoecido gravemente, suspendeu
as operações. Negociou a paz e da negociação obteve a restituição de
todos os bens confiscados. (MATTOSO, 1997. p.407)
30

Após se ter alcançado a paz, Afonso Sanches não pode gozar por muito
tempo da mesma, pois ainda nas negociações para tal já estava com a saúde
debilitada, e não resistindo, morreu ainda em 1329.
Aproveitando-se do momento de estabilidade e paz ao findar os conflitos
internos e externos, Afonso IV volta suas atenções para configurar e realizar uma
série de iniciativas diplomáticas com os seus vizinhos peninsulares. Foi também
neste período, que o “Tratado de Agreda, celebrado em 1304 entre D. Dinis de
Portugal, D. Fernando IV de Castela, D. Jaime II de Aragão e o Infante D. João de
Castela, que estabelecera a concórdia entre todos, é ratificado em 1328.”
(LALANDA, 1989. p.125)
Entretanto tal aliança entre os reinos mais uma vez demonstraria ser frágil, pois, no
acordo de paz entre Portugal e Castela:

Afonso IV de Portugal entregou sua filha, D. Maria, para se casar com


Afonso XI, De Castela. Em contrapartida, o rei castelhano entregou ao rei
de Portugal, sua prima, D. Branca, de Castela, a fim de que estabelecesse
laços matrimoniais com o Infante Pedro, filho do rei de Portugal e herdeiro
do trono. (GIMENEZ, 2012. p.108)

Neste momento, é importante observarmos sob quais condições em que


Afonso XI de Castela tornara-se rei, “num clima de intrigas palacianas, de forte
reação senhorial à política de seu pai quanto às propriedades nobres e aos
concelhos, e de disputa pela regência do reino” (LALANDA, 1989. p.132). Portanto,
nessa conjuntura em que se encontrava o reino de Castela, onde havia “conflitos
internos envolvendo nobres e prelados de Castela que se dividiam entre obedecer
ao Rei ou a Juan Manuel, seu rival” (MOCELIM, 2013 p.282).
O objetivo de Afonso XI era desfazer a perigosa confederação entre este
senhor castelhano João Manuel, e D. João cognominado O Torto, senhor de Biscaia
e sobrinho de Afonso IV De Castela, que havia se firmando por meio de um “pacto
feito entre D. João Manuel e D. João, o qual previa que D. João Manuel entregasse
sua filha, D. Constança, para se casar com D. João, o Torto, em troca de seu apoio
para a tutoria do Infante Alfonso XI” (GIMENEZ, 2012. p.107). Este pedido foi aceito
por D. João Manuel, e casou-se então D. Constança e João o Torto. Entretanto,
quando estes se casaram, a D. Constança era muito jovem e, portanto ainda não
havia sido consumado o casamento. Foi neste meio tempo que D. Afonso XI, para
31

resolver este conflito entre seus opositores e também para buscar aliança favorável,
Segundo Lalanda:

parece ser de boa política tornar-se genro de um de seus principais


opositores, D. João Manuel, poderoso duque de Panafiel e viúvo duma irmã
de Afonso IV de Aragão (e consequentemente, sobrinha da “Rainha Santa”
Isabel de Portugal). (LALANDA, 1989. p.132)

Portanto, D. Afonso XI tenta desfazer este acordo e decide se casar com


Constança Manuel, a mesma infanta que D. João Manuel havia prometido para o
João o Torto. Tal atitude fez com que o João o Torto se voltasse contra o seu antigo
aliado castelhano e também ao rei Afonso XI, porém esta atitude revoltosa de D.
João lhe custou a vida.
Diante desta situação, apesar dos acordos firmados para a realização do
matrimonio entre Afonso XI e D. Constança essa aliança ganhou novos contornos na
política peninsular quando repudiou a esposa e se casou com a infanta Maria, filha
do rei de Portugal. Assim:

essas indecisões e mudanças de atitudes do rei castelhano devem ser


entendidas também, como conseqüência de diversas vicissitudes e a ações
movidas em torno de diferentes grupos políticos, mais especificamente, da
alta nobreza, que disputavam privilégios durante a minoridade do rei Afonso
XI. (GIMENEZ, 2012. p108)

Foi então que o Infante Pedro, que havia obtido dispensa papal em 1325 para
casar-se com a Infanta Branca, alegou que a infanta Branca era doente e não
poderia ter filhos, e, portanto a repudia e assim, a partir de 1331 pensa-se no
casamento com D. Constança Manuel. Para tanto:

as negociações com D. João Manuel iniciaram-se secretamente em 1336


são tornadas conhecidas do rei castelhano, a quem é pedido conselho pelo
sogro; com esta atitude visa-se garantir que a passagem da noiva pelos
territórios régios não será impedida sob qualquer pretexto. Afonso XI
assegura que não haverá qualquer impedimento; todavia, quando em 1337
é chegado o momento de D. Constança vir para Portugal, ordena a seus
fronteiros que impeçam a saída de D. João Manuel e que cerquem seus
companheiros. (LALANDA, 1989, p. 133)

Em virtude destas ações promovidas por parte de D. Afonso XI, certamente


acarretaria em conflito. Assim:

A guerra estalou, esparguil terror e sangue em toda a terra e no mar,


invasões e contra-invasões, surtidas e escaramuças, incêndios e pilhagens,
massacres e prisioneiros – o costume. E, como de costume, o povo
português e castelhano, o de mais perder. Três anos de histeria destruidora,
32

1336 a 1339. Galiza Entre Douro e Minho, Alentejo, Badajoz, terras de


Huelva, Algarve oriental, costa andaluzana, foram cenários do sangrento
vendaval. E ainda o mar e regiões costeiras, desde Gibraléon a Lisboa e de
Porto até Vigo. (MATTOSO, 1997. p.408)

Para finalizar esta guerra e estabelecer a paz, reuniram-se em julho do


mesmo ano para assinar o acordo em Sevilha. Para tal se consolidar, contou com a
influência do papa Bento XII e do rei da França. Então, na questão dos territórios
conquistados um frente ao outro, foram devolvidos; e na questão matrimonial D.
Constança Manuel casava com o infante D. Pedro e a rainha D. Maria era assumida
novamente por Afonso XI. Portanto, segundo José Mattoso, “cada vez mais a guerra
se mostrava um modo inepto para o alargamento fronteiriço de Portugal para
Castela; e vice-versa.” (1997, p. 408)
Não obstante, como resultado do acordo assinado restabelecendo a paz entre
os reinos de Portugal e Castela; haveria de servir também para que a cristandade
ibérica agora unida possa enfrentar o inimigo comum: o muçulmano, que estava se
aprontando para invadir os reinos.
Dito a partir desde momento em que os reinos ibéricos resolveram suas
querelas que demandavam tamanho esforço e habilidade política, estes reinos
passaram a desfrutar da paz mútua. Além disso, alcançada a estabilidade política e
militar na Península Ibérica, assim como observando o cenário exposto,
consideramos então que o cenário contextual deste estudo apresenta-se de forma
satisfatória. Sendo assim, passaremos a identificar alguns elementos importantes
que se mostrarão fundamentais para a sequência deste estudo.
33

3 A ARISTOCRACIA

Finalizada no capitulo anterior a contextualização do reino português durante


o período de reinado de D. Dinis até o início do século XIV, mostra-se importante
que neste momento seja dedicada uma atenção direcionada à estrutura social no
reino, especialmente no que tange a aristocracia e sua estratificação. Desta
maneira, faz-se necessário compreender como estava organizada a sociedade
portuguesa. Todavia, em um primeiro momento, é ainda mais importante que seja
trabalhado e exposto o próprio conceito de aristocracia durante a Baixa Idade Media.
Não obstante, convém salientar que o mesmo será apresentado aqui de
maneira breve por dois principais motivos: o primeiro porque em linhas gerais, o
tema “Aristocracia” se trata de um conceito demasiado amplo e complexo, tornando
assim impossível de ser levado a cabo neste estudo, sem deixar de mencionar
também o recorte temporal que seria muito mais amplo; e segundo, porque não
seria este o intuito deste estudo. Com efeito, iniciaremos de uma definição breve e
geral, para em seguida tratar especificamente do contexto português.
Partindo do pressuposto em que no Ocidente Medieval, a aristocracia era a
grupo social de maior proeminência e que esta era caracterizada pela conjunção do
comando dos homens, do poder sobre a terra e da atividade guerreira, percebe-se
que o critério de definição para esta aristocracia pode variar. No entanto, esta noção
de aristocracia, na ideia de Jérôme Baschet (2006), deve ser construída pondo
ênfase sobre a dominação senhorial exercida por uma minoria cujos contornos
permanecem por muito tempo bastante abertos e fluídos, no lugar da noção de
nobreza.9 É importante frisar, que a caracterização de “nobre” é bastante freqüente,
porém somente no final da Idade Média, que se observa esta categoria, por assim
dizer, fechada e definida, por um conjunto de critérios estritos – onde um dos
principais é o sangue e que tem um papel primordial – possui uma pertinência como
unidade. Tal como grupo, e não como qualidade, é apenas a forma tardia e

_______________
9
O vocábulo “nobreza” foi pouco utilizado até o século XIII. COSTA, Rircado da. A Guerra na
Idade Média: um estudo da mentalidade de cruzada na Península Ibérica. p. 98. Já para Marc
Bloch, entre os séculos IX e XI a palavra “nobre” (em latim nobilis) não aparece muitas vezes nos
documentos de época, mas ela limitava-se a marcar, fora de qualquer acepção jurídica precisa,
uma preeminência de fato ou de opinião, conforme critérios variáveis. Ela comporta, quase sempre,
a ideia de uma distinção de nascimento; mas também a de certa fortuna. – Bloch, Marc. A
sociedade Feudal. p. 317.
34

consolidada da aristocracia medieval. Sendo assim, Baschet segue nos dizendo


que:

se a noção de aristocracia só tem sentido em função das relações de


dominação que as representações sociais da excelência vêm legitimar, é
necessário precisar que a caracterização como “nobre” não tem sentido fora
da dualidade que a opõe aos não-nobres. (BASCHET, 2006, p.110)

Portanto ser nobre é, em primeiro lugar, uma pretensão a se diferenciar do


comum, por um modo de vida, por atitudes e por sinais de ostentação que vão das
vestimentas aos modos à mesa; mas acima de tudo, por um prestigio herdado dos
antecedentes. Com efeito, a nobreza é, “de inicio, esta distinção que estabelece uma
separação entre uma minoria que exibe sua superioridade e a massa dos
dominados, confinados a uma existência vulgar e sem brilho.” (BASCHET, 2006,
p.110)
No final do século IX, podemos perceber a composição da sociedade dividida
em três categorias ou ordens. Os três componentes desta sociedade eram, seguindo
o modelo clássico de Adalberão de Laon (século XI), os oratores, bellatores e
laboratores, ou seja, os clérigos, os guerreiros e por último os trabalhadores. 10
Portanto, esta construção simbólica de uma unidade pertencente a uma sociedade
cristã, onde mesmo que cada categoria social tenha seu papel único definido,
mostra-se importante para compreender o imaginário e estatuto de nobreza, comum
nos países do ocidente medieval. Neste sentido,

Toda sociedade é simbólica na medida em que utiliza práticas simbólicas ou


na medida em que o seu estudo pode provir de uma interpretação do tipo
simbólico. Mas isto é tanto mais verdadeiro em relação á sociedade feudal
quando é certo que esta reforçou a simbologia inerente a toda e qualquer
sociedade (LE GOFF, 1993. p. 325).

Pertinente ainda sobre a questão da estrutura aristocrática, Georges Duby


construiu um modelo que veio a marcar profundamente a investigação sobre a
história social - incluindo as vertentes cultural e das mentalidades - a nobreza
medieval. Seguindo seus estudos, Duby trabalha com a proposta da tri
funcionalidade formulada por Georges Dumézil, quando este analisa a divisão social
e ideológica de grupos indo-europeus. Na obra deste filólogo a divisão da sociedade

_______________
10
DUBY, Georges. As Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Editoria Estampa.
1994 p. 16.
35

em três ordens explicaria um sistema de organização pragmático. Entretanto, Duby


aproveita esta ideia não para utilizá-la como uma explicação prática de seu tema,
mas sim como um elemento ideológico, advindo do imaginário que buscava uma
ordenação representativa de sociedade feudal. (PETERS, 2011 p. 10-20) Já para
Ricoeur, o fenômeno ideológico “está ligado à necessidade, para um grupo social de
conferir-se numa imagem de si mesmo, de representar-se, no sentido teatral do
termo de representar e encenar”. (RICOEUR, 1983, p.68) Todavia, esta aristocracia,
que se define por um lado, pela convergência de dois grupos sociais distintos: o
primeiro pelo prestígio de suas origens sejam elas condais, reais, principescas, e
demonstram um conjunto de valores que exprimem sua participação na defesa da
ordem pública. Por outro lado, têm-se os miles ou milites11, os quais eram simples
guerreiros a serviço dos castelões, vivendo em sua corte, e que por volta do ano mil
ainda não constituíam um grupo coerente, mesmo que exercendo uma função de
caráter militar. Porém sua ascensão parece clara na medida em que passam a
receber terras como recompensa de seus serviços. Assim:

É preciso, no entanto, evitar perpetuar o mito da ascensão da cavalaria dos


milites, como se fosse, desde o inicio, um grupo constituído, cujo estatuto foi
melhorando para, finalmente, fundir-se com a nobreza carolíngia. Se é certo
que a aristocracia conhece, então, uma renovação e integra em seu seio
novos membros, em geral de estatuto modesto, a fusão que se opera é
bastante relativa, uma vez que continuam importantes as distâncias,
reconhecidas como tais, entre os grandes (magnates), que reivindicam altas
atribuições de origem carolíngia, e os simples cavaleiros (milites) do castelo.
(BASCHET, 2006, p. 111)

Por fim, para caracterizar a forma do poder desta aristocracia configurada em


torno do termo miles, Jèrome Baschet (2006, p. 111-113) enfatiza que a
castelanização do Ocidente, entre os séculos X e XII, é o fundamento dessa
reorganização. A partir de então, os castelos são os pontos de ancoragem em torno
dos quais se define o poder aristocrático e o termo miles serve, agora, para
categorizar o conjunto daqueles que realizam direta e exclusivamente a dominação

_______________
11
A palavra miles (no singular ou milites no plural) era utilizada para definir o indivídio pertencente à
cavalaria. A origem destes milites é de difícil precisão e delimitação. Inicialmente, isto é, no final do
século IX, após a dissolução do império carolíngio, os historiadores perceberam que este grupo social
encontrava-se bastante próximo da aristocracia rural originária da nobreza carolíngia
(os nobiles ou nobiliores). Mas com o passar do tempo este grupo nobilitou-se, ascendeu socialmente
e passou a ser confundido com a própria nobreza. COSTA, Ricardo da. “Ramon Llull (1232-1316) e o
modelo cavaleiresco ibérico: o Libro del Orden de Caballería”, In: Mediaevalia, Textos e Estudos, 11-
12 (1997), Porto, Universidade Católica Portuguesa, p. 231-252.
36

social de um espaço organizado pelos castelos. Assim, o castelo é o coração a um


só tempo prático e simbólico do poder da aristocracia, de sua dominação sobre as
terras e os homens.

3.1 A NOBREZA MEDIEVAL PORTUGUESA

Concluída a breve abordagem sobre o conceito de aristocracia e como a


mesma se desenvolveu em linhas gerais, chegou o momento em que este estudo
direcionará a atenção exclusivamente para o reino de Portugal. Como ponto de
partida, a questão que se apresenta inicialmente consiste em trazer à luz a própria
definição de quem é esta nobreza medieval portuguesa.
De início, é importante salientar que não trataremos aqui da evolução da
própria nobreza desde suas origens, por questões já mencionadas anteriormente, as
quais também se justificam pelo seguinte fator: trata-se de um assunto extensivo e
complexo que não compete ser averiguado nesta ocasião; no entanto, será
necessário fazer certos recuos e avanços cronológicos, para que se possam
compreender alguns aspectos de como se estruturou a nobreza medieval
portuguesa.
Logo após Henrique de Borgonha12 se casar com a infanta bastarda D.
Teresa em 1096, e quando este recebeu do rei de Castela e Leão, Afonso VI 13, o
Condado Portucalense, observa-se que:

_______________
12
Nasceu em Borgonha 1066 e morreu em Astorga em 1112. Pai de D. Afonso Henriques, primeiro
rei de Portugal. Quarto filho de Henrique de Borgonha, bisneto de Roberto I de França, sobrinho da
rainha Constança de Leão, sobrinho-neto de Santo Hugo, abade de Cluny e irmão dos duques Hugo
e Eudes. Escolhe a carreira militar que segue na Península Ibérica ao serviço de Afonso VI de Leão.
É cruzado, combatendo os Mouros no Sul da Península. Graças ao prestígio que granjeia e quando
Afonso VI se sente ameaçado na fronteira ocidental do reino pelos Almorávidas, grupo berbere
oriundos do norte da África e adeptos do Islã, o rei leonês, considerando-o um chefe militar
experimentado, concede-lhe a mão da sua filha ilegítima Teresa (a mãe desta era Ximena Nunes) e
entrega-lhe o governo dos antigos condados de Portucale e Coimbra, até aí unidos à Galiza e
administrados pelo seu primo Raimundo. D. Henrique procura as simpatias da nobreza, concedendo
importantes imunidades às famílias mais poderosas, escolhendo-as como componentes da sua corte
em Guimarães; controla os núcleos urbanos e mercantis; fortalece e desenvolve as comunidades
rurais, servindo-se da cavalaria vilã e do povoamento dessas zonas para deter o avanço dos
islâmicos. Disponível em <http://www.vidaslusofonas.pt/conde_d_henrique.htm> Acesso em 28 mai.
2015.
13
Afonso VI, o Bravo, foi rei de Leão (1065-1109), de Castela (1072-1109) e da Galiza (1073-1109).
Filho e sucessor de Fernando Magno, reuniu os vários territórios que seu pai havia repartido pelos
cinco filhos e fez-se aclamar em Burgos, pondo assim termo aos conflitos entre leoneses e
castelhanos pela hegemonia do centro peninsular. Alargou o domínio cristão na Península Ibérica,
com auxílio de Cid, impondo-se junto de vários reinos Taifas do Al-Andaluz. Devido à superioridade
alcançada sobre os príncipes cristãos e muçulmanos, intitula-se, desde 1077, Imperator Totius
37

o surgimento desta referencia de autoridade castelhana-leonesa se


configurava como uma resposta ao avanço do poder senhorial não condal
durante a crise monárquica de finais do século XI e, principalmente do
segundo quarto do século XII. (CARVALHO, 2008. p. 13)

Então, nesta região, certas famílias nobres exerciam as funções judiciais,


militares e fiscais sem intervenção ou delegação por parte da monarquia ou de
algum conde. Desta forma, com a ascensão de D. Henrique à posição de conde de
Portucale, representava, portanto, um movimento de organização ante a intensidade
das forças centrífugas medievais características do período, agravadas pelas
peculiaridades peninsulares, dentre elas o processo da Reconquista14.
De acordo com José Mattoso, o princípio do século XII foi fundamental na
consolidação de formações “nacionais” na região ibérica:

o processo da difusão dos poderes de natureza pública, extra-econômica, e


a sua utilização na gestão e organização dos domínios e senhorios por
parte da aristocracia nobre foi mais precoce nas áreas próximas dos centros
políticos ligados aos reis de Leão. (MATTOSO, 1993, apud CARVALHO,
2008 p. 52)

Todavia, ainda generalizados na península desde princípios do século XI, os


poderes senhoriais tiveram um papel determinante no exercício de poder sobre as
realidades regionais; poderes estes que as monarquias e autoridades condais
precisaram lidar. No entanto, neste sentido, Adeline Rucquoi nos lembra que:

Os reinos da Península Ibérica no decorrer da Idade Média não pensavam


no poder em termos de fixação territorial. O poder dos príncipes hispânicos
vinha, sobretudo de uma missão divina: a de reconquista da península aos
infiéis para a entregar a cristandade. Fosse em Aragão, Castela ou Portugal
e indiretamente Navarra, os reis eram justificados por essa tarefa, e a
extensão de seus territórios as terras retomadas aos Muçulmanos era
apenas uma prova de submissão a Deus e a seus mandamentos.
(RUCQUOI, 1995. p. 215)

Paralelamente a este cenário, o reino português enfrentava também um


problema referente à sua própria nobreza, a qual passava por uma crise que vinha
desde o século IX, e também uma transformação, no sentido de que a mesma, por

Hispaniæ("Imperador de Todas as Espanhas"). Conquistou o reino de Toledo (1085), onde


estabeleceu a sua corte. Em 1078 substituiu a liturgia moçárabe, ou visigótica, pela romana. Foi
derrotado pelos Almorávidas, comandados por Yusuf, em Zalaca (Sagrajas), perto de Badajoz (1086),
e em Uclés (1108). Em 1096 entregou a seu genro, Henrique de Borgonha, o Condado Portucalense.
Faleceu em Toledo a 30 de outubro de 1109. À sua morte o trono foi herdado por sua filha, D. Urraca,
esposa do Conde Raimundo de Borgonha. Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha].
Porto: Porto Editora, 2003-2015. Disponível em <http://www.infopedia.pt/$afonso-vi-de-leao>. Acesso
em 28 mai. 2015.
14
Referente ao processo de Reconquista, o mesmo será trabalhado no capitulo seguinte.
38

se tratar de uma nobreza condal, estava em decadência. Segundo José Mattoso


(1982), percebe-se que entre o início do século IX e meados do século XI, a
passagem de uma família se dava através do parentesco horizontal, de estrutura
cognática, sem o predomínio de qualquer ramo sobre os colaterais, que
caracterizara as famílias da nobreza condal; para outra realidade, a qual impusera
uma estrutura agnática e patrilinear, ao que parecia adotado pelas famílias de
Infanções15 a partir de meados do século XI, que valorizava a primogenitura e a
varonia e subalternizava os filhos segundos e as filhas, afastando-os da herança
familiar com vista a garantir que o respectivo patrimônio permanecesse indiviso e,
portanto, concentrado nas mãos do chefe da linhagem. Desta maneira:

as distintas linhagens definiam-se, assim, pela sua descendência de um


antepassado comum, geralmente por linhas varonis, estando esse elo
associado à fixação de um nome de família, frequentemente de origem
geográfica (toponímica), mas também em muitos casos com raiz em
patronímicos ou, em outros, tendo por base alcunhas do fundador ou
fundadores da linhagem. Embora de forma tardia, as linhagens portuguesas
tiveram a sua específica tradução heráldica, em regra no século XIII ou mais
tarde (Mattoso 1982; Sousa 2000, 241 e segs., e 276-283), passando o
apelido de cada linhagem a estar associado a um específico brasão de
armas. (MONTEIRO, 2012. P. 49)

Com efeito, observa-se que houve uma transformação da nobreza, de uma


nobreza antiga, a qual remontava, tradicionalmente, às famílias dos Infanções de
Entre Douro e Minho: Sousões, Braganções, da Maia, Baiões e Gascos ou Riba
Douro16, as quais eram linhagens cujo poder radicava na posse de terras, situadas
no Norte do reino, e que tinham resultado de eventuais presúrias17. “Posse que lhes
vinha já desde séculos, pois algumas daquelas linhagens já se atestam naquelas
paragens, desde a segunda metade do século X, como os Sousas e os da Maia”.
(INSTITUTO PORTUGUÊS DE HERÁLDICA, 2014, p. 217)
_______________
15
O termo infanções pode ser interpretado como: cavaleiro, pertencente ao séquito ou bando armado
de um senhor, geralmente o rei ou os condes; jovem, nobre de nascimento, o juvenes na acepção de
Georges Duby, ou seja, os filhos segundos das linhagens. Mas tal já não sucedia no século XII, onde
esta última definição tendia a predominar. Isto quer dizer que infanção era uma categoria social,
constituída por uma aristocracia de sangue, que se caracterizava pela função guerreira e se distinguia
do clérigo e do camponês. [...] Era igualmente o termo usado nas cartas de foral, para distinguir os
cavaleiros de nascimento, dos cavaleiros vilãos, ou seja, os nobres dos que o não eram. MATTOSO,
José. Ricos homens, infanções e cavaleiros. A nobreza medieval portuguesa nos séculos XI e XII.
2 ed., Lisboa: Guimarães, 1982. (Coleção História e Ensaios, n. 2).p. 113.
16
Sobre estas primeiras linhagens portucalenses, cf. MATTOSO, José. 1994, p. 161-257.
17
PRESÚRIA. Título especial a que eram concedidas aos nobres certas terras por eles conquistadas
aos infiéis, durante a reconquista cristã e a formação territorial de Portugal In Dicionário da Língua
Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. Disponível em:
<http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/presúria.> Acesso em 4 abr. 2015.
39

As linhagens mais tradicionais, ou alta nobreza, historicamente se arrogava


poderes e privilégios que não se reconhecia na nobreza mais recente – isto é,
séculos XI e XII. As uniões matrimoniais se estabeleciam através de um círculo de
relações estreito, num sistema que José Mattoso classificou de endogâmico:

Sem querer fazer afirmações de que não me encontro seguro, queria


todavia exprimir a hipótese de que a prática endogâmica das famílias
condais dos séculos X e XI corresponde, até certo ponto, a uma separação
dos nobres em estratos sociais e, portanto, a uma tendência dos magnates
para se distinguir da aristocracia menos poderosa. (MATTOSO, 1994, p.
386)

Já no século XIII, através de casamentos entre estas famílias, esta nobreza passa a
ser tratada como:

uma nobreza em cenário senhorial e rural, ocupada com o exercício dos


seus poderes e com as práticas militares. O conhecimento das letras, que
lhes era estrangeiro, ficava para os monges aos quais cabia registrar os
aniversários dos senhores seus protectores, [...] em termos gerais, a base
da argumentação discursiva daqueles senhores era a antiguidade das
respectivas linhagens relativamente à Casa Real, e a precedência do
exercício daqueles seus poderes senhoriais, relativamente às disposições
régias que visavam colocar o Rei como senhor dos senhores. (INSTITUTO
PORTUGUÊS DE HERÁLDICA, 2014, p. 217-218)

Portanto, o fato de serem detentores de terras e que isso lhes dava certa
autonomia, era o que os tornavam mais problemáticos. Com efeito, tudo isso surgiu
num momento em que parecia claro para os últimos membros daquelas velhas e
primordiais linhagens, que o monarca já não se encontrava como só mais um entre
os outros, mas sim um “Senhor dos Senhores”, cujo poder se estava estabelecendo
superiormente ao de todos os senhores do seu reino, quer eles fossem mais ou
menos poderosos.
Neste momento em que esta nobreza está passando por uma transformação,
convém observar de forma mais atenciosa, como os papéis da monarquia e da
nobreza são definidos e aproximam-se dos moldes que conhecemos de
administração e corte régia em seu sentido mais comum. Para se ter uma ideia mais
exata do que significa este momento de modelagem do reino, vejamos com as
palavras de Antonio José Saraiva:

Politicamente, só a partir da crise de 1383-1385 a nacionalidade portuguesa


aparece inteiramente definida. Até essa data, o reino de Portugal, ao lado
dos de Leão, Castela e Aragão, insere-se num conjunto político peninsular
instável, cuja fisionomia só vem fixar-se no século XV [...] Culturalmente,
este conjunto de estados forma uma unidade estruturada por um certo
40

número de cortes reais e senhoriais, de conventos e sedes episcopais, de


universidades, em constantes intercâmbios. (SARAIVA, [19--], p. 11. Apud
MARTINS, 12)

Compreendemos então que o reino encontra-se, num sentido político, ainda


muito instável, por ser ainda um reino “jovem”, e que se explica também, justamente
por necessidade de organização política e social, num sentido mais estrito.
Tratando-se do maior nobre, o rei, a este era atribuída a responsabilidade
pela segurança do reino, assim, era preciso que contasse com os nobres para
arregimentar combatentes. Fazia-se necessário, portanto, o uso de estratégias de
estabelecimento de poder - seja da parte do rei, quanto da alta e baixa nobreza, e
também do clero – as quais baseiam-se numa espécie de jogo, que originou-se
juntamente com o reino português, e por isso, não é simples dissociar os poderes e
influências que cada categoria dispunha. Com efeito, essa necessidade exigia do
monarca constantes acordos com a nobreza, hora a seu favor, hora contra, para
manter esta nobreza sob controle. Junto do poder militar, está o poder político.
Sendo o monarca o primeiro entre os nobres, sua importância na política do reino é
indiscutível, embora, o rei não fosse imune a severas disputas de coroa, muito
menos ao enfraquecimento de poder. Porém, para esta nobreza:

a proximidade em relação ao rei tornava-se decisiva para a manutenção dos


direitos senhoriais, tal fato deve-se ao fortalecimento do poder régio
português a partir da segunda metade do século XIII. O rei torna-se cada
vez mais um árbitro das questões entre as outras forças sócio-políticas do
reino, em particular da nobreza. (MOCELIM, 2004. p 31)

No que diz respeito à administração de justiça, “o rei era ‘o primeiro


magistrado jurisdicional’” (SERRÃO, 1978, p. 151), cabendo-lhe o veredicto em
última instância sobre quaisquer questões de justiça. Ainda assim, esta prática
torna-se regra apenas através das ordenações afonsinas, como se verifica no Livro
de Leis e Posturas.18

_______________
18
Afonso III, ao compor o Livro de Leis e Posturas, Irá fixar as praticas judiciais consuetudinárias da
Corte em leis escritas. Tal mudança legislativa implica em transferir as disputas do campo de batalha
para os tribunais, possibilitando ao súdito o acesso à justiça régia, com normas regulares de ação as
quais atingem o universo social. Por sua vez o rei, ao propor tais transformações, intervém
diretamente nas jurisdições locais, revogando sentenças, corrigindo arbitrariedades e parcialidades
dos tribunais locais. O que interfere diretamente nas relações privadas de cunho senhorial. Ao
ampliar os grupos atingidos por sua ação, amplia também sua base de apoio político, uma vez que se
sentem beneficiados por estas mesmas medidas. Disponível em
<http://www.galeon.com/projetochronos/librarium.htm>. Acesso em 02 jun. 2015.
41

Outro aspecto interessante sobre o poder do rei, refere-se à cunhagem de


moedas, a qual podemos inferir que esta era mais uma razão para desavenças entre
a monarquia e nobreza19. E na medida em que o uso de moedas se intensificava,
maior o poder do rei sobre seu valor e circulação, e maior sua interferência na
economia do reino.
Voltemos agora à nobreza. Oposto à imagem de um grupo coeso, este
segmento social também se estratifica e se comporta de maneira distinta, de acordo
com a origem do título nobiliárquico. Desta maneira:

A divisão tradicional da nobreza em três categorias hierarquicamente


diferentes – cavaleiros, infanções e ricos homens –, embora apoiada, de
facto em textos legais a partir da segunda metade do século XIII, oculta uma
realidade social certamente mais fluida do que parece exprimir. (MATTOSO,
1997, p. 152)

Portanto, esta distinção entre ricos-homens20, infanções e cavaleiros21, não é


suficientemente exata para corresponder à realidade, embora também não seja fácil
substituí-la por outra, a não ser a mais vaga e imprecisa de nobreza superior, média
e inferior, havendo assim, um paralelismo entre uma e outra apenas na camada
superior: os ricos-homens pertencem à alta nobreza, mas os infanções e cavaleiros
não correspondem obrigatório e estritamente à média nobreza. Todavia, tal
hierarquização não deve ser observada de maneira rígida, eventualmente, pode
haver mobilidade dentro da nobreza, tratando-se de uma realidade bastante fluida. O
acesso à nobreza, “apesar das tentativas ou dos lamentos de alguns (...), não estava
fechado e, se havia poucos casos de perda de foros, em contrapartida o movimento
de ascensão não parava.” (RUCQUOI, 1995, p. 221) Neste sentido, podemos citar
os Infanções, os quais constituem um segmento da nobreza, que vinha se afirmando
paralelamente desde o tempo do Condado Portucalense, até este vir a ser o Reino
_______________
19
O rei dispunha não apenas do benefício de ‘bater a moeda’, como se arrogou este direito de a
‘quitar’ e ‘levantar’, alterando a liga metálica para depreciar e subir o seu valor nominal. A coroa podia
assim recolher mais dinheiro, enfraquecendo a moeda corrente. MATTOSO, José. Org. e SOUZA,
Armindo de. História de Portugal: a monarquia feudal (1096-1480).Lisboa: Estampa,1997. p. 151.
20
são propriamente, até o fim do século XIII, aqueles que receberam do rei pendão ou caldeira, isto
é, que são seus representantes como governadores de terras e que, por isso tem para com ele uma
dependência vassálica, apesar de se encontrarem no topo da escala social. Op. Cit., p. 177
21
Os cavaleiros constituem a categoria inferior da nobreza. As indicações fornecidas pela
terminologia mostram, portanto, que durante o século XII, a categoria dos cavaleiros é ainda aberta:
tanto inclui nobres como não nobres. Além disso, constitui, provavelmente, uma via de acesso à
nobreza: os filhos de cavaleiros que o não são per naturam, podem provavelmente tornar-se tais, e,
deste modo, acabarem por enfileirar nas hostes da nobreza. MATTOSO, José. Ricos homens,
infanções e cavaleiros. Op. Cit. p. 113.
42

de Portugal. Entretanto, no período do reinado de Afonso III (1248-1279) e suas


estratégias de fortalecimento régio, é que os encontramos mais próximos à
monarquia e assumindo papeis de certo relevo no reino. Assim:

os infanções dos séculos XII e XIII [...] permanecem como segunda


categoria da nobreza [...]. A categoria dos infanções aparece como estrato
médio, entre a cavalaria e os ricos homens em textos legislativos desde a
época de Afonso III. (MATTOSO, 1982. p.113)

Podemos inferir que a aristocracia mais tradicional era um poder antagônico


ao poder monárquico, e para neutralizá-la, o apoio dos “nobres de segunda
categoria” era útil ao rei. Ainda assim, mesmo que menosprezada pelo grupo
nobiliárquico superior, esta categoria não deixava de ser nobre. Em troca de seu
apoio, o rei oferecia a estes nobres cargos administrativos e reconhecimento régio.
Este favorecimento apenas aumentava a distância entre os estratos nobiliárquicos
alto e baixo: “ao mesmo tempo, a ascensão social dos cavaleiros vilãos e a
emergência social dos nobres de segunda categoria por oposição à alta nobreza
senhorial levam a uma estratificação clara da nobreza” (MATTOSO, José. 1995,
apud MARTINS, 2003. p. 18.)
Percebe-se, desta maneira, que durante e após o reinado de Afonso II (1212-
1223), a nobreza, que até então era definida como “de serviço” passou a ter uma
importância maior, pois desempenhando um papel de grupo que contribuía na
execução da centralização régia, rivalizava-se com a nobreza senhorial. Já durante
o reinado de Afonso III esta mesma nobreza de serviço, transformou-se em uma
nobreza cortesã, que ainda continuava a depender do rei, embora ainda
demonstrasse uma simbólica superioridade mediante o uso de instrumentos
culturais.
Portanto, com o poder real vindo a se tornar mais evidente e mais forte,
contando ainda com o apoio das cidades de seus reinos, coincidiu com o
enfraquecimento de uma nobreza que havia perdido com as revoltas, ou em
campanhas contra os muçulmanos, uma grande parte de seus membros, além de
não conseguir criar novas fontes de rendimento permanentes. Assim, o
“enfraquecimento da antiga nobreza, permitiu a partir de meados do século XIII e
XIV, a ascensão de uma nova nobreza de diferentes origens, vinham de linhagens
de uma pequena nobreza fundiária, de zonas setentrionais, rurais e montanhosas.”
(RUCQUOI, 1995, p. 221)
43

Portanto, o que caracteriza e representa este período conturbado que a


nobreza enfrenta, é que ao encarar um longo e gradativo processo de
transformação, esta mesma nobreza necessita afirmar-se perante o rei. Outro fator
essencial, é que esta nobreza durante o século XIII havia sido formada no interior de
uma sociedade organizada para a guerra, a qual:

é o fator dominante que estrutura a sociedade e sua economia na Península


Ibérica. Porém ela não é uma situação permanente, pois há períodos de
relações de tréguas que permitem comercio e política entre os reinos, além
de momentos com operações militares e confrontos. Tratando-se de uma
sociedade de fronteiras, a sociedade ibérica caracteriza-se por uma
mobilidade social (RUCQUOI, 1995, p. 216)

Diante do exposto, a situação de guerra é a peça chave para identificar que


esta nobreza estava estruturada em função da guerra, onde o século XIII
representou para a nobreza um período de crise e de readaptação em função do fim
das operações de Reconquista; trazendo assim o esgotamento de diversos proveitos
que a guerra proporcionava.
Com o término das operações de Reconquista, e, consequentemente,
tornando-se escassas as oportunidades desta nobreza servir as armas,
apresentava-se neste momento um processo de extinção de ideal de nobreza
vigente até então. Não obstante, houve outros fatores que possibilitaram a difusão
de uma nova concepção de nobreza: “o gosto pela História, em particular da
Antiguidade, o interesse dispensado a autores como Cícero, Valério Máximo e
Vegécio, as influências francesas e a penetração do direito romano desde os fins do
século XII;” (RUCQUOI, 1995, p. 246) e desta maneira, a cavalaria22 passou a ser
vista como uma virtude e como uma profissão querida por Deus a fim de promover o
bem estar do homem. Com efeito:

As ordens militares, criadas durante a primeira cruzada na Terra Santa


serviram como fonte para a difusão do ideal de cavalaria dentro da nobreza
medieval portuguesa, foram ainda as “divulgadoras, na Península, da
mentalidade cruzadística: a guerra santa, seu motivo, sua ideologia. A
Reconquista ibérica possuiu especificidade própria. Foi uma forma de
combate medieval em que seus antagonistas – cristãos e muçulmanos –
não se consideravam com as mesmas qualidades, com os mesmos direitos
humanos.” (COSTA, 1998, p. 41)

_______________
22
A cavalaria pode ser entendida, neste sentido como uma instituição, implicando, em sentido
abstrato, dignidade, ordem, posição e qualidade de cavaleiro, ou, em sentido feudal, vassalagem
através da prestação de serviço e da boa subordinação pessoal, com todo o sistema pertinente de
códigos e costumes religiosos, morais e sociais.
44

Tais processos de transformações não ficaram restritos apenas no século XIII.


Estenderam-se até o final do século XIV, porque segundo José Mattoso, o ideal de
cavalaria “impôs-se muito lentamente ao conjunto da classe nobre, decerto porque
se considerava sobretudo como função profissional própria de uma categoria inferior
da nobreza.” (MATTOSO, 1993, p. 184) Sendo esta época uma fase de mutações na
composição, mentalidade, recursos materiais e a força política da nobreza, Adriana
Mocelim nos fala que:

Esse novo ideal de nobreza, que a considerava tanto como categoria moral
como social, vinha ao encontro daquela nobreza que com o final das
operações de Reconquista não tinha mais uma justificação prática. Foi em
função disso que a alta nobreza dedicou-se ao estudo de suas próprias
características enquanto cavalaria, pode-se comprovar isso com as
publicações do príncipe castelhano Juan Manuel e do Conde Pedro de
Barcelos em Portugal, durante o século XIV. (MOCELIM, 2004. p. 36.)

Percebe-se ainda, que a relação desta nobreza para com o rei é de afirmação
da própria como essencial tanto para o rei e suas atribuições como também para o
reino em si, para a sociedade portuguesa como um todo. Em contrapartida, o rei
também deve ter em mente que sem este apoio da nobreza não se sustentará
sozinho no trono. A esse respeito, Fátima Fernandes enfatiza que:

no entanto, devemos ainda considerar que um rei medieval não pode


governar apenas sustentado pelas suas elites de poder. O equilíbrio interno
das forças sócio-políticas é vital para a sobrevivência da monarquia. Assim,
desde os inícios da monarquia portuguesa, os reis fomentam o
fortalecimento da base municipal, com isto, além de estabelecer as bases
patrimoniais do reino criam apoios políticos de equilíbrio frente às
constantes pressões nobiliárquicas. Logo, entendemos que o
funcionamento da sociedade política medieval implica na manutenção de
um equilíbrio entre o rei e as suas bases de poder, um pacto que não pode
ser rompido unilateralmente sob risco de deposição régia ou perseguição
justificada. (FERNANDES, 2005. p. 171)

Outro episódio interessante para ser analisado neste contexto de relações


entre o rei e a nobreza, é a Guerra Civil de 1319-132423. Neste sentido, a guerra
representou uma revolta desta fidalguia, - representados pela nobreza de corte, ou a
uma segunda ou terceira nobreza (MOCELIM, 2004. p. 9)- contra a centralização
régia de D. Dinis (1279-1325), mediante o trabalho cada vez mais incidente dos
inquiridores reais, e mesmo sob diversos protestos, elas continuaram a existir.
Assim, “os abusos das jurisdições senhoriais continuavam a ser combatidos,
_______________
23
Esta Guerra Civil já foi evidenciada no primeiro capítulo. Cf. p. 21-27.
45

enquanto a postura da nobreza começava a se modificar. Passa da passividade à


intriga, e desta à violência após garantir o apoio do infante D. Afonso.” (CARVALHO,
2008. p 18) Todavia, isto não significa que o conjunto desta nobreza aderiu à causa,
porque de acordo com Carvalho:

Ao longo do reinado anterior, de D. Afonso III, o monarca reuniu ao seu


redor, um corpo de nobres menos ligados à exploração fundiária e mais
próximo da corte, e que de certa forma esteve em posição antagônica à da
nobreza tipicamente senhorial. Esta, desprovida de alguns de seus
privilégios, compôs a base da oposição a D. Dinis liderada pelo infante.
Apesar de haver a possibilidade de recuperação dos laços de parentesco e
das relações mais próximas, ou parte destas “duas nobrezas”, a tenção
entre os dois grupos era latente. (CARVALHO, 2008. p. 19)

A oposição à autoridade central foi marcada por uma grande diferença no


reinado de D. Dinis em relação aos de seus antecessores. Neste momento surgiram
algumas lideranças entre a nobreza. A maioria das queixas era contra seu desejo de
controlar o regimento da justiça em Portugal. Ora, se os nobres aliados do infante
conseguissem uma administração judicial menos rigorosa, ou uma autoridade mais
maleável ante seus interesses, seria assim um benefício. Tal benefício era no intuito
de restaurar parte da jurisdição que a própria nobreza perdeu ante a ampliação de
atribuições jurídicas da monarquia. Com efeito, a guerra civil foi provocada pela
reação à implementação de uma autoridade monárquica mais rígida em relação ao
poder da nobreza senhorial, que buscava suprimir suas prerrogativas ao poder régio.
(CARVALHO, 2008, p. 19).
Basicamente, é essa a tônica que vigora no reino português durante o final do
século XIII e a primeira metade do século XIV. Em determinados momentos, o rei
busca com maior voracidade a centralização do poder régio, e em outros, é a própria
nobreza que irá demonstrar suas intenções de também se afirmar como detentora
de certo poder e apta a exercer maior influencia no reino. Assim, percebe-se que na
figura de Afonso III, foi iniciada a centralização do poder na mão do rei, promovendo
inquirições mais detalhadas e frequentes, visando garantir com maior efetividade os
direitos que detinha a autoridade régia. Além disso, desenvolveu então, uma intensa
e importante atividade normativa, o que gerou forte resistência à suas ações,
embora, sem causar movimento revoltoso consistente. Foi também neste nuance
que seus sucessores, D. Dinis e D. Afonso IV governaram: fortalecendo cada vez
mais a política de centralização régia e exercendo forte habilidade política para lidar
com a nobreza no jogo do poder.
46

4 A RECONQUISTA

No capitulo anterior fizemos um panorama referente à aristocracia de forma


geral, discutindo o conceito e quais os elementos que a compunham. Na sequência
foi observado de forma mais atenciosa, como estava organizado o grupo
pertencente a esta aristocracia em Portugal: a nobreza medieval entre os séculos
XIII e XIV, tomando como ponto de partida uma breve vistoria acerca desta nobreza
nos séculos anteriores. No entanto, devemos ressaltar que conforme dito no capítulo
anterior, a nobreza medieval portuguesa estava inserida no contexto do processo de
Reconquista. Assim, é a partir deste conceito que iremos dar continuidade nesta
terceira parte do estudo.
Em um primeiro momento devemos ressaltar que a palavra “Reconquista”,
segundo Ricardo da Costa (1998, p.77), é um “termo que abrange, tradicionalmente,
o período que vai do ano de 718, ano da revolta de Pelágio 24, ao ano de 1492,
quando da conquista do reino de Granada. Este processo foi em decorrência do fato
que “em 711, tropas muçulmanas vindas da África do Norte invadiram praticamente
toda a Península Ibérica, pondo fim ao Reino Visigótico. Apenas pequenos reinos
cristãos subsistiram” (DEMURGER, 2002. p. 41).
Assim, trata-se de um lento processo de expulsão dos muçulmanos da
Península Ibérica pelos cristãos que se iniciou no reino das Astúrias – norte da
península – e rumou em direção ao sul até chegar ao reino de Granada, último local
de resistência Muçulmana. Além disso, José Mattoso ressalta que o processo de
reconquista foi “um movimento contínuo, uniforme, de caráter simultaneamente
religioso, ético e político” (MATTOSO, 1997, p. 424).
Em 1212, a vitória cristã de Navas de Tolosa (coligação dos reis de Portugal,
Castela, Navarra e Aragão) e a conquista do vale do Guadalquivir 25 marcaram o

_______________
24
Pelágio foi filho do duque de Córdoba chamado Fávila. Foi capturado pelas tropas do governador
árabe muçulmano Muniza, no ano 716, após a queda do reino visigodo e ocupação da Península
Ibérica pelos mouros. Escapou do cativeiro no ano 718 e iniciou a resistência ao invasor, tornando-se
o primeiro rei das Astúrias, cuja corte foi fixada na cidade de Cangas de Onis. Venceu o governador
mouro Muniza durante a Batalha de Covadonga no ano 722, e faleceu em Cangas de Onis, no ano de
737. Disponível em <http://cronohistory.blogspot.com.br/2014/08/idade-media-ano-718.html>. Acesso
em: 6 mai. 2015.
25
O vale do Guadalquivir é atravessado de leste a oeste pelo rio que lhe dá nome. Esse vale é
fechado, no sul, pelas montanhas do sistema Bético, que descem rapidamente para o Mediterrâneo e
configuram uma costa de modo geral abrupta, entre o estreito de Gibraltar e o cabo da Nau.
47

início da última fase de expansão dos reinos cristãos peninsulares. No Garb-Al-


Andaluz26, durante a primeira metade do século XIII, os cavaleiros da Ordem de
Santiago, comandados por D. Paio Peres Correia, juntamente com os exércitos de
Portugal, Leão e Castela, conquistaram, de forma progressiva e significativa, varias
cidades e castelos. Como referido, este processo foi lento, pois somente teve seu
fim em 1492 com a conquista de Granada quando Boabdil, último rei de Granada,
entregou as chaves da cidade aos Reis Católicos (Isabel de Castela e Fernando de
Aragão), marcando assim o fim do domínio muçulmano na Península:

Sob o ponto de vista estritamente político, todos os reis peninsulares se


consideravam herdeiros legítimos e descendentes dos antigos monarcas
visigodos. Consequentemente haviam por sua toda a terra que pudessem
ganhar ao infiel. Assim surgiu a palavra Reconquista, plena de significado. A
guerra permanente tinha-se por justa, até que fosse alcançado o objetivo
último. Mais do que um conflito religioso, a Reconquista surgia a todos, na
Europa cristã, como uma questão de herança. (MARQUES, 1996, P. 72-73)

Desta forma referimos o caráter político da Reconquista, que serviu aos


monarcas ibéricos como de meio de afirmação e engrandecimento. Aliás, logo em
718, quando se inicia, a Reconquista foi uma questão de sobrevivência política para
o pequeno reino das Astúrias. Posteriormente, do século X em diante, os reis
ibéricos passaram a se considerar como os legítimos descendentes dos antigos
monarcas visigóticos, cujo reino os invasores muçulmanos tinham usurpado em 711.
Portanto, toda a terra que ganhavam não era vista por eles mais do que
simplesmente a recuperação de algo que legitimamente lhes pertencia. Este
pensamento viria a ser comum já entre os primeiros reis de Portugal, como veremos
logo adiante.
Conforme explica Ricardo da Costa (1998, p.79): “assim, num sentido estrito,
entendemos como Reconquista um processo de expansão territorial ibero-cristã de
clara motivação religiosa – propulsor ideológico do alargamento das fronteiras da
cristandade ocidental”. Tal motivação religiosa é um reflexo de caráter cruzadístico,
pois:

Disponível em:<http://www.colegioweb.com.br/paises/espanha.html#ixzz3ZHX4WtPZ> acesso em: 05


mai. 2015.
26
O Gharb Al-Andalus, ou Ocidente do Al-Andalus, é o nome do território da Península
Ibérica durante o período Árabe, “grosso modo” correspondente à antiga província da Lusitânia
Romana. Inclui o atual Sul de Portugal, limitado a Norte de forma inconstante pelos diferentes
traçados que a linha de fronteira com os Reinos Cristãos apresentou, e parte das atuais Andaluzia,
Extremadura, Castilla e Leon Espanholas. Disponível em
https://historiasdeportugalemarrocos.wordpress.com/2014/03/30/cronologia-do-gharb-al-
andalus/#more-1494 Acesso em: 5 mai. 2015.
48

A formação e consolidação geográfica do reino de Portugal foram frutos


diretos da guerra, tanto contra castelhanos como contra mouros. As vitórias
militares de Afonso I permitiram-lhe usar o título de rei, consolidando sua
autoridade e assegurando-lhe um amplo território com várias províncias. Por
outro lado, na primeira metade do século XIV, a nobreza portuguesa
associava a glória passada da realeza borgonhesa à sua presença em
campo de batalha contra os muçulmanos. (DA COSTA, 1998, p. 117)

Segundo Adeline Rucquoi a guerra de reconquista não era exclusiva dos


nobres, pelo contrário, participava dela a população em geral da península, seja
“fisicamente, com ou sem cavalo, financeiramente pela concessão de contribuições
ao rei, servicios castelhanos, ayudas navarras” (RUCQUOI, 1995, p. 217), então
todos que ali viviam participavam desta empreitada. Ainda sobre a questão de
política administrativa durante a Reconquista no reino português, “os reis da casa de
Borgonha sempre levaram em conta as necessidades administrativas que se faziam
prementes após cada vitória militar” (DA COSTA, 1998, p. 119). Não podemos
esquecer que obviamente havia motivações dos reis e principalmente da nobreza,
de manter asseguradas suas terras, assim como também ressaltar que esta nobreza
servia-se também da função guerreira, pois conforme já explanado no capítulo
anterior, sua identificação e importância estava, dentre outros fatores, principalmente
na situação de guerra em que se encontrava a Península Ibérica.
Em um segundo aspecto, mesmo com tais questões político-administrativas,
não se descaracteriza o fator principal da Reconquista portuguesa ser calcada no:

espírito cruzado presente na Península. Na visão historiográfica do século


XIV, Afonso I possuía forte ligação ideológica com a perspectiva
cruzadística. A Crónica Geral de Espanha de 1344 atribui suas vitórias
frente aos mouros graças à sua devoção nas orações de São Bernardo,
abade de Clairvaux, monge cisterciense e pregador cruzadístico, uma das
grandes personalidades do século XII na Europa e intimamente ligado à
Ordem do Templo. (DA COSTA, 1998, p. 119)

Desde finais do século XI, os aspectos religiosos adquirem um caráter


vinculado na luta que opôs os cristãos aos muçulmanos. A relativa tolerância, que
havia e que era fruto de um convívio de quatro séculos, diminuía com o passar do
tempo, perante a forte presença do fator religioso por parte dos almorávidas e dos
almôadas, o qual fomenta, por sua vez, a mesma postura por parte dos cristãos. A
Reconquista assume, então, contornos de guerra santa, merecedora de tanta
consideração como as Cruzadas à Terra Santa. Com efeito, a designação de
Cruzadas do Ocidente para a Reconquista peninsular confirma este fato:
49

o papa Pascoal II confirmou-o solenemente em 1102 -, uma cruzada, uma


guerra justa e santa, no decorrer da qual aquele que encontrava a morte
tinha o paraíso assegurado. Essa guerra, conduzida em nome da
cristandade, era a tarefa de todos os Espanhóis – Castelhanos,
Portugueses, Aragoneses, Navarreses -, do rei e dos seus nobres até o
ultimo peón das milícias urbanas. (RUCQUOI, 1995. p. 290)

Foi assim que os reis peninsulares usufruíram de várias bulas papais, que
exortavam à expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica, concedendo
indulgências aos que participavam na luta. Podemos destacar especialmente “a
pregação da 2ª Cruzada por Eugénio III e Bernardo de Claraval a partir de 1146 abre
a possibilidade de confluência entre a cruzada oriental e a ibérica” (MONTE, 2008, p.
05). Por várias vezes, os reis de Portugal puderam mesmo contar com a ajuda dos
cruzados que passavam pela região ibérica a caminho da Terra Santa: em 1147,
para a conquista de Lisboa; em 1189, para a conquista de Alvor e Silves; em 1197,
para nova tentativa de conquistar Silves; em 1217, na conquista definitiva de Alcácer
do Sal (DA COSTA, 1998. p. 120-121). Assim, para o fortalecimento do ideal de
cruzada muito contribuíram também, as ordens militares e religiosas introduzidas na
Península no século XII: os Templários em 1128, os Hospitalários por volta de 1150;
os monges de Calatrava e de Santiago, também por volta de 1170. Todos eles se
revelaram auxiliares preciosos na conquista de terras.
De modo geral, desde a Reconquista, os reis ibéricos passaram a ser
chamados de “cruzados permanentes”. Como tais, possuíam as mesmas
prerrogativas conferidas aos cruzados que lutaram na Terra Santa (RUCQUOI,
1992, p. 69). É certo que essa característica assumida pelos monarcas peninsulares,
especialmente os de Castela, Portugal e Aragão, trouxe-lhes tais prerrogativas;
todavia, não podemos dizer que isso os tenha tornado independentes em relação ao
clero. Não obstante o papado necessitar do rei e da nobreza para recuperar os
territórios reclamados pelos cristãos, essa autonomia dos reis não deixou de trazer
tensões para com o clero, como no caso do conflito entre D. Afonso IV de Portugal e
50

Álvaro Pais, bispo da diocese de Silves durante a guerra entre Portugal e Castela 27.
Desta maneira, no decurso de uma transformação do poder político tardo-medieval
peninsular, é possível destacar certo apelo à legitimação do poder régio e de
propaganda dos atributos de rei no universo laico, produzindo imagens régias
ligadas à religião – tais como rei ungido, cristão, virtuoso, fiel.
Conforme foi apresentada a contextualização do reino de Portugal no primeiro
capítulo deste estudo - e não ignorando, mas por hora deixando de lado o avanço
que o reino conquistou - convém destacar que:

Entre 1325 e 1411 foi marcada por uma sucessão de casamentos, de


ingerências mútuas, de ajudas, de escaramuças e de guerras com a
Castela vizinha, tendo como fundo a rivalidade pelo controlo do Estreito de
Gibraltar que comandava o comércio entre o Mediterrâneo e o Atlântico, e
que levaram à dissociação definitiva dos dois reinos. (RUCQUOI, 1995, p.
197)

Desta maneira, como nos mostrou Adeline Rucquoi, percebe-se que havia
certa instabilidade política na Península Ibérica, pois frequentemente ocorriam
desavenças entre os reinos cristãos, tal como já exemplificado quando discutida a
contenda entre Portugal e Castela. Ainda no mesmo ano de 1339 e pouco tempo
depois do estabelecimento de paz entre os reinos, novamente a Península Ibérica
tornou-se palco do conflito entre cristãos e muçulmanos, o que culminou na Batalha
do Salado no ano seguinte, em 1340.
Portanto, verificado o conceito do termo Reconquista e o que representou
para o período tardo-medieval e de forma mais especifica ao reino de Portugal,
observa-se a conjuntura em que está inserida a Batalha do Salado. Sendo assim,
passaremos em seguida ao próximo e principal tópico deste estudo, que é
justamente a Batalha do Salado

_______________
27
Durante a guerra com Castela (que durou de 1336 a 1339 - a qual já foi descrita no primeiro
capítulo deste estudo p. 25), o bispo D. Álvaro Pais indispôs-se com o rei D. Afonso IV advertindo-o
para não fazer guerra a outrem, tirando para isso, proveito dos bens das igrejas e dos pobres.
Reclamava ainda numa mensagem destinada ao monarca, que este havia sobretaxado o seu
bispado, o que não fizera com outras dioceses, e que, por causa da transgressão às imunidades
eclesiásticas, não poderia cumprir as suas obrigações como despenseiro daqueles bens. (COSTA,
1996, apud SOUZA, Armenia Maria. “A realeza cristã ibérica no Espelho dos reis de frei Álvaro Pais
(séc. XIV)”, In: Revista Dimensões, Espírito Santo, n. 27, 2011. P.189-215. Disponível em <
http://www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/2590/2086> Acesso em: 14 mai. 2015.
51

5 A BATALHA DO SALADO

Conforme visualizado o panorama contextual do reino português durante o


período dos reis D. Dinis e D. Afonso IV, em um primeiro momento ele refere-se à
organização política interna e externa, mais especificamente nas relações com o
reino de Castela. Posteriormente, verificamos quem era esta nobreza portuguesa no
período e a forma como tal estava organizada. Por último, foi apontado o que foi o
processo de Reconquista e quais eram seus aspectos.
A partir deste momento, o foco deste estudo será voltado para a batalha em
si, ao passo que paralelamente será feita a análise da mesma mediante as fontes
que possuímos. Assim, é importante ressaltar que passaremos a fazer uso da
crônica do rei D. Afonso IV. Será também utilizada como fonte a narrativa da
batalha, contida no título vinte e um do Livro de Linhagens do Conde Pedro de
Barcelos28. Além disso, sobre esta narrativa, a mesma será também analisada em
um segundo momento. Não obstante, destacamos que tomaremos como ponto de
partida os antecedentes que motivaram e culminaram no derradeiro momento da
Batalha do Salado, que foi entre os dias 28 e 30 de outubro de 1340. Portanto,
conforme dito acima, o momento específico da batalha presente na narrativa terá
atenção especial.

5.1 ANTECEDENTES DA BATALHA

Alguns anos antes de ocorrer a querela entre Portugal e Castela entre os


anos de 1336 e 1339, o rei Afonso XI de Castela promoveu uma ofensiva cristã
contra os muçulmanos, fazendo com que o sultão Muhammad IV de Granada
apelasse para o Marrocos. Na região do Marrocos, a dinastia que controlava era a
dos merínidas29, a qual vinha anexando outros reinos berberes menores do norte da
África30. Esta dinastia tinha como líder o sultão Abû-l-Hasan’ Ali31 (1331-1351).

_______________
28
Trata-se do segundo filho bastardo do rei D. Dinis com Gracia Frois. Nasceu na cidade de Torres
Vedras por volta de 1280. Conforme dito no primeiro capítulo deste estudo, foi o terceiro conde de
Barcelos. Atribui-se a ele a autoria do Livro de Linhagens por volta de 1340, e também a Crónica
Geral de Espanha de 1344.
29
Merínidas (ou marínidas) era uma dinastia berbere de Fez que reinou no Marrocos de 1196 a 1464,
substituindo o poder Almôada.
30
(...) caso dos de Tlemcen ou Tremecem, nas mãos dos Abd AL-Wadides a partir de 1236(...) e o de
Tunis, chefiado pelos Hafsidas (...), daí resultando a reunificação política de grande parte da Berberia
e o reconhecimento islâmico do poder detido pelo sultão de Fez, bem patente na homenagem que lhe
52

Assim, Enquanto os reis de Portugal e Castela guerreavam entre si, os muçulmanos


avançavam novamente sobre a Península Ibérica. Então, em 1333, Abû-l-Hasan’ Ali
retomou Gibraltar para o mundo muçulmano. No ano seguinte, embora o papa João
XXII garantir uma nova pregação de cruzada, Afonso XI de Castela estabelece uma
trégua com Yusuf I, emir de Granada; que embora muçulmana e como reino
independente, prestava laços de vassalagem com Castela. (HOUSLEY, Norman
apud DA COSTA, Ricardo. 1998 p. 235)
Devido às contendas internas e a heterogeneidade dos territórios sob a Coroa
castelhana e a privilegiada situação geográfica, os granadinos conseguiram manter
sob controle muçulmano os portos de Algeciras e Gibraltar, almejando também
tomar a cidade de Tarifa, o que viabilizaria uma invasão muçulmano-marroquina na
Península. Tais invasões em grande peso, contudo, demoraram a ocorrer devido a
disputas internas em Granada e no sultanato benimerine. Assim, com o fim do pacto
firmado entre Afonso XI e Yusuf I, as hostilidades reiniciaram.
Em 1339, Abu Malik, filho de Moḥammad IV, sultão de Granada, ocasionou
um combate contra o exército de Afonso XI, quando tentou apoderar-se do território
da região de Gibraltar, porém esta investida fracassou: “após ter tomado Gibraltar e
efectuado importantes razias na zona circunvizinha, é morto por tropas castelhanas”
(LALANDA, 1989. p. 121). Desejando vingança, Abû-l-Hasan’ Ali invade o sul da
Península mediante uma aliança formada com o emir de Granada. Assim, ao longo
de meses, mais de uma centena de navios carregados de tropas cruza o estreito e,
diante de Gibraltar, conseguem derrotar a frota defensiva castelhana.
Posteriormente, “uma segunda armada, constituída também por embarcações de
Aragão e Gênova, cuja ajuda é pedida por Afonso XI, e por algumas portuguesas, é
destroçada por um temporal” (LALANDA, 1989. p. 121).
Diante deste cenário em que o rei Afonso XI percebe que as forças
muçulmanas estão avançando em direção aos reinos cristãos, o mesmo não hesita
em buscar apoio junto aos reis ibéricos. Assim, ordena para que sua esposa, a
rainha D. Maria viaje para Portugal para implorar auxílio ao pai contra o inimigo
comum:

fizeram, após a conquista de Tlemcen em 1337, os monarcas do Sudão e os do Egito mameluco.


KRUS, Luis apud DA COSTA, Ricardo. Op. Cit, p. 235.
31
Sultão de Marrocos entre 1331 e 1348. Na crônica do Rei Afonso IV, assim como no Livro de
Linhagens do Conde Pedro de Barcelos, é chamado de Almafacem, Albofacem, Alibohacem ou
Albohacem.
53

& assi com arrepresentaçam destas necessidades em sua pessoa


aproueitaria nellas muyito, & e a Raynha outrogado na vinda de Portugal, &
aparelhada pêra isso com a trigança, que a tal necesidade requeria, vindo
em romaria primeiro a Terena, dahi se veyo loguo á Cidade de Evora em
Portugal onde elRey, & a Raynha Dona Beariz seus Padre, & Madre,
sabendo que vinha a vieram esperar e receberam com myuta honra & com
sinais de grande amor, & logo sem mais trespasso a Raynha co grande
humildade, & muytas lagrimas, disse a elRey o fundamento, esperança &
necessidade, com que vinha que era pedirlhe com grande efficacia que em
sua pessoa, & com as gentes darmas, & frotas, & tizouros de seus Reynos,
quizese em taõ evidente periguo hir ajudar elRey Dom Affonso seu marido,
contra os Mouros inimigos de Fee & e da Cruz, porque em sua ajuda, &
esforço de sua real pessoa elRey tinha tal confiança q se o visse cõ siguo,
afirmava que nam temeria dar batalha a todo o mundo, que lhe fosse
contrario quãto mais aos Reys de Marroquos, & Grada, de quem com graça
de Deos esperava aver loguo certa, & desejada victoria. (PINA, 1936. p.151-
152)

Após D. Afonso IV ter recebido sua filha e ouvir dela a solicitação feita pelo
seu genro o rei de Castela e ficar a par da gravidade da situação, prontamente ele
respondeu que atenderia ao pedido de ajuda. No entanto, D. Afonso IV “pera fazer
cõ prudência, & bom resguardo como devia, tendo sobre isso conselho com os
principais de sua Corte” (PINA, 1936, p. 153), foi aconselhado por alguns membros
que a sua ida era apressada, e que necessitaria certo tempo para reunir contingente.
Também fizeram pouco caso da situação:

sua hida tam apressada devia porentam escusar em sua pessoa, assim
pelas muytas gentes que lhe loguo compriam, & nom eram prestes como
por outros grãdes percebimentos de armas, cavallos, que todos heram
necessários, que loguo assim nam teriam, & que este hera hum forçado
inconveniente, pois que de necessidade o aviam de aver cõ tamanho poder
de Mouros, & já tam exercitados na guerra. (PINA, 1936. p. 153)

O rei, após ouvir tais conselhos e opiniões, as quais lhe eram contrarias,
prontamente repreendeu os membros desta corte e alegou que “overdadeiro & leal
Portuges onde quer que estiuesse por obras, & bom coraçam o segueria indo contra
os imigos da Fee, & por defensaõ da terra dos Christãos.” (PINA, 1936. p. 153) Com
efeito, após a decisão de Afonso IV de prestar ajuda ao genro, prontamente reuniu
um contingente e partiu para a cidade de Sevilha, onde encontrar-se-ia com o rei de
Castela e seu exército, para enfim rumarem à cidade de Tarifa, que estava cercada.
Posteriormente, já reunidos em Sevilha, Os Reis de Portugal e Castela
decidem por enviar uma mensagem ao sultão Abû-l-Hasan’ Ali o avisando:
54

que co ajuda de Deos hiaõ pera socorrer, & descerquar Tarifa que elles
[muçulmanos] tinham cerquada, que lhes rogavaõ que parase escuzar antre
todos derramamento de tanto sangue, quato por sua cauza se aparelhaua,
se quizessem alevantar da quelle cerquo & tornasse loguo para suas terras
para que lhes dariaõ seguro, & e vivessem todos em paz, ou tregoa qual por
melhor ouvessem, & que assi o naõ quizessem loguo fazer, que antre elles
senaõ escuzava necessária, & perigosa conteda, na qual pois tinhaõ nomes
de Reys tam grandes, & estauam tão riquos & poderosos que a elles seria
vergonha. (PINA, 1936, p. 158)

Neste trecho percebe-se que mesmo os reis oferecendo a opção de


desistência do cerco, e que garantiriam segurança para o retorno dos muçulmanos
às suas terras, ainda assim demonstravam que não hesitariam em travar uma
batalha contra os muçulmanos.
Por outro lado, logo que o sultão recebeu a mensagem, este se reuniu então
com um conselho formado pelos muçulmanos para discutir qual seria a decisão e
que postura deveria ser tomada. Neste conselho, segundo Ruy de Pina (1936, p.
158-159) foi um muçulmano já idoso, experiente e que possuía certa autoridade,
após dizer que os cristãos eram muito poderosos, bons guerreiros e que possuíam
um grande contingente e estavam determinados a vencerem uma futura batalha;
aconselhou a todos que seria prudente por hora levantar o cerco, pois estava na
época de inverno e acreditava que os sitiados de Tarifa possuíam provisões em
virtude do inverno, e que o cerco não seria tão vantajoso. Ao contrario, pensava ser
mais prudente e efetivo retornar e fazer o cerco à cidade no verão. Além disso,
ressaltava também que os cristãos não poderiam reunir tão numeroso contingente
sempre. Com estas palavras, muitos ali concordavam com o que foi dito. Por outro
lado, o emir de Granada, se posicionou contra este idoso conselheiro, e falando
diretamente a Abû-l-Hasan’ Ali, lembrando-o de todos os feitos e conquistas que
tiveram por África e principalmente sobre os motivos que os mesmos encontravam-
se ali, lembrou:

porque ganhada contra elles esta Victoria, tua será Espanha, até Frãça, as
quais por direito, & sucessam de nossos avos ainda He nosso patrimônio, &
e quando a desauentura for tanta que sejas, & e sejamos contiguo vencidos,
ainda entam naõ serà deshonra nossa ne vituperio, pois nobres Reys, &
bons caualleyros nos vencem, & e por naõ cudarmos mais nas cousas de
periguo que lembradas fazem mayor medo, vai tu Rey poderoso contra
elRey de Castella, & eu contra elRey de Portugal, & Deos nos ajudará.
(PINA, 1936. P. 159)
55

Mediante este discurso, teria Abû-l-Hasan’ Ali resolvido com o poder da


palavra final no conselho, responder aos reis cristãos através de seu mensageiro
uma carta dizendo:

que elles por desprezo & e abatimento dos Christãos tinham cequado
Tarifa, cujo cerquo naõ aviam de leyxar, até ser sua, & que outro tanto
fariaõ loguo a Em xares, & e que em qualquer maneira viessem ali os
achariaõ porque com seu medo se nam aviam de partir. (PINA, 1936. p.
161)

Assim, quando os reis de Portugal e Castela receberam a mensagem de


resposta que lhes foi enviada, ficaram convictos de que não havia outra saída que
não fosse por meio da batalha para conseguir socorrer a cidade de Tarifa. Então,
após ter decidido o que fariam:

com esta determinaçaõ partiram loguo os Reys de Sevilha, & e se foraõ


alojar huma legoa ale de Alcala de Guadaira, & e ao outro dia foraõ a
Vtreira, & de terminaram de fazer (como fizeraõ) suas jornadas muyto
pequenas, por esperarm suas gentes, de que algus eram em caminho, (...)
e dahi ás couas de Tojos, & e dahi loguo junto do rio do Salado, que he há
legoa a travès de Emxere, & naõ faraõ pela villa, pela guardar, dos damnos,
& e estragos da gente do Arrayal, & dali partiraõ os Reys, & foraõ alojarse
alem de Gadalete, onde fazendo de necessidade algua demora chegaraõ a
elRey de Portugal mutas gentes, & e bem cõcertadas de seus reynos, de
que a Villa de Sanctarem era cabeça, cõ que Elrey foy muy alegre, & e assi
os do Arrayal; & ali chegou a elRey de Castella, Dom Pedro de Moncada
Almirante de elRey de Aragam,com certidam de Galles armadas que leixava
já no Estreyto sobre Tarifa, & dali foraõ os Reys assentar seus exércitos (...)
& Domingo vinte, & e sete dias do mês de Outubro chegarão a Pena do
Servo, donde os espatozos Arrayais dos Moutros já pareciam sobre Tarifa.
(PINA, 1936. P. 162-163).

Percebe-se que diante deste exposto, os cristãos foram reunindo seus


exércitos por vários locais enquanto dirigiam-se a Tarifa, até chegarem às
proximidades da cidade sitiada no dia vinte e sete de outubro de 1340, véspera da
batalha.
Na sequência da crônica, a partir do momento em que os mouros perceberam
que os exércitos cristãos chegaram, o sultão de Marrocos e o emir de Granada
resolvem levantar os arraiais com que haviam cercado Tarifa e destruir os engenhos
e os aparatos que utilizavam como ferramentas de controle do sitio. Em seguida, o
sultão de Marrocos ordenou para que armassem suas tendas em um lugar mais alto
e afastado da cidade. Assim também o fez o emir de Granada, que ordenou aos
seus que montassem acampamento próximo a serra que havia ali perto.
Na manhã do dia seguinte, a crônica nos diz que:
56

loguo ante manham os Reys em suas tendas co grande contriçam, & e


arrependimento de seus peccados, se confesaram a seus confessores que
cõsiguo raziam, & assim com grade, devaçam, & e muyta humilidade, como
fieis, & verdadeiros Christãos.ouviraõ Missa & receberão o Sancto
Sacramento, & e se encomendaraõ a Deos, & e per geral mandado todo-los
outros Christãos do exercito assim ofizeram. (PINA, 1936. p. 166)

Assim, logo após a celebração da missa, Dom Gil, arcebispo de Toledo,


promoveu também um sermão de exortação a todos ali presentes, garantindo
indulgencias e remissões dos pecados, por virtude da Santa Cruzada que tinha em
mãos. (PINA, 1936. P. 166) Portanto, imbuídos desta motivação religiosa que
remetia a um ideal de Cruzada, os cristãos estavam prontos para o combate, e
assim partiram contra as hostes muçulmanas.

5.2 A BATALHA

Concluído anteriormente a verificação dos antecedentes que fomentaram o


derradeiro embate entre os cristãos e os muçulmanos, a partir deste momento
passaremos a descrever e analisar a batalha segundo consta na narrativa que serve
como fonte primária. No entanto, é necessário tratar algumas questões iniciais. Tais
questões significam que primeiramente será apresentada a fonte, mediante a uma
contextualização da mesma, e nela destacado alguns aspectos que são elementos
chaves neste estudo. Posteriormente o foco será retomado para o tema central e
seguirá de maneira fluida.
Diante do exposto, a partir deste momento será utilizada a narrativa da
batalha, cuja qual está contida no título vinte e um do Livro de Linhagens do Conde
Pedro de Barcelos. Sobre a narrativa, é importante destacar que:

A narrativa da batalha é resultado de uma extensa interpolação ao primitivo


texto da obra. Esta e outras interpolações existentes e reconhecidas são
resultado de refundições posteriores do livro e a descrição da luta
apresenta-se na sequência da Linhagem dos Pereira, a qual, tanto Lindley
Cintra quanto José Antonio Saraiva e José Mattoso confirma tratar-se de
material apócrifo, acrescentado entre 1360 e 1383. (FERNANDES, 2011,
P.77)

Todavia, conforme nos mostrou Fátima Fernandes, o trecho da narrativa foi


acrescentado posteriormente. Assim, referente à data:

é de presumir que esta seqüência de textos foi redigida depois da morte do


Prior D. Álvaro, [...] O Prior faleceu em 1373; a narrativa do Salado e os
outros textos do mesmo Autor foram escritos, portanto, entre esta data e
57

1383, ano da morte do Rei D. Fernando de Portugal. (SARAIVA, [19--], p.


14)

Outro fator importante que deve ser apontado refere-se à autoria:

Deve tratar-se de um amigo ou criatura do Prior, como é óbvio, e também


de uma personagem com suas ligações com a Ordem dos Hospitalarios.
Com efeito, a narrativa da batalha do Salado tem indicações muito precisas
sobre a ordem de batalha própria dos Hospitalarios, e explica essa técnica
de combate pelas condições da guerra contra os Turcos, a quem a Ordem
se dedicava. (SARAIVA, [19--], p. 13)

Não obstante, devemos salientar que é também nesta época em que Portugal
enfrentava uma crise dinástica32. Todavia, além da figura do Prior do Crato Álvaro
Gonçalves Pereira evocar a imagem de um nobre virtuoso; remete também à
Reconquista e o ideal de Cruzada:

Assim, esta fonte funcionaria como crônica particular de Álvaro Gonçalves


Pereira e instrumento alçador da sua linhagem às vésperas da crise
dinástica de Borgonha após o que outro expoente desta linhagem, seu filho
natural, Condestável Nuno Álvares Pereira assumiria esta função já na
dinastia de Avis. As ações do Prior da Ordem do Hospital representariam no
Livro de Linhagens o ideal cruzadístico aplicado a um nobre idealizado
lutando contra o infiel na Península Ibérica, o qual se sobrepõe ao ideal
régio ainda que na narrativa interpolada de Álvaro Gonçalves Pereira
destacam-se inúmeras ações de relevo que contribuem também na
construção do perfil de fiel vassalo. (FERNANDES, 2011. p. 81)

Neste sentido, podemos observar também que a nobreza nesta época, estava
passando por uma transformação, já mencionada no capítulo anterior, e que
necessitava se reafirmar como grupo de relevo. Com efeito, esta narrativa detém
certa influência de uma literatura cavaleiresca, oriunda das Ordens Militares que
emanam seus valores, e que também possuem posição de destaque numa
estratificação nobiliárquica. Tais prerrogativas justificam-se pelo serviço prestado à
fé e também ao reino, de modo que estes monges guerreiros deveriam ser vistos no

_______________
32
Entre o fim do século XIV e o início do XV, Portugal sofreu uma grave crise dinástica após a morte
do rei D. Fernando (1367-1383), o qual não havia gerado um varão legítimo e acabou deixando o
poder nas mãos de sua rainha, Leonor Teles (1350-1386). O casal tivera somente uma herdeira,
desposada com o rei de Castela Juan I (1379-1390). A ambição ao trono vizinho da parte do monarca
castelhano e a instabilidade política gerada pelo governo estar nas mãos de uma mulher, colocou o
território em guerra. Em meio a este quadro, uma improvável figura desponta como líder em defesa
dos interesses portugueses: D. João, Mestre de Avis e irmão bastardo de D. Fernando. Após diversos
embates, o ilegítimo filho do rei D. Pedro I (1357-1367) é eleito rei de Portugal nas Cortes de Coimbra
de 1385. TREVISAN, Mariana Bonat. A dinastia de Avis e um novo começo para a História de
Portugal no século XV: Fernão Lopes e a Sétima Idade. In: IX Simpósio de História: Fins e
recomeços da História em religiões, mitos e ideologias, 2012, São Gonçalo. Anais do VI Simpósio de
História: Revoluções, Repúblicas e Utopias, 2012. p. 123-130.
58

prisma tanto da narrativa do Salado quanto no Livro De Linhagens, como referência


e modelo a todo o conjunto da sociedade tanto cavaleiresca quanto nobiliárquica.
Portanto:

O seu desempenho e a qualidade de suas ações na defesa do reino contra


os inimigos da fé mostrariam a indispensabilidade destas Ordens e reveria
os critérios classificatórios de hierarquização dos estratos privilegiados,
relativizando defeitos de nascimento, sangue e patrimônio. A nobreza
portuguesa e peninsular deveria espelhar-se nestes homens da fé e da
espada a fim de recuperar sua auto-estima de grupo frente à crescente
centralização régia e à crise de identidade que atravessava havia algumas
décadas. (FERNANDES, 2011. p. 80)

Neste sentido, a Batalha do Salado representa uma oportunidade de


demonstrar valores, adquirir glória e garantir status:

Senhores, este é o nosso dia, em que havemos d’escrarecer, e este é o dia


da vitória e da honra dos fidalgos. Este é o dia da salvaçom de nossas
molheres e filhos e daqueles que de nós decenderem. E este é o dia em
que havemos semelhar nossos avoos, que ganharom a Espanha. Este é o
dia da salvaçom das nossas almas; nom se perca hoje per nossa fraqueza.
Feiramo-los de toda crueldade (PEDRO, Conde D. Vol. I p.245).

Neste trecho citado, é possível visualizar a ênfase em equiparar-se com os


antepassados nobres que participaram das campanhas da Reconquista. Igualmente,
também demonstra valores como honra e pertencer ao grupo de fidalgos. Assim,
“refletimos brevemente sobre a eficácia da construção e consolidação de uma
imagem ideológica do poder nobiliárquico, ao mesmo tempo dependente e
fortalecedor da própria monarquia.” (FERNANDES, 2008, P.04)
Outro trecho presente e igualmente importante de ser referido neste âmbito,
diz respeito à honra da cavalaria33:

O esforço era mui grande em eles, e faziam tam bem e tam igual, que todo
home que os viesse sofrer e ferir e matar em seus emmigos, [...] que os
nom louvasse de todo prez e honra de cavalaria. (PEDRO, Conde D. Vol. I.
p.245)

Desta maneira, é possível mais uma vez verificar a prerrogativa de honra para
o grupo da cavalaria como pertencente à nobreza.

_______________
33
O trecho se faz importante, pois dentro do recorte temporal e espacial trabalhado, quem compunha
a cavalaria, eram os nobres. Para melhor esclarecimento da posição de cavalaria como segmento
pertencente à nobreza, cf. p. 39 e seguintes. (há uma nota explicativa especialmete sobre a cavalria)
59

Resolvido tais questões iniciais sobre a fonte primária, voltemos o foco para a
batalha conforme descrita na narrativa. Salientamos que adiante seguirá a descrição
da batalha de maneira detalhada, sendo também destacadas algumas evidências –
as quais farão parecer que a descrição seja um tanto extensa. No entanto, é a partir
destas evidências que poderemos verificar a importância desta narrativa, assim
como quais eram as intenções do cronista-refundidor ao retratar a mesma.
Logo no início da narrativa e rompendo com a descrição da genealogia
referente ao Rei Ramiro, têm seu início de forma abrupta: “a sua natura é defender
por u vam” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.242). Em seguida, continua:

E aquel mouro Alcarac, polo que ja vira no ordinamento das lides que fariam
que faziam os cavaleiros hospitaleres, que os cristãos fezessem este
ordinamento da az do curral, ordinhou estas duas azes de coinha pera a
fenderem. A az de curral é redonda como môo e a as natura é de defender
os que Alá estam e pera saírem dela a lidar quando comprir.(PEDRO,
Conde D. Vol. I. p.242)

Percebe-se que o comandante mouro Alcarac reconhece os cavaleiros hospitalários


ali presentes se organizassem numa formação az34 de curral, assim, ordenou que
suas hostes formassem um az de cunha. Na sequência, o cronista-refundidor então
discorre sobre tais táticas de guerra:

E é feita d’asperões chantados as hastas no campo, e teem os esperões


ferros de tres quadras; estam os ferros contra os que querem entrar aquel
corral, eo corral é abarrotado d’escudos quadrados. Este ordinamento
fazem os cavaleiros do Espital naquela conquista que eles ham com os
Mouros, porque eles levam galees e [va]-xees (?), e por se colherem i os
cavaleiros que vam correr pela Turquia, se veerem com g[r]am aficamento
que achem i defensom, ca sempre eles leixam em estes curraes gram parte
de cavaleiros. E como se i todos juntam, os corredores e as algaras, saem
todos juntamente deles em magotes, e deles em azes longas, e deles em
azes de coinha e lidam com o poder dos Turcos. (PEDRO, Conde D. Vol. I.
p.242)

Percebe-se também que esta organização dos cristãos também servia como defesa,
pois as hostes muçulmanas atacariam com determinação. Demonstra também
grande respeito pelo poder bélico da Ordem do Hospital, ressaltando que tais
cavaleiros combatiam os turcos, ao mencionar que os mesmos eram os que tinham

_______________
34
Na Idade Média, az era a unidade de combate. Correspondia aproximadamente a um conjunto de
700 a 1.000 lanças – 2.100 a 3.000 homens. MARQUES, A. H. de Oliveira. Apud DA COSTA,
Ricardo. 1998. p.244.
60

costume de enfrentar os muçulmanos. Por sua vez, há também a organização tático-


militar nas hostes muçulmanas:

E Alcarac por esto se moveo a fazer este ordinhamento destas azes. E vez a
az do curral pera refrescar gentes aa lide e pera se colherem i os mal
chagados e pera sairem todo a lidar juntamente, se comprisse, e os que
perdessem cavalos pera cobrarem i outros. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.242)

Na sequência, o cronista-refundidor chama a atenção ao descrever uma


grande quantidade de combatentes: “e assi estavam os campos e vales e
montanhas cubertas deles, que os mais dos cristãos que i foram tiinham que tanta
cavaleria que Mouros nom podia haver em todo Africa nem em Asia.” (PEDRO,
Conde D. Vol. I.p.242) Todavia, ao relatar a enorme quantidade de combatentes ali
presentes, o cronista-refundior aponta que muitos cavaleiros acreditavam que era
um castigo divino, e que se tratava de uma oportunidade de fazer penitencia por
seus pecados (DA COSTA, 1998, p. 240). No entanto, outros acreditavam que o
número excessivo tinha uma origem mágica ou astrológica:

por que os Mouros som grandes estrologos, que faziam parecença de


fantasmas d’homees de cavalo, e nom eram tantos como pareciam.
Estavam tam fremosamente ordinhados pera lidar que bem era de pensar
que, posto que todos Espanhoes e Franceses e Alemaes e Igresses ali
estevessem, que haveriam lides pera VIII dias. (PEDRO, Conde D. Vol. I.
p.242-243)

Percebendo a superioridade numérica dos muçulmanos, os cristãos


precisavam de uma estratégia de combate. Assim, os reis cristãos fizeram um
acordo para dividir as hostes em duas partes:

el rei de Castela pela riba do mar, el rei de Portugal per antre as montalhas
e o campo. E ordinharom e defendrom que nem ûus nom se apartassem a
pelejar nem jugassem geneta, e que todos fossem ferir nas maiores azes a
mantenente. Os reis partirom-se ali, e ûu foi a destro e outro ao seestro
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.243).

Logo após as hostes se dividirem e tomarem cada qual o seu rumo, o


narrador da batalha faz a apresentação do rei Afonso IV. Nesta apresentação, ele
ressalta que este rei havia realizado grandes feitos anteriormente, e que esta
batalha seria a oportunidade ideal para que o rei recebesse a absolvição de seus
pecados perante Jesus Cristo:

E el rei dom Afonso de Portugual era de grandes feitos, quanto mais olhava
pólos Mouros, tanto lhi mais e mais crecia e esforçava o coraçom, como
61

home que era de grandes dias, e tiinha que Deus lhi fezera gram mercee
em o chegar aquel tempo u podia fazer emmenda de seus pecados por
salvaçom de sa alma e receber morte por Jhesu Christo.(PEDRO, Conde D.
Vol. I. p.243)

Conforme já mencionado neste estudo, na primeira metade do século XIV, o


ideal de cruzada ainda estava presente no imaginário cavaleiresco, pois havia em
comum o fato de que o inimigo daquela época de cruzada era o mesmo: o
muçulmano. Com efeito, podemos visualizar este ideal na exortação feita por Afonso
IV logo após tomar posição com suas hostes:

Meus naturales e meus va//ssalos, sabedes bem em como esta terra da


Espanha foi perduda por rei Rodrigo e ganhada pelos Mouros, e em como
outra vez entrou Almançor, e em como os vossos avoos, donde
descendedes, por gram seu trabalho e por mortes e lazeiras, ganharom o
reino de Portugual. Em como el rei dom Afonso Anrequiz, com que a eles
guanharom, lhis deu honras e coutos e liberdades e contias por que
vivessem honrados, e nom tam solamente fez esto a eles, mais por a sua
honra dava os maravedis aos filhos que jaziam nos berços, e os padres
serviam por eles; em como os reis, que depos el veeram, aguardarom esto.
Eu, depois que viim a este logo, fiz aquelo que estes reis fezerom; e, se
algûa cousa i ha pera emendar, eu o corregerei se me Deus daqui tira.
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.243)

Neste trecho, podemos observar também um sentido nobiliárquico do


cronista-refundidor, onde seu escrito possui um público certo: a nobreza, a qual
deveria ser novamente unida através da fraternidade das armas. Outro fator
importante é a terra – que servia como meio de ligação entre os nobres – também
era seu patrimônio hereditário. Com efeito, percebemos que Afonso IV, ao fazer o
discurso, relembrou o ideal de Reconquista. Assim, “a ideologia senhorial e o ideário
dos cavaleiros resumidos neste discurso, dão continuidade ao ideal de Reconquista”
(DA COSTA, 1998, p. 239). Não obstante, também nota-se a importância da ligação
do vassalo com o soberano: “muitas das suas histórias tem por tema os dramas da
lealdade que obriga o vassalo a incompatibilizar-se com o senhor por amor do
senhor, a quem se deve a verdade” (SARAIVA, 1964-1973 p.15). Além disso,
podemos perceber também que tal discurso serviria de motivação para não somente
reforçar a confiança dos nobres ante ao rei, como também para a batalha ser
enfrentada com maior entusiasmo:

Olhade por estes Mouros que vos querem guanhar a Espanha, de que
dizem que estam forçados, e hoje, este dia, a entendem de cobrar se nos
nom formos vencedores. Poede em vossos corações de usardes do que
usarom aqueles donde viides, como nom percades vossos molheres nem
vossos filhos e o em que ham-de viver aqueles que depois vós veherem, os
62

que i morrerem e viverem seeram salvos e nomeados pera sempre>>> Os


fidalgos portugueeses lhi responderom: <<Senhor, os que aqui estam hoje,
este dia, vos faram vencer, ou i todos prenderemos morte>> El rei foi desto
mui ledo. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.243-244)

Na sequência da narrativa, Afonso IV, após fazer o seu discurso, fala para o
Prior Álvaro, que o mesmo ordene trazer o símbolo religioso da Cruz do Marmelar,
que era guardada pela Ordem Dos Hospitalários em Portugal (DA COSTA, 1998, p.
250). Assim, o rei:

Disse [a] dom Alvaro Gonçalvez de Pereira, prior da Ordem da cavalaria de


Sam Joham no reino de Portugual, que fezesse mostrar a Vera Cruz do
Marmelar que lhi el mandara trager. E o prior do Alvaro de Pereira mandou
vestir ûu crerigo de missa em vestimentas alvas, e a Vera Cruz em ûa hasta
grande, que a podessem veer de todas partes, e fez o crerigo cavalgar em
ûu muu muito alvo, trouxe a Vera Cruz ant’el rei. (PEDRO, Conde D. Vol. I.
p.244)

Então, quando o Prior apresentou a relíquia, pediu não só para o rei como todos os
combatentes, que depositassem sua fé na mesma:

e dixe-lhi o priol dom Alvaro: << Senhor, vedes aqui a Vera Cruz, Orade-a e
poede em ela feuza e pedide-lhi que aquel que prendeu a morte e paixom
em ela por vos salvar, qu’el (?) vos faça vencedor destes que som contra a
sua fe. E nom dultedes que, pela sua vertude e por os boos fidalgos vossos
naturales que aqui teedes, havedes de vencer estas lides, e vós havedes de
vencer primeiro>>. El rei e aqueles que com ele estavam forom mui ledos e
esforçados destas palavras do priol dom Alavaro, e dixerom: <<Assi o
compra Jesus Christo>>. E fezerom sua oraçom a Vera Cruz mui
homildossamente.”(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.244)

Portanto, além da conotação religiosa do discurso, percebemos que no relato,


é o Prior quem profetiza ao rei português que ao colocar a bandeira da Santa Cruz
do Marmelar como intercessora junto a Jesus Cristo. Assim, os portugueses
alcançariam a vitória antes mesmo dos castelhanos.
O trecho seguinte da narrativa volta-se para a organização dos muçulmanos e
suas hostes em decorrência dos movimentos feitos pelos cristãos:

Alcarac, o Turco, vio como se partiam os cristãos. Mandou dizer Áli


Albofacem que os cristãos eram partidos em duas partes, e a ûa queria
entrar pela costa das montanhas pera darem na çaga, e que este saber que
os cristãos faziam, que bem coitava ordinhar que fosse a seu dano deles. E
que el fezesse sa lide com os que iam pela riba do mar, ca el em pequena
hora venceria aqueles cristãos, e seeriam logo com el a ferir çaga daqueles
que com el lidassem, mandou Alcarac reis e infantes e outros altos homees
acometer os cristãos com a metade dos XXXII// mogotes dos genetes e
arqueiros mui rijamente, os ûus na deanteira e os outros pelas costaneiras e
os outros na çaga.” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.244)
63

Podemos visualizar que assim como as hostes cristãs foram divididas em


duas frentes (portuguesas e casatelhanas), o mesmo ocorre com as hostes
muçulmanas.
Logo após a narrativa descrever esta organização, segue o primeiro momento
de combate direto, o qual a narrativa descreve como violento. Além disso, também
aponta que os muçulmanos eram bons combatentes e esforçados:

Ali se volveo a lide dos reis cristãos e dos Mouros mui danosa e mui crua e
sem piedade. Os Mouros eram muito esforçados e feridores de todas
partes. Aos ûus davam azagaiadas, ós outros de lançadas a mantenente, e
ós outros a espadadas, e ós outros de frechadas d’arcos torquies, que eram
tam espessas que tolhiam o Sol. [Ali caiam cavaleiros e cavalos mortos da
ûa e da outra parte, ali [veeri] ades cavalos sem senhores andar soltos, e os
cavaleiros que eram em terra filhavam-se pelos lazes das capelinas e dos
bacinetes, e davam-se das brochas, que as poinham da outra parte.]”.
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.245)

No trecho acima, além de demonstrar a violência do combate, também


demonstra que o mesmo estava equilibrado. No entanto, em um segundo momento,
a vantagem do combate aparenta ser dos muçulmanos, sendo reforçada no seguinte
trecho:

Os Mouros, nom se lhis olvidava aquelo por que ali veeram, ca eles
refrescavam cada vez dos mogotes que estavam folgados, e feriam os
Portugueses a destro e a seestro, assi que o aficamento era tamanho de
todas partes que home nom poderia mostrar. Os Portugueeses forom ferir
nas IIII azes dobradas, assi como lhis fora mandado pelos reis. Esto lhis foi
grave de fazer pelo aficamento grande dos magotes. Ali se renovou a lide
mui doorida de crueza e de sanha. Ali s’esmalhavam fortes lorigas e
britavam a especeavam e talhavam escudos, capelinas, bacinetes, per os
grandes e duros golpes que se davam.” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.245)

Na sequência, o cronista-refundidor aponta que a hoste portuguesa passou a


encarar um sofrimento, descrevendo com detalhes tal violência e dificuldade. Além
disso, aponta também que os cristãos estavam em menor número, o que facilitava
para as hostes muçulmanas:

As chagas eram muitas, de que se vertia muita sangue. Os Portugueeses


assi forom durando e sofrendo sa batalha em tal pressa e coita como
ouvides, mais todo seu trabalho nom lhis valia rem, porque u tiinham
matreitos os Mouros, refrescavam-se cada vez dos que estavam em tal
batalha, ca e sa coita dos cristãos era tam grande, com o gram trabalho que
haviam, que home nom o poderia contar.”( PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246)
64

Diante deste cenário de dificuldade, os combatentes cristãos buscavam


inspiração e ânimo, no intuito de adquirir forças para reverter a situação adversa.
Assim, segundo a narrativa, diziam uns aos outros:

<<Senhores, nembrade-vos cmo Jesu Christo recebeu morte por nos salvar.
Esto devemos nós fazer por El todos, prender morte hoje dia, por salvar a
sa fe. Eos que morreremos hoje seeremos com el no seu reino celestial, u
há moradas tam nobres que se nom podem dizer por línguas. Os que daqui
sairmos se// louvados d’honra, de vitoria de prez, de bondade de toda a
cristaidade, que estam em coita e tormenta, com muitas lagrimas por sãs
faces, esperando que por nós epor os nobles cavaleiros de Castela seeram
hoje salvos>>.(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246)

O trecho acima revela que os combatentes cristãos estavam imbuídos da


missão de defender a cristandade ante ao inimigo. É a partir desta premissa que
buscavam ânimo: em caso de morte, a mesma seria gloriosa, pois estariam agindo
de forma semelhante a Jesus Cristo, no sentido de morrer pela fé; já em caso de
vitória, seriam recebidos em Portugal como heróis, louvados com honra por seus
feitos à cristandade. Além disso, acreditavam que neste momento a sociedade
depositava neles (cavalaria-nobreza) a confiança na vitória. Assim, novamente
podemos inferir que esta nobreza buscava afirmar-se como necessária não somente
ao rei, mas também para a sociedade como um todo.
Embora os cristãos sentirem-se reanimados com as palavras de inspiração
que diziam uns aos outros, era chegado o momento em que fisicamente pareciam
estar esgotados; até mesmo a voz fraquejava em virtude de tal cansaço:

Estando em este aficamento qual ouvides, os membros com que havim de


ferir lhis enfraqueciam, assi que os nom podiam reger senom mui
gravemente. As vozes deles eram baixas e tam mudandas, que se nom
entendiam ûus a outros, como aqueles que começaram a lide a hora de
prima e estavam passante meio dia. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246)

Se para os cristãos a dificuldade era mais flagrante a cada momento, para os


muçulmanos significava que era um bom momento, pois de acordo com o cronista-
refundidor:

Os Mouros refrescavam-se cada vez mais e mais dos que estavam


folgados. E os gritos deles e das trombas e anafiis e d’altâncaros e
atavaques e gaitas assi reteniam que parecia que as montanhas se
arreigavam de todas partes. Esta hora foi aos cristãos d’escoridõe,
d’amargura, de gimidos. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246)
65

É importante destacar que até o presente momento, a narrativa demonstra


que o ideal religioso fortemente presente se mostrava como fator motivador para os
combatentes. Como vimos, em momentos de dificuldades servia como elemento
positivo, mas a adversidade passou a ser tamanha, que os próprios cristãos
começaram a fraquejar perante a sua fé – o que de certa forma é incoerente com o
ideal da Idade Média, onde a religião está fortemente presente no imaginário e
mentalidade da sociedade daquele período. Segundo o cronista-refundidor:

diziam contra Jesu Christo: <<Senhor, porque entraste no ventre da Virgem


Maria e naciste dela, e foi virgem ante parte e depois parto? Senhor, porque
te pruve de receber morte por salvaçom dos cristãos? Senhor, porque
ressurgiste ao tercer dia a tirar os que jaziam em trevas e em coita? Senhor,
por que nos mostraste caminho de salvaçom pelos sagramentos que nos
diste? Senhor, porque nos mostraste em com fezessemos egrejas em que
te louvássemos e seguissemos? Pois de todo esto hoje faleces a toda a
Cristandade?>> (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246-247).

Neste momento em que muitos cristãos demonstravam-se desanimados e


com sentimentos de fraqueza, questionando sua fé e Jesus Cristo, ocorre uma
reviravolta:

Estando os cristãos em esta pressa e coita e aventuira sem esperança,


chegarom tres cavaleiros ao priol dom Alvaro de Pereira e disserom-lhi:
<<Senhor, que fazedes? Os cristãos estam em perdiçom, assi como
veedes, si Deus i nom pom outra salvaçom. As azes de coinha e do corral e
cinque mogotes estam folgados, e nom é cousa que, como veerem a lidar,
os possades sofrer. A Vera Cruz nom teedes aqui?>> (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p.247)

Em meio a esta dificuldade no combate e com poucas esperanças entre os


cristãos, surgem três cavaleiros e relatam a situação ao Prior. Em seguida, e como
ponto de viragem, perguntam ao Prior onde se encontrava a Cruz do Marmelar,
onde acreditavam que por se tratar de um objeto sagrado, seria capaz de reverter a
situação adversa, principalmente na questão psicológica de cada combatente. Ora,
observamos que os cristãos primeiramente estavam seguros e motivados pela fé, e
também por ideais cavaleirescos, assim como refletidos na exortação do rei Afonso
IV; já em um segundo momento, quando a desvantagem estava ficando nítida, até
mesmo a fé que possuíam fraquejara, além do sentimento de desanimo ser
flagrante, é na Vera Cruz que surge a oportunidade de transformar novamente a
batalha favorável cristãos:
66

O priol foi desto e mui coitado, polo que el dissera a el rei dom Afonso, que
por a bem-aventurada Santa Vera Cruz havia de vencer primeiro. E disse a
gram voz: << Ai Deus, poder-m’iades dizer u ficou?>> E os cavaleiros lhi
disserom: <<Senhor, sei: ca nós vimos ficar o crerigo em este vale
[...]crerigo [...]gram [...]gar.] (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.247)

Assim, é o Prior que relembra da sua promessa ao Rei Afonso IV que seriam
vitoriosos por serem eles que possuíam a relíquia. Vimos que os cavaleiros que
estavam junto a eles afirmam que a relíquia estava com o clérigo em algum lugar no
campo de batalha.
No entanto, no trecho seguinte o cronista-refundidor passa a descrever como
estava o combate:

E os X mil cavaleiros d’aláraves da ûa az da coinha que estavam folgados


entrarom per antre os cristãos, e fenderom-nos, que os ûus partirom a ûa
parte e os outros aa outra. Ali se renovou a lide muito aficada, assi que as
muito alvas lorigas e as ervas do campo eram naquel logar coloradas Del.
Os cristãos eram tam fora de força por o gram trabalho que receberom
aquel dia e por o muito sangue que perderom, que os membros nom
podiam reger. Pero os seus corações eram tam fortes e esforçados em
fazer o que cada ûu podia, que bem é d’entender [...] os fez estremados em
beldade de cavalaria sobre las gentes do mundo, pera o seu nome por eles
haver de seer louvado. Quem poderia contar quanto mal sofrerom e
houverom aquela hora cristãos! (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.247)

Como vimos, os cristãos receberam reforços em suas hostes e dividiram-se


em duas partes, mostrando certa recuperação na batalha. Porém no final do trecho,
o cronista-refundidor, além de lamentar o sofrimento dos cristãos na batalha, aponta
que os combatentes já estavam fisicamente esgotados em virtude da batalha ser tão
acirrada, que mal podiam desferir golpes. Além disso, novamente destaca que estes
combatentes eram virtuosos, exaltando valores de cavalaria.
Na sequência da narrativa, o texto apresenta o momento em que aqueles
cavaleiros que haviam reportado ao Prior onde estava a relíquia, partiram em busca
da mesma para ser trazida em meio aos combatentes. Em um segundo momento,
relata também que a relíquia se fazendo ali presente renovou o espírito de cada
combatente com um novo ânimo imbuído pela fé. Assim, os combatentes
preenchidos desse sentimento de força e fé, fazem uma oração a Jesus Cristo, pois
um bom nobre era também um bom cristão, uma de suas virtudes:

Estando em esta pressa e esta coita, chegou o cavaleiro que foi // <em
busca da Vera Cruz com seus tres criados bem armados, eles e seus
cavalos, e tragia a Vera Cruz antre seus braços, em grande hasta. E os tres
cavaleiros ant’e>, e <u viiam a maior espessura dos Mouros, ali entrava
com a Vera Cruz>[...]//que estavam já muito esmahados por a força que
67

perderom, olharom por ela e virom-na andar antre os Mouros, e logo em si


sentirom que a graça de Deus era com eles, porque se acharom aquela
hora valentes e esforçados come em começo da lide, e disserom a grandes
vozes: <<Senhor Jesu Christo, louvado é o teu nome, ca assi praz a ti.
Senhor piedoso, que acorres a quem te praz, mantem-nos em estas forças
que nos deste, ca hoje o teu nome seera espagudo e nomeado antre todas
as gentes do mundo>>(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.247-248)

Após descrever estes fatos, o cronista-refundidor volta sua atenção para a


reviravolta que foi proporcionada pela presença da relíquia:

ali mudou-se a aventura, que estava de choro [e de lagrimas e de gram


lastima] e amargura a toda cristandade, e tornô-se em toda [ledice] (?) e em
todo goivo. Os cristãos seguirom a Vera Cruz per u ia. (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p.248)

No entanto, segundo a narrativa, a situação da guerra demonstrava uma


aparente vantagem dos muçulmanos, os quais passaram a acreditar que seriam
vitoriosos:

Os IIII mogotes dos IIII mil cavaleiros que estavam folgados pera prender os
cristãos,como vos já hei mostrado,virom que os cristão iam pera mal, e que
az da coinha andava destroindo em’eles. Pensarom que a lide era fiida, e os
cristãos, vençudos, veerom ferir em’eles, a lançar muito aficadamente sas
azagaias pera os prender, dando grandes algaridos e poendo sas espadas
de toda sa força, e diziam a grandes vozes: << Cativos, cativos!>>”
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.248)

Contudo, o cronista-refundidor salienta que o esforço dos combatentes


muçulmanos era em vão, pois conforme dito anteriormente, os combatentes cristãos
haviam regenerado suas forças mediante a presença da relíquia, novamente
demonstrando que os cristãos estavam retomando a vantagem da batalha:

Mais todo esto nom lhes valia rem, ca os cristãos cresciam-lhis mais e mais
as forças. [E] entendiam que andavam per a lide derribando e matando e
estroindo a as voontade, como fidalgos que estavam mui mazelados de
muito mal que passarom, e andavam per a lide como leões bravos. As
espadas que tragiam eram muito alvas; ale se tornarom vermelhas com
sague, [e corria pelos manípulos dê’las lorigas ataa os cotovelos, pelos mui
grandes golpes que se ali faziam]”. (PEDRO, Conde D. Vol. I p.248-249)

Na sequência, a narrativa já demonstra que a derrota dos muçulmanos era


apenas uma questão de tempo, pois o cenário já se demonstrava desfavorável a
eles:

Os Mouros virom que seu feito ia pera mal de todo. Disserom que seu
Mafomede nom havia poder pera os defender. Ali começarom de fugir, e
gram parte deles pera a az do corral que estava contra a ribeira do mar, que
68

ainda estava folgada. Aqui se compriu o que disse o priol dom Alvaro de
Pereira a el rei dom Afonso, que el, pela Santa Vera Cruz e pelos nobres
fidalgos, havia de vencer primeiro. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.249)

Assim, neste trecho vimos que os muçulmanos perceberam que não havia
mais chances de vitória, pois até mesmo Maomé era incapaz de defendê-los,
portanto, a única alternativa era fugir passando por meio a uma hoste muçulmana
que se encontrava próximo ao mar. Por último, o trecho revela que a promessa feita
ao rei Afonso IV pelo Prior Álvaro Gonçalves Pereira foi cumprida: os nobres fidalgos
portugueses venceram a batalha por seu turno antes mesmo que os combatentes
cristãos pertencentes à Coroa de Castela.
Diante do exposto acima, a narrativa demonstrou o desenrolar da batalha e a
vitória das hostes portuguesas. A partir deste momento a mesma direciona a
atenção para as hostes castelhanas; já em outro local: “os castelãos houverom as
contenda grande com os Mouros em passar a ribeira do Salado, que era em riba do
mar” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249). Todavia, continua relatando que diante da
grande batalha que estava sendo travada naquele dia pelos castelhanos, e embora
houvesse uma superioridade numérica dos muçulmanos em suas formações de
azes, ainda assim estes muçulmanos não estavam em um bom momento:

Mais porque os Castelãos eram bõos cavaleiros, houverom-nos de forçar e


passarom a ribeira. Ali foi a lide tam grande antre eles, que todo home que
os visse, cavaleiros castelãos, bem poderia dizer que melhores cavaleiros
nom havia no mundo. Os Mouros se refrescavam mais e mais, e porque
viinham folgados, feriam-nos de toda força. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.
249)

No trecho supracitado, podemos perceber que para o cronista-refundidor, a


partir do momento em que relata a dificuldade dos combatentes castelhanos em
virtude das hostes muçulmanas deterem um contingente maior, sua preocupação é
deixar claro que os cavaleiros castelhanos são os melhores. Aqui, podemos inferir
que tal condição dos castelhanos de serem “os melhores” se dá não só por serem
virtuosos, aguerridos, perseverantes ao resistir às novas ondas de ataque, mas
principalmente porque são nobres cristãos, e que, portanto tais virtudes são também
semelhantes aos combatentes portugueses. No entanto, o cronista-refundidor
continua: “E estando em esta pressa, os Mouros virom em como os da as lei eram
vemçudos por os Portugueeses, e em como os já seguiam, dultaram que, se mais
durassem na lide, que os Portugueeses lhi dariam nas costas, e começarom de
69

fugir” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249). Desta maneira, o cronista-refundidor


ressalta que os muçulmanos percebem que suas chances de vitória estavam
diminuindo a cada momento, e que permanecer ali no combate era apenas uma
questão de tempo para que os portugueses que haviam vencido suas hostes no
outro local iriam chegar ali fazendo uma emboscada; então os muçulmanos
resolvem fugir: “pero esto nom lhis valeo muito, ca os // Portugueses lhis sairom
adeante. Ali foi a morte deles grande, porque os Castelãos os levavam em encalço e
iam ferindo e derribando em eles.” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249).
Conforme o cronista-refundidor relatou que os muçulmanos tentaram fugir, a
sequência da narrativa altera o seu foco, agora partindo para o contexto religioso,
descrevendo as ações do sultão Abû-l Hassan’ Ali:

El rei Almafacem, quando vio os seus sair do campo , disse muito alta voz,
os olhos contra o ceo: <<Ai, Deus poderoso, ai Deus vencedor! Porque
desemparasti este velho, coitado de pressa de mezquiidade, coberto de
míngua de vergonha sobre todo-los reis do mundo? Ai velho, hoje perdiste o
teu nome que havias em toda Eiropa, em toda Africa, e em Asia>> Lançava
as mãos da barva, que tiinha mui longa e cãa, e messava-a toda e dava
grandes feridas em seu rostro. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249-250)

A reação do sultão Abû-l-Hasan’ Ali descrita pelo cronista-refundidor nos


permite interpretar que o próprio sultão acreditava que a vitória era certa, no entanto
a mesma significou um desastre, levando o sultão a considerar que o próprio Deus35
o havia abandonado e por consequência, veio a derrota. Neste trecho, é possível
imaginar que o cronista-refundidor, ao descrever a lamentação feita pelo sultão
dizendo ao céu – neste sentido, falando diretamente com Deus - que havia perdido
em toda a Europa, África e Ásia, não só na questão terrena, com domínios, mas
também no sentido religioso e ideológico da fé muçulmana. Ora, a partir do
momento em que o seu deus o abandona, significa também que agora é o deus
cristão quem prevalece, mais uma vez ressaltando então, a cristandade como
superiora. Portanto, nesta passagem:

o cronista-refundidor nos mostra o desamparo dos muçulmanos. Maomé os


abandonou. A cavalaria cristã vence porque Deus não a abandona. Por
esse motivo, a sociedade cavaleiresca perfeita se cristaliza no Salado. (...)
Ao abrir um espaço tão significativo para o “outro lado” do combate, o

_______________
35
Neste caso corresponde ao Deus Muçulmano, que é referido como Alá. Esta ressalva deve ser feita
porque devemos considerar que a narrativa foi feita por um cronista cristão, recebendo assim o
contorno mediante o imaginário da época.
70

cronista-refundidor utiliza uma técnica chamada de euforização – admiração


e enaltecimento do inimigo para que a vitória cristã seja ainda mais
ressaltada. (DA COSTA, 1998, p. 262-263)

Em seguida, o cronista-refundidor passa a descrever o momento em que o


comandante mouro Alcarac vai de encontro ao sultão e aconselha-o a deixar o
combate e ser escoltado para Algeciras, no reino de Granada (DA COSTA, 1998. p.
243), pois a situação está cada vez mais se complicando e também por ter
presenciado a lamentação do sultão:

Em aquel tempo, chegou Alcarac a El e disse-lhi: <<Senhor, esto no vos


compre, porque quando a sanha e a ira de Deus vem u lhe praz, todolos
conselhos e saberes nom valem rem. Ide-vos a az do curral que eu mandei
que vos guardassem, e per ela chegaredes a Aljazira em salvo, e partiredes
vossa morte, que esta mui acerca, ca poderá seer que desma(n)haram os
cavaleiros que em ela estam e no vos atenderam>>(PEDRO, Conde D. Vol.
I. p.250)

Na sequência da narrativa, segue o diálogo entre o sultão e o comandante,


onde o sultão questiona sobre os combatentes mouros que ainda estão em combate
na formação de az de curral e os demais:

Disse El rei Almafacem: <<Di-me que cavaleiros tees em ela>>.


Respondeu-lhi Alcarac: <<Senhor, eles forom XIIII mil em começo, e mandei
eu os V mil em refrescamento das lides, quando vi que todalas algazunas
eram já a lidar e tardavam que nom venciam, e assi ficarom IX mil>> Disse
El rei: <<Di-me Alcarac: esses IX mil que dizes que ficarom, som bõos
cavaleiros?>>. << Si, Senhor, disse Alcarac, ca eles todos som Alárabes>>.
Disse el rei: << Alcarac, sabe que as costulações do ceo se mudam mui
toste, segundo o corrimento do ceo das pranetas, e as bõas ventuiras e as
maas destas costulações nacem pelo poderio que lhis Deus ordinhou. E se
ora houvemos maa costalaçom, have-la-emos boa. Estes cristãos vêem
desacaudelhados e teem que já nom podemos tornar a eles. Segue-me,
Alcarac, e nom me desempares, e tornemos aa lide>>. (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 250)

Além do dialogo entre o comandante Alcarac e o sultão sobre a situação de


suas hostes, em números por assim dizer, entre aqueles que foram deslocados para
reforçarem locais mais enfraquecidos, e sobre tantos outros que restavam ali;
percebemos também a questão mística, onde os poderes mágico-astrológicos de
cristãos e muçulmanos estavam a serviço de seus credos. Assim, tais poderes
serviam também de instrumento confirmador das ortodoxias em luta, pois “mesmo
no momento da derrota muçulmana, a astrologia era posta a serviço das ações
militares” (DA COSTA, 1998. p. 242). Nesse sentido, o sultão discorda do
71

comandante Alcarac e resolve tentar uma última investida, fazendo uma nova
exortação:

Em’esto entrou antre estes IX mil cavaleiros e tornou o rostro contra u


viinham os cristãos, e disse a grandes vozes: << Senhores, nembre-vos que
eu sôo vosso rei Almafacem, aventurado e vencedor de toda-las lides que
fiz. Sabades que eu venci e sojoguei os reis de Sojoromeça e de Tremecem
e as grandes gentes [dos Aláraves], e passei as montanhas e corri todalas
áreas e a gram terra de Puscoa e de Almadia. Sabedes que a Espanha foi
de vossos avoos. Estes cristãos perros, que vo-la teem forçada, nom
parecerom hoje em campo XIII mil cavaleiros, e muitos deles som mortos e
som fora de força, por o gram trabalho que hoje houverom. Nom percades
as famas de bomdades de cavaleria que sempre houvestes, e os filhos e as
filhas e as molheres fremosas e as grandes requezas que aqui
trouvestes>>. E disse muito alta voz: <<Mafomede, Mafomede, nom
desampares os teus!>> Deu das esporas ao cavalo mui rijamente contra os
cristãos que // iam por seu encalço, e disse: <<Marim, marim, que eu sôo rei
Almofacem, vencedom de todo o que cometi>> E indo a todo seu poder
para ferir da espada, dom Alcarac, o Turco, e o infante Bazyane, seu filho
d’el rei, encalçarom-no e filharom-no pela rédea do cavalo; disserom-lhi:
<<Senhor, nom é hoje o dia vosso. Havede-vos por preso, ca nom
queremos que aqui moirades, porque se os cristãos em vós topam, assi
como todos eem em tropel, nom havedes defensom>> (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 250-251)

Neste discurso feito pelo sultão, percebemos que há a intenção de renovar as


forças e esperanças dos combatentes muçulmanos, usando como elemento
principal a sua posição de soberano, ao elencar todas as suas conquistas e honras.
O sultão alega também que a Espanha era pertencente aos muçulmanos e que
havia sido perdida por seus antepassados. Salienta também que os cristãos ali
presentes no combate não são tantos, e também afirma que já estão em uma
condição física debilitada pelo desgaste do combate. Além disso, há também a
presença da questão sagrada, ao trazer, por assim dizer, o profeta Maomé 36 para o
“campo de batalha”. Em um segundo momento, exprime a ação tomada pelo sultão,
que insistia na investida e desta vez sendo barrado por Alcarac, porque seus
comandados estavam sendo derrotados e assim fugindo dos cristãos. Então,
Alcarac além de impedir que o sultão Abû-l-Hasan’ Ali fosse em direção à morte,
ainda tentou amparar aqueles que recuavam: “e colhia assi todolos Mouros que
viinham desbaratados e enviava-os adeante a az do corral” (PEDRO, Conde D. Vol.
I. p. 251).
Na sequência, o cronista-refundidor descreve um dialogo entre Alcarac e Abû-
l-Hassan’ Ali. Tal diálogo revela a insistência do comandante para que o sultão
_______________
36
Dentro da narrativa da batalha, o profeta Maomé é chamado de Mafomede.
72

desista daquela batalha, evitando assim a sua morte. Sugere também que com a
fuga, poderia então o sultão organizar uma futura vingança. No entanto, o próprio
sultão rechaça tal ideia, alegando que já havia perdido praticamente todos seus
combatentes que havia reunido ao longo de suas conquistas. Relembra também que
já havia perdido seu filho Abu-Malik37, e punido aqueles que fugiram na tentativa de
invasão no ano anterior:

<< Nom pode filhar vingança o que com pesar morre. Eu a esta morte nom
posso escapar por a nobre cavalaria que perdi, que eu ap[u]rei entre as
gentes d’Africa e d’Asia, e me tu prendiste, em tempo que ainda eu poderá
vingar e cobrar mea honra. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 251).

Além disso, o ponto principal do diálogo se revela quando o comandante Alcarac


alega ao sultão que presenciou alguns acontecimentos estranhos. Tais
acontecimentos se mostram quando este comandante descreve a honra da cavalaria
portuguesa no combate, que estando em menor quantidade conseguiram vencer os
muçulmanos, assim como relatou também tais fatos estranhos:

<<vi IIII mil cavaleiros portugueeses fazer por guanhar prez e honra de
cavalaria, sobre todolos que eu vi e ouvi falar [...] e eles em lidando com
estes VIII mil, viinham quanto podirom (sic) e ferirom nas IIII azes tendudas.
E porque estas IIII azes eram d’estranhos cavaleiros, tirei afora dos VIII mil
mogotes que ali veerom os V mil pêra vo-los mandar. E vi estes
Portugueeses assi revolver a lide e ferir tam estranhamente que
seme//l[h]avam diaboos do inferno. [...] entrou per antre os vossos uu gran
cavaleiro antressinado de sobressinaes vermelhos El e o cavalo [de
sobressinae]s de prata. E tragia em sãs mãos ua mui fremosa e grande
hasta, em cima dela ua cruz que esprandecia como o sol, e lançava de si
raios de fogo.[...] E, ainda mais: sabede que os cavaleiros pareciam grandes
gigantes, e os cavalos maiores que grandes camelos. E se dovidades desto,
pergunta[d’]estes cavaleiros muitos que aqui estam, que passarom todo>>.
E os cavaleiros disserom que aquela era a verdade. (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 252-254).

Encerrado o diálogo entre o comandante Alcarac e o sultão, a narrativa


direciona o seu foco para o próprio sultão. Assim, o cronista-refundidor apresenta a
prece e a lamentação feita por Abû-l-Hasan’ Ali que “deceu de seu cavalo e pôs os
geolhos haver sem conta que trouvera // pera conquerer a em terra, e o Alcoram
ante si, e os olhos ao ceo, e disse a gran voz” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 254).
Nesse momento de prece, o cronista-refundidor descreve a reação dos que
presenciaram aquela cena:

_______________
37
Dentro da narrativa da batalha, Abu-Malik é chamado de Abomelique.
73

o seu doo e a as manzela e coita eram tam grande, que todos aqueles que
o virom houverom por estranho como aquela hora nom morreo. E o por que
se mais manzelava [a] si era por a lide que lhi partira Alcarac e o infante
Boçayñe, seu filho, quando o prenderom, ca el i quisera morrer. (PEDRO,
Conde D. Vol. I. p. 255)

Na sequência, o cronista-refundidor relata que todos aqueles que estavam


próximos ao sultão foram ao seu encontro para resolver o que deveria ser feito,
chegando ao consenso de que deveriam retornar à África para angariar novamente
um exército muçulmano e futuramente realizar uma vingança. Assim, a narrativa
passa a descrever “as aventuras sucessivas para que el-rei Albofacem, em África, é
fatalmente arrastado, adiando-lhe o regresso e a vingança desejada, até que tal
projecto vem a ser anulado, de forma definitiva, pela sua morte” (SANTOS, 1993. p.
68). Para registrar a morte do sultão, o cronista-refundidor destaca que após
sucessivas aventuras, o mesmo sofreu com o infortúnio das derrotas. Além disso,
percebemos também a intenção em salientar que a derrocada ocorreu por conta do
sultão ser um inimigo da cristandade: “e vio-se mui desbaratado e de todo e dos
reinos, e morreu com pesar. E assi mostra Jesu Christo seus milagres contra os que
querem ir contra a sa fe” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 256).
Terminando assim o relato da batalha, voltemos às questões ainda
pertinentes sobre a narrativa. Primeiramente, trata-se de trazer a luz quais são as
intenções do cronista-refundidor - lembrando que já tivemos a oportunidade de tratar
acerca de sua possível identidade38. Ainda assim, salientamos que se trata de um
indivíduo ligado a Ordem dos Hospitalários, e também à família do Prior Álvaro
Gonçalves Pereira. Ora, devemos ter em mente que a refundição do Livro de
Linhagens feita pelo nosso cronista-refundidor ocorreu cerca de quarenta anos após
a batalha em si, ou seja, entre os anos de 1380 e 138339. Com efeito, é interessante
ressaltar que é também neste período entre a Batalha do Salado (1340) e a
refundição do Livro de Linhagens, que:

a nobreza ibérica experimenta uma forte circulação entre os principais


reinos da Península em função de dissensões internas ou com a monarquia.
Os laços de solidariedade linhagística ainda são predominantes nos mais
altos estratos nobiliárquicos, ainda que, nos estratos mais baixos ou mais
recentemente admitidos, se observe uma tendência para uma aproximação
de valores de fidelidade mais globais. (FERNANDES, 2003. p. 354)

_______________
38
A questão referente ao autor da narrativa da Batalha do Salado, cf. p. 56
39
Sobre a refundição do Livro de Linhagens, e o seu contexto, cf. p. 56 e 57.
74

Tal fato também nos remete a perceber que foi neste sentido que o cronista-
refundidor apontou certas características em sua narrativa e que ficaram
evidenciadas neste estudo, e aqui passamos a verificar a segunda questão
pertinente: a partir da valorização do ideal de herói da Reconquista, atribuídos ao
Prior Álvaro Gonçalves Pereira e as tropas de Afonso IV, as virtudes e os ideais de
Cavalaria; mais do que a aquisição de poder ou riqueza que possuíam os nobres,
perpassam o século XIV, chegando até a data provável da refundição e inserção da
narrativa da Batalha do Salado. Isto pode ser verificado no seguinte trecho:

Aqui nom falamos dos fidalgos castelãos e portugueeses, ca os feitos


estremados fezerom polos corpos em estas lides, porque todos faziam tam
bem e tam igual o que a cada uu pertecia, ca fea cousa semelharia de
louvar os uus e os outros nom. [...] Des i, porque este livro é de linhagees,
nom faz mester de en’el falar de todo, salvo d’alguas cousas maravilhosas
estremads, em breve, que passarom estes linhagees. (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 256)

Nesta passagem podemos inferir que os ideais do cronista-refundidor “são


uma visão arcaica de seu presente, já que a sociedade portuguesa do final do
século tinha mudado substancialmente este modelo cavaleiresco” (DA COSTA,
1998, p. 286). Porém, não é um mero acaso que o cronista-refundidor tenha esta
ideologia, é porque o seu escrito detém certa função pedagógica ao relembrar tais
valores, e também possui um público certo: a nobreza, que deveria novamente
reunida por tais ideais, a fim de recuperar seu destaque perante a sociedade. Além
disso, o cronista-refundidor almeja também enaltecer a figura do prior Álvaro
Gonçalves Pereira, assim como a sua linhagem, ficando evidenciado nesta
passagem, a qual encerra definitivamente a narrativa:

Este priol do Alvaro de Pererira, que vem deste linhagem de que falamos
antes do começo destas lides, foi o que passou alem mar, u está o gram
meestre da ordem da cavalaria de Sam Joham do Espital, com cavaleiros e
outras gentes mitas, pera a guerra que os Espitalares ham com os Turcos e
com Soraios e Barbaros e d’Aleixandria. E recebeu grande honra do gram
meestre e de toda a cavalaria, porque se houverom Del por bem servidos.
El veo daló mui bem-andante e com gram louvor. Este fez muitas fortalezas
e logares no reino, e foi amado dos Portugueses, e jaz em ua capela que El
fez por o serviço de Deus, que há nome Santa Maria de Flor de Rosa. Ali
jazem a redor de seu moimento os três cavaleiros que se com El criarom e
forom com El na busca da Vera Cruz, por salvamento da Fe de Jesu Christo
e de toda a Cristiidade, assi como havemos mostrado. // (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 256-257)

Portanto, podemos perceber que:


75

A idealização da figura do prior é um modelo ecumênico de congregação


aristocrática, que anseia novamente pelo corpo social hieraquicamente
idealizado na trifuncionalidade cristã, modelo já perdido para os novos
segmentos emergentes com a revolução de Avis. (DA COSTA, 1998, p.
286)

Após termos analisado toda a narrativa, trouxemos para um primeiro plano as


intenções do cronista-refundidor, assim como o direcionamento que o mesmo
denotou à sua narrativa nos parágrafos acima. Desta maneira, é chegado o
momento de conclusão deste estudo.
76

6 CONCLUSÃO

Ao final deste estudo, é possível apresentarmos algumas conclusões. Tais


conclusões são frutos de alguns questionamentos que além de fomentarem este
estudo, se reafirmaram ao decorrer do mesmo. Ora, ao desenvolver a pesquisa
bibliográfica e também no momento de analisar a fonte utilizada, podemos atestar
que tais questionamentos ainda são pertinentes, e, portanto, os apontamentos que
aqui apresentaremos não podem ser considerados como finais.
Os resultados deste trabalho foram frutos de dois questionamentos: o primeiro
é saber quais foram os papeis tanto da nobreza quanto da monarquia tardo-
medieval na Batalha do Salado; e o outro é identificar quais os fatores que explicam
e justificam a presença do relato desta batalha no Livro de Linhagens do Conde
Pedro de Barcelos.
Ao transladar pelo contexto de Portugal entre o século XIII e XIV no primeiro
capítulo, percebemos que se tratou de um período em que havia uma nobreza
marcada por valores tradicionais que caracterizava não só ela, mas também o
próprio rei. Tais valores eram observados em um primeiro momento pelo prestígio
herdado dos antecedentes em diversas facetas: atos heroicos ou importantes,
defesa da fé e da Cristandade, a tradição de uma linhagem, nesse caso, o valor do
“sangue” e do sobrenome de certa família. Diante deste quadro, observamos o
surgimento de um grupo onde certas famílias exerciam uma espécie de referência
de autoridade, ao exercer funções judiciais, militares, fiscais de maneira autônoma
ante um monarca ou um conde.
Como vimos no segundo capitulo do estudo, este grupo passou por uma crise
em sua organização que vinha desde o século IX, onde a passagem de uma família
se dava pelo parentesco horizontal, que caracterizava esta nobreza condal, para
outra realidade: uma estrutura patrilinear, valorizando a primogenitura e garantindo
assim que o patrimônio permanecesse indiviso e concentrado nas mãos do chefe da
linhagem. Assim, pelo fato de serem detentores de muitas terras e autonomia tanto
politica quanto militar, tornavam estes chefes de linhagem problemáticos em
detrimento de que o monarca, já neste período (séculos XI e XII), possuía um poder
mais proeminente e superior aos tantos outros nobres.
Além do que foi dito até o momento, convém destacar aqui, que esta nobreza
detinha uma estratificação própria em três categorias: ricos homens, infanções e
77

cavaleiros. Embora cada uma tivesse suas particularidades que diferenciavam uma
das outras, e também aos “não nobres”, ainda assim havia mobilidade entre uma e
outra categoria. Nesse sentido, observamos que esta nobreza enfrentava uma
transição, seja no sentido de sua pópria organização estrutural, quanto funcional ao
Reino. Assim, o que caracteriza e representa este período conturbado que a
nobreza enfrenta, é que ao encarar um longo e gradativo processo de
transformação, esta mesma nobreza necessita afirmar-se perante o rei.
Além disso, a transição que mencionamos foi um processo de transformação
da sociedade tardo-medieval portuguesa, advinda já desde século XIII por dois
principais fatores: o primeiro refere-se ao fim das operações de Reconquista, o que
tornava rara as oportunidades desta nobreza servir em armas, que era uma de suas
principais características. Ora, verificamos no segundo capitulo que esta nobreza
havia se formado em uma sociedade voltada para a guerra, e que, nesse sentido,
servia tanto como elemento que proporcionava à ascensão de um indivíduo a
condição de cavaleiro (portanto, nobre); quanto também poderia garantir maior
prestígio.
Tratando-se da figura do rei, e para que este pudesse exercer de fato seu
poder, eram necessárias algumas transformações não só em questões políticas,
como administrativas do reino. Tais mudanças tinham como objetivo fortalecer seu
poder como rei em detrimento dos próprios nobres, que até então exerciam forte
influência e até poderes semelhantes aos seus. Portanto, com o poder real vindo a
se tornar mais evidente e mais forte, contando ainda com o apoio das cidades de
seus reinos; coincidiu com o enfraquecimento de uma nobreza que havia perdido
com as revoltas, ou em campanhas contra os muçulmanos, uma grande parte de
seus membros. Além disso, soma-se o fato de não conseguir criar novas fontes de
rendimento permanentes. Assim, quando D. Dinis ascendeu ao trono português em
1279, deu continuidade no processo de centralização do poder régio iniciado por seu
pai D. Afonso III, promovendo varias alterações nas questões administrativas,
criando novas leis e vários cargos, fortalecendo todo o aparelho político-
administrativo.
Com o passar do tempo, esta política centralizadora teve continuidade e se
tornou mais acentuada ao decorrer do século XIV, no reinado de Afonso IV. Diante
deste quadro, esta nobreza passou por uma mutação em sua mentalidade,
composição e força política exercida no reino.
78

Com efeito, embora a narrativa tenha sido obra de um refundidor e inserida no


Livro de Linhagens por volta do ano de 1380, ou seja, quarenta anos após a Batalha,
ainda assim esta narrativa representa e pertence ao processo de reestruturação da
nobreza. Tal fato se verificou quando apresentamos no derradeiro capítulo deste
estudo, a própria fonte e visualizamos brevemente o seu contexto, porque foi
justamente no período da refundição do Livro de Linhagens (entre os anos de 1380-
1383), que foi o ápice dessa transformação da sociedade que estava se
processando há décadas. Ora, neste período o Reino de Portugal enfrentava uma
crise dinástica, configurando então um cenário que apresentava certa desordem na
administração do próprio reino pela falta do sucessor ao trono e caracterizando
também a oportunidade para que esta nobreza recuperasse seu lugar de relevo na
estrutura da sociedade. Não obstante, quando o refundidor inseriu a narrativa da
Batalha no título que descrevia a linhagem da família Pereira, utilizou como
referencial o Prior da Ordem dos Hospitalários, Álvaro Gonçalves Pereira,
colocando-o como personagem de destaque durante a batalha ao descrever seus
feitos que representavam os valores e ideais não só de um fiel vassalo, mas acima
de tudo um cavaleiro nobre ao lado do próprio rei D. Afonso IV.
O ponto principal que constatamos, é que este refundidor desejava resgatar
certos valores e ideais que outrora os colocavam em posição de relevo – tais como
fidelidade, defesa da fé, honra, dentre outros – como referência e modelo a todo o
conjunto da sociedade que pertenciam aos nobres do período da própria
Reconquista, figurados também nas ordens militares, no intuito de legitimar esta
nobreza resgatando uma identidade já perdida no século XIV.
Assim verificamos que o cronista refundidor possa ter fornecido um modelo
para que este grupo pudesse recuperar não só sua autoestima como grupo
importante, mas também suas prerrogativas “antigas” que este cronista refundidor
julgara fundamentais, num momento que foi conturbado marcado por conflitos
internos deste grupo e um processo de estratificação cada vez mais acentuado
perante a sociedade. Nesse sentido, tal modelo sugerido pelo cronista refundidor
serviu não só para uma construção e consolidação de uma imagem ideológica do
grupo nobiliárquico, que embora tal grupo fosse dependente, era também
fortalecedor da própria monarquia. Além disso, demonstrou que mesmo o Rei sendo
o detentor do poder maior ante a sociedade, ainda assim era dependente desta
79

nobreza transformada e revigorada, e que sem ela, não poderia governar pura e
simplesmente sozinho o Reino.
80

7 FONTES

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Nacional/Casa da Moeda, 1985.

PEDRO, Conde D. Livro de Linhagens. [1340] In: Portugaliae Monumenta


Histórica, Nova Série. Ed. crítica por José Mattoso. Lisboa: Academia das Ciências,
1980. II Volumes.

PINA, Ruy de. Chronica de Elrey Dom Afonso o Qvarto. Lisboa, Edições Bíblion,
1936.
81

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