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TRIBUNAL FEDERAL
Araçatuba – SP
2016
Paulo Arthur Germano Rigamonte
TRIBUNAL FEDERAL
Araçatuba – SP
2016
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Daniel Barile da Silveira (Orientador)
__________________________________________
Prof. Me. Thiago de Barros Rocha
__________________________________________
Prof. Me. Pedro Luís Piedade Novaes
The humor is an interdisciplinary phenomenon. Regarding the Legal Science, the humor
protects the intrinsic relation with the right to freedom of expression and the right to artistic
creation, both protected by the Federal Constitution of 1988. The importance of this research
lies in the growing debate about the comedy shows and limitations on the individual rights,
while the mood radiates the values of freedom of expression of ideas, opinions and thoughts,
and presents itself as a form of artistic creation. Therefore, at first, it seeks to define the
content of the right to freedom of expression, based on the specialized doctrine and on the
Constitution in order to define the boundaries of this right and the forms of control that focus
on it. In a second stage, carried out a thorough study of humor and laughter, listing the main
lessons of this kind of discourse and chronicling his importance in the history of mankind.
Thirdly, it proceeds to a quantitative search in the jurisprudence of the Supreme Court, taking
note of cases of greater relevance judged by the Court, after which it makes a study of these
decisions in order to extract from them the exact legal content of humor as a manifestation of
freedom of expression. Thus, it appears that humor is a shy theme in the jurisprudence of the
Supreme Court, leaving the reader a reflection of legacy about the direction that the
discussion can take, especially when considering the humor or as freedom of the press, when
related the journalistic criticism, sometimes as artistic creation, when related to professional
humor, or even ordinary people who eventually are dedicated to laughter.
Art. = Artigo
CF = Constituição Federal
DF = Distrito Federal
Min. = Ministro
nº = Número
p. = Página
Rel. = Relator
TV = Televisão
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
I – A LIBERDADE DE EXPRESSÃO..................................................................................14
1.1 – A liberdade de pensamento como um direito a priori.................................................14
1.2 – O conceito e as dimensões da liberdade de expressão................................................15
1.3 – Os fundamentos da liberdade de expressão.................................................................18
1.3.1 – A liberdade de expressão como garantia da autossatisfação individual (self-
fulfiment)..........................................................................................................................19
1.3.2 – A liberdade de expressão como meio de conceber a verdade.............................20
1.3.3 – A liberdade de expressão como garantidora da democracia............................... 21
1.3.4 – A liberdade de expressão como ferramenta de manutenção da atividade
governamental.................................................................................................................22
1.4 – A liberdade de expressão como direito fundamental assegurado na Constituição
Federal de
1988.................................................................................................................................23
1.5 – Demarcações constitucionais do direito à liberdade de expressão..............................28
1.5.1 Direitos da personalidade.......................................................................................30
1.6 Formas de controle da liberdade de expressão...............................................................32
1.6.1 Controle administrativo..........................................................................................32
1.6.2 Controle judicial.....................................................................................................34
1.6.2.1 Tutela civil......................................................................................................35
1.6.2.2 Tutela penal.....................................................................................................37
II – O HUMORISMO COMO FORMA DE MANIFESTAÇÃO DA LIBERDADE DE
EXPRESSÃO...........................................................................................................................39
2.1 – O fenômeno do riso, suas origens históricas e preocupações teóricas........................39
2.2 – Freud: a importância do humor na sociedade contemporânea....................................44
2.3 – O riso e suas expressões..............................................................................................45
2.4 – O humor e sua relação com a liberdade de expressão.................................................46
III – O HUMORISMO NO CONTEXTO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL.........................................................................................................50
CONCLUSÃO.........................................................................................................................74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................77
12
INTRODUÇÃO
Nesse sentido, o humor pode tanto se apresentar como crítica, caso em que merecerá
idêntica tutela conferida à liberdade de imprensa, como também pode se apresentar como
simples manifestação individual das pessoas, caso em que merecerá o resguardo do direito à
criação artística. Em todo caso, o humorismo é pura liberdade de expressão, não se afastando
dele os valores e interpretações inerentes à referida liberdade.
Ocorre que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, apesar de ser farta quando a
pesquisa recai sobre o conteúdo da liberdade de expressão em geral, muito pouco aborda o
humorismo como manifestação dessa liberdade, deixando um vácuo interpretativo para os
demais órgãos do Poder Judiciário.
Para o desenvolvimento árduo desse tema, como se pode imaginar, foram utilizadas
pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais. As pesquisas bibliográficas ganharam dimensão
interdisciplinar, pois baseadas estiveram tanto em obras de Direito Constitucional e
específicas sobre a liberdade de expressão, quanto em obras relacionadas à Psicologia, à
História e à Linguística, sobretudo no segundo capítulo, oportunidade em que foi abordado o
humor e suas discussões teóricas. Já no que tange às pesquisas jurisprudenciais, o foco recaiu
sobre o Supremo Tribunal Federal, em especial a ADPF nº 130/DF e a ADI nº 4.451/DF.
Por fim, é válido apontar que essa pesquisa estendeu-se por três capítulos:
I. A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Por essa razão, então, é necessário dedicar à liberdade de expressão um longo capítulo,
o qual abrangerá desde os conceitos mais teóricos tecidos ao conteúdo desse direito até as
suas formas de controle atualmente admitidas.
Antes de uma abordagem mais profunda sobre a liberdade de expressão, seu conceito,
seus fundamentos e dimensões, cabe definir, em termos breves, um direito que surge a priori,
isto é, de forma primogênita: o direito de pensar.
A par desta lição, Pimenta Bueno (apud SILVA, 2016, p. 462) explica que a
“liberdade de pensamento em si mesmo, enquanto o homem não manifesta exteriormente,
enquanto não comunica, está fora de todo o poder social, até então é do domínio somente de
sua inteligência e de Deus”.
Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de
procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza,
independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em
forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.
Aliás, por se referir a fatos a liberdade de informação exige a prova da verdade, ou, ao
menos, a existência da um trabalho necessário preparatório acerca da informação veiculada.
Por outro lado, a liberdade de expressão stricto sensu, por se referir a ideias, opiniões e
pensamentos, não está condicionada à verdade, pois esta representa um limite apenas do
direito fundamental à liberdade de informação (CHEQUER, 2011).
[...] toda pessoa tem direito à liberdade de expressão. Esse direito compreende a
liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou
ideias, sem que possa haver a ingerência da autoridade pública e sem consideração
de fronteiras.
Outra lição imprescindível que é muito citada pelas doutrinas que dissertam sobre a
liberdade de informação, é a de que tal direito se sustenta numa tríade: o direito de informar, o
direito de se informar e o direito de ser informado.
1
Caso La Ultima Tentación de Cristo; Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai; Caso Ivcher Bronstein Vs. Peru;
Caso Herrera Ulhoa Vs. Costa Rica.
18
informações) e social (direito de conhecer opiniões e ideias alheias, bem como fatos, notícias
e informações), cabe definir o que seria o consectário da liberdade de imprensa.
Eric Barendt (2005, apud CHEQUER, 2011) aponta quatro argumentos utilizados pela
doutrina para motivar a liberdade de expressão como um direito fundamental, a saber: a) a
liberdade de expressão é um direito fundamental por garantir uma autossatisfação individual
(self-fulfiment); b) a liberdade de expressão é um direito fundamental em razão de ser um
19
Balizado nessa ideia, Carlos Alberto Bittar (apud GODOY, 2015, p. 17):
[...] considera que os direitos da personalidade não existem por força de lei,
constituindo direitos que, destarte, chama de inatos, correspondentes às faculdades
normalmente exercidas pelo homem, relacionados a atributos inerentes à condição
humana.
Igualmente, Nuno Sousa (1983, p. 316) assevera que a liberdade de expressão, por
estar intimamente ligada à dignidade do homem, “protege tanto a divulgação dos resultados
do próprio trabalho intelectual como a vital necessidade de comunicação do homem, sob pena
de se desprezar [em] certas necessidades essenciais da pessoa”.
Com efeito, a liberdade de expressão deve ser protegida porque o homem a utiliza
como importante, senão indispensável, ferramenta para, além de pensar, comunicar esses
pensamentos, opiniões e emoções, e construir uma determinada cultura ao seu redor.
A teoria ora apresentada teve seu maior expoente na pessoa de John Stuart Mill, em
sua obra On Liberty, de 1859 (apud RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 66), podendo ser
sintetizada, aprioristicamente, na seguinte passagem:
Com efeito, esse fundamento explica que é através do debate de ideias e opiniões que
se viabiliza o descobrimento da verdade, ainda que relativamente considerada. Assim, o
choque, a colisão entre diversos pontos de vista leva um determinado grupo de pessoas a se
posicionar entre uma ou outra versão, buscando sempre a melhor verdade.
Nesse sentido, pondera Cláudio Chequer (2011, p. 32), citando Thomas Emerson, que
os teóricos que sustentam esse fundamento argumentam que, apesar de manter em aberto uma
discussão, isso não significa que a verdade será sempre obtida, como pode parecer à primeira
vista, pois algumas das maiores verdades já aceitas se transformaram em erros e mentiras;
alguns dos mais avançados conhecimentos humanos, a exemplo de Copérnico a Einstein,
resultaram da desconfiança em relação a inquestionáveis afirmações.
Assim, não há uma verdade absoluta, mas é certo que o caminho mais correto que nos
aproxima de opiniões e fatos verídicos é o livre debate e a livre circulação de ideias, sem
restrições de qualquer natureza. É por isso que Stuart Mill (apud MORRIS, 2002, p. 388)
brilhantemente ensina que:
[...] quando uma opinião é verdadeira, pode ser aniquilada de uma vez, duas vezes,
ou muitas vezes, mas no decorrer de eras se encontrarão em geral pessoas para
redescobri-la, até que uma de suas reaparições ocorre num tempo em que, por
circunstâncias favoráveis, ela escapa da perseguição até avançar tanto a ponto de
resistir a todas as tentativas subsequentes de anulá-la.
Sobre o tema, João dos Passos Martins Neto, com autoridade e através de exemplos
concretos, instrui que:
Ademais, salienta-se que essa teoria é muito difundida pela doutrina e jurisprudência
norte-americana, sobretudo porque nos Estados Unidos a liberdade de expressão ganha uma
conotação especial e ampla quando relacionada ao interesse público, isto é, à democracia. É
por isso que “havendo conflito entre liberdade de expressão e outro direito fundamental
(direitos da personalidade), a liberdade de expressão é analisada como um direito
preferencial” (CHEQUER, 2011, p. 41).
Aliás, o supracitado autor (idem pág.), em suas pesquisas sacramentadas, afirma que a
mesma importância é conferida à liberdade de expressão, quando relacionada ao princípio
democrático, na Espanha, na Alemanha e da Inglaterra, países onde esse direito goza de
posição privilegiada.
Nessa ocasião, a ênfase deve ser dada ao fato de que a República Federativa do Brasil
constitui um Estado Democrático de Direito, ou seja, rege-se pelo princípio da democracia,
intimamente ligado à liberdade de expressão quando esta atua guarnecendo o regime
democrático e seus fundamentos.
24
Sobre o tema, sabe-se que a “grande conquista democrática dos novos tempos pós-
Grande Guerra foi a nova realidade segundo a qual todos os nacionais passaram a ser
eleitores” (SILVA, 2002, p. 29).
Com efeito, o art. 5º, inciso IV, do Texto Magno, preconiza que “é livre a
manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Diante desse dispositivo, por estar prevista como uma das primeiras liberdades
constitucionalmente asseguradas, a liberdade de manifestação do pensamento é normalmente
qualificada por alguns autores como sendo concomitantemente primária e primeira, pois
desponta cronologicamente antes de outras liberdades tidas como corolário seu.
Além dessa vertente negativa, isto é, que coloca o Estado em posição de neutralidade
com relação aos indivíduos titulares da liberdade de expressão, a Carta Magna de 1988
também previu uma vertente positiva a esse direito, assim entendida a liberdade de expressão
sob a modalidade do valor “exigência”. Vale dizer, a Constituição elencou hipóteses em que
ao indivíduo é dado vindicar do Estado a estimação de sua consciência a fim de eximi-lo de
alguma obrigação contrária. Trata-se do art. 5º, inciso VIII, que dispõe que “ninguém será
privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo
se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa”.
Por fim, a Constituição Federal, no mesmo art. 5º, inciso IV, mas na sua parte final,
vedou o anonimato. Significa dizer que a manifestação do pensamento é livre, mas com a
ressalva, dentre algumas outras que ainda estudaremos, de estar vedado o pensamento
incógnito, desconhecido ou anônimo.
A pessoa que o exprime não o assume. Isto revela terrível vício moral consistente na
falta de coragem. Mas este fenômeno é ainda mais grave. Estimula opiniões fúteis,
as meras sacadilhas, sem que o colhido por estas maldades tenha possiblidade de
insurgir-se contra o seu autor, inclusive demonstrando a baixeza moral e a falta de
autoridade de quem emitiu estes atos.
Em resumo, basta dizer que a liberdade de expressão abrange toda e qualquer forma de
manifestação, seja pelo uso da palavra escrita ou falada, seja por meio de pinturas, músicas e
fotografias, seja por meio de expressões corporais, o que inclui as expressões simbólicas, seja,
ainda, através do próprio humor, manifestado em textos, crônicas, caricaturas e programas
humorísticos, tais como os de gênero stand up.
Quanto à parte final do inciso XIV, em obra específica sobre o tema, o Professor
Pedro Luís Piedade Novaes (2012, p. 106), sintetiza que:
De forma ainda mais singular, Carlos Roberto Barreto (2005, apud NOVAES, 2012)
ensina o seguinte:
2
O mesmo autor explica que “a fonte ostensiva é aquela identificada na matéria jornalística, p. ex.: „fulano de
tal‟, delegado de polícia, esclareceu que o inquérito policial não foi finalizado” (2012, p. 104).
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A edição de lei que contenha dispositivo que possa constituir embaraço à pena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,
observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV; toda e qualquer censura de
natureza política, ideológica e artística; a exigência de licença de autoridade para
publicação de veículo impresso de comunicação, permitindo-se, porém, a sujeição
da propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos
e terapias a restrições legais, bem como, se necessário, a advertência sobre os
malefícios decorrentes de seu uso (grifo nosso).
Tribunal Federal declarou a não-recepção, por maio da ADPF 130, da Lei nº 5.250/67 (Lei de
Imprensa), em face da incompatibilidade material com a Constituição Federal de 1988.
O art. 220, § 1º, da Constituição, ao afirmar que “nenhuma lei conterá dispositivo que
possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, pretendeu se
referir que a intromissão do legislador é admissível para proibir o anonimato (inciso IV); para
garantir o direito de resposta e a indenização por danos morais e patrimoniais à imagem
(inciso V); para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas
(inciso X); para exigir a devida qualificação profissional daqueles que lidam tecnicamente
com os meios de comunicação (inciso XIII); bem como para assegurar o acesso à informação
(inciso XIV).
Nesse sentido, em repúdio ao hate speech, o STF3 decidiu constituir crime de racismo
e, portanto, não amparada pela liberdade de expressão, a conduta de disseminar ideias que
“buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista,
negadoras e subversoras de fatos históricos e incontroversos como o holocausto,
consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu”.
Uma vez mencionadas todas as limitações que a Constituição Federal traz à liberdade
de expressão, cumpre dizer que algumas delas são frequentemente utilizadas para se discutir
quais as condutas que podem ser protegidas pela liberdade de expressão e quais não podem
ser. Esses limites ou demarcações se resumem nos chamados “direitos da personalidade”,
assim entendidos a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem das pessoas.
3
HC 82.424-2/RS, de 19.03.2004, Rel. Min. Mauricio Corrêa.
31
Em âmbito um tanto quanto mais extenso que a intimidade, existe o direito à vida
privada, assim entendida o conjunto de relações interindividuais, tais como as relações
familiares (p. ex.: relações entre pais e filhos, entre parentes etc.), as relações profissionais (p.
ex.: segredos de profissão, lista de clientes, estratégias de mercado etc.), as relações bancárias
(p. ex.: movimentações financeiras), as relações conjugais (p. ex.: a atividade sexual, as
discussões etc.), as relações entre amigos, dentre outras.
Em última análise, mas não menos importante, nos referimos à imagem como sendo
um conjunto de proteções lançadas pela Constituição brasileira aos caracteres físicos,
psíquicos e morais das pessoas.
Assim, há quem entenda que a imagem é o direito de a pessoa não ter sua imagem
“mercantilizada, usada, sem o seu exclusivo consentimento, em proveito de outros interesses
que não os próprios” (FERRAZ JUNIOR, 1992, apud RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 126).
Por outro lado, existe doutrina no sentido de que o direito à imagem também abrange o
direito de o indivíduo “não o ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e
materialmente distorcida ou infiel” (REBELO, 1999, p. 86).
De outro lado, para Luís Roberto Barroso, o art. 21, inciso XVI, da Carta Magna, tem
a finalidade de oferecer apenas uma informação ao telespectador, e não de determinar a
conduta das emissoras, caso contrário a classificação não estaria prevista como sendo
indicativa, mas seria cogente (2001, apud RODRIGUES JUNIOR, 2009). Assim, caso a
emissora não fornecesse a indicação do programa que televisionou, não haveria sanção
alguma.
Com razoabilidade, Álvaro Rodrigues (2009) afirma em sua obra que a interpretação
mais acertada do dispositivo ora em comento seria aquela que admitisse sanções a posteriori
em caso de programas que não observassem aos princípios preconizados na Constituição
Federal e as regras exigidas pela norma geral de classificação indicativa. Aliás, o mesmo
autor sustenta que a presente hipótese de controle administrativo, conforme o próprio texto
constitucional prevê, apenas deve ser exercida sobre diversões públicas e programas de rádio
e televisão, contanto que não sejam estes programas ou espetáculos de natureza artística,
científica, política, ideológica, nem de comunicação.
dispõe o ECA sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre sua
participação no espetáculo, ele será apenado com multa de três a vinte salários de referência.
Ainda, prevê o artigo que, em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar
o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.
Nesse sentido, a fim de dar efetividade ao disposto no art. 74 do ECA, bem como ao
art. 21, inciso XVI, da Constituição, foi editada, pelo Ministério da Justiça, a Portaria nº
1.100/06, que regulamenta o exercício da classificação indicativa de diversões públicas,
especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, DVD, jogos eletrônicos, jogos
de interpretação (RPG) e congêneres.
A tutela preventiva tem guarida no art. 12, primeira parte, do Código Civil, segundo o
qual “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar
perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.
Tal dispositivo faz emergir o chamado “controle jurisdicional de legalidade”, que não
se confunde, apesar de evidente discussão doutrinária, com a “censura judicial”. É assim
porque a própria Constituição Federal de 1988 prevê, em seu art. 5º, inciso XXXV, que “a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Aqui, vale destacar a previsão, no novo CPC, da figura da tutela provisória, fundada
numa cognição sumária dos fatos, divisível, inclusive, em tutela de urgência e em tutela de
evidência. Mais especificamente, o novo diploma civil trouxe a tutela de urgência, a qual
exige, para sua concessão, a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou
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risco ao resultado útil do processo (periculum in mora). Assim, por exemplo, poderia o juiz,
em casos extremos, impedir a circulação de livros e impressos, a exibição de programas de
rádio e televisão, bem como de filmes, etc.
Álvaro Rodrigues Junior (2009) enumera várias formas de tutela reparatória, a saber: a
publicação da retratação do ofensor; o direito de resposta; a publicação da sentença
condenatória; e a indenização por danos materiais e danos morais.
O direito de resposta serve tanto para o ofendido apontar sua própria versão sobre os
fatos divulgados que, de certa forma, o atingiram, quanto para rechaçar eventuais imputações
ou acusações feitas contra ele.
A propósito, nos termos do art. 5º, inciso V, da Carta Magna, o direito de resposta
deve ser assegurado na proporção do agravo. Isso significa que a resposta do ofendido deve
ter idêntico destaque àquele dado ao agravo emitido em seu desfavor, o que abrange o mesmo
veículo de informação, com a mesma duração, com o mesmo realce em palavras e títulos,
bem como atingindo número de pessoas consideravelmente semelhante àquele atingido pela
primeira divulgação.
Igualmente, vale dizer que o direito de resposta não se presta à afastar eventual
indenização por danos patrimoniais e/ou morais, mas tão somente amenizá-la.
disseminá-la, conforme a Súmula nº 221 do STJ, que preceitua ser civilmente responsáveis
pelo ressarcimento do dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito
quanto o proprietário do veículo de divulgação.
Por fim, caberá indenização por danos patrimoniais e/ou morais sempre que o ofensor,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, nos termos do art. 186 do Código Civil.
No que tange aos danos, bem sabemos que eles podem ser de natureza material e de
natureza moral. Os danos materiais são aqueles que afetam tão somente o patrimônio do
ofendido, compreendendo o dano emergente e o lucro cessante. São exemplos trazidos pela
doutrina de Álvaro Rodrigues Junior (2009): a notícia veiculada que, por ser demasiadamente
atentatória contra a honra ou vida íntima de alguém, causa-lhe enfarto fulminante, obrigando
sua hospitalização com eventuais gastos médicos e terapêuticos (dano emergente); o
empresário que, em virtude de notícia falsa divulgada a seu respeito, perde seu emprego
(lucro cessante).
Enquanto que os danos morais são aqueles que afetam diretamente o indivíduo como
pessoa, acarretando dor, sofrimento, tristeza, vexame, humilhação ou depressão. Esses são os
danos mais comuns verificados quando a liberdade de expressão extrapola seus limites
constitucionais e atinge frontalmente os direitos da personalidade do ofendido.
A tutela penal é aquela exprimida através dos crimes previstos nos artigos 138, 139 e
140 do Código Penal, os quais tipificam, respectivamente, a calúnia, a difamação e a injúria.
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Por fim, no crime de injúria ocorre uma ofensa à dignidade ou decoro da pessoa,
através da atribuição de qualidades negativas ou pejorativas a ela. Viola-se sua honra
subjetiva, bastando para a consumação do crime o simples conhecimento da vítima sobre as
ofensas a ela dirigidas.
Noutras palavras, apesar dessas figuras típicas previstas no Código Penal, maioria
esmagadora da doutrina, a exemplo do saudoso Nelson Hungria acima citado, entende que os
direitos da personalidade, sobretudo o direito à honra, são melhores protegidos sob o aspecto
civil em detrimento do criminal, em virtude do princípio da intervenção mínima do Direito
Penal, também conhecido como “princípio da última ratio”, segundo o qual ao Estado
somente é deferido recorrer à sanção criminal quando inexistirem ou não forem adequados os
meios de prevenção e repressão do ilícito.
Todavia, como fenômeno autônomo, o humorismo tem suas próprias origens, história
e fundamentos teóricos, pois é um ramo do discurso debatido interdisciplinarmente, seja pela
Psicologia, pela Sociologia, pela Literatura, pelo Direito, dentre outras ciências. Assim, o que
se pretende com o presente capítulo é abordar o humor e o riso como algo além da Ciência
Jurídica, para, num segundo momento, relacioná-lo ao debate constitucional que circunda a
liberdade de expressão.
A origem mais remota do riso encontra-se na mitologia grega. Narram que Hera,
esposa de Zeus, após uma briga com ele, deixa-o e refugia-se nas montanhas. Então Zeus, a
fim de provocar o retorno de sua amada esposa, constrói uma estátua e a cobre com um véu,
espalhando rumores dela ser sua nova mulher. Hera, zangada, retorna ao seu lar para explorar
e descobrir sobre a suposta noiva. Ao ver a estátua, Hera retira o véu que a encobria e
descobre a farsa de seu esposo, momento em que cai em gargalhadas. A partir de então, tem-
se o nascimento do riso, do cômico.
Afora do sentido cômico que o riso assume nos dias atuais, muito antigamente, ele
refletia rituais e sacrifícios, estando presente em cerimônias nas quais escravos escarneciam
com deboches e zombarias, mas ao final, um deles era elegido para o sacrifício, o que
representava o fim do caos e o império da ordem e da lei novamente.
Mas a comédia em si foi explorada pelo teatro grego, em 501 a.C., quando teve início
a era das tragédias e, poucos anos mais tarde, a das comédias.
A tragédia era o espetáculo principal, sendo que a comédia era uma arte acessória,
cujo objetivo era apenas relaxar os espectadores durante os intervalos das peças teatrais.
Tinha-se como cômico o homem inferiorizado, rebaixado moral e socialmente, numa clara
tentativa de explorar o ridículo, o grotesco do ser humano.
Anos mais tarde, a comédia passa a assumir diversas facetas, ora tida como meio de
crítica aos personagens públicos, ora como entretenimento e, em certos casos, até mesmo
como significativo de inferioridade humana.
Nesse aspecto, Aristófanes (445 a 386 a.C.) foi o precursor da independência entre a
comédia e os teatros trágicos, pois introduziu o cômico como forma de criticar as figuras
públicas e os deuses da mitologia.
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Já Menandro (342 a 292 a.C.) tratou o riso como distração e divertimento, como uma
forma de desapego dos problemas do dia-a-dia. Assim, o homem era metaforicamente tratado
como a borracha de um arco, a qual se estica diante das necessidades, mas depois de ser
usada, precisa ser afrouxada, pois se for mantida sempre tensa, ela arrebenta e torna-se
inutilizável.
Por outro lado, há ainda quem viu o riso com outros olhos. Platão atribuiu um conceito
negativo ao risível, sendo este o fruto de homens medíocres e inferiores, porque apenas a
filosofia era digna de apreensão da verdade, em oposição à ilusão característica das paixões.
Para Platão, são condições do risível o fato de não conhecer a si mesmo e de ser fraco.
Conforme Verena Alberti (apud ALAVARCE, 2009, p. 73): “poder-se-ia falar aqui de uma
dimensão política da teoria de Platão: os fortes e os poderosos que se acham mais sábios, mais
belos ou mais ricos do que na verdade são não se tornam objeto de riso”
Aristóteles, não tão radical como Platão, sugeriu que o riso fosse usado com
moderação, associando-o ao agradável, ao prazer, à calmaria, à amizade e ao que nos é natural
(ALAVARCE, 2009, p. 73).
Outro filósofo que enfatizou as características positivas do riso foi Marcus Tullius
Cícero (106 a 43 a.C.), segundo o qual a vantagem de se utilizar do cômico e do risível nos
discursos é que o ouvinte se torna bondoso, agradável, o que serve para atacar e enfraquecer o
adversário. Todavia, apesar de engraçado e extrovertido, o risível só deveria ser utilizado para
a consecução de objetivos sérios, pois segundo o filósofo: “o bom orador tem sempre uma
razão para empregar o risível, enquanto os bufões e mimos fazem troça o dia todo e sem
razão” (apud ALBERTI, 1999, p. 59).
Já no Império Romano, o riso assumiu um papel de relevo nas festas saturnais, mas
tempos depois decaiu, passando a ser perseguido pelas autoridades. Foi nos séculos III e IV
que a comicidade, com o fortalecimento do Cristianismo, ganhou uma imagem diabólica,
quando as festas e escárnios passaram a significar paganismo.
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Aliás, essa imagem tecida do riso ganhou força porque, conforme as escrituras
sagradas, Jesus Cristo nunca teria rido, razão pela qual os cristão, devendo seguir as
orientações do cristianismo, também não deveriam engajar-se no risível.
Sobre o tema, George Minois (apud ALAVARCE, 2009, p. 79/80) explica com
propriedade o fenômeno do risível contraposto à doutrina cristã:
Contudo, apesar dessas perseguições, o riso não esvaiu-se, pois na Idade Média a
mesma Igreja que pregava sua abominação o adotou com uma faceta didática, pautada nas
paródias. Assim, o riso, desde que moderado, tornou-se instrumento dos pregadores para
evitar o sono dos fiéis durantes as longas e monótonas missas.
Havia o que diziam ser o bom e o mau riso, ou melhor, o riso benevolente e o riso
malevolente. O bom riso é o riso que desperta o interesse das pessoas, o momentâneo e
distrativo; ao passo que o mau riso era a zombaria, o escárnio, o burlesco, vivenciado
sobretudo nas festas populares carnavalescas, nas quais o cômico era visto ao lado da
exploração das baixezas humanas, como o sexo, a excreção, os maus odores, o peido etc.
O riso malevolente foi uma ideia bem desenvolvida por Thomas Hobbes, para quem o
fenômeno é pejorativo, representando uma manifestação grosseira acerca da superioridade de
quem ri, pois assim o faz tendo consciência da menor capacidade no próximo, sendo obrigado
a reparar nas imperfeições dos outros para poder continuar sendo a favor de si próprio
(HOBBES apud ALAVARCE, 2009, p. 83). Vale dizer, o riso é um ato provocado em
desfavor de alguém inferior a fim de nos aplaudir em detrimento deste.
Com a decadência do grotesco, o riso teve que assumir uma postura mais discreta,
menos vergonhosa e vulgar. Segundo Fernando Moreno da Silva, no artigo “As Várias Faces
do Riso” (2014, p. 218), era a época em que a regra era rir com inteligência, utilizando-se de
métodos sutis e perspicazes para suscitar o riso. Nesse momento a ironia ganha força,
conforme o autor.
Assim, então, ficou estabelecida umas das mais interessantes características do riso: a
liberdade de expressar opiniões e propor novas discussões sobre as verdades já existentes. O
riso seria, portanto, um mecanismo de mudança e de progresso.
Agora nos desloquemos para o final do século XIX e começo do século XX, onde
escreveram sobre o riso Bergson e Freud. Nessa época, o riso passa a ter uma conotação
social, tornando-se um mecanismo hábil para combater as infâmias e os descréditos das
figuras públicas.
Já Freud analisou o riso como uma espécie de prazer que alivia a dor ou qualquer mal,
psíquico ou moral, isto é, o riso como um instrumento capaz de evitar o desgaste afetivo que
assola o homem.
Explicando Freud, Minois (apud ALAVARCE, 2009, p. 90) expõe que: “o humor é,
assim, um processo de defesa que impede a eclosão do desprazer. Ao contrário do processo de
44
recalque, ele não procura subtrair da consciência o elemento penoso, mas transforma em
prazer a energia já acumulada para enfrentar a dor”.
Por fim, já no século XX, o riso, mormente depois das grandes guerras seculares, volta
aos poucos a assumir a função de distração do homem, isto é, uma espécie de escapatória aos
terríveis acontecimentos da época, na medida em que se fortalece como dispositivo de crítica
aos governantes e às atrocidades que assolavam as sociedades.
Segundo Freud, o humor é uma intervenção do superego que enfrenta o ego quando
este é ameaçado. Vale dizer que o humor consiste “em que alguém se livre dos efeitos que a
situação [negativa] teria provocado normalmente, considerando por meio de um chiste a
possibilidade de semelhante desenlace emocional” (FREUD, 1976, p. 189).
A realidade intimida, muitas vezes, o ego que, se saudável, busca recursos para não
sucumbir a realidade sofrível. Quando isso não ocorre, a pessoa se entrega aos
entristecimentos e outros afetos e emoções dolorosas causados pelo mundo externo
de forma duradoura e sem perspectiva de que isso possa favorecer o
autoconhecimento e o crescimento pessoal. Utilizamos o humor como recurso para
assegurar nossa integridade.
Então, é possível afirmar que cenários provocadores do riso orientam as pessoas para
uma situação de bem-estar, de descontração e relaxamento que ajuda na administração dos
45
Diante desse quadro, o humor precisa, para projetar-se sobre a sociedade, do impulso
que lhe oferece o direito à liberdade de expressão, liberdade essa que se faz através dos meios
de comunicação – impressos (gazetas, panfletos, jornais, revistas e livros), programas de
radiofusão sonora e de sons e imagens (programas de rádio e de televisão), internet etc.
Portanto, humor e liberdade de expressão, mais nos dias atuais do que em qualquer
outra época vivenciada, são dois elementos indissociáveis, isto é, não há humor sem antes
haver ampla liberdade de expressão, que possibilita a exploração do risível em seus mais
variados recursos e gêneros.
São inúmeros os recursos utilizados para provocar o riso, dentre os quais se destacam:
a comicidade, o humorismo, a ironia, a caricatura, a paródia e a sátira. Vejamos um pouco de
cada um.
Já a ironia é um jogo dialético: afirma-se para negar ou nega-se para afirmar. Nas
palavras de Fernando Moreno (2014, p. 224), na ironia “as palavras expressam o contrário da
ideia que se pretende exprimir, mas se insere na mensagem um sinal que, de certa forma,
46
previne o destinatário das intenções do enunciador, ficando subentendido que tal recurso foi
usado propositadamente”.
Outro recurso humorístico é a sátira, assim entendida como uma arma de crítica e
agressiva. Nas palavras de Almir Correia (1997, p. 190), “a sátira manifesta-se como arma de
denúncia, um ataque à censura e a repressão (política, religiosa), ou se impõe como uma
forma de ridicularizar, diminuir, depreciar tudo aquilo que foge ao dito padrão estabelecido”.
Ressalta-se que, apesar de próximas, a sátira não se confunde com a charge, que é
outro recurso humorístico. Por assim dizer, a sátira é uma técnica literária ou artística que
critica determinado tema, ao passo que a charge é uma ilustração que, por meio de uma
caricatura, satiriza, critica ou debocha de algo.
Saliba (2008, p. 38) disserta que o Século XIX foi marcado pelo nascimento das
revistas humorísticas, devido aos avanços nas técnicas de impressão e reprodução que
possibilitaram o aumento do número de tiragens, atingindo maior contingente de leitores.
Segundo o autor, essa produção humorística “aparecia sempre nas margens: primeiro
nos rodapés dos jornais ou em pequenos e efêmeros pasquins semanais, depois nas margens
das obras dos próprios autores e, por fim, nas margens da própria produção escrita” (2008, p.
38).
Transpondo todo o restante do Século XX, no Século XXI o humor que tem se
destacado é o televisivo, vivenciado em programas de televisão, tais como “Pânico na Band”,
“Zorra Total”, “CQC”, entre outros, bem como o humor divulgado em sites e blogs da rede
mundial de computadores (internet), a exemplo dos seguintes grupos: “Porta dos Fundos”,
“Hermes e Renato”, “Galo Frito”, “Divertics” etc.
A propósito, a partir dos anos 2000, outra forma de comédia e entretenimento que
ganhou relevo foi o “stand-up comedy” que, numa tradução livre, significa “comédia em pé”.
Essa espécie de comédia:
de que o riso é um fenômeno social de determinado grupo. Assim, o riso é um traço específico
de cada comunidade, como se cada povo compusesse sua própria cultura do que “é risível”,
engraçado. Por essa razão é que uma piada só pode ser entendida por pessoas que a
contextualizam, por pessoa que vivem na sociedade a qual se atribui o conteúdo da piada.
A segunda dimensão do riso é a de que ele não apenas serve para gerar alegria e
prazer, mas também como poderoso mecanismo discursivo, a fim de disseminar discursos,
críticas e opiniões.
No entanto, o riso nos programas de comédia atualmente tem sido muito mais amplo
que isso. Hoje, existem pessoas que buscam no riso a sua profissão, tais como os comediantes,
os humoristas e os cartunistas. Essas pessoas muitas vezes podem utilizar o riso como uma
opção de lazer para os demais que os assistem ou leem, como uma forma de descontração,
mas também podem utilizar o humor como ferramenta de opiniões, de pontos de vista, sem
que isso seja visto com formalidade.
Destarte, por não se saber ao certo se o humorista deseja apenas causar o riso como
forma de descontração ou como forma de crítica e difusão da opinião própria é que o
ambiente humorístico é tido como uma “zona neutra”, na qual é perfeitamente possível que a
liberdade de expressão ultrapasse valores éticos e morais.
É por isso que o riso é definido por Dagoberto José Fonseca (2012, p. 53) como um
elemento que revela costumes, opiniões e preconceitos de uma determinada comunidade,
senão vejamos:
Os grupos sociais, quando riem de uma determinada piada, demonstram que estão
aparentemente de acordo com suas mensagens, que elas encontram eco na
sociedade; sua atitude manifesta consciência e assimilação, aludindo a uma relativa
identificação entre a mensagem expressa por eles e a leitura de mundo que é feita
pelo conjunto da sociedade.
Por assim dizer, o riso é explicado como o “não-sério”, isto é, como um discurso não
oficial, algo neutro que não pode ser controlado ou não se pode exigir que o emissor o
controle. Verena Albert explica:
49
Por assim dizer, o riso é considerado, sobretudo pelos profissionais do humor, como
uma expressão elástica, que, a depender da análise da roupagem atribuída à manifestação do
emissor, não pode caracterizar um ato ilícito. Noutras palavras, “uma piada é apenas uma
piada”, uma simples manifestação cultural, um costume, um atributo da inteligência humana,
não havendo, a princípio, o desejo de aviltar e degradar a imagem e honra alheias.
Nessa análise, ainda, veremos que existem dois lados opostos: há quem defenda que o
humor deve obedecer aos mesmos limites que o direito de crítica, os quais ditam que somente
são admissíveis as críticas objetivas, isto é, relativas à obras e realizações de interesse público,
sem qualquer ofensa direta à personalidade, dignidade e honra das pessoas. Mas há também
aqueles que entendem que a piada deve ser entendida como uma forma especial de liberdade
de expressão, no sentido de agradar e descontrair o público espectador.
50
A ementa que nos chama a atenção é a que resume o Referendo na Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4.451/DF, cujo relator é o Ministro Carlos
Ayres Britto, com o seguinte teor:
Vejamos a ementa:
Nesse julgamento, o STF, por maioria e nos termos do voto do Min. Relator Ayres
Britto, julgou procedente a ação no sentido de declarar a não recepção em bloco da Lei nº
5.250/67 pela nova ordem constitucional.
Foram vencidos, em parte, o Ministro Joaquim Barbosa e a Ministra Ellen Gracie, que
julgaram a ação improcedente apenas quanto ao artigo 1º, § 1º; artigo 2º, caput; artigo 14;
artigo 16, I; artigos 20, 21 e 22, da Lei nº 5.250/67.
58
Também foi vencido o voto do Ministro Gilmar Mendes (Presidente), que julgou a
ADPF improcedente quanto aos artigos 29 a 36 da Lei nº 5.250/67, bem como o voto do
Ministro Marco Aurélio, que julgou a ação totalmente improcedente.
Em síntese, foi possível observar que o objeto central desse trabalho (“o humorismo
como manifestação da liberdade de expressão”) é relacionado num contexto de jurisprudência
bastante escassa no órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro, haja vista existir tão
somente um caso que leva à discussão jurídica sobre a liberdade de criação humorística.
Mas, mesmo diante da dificuldade que assola esse trabalho, sobretudo este capítulo,
vale o empenho para expor a ratio decidendi do STF no Referendo na Medida Cautelar da
ADI nº 4.451/DF, pois apesar de um juízo superficial, esse julgamento sinaliza, ainda que em
linhas brandas, como a Colenda Corte interpreta a crítica humorística no contexto de um
Estado Democrático de Direito.
Frise-se, também, que a discussão acima indicada não terá início de imediato, pois é
preciso pontuar com precisão como o STF tem interpretado a liberdade de expressão no
Brasil, sobretudo aquela relacionada à liberdade dos meios de comunicação, estudo este que
se fará analisando os argumentos debatidos na ADPF nº 130/DF e extraindo-lhe a ratio
decidendi.
A ADPF nº 130 foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) em face da
não recepção integral da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa).
Editada durante o regime militar, a Lei de Imprensa, como o próprio nome sugere,
trazia dispositivos regulamentadores da liberdade de expressão e de informação, dos abusos
59
no exercício destas, do direito de resposta e da responsabilidade civil e penal por violação aos
direitos da personalidade (honra, imagem, privacidade, vida privada etc.).
De outro lado, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente) votou pela total improcedência
do pedido, ressalvado os artigos normalizadores do direito de resposta.
superiores bens jurídicos e natural forma de controle social sobre o poder do Estado,
sobrevindo as demais relações como eventual responsabilização ou consequência do pleno
gozo das primeiras4” (p. 04).
Mas a parcela mais interessante de seu voto é a atribuição de uma atuação livre
conferida ao jornalista, sobretudo no que tange às críticas contra pessoas e instituições. Vale a
transcrição:
Desse modo, o nobre Ministro estabeleceu ser inadmissível a censura aos meios de
comunicação sociais, inclusive porque o art. 220, § 2º da Constituição Federal, faz essa
proibição em tons claros: “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística”; razão pela qual “não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir
previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas6” (p. 08).
veiculação do mal, mas isso não se deve à liberdade de imprensa e sim à qualidade do
profissional, como ocorre em qualquer atividade humana7” (p. 94) – a Lei de Imprensa é
incompatível com os princípios constitucionais otimizadores da liberdade de expressão,
votando, então, por seu afastamento do ordenamento jurídico brasileiro.
A Ministra Carmen Lúcia seguiu o voto do Ministro Relator, mas deu ênfase breve
para três pontos: 1) a liberdade de imprensa, talvez a manifestação mais importante da
liberdade, é garantia para a realização da dignidade humana (p. 97); 2) o fundamento da
Constituição Federal é a democracia e nenhuma lei regulamentadora da imprensa pode ter
caráter penal (p. 97/98); 3) muitos Estados Democráticos contam com lei de imprensa e nem
por isso são considerados antidemocráticos, isto é, autoritários (p. 98).
Observou, finalmente, que naqueles países onde a imprensa tem mais liberdade, onde
a democracia é mais profunda, salvo exceções raras, a manifestação do pensamento é
totalmente livre, citando os exemplos dos EUA, do Reino Unido e da Austrália8 (p. 105).
O Ministro Joaquim Barbosa atacou o voto do Ministro Relator Ayres Britto no que
tange à plenitude da liberdade de expressão. Asseverou que nem todos os dispositivos da Lei
de Imprensa são contrários à Constituição Federal e à ordem democrática, a exemplo dos
artigos 1º, § 1º, 14 e 16, que proíbem a propaganda de guerra, de subversão da ordem política
e social ou de preconceitos de raça ou classe, cominando reprimendas para tanto9 (p. 111).
7
Idem.
8
Idem.
9
Idem.
10
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Arguição de Preceitos Fundamentais 130/DF. Ementa (...) Relator
Ministro Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 05.11.2009.
62
Destarte, concluiu que há artigos na Lei de Imprensa que não podem ser considerados
inconstitucionais, pois os tutelados ficariam à mercê de um limbo jurídico.
O Ministro Cezar Peluso seguiu a retórica de que não há direito algum de caráter
absoluto, nem mesmo a vida, mas que a liberdade de expressão é plena nos limites
constitucionais (veja: plena, não absoluta!). Isso significa que é na Constituição Federal onde
encontram-se literalmente as restrições à liberdade de expressão, bem como que essas
restrições são consideradas nos limites conceitual-constitucionais, ou seja, a liberdade de
imprensa é plena nos limites constitucionais, não impedindo eventual regulamentação
infraconstitucional, contanto que observados os dispositivos magnos.
Todavia, o Ministro entendeu não ser prático manter uma lei cujo sistema em que fora
criada (durante a ditadura militar) já se foi, já se mutilou, pois isso levaria à dificuldade de
aplicação e interpretação de normas sem organicidade.
O Ministro Celso de Mello enfatizou não haver nada mais perigoso do que a pretensão
do Estado em regular a liberdade de expressão, apesar de concordar que inexistem direitos e
garantias revestidos de natureza absoluta.
Quanto à crítica jornalística, tema útil para o presente trabalho, Celso de Mello
asseverou:
Uma vez dela ausente [crítica] o “animus injuriandi vel diffamandi”, tal como
ressalta o magistério doutrinário [...], a crítica que os meios de comunicação social
dirigem às pessoas públicas, especialmente às autoridades e aos agentes do Estado,
por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto aos seu
63
Percebe-se, então, que assim como o Ministro Relator Ayres Britto, o Ministro Celso
de Mello tratou a crítica jornalística como um sobredireito se comparada com os direitos que
protegem à personalidade (a honra, a imagem, a vida privada e a privacidade), ainda mais
quando dirigida a figuras públicas, pois essas são dotadas de alto grau de responsabilidade na
condução do Estado.
11
Brasil. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Arguição de Preceitos Fundamentais 130/DF. Ementa (...) Relator
Ministro Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 05.11.2009.
12
Idem.
13
Idem.
64
Posto isso, reputo relevante e de forte interesse prático expor, ponto a ponto, o que se
pode concluir do julgamento da ADPF nº 130/DF, para, em breve, utilizarmos essas
especificações no sentido de compreender a interpretação da liberdade de fazer humor no
Referendo na Medida Cautelar na ADI nº 4.451/DF.
Pois bem, pontuemos nossas conclusões até aqui, as quais, aliás, compõem a razão de
decidir do STF, com as devidas ressalvas aos entendimentos isolados:
Frise-se que, especialmente no que tange às conclusões dos itens “4” e “5”, os
Ministros votantes da ADPF nº 130/DF divergiram consideravelmente uns dos outros,
divergências estas que não nos cabe discutir no presente momento.
14
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
66
Vale começar pelo voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto, talvez aquele que
melhor traduz o que este trabalho vem buscando, uma vez que ele foi enfático ao afirmar que
programas humorísticos, charges e caricaturas são formas de colocar ideias, opiniões, frases e
quadros espirituosos em circulação. Assim, citando o escritor Ziraldo, dissertou que o
humorismo não é apenas uma forma de fazer rir, o que pode ser chamado de comicidade ou
outro termo equivalente; além disso, o humor é uma visão crítica do mundo e o riso, efeito
colateral pela descoberta inesperada da verdade que ele revela.
Daí por diante, foi exposto que a liberdade de imprensa, abrangente do humorismo, é
livre e plena durante todo o tempo, lugar e circunstâncias, tanto em período eleitoral quanto
15
Idem.
16
Idem.
67
fora dele, até porque o processo eleitoral não seria Estado de Sítio, único momento em que a
Constituição Federal permite restrições às garantias da inviolabilidade de correspondência, do
sigilo nas comunicações e da liberdade de imprensa, radiofusão e televisão17 (p.14).
Enfim, o que mais chamou a atenção no voto do Min. Relator foi seu entendimento no
sentido de que, quanto ao inciso III do art. 45 da Lei nº 9.504/97, haveria vedação somente
quando a crítica ou matéria jornalísticas viessem a descambar em propaganda política,
passando a favorecer nitidamente a uma das partes na corrida eleitoral, mas que hipóteses
como essa só poderiam ser avaliadas caso a caso e sempre a posteriori pelo Poder Judiciário,
afastando qualquer tipo de censura prévia18 (p. 15).
Já o Ministro Dias Toffoli votou para que o inciso II não fosse declarado
inconstitucional, mas sim para que lhe fosse afastada a interpretação de que ele afetaria o
humorismo, uma vez que “não há vedação legal prima facie à liberdade comunicativa dos
17
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
18
Idem.
68
No entanto, o mesmo não se pode dizer a respeito dessa liberdade nas emissoras de
rádio e televisão, em virtude da interpretação restritiva que se extrai da leitura do inciso II do
art. 45 da Lei nº 9.504/97. Mesmo assim, o Ministro entendeu que restrições a um direito
fundamental podem e devem ser feitas pelo legislador infraconstituinte, discordando
constantemente dos entendimentos fixados na ADPF nº 130/DF, sobretudo aqueles que
classificaram a liberdade de expressão como direito absoluto.
Destarte, quanto ao inciso II em tela, Dias Toffoli pontuou que a sua natureza não é a
de intimidar os programas humorísticos e semelhantes, mas sim a de evitar que recursos
técnicos “possam ser utilizados para transformar a imagem do candidato ou a própria verdade
dos fatos em algo inverídico que viole a garantia prevista nos incisos V e X do art. 5º da
Constituição Federal20” (p. 71).
Já com relação ao inciso III do art. 45 da Lei nº 9.504/97, o Ministro votou pelo
indeferimento da liminar, porque entendeu não existir qualquer restrição à crítica jornalística,
conforme a leitura do inciso V do mesmo dispositivo.
19
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
20
Idem.
21
Idem.
69
A Ministra Carmen Lúcia votou nos termos do voto do Relator, dando ênfase para o
fato de que o art. 45, II da Lei nº 9.504/97, ao vedar previamente o uso de trucagem,
montagem e outros recursos semelhantes, vai de encontro com o teor do art. 220, caput e §§
1º e 2º, pois cria embaraços à plena liberdade de informação jornalística e impõe censura de
natureza política, ideológica e artística.
No mais, como dito acima, a Ministra não referendou a afirmação de que ao Poder
Judiciário caberia tão somente o controle a posteriori, isto é, posterior à conduta lesiva, haja
vista que não é esse o teor do art. 5º, XXXI da Carta Magna. Aliás, salientou que há casos em
que eventual direito de reparação posterior tornaria a lesão irreparável, mormente durante o
processo eleitoral23 (p. 90).
Cumpre informar, contudo, que a Ministra retirou de seu voto essa indignação acerca
da vedação ao controle a priori do Poder Judiciário, após o Ministro Relator votar também
pela suspensão da segunda parte do inciso III do art. 45 da lei em comento.
22
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
23
Idem.
70
ser consideradas técnicas constitucionais, pois degradam e rebaixam os seus alvos, violando o
princípio da dignidade da pessoa humana.
Todavia, mesmo assim o Ministro votou pela interpretação conforme do inciso II,
ressalvando não se poder interpretá-lo no sentido de afastar as sátiras e os programas
humorísticos. Quanto ao inciso III, acompanhou o voto do Ministro Relator pela suspensão da
segunda parte do dispositivo.
A Ministra Ellen Gracie também votou como o Ministro Relator, ressaltando, quanto
aos argumentos trazidos pelo Min. Dias Toffoli, que o inciso IV do art. 45 da Lei nº 9.504/97
já faz o papel de proibir tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligação, resolvendo
a tensão existente entre o direito de liberdade de expressão e o direito de paridade de armas.
É bem verdade que a técnica retratada no referido inciso II pode ser utilizada para
fins de manipulação e indução da opinião pública, como quaisquer outras formas de
se fazer imprensa. Todavia, tais condutas encontram vigorosa vedação no inciso IV
do mesmo art. 45 da Lei nº 9.504/97, que, em alto e bom som, proíbe a concessão de
tratamento privilegiado a determinada candidatura 25 (p. 113).
Por fim, o Ministro Cezar Peluso apontou a inutilidade absoluta do inciso II, já que o
Código Penal, ao tratar dos crimes de calúnia, difamação e injúria, não fez restrição alguma
com relação aos respectivos sujeitos passivos do crime, de modo que os jornalistas em geral
não estão isentos da responsabilidade penal. Portanto, só o diploma legal é suficiente para
tutelar os políticos de eventuais abusos da imprensa.
24
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
25
Idem.
71
Com isso, o Ministro finalizou no seguimento do voto do Ministro Relator, isto é, pela
suspensão da eficácia dos incisos II integralmente e III parcialmente, ambos do art. 45 da Lei
nº 9.504/97.
26
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451/DF. Referendo em
Medida Cautelar. Ementa: (...) Relator Min. Carlos Ayres Britto, Brasília, DF, 02.09.2010.
27
Idem.
28
Idem.
72
3.3.2 A ratio decidendi no acórdão de Referendo da Medida Cautelar na ADI 4.451 e seus
reflexos sobre o humorismo
Apesar das duas brilhantes decisões do STF aqui analisadas, brilhantes porque bem
fundamentadas no sentido de conferir à liberdade de expressão, sobretudo à liberdade de
imprensa, caráter de um direito pleno (frise-se: pleno, não absoluto!), há alguns aspectos que
ainda não foram debatidos pela jurisprudência da nossa Corte maior.
Resta saber, então, até que ponto o humor deixa de ser crítico para se tornar objeto de
uma profissão, cujo objetivo passa a ser o aumento da massa espectadora e o seu
divertimento, até porque, longe de se amesquinhar tão somente como instrumento de
manifestação de opiniões, o humor serve para inúmeras outras finalidades, a exemplo daquela
que conduz o riso como causa do prazer e alívio da dor, psíquica ou moral, que assola o
homem pós-moderno.
Ora, não é conveniente afirmar que uma piada contada em sala de aula, sem o impulso
de qualquer veículo de comunicação, pode ser reconhecida como expressão da liberdade de
imprensa. Contudo, o que se poderia dizer, nesse caso, é que o humor vai muito além da
imprensa, revestindo-se verdadeiramente de uma criação artística. É isso! O humor é
originariamente uma criação artística, a ele cabendo idêntica tutela conferida à liberdade de
expressão e de imprensa, pois segundo a Constituição Federal (art. 220, caput), “a
manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma,
processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”
(grifo nosso).
74
Portanto, como se pôde notar, a decisão do STF, apesar de conferir tratamento bem
expressivo à liberdade de imprensa, em especial à liberdade de fazer humor, não abordou
todas as facetas sobre tema, deixando em aberto questões que mais cedo ou mais tarde
chegarão até a Corte, forçando ou não a extensão das interpretações realizadas em seus
precedentes, a fim verificar o que pode ou não ser considerado humor; se apenas os
profissionais objetos dos holofotes da mídia merecem a tutela constitucional, ou todos aqueles
que, em qualquer ocasião do dia a dia, utilizem do humor; se o humor pode ser tutelado tanto
como crítica quanto como criação artística. Enfim, discussões que ainda estão por vir e que
servirão como termômetro direto da liberdade de expressão e, indiretamente, do regime
democrático de direito em que vivemos.
75
CONCLUSÃO
Qualquer que seja o fundamento da liberdade de expressão, não se pode negar que o
legislador constituinte a classificou como um direito fundamental, indispensável para a
formação de nossa democracia, direito este que encontra amparo em diversos dispositivos
constitucionais, sendo os principais: o art. 5º, incisos IV, IX e XIV, e o art. 220, caput e
parágrafos.
Mesmo assim, se com a análise da ADI nº 4.451/DF também se fizer uma leitura
minuciosa do acórdão proferido na ADPF nº 130/DF, torna-se possível extrair pelo menos
duas conclusões interessantes acerca do tema:
A primeira delas é a de que a liberdade de expressão, em que pese não existir direito
de natureza absoluta em nossa ordem jurídica, é um direito pleno, cujos limites não devem ser
outros senão aqueles expressamente ditos na Constituição Federal.
Primeiro: o humor pelo humor, dito assim aquele que não traz em si tons de crítica,
pensamento ou opinião, também teria a mesma proteção que a crítica humorística?
Segundo: o humor fora dos holofotes da imprensa teria idêntica proteção que o humor
veiculado por ela, mesmo não guardando nenhuma relação com as mídias de comunicação
social, sendo tão somente uma forma de manifestação artística?
Essas são duas indagações cuja presente pesquisa, embasada na jurisprudência tímida
do Supremo Tribunal Federal, não conseguiu responder, e que também não foram abordadas
pela doutrina que trata sobre o tema, doutrina essa que, assim como nossa Corte, limitou-se a
tratar o humor como pura e simplesmente forma de manifestação de opiniões, críticas, ideias e
pensamentos, nada ingressando nas várias facetas que ele pode assumir, nem considerando
que ele pode ser objeto de riso e divertimento, a ser empunhado por qualquer cidadão, desde
um recôndito aluno em sala de aula até a figura de um grande humorista da televisão.
Portanto, quem sabe num futuro próximo tenhamos as respostas para essas perguntas,
haja vista que alguns tribunais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, já têm consolidado
algumas margens de entendimentos sobre o humorismo e a liberdade de expressão nesse
sentido, o que nos permitirá avançar para questões mais complexas, a exemplo do controle a
priori do Poder Judiciário sobre os meios de comunicação ser ou não considerado censura,
discussão essa, aliás, que, apesar da tentativa de abordagem na ADI nº 4.451/DF, não recebeu
a devida atenção dos Ministros da Corte.
78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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