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CURITIBA
2015
SAVIUS MIGUEL POVALUK
CURITIBA
2015
Dados da Catalogação na Publicação
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
SAVIUS MIGUEL POVALUK
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Professor (a) Dra. Adriana Mocelim de Souza Lima
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
_____________________________________
Professor (a) Dr. Wilson Maske
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Em primeiro lugar agradeço a Deus por ao longo de minha vida guiar-me através de
sua Graça, principalmente neste momento de conclusão de mais uma etapa em
minha vida.
Agradeço aos meus familiares, em especial minha mãe Iracema Kito Povaluk por
estar sempre ao meu lado me incentivando e acreditando em minha capacidade,
além de me ajudar com a parte financeira em determinados momentos, através de
seu enorme esforço e trabalho.
Quero agradecer a todos os professores que tive em minha vida, pois sem a
formação que me deram jamais eu teria chego à graduação. De maneira especial,
agradeço a professora Adriana Mocelim de Souza Lima, que desde o início do curso
acompanhou meus passos, e contribuiu não só para a escolha do tema deste
estudo, como também me orientou com muita atenção e carinho.
Por último e não menos importante, gostaria de agradecer a certas pessoas muito
próximas que me deram ânimo e apoio nos momentos de fraqueza, nervosismo e
desespero, assim como nos momentos de euforia e alegria. Não citarei nomes para
não ser injusto, e sem querer acabar esquecendo alguém, mas com certeza tais
pessoas sabem que a elas me refiro.
RESUMO
A finales del siglo XIII, se puede ver el reino de Portugal, los primeros efectos de la
política de centralización real iniciadas por el rey Alfonso III, y su continuidad con sus
sucesores D. Dinis y D. Afonso IV. También es de esta época que ha habido una
reducción en las operaciones de Reconquista, haciendo con que medieval nobleza
portuguesa que fue estructurada y se encontró con su importancia y su papel en
este fenómeno, se enfrentan a un proceso de transformación, que era necesario
reestructurar la nobleza adaptarse al nuevo tiempo vivido en el reino. Entonces, la
nobleza buscó de nuevo componer su lugar en la sociedad. Para entender cómo fue
este proceso, se recurre a la narración de la batalla de Salado, in 1340, añadido a
las cepas del libro de Pedro Conde de Barcelos por un refundidor unos cuarenta
años más tarde. Esta batalla fue un episodio notable en la historia, porque es el
reflejo de una mentalidad aún presentes en la Península Ibérica, que se refiere al
proceso de Reconquista cristiana. Este proceso demostró que había una mentalidad
de cruzada y de caballería perteneciente a la nobleza portuguesa, que se enfrentó
no sólo conflicto con el poder real, pero también sufría de una estratificación interna
cada vez más pronunciada; y es a partir de esta mentalidad que va a transmitir su
importancia para la sociedad. Por lo tanto, la narración de la batalla sirvió como un
medio para esta noble mantener su posición de liderazgo mediante el fortalecimiento
del poder real, y demostrar que el rey seguía dependiendo de la propia nobleza para
gobernar.
ed. Edição
Ed. Editor
f. Folha
p. Página
Vol. Volume
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 8
2 CONTEXTO: O REINO DE PORTUGAL (1279-1340) ................................. 11
2.1 D. DINIS (1279-1325) ................................................................................... 11
2.2 GUERRA CIVIL DE 1319-1324 .................................................................... 21
2.3 D. AFONSO IV (1325-1340) ......................................................................... 28
3 A ARISTOCRACIA....................................................................................... 33
3.1 A NOBREZA MEDIEVAL PORTUGUESA .................................................... 36
4 A RECONQUISTA........................................................................................ 46
5 A BATALHA DO SALADO .......................................................................... 51
5.1 ANTECEDENTES DA BATALHA ................................................................. 51
5.2 A BATALHA .................................................................................................. 56
6 CONCLUSÃO............................................................................................... 76
7 FONTES ....................................................................................................... 80
8 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 81
8
1 INTRODUÇÃO
Após a morte de Afonso III1 quem assumiu o trono português foi o Infante e
herdeiro Dinis, o qual teve ascensão à coroa portuguesa em 1279, tornando-se o
sexto rei de Portugal.
Já nos primeiros anos de seu reinado D. Dinis demonstrou êxito e astúcia que
herdara do pai ao consolidar uma aliança com o reino de Aragão mediante um
casamento entre ele e Isabel, filha de Pedro III 2 rei de Aragão. Este feito demonstrou
que:
_______________
1
Afonso III de Portugal (1210-1279), também conhecido como O Bolonhês por ter se casado com a
condessa Matilde II de Bolonha, é filho de Afonso II e Urraca de Castela. Assumiu o reino de Portugal
em 1245 após seu irmão Sancho II ser deposto, vai reinar até sua morte em1279, dando lugar a D.
Dinis. Durante seu reinado comandou o processo de Reconquista, que em virtude desta em 1249
incorporou o território do Algarve ao reino. No ano de 1253, desposou D. Beatriz, filha de Afonso X de
Castela e por este motivo, envolveu-se em conflitos com a Igreja. Já no fim de seu reinado novos
conflitos com a igreja causaram sua excomunhão em 1268 pelos arcebispos de Braga e Porto, além
do papa Clemente IV. Mais tarde em 1279 buscou a reconciliação com a Igreja restituindo a esta tudo
o que havia confiscado, porém ainda com a pena de interdito do reino. Morreu em 1279 e foi
sepultado no mosteiro de Alcobaça. RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica.
Lisboa. Editorial Estampa, 1995. Op. Cit., p. 195-279.
2
Pedro III de Aragão (1239-1285), cognominado O Grande, assumiu o trono em 1276 e reinou até
1285. Filho de Jaime I e Iolanda da Hungria, casou-se com Constancia de Hohenstaufen em 1262, a
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qual era herdeira de Manfredo da Sicilia, adquirindo então os direitos sobre a ilha. Durante todo o seu
reinado, centrou-se na expansão da Coroa de Aragão no Mediterrâneo. Uma de suas importantes
realizações foi solucionar alguns dos problemas internos concedendo, em 1283, a formação da União
aragonesa, e prestando juramento ao "Privilegio General", que defendia os privilégios da nobreza.
Morreu em 1285 na cidade de Vilafranca de Penedès e deixou como herdeiro Afonso III (1265-1291),
porém este por não deixar herdeiro, quem irá assumir o trono será o secundogênito da sucessão
Jaime II. Id. Op. Cit., p. 195-279.
13
_______________
3
Afonso X de Castela nasceu em 1224, sendo primogênito de Fernando III de Castela e Isabel de
Hohenstaufen e recebeu como cognome “O Sábio”. Ainda Infante, participou na tomada de várias
praças andaluzes, entre as quais Múrcia, Alicante e Cádis, na reconquista durante o reinado do seu
pai, Fernando, O Santo. Porém enquanto rei teve que renunciar à posse do Reino do Algarve pelo
Tratado de Badajoz de 1267. Na política interna, enfrentou diversas rebeliões, das quais se destacam
a dos mudéjares (mouros em territórios controlados pelos cristãos) em 1264 e o problema sucessório
nos últimos anos do seu reinado. Foi casado desde 1246 com Violante de Aragão, filha de Jaime I, o
Conquistador. O seu primogênito legítimo e herdeiro do trono, Fernando de La Cerda, morreu em
1275. Afonso X passou a defender os direitos sucessórios do seu neto primogénito de Fernando,
Afonso de Lacerda, mas D. Sancho, seu segundo filho e irmão de Fernando, reclamou a sucessão
para si, recebendo poderosos apoios à sua causa. Apesar de ter deserdado o seu filho Sancho por
decreto a 8 de Novembro de 1282, este viria a ser coroado como Sancho IV após a sua morte em
1284. No meio cultural, realizou a primeira reforma ortográfica do castelhano, idioma que adoptou
como oficial em detrimento do latim. È atribuído a Afonso X a autoria da A Primeira Crónica Geral de
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Este conflito só foi resolvido no ano seguinte por meio de um acordo entre os
irmãos em Estremoz, confirmada pelo Infante que:
Espanha, em castelhano Primera Crónica General ou Estoria de España entre 1260 e 1274. Idem, p.
177-268.
4
Violante de Aragão nasceu em 1236, filha da princesa Iolanda da Hungria e de Jaime I de Aragão,
casou em 1246 com Afonso X de Leão e Castela e morreu em 1301. Idem. p.328.
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Ao contrário das inquirições feitas por seu pai em 1220 e 1258 que
destinavam “principalmente a registrar os foros e rendas pagos a el-rei, embora
mencionassem também aqueles que tinham sido sonegados por fidalgos, ordens
militares ou senhores eclesiásticos” (MATTOSO, 1997, p.137), a inquirição de 1284
tratava:
Foi diante deste cenário que ocorreu o segundo conflito no mesmo ano de
1284 ao término da inquirição, onde os nobres não se contentaram com a atitude
ofensiva da administração central. Nas cortes de 1285 os nobres protestaram contra
o rei em virtude da quebra de imunidade senhorial. Então “foi talvez o clima de
contestação criada nesta ocasião que incitou o Infante D. Afonso a desencadear
uma verdadeira revolta contra D. Dinis” (MATTOSO, 1997, p.137), chegando a
suscitar parte da nobreza a voltar-se contra o Rei em revoltas armadas. Assim, o
Infante D. Afonso aliou-se a Álvaro Nunes de Lara, que sustentava uma guerra
contra o rei de Castela, Sancho IV, sendo a região fronteiriça entre os dois reinos o
principal ponto de resistência. Em decorrência da associação entre o Infante D.
Afonso e Álvaro Nunes de Lara, os Reis de Portugal e Castela se associaram para
combatê-los entre outubro e novembro de 1287 quando D. Dinis e Sancho IV
cercaram o Infante português em Arronches, fazendo com que o infante devesse
submeter-se a:
A última etapa deste confronto com seu irmão ocorreu em 1299, quando o rei
D. Dinis contando com a ajuda das ordens militares de Avis e do Templo, nos meses
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entre maio e outubro deste mesmo ano; tratou de cercar o Infante Afonso em
Portalegre. Além de contar com a ajuda das ordens militares, o Rei estabeleceu um
acordo com Sancho IV de Castela o casamento de seu filho primogênito D. Afonso 5
com a infanta D. Beatriz, filha de Sancho IV; assim como o de sua filha D.
Constança com D. Fernando6, futuro herdeiro da coroa de Castela. Assim, o acordo
estabelecido com os reis D. Dinis e Sancho IV:
_______________
5
Afonso XI de Castela nasceu em 1311, sendo filho de Fernando IV e Constança de Portugal, sendo,
portanto neto da Rainha Santa Isabel e o rei D. Dinis de Portugal; no ano seguinte foi coroado como
rei tendo apenas alguns meses de vida. Portanto o reino ficou sob a regência de D. Maria de Molina
até o ano de 1321 quando esta morre. Afonso XI assumiu a coroa de Castela em 1325 quando atingiu
a maioridade. Já nos primeiros anos restaurou a ordem no reino, exerceu uma política enérgica frente
a uma nobreza revoltada. Procurou melhorar a administração régia, criando magistrados urbanos
nomeados pelo poder real; conduziu uma política prudente no conflito entre a França e a Inglaterra.
Armado cavaleiro no mosteiro real de Las Huelgas em Burgos a 1331, iniciou imediatamente um
conflito contra o seu sogro Afonso IV de Portugal, que cessaria com a aliança entre os dois monarcas
para a Batalha do Salado. RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Op. Cit.p. 195-279
6
Filho de Sancho IV e D. Maria de Molina, Fernando nasceu em dezembro de 1285 em Sevilha.
Assumiu o reino após a morte de Sancho IV, porém como era menor de idade, D. Maria de Molina
assumiu a regência até 1301, quando ele atinge a maioridade. No período da regência houve alguns
conflitos com a nobreza pela questão da sucessão do trono, pretendido para o seu primo Afonso de
Lacerda por uma facção de nobres encabeçada pelo seu tio, o Infante D. João. Esta pretensão fora
originada quando o seu pai Sancho IV se apoderara do trono legado a Afonso de Lacerda, em
desrespeito a vontade testamentária do rei anterior Afonso X. Havia também conflitos com Portugal,
onde o rei D. Dinis acabou por aceitar terminar a invasão em troca das vilas de Serpa e Moura. Pelo
Tratado de Alcanises firmou a Paz com Castela. Fernando IV Casou-se em 1302 na cidade de
Valladolid com Constança, infanta de Portugal, filha da Rainha Santa Isabel e do rei D. Dinis I de
Portugal. Seu reinado foi apoiado numa política de cedências. Uma das decisões importantes do
novo rei foi o acordo de fronteiras com Jaime II de Aragão em 1304, a Sentença Arbitral de Torrellas:
estabeleceu-se o limite para Castela na margem direita do rio Segura, incluindo a cidade de Múrcia,
conquistada por Jaime de Aragão a Fernando de Castela com o auxílio de Afonso de Lacerda.
RUCQUOI. Adeline. História Medieval da Península Ibérica. Op. Cit.p. 177-279.
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Após o desfecho dos conflitos com o irmão, o rei D. Dinis saiu com seu poder
fortalecido perante todos, o que revela uma postura firme contra as jurisdições
senhoriais.
Não obstante D. Dinis dedicar esforços a questões administrativas internas,
precisou ainda envolver-se na política externa com seus vizinhos peninsulares. Foi o
caso da questão de sucessão de trono em Castela, após a morte de Sancho IV.
Neste momento, as questões políticas internas de Castela se aqueceram, pois
surgia aí um problema de tutoria do herdeiro do trono, que se tratava de D.
Fernando, o qual possuía somente nove anos quando seu pai morreu. Assim sendo,
a mãe do príncipe castelhano, Maria de Molina “teve a tutoria questionada pelos
infantes: Henrique (irmão de Afonso X), João (irmão de Sancho IV), Afonso e
Fernando de La Cerda, filhos do primogênito de Afonso X.” (MOCELIM, 2013. 261)
Observando a instabilidade política em Castela, os reis D. Dinis e Jaime II de
Aragão desejavam demarcar suas fronteiras com o reino vizinho além de
enfraquecê-lo politicamente, utilizando por meio de campanhas contra Castela.
Desta forma, para Portugal agir desta maneira representaria:
por um termo sobre as disputas com Castela pelo Algarve, até com
possibilidades de avançar suas fronteiras sobre Badajoz e Andaluzia, [...],
para Aragão, uma Castela enfraquecida significava um empecilho a menos
para que o Reino aumentasse sua área sobre o Mediterrâneo e realizasse a
conquista do Reino de Múrcia.” (GIMENEZ, 2005. p.262)
Por sua vez, os infantes castelhanos buscaram formar alianças cada qual de
acordo com seus interesses e possibilidades. O Infante:
D. João busca o apoio de D. Dinis, que o reconhece como rei, o que leva o
novo tutor do pequeno rei, o infante D. Henrique, a comprar posterior
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Entretanto, a tentativa dos dois infantes que contou com a ajuda do monarca
português, conforme mencionado não surtiu efeito, pois “devido a diplomacia dos
dois reinos, Portugal e Castela reaproximaram-se e assinaram, em 1297, um novo
tratado de cooperação e amizade”; (MATTOSO, 1997. p.129) foram ainda a partir
deste Tratado, firmando na cidade de Alcañices, renovadas as antigas promessas
de casamentos já citadas anteriormente entre Fernando de Castela e D. Constança
filha de D. Dinis; assim como a infanta Beatriz, irmã do jovem rei castelhano com o
outro filho de D. Dinis, o futuro rei Afonso IV. Foi também fruto deste tratado, as
demarcações do território de Portugal, “fronteira esta que manter-se-ia até hoje, com
pequenas alterações”. (MARQUES, 1996. p. 110) Por último, necessitava legitimar
os casamentos definidos. Então, em março de 1300:
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A partir daí, D. Dinis volta suas atenções para o seu próprio reino, visando dar
continuidade às questões administrativas, visando combater o poder senhorial. No
ano de 1301, D. Dinis promove novas inquirições:
Foi este o caso quando o rei D. Dinis recebeu o apoio no seu processo de
centralização por Afonso Sanchez. O monarca português teve com diferentes
mulheres em torno de cinco a seis filhos bastardos:
assim a possuir um dos mais altos cargos dentro da hierarquia política e social do
reino. O outro filho trata-se de Pedro Afonso, que herdou o condado de Barcelos,
tornando-se assim o terceiro conde de Barcelos e posteriormente, em 1317, foi
nomeado Alferes-mor, recebendo também funções militares. Portanto, D. Dinis
colocou seus filhos bastardos em cargos que até então eram somente destinados a
membros da alta nobreza:
Afonso Sanches foi mordomo Mor entre 1312 e 1323; Pedro Afonso foi o
terceiro conde de Barcelos, nomeado em 1314 e Alferes Mor em 1315 e
1317; João Afonso foi Alferes Mor entre 1318 e 1325 e Mordomo Mor entre
1324 e 1325. (MOCELIM, 2007, p.17)
representava, aos olhos do Infante Afonso, que o rei fez o que fez para afastá-lo do
trono. Diante destas circunstâncias, o Infante Afonso recorreu para sua sogra e
rainha de Castela, Dª. Maria de Molina, a qual escreveu uma carta destinada á D.
Dinis pedindo para ele que:
família, isto é, envia sua esposa e seu filho Pedro para a cidade de Alcanizes,
protegendo-os da guerra. Nesta altura dos acontecimentos o infante já ocupara a
região de Leiria.
O Infante Afonso contava com o apoio dos “bispos de Lisboa e do Porto,
membros da nobreza de corte, outros pertenciam à segunda ou a terceira nobreza,
sendo seus mais ativos partidários filhos segundos ou bastardos”; (MOCELIM, 2004,
p. 9), onde estes últimos eram os protagonistas das ações mais violentas, dos
crimes que o rei lhes atribuía e que pretendia castigar. Portanto, o infante recebe
maior influência dos nobres da região ao norte do Rio Mondego, onde havia maior
presença de forte presença senhorial. Já o rei D. Dinis tinha como partidários:
Sendo assim, o Rei buscava seu apoio na região sul, onde havia maior
concentração dos concelhos.
De acordo com José Mattoso (1997, p. 172) “alguns membros da nobreza
resolveram optar pela neutralidade da guerra, é o caso dos membros das famílias
dos Teixeiras, Silvas, Cunhas, Correias, Albergarias e Limas”. Diversos membros
destas famílias buscaram se distanciar da guerra, esperando o resultado final em
posição de neutralidade.
Tendo em vista que os conflitos estão em eminência de ocorrer e dadas às
proporções que abrangem todo o reino, é evidente que os vizinhos peninsulares
iriam prestar atenção e se envolveriam direto ou indiretamente neste conflito. Foi
este o caso de Aragão. Primeiramente partiu do monarca português enviar cartas ao
rei Aragonês, Jaime II, com queixas sobre o comportamento e intenções do seu filho
Afonso; enviara junto à carta uma cópia do segundo manifesto. Como resposta,
Jaime II escreve alegando que se havia um culpado pelo comportamento do filho e
da distância entre o pai, tratava-se do próprio monarca. Como resposta, em oito de
julho D. Dinis envia uma nova carta relatando dos acontecimentos no reino para o rei
Aragonês, e que este ultimo, por sua vez responde em agosto:
Foi neste período que Frei Sancho chegou a Portugal para cumprir o que
havia prometido Jaime II, de promover uma conciliação entre D. Dinis e o infante
Afonso. Todavia, já era demasiado tarde, pois os atritos e desavenças entre os dois
“avolumaram-se de tal forma que entre meados de dezembro de 1321, D. Afonso
partiu com sua força de Coimbra em direção ao norte ocupando os castelos da
Feira, Vila Nova de Gaia e do Porto.” (MATTOSO, 1997, p. 140) Mais tarde, tratou
de atacar e cercar a cidade de Guimarães, local onde se encontrava refugiado o
meirinho-mor do rei, Mem Rodrigues de Vasconcelos, o qual assumiu a
responsabilidade de defender a cidade.
Como resposta às investidas do infante, o rei D. Dinis retomou a cidade de
Leiria, a qual havia “sido oferecida ao infante por traição do alvazil e antigo copeiro-
mor do rei, Domingo Domingues e de outros cidadãos principais, o rei prendeu-os no
mosteiro de Alcobaça, onde se tinham refugiado, e condenou-os a morte por
traição.” (PIZARRO, 2008. p.384) Dando continuidade as suas investidas para
retomar as cidades perdidas, o Rei dirigiu-se para Coimbra e a cercou em março de
1322.
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Pedro Afonso foi o primeiro filho bastardo do rei D. Dinis, e sua mãe foi Grácia Aires; nasceu por
volta de 1285 e faleceu em 1354. Embora fosse filho ilegítimo do rei, foi acolhido e criado na Corte
Régia desde muito jovem; tal medida foi solicitada pela própria Rainha Isabel para que os filhos
bastardos do rei fossem criados num ambiente político, ao qual serviriam de objetos para angariar
influencias políticas para a Coroa Portuguesa, através de negociações de casamentos para com
estes bastardos. Já no ano de 1298, o rei escreveu um testamento contendo uma cláusula em que
dava plenos poderes para a Rainha Isabel ser tutora e administradora de seus filhos bastardos. Pedro
Afonso foi casado duas vezes, a primeira com Dona Branca Peres de Sousa, o segundo casamento
foi com Maria Ximenez Coronel, cuja família possuía grande prestígio em Aragão. Seu pai, D. Dinis,
sempre o tratou com proteção e o garantiu posses em Lisboa, Estremoz, Sintra entre outros; também
recebeu heranças de João Soares, frei da Ordem do Templo e em 1307 tornou-se mordomo da
Infanta Beatriz. Tornou-se titular de forma vitalícia o Condado de Barcelos no ano de 1314, e três
anos mais tarde, passou a ser Alferes-mor. Ao Conde Pedro é atribuído a autoria de algumas obras
literárias, sendo duas suas principais obras: O Livro de Linhagens, e a Crônica Geral de Espanha de
1344. MOCELIM, Adriana. “Segundo conta a estória...” A Crônica Geral de Espanha de 1344
como um retrato modelar da sociedade hispânica tardo medieval. 2013, p. 8-11.
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O Conde Pedro foi exilado após ser nomeado Alferes-mor, e provavelmente valendo-se do acumulo
destas funções, liderou um combate contra seu também irmão Afonso Sanches. É importante
ressaltar, que o Conde sempre se postou a favor do pai, D. Dinis. Entretanto, também era de seu
interesse, permanecer aliado do Infante, o qual futuramente seria o Rei. Por se sair vitorioso deste
combate contra seu irmão, causou desgosto ante a Coroa, sendo, portanto, desterrado e exilado em
Castela, assim como os outros que se opuseram ao Rei. MOCELIM, Adriana. “Segundo conta a
estória...” A Crônica Geral de Espanha de 1344 como um retrato modelar da sociedade
hispânica tardo medieval. 2013, p. 8-35.
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Santarém. Para evitar um conflito ainda maior surge como interventora novamente a
Rainha Dª Isabel no intuito de promover a paz.
Passado algum tempo, se deu a derradeira etapa destes conflitos que vinham
se arrastando ao longo dos últimos anos. Chegando o Rei à Santarém em 1324 para
encontrar com o Infante, o mesmo não permitiu a entrada do pai na cidade, além de
ocorrer um combate entre as hostes, D. Dinis contou com o apoio de seus filhos
bastardos Pedro Afonso e João Afonso de La Cerda.
Finalmente, em fevereiro do mesmo ano foi assinado um novo acordo de paz.
Neste acordo o rei D. Dinis
Com o fim desta guerra civil que ocorreu nestes últimos cinco anos, nota-se
que “não era possível acabar facilmente com os privilégios senhoriais da nobreza”,
(MOCELIM, 2013. p. 279) tendo em vista que as medidas de centralização do poder
e da administração na figura do rei foram os principais motivos que causaram a
reação desta nobreza. Portanto, em função destas medidas adotadas pelo monarca,
“os Concelhos têm em mente que os únicos prejudicados eram os nobres, mas
passado este momento, já durante o reinado de D. Afonso IV, viram que também
eles foram afetados”. (LACHI, 2000. P. 25)
Percebe-se também que D. Dinis desempenhou esforços para consolidar uma
posição de destaque político dentro da Península Ibérica, além de realizar um dos
mais importantes feitos para Portugal, que foi estabelecer a fronteira territorial
praticamente como conhecemos nos tempos atuais, salvo pequenas alterações.
Assim, dando suporte a esses seus feitos,
Com a morte de D. Dinis em 1325 quem vai assumir o trono é seu filho
Afonso IV, um dos principais personagens da Batalha do Salado. Este rei logo que
assumiu o trono, tratou de “convocar as Cortes nas cidades de Évora, as quais
chamaram ricos homens, cavaleiros, bispos abades, priores e representantes de
cabidos e procuradores dos concelhos” (1997. p.406), no intuito de reunir para junto
do rei o pais como um todo: povo em geral, nobreza e o clero. Esta convocação, “foi
a primeira vez, desde 1254, ano das primeiras Cortes comprovadas, que Cortes
foram convocadas para jurar um Rei acabado de subir ao trono” (MOCELIM , 2007.
p.43).
Não obstante além de fazer todo o sentido da convocação das cortes em
função do inicio de um novo reinado, segundo Bernardo Vasconcelos e Souza:
Diante desta posição adotada, serviu também para anunciar a tônica que seria o seu
reinado. Sendo assim, foi nesta época que havia retomado os conflitos com Afonso
Sanches que se arrastavam desde os tempos da guerra civil entre 1319 e 1325. Por
mais que tivesse prometido na época em que era infante ao seu pai, D. Dinis que iria
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apaziguar-se com o meio-irmão, não pôde evitar ter que resolver tais questões com
Afonso Sanches, pois este representava ao agora Rei um perigo. Aproveitou então,
nestas mesmas Cortes, para acusar o seu meio-irmão, João Afonso, de traição, pois
“se colocando ao lado de Afonso Sanches e não hesitando em apoiá-lo na guerra,
João Afonso quebrara o dever de servir o seu rei e de lhe ser leal, não se mostrando
reconhecido pelo bem que Afonso IV lhe concedera” (2009, p.86). Assim, a sentença
régia imposta para João Afonso foi a pena de morte.
Em decorrência da sentença que o monarca aplicou ao seu meio-irmão João
Afonso, “fez com que Afonso Sanches pegasse em armas, reunisse forças em
Castela e invadisse Portugal” (MOCELIM, 2013. p.281). Em seguida, invadiu a vila
de:
Este conflito que envolvia o Rei e seu meio-irmão tratava-se de uma guerra
feudal, todavia estava na eminência de se tornar uma guerra entre dois reinos,
Portugal e Castela; então o Rei de Castela, Afonso XI, passou a intervir também
neste conflito. No entanto, a situação em que se encontrava Afonso XI era um tanto
complicada, pois de um lado almejava promover um estreitamento nas relações
entre os reinos, buscando assim consolidar a paz; ao tempo em que “tinha obrigação
de defender o senhor de Albuquerque, sogro de Afonso Sanches, contra as
investidas de Afonso IV, era obrigação de suserano a vassalo.” (MOCELIM, 2013.
p.281)
Em resposta as investidas promovidas pelo seu meio-irmão, o monarca
português ordenou que o “exercito português do comando de Gonçalo Vaz, mestre
de Avis” (SERRÃO, 1979, p.267) marchasse em direção ao norte senhorial.
Entretanto, o exército foi derrotado na cidade de Ouguela, o que “levou D. Afonso IV
a invadir o reino vizinho e arrasar a vila de Codeceira.” (1979, p.267)
Outra personagem a tomar partido nesta guerra foi a:
Após se ter alcançado a paz, Afonso Sanches não pode gozar por muito
tempo da mesma, pois ainda nas negociações para tal já estava com a saúde
debilitada, e não resistindo, morreu ainda em 1329.
Aproveitando-se do momento de estabilidade e paz ao findar os conflitos
internos e externos, Afonso IV volta suas atenções para configurar e realizar uma
série de iniciativas diplomáticas com os seus vizinhos peninsulares. Foi também
neste período, que o “Tratado de Agreda, celebrado em 1304 entre D. Dinis de
Portugal, D. Fernando IV de Castela, D. Jaime II de Aragão e o Infante D. João de
Castela, que estabelecera a concórdia entre todos, é ratificado em 1328.”
(LALANDA, 1989. p.125)
Entretanto tal aliança entre os reinos mais uma vez demonstraria ser frágil, pois, no
acordo de paz entre Portugal e Castela:
resolver este conflito entre seus opositores e também para buscar aliança favorável,
Segundo Lalanda:
Foi então que o Infante Pedro, que havia obtido dispensa papal em 1325 para
casar-se com a Infanta Branca, alegou que a infanta Branca era doente e não
poderia ter filhos, e, portanto a repudia e assim, a partir de 1331 pensa-se no
casamento com D. Constança Manuel. Para tanto:
3 A ARISTOCRACIA
_______________
9
O vocábulo “nobreza” foi pouco utilizado até o século XIII. COSTA, Rircado da. A Guerra na
Idade Média: um estudo da mentalidade de cruzada na Península Ibérica. p. 98. Já para Marc
Bloch, entre os séculos IX e XI a palavra “nobre” (em latim nobilis) não aparece muitas vezes nos
documentos de época, mas ela limitava-se a marcar, fora de qualquer acepção jurídica precisa,
uma preeminência de fato ou de opinião, conforme critérios variáveis. Ela comporta, quase sempre,
a ideia de uma distinção de nascimento; mas também a de certa fortuna. – Bloch, Marc. A
sociedade Feudal. p. 317.
34
_______________
10
DUBY, Georges. As Três Ordens ou o Imaginário do Feudalismo. Lisboa: Editoria Estampa.
1994 p. 16.
35
_______________
11
A palavra miles (no singular ou milites no plural) era utilizada para definir o indivídio pertencente à
cavalaria. A origem destes milites é de difícil precisão e delimitação. Inicialmente, isto é, no final do
século IX, após a dissolução do império carolíngio, os historiadores perceberam que este grupo social
encontrava-se bastante próximo da aristocracia rural originária da nobreza carolíngia
(os nobiles ou nobiliores). Mas com o passar do tempo este grupo nobilitou-se, ascendeu socialmente
e passou a ser confundido com a própria nobreza. COSTA, Ricardo da. “Ramon Llull (1232-1316) e o
modelo cavaleiresco ibérico: o Libro del Orden de Caballería”, In: Mediaevalia, Textos e Estudos, 11-
12 (1997), Porto, Universidade Católica Portuguesa, p. 231-252.
36
_______________
12
Nasceu em Borgonha 1066 e morreu em Astorga em 1112. Pai de D. Afonso Henriques, primeiro
rei de Portugal. Quarto filho de Henrique de Borgonha, bisneto de Roberto I de França, sobrinho da
rainha Constança de Leão, sobrinho-neto de Santo Hugo, abade de Cluny e irmão dos duques Hugo
e Eudes. Escolhe a carreira militar que segue na Península Ibérica ao serviço de Afonso VI de Leão.
É cruzado, combatendo os Mouros no Sul da Península. Graças ao prestígio que granjeia e quando
Afonso VI se sente ameaçado na fronteira ocidental do reino pelos Almorávidas, grupo berbere
oriundos do norte da África e adeptos do Islã, o rei leonês, considerando-o um chefe militar
experimentado, concede-lhe a mão da sua filha ilegítima Teresa (a mãe desta era Ximena Nunes) e
entrega-lhe o governo dos antigos condados de Portucale e Coimbra, até aí unidos à Galiza e
administrados pelo seu primo Raimundo. D. Henrique procura as simpatias da nobreza, concedendo
importantes imunidades às famílias mais poderosas, escolhendo-as como componentes da sua corte
em Guimarães; controla os núcleos urbanos e mercantis; fortalece e desenvolve as comunidades
rurais, servindo-se da cavalaria vilã e do povoamento dessas zonas para deter o avanço dos
islâmicos. Disponível em <http://www.vidaslusofonas.pt/conde_d_henrique.htm> Acesso em 28 mai.
2015.
13
Afonso VI, o Bravo, foi rei de Leão (1065-1109), de Castela (1072-1109) e da Galiza (1073-1109).
Filho e sucessor de Fernando Magno, reuniu os vários territórios que seu pai havia repartido pelos
cinco filhos e fez-se aclamar em Burgos, pondo assim termo aos conflitos entre leoneses e
castelhanos pela hegemonia do centro peninsular. Alargou o domínio cristão na Península Ibérica,
com auxílio de Cid, impondo-se junto de vários reinos Taifas do Al-Andaluz. Devido à superioridade
alcançada sobre os príncipes cristãos e muçulmanos, intitula-se, desde 1077, Imperator Totius
37
Já no século XIII, através de casamentos entre estas famílias, esta nobreza passa a
ser tratada como:
Portanto, o fato de serem detentores de terras e que isso lhes dava certa
autonomia, era o que os tornavam mais problemáticos. Com efeito, tudo isso surgiu
num momento em que parecia claro para os últimos membros daquelas velhas e
primordiais linhagens, que o monarca já não se encontrava como só mais um entre
os outros, mas sim um “Senhor dos Senhores”, cujo poder se estava estabelecendo
superiormente ao de todos os senhores do seu reino, quer eles fossem mais ou
menos poderosos.
Neste momento em que esta nobreza está passando por uma transformação,
convém observar de forma mais atenciosa, como os papéis da monarquia e da
nobreza são definidos e aproximam-se dos moldes que conhecemos de
administração e corte régia em seu sentido mais comum. Para se ter uma ideia mais
exata do que significa este momento de modelagem do reino, vejamos com as
palavras de Antonio José Saraiva:
_______________
18
Afonso III, ao compor o Livro de Leis e Posturas, Irá fixar as praticas judiciais consuetudinárias da
Corte em leis escritas. Tal mudança legislativa implica em transferir as disputas do campo de batalha
para os tribunais, possibilitando ao súdito o acesso à justiça régia, com normas regulares de ação as
quais atingem o universo social. Por sua vez o rei, ao propor tais transformações, intervém
diretamente nas jurisdições locais, revogando sentenças, corrigindo arbitrariedades e parcialidades
dos tribunais locais. O que interfere diretamente nas relações privadas de cunho senhorial. Ao
ampliar os grupos atingidos por sua ação, amplia também sua base de apoio político, uma vez que se
sentem beneficiados por estas mesmas medidas. Disponível em
<http://www.galeon.com/projetochronos/librarium.htm>. Acesso em 02 jun. 2015.
41
_______________
22
A cavalaria pode ser entendida, neste sentido como uma instituição, implicando, em sentido
abstrato, dignidade, ordem, posição e qualidade de cavaleiro, ou, em sentido feudal, vassalagem
através da prestação de serviço e da boa subordinação pessoal, com todo o sistema pertinente de
códigos e costumes religiosos, morais e sociais.
44
Esse novo ideal de nobreza, que a considerava tanto como categoria moral
como social, vinha ao encontro daquela nobreza que com o final das
operações de Reconquista não tinha mais uma justificação prática. Foi em
função disso que a alta nobreza dedicou-se ao estudo de suas próprias
características enquanto cavalaria, pode-se comprovar isso com as
publicações do príncipe castelhano Juan Manuel e do Conde Pedro de
Barcelos em Portugal, durante o século XIV. (MOCELIM, 2004. p. 36.)
Percebe-se ainda, que a relação desta nobreza para com o rei é de afirmação
da própria como essencial tanto para o rei e suas atribuições como também para o
reino em si, para a sociedade portuguesa como um todo. Em contrapartida, o rei
também deve ter em mente que sem este apoio da nobreza não se sustentará
sozinho no trono. A esse respeito, Fátima Fernandes enfatiza que:
4 A RECONQUISTA
_______________
24
Pelágio foi filho do duque de Córdoba chamado Fávila. Foi capturado pelas tropas do governador
árabe muçulmano Muniza, no ano 716, após a queda do reino visigodo e ocupação da Península
Ibérica pelos mouros. Escapou do cativeiro no ano 718 e iniciou a resistência ao invasor, tornando-se
o primeiro rei das Astúrias, cuja corte foi fixada na cidade de Cangas de Onis. Venceu o governador
mouro Muniza durante a Batalha de Covadonga no ano 722, e faleceu em Cangas de Onis, no ano de
737. Disponível em <http://cronohistory.blogspot.com.br/2014/08/idade-media-ano-718.html>. Acesso
em: 6 mai. 2015.
25
O vale do Guadalquivir é atravessado de leste a oeste pelo rio que lhe dá nome. Esse vale é
fechado, no sul, pelas montanhas do sistema Bético, que descem rapidamente para o Mediterrâneo e
configuram uma costa de modo geral abrupta, entre o estreito de Gibraltar e o cabo da Nau.
47
Foi assim que os reis peninsulares usufruíram de várias bulas papais, que
exortavam à expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica, concedendo
indulgências aos que participavam na luta. Podemos destacar especialmente “a
pregação da 2ª Cruzada por Eugénio III e Bernardo de Claraval a partir de 1146 abre
a possibilidade de confluência entre a cruzada oriental e a ibérica” (MONTE, 2008, p.
05). Por várias vezes, os reis de Portugal puderam mesmo contar com a ajuda dos
cruzados que passavam pela região ibérica a caminho da Terra Santa: em 1147,
para a conquista de Lisboa; em 1189, para a conquista de Alvor e Silves; em 1197,
para nova tentativa de conquistar Silves; em 1217, na conquista definitiva de Alcácer
do Sal (DA COSTA, 1998. p. 120-121). Assim, para o fortalecimento do ideal de
cruzada muito contribuíram também, as ordens militares e religiosas introduzidas na
Península no século XII: os Templários em 1128, os Hospitalários por volta de 1150;
os monges de Calatrava e de Santiago, também por volta de 1170. Todos eles se
revelaram auxiliares preciosos na conquista de terras.
De modo geral, desde a Reconquista, os reis ibéricos passaram a ser
chamados de “cruzados permanentes”. Como tais, possuíam as mesmas
prerrogativas conferidas aos cruzados que lutaram na Terra Santa (RUCQUOI,
1992, p. 69). É certo que essa característica assumida pelos monarcas peninsulares,
especialmente os de Castela, Portugal e Aragão, trouxe-lhes tais prerrogativas;
todavia, não podemos dizer que isso os tenha tornado independentes em relação ao
clero. Não obstante o papado necessitar do rei e da nobreza para recuperar os
territórios reclamados pelos cristãos, essa autonomia dos reis não deixou de trazer
tensões para com o clero, como no caso do conflito entre D. Afonso IV de Portugal e
50
Álvaro Pais, bispo da diocese de Silves durante a guerra entre Portugal e Castela 27.
Desta maneira, no decurso de uma transformação do poder político tardo-medieval
peninsular, é possível destacar certo apelo à legitimação do poder régio e de
propaganda dos atributos de rei no universo laico, produzindo imagens régias
ligadas à religião – tais como rei ungido, cristão, virtuoso, fiel.
Conforme foi apresentada a contextualização do reino de Portugal no primeiro
capítulo deste estudo - e não ignorando, mas por hora deixando de lado o avanço
que o reino conquistou - convém destacar que:
Desta maneira, como nos mostrou Adeline Rucquoi, percebe-se que havia
certa instabilidade política na Península Ibérica, pois frequentemente ocorriam
desavenças entre os reinos cristãos, tal como já exemplificado quando discutida a
contenda entre Portugal e Castela. Ainda no mesmo ano de 1339 e pouco tempo
depois do estabelecimento de paz entre os reinos, novamente a Península Ibérica
tornou-se palco do conflito entre cristãos e muçulmanos, o que culminou na Batalha
do Salado no ano seguinte, em 1340.
Portanto, verificado o conceito do termo Reconquista e o que representou
para o período tardo-medieval e de forma mais especifica ao reino de Portugal,
observa-se a conjuntura em que está inserida a Batalha do Salado. Sendo assim,
passaremos em seguida ao próximo e principal tópico deste estudo, que é
justamente a Batalha do Salado
_______________
27
Durante a guerra com Castela (que durou de 1336 a 1339 - a qual já foi descrita no primeiro
capítulo deste estudo p. 25), o bispo D. Álvaro Pais indispôs-se com o rei D. Afonso IV advertindo-o
para não fazer guerra a outrem, tirando para isso, proveito dos bens das igrejas e dos pobres.
Reclamava ainda numa mensagem destinada ao monarca, que este havia sobretaxado o seu
bispado, o que não fizera com outras dioceses, e que, por causa da transgressão às imunidades
eclesiásticas, não poderia cumprir as suas obrigações como despenseiro daqueles bens. (COSTA,
1996, apud SOUZA, Armenia Maria. “A realeza cristã ibérica no Espelho dos reis de frei Álvaro Pais
(séc. XIV)”, In: Revista Dimensões, Espírito Santo, n. 27, 2011. P.189-215. Disponível em <
http://www.periodicos.ufes.br/dimensoes/article/view/2590/2086> Acesso em: 14 mai. 2015.
51
5 A BATALHA DO SALADO
_______________
28
Trata-se do segundo filho bastardo do rei D. Dinis com Gracia Frois. Nasceu na cidade de Torres
Vedras por volta de 1280. Conforme dito no primeiro capítulo deste estudo, foi o terceiro conde de
Barcelos. Atribui-se a ele a autoria do Livro de Linhagens por volta de 1340, e também a Crónica
Geral de Espanha de 1344.
29
Merínidas (ou marínidas) era uma dinastia berbere de Fez que reinou no Marrocos de 1196 a 1464,
substituindo o poder Almôada.
30
(...) caso dos de Tlemcen ou Tremecem, nas mãos dos Abd AL-Wadides a partir de 1236(...) e o de
Tunis, chefiado pelos Hafsidas (...), daí resultando a reunificação política de grande parte da Berberia
e o reconhecimento islâmico do poder detido pelo sultão de Fez, bem patente na homenagem que lhe
52
Após D. Afonso IV ter recebido sua filha e ouvir dela a solicitação feita pelo
seu genro o rei de Castela e ficar a par da gravidade da situação, prontamente ele
respondeu que atenderia ao pedido de ajuda. No entanto, D. Afonso IV “pera fazer
cõ prudência, & bom resguardo como devia, tendo sobre isso conselho com os
principais de sua Corte” (PINA, 1936, p. 153), foi aconselhado por alguns membros
que a sua ida era apressada, e que necessitaria certo tempo para reunir contingente.
Também fizeram pouco caso da situação:
sua hida tam apressada devia porentam escusar em sua pessoa, assim
pelas muytas gentes que lhe loguo compriam, & nom eram prestes como
por outros grãdes percebimentos de armas, cavallos, que todos heram
necessários, que loguo assim nam teriam, & que este hera hum forçado
inconveniente, pois que de necessidade o aviam de aver cõ tamanho poder
de Mouros, & já tam exercitados na guerra. (PINA, 1936. p. 153)
O rei, após ouvir tais conselhos e opiniões, as quais lhe eram contrarias,
prontamente repreendeu os membros desta corte e alegou que “overdadeiro & leal
Portuges onde quer que estiuesse por obras, & bom coraçam o segueria indo contra
os imigos da Fee, & por defensaõ da terra dos Christãos.” (PINA, 1936. p. 153) Com
efeito, após a decisão de Afonso IV de prestar ajuda ao genro, prontamente reuniu
um contingente e partiu para a cidade de Sevilha, onde encontrar-se-ia com o rei de
Castela e seu exército, para enfim rumarem à cidade de Tarifa, que estava cercada.
Posteriormente, já reunidos em Sevilha, Os Reis de Portugal e Castela
decidem por enviar uma mensagem ao sultão Abû-l-Hasan’ Ali o avisando:
54
que co ajuda de Deos hiaõ pera socorrer, & descerquar Tarifa que elles
[muçulmanos] tinham cerquada, que lhes rogavaõ que parase escuzar antre
todos derramamento de tanto sangue, quato por sua cauza se aparelhaua,
se quizessem alevantar da quelle cerquo & tornasse loguo para suas terras
para que lhes dariaõ seguro, & e vivessem todos em paz, ou tregoa qual por
melhor ouvessem, & que assi o naõ quizessem loguo fazer, que antre elles
senaõ escuzava necessária, & perigosa conteda, na qual pois tinhaõ nomes
de Reys tam grandes, & estauam tão riquos & poderosos que a elles seria
vergonha. (PINA, 1936, p. 158)
porque ganhada contra elles esta Victoria, tua será Espanha, até Frãça, as
quais por direito, & sucessam de nossos avos ainda He nosso patrimônio, &
e quando a desauentura for tanta que sejas, & e sejamos contiguo vencidos,
ainda entam naõ serà deshonra nossa ne vituperio, pois nobres Reys, &
bons caualleyros nos vencem, & e por naõ cudarmos mais nas cousas de
periguo que lembradas fazem mayor medo, vai tu Rey poderoso contra
elRey de Castella, & eu contra elRey de Portugal, & Deos nos ajudará.
(PINA, 1936. P. 159)
55
que elles por desprezo & e abatimento dos Christãos tinham cequado
Tarifa, cujo cerquo naõ aviam de leyxar, até ser sua, & que outro tanto
fariaõ loguo a Em xares, & e que em qualquer maneira viessem ali os
achariaõ porque com seu medo se nam aviam de partir. (PINA, 1936. p.
161)
5.2 A BATALHA
Não obstante, devemos salientar que é também nesta época em que Portugal
enfrentava uma crise dinástica32. Todavia, além da figura do Prior do Crato Álvaro
Gonçalves Pereira evocar a imagem de um nobre virtuoso; remete também à
Reconquista e o ideal de Cruzada:
Neste sentido, podemos observar também que a nobreza nesta época, estava
passando por uma transformação, já mencionada no capítulo anterior, e que
necessitava se reafirmar como grupo de relevo. Com efeito, esta narrativa detém
certa influência de uma literatura cavaleiresca, oriunda das Ordens Militares que
emanam seus valores, e que também possuem posição de destaque numa
estratificação nobiliárquica. Tais prerrogativas justificam-se pelo serviço prestado à
fé e também ao reino, de modo que estes monges guerreiros deveriam ser vistos no
_______________
32
Entre o fim do século XIV e o início do XV, Portugal sofreu uma grave crise dinástica após a morte
do rei D. Fernando (1367-1383), o qual não havia gerado um varão legítimo e acabou deixando o
poder nas mãos de sua rainha, Leonor Teles (1350-1386). O casal tivera somente uma herdeira,
desposada com o rei de Castela Juan I (1379-1390). A ambição ao trono vizinho da parte do monarca
castelhano e a instabilidade política gerada pelo governo estar nas mãos de uma mulher, colocou o
território em guerra. Em meio a este quadro, uma improvável figura desponta como líder em defesa
dos interesses portugueses: D. João, Mestre de Avis e irmão bastardo de D. Fernando. Após diversos
embates, o ilegítimo filho do rei D. Pedro I (1357-1367) é eleito rei de Portugal nas Cortes de Coimbra
de 1385. TREVISAN, Mariana Bonat. A dinastia de Avis e um novo começo para a História de
Portugal no século XV: Fernão Lopes e a Sétima Idade. In: IX Simpósio de História: Fins e
recomeços da História em religiões, mitos e ideologias, 2012, São Gonçalo. Anais do VI Simpósio de
História: Revoluções, Repúblicas e Utopias, 2012. p. 123-130.
58
O esforço era mui grande em eles, e faziam tam bem e tam igual, que todo
home que os viesse sofrer e ferir e matar em seus emmigos, [...] que os
nom louvasse de todo prez e honra de cavalaria. (PEDRO, Conde D. Vol. I.
p.245)
Desta maneira, é possível mais uma vez verificar a prerrogativa de honra para
o grupo da cavalaria como pertencente à nobreza.
_______________
33
O trecho se faz importante, pois dentro do recorte temporal e espacial trabalhado, quem compunha
a cavalaria, eram os nobres. Para melhor esclarecimento da posição de cavalaria como segmento
pertencente à nobreza, cf. p. 39 e seguintes. (há uma nota explicativa especialmete sobre a cavalria)
59
Resolvido tais questões iniciais sobre a fonte primária, voltemos o foco para a
batalha conforme descrita na narrativa. Salientamos que adiante seguirá a descrição
da batalha de maneira detalhada, sendo também destacadas algumas evidências –
as quais farão parecer que a descrição seja um tanto extensa. No entanto, é a partir
destas evidências que poderemos verificar a importância desta narrativa, assim
como quais eram as intenções do cronista-refundidor ao retratar a mesma.
Logo no início da narrativa e rompendo com a descrição da genealogia
referente ao Rei Ramiro, têm seu início de forma abrupta: “a sua natura é defender
por u vam” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.242). Em seguida, continua:
E aquel mouro Alcarac, polo que ja vira no ordinamento das lides que fariam
que faziam os cavaleiros hospitaleres, que os cristãos fezessem este
ordinamento da az do curral, ordinhou estas duas azes de coinha pera a
fenderem. A az de curral é redonda como môo e a as natura é de defender
os que Alá estam e pera saírem dela a lidar quando comprir.(PEDRO,
Conde D. Vol. I. p.242)
Percebe-se também que esta organização dos cristãos também servia como defesa,
pois as hostes muçulmanas atacariam com determinação. Demonstra também
grande respeito pelo poder bélico da Ordem do Hospital, ressaltando que tais
cavaleiros combatiam os turcos, ao mencionar que os mesmos eram os que tinham
_______________
34
Na Idade Média, az era a unidade de combate. Correspondia aproximadamente a um conjunto de
700 a 1.000 lanças – 2.100 a 3.000 homens. MARQUES, A. H. de Oliveira. Apud DA COSTA,
Ricardo. 1998. p.244.
60
E Alcarac por esto se moveo a fazer este ordinhamento destas azes. E vez a
az do curral pera refrescar gentes aa lide e pera se colherem i os mal
chagados e pera sairem todo a lidar juntamente, se comprisse, e os que
perdessem cavalos pera cobrarem i outros. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.242)
el rei de Castela pela riba do mar, el rei de Portugal per antre as montalhas
e o campo. E ordinharom e defendrom que nem ûus nom se apartassem a
pelejar nem jugassem geneta, e que todos fossem ferir nas maiores azes a
mantenente. Os reis partirom-se ali, e ûu foi a destro e outro ao seestro
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.243).
E el rei dom Afonso de Portugual era de grandes feitos, quanto mais olhava
pólos Mouros, tanto lhi mais e mais crecia e esforçava o coraçom, como
61
home que era de grandes dias, e tiinha que Deus lhi fezera gram mercee
em o chegar aquel tempo u podia fazer emmenda de seus pecados por
salvaçom de sa alma e receber morte por Jhesu Christo.(PEDRO, Conde D.
Vol. I. p.243)
Olhade por estes Mouros que vos querem guanhar a Espanha, de que
dizem que estam forçados, e hoje, este dia, a entendem de cobrar se nos
nom formos vencedores. Poede em vossos corações de usardes do que
usarom aqueles donde viides, como nom percades vossos molheres nem
vossos filhos e o em que ham-de viver aqueles que depois vós veherem, os
62
Na sequência da narrativa, Afonso IV, após fazer o seu discurso, fala para o
Prior Álvaro, que o mesmo ordene trazer o símbolo religioso da Cruz do Marmelar,
que era guardada pela Ordem Dos Hospitalários em Portugal (DA COSTA, 1998, p.
250). Assim, o rei:
Então, quando o Prior apresentou a relíquia, pediu não só para o rei como todos os
combatentes, que depositassem sua fé na mesma:
e dixe-lhi o priol dom Alvaro: << Senhor, vedes aqui a Vera Cruz, Orade-a e
poede em ela feuza e pedide-lhi que aquel que prendeu a morte e paixom
em ela por vos salvar, qu’el (?) vos faça vencedor destes que som contra a
sua fe. E nom dultedes que, pela sua vertude e por os boos fidalgos vossos
naturales que aqui teedes, havedes de vencer estas lides, e vós havedes de
vencer primeiro>>. El rei e aqueles que com ele estavam forom mui ledos e
esforçados destas palavras do priol dom Alavaro, e dixerom: <<Assi o
compra Jesus Christo>>. E fezerom sua oraçom a Vera Cruz mui
homildossamente.”(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.244)
Ali se volveo a lide dos reis cristãos e dos Mouros mui danosa e mui crua e
sem piedade. Os Mouros eram muito esforçados e feridores de todas
partes. Aos ûus davam azagaiadas, ós outros de lançadas a mantenente, e
ós outros a espadadas, e ós outros de frechadas d’arcos torquies, que eram
tam espessas que tolhiam o Sol. [Ali caiam cavaleiros e cavalos mortos da
ûa e da outra parte, ali [veeri] ades cavalos sem senhores andar soltos, e os
cavaleiros que eram em terra filhavam-se pelos lazes das capelinas e dos
bacinetes, e davam-se das brochas, que as poinham da outra parte.]”.
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.245)
Os Mouros, nom se lhis olvidava aquelo por que ali veeram, ca eles
refrescavam cada vez dos mogotes que estavam folgados, e feriam os
Portugueses a destro e a seestro, assi que o aficamento era tamanho de
todas partes que home nom poderia mostrar. Os Portugueeses forom ferir
nas IIII azes dobradas, assi como lhis fora mandado pelos reis. Esto lhis foi
grave de fazer pelo aficamento grande dos magotes. Ali se renovou a lide
mui doorida de crueza e de sanha. Ali s’esmalhavam fortes lorigas e
britavam a especeavam e talhavam escudos, capelinas, bacinetes, per os
grandes e duros golpes que se davam.” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.245)
<<Senhores, nembrade-vos cmo Jesu Christo recebeu morte por nos salvar.
Esto devemos nós fazer por El todos, prender morte hoje dia, por salvar a
sa fe. Eos que morreremos hoje seeremos com el no seu reino celestial, u
há moradas tam nobres que se nom podem dizer por línguas. Os que daqui
sairmos se// louvados d’honra, de vitoria de prez, de bondade de toda a
cristaidade, que estam em coita e tormenta, com muitas lagrimas por sãs
faces, esperando que por nós epor os nobles cavaleiros de Castela seeram
hoje salvos>>.(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.246)
O priol foi desto e mui coitado, polo que el dissera a el rei dom Afonso, que
por a bem-aventurada Santa Vera Cruz havia de vencer primeiro. E disse a
gram voz: << Ai Deus, poder-m’iades dizer u ficou?>> E os cavaleiros lhi
disserom: <<Senhor, sei: ca nós vimos ficar o crerigo em este vale
[...]crerigo [...]gram [...]gar.] (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.247)
Assim, é o Prior que relembra da sua promessa ao Rei Afonso IV que seriam
vitoriosos por serem eles que possuíam a relíquia. Vimos que os cavaleiros que
estavam junto a eles afirmam que a relíquia estava com o clérigo em algum lugar no
campo de batalha.
No entanto, no trecho seguinte o cronista-refundidor passa a descrever como
estava o combate:
Estando em esta pressa e esta coita, chegou o cavaleiro que foi // <em
busca da Vera Cruz com seus tres criados bem armados, eles e seus
cavalos, e tragia a Vera Cruz antre seus braços, em grande hasta. E os tres
cavaleiros ant’e>, e <u viiam a maior espessura dos Mouros, ali entrava
com a Vera Cruz>[...]//que estavam já muito esmahados por a força que
67
Os IIII mogotes dos IIII mil cavaleiros que estavam folgados pera prender os
cristãos,como vos já hei mostrado,virom que os cristão iam pera mal, e que
az da coinha andava destroindo em’eles. Pensarom que a lide era fiida, e os
cristãos, vençudos, veerom ferir em’eles, a lançar muito aficadamente sas
azagaias pera os prender, dando grandes algaridos e poendo sas espadas
de toda sa força, e diziam a grandes vozes: << Cativos, cativos!>>”
(PEDRO, Conde D. Vol. I. p.248)
Mais todo esto nom lhes valia rem, ca os cristãos cresciam-lhis mais e mais
as forças. [E] entendiam que andavam per a lide derribando e matando e
estroindo a as voontade, como fidalgos que estavam mui mazelados de
muito mal que passarom, e andavam per a lide como leões bravos. As
espadas que tragiam eram muito alvas; ale se tornarom vermelhas com
sague, [e corria pelos manípulos dê’las lorigas ataa os cotovelos, pelos mui
grandes golpes que se ali faziam]”. (PEDRO, Conde D. Vol. I p.248-249)
Os Mouros virom que seu feito ia pera mal de todo. Disserom que seu
Mafomede nom havia poder pera os defender. Ali começarom de fugir, e
gram parte deles pera a az do corral que estava contra a ribeira do mar, que
68
ainda estava folgada. Aqui se compriu o que disse o priol dom Alvaro de
Pereira a el rei dom Afonso, que el, pela Santa Vera Cruz e pelos nobres
fidalgos, havia de vencer primeiro. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p.249)
Assim, neste trecho vimos que os muçulmanos perceberam que não havia
mais chances de vitória, pois até mesmo Maomé era incapaz de defendê-los,
portanto, a única alternativa era fugir passando por meio a uma hoste muçulmana
que se encontrava próximo ao mar. Por último, o trecho revela que a promessa feita
ao rei Afonso IV pelo Prior Álvaro Gonçalves Pereira foi cumprida: os nobres fidalgos
portugueses venceram a batalha por seu turno antes mesmo que os combatentes
cristãos pertencentes à Coroa de Castela.
Diante do exposto acima, a narrativa demonstrou o desenrolar da batalha e a
vitória das hostes portuguesas. A partir deste momento a mesma direciona a
atenção para as hostes castelhanas; já em outro local: “os castelãos houverom as
contenda grande com os Mouros em passar a ribeira do Salado, que era em riba do
mar” (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249). Todavia, continua relatando que diante da
grande batalha que estava sendo travada naquele dia pelos castelhanos, e embora
houvesse uma superioridade numérica dos muçulmanos em suas formações de
azes, ainda assim estes muçulmanos não estavam em um bom momento:
El rei Almafacem, quando vio os seus sair do campo , disse muito alta voz,
os olhos contra o ceo: <<Ai, Deus poderoso, ai Deus vencedor! Porque
desemparasti este velho, coitado de pressa de mezquiidade, coberto de
míngua de vergonha sobre todo-los reis do mundo? Ai velho, hoje perdiste o
teu nome que havias em toda Eiropa, em toda Africa, e em Asia>> Lançava
as mãos da barva, que tiinha mui longa e cãa, e messava-a toda e dava
grandes feridas em seu rostro. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 249-250)
_______________
35
Neste caso corresponde ao Deus Muçulmano, que é referido como Alá. Esta ressalva deve ser feita
porque devemos considerar que a narrativa foi feita por um cronista cristão, recebendo assim o
contorno mediante o imaginário da época.
70
comandante Alcarac e resolve tentar uma última investida, fazendo uma nova
exortação:
desista daquela batalha, evitando assim a sua morte. Sugere também que com a
fuga, poderia então o sultão organizar uma futura vingança. No entanto, o próprio
sultão rechaça tal ideia, alegando que já havia perdido praticamente todos seus
combatentes que havia reunido ao longo de suas conquistas. Relembra também que
já havia perdido seu filho Abu-Malik37, e punido aqueles que fugiram na tentativa de
invasão no ano anterior:
<< Nom pode filhar vingança o que com pesar morre. Eu a esta morte nom
posso escapar por a nobre cavalaria que perdi, que eu ap[u]rei entre as
gentes d’Africa e d’Asia, e me tu prendiste, em tempo que ainda eu poderá
vingar e cobrar mea honra. (PEDRO, Conde D. Vol. I. p. 251).
<<vi IIII mil cavaleiros portugueeses fazer por guanhar prez e honra de
cavalaria, sobre todolos que eu vi e ouvi falar [...] e eles em lidando com
estes VIII mil, viinham quanto podirom (sic) e ferirom nas IIII azes tendudas.
E porque estas IIII azes eram d’estranhos cavaleiros, tirei afora dos VIII mil
mogotes que ali veerom os V mil pêra vo-los mandar. E vi estes
Portugueeses assi revolver a lide e ferir tam estranhamente que
seme//l[h]avam diaboos do inferno. [...] entrou per antre os vossos uu gran
cavaleiro antressinado de sobressinaes vermelhos El e o cavalo [de
sobressinae]s de prata. E tragia em sãs mãos ua mui fremosa e grande
hasta, em cima dela ua cruz que esprandecia como o sol, e lançava de si
raios de fogo.[...] E, ainda mais: sabede que os cavaleiros pareciam grandes
gigantes, e os cavalos maiores que grandes camelos. E se dovidades desto,
pergunta[d’]estes cavaleiros muitos que aqui estam, que passarom todo>>.
E os cavaleiros disserom que aquela era a verdade. (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 252-254).
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37
Dentro da narrativa da batalha, Abu-Malik é chamado de Abomelique.
73
o seu doo e a as manzela e coita eram tam grande, que todos aqueles que
o virom houverom por estranho como aquela hora nom morreo. E o por que
se mais manzelava [a] si era por a lide que lhi partira Alcarac e o infante
Boçayñe, seu filho, quando o prenderom, ca el i quisera morrer. (PEDRO,
Conde D. Vol. I. p. 255)
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38
A questão referente ao autor da narrativa da Batalha do Salado, cf. p. 56
39
Sobre a refundição do Livro de Linhagens, e o seu contexto, cf. p. 56 e 57.
74
Tal fato também nos remete a perceber que foi neste sentido que o cronista-
refundidor apontou certas características em sua narrativa e que ficaram
evidenciadas neste estudo, e aqui passamos a verificar a segunda questão
pertinente: a partir da valorização do ideal de herói da Reconquista, atribuídos ao
Prior Álvaro Gonçalves Pereira e as tropas de Afonso IV, as virtudes e os ideais de
Cavalaria; mais do que a aquisição de poder ou riqueza que possuíam os nobres,
perpassam o século XIV, chegando até a data provável da refundição e inserção da
narrativa da Batalha do Salado. Isto pode ser verificado no seguinte trecho:
Este priol do Alvaro de Pererira, que vem deste linhagem de que falamos
antes do começo destas lides, foi o que passou alem mar, u está o gram
meestre da ordem da cavalaria de Sam Joham do Espital, com cavaleiros e
outras gentes mitas, pera a guerra que os Espitalares ham com os Turcos e
com Soraios e Barbaros e d’Aleixandria. E recebeu grande honra do gram
meestre e de toda a cavalaria, porque se houverom Del por bem servidos.
El veo daló mui bem-andante e com gram louvor. Este fez muitas fortalezas
e logares no reino, e foi amado dos Portugueses, e jaz em ua capela que El
fez por o serviço de Deus, que há nome Santa Maria de Flor de Rosa. Ali
jazem a redor de seu moimento os três cavaleiros que se com El criarom e
forom com El na busca da Vera Cruz, por salvamento da Fe de Jesu Christo
e de toda a Cristiidade, assi como havemos mostrado. // (PEDRO, Conde D.
Vol. I. p. 256-257)
6 CONCLUSÃO
cavaleiros. Embora cada uma tivesse suas particularidades que diferenciavam uma
das outras, e também aos “não nobres”, ainda assim havia mobilidade entre uma e
outra categoria. Nesse sentido, observamos que esta nobreza enfrentava uma
transição, seja no sentido de sua pópria organização estrutural, quanto funcional ao
Reino. Assim, o que caracteriza e representa este período conturbado que a
nobreza enfrenta, é que ao encarar um longo e gradativo processo de
transformação, esta mesma nobreza necessita afirmar-se perante o rei.
Além disso, a transição que mencionamos foi um processo de transformação
da sociedade tardo-medieval portuguesa, advinda já desde século XIII por dois
principais fatores: o primeiro refere-se ao fim das operações de Reconquista, o que
tornava rara as oportunidades desta nobreza servir em armas, que era uma de suas
principais características. Ora, verificamos no segundo capitulo que esta nobreza
havia se formado em uma sociedade voltada para a guerra, e que, nesse sentido,
servia tanto como elemento que proporcionava à ascensão de um indivíduo a
condição de cavaleiro (portanto, nobre); quanto também poderia garantir maior
prestígio.
Tratando-se da figura do rei, e para que este pudesse exercer de fato seu
poder, eram necessárias algumas transformações não só em questões políticas,
como administrativas do reino. Tais mudanças tinham como objetivo fortalecer seu
poder como rei em detrimento dos próprios nobres, que até então exerciam forte
influência e até poderes semelhantes aos seus. Portanto, com o poder real vindo a
se tornar mais evidente e mais forte, contando ainda com o apoio das cidades de
seus reinos; coincidiu com o enfraquecimento de uma nobreza que havia perdido
com as revoltas, ou em campanhas contra os muçulmanos, uma grande parte de
seus membros. Além disso, soma-se o fato de não conseguir criar novas fontes de
rendimento permanentes. Assim, quando D. Dinis ascendeu ao trono português em
1279, deu continuidade no processo de centralização do poder régio iniciado por seu
pai D. Afonso III, promovendo varias alterações nas questões administrativas,
criando novas leis e vários cargos, fortalecendo todo o aparelho político-
administrativo.
Com o passar do tempo, esta política centralizadora teve continuidade e se
tornou mais acentuada ao decorrer do século XIV, no reinado de Afonso IV. Diante
deste quadro, esta nobreza passou por uma mutação em sua mentalidade,
composição e força política exercida no reino.
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nobreza transformada e revigorada, e que sem ela, não poderia governar pura e
simplesmente sozinho o Reino.
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7 FONTES
JESUS, Rafael de. [1683] Monarquia Lusitana: Parte Sétima. Lisboa: Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1985.
PINA, Ruy de. Chronica de Elrey Dom Afonso o Qvarto. Lisboa, Edições Bíblion,
1936.
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8 REFERÊNCIAS