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2007
Lazer e sociedade Marcellino
Resumo
The study comes from the understanding of leisure to establish relations with the
society, analyzing the socio-economic factors of age, gender and space/equipments. It
also approaches the ideologist position in what is said about the relationship
between leisure and society.
Key words: Leisure, society
Quando se trabalha, dentro de uma mesma área, por mais de três décadas, é
praticamente impossível estabelecer novas relações dentro dela, sem recorrer a trabalhos
anteriores, sob pena de não o explicitando, faltar à verdade com aqueles com nos lêem,
ou ouvem. Dessa forma, correndo sempre riscos, e o que aqui se apresenta é o de ser
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Lazer e sociedade Marcellino
Ainda julgo ser necessário, nos meus escritos e falas, explicitar o conceito de
lazer, com o qual trabalho, para evitar mal entendidos na sua discussão. Cada vez que
forma distinta, o primeiro visto como o tempo onde a segunda ocorria, hoje a
recreação é um componente do lazer – criar de novo, dar vida nova, com novo vigor,
(DUMAZEDIER, s/d/).
atitude.
deveria ser, inclusive numa sociedade que eu próprio considere mais justa;
vendo-o a partir de uma visão parcial, como geralmente ocorre quando se utiliza a
palavra cultura, quase sempre restringindo-a aos conteúdos artísticos, mas aqui
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podem ensejar, e até mesmo à possibilidade do ócio, desde que visto como opção, e
nem confundido com ociosidade, sem contraponto com a esfera das obrigações, no
sociedade que o gerou, e exerce influências sobre o seu desenvolvimento, também pode
3. um tempo que pode ser privilegiado para vivência de valores que contribuam para
mudanças de ordem moral e cultural, necessárias para solapar a estrutura social vigente;
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Volto a repetir, como em outros escritos que o lazer é entendido, portanto, como
não se busca, pelo menos basicamente, outra recompensa além da satisfação provocada
efetuado “em si mesmo”, mas como uma das esferas de ação humana historicamente
situada. Outras opções implicariam na colocação apenas parcial e abstrata das questões
relativas ao lazer. É impossível, por exemplo, abordar as questões do lazer isoladas das
trabalhar, existindo assim um tempo de não-trabalho, e que esse tempo seria ocupado
por atividades de lazer, mesmo nas sociedades tradicionais. Para outros o lazer é fruto
Não há, a rigor, um caráter de rejeição entre as duas correntes, mas sim enfoques
detém nas características que essa necessidade assume na sociedade moderna. Assim, o
lazer sempre existiu, variando apenas os conceitos sobre o que era e quais os seus
significados.
atividades obrigatórias, das lúdicas, o que de modo algum significa a não existência do
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lúdico. E mais ainda, o que não nos permite prever se essa divisão, verificada
processos de alienação que ocorrem em quaisquer dessas áreas. Entender o lazer como
absolutizá-lo, ou menos ainda, considerá-lo como único. Ao meu ver esse entendimento
parece ser uma postura que contribui para abrir possibilidades de alteração do quadro
atual da vida social, tendo em vista a realização humana, a partir de mudanças no plano
cultural.
tendo como pano de fundo esse fator econômico, podemos distinguir uma série de aspectos
que inibem e dificultam a prática do lazer, fazendo com que se constitua em privilégio. São
casamento, numa sociedade que, apesar dos avanços nesse sentido, continua machista.
criança, por não ter ainda entrado no “mercado produtivo”, não é considerada como a faixa
etária que deve ser vivenciada, mas apenas como uma etapa de preparação para o futuro. O
idoso, por já ter saído do mesmo “mercado”, também tem dificuldades de participação nas
atividades de lazer.
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lazer aos mais habilitados, aos mais jovens e aos que se enquadram dentro dos padrões
estabelecidos de “normalidade”.
Dessa forma, a classe social, o nível de instrução, a faixa etária, o gênero, entre
necessitam ser atacados por uma política que objetive a democratização do lazer
(MARCELLINO, 2006).
exercida pelo tipo de equipamento construído, deve-se considerar que, para a efetivação
da maioria da população, não há como fugir do fato: o espaço para o lazer é o espaço
urbano.
quando nesses espaços estão localizados equipamentos tais como shoppings center, a
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escolas, etc.
camadas mais pobres da população vêm sendo expulsas para a periferia e, portanto,
afastadas dos serviços e dos equipamentos específicos; justamente as pessoas que não
podem contar com as mínimas condições para a prática do lazer em suas residências e
desgastante. Nesse processo, cada vez menos encontramos locais para os folguedos
comunidades locais.
Assim, aos espaços destinados ao lazer pouco restou. O lazer também passou a
ser visto pelos grandes investidores como uma mercadoria. “Há muito a cidade deixou
de ser basicamente um espaço público, neutro, sem querer chamar a atenção. A própria
importância dos espaços urbanos de lazer nas cidades, antes que empresas os
consumo, o espaço para o lazer também é visto como um espaço para o consumo. “A
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REQUIXA (l980) enfatiza a necessidade de integração, dentro de uma política de lazer, de equipamentos
privados e públicos, de um lado, e de outro, de equipamentos específicos e não-específicos. Como
equipamento não-específico entende os que, em sua origem, não foram construídos para a prática das
atividades de lazer, mas que depois tiveram sua destinação específica alterada, de forma parcial ou total,
criando-se espaços para aquelas atividades. O autor coloca que hoje os espaços das cidades precisam ser
aproveitados de modo a se tornarem polivalentes Entre esses equipamentos não específicos estão: o lar, a
rua, o bar, a escola, etc. Já os equipamentos específicos são construídos com essa finalidade, podendo ser
classificados pelo tamanho, atendimento aos conteúdos culturais, ou outros critérios.
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uma tendência à privatização, incluindo aí as áreas verdes que, como o próprio lazer,
fatores vem contribuindo para que o quadro das nossas cidades não seja dos mais
verificadas nas relações sociais. Além da alteração da paisagem, fato mais facilmente
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predatória, motivada pelos interesses imediatistas, ocasiona problemas muito sérios, que
particular para essa função, mas que eventualmente pode cumpri-la. Nessa mesma
Quanto ao lar, ainda que possa oferecer condições satisfatórias para uma minoria
da população, “empurradas” para dentro de suas casas, no tempo disponível para o lazer.
Exatamente essas pessoas são as que menos têm condições para o desenvolvimento de
lazer nas suas habitações. O espaço é exíguo, quer se considere as áreas construídas, ou os
No que diz respeito aos bares, muito preconceito ainda existe, ligado ao consumo
de bebidas alcoólicas. Via de regra, o bar vem perdendo a sua característica de ponto de
espaço alternativo para outras atividades, como exposições, lançamentos de livros, músicas
ao vivo, etc.. A maioria dessas iniciativas fica restrita aos chamados “barzinhos” e cafés
onde se “jogava conversa fora”, são substituídos, nas áreas “nobres” pelas lanchonetes,
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nos vários campos de interesse: quadras, pátios, auditórios, salas, etc.. Deve-se considerar,
equipamentos não vem se verificando, talvez pelo temor dos riscos de depredação. Já tive
ao contrário do que se possa imaginar à primeira vista, uma ação bem realizada nesse
sentido, só contribui para aumentar o respeito das pessoas pelo equipamento, uma vez que,
Com relação às ruas, e mesmo que se considere as praças, quase sempre são
iniciativas são tomadas por grupos de moradores “fechando” espaços para “festas juninas”
habitacional, que considere, entre outros aspectos, também o espaço para o lazer - o que
não é fácil num País como o nosso, com alto déficit habitacional, e que deve estimular
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específicos. Eles são importantes e sua proliferação é uma necessidade que deve ser
(MARCELLINO, 2006)
Talvez por nossa falta de tradição, fruto de uma história ainda recente, e marcada
indústria cultural que, em última análise também representa uma forma de colonialismo,
a necessidade de preservação de bens culturais, até bem pouco tempo atrás, atingia um
pequeno número de especialistas e cultores, os quais, não raro, adotavam atitudes que,
Outro fator deu uma parcela bastante significativa, nesse sentido: a crença na
Até bem pouco tempo era difundida uma falsa noção de memória cultural, de
sentido muito restrito e embebida na ideologia dominante. Essa noção estava ligada ao
n.25, no seu artigo 1, definia como patrimônio artístico nacional “[...] o conjunto de
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bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público,
quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu
constituído por espaços, que inclusive transcendem a obra isolada e que caracterizam as
cidades, pelo seu valor histórico, social, cultural, formal, técnico ou afetivo.
do conceito, incluindo usos e costumes. Para nós, importa destacar que, enquanto a
conceito mais recente reconhece, inclusive, os elementos afetivos como critérios para a
e não como mero item da indústria cultural. Cumpre importante papel, também, na
significativa para uma vivência mais rica da cidade, quebrando a monotonia dos
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aspecto, não menos importante, é que preservando-se a identidade dos locais, pode-se
Toda essa questão do acesso aos equipamentos e espaços de lazer deve ser vista
Diante do novo quadro urbano que se desenha no país, com a concentração das
ficar restrito aos âmbitos municipais, inclusive com a série de impactos que políticas de
de lazer construídos, embora o perfil apresentado para a região esteja acima da média
região conseguem ter algum serviço de qualidade em lazer, quando eles são da natureza,
como lagos e cachoeiras. Mas, mesmo aqueles mais democráticos, como parques,
também são muito pobres nas periferias. Dos municípios que integram a RMC apenas
um não tem clube ou associação recreativa e somente dois não têm estádio ou ginásio
poliesportivo, mas a pesquisa constata a alta concentração dos serviços na cidade sede.
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metropolitanas, que são caracterizadas por centro e periferia, onde a oferta de serviços
que muitas vezes eles são revestidos, como fatores inibidores, do seu efetivo uso
Naquela ocasião, distingui várias nuanças de uma visão que poderia ser caracterizada
manutenção da “ordem”, instrumentalizando o lazer como fator que ajuda (...) a suportar
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Não é preciso muita perspicácia para perceber que é esta, a concepção de lazer,
ou a não formulação explícita, que ao final, acaba dando o mesmo resultado. E tomem
política de eventos: dia disso, dia daquilo, do desafio, de ações globais, de lazer, de
p.41)
Mas, é preciso que se fale de uma visão crítica “míope”, também, que contribui
para a manutenção do “status quo” que tenta criticar, uma vez que leva ao imobilismo.
Trata-se de uma visão crítica fechada e cínica, como alguns estudiosos pregam: “Lazer
e capitalismo são incompatíveis”, “A felicidade não está nem no trabalho, nem no lazer,
no nosso modo de produção”, etc. E daí? Vivemos o aqui e agora. O que fazer? Esperar
inviável”, de Sérgio Bianchi, faz uma interessante reflexão sobre o pacto do cinismo da
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Rodrigues de que o efeito de um discurso crítico fechado sobre si mesmo pode ser a
Não que a crítica não deva existir, muito pelo contrário. É por ela que as
com a cultura, com a super-estrutura, e seria um absurdo irmos “para luta” com
modelos no plano cultural, estabelecidos “a priori”. Isso deve ser uma construção
coletiva.
O sonho precisa virar Utopia. Mas, parece-me que criticidade não deva ser
mobilizarem.
Há ainda no campo do lazer uma outra visão, ecológica ingênua, que crê que o
entretenimento na sua pior conotação. Uma política setorial de lazer, deve levar em conta
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Lazer sim, mas não qualquer lazer. Não o mero entretenimento, não o “lazer-
mercadoria”. Cada vez mais precisamos do lazer que leve à convivencialidade, mesmo,
por paradoxal que isso possa parecer, sendo fruído individualmente. Convites à
próprios componentes do jogo, tão bem colocados por CALLOIS(1990), e aqui por mim
que não leve ao risco não calculado de vida, a imitação, que não promova o fazer de
conta imobilizante da pior fantasia, sorte/azar, que não provoque alheamento. E não se
trata de censura, ou coisa que o valha, sobre o que fazer, mas posições, ou proposições,
do como fazer.
primeira, que o lazer é um veículo privilegiado de educação; a segunda, que para a prática
Verifica-se, assim, um duplo processo educativo - o lazer como veículo e como objeto de
educação.
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solidariedade.
atividades de lazer, quer no plano da produção, quer no plano do consumo não conformista
A principal delas talvez seja: como educar para o lazer conciliando a transmissão
do que é desejável em termos de valores, funções, conteúdos, etc., com suas características
de livre escolha e expressão? Creio que a escolha será tão mais autêntica quanto maior for
ideológicas, verificadas no plano cultural, poderão ser relativizadas com mais facilidade, à
medida que o lazer vá sendo convenientemente entendido em termos dos seus valores e
funções. E tal fato contribuiria para que a expressão através das atividades de lazer
adquirisse uma extensão muito maior. A própria passagem de níveis elementares para
para o lazer somada à sua vivência, do que se dependesse unicamente da participação nas
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idéia e fornecendo meios para que as pessoas vivenciem um lazer criativo e gratificante,
contribui para que os recursos necessários sejam reivindicados, pelos grupos interessados,
Referências bibliográficas.
KEKL, M.R, 2000. O pacto do cinismo. Folha de São Paulo, Domingo, 04 de junho ,
Mais, pp. 30 e 31.
SASSEN, S., 2000. A cidade e a indústria global do entretenimento. In: LAZER numa
sociedade globalizada: Leisure in a globalized society. São Paulo: SESC/WLRA, p.
113-120.
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Dados do autor
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