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Vanderlei Amboni1
Natieli da Silva Celestino2
Introdução
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Hoje o processo não é mais o de “temas geradores”. O MST, na dinâmica e processos de
aperfeiçoamento da educação, trabalha com complexos de estudo, cuja matriz é a pedagogia soviética
centrada em Moisey M. Pistrak, para dinamizar a vida escolar e trazer os elementos presentes na vida
material como processo de ensino. Para os intelectuais orgânicos do MST, “Um complexo representa
uma “complexidade” cujo entendimento a ser desvendado pelo estudante ativa sua curiosidade e faz uso
dos conceitos, categorias e procedimentos das várias ciências e artes que são objeto de ensino em uma
determinada série. O complexo tem uma prática social real embutida em sua definição. Ele é mais que
um tema ou eixo e não se resume à idealização de uma prática que apenas anuncia a aplicabilidade
longínqua de uma aprendizagem. É o palco de uma exercitação teórico-prática que exige do estudante
as bases conceituais para seu entendimento, permite criar situações para exercitação prática destas bases
plenas de significação e desafios e ao mesmo tempo permite que estes conceitos sejam construídos na
interface da contribuição das várias disciplinas responsáveis pela condução do complexo. O complexo é
uma unidade curricular do plano de estudos, multifacetada, que eleva a compreensão do estudante a
partir de sua exercitação em uma porção da realidade plena de significações para ele. Por isso, o
complexo é indicado a partir de uma pesquisa anteriormente feita na própria realidade das escolas (...).
É uma exercitação teórico-prática que acontece na realidade existente no mundo do estudante,
vivenciada regularmente por ele em sua materialidade cotidiana e que agora precisa ter sua
compreensão teórica elevada (FREITAS, SAPELLI e CALDART, 2012, p.22).
A proposta de escola nos acampamentos do MST foi uma concepção e um
conceito que foi se materializando com o dia a dia dos acampamentos, a partir das
necessidades e das lutas pela sua garantia. Quando foi conquistada a legalidade, foi feita
a luta por sua estrutura, tendo a estrutura foi a vez da luta pela remuneração dos
educadores, com os educadores na escola, era necessário realizar encontros de formação
continuada com eles, e assim por diante. Não necessariamente nessa ordem, mas dentro
dessa lógica, conquistas geram mais lutas, que também geraram mais conquistas. Porém
as precariedades dos problemas sociais em um acampamento são mais aflorados, e
nesse caso a realidade de um acampamento é organizada para que todos tenham as
mínimas condições para que todos tenham as mínimas condições de vida até que o
sonho do assentamento se torne realidade. E na escola não seria diferente, as questões
do acampamento fazem parte do cotidiano da escola ao ser problematizada pelos
conhecimentos escolares.
A escola funciona dentro do acampamento e reflete os problemas dos trabalhadores
rurais sem-terra, que pautam os “temas geradores”, estudados ao longo do ano. Dessa
forma se estabelece um espaço de diálogo das famílias. As escolas itinerantes se
tornaram um espaço da comunidade, que tem a responsabilidade pelo seu planejamento
junto aos educadores e à coordenação (MST, 2006).
É essa a relação que diferencia a proposta da Escola Itinerante, é essa relação
com a comunidade e a sua realidade que fortalece e garante a continuidade da escola. É
o compromisso político de defender essa educação no e do campo. E em sua proposta
isso se explicita sendo a Escola Itinerante uma escola pública que se opõem a tutela
política e pedagógica do Estado.
Não significa que sua proposta seja contrária à necessidade de apropriação dos
conteúdos socialmente úteis historicamente acumulados pela humanidade, mas que sua
pedagogia está pautada na construção do sujeito crítico, lutador e construtor de sua
própria história, contrariando à ideia de educação bancária do Estado.
Aprovada pelos Conselhos de Educação estaduais, com base na LDB (Lei de Diretrizes e Bases),
seu método é desenvolvido de acordo com a realidade do campo, obedecendo aos parâmetros
curriculares nacionais. Tem como princípio a pedagogia do movimento, baseada em Paulo Freire
(1921-1997), um dos principais pensadores da educação no país e no mundo (MST, 2006).
A Pedagogia do Movimento foi construída a muitas mãos. Foi a experiência dos
das primeiras escolas de assentamento e de acampamento, as discussões no coletivo de
educadores e de quem acompanhava essa realidade, as escritas e reescritas, nas
reflexões a partir das práticas de outros países e governos socialistas, que de certa forma
foram se encontrando e tecendo o que hoje chamamos de princípios, de matrizes, que
foram sendo passadas às novas escolas conquistadas, e então nessa nova realidade a
formação transformava a ação, novos apontamentos surgiam, tínhamos novas questões a
discutir e incorporar. Definitivamente não é uma pedagogia estudada por um doutor ou
um grupo e trazida para ser aplicada na realidade específica, e sim a construção dos
próprios que vivem e experienciam seus limites e avanços diárias, escrevendo e
reescrevendo sua própria história, refletindo sobre sua pedagogia.
Uma pedagogia que para além das paredes da escola, uma pedagogia que se
baseia na luta dos trabalhadores, na luta Sem Terra, dentro do acampamento e fora dele.
Da mesma forma o ensino se dá dentro da escola e fora dela. O meio educativo do
Movimento é a ocupação de terra, são as reuniões, as assembleias, o acampamento na
porta dos órgãos públicos, as marchas... E não é diferente na Escola do Movimento.
No começo os sem-terra acreditavam que se organizar para lutar por escola era apenas
mais uma de suas lutas por direitos sociais; direitos de que estavam sendo excluídos
pela sua própria condição de trabalhador sem (a) terra. Logo foram percebendo que se
tratava de algo mais complexo. Primeiro porque havia (como há até hoje) muitas outras
famílias trabalhadoras do campo e da cidade que também não tinham acesso a este
direito. Segundo, e igualmente grave, se deram conta de que somente teriam lugar na
escola se buscassem transformá-la. Foram descobrindo, aos poucos, que as escolas
tradicionais não têm lugar para sujeitos como os sem-terra, assim como não costumam
ter lugar para outros sujeitos do campo, ou porque sua estrutura formal não permite o
seu ingresso, ou porque sua pedagogia desrespeita ou desconhece sua realidade, seus
saberes, sua forma de aprender e de ensinar (CALDART, 2003, p. 63).
O objetivo de ocupar os latifúndios do conhecimento dia a dia estão
acontecendo, pois não é uma escola que se contenta nem com o pouco e nem com o
mínimo de conhecimento. As escolas do Movimento na medida em que objetivam
formar sujeitos se distancia da concepção de educação do Estado que pretencia forma o
cidadão. Como cidadão entende-se o indivíduo dotado de direitos e deveres como se
tanto a carga de deveres e o acesso a direitos fosse linear. Porém a formação do sujeito
vai a além, pois é um sujeito coletivo, que compreende a luta de classes e que por isso
se organiza. É o sujeito da classe trabalhadora. E a essa formação o Estado não se
encarregará de dar, uma vez que contesta a forma de organização da sociedade.
Cabe à classe trabalhadora pensar e organizar a escola que formará seus filhos.
Por isso que “a gestão escolar é autônoma, uma vez que o Estado entra com o
investimento mas não organiza o modelo. A escola itinerante hoje é a que mais contraria
a lógica capitalista, pela liberdade de poder construí-la”, afirma Camini” (MST, 2006).
E isso também se refere aos educadores contratados pelo Estado que chegam nas
escolas do Movimento, pois “(...). Mesmo os educadores de ensino médio, que devem
ser indicados e subsidiados pelo governo, acabam se integrando ao cotidiano do MST
para conseguir fazer um projeto educacional mais próximo da realidade dos alunos”
(MST, 2006).
Não é a escola do governo, nem por ele dirigida. Conduzida pelo povo organizado, a
Escola Itinerante caminha por outros rumos, os rumos da resistência, da rebeldia que
ocupam os latifúndios, organizam o povo, fazem a reforma agrária e produzem poesia.
Uma escola teimosa, dirigida pela teimosia lucida dos trabalhadores Sem Terra, que
exigem que o governo a financie, o que a muitos desagrada. (CAMINI; GEHRKE,
2008, p. 72).
Porém em muitos momentos as condições mínimas de funcionamento não são
garantidas, e o que deveria ser um direito reconhecimento fica à mercê de orçamentos
sucateados e falta de recurso. “Isabela Camini, do setor nacional de Educação do MST,
denuncia que nem sempre os governos estaduais cumprem seus deveres e, com isso, os
acampamentos têm que se virar sozinhos debaixo das lonas pretas para manter a escola”
(MST, 2006). Contudo, são nesses momentos que a comunidade se fortalece faz a luta.
E na construção das condições possíveis para as escolas de acampamento e
assentamento, cada realidade, cada experiência pedagógica em prática torna-se um
acúmulo na caminhada do Movimento. São diversas as experiências que vem
acontecendo em todo o Brasil, mas que busca o diálogo para as próximas conjunturas do
Movimento. “Camini ressalta que cada estado tem a sua pedagogia em construção. (...)
No Paraná e no Rio Grande do Sul, as conquistas estão bem adiantadas. Dependendo do
estado, há diferenças de concepções sobre as escolas itinerantes”. (MST, 2006).
Estudar é direito de todos e todas e não privilégio de alguns. É com essa convicção que
desde 1984, nas ocupações de terra e marchas, o MST luta por uma política de Reforma
Agrária que inclua o tema da educação pública, de qualidade e gratuita para o campo e
no campo. Em toda a nossa história, os Sem Terra conquistaram aproximadamente três
mil escolas públicas nos acampamentos e assentamentos em todo país, abrindo as portas
de um ensino de qualidade a 200 mil crianças e adolescentes.
De todas as formas, a experiência da Escola Itinerante é muito rica, e ricos
também são os sujeitos que passam por ela, que fazem parte de sua história.
Infelizmente, hoje podemos contar apenas com a permanência das Escolas Itinerantes
do Paraná, porém a história não se inicia e se encerra dessa forma. Aos que vieram e ao
que virão tudo se torna um acúmulo para continuar a luta, onde ela surgir, pois
independentemente dos passos que já foram dados os princípios e os objetivos
continuarão os mesmos, pois “(...). Seus objetivos e princípios são os mesmos, que todavia,
se aplicam de um modo determinado a depender da situação concreta. [...] (MST, 2009, p. 118).
São aspectos que caracterizam a Escola Itinerante como uma forma de fazer escola no e do
campo, estejam elas localizadas em Santa Catarina ou no Piauí: a estrutura física, a relação com
o Estado, o nome e a proposta de uma escola “diferente” que respeite os sujeitos acampados,
que tenha como foco a vida no campo, que procure formar o ser humano, que tem problemas
semelhantes e às vezes tão divergentes, que tem os mesmos desafios, que lute por uma política
pública educacional e pelo direito à saúde, moradia, trabalho e cultura (Daniela Oliveira, 2014, p.
65)
Que a Escola Itinerante do Paraná continue resistindo na luta mostrando em
todos os sentidos que uma educação pública e de qualidade é possível e é um direito e
não esmola, de forma que as contribuições dos trabalhos sobre a Escola Itinerante do
MST frutifiquem no campo crítico do embate aos valores da sociedade capitalista.
Para o MST,
Educador é aquele cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a
formação humana, seja ela na escola, na família, na comunidade, no
movimento social. Eles são integrantes do MST e moram nos assentamentos
e acampamentos, o que facilita o aprendizado coletivo e pedagógico, pois
convivem no mesmo cotidiano dos educandos.
Em março de 2004, foi celebrado entre o MST e a SEED um convênio que envolve a
Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP), pessoa jurídica
de direito. O Convênio é renovado anualmente, após prestação de contas realizada pelo
Setor de Educação do MST, mediante apresentação de um relatório à SEED, no qual
constam informações acerca do número de educadores, coordenadores, matrículas. A partir
dele e dos termos aditivos a ele incorporados, tem-se assegurada a remuneração dos
educadores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental e dos coordenadores pedagógicos das
Escolas Itinerantes. Além dos salários, estão previstos o pagamento de encargos sociais, 13º
salário, terço constitucional e verbas rescisórias. O recurso é liberado em parcelas mensais
(SAPELLI, 2013). (OLIVEIRA, 2014, p. 67).
A EI Carlos Marighella possuía a coordenação político pedagógica, composto pelo coordenador da
escola e membros da comunidade; coletivo de educadores, espeça que era coordenado pela coordenação
pedagógica da escola e coletivo de educandos, que se organizavam acerca de suas demandas específicas,
as quais eram apresentadas pelos educadores no coletivo de educadores. Foram poucas às vezes em que
exercitamos a participação dos educandos na reunião dos educadores, pois as crianças eram pequenas
dos anos iniciais do EF e ainda não havia maior compreensão sobre (CURITIBA, KNOPF, 2014).
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