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BRASÍLIA
2003
1
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 03
2 CAPÍTULO I – TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
ALGUMAS NOÇÕES FUNDAMENTAIS 06
3 CAPÍTULO II – DEBATES TEÓRICOS: DO SURGIMENTO DO
CAMPO AO DEBATE ATUAL 22
3.1 O PRIMEIRO GRANDE DEBATE: OS ASSIM CHAMADOS
IDEALISTAS E AS CRÍTICAS DOS REALISTAS 32
3.2 O SEGUNDO GRANDE DEBATE: A ABORDAGEM TRADICIONAL
E A REVOLUÇÃO BEHAVIORALISTA 51
3.3 O DEBATE INTERPARADIGMÁTICO: REALISMO, PLURALISMO
E GLOBALISMO 70
3.4 UM DEBATE ATUAL: A SÍNTESE RACIONALISTA E A
REORIENTAÇÃO CONSTRUTIVISTA 89
4 CAPÍTULO III – ALGUMAS INSPIRAÇÕES SOCIOLÓGICAS DO
CONSTRUTIVISMO: ÈMILE DURKHEIM E MAX WEBER 105
4.1 ÈMILE DURKHEIM 111
4.2 MAX WEBER 120
5 CAPÍTULO IV – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DA ABORDAGEM
CONSTRUTIVISTA 128
6 CONCLUSÃO 148
REFERÊNCIAS 152
2
1 INTRODUÇÃO
5
1 CAPÍTULO I – TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:
UM PONTO DE PARTIDA
6
denominamos, em sentido amplo, científica. Lytton GUIMARÃES, da
Universidade de Brasília (UnB), em seu texto Relações Internacionais como
campo de estudos – Discurso, Raízes e Desenvolvimento, Estado da Arte,
delimita o primeiro conceito como sendo referente “à gama de contatos e
interações de natureza diplomática, política, econômica, social, cultural, ética,
humanitária, que se processam entre atores internacionais, estatais e não-
estatais”3. Refere-se o termo, pois, ao próprio objeto de estudos. Já a expressão
Relações Internacionais, com as iniciais maiúsculas (ou, simplesmente, RI),
“refere-se ao campo de estudos acadêmicos que enfoca as diversas formas de
interações anteriormente descritas, assim como outras questões e fenômenos
considerados relevantes para se compreender e explicar a complexidade do
cenário internacional”4. Os partícipes deste campo de estudos acadêmicos
constituem sua comunidade científica especializada, que elabora discursos
científicos sobre o objeto de estudos.
3
“Pelo menos duas dimensões podem ser atribuídas à expressão relações internacionais [grifo
do autor]. Em sentido amplo, e mais comumente utilizada, ela se refere à gama de contatos e
interações de natureza diplomática, política, econômica, social, cultural, ética, humanitária, que
se processam entre atores internacionais, estatais e não-estatais” (GUIMARÃES, 2001, p. 9).
4
“Outro sentido atribuído à expressão Relações Internacionais-RI [grifo do autor], aqui usada
sempre com iniciais maiúsculas, refere-se ao campo de estudos acadêmicos que enfoca as
diversas formas de interações anteriormente descritas, assim como outras questões e fenômenos
considerados relevantes para se compreender e explicar a complexidade do cenário
internacional.” (GUIMARÃES, 2001, p. 10)
7
sobre a política. Segundo GUIMARÃES, podemos utilizar imagem semelhante para
tratar dos discursos sobre as relações internacionais. Nesta imagem, os discursos
sobre as relações internacionais também possuem três fontes, a saber: a filosofia
das relações internacionais, o conhecimento sobre as relações internacionais com
alguma validade científica e o discurso comum sobre as relações internacionais.
5
“A linguagem comum é a linguagem que está ao alcance de todos, a linguagem da
conversação ordinária. Locke chamou-a de ´linguagem civil´, mas talvez seja mais claro falar
em ´linguagem materna´, porque a aprendemos na infência. Uma vez completado este
aprendizado, o ser humano se comunica com a mesma naturalidade com que respira (se não o
ameaçam de asfixia). Segue-se que a linguagem comum não tem absolutamente consciência de
si própria; é usada de modo instintivo e irrefletido, o que causa grandes inconvenientes”
(SARTORI, 1997, P.14-15).
6
“‘Linguagens especiais’ são as linguagens ‘críticas’, ´especializadas´, desenvolvidas a partir da
linguagem ordinária mediante a correção dos seus defeitos. São críticas [grifo no original]
porque elaboradas mediante a reflexão sobre o instrumento lingüístico que empregam;
especializadas porque cada disciplina tende a criar para si uma linguagem ad hoc,
especialmente adaptada aos seus problemas heurísticos” (SARTORI, 1997, p. 20).
8
precisas de sintaxe lógica; e a criação de novas palavras, quando seja necessário
para representar as realidades que se pretende conhecer7. A filosofia das relações
internacionais e o conhecimento com alguma validade científica sobre as
relações internacionais valem-se de linguagens especiais.
7
“Já conhecemos as características da linguagem ordinária, que não tem consciência de si
mesma, e na qual as palavras não têm um significado definido, o vocabulário é limitado e o
discurso não tem método. Será fácil identificar, ex adverso, por contraste, as operações que
presidem a criação das linguagens especiais: 1) a precisão e definição dos significados das
palavras; 2) a estipulação de regras precisas de sintaxe lógica; 3) a criação de novas palavras”
(SARTORI, 1997, p. 20).
8
“O conhecimento filosófico sobre as relações internacionais, como em outros campos
cognitivos, busca responder a perguntas do tipo ‘por quê?’ Por quê os conflitos, as guerras, a
luta pelo poder hegemônico? Em geral, o conhecimento filosófico, literalmente, vai além do
empírico, dos dados físicos; portanto, ele é metafísico (meta ta phisiká). A linguagem filosófica,
como linguagem especial, é fortemente conotativa, ou seja, as palavras utilizadas na linguagem
comum podem adquirir significado especial. Daí a necessidade de se adquirir domínio sobre a
filosofia das relações internacionais para entender sua linguagem especial.” (GUIMARÃES, 2001,
p. 8)
9
“O conhecimento sobre as relações internacionais com alguma validade científica é
relativamente recente e permanece pouco desenvolvido quando comparado com o conhecimento
acumulado, por mais tempo, em outras disciplinas das Ciências Sociais” (GUIMARÃES, 2001, p.
8).
9
que, na linguagem especial desenvolvida por estes acadêmicos, são definidos
como sendo as relações internacionais.
10
GUIMARÃES (2001, p. 43).
11
BRAILLARD (1990, p. 87-88).
10
Direito, tornando-se mais neutra do ponto de vista normativo, característica das
abordagens jurídicas; e à Ciência Política, com esforços em dois sentidos,
primeiro buscando combinar a análise política com a econômica e militar, ao
mesmo tempo em que privilegiava o sistema internacional como seu principal
objeto de análise, situando-se em um nível de análise distinto de sua disciplina
irmã12.
12
GUIMARÃES (2001, p. 43). Sobre o chamado “problema do nível de análise”, trataremos dele
mais detidamente no Capítulo II, seção 3.2, ao expormos o denominado Segundo Grande
Debate da Teoria das Relações Internacionais.
13
GUIMARÃES (2001, p. 9).
11
conjunto de agentes, instituições e processos sobre o qual se concentram os
analistas de RI é específico deste campo14.
14
ROCHA (2002, p. 28).
15
HOFFMAN (1990, p. 28).
16
BRAILLARD (1990, p. 16).
17
ROCHA (2002, p. 137).
18
GUIMARÃES (2001, p. 20).
12
preocupação de se realizar uma análise sistemática dos fenômenos internacionais.
Ocorre então um rompimento com a predominante abordagem das relações entre
os Estados com base na história destas (ou, melhor definindo, na história
diplomática) e nas normas que procuram regulá-las (ou direito internacional)19.
Buscou-se então, a partir da Primeira Guerra Mundial, alcançar, no campo dos
fenômenos internacionais, avanços científicos como os que haviam sido
alcançados com relação a fenômenos políticos, econômicos e sociais, entre
outros, pela Ciência Política, Economia e Sociologia, por exemplo, desde o final
do século XIX20.
19
HOFFMAN (1990, p. 29).
20
ROCHA (2002, p. 25).
21
Nesse sentido, BRAILLARD (1990, p. 16).
22
GUIMARÃES (2001, p. 27).
23
Este conceito de “guerra total” está presente na obra do historiador Eric HOBSBAWN (1995, p.
29-40). No primeiro capítulo, “A Era da Guerra Total”, HOBSBAWN afirma que, antes de 1914,
“não houvera, em absoluto, guerras mundiais. (...) Tudo isso mudou em 1914. A Primeira
Guerra Mundial envolveu todas [grifos no original] as grandes potências, e na verdade todos os
Estados europeus, com exceção da Espanha, os Países Baixos, os três países da Escandinávia e a
Suíça. E mais: tropas do ultramar foram, muitas vezes pela primeira vez, enviadas para lutar e
operar fora de suas regiões. Canadenses lutaram na França, australianos e neozelandeses
forjaram a consciência nacional numa península do Egeu – “Gallipoli” tornou-se seu mito
nacional – e, mais importante, os Estados Unidos rejeitaram a advertência de George
Washington quanto a ‘complicações européias’ e mandaram seus soldados para lá,
determinando assim a forma da história do século XX.”
13
Woodrow Wilson, com a finalidade específica de investigar as causas da guerra e
formular propostas para a atuação da Liga das Nações, organização internacional
criada no imediato pós-guerra com a finalidade de evitar outras guerras daquelas
proporções, da qual Lord Davies era um grande entusiasta24. Em seguida, houve
a criação de outros Departamentos e cursos destinados a estudar as relações
internacionais, sendo a maioria deles localizados no eixo Estados Unidos-Grã-
Bretanha.
24
PORTER (2002, p. 78-80).
25
O artigo ao qual diversos autores se referem foi publicado no periódico Deadalus, com o
sugestivo título de An American Social Science: International Relations.
26
GUIMARÃES (2001, p. 30).
14
inteiramente norte-americana, com algumas poucas contribuições do mundo
anglófono27.
27
JERVIS (1998, p. 971).
15
contradições, sobre os quais é possível formular uma quantidade ainda maior de
interpretações28.
28
ROCHA (2002, p. 39).
29
“To think theoretically one has to avoid treating the task as that of formulating an appropriate
definition of theory” (ROSENAU, 2001, p. 23).
30
ROCHA (2002, p. 40), grifo no original.
16
É freqüente na literatura de RI preocupada com as questões teóricas
encontrarmos referência a tipos de teorias. Segundo esta visão, poderíamos
construir uma tipologia das teorias, de acordo com os mais variados critérios.
Destacaremos aqui três perspectivas: quanto ao alcance, classificando-as em
teorias gerais e teorias parciais; quanto à neutralidade valorativa, classificando-as
em teorias empíricas e normativas; e quanto à relação com a realidade social que
se pretende conhecer, em teorias explicativas e teorias constitutivas. Estas
classificações serão úteis para o desenvolvimento de algumas questões
fundamentais ao longo dos capítulos subseqüentes, sobretudo quando tratarmos
de algumas inspirações teóricas do construtivismo, quando tratarmos do debate
entre idealistas e realistas e quando tratarmos do debate atual, entre racionalistas
e construtivistas.
31
HOFFMAN (1990 [1961], p. 32).
32
GUIMARÃES (2001, p. 10).
33
HOFFMAN (1990 [1961], p. 32).
17
A terceira distinção tem como guia duas posturas no que tange à relação
entre as teorias e a realidade internacional, ou social, que se pretende conhecer.
Algumas teorias, denominadas explicativas, reivindicam um status de
independência com relação ao objeto social, vendo o mundo social como externo
às teorias que o explicam. Teorias constitutivas, em contraste, alegam que nossas
teorias realmente contribuem para a própria construção do mundo social, ou, em
outras palavras, da realidade34.
Nas RI, talvez a mais jovem das ramificações das Ciências Sociais, os
debates internos dizem respeito a problemas essenciais, constituindo a autêntica
razão de ser deste novo campo do saber, e não meramente a questões
secundárias. Para aqueles que se aproximam do campo pela primeira vez, esta
ausência de acordo pode ser um motivo de desalento, já que se nota um gasto
excessivo de energia e muito trabalho nestes debates teóricos, em detrimento da
acumulação do conhecimento, tão almejada em qualquer aventura cognitiva.
Além disso, é gerada uma excessiva fragmentação do campo35.
Existe uma série de questões que são discutidas na TRI. Buscaremos tratar
destas questões brevemente, lembrando que estamos, neste capítulo inicial,
apenas preparando a ambiência para poder discorrer mais livremente sobre os
debates teóricos de agora em diante. Assim, sempre com este objetivo em mente,
buscaremos tratar de alguns termos importantes e que estão sempre presentes em
qualquer texto teórico produzido na área, e que por vezes os tornam pesados ou,
o que é pior, incompreensíveis.
34
SMITH (1995, p. 26-27); SORENSEN (1998, p. 85); WENDT (1998, p. 102); GUIMARÃES (2001,
p. 48-49).
35
SODUPE (1992, p. 166).
18
Voltamos então à idéia de que as teorias são discursos sobre a realidade.
No processo de construção destes discursos, qualquer teórico que se proponha a
esta tarefa deve, sempre, abstrair da realidade quais são os elementos que a
constituem. Em outras palavras, questiona-se aqui sobre a própria natureza da
realidade internacional. Utilizando o termo que pretendemos definir, questiona-se
sobre a ontologia das relações internacionais.
36
SMITH (1996, p. 18)
19
do conhecimento em quatro questões: a da possibilidade do conhecimento; a do
método para se reconhecer um conhecimento como legítimo, verdadeiro; a dos
instrumentos do conhecimento, como os sentidos e a razão; e a do objeto do
conhecimento37.
37
“Podemos desdobrar a problemática mais ampla e mais geral do conhecimento nas seguintes
questões que examinaremos em seguida: 1. A questão da possibilidade do conhecimento: é
possível conhecer a realidade, o mundo, tal qual ele é? 2. A questão do método: como é possível
esse conhecimento? Ou seja, como se justifica uma determinada pretensão ao conhecimento
como legítima, verdadeira? 3. A questão dos instrumentos do conhecimento: os sentidos e a
razão; 4. A questão do objeto do conhecimento: o mundo material ou a realidade superior, de
natureza inteligível, a realidade mutável e perecível ou a essência eterna e imutável?”
(MARCONDES, 1997, p. 50).
20
ontologicamente, a ontologia afeta o que podemos aceitar do ponto de vista
epistemológico. O autor vê então ontologia e epistemologia como sendo
mutuamente e inextricavelmente inter-relacionadas38.
38
SMITH (1996, p. 18).
39
ROCHA (2002, p. 77).
40
HALLIDAY (1999, p. 37).
21
esta parte inicial com a afirmação de SMITH (1996, p. 13), que destaca a
importância prática das teorias, quando comentava a importância do debate atual:
“Theories do not simply explain or predict, they tell us what possibilities exist for
human action and intervention; they define not merely our explanatory possibilities
but also our ethical and practical horizons. In this Kantian light epistemology
matters, and the stakes are far more considerable than at first sight seem to be the
case.”
22
3 CAPÍTULO II – DEBATES TEÓRICOS: DO SURGIMENTO AO
DEBATE ATUAL
23
história das RI. O título era bastante sugestivo da autoconsciência emergente:
“The Theory of International Politics: 1919-1969”.
41
SMITH (1995, p. 1-7).
42
Conforme será esclarecido adiante, do debate atual ao qual nos referimos dele participam ainda uma
ampla gama de abordagens teóricas. Nosso foco, entretanto, será o debate entre os racionalistas e
construtivistas.
24
estamos no desenvolvimento do conhecimento sobre as relações internacionais é
profundamente moldada por esta idéia43.
43
WÆVER (1998, p. 715).
44
WÆVER (1996).
25
(como as alianças, o equilíbrio de poder, o militarismo e a diplomacia secreta),
que, ao cabo, eram identificados como principais causas da guerra 45. Conforme
relata GUIMARÃES, “os utópicos/idealistas/liberais se inspiravam no otimismo
iluminista do século XVIII, no liberalismo do século XIX e no idealismo de
Woodrow Wilson”46.
45
SODUPE (1992, p. 185).
46
GUIMARÃES (2001, p. 44).
47
SODUPE (1992, p. 186-188).
48
GUIMARÃES (2001, p. 44).
26
construção de conhecimento em RI com base em métodos espelhados na
rigorosidade específica das ciências naturais, inspirando-se nos modelos em voga
na Ciência Política norte-americana, preocupados em formular hipóteses
explicativas comprováveis empiricamente através de processos precisos de
mensuração. Como bem resumiu GUIMARÃES, “a proposta da corrente
behavioralist, que em RI alcança seu apogeu nas décadas de 1950/60, era tornar
RI uma disciplina científica [grifo no original], com capacidade de explicar e
predizer os problemas e questões estudadas o que, segundo a referida corrente,
não era possível através das abordagens tradicionalistas, que não ofereciam
instrumentos teóricos e analíticos, limitando-se aos estudos descritivos e muitas
vezes prescritivos ou normativos”49. Este debate será exposto na seção 3.2 deste
capítulo.
49
GUIMARÃES (2001, p. 44-45).
27
existentes: (1) realismo/neo-realismo (ou realismo estrutural), (2)
liberalismo/pluralismo, (3) globalismo/neo-marxismo/estruturalismo”50.
50
GUIMARÃES (2001, p. 46).
28
presidente da International Studies Association, Robert KEOHANE, discutiu o que
ele chamou de “duas abordagens às instituições internacionais”. Estas duas
abordagens seriam representadas: (a) de um lado, pelos racionalistas, referindo-se
claramente ao programa de pesquisa que teria sido o resultado da fusão entre os
programas do neo-realismo e do institucionalismo neoliberal; e (b) do outro, o
que Keohane unificou sob o amplo conceito de reflectivist, que às vezes é
denominado como reflexivist, para destacar a natureza auto-reflexiva das novas
abordagens críticas, abrangendo desde os inspirados no Pós-modernismo
Francês, até os inspirados na Hermenêutica Alemã, passando pelo
Construtivismo Social. Neste trabalho, em vez de “reflectivistas” ou
“reflexivistas”, termos que poderiam soar estranho em português, preferimos o
termo “interpretativista”, destacando o aspecto epistemológico de sua ênfase na
interpretação, sem desconsiderar a natureza filosófica do debate. Emmanuel
ADLER (1997), referindo-se a este debate, utiliza esta denominação que
adotamos.
51
KEOHANE apud WÆVER (1996, p. 165).
29
WÆVER declara que seu argumento, em termos de quatro debates, não
era então convencional. Isto porque, segundo ele, de acordo com a visão
estabelecida não há um quarto debate. Estamos ainda no terceiro ou após ele. O
autor afirma que agora estamos vivendo o quarto. E ironiza sua discórdia com o
pensamento ortodoxo: “The disagreement stems from the peculiar way of
counting in International Relations: 1st debate, 2nd debate, 3rd debate, 3rd
debate. There is a magic number – three paradigms, three debates. In academic
debates, there always have to be three positions, three options, three scenarios”
(1996, p. 174). Ele entende que, nas RI, há quatro debates principais, pelo
menos. Ignorar este erro, enumerando-os nesta estranha e peculiar forma de
contar, significa incorporar o quarto no terceiro debate. E finaliza: “We need new
metaphors and depictions to foster self-reflection in the discipline”.
30
Argumenta Peter WILSON, para ficarmos em um só exemplo, que nunca houve
realmente um Primeiro Grande Debate entre interlocutores sustentando pontos de
vista opostos idealistas e realistas. O próprio WILSON, por outro lado, reconhece
o valor da noção como uma ferramenta pedagógica para ordenar um desordenado
arranjo de teorias e abordagens. Assim, ele conclui, embora a noção não seja sem
mérito, sobretudo didático, como exposição de um fato histórico esta noção é
altamente enganosa52. Além deste valor didático da idéia de debates,
argumentamos que houve sim algum enfrentamento mais direto no caso dos
demais debates. Na seção 3.2, por exemplo, ao tratarmos da abordagem
tradicional e da revolução behavioralista, veremos como alguns autores
efetivaram ataques diretos aos seus oponentes, estabelecendo algo que não pode
ser considerado outra coisa que não seja um debate teórico.
52
WILSON (1998, p. 1).
53
SMITH (1995, p. 16).
31
diversidade e a complexidade são violentadas, impondo aos eventos uma lógica
que está no olhar do observador, e não dos participantes das discussões teóricas54.
“Where, for example, is class, or ethnicity, or gender in this self-image? Where are
the concerns of developing countries to be found in this canon? It is, in fact, a
Western/white/male/conservative view of international theory”.
Embora tenhamos conhecimento destas críticas e possamos até
reconhecer a procedência, ao menos parcial, das mesmas, simplificamos a
realidade acadêmica com esta visão para obter como resultado uma exposição
sucinta e útil da trajetória do campo teórico de RI, que de outra forma ocuparia
espaço superior ao merecido por esta tarefa no âmbito do trabalho como um todo.
54
SMITH (1995, p. 17).
32
3.1 O PRIMEIRO GRANDE DEBATE: OS ASSIM
CHAMADOS IDEALISTAS E AS CRÍTICAS DO REALISMO
55
DÖPCKE (2001, p. 161-164); HOBSBAWN (1995, p. 29-40);
33
Finda a Primeira Guerra, os estadistas passaram a se preocupar com o
estabelecimento de mecanismos para que outro conflito daquelas proporções não
voltasse a ocorrer. O então Presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, um
cientista político liberal saído dos bancos da Universidade de Princeton, propôs,
em uma mensagem encaminhada ao Congresso em 8 de janeiro de 1918, o que
ficou conhecido como “os catorze pontos de Wilson”, um conjunto de ações que
tinham por finalidade estabelecer a paz entre as nações.
56
No português é freqüente também encontrarmos o nome “Sociedade das Nações”. Preferimos,
entretanto, manter maior fidelidade ao termo utilizado em inglês: League of Nations.
57
CERVO (2001, p. 186).
34
A primeira cadeira para o estudo acadêmico das relações
internacionais foi fundada na Universidade de Aberystwith, no País de Gales.
Lord Davies, um rico industrial galês, com ligações profissionais com a Liga das
Nações (tendo sido inclusive seu Secretário-Geral, posteriormente), foi o
responsável pela doação de um vultoso fundo para que se investigasse as causas
da guerra e os caminhos para um mundo livre dos conflitos violentos. Inspirado
no idealismo liberal do presidente norte-americano, foi fundada naquela
universidade a Woodrow Wilson Chair. Note-se o caráter marcadamente liberal
(ou, como seria rotulado posteriormente pelos realistas, idealista) do surgimento
deste campo de estudos58.
“The assumption that the scholarship of the interwar period was characterized by
the hegemony of a liberal or, more notoriously, idealist paradigm is ubiquitous.
(…) Probably no other account of the field’s history as being characterized by an
idealist or liberal view has had a greater impact than the one E. H. Carr provided
in his seminal work The Twenty Years’ Crisis, which was first published on the
eve of the Second World War.”62
Esta visão é reforçada pela idéia da existência de um Primeiro Grande
Debate, entre idealistas e realistas. Vislumbramos os três temas principais que
teriam sido discutidos neste debate, retomando a tabela de WÆVER (1996)
exposta na introdução deste capítulo: em primeiro lugar, política, depois
filosofia, e, finalmente, ontologia. Política foi o principal tema discutido no
debate: Organizações Internacionais e Rule of Law versus Poder, com os
chamados idealistas defendendo a possibilidade de um papel relevante por parte
de Organizações Internacionais (sobretudo de uma delas, a Liga das Nações), e
acreditando no império do Direito Internacional (rule of law), enquanto os
realistas duvidavam que o Direito pudesse se sobrepor à lógica da luta pelo
Poder, tão presente nas relações internacionais. Filosofia também foi um tema
em disputa, como na discussão entre Utopia versus Realismo, e entre Moralidade
versus Relativismo. Ontologia, ou a natureza das relações internacionais, este foi
um tema sempre discutido em todos os quatro debates, já que é inevitável a
discussão quanto à própria natureza das relações internacionais.
62
SCHMIDT (2002, p. 12).
36
corresponder aos argumentos idealistas. Estes eventos históricos – mais
especificamente aqueles que arrastaram a Europa para uma Segunda Guerra
Mundial – a eles é atribuído, pelas narrativas predominantes em RI, o papel de
causa da ascensão do realismo político63. Este trecho de Barry BUZAN (1996, p.
48) resume bem este argumento:
63
SODUPE (1992, p. 186-187); ASHWOTH (2002, p. 11-12).
37
Já Peter WILSON, na linha da escola de revisão histórica deste período
acadêmico, comenta que poucos autores desse grupo aceitariam tal rótulo.
Segundo ele, este idealismo, tal como descrito freqüentemente nas auto-imagens
de RI, nunca existiu. WILSON coloca então a seguinte questão: “if interwar
‘idealism’ never existed as a school of thought properly so-called – if it is merely
a rhetorical device invented by Carr to discredit a wide range of things he
happened to disagree with – than what did exist?”. É verdade, entretanto, que
neste amplo grupo de distintas orientações, a grande maioria dos escritores sobre
questões internacionais durante o período entre-guerras trabalharam dentro da
tradição de pensamento que poderia ser amplamente rotulada como
internacionalismo liberal64.
“´Idealism´ covers a wide array of writers and political positions and, in many
respects, a far better approach would be to label thinkers such as David Mitrany,
David Davies, Leonard Woolf and Alfred Zimmern as ´liberal internationalists´.
This is a term that they would themselves have broadly accepted and distinguishes
them from other more ´utopian´ writers such as H.G. Wells, as well as Marxists
who were committed to a very different project in the interwar years of socialist
internationalism”.
Segundo RICH, o internacionalismo liberal tornou-se um corpo
desenvolvido no pensamento político da Europa e dos Estados Unidos ao longo
do século XIX. Ele explica ainda que o internacionalismo liberal surgiu na
Europa lado a lado com o nacionalismo, nascido como conseqüência da
Revolução Francesa, no final do século XVIII. O internacionalismo liberal,
continua, aproximou-se de conceitos de paz e desenvolveu-os como “part of a
vision of international order that was linked to justice” (RICH, 2002, p. 117-118).
De acordo com este pensamento, a paz per se não necessariamente denotaria um
estado ideal a ser atingido, se o fosse atingido através das conquistas militares
como as de Napoleão ou de Bismarck. Era necessário desenvolver, em seu lugar,
uma idéia de ordem internacional fundada em uma estrutura legal que
64
ASHWORTH (2002, p. 34).
38
assegurasse direitos individuais e liberdades, bem como o direito à
autodeterminação nacional.
39
povos”65. Além destes pontos, também os catorze pontos incluíam outros tópicos,
como o fim da diplomacia secreta, a livre-navegação marítima e a limitação de
equipamentos bélicos66.
65
GUIMARÃES (2001, p. 44).
66
ARRUDA (1991, p. 289).
67
SODUPE (1992, p. 185).
40
David MITRANY e Norman ANGELL. Em virtude de uma série de fatores
individuais e históricos, os pensamentos destes autores diferem em larga escala
uns dos outros. Curiosamente, como afirmaram diversos autores, a produção
intelectual do período entre-guerras é muito pouco explorada neste campo de
estudos. Somente nos últimos dois lustros a literatura daquele período tem sido
investigada pelos estudiosos que se denominam historical revisionists68.
68
Uma boa coleção destes estudos foi publicada, em 2002, na edição de abril do periódico International
Relations, cujo número foi inteiramente indicado à produção intelectual do entre-guerras. Utilizamos,
neste trabalho, os artigos de SCHMIDT, ASHWORTH, PARMAR, PORTER e RICH.
69
WILSON (1998, p. 8).
70
WILSON (1998, p. 9).
41
democráticos pelo mundo. Conforme anotou WILSON: “the duty of the scholar
was to educate the masses in peace and internationalism”.
“A Liga das Nações foi de fato estabelecida como parte do acordo de paz e
revelou-se um quase total fracasso, a não ser como uma instituição coletora de
estatísticas. Contudo, em seus primeiros dias resolveu um ou duas disputas
menores, que não punham a paz mundial em grande risco, como a da Finlândia e
Suécia sobre as ilhas Åland. A recusa dos EUA a juntar-se à Liga das Nações
privou-a de qualquer significado real.”
A Liga não conseguiu tomar as medidas quando era necessário. Segundo
HOBSBAWN (1994, p. 44), houve alguns marcos miliares na estrada que conduziu
à Segunda Guerra Mundial. Entre os marcos rumo à guerra, estão as agressões
pelas três potências insatisfeitas (Alemanha, Itália e Japão), que já se
encontravam ligadas por uma série de tratados desde meados da década de 1930:
a invasão da Manchúria pelo Japão, em 1931; a invasão da Absínia pela Itália,
71
HUGHES (????, p. 59).
42
em 1935; a intervenção ítalo-germânica na Guerra Civil Espanhola (1936-1939);
a invasão da Áustria pela Alemanha, no início de 1938; a destruição da
Tchecoslováquia, também em 1938, e a ocupação alemã do que restou do ataque,
em março do ano seguinte; e a ocupação italiana da Albânia, logo em seguida.
Ao final, como marco histórico fundamental, as exigências alemãs à Polônia, que
de fato levaram ao início efetivo da guerra.
43
internacional; em um sentido mais restrito e no contexto atual, são os Estados
nacionais” (ROCHA, 2002, p. 265).
72
SODUPE (1992, p. 187).
73
Alguns textos foram utilizados, em conjunto, para os parágrafos que seguem: G UIMARÃES (2001);
ROCHA (2002); SODUPE (1992); DOUGHERTY & PFALTZGRAFF (1993); VIOTTI & KAUPPI (2001); BEDIN
(????);
74
SODUPE (1992, p. 187-188).
44
conseqüência, os realistas vêem com descrédito o papel do Direito Internacional
(rule of law) e das Organizações Internacionais.
45
ainda mais realista à ciência, desprezando a construção de modelos ideais para
analisar somente o mundo do ser. Logo no início de sua obra o autor expôs as
suas correntes:
“Em primeiro lugar, a história é uma seqüência de causa e efeito, cujo curso se
pode analisar e entender através do esforço intelectual, porém não (como os
utópicos acreditam) dirigida pela ‘imaginação’. Em segundo lugar, a teoria não cria
(como presumem os utópicos) a prática, mas sim a prática é quem cria a teoria. (...)
46
Em terceiro lugar, a política não é (como pretendem os utópicos) uma função da
ética, mas sim a ética o é da política.” (CARR, 1939 [1981], p. 86)
É inegável a influência da obra de CARR no campo teórico das RI.
Como argumenta Eiiti SATO, “Vinte Anos de Crise não é uma obra teórica, mas
sim um esforço de interpretação de uma realidade conturbada e perturbadora que
era o mundo dos anos do entre-guerras. As categorias teóricas são instrumentos
que ajudam a entender essa realidade, organizando e dispondo os fatos e as
possibilidades”. E comenta: “Essa é, na verdade, uma característica comum às
obras que permanecem”75 .
75
SATO in Prefácio à nova edição brasileira e CARR (2001 [1939]).
47
inerência, um mundo de interesses opostos e de conflitos entre estes, não podem
nunca os princípios morais ser inteiramente realizados, mas devem, o mais
possível, ser aproximados através do equilíbrio sempre provisório dos interesses e
da solução sempre precária dos conflitos. Esta escola vê num sistema de restrições
e de equilíbrios um princípio universal para todas as sociedades pluralistas. Ela
invoca o precedente histórico, em vez dos princípios abstratos e tende para a
realização do mal menor em vez do bem absoluto.” (MORGENTHAU, 1948 [1990],
p. 131)
Assim como CARR, seu antecessor realista, MORGENTHAU
compreendia as relações internacionais como um ambiente no qual prevalecia a
política do poder. Ele formulou, no início de sua obra de 1948, o que identificou
como seis princípios do realismo político:
“1. O realismo político acredita que a política, tal como a sociedade em geral, é
governada por leis objetivas que têm suas raízes na natureza humana; 2. O
principal marco indicador que ajuda o realismo a encontrar o seu caminho no
domínio da política internacional é o conceito de interesse definido em termos de
poder; 3. O realismo não dota o seu conceito chave de interesse definido como
poder, de um significado fixado de uma vez por todas; 4. O realismo político está
consciente do alcance moral da ação política. Ele está também consciente da
inelutável tensão entre o imperativo moral e as exigências da ação política bem
sucedida; 5. O realismo recusa-se a identificar as aspirações morais de uma dada
nação com as lei morais que regem o universo; e 6. Em conseqüência, a diferença
entre o realismo político e as outras escolas de pensamento, é real e profunda. (...)
Intelectualmente, o realismo político sustenta a autonomia da esfera política, como
o economista, o jurista e o ético o fazem para as suas esferas.” (MORGENTHAU,
1948 [1990], p. 131-147)
Do outro lado do Atlântico, na Grã-Bretanha, também os argumentos
realistas tiveram bastante influência nos meios acadêmicos. O inglês Martin
WIGHT foi responsável pela propagação da corrente realista de pensamento,
embora sua obra possua um caráter que nem sempre permite classificações muito
estritas. Entretanto, como comentou GUIMARÃES (2002, p. 25-26), existem cinco
aspectos que caracterizam sua principal obra, publicada pela primeira vez em
1946, A Política do Poder, que, em conjunto, indicam seu posicionamento
realista. Em primeiro lugar, o autor analisa fundamentalmente o sistema de
Estados europeu, embora teça algumas considerações sobre o sistema
internacional que já não era mais meramente europeu. Em segundo lugar, WIGHT
busca compreender as relações entre Estados, desconsiderando outros atores
sociais. Em terceiro lugar, a obra trata essencialmente das relações de natureza
política, tratando muito pouco dos aspectos econômicos que permeavam os
48
assuntos internacionais. O penúltimo aspecto do livro é o mais significativo para
a sua classificação como um realista:
“Pelo seu título e conteúdo, a obra é associada à escola realista, embora não se
vislumbre intenção do Autor de apresentar uma teoria global da política
internacional – como MORGENTHAU (1948) o faz –, mesmo porque ele não
descreve sua posição como realista, não a apresenta como alternativa ao utopismo,
nem procura fazer uso da análise marxista da ideologia – como CARR (1939) o faz
–, não ataca o ‘moralismo’ nem propõe que sua análise sirva de inspiração para a
prática – como KENNAN (1952) o faz;”
O quinto e último aspecto da obra de WIGHT apontado por
GUIMARÃES diz respeito à ausência de preocupação do autor em levar em
consideração os trabalhos posteriores aos seus primeiros estudos na área de RI,
bem como em levar em consideração os debates teórico-metodológicos, como o
enfrentamento entre os tradicionalistas e os behavioralistas, que será abordado na
seção 3.2, logo adiante.
“O curso de duas décadas que vinculam o ano de 1947 ao de 1968, no âmbito das
relações internacionais, foi ditado pela supremacia de dois gigantes sobre o mundo.
Os Estados Unidos e a União Soviética assenhoraram-se dos espaços e criaram um
condomínio de poder que só foi abalado no final da década de 1960 e início da de
70” (SOMBRA SARAIVA, 2001, p. 19).
49
Depois de havermos exposto as posições e a influência que exerceram,
embora em momentos históricos distintos, o Idealismo e o Realismo, concluímos
com algumas palavras sobre a imagem do debate entre eles. Conforme
comentado brevemente na introdução deste capítulo, alguns autores, que se
denominam como revisores da história deste período do pensamento
internacional, têm apresentado visões sobre o debate que divergem – ou ao
menos se adicionam a elas – das narrativas predominantes.
76
WILSON (1998, p. 2-6).
50
“The construction of a realist-idealist debate is important because it justifies the
marginalization of liberal internationalism. The conventional wisdom in IR holds
that idealism (associated with liberal internationalist ideas and writers) was beaten
in a ‘Great Debate’ with realist thinkers such as Carr, Morgenthau and Niebuhr.”
(ASHWORTH, 2002, p. 34)
De forma semelhante a WILSON, ASHWORTH relata algumas das respostas
dos idealistas às críticas de CARR. Autores criticados por CARR, como Norman
ANGELL, Leonard WOOLF, Richard COVENTRY e Alfred ZIMMERN, escreveram,
sim, respostas à obra Vinte Anos de Crise, além de severas críticas a
MORGENTHAU, autor de Politics Among Nations.
51
3.2 O SEGUNDO GRANDE DEBATE: A ABORDAGEM
TRADICIONAL E A REVOLUÇÃO BEHAVIORALISTA
55
Os estudos realizados neste campo de estudos, até a década de 1950,
independente das orientações teóricas ou das visões de mundo apresentadas,
resultavam de esforços baseados na abordagem tradicional – nesta abordagem
trabalharam, por exemplo, tanto os chamados idealistas, como seus críticos
realistas. Nesse sentido, BULL comenta ser fácil identificar esse enfoque nas
várias sistematizações levadas a efeito a partir do século XX, em “trabalhos
como os de Alfred Zimmern, E. H. Carr, Hans Morgenthau, Georg
Schwartzenberger, Raymond Aron e Martin Wight”. Acrescenta ainda,
chamando de clássica esta abordagem das relações internacionais, que este
mesmo enfoque foi utilizado pelos precursores do campo, desde filósofos
políticos como Maquiavel e Burke, até historiadores, como Heeren e Ranke,
passando por juristas internacionais, como Vattel e Oppenheim, e panfletistas,
como Gentz e Cobdem.
56
também ter exercido um papel importante sobre o conteúdo da chamada ´pesquisa
da paz´”.
Como ocorre com todos os agrupamentos de teóricos, em certa medida
geralmente arbitrários, também existem discrepâncias no seio da corrente
behavioralista. Essa abordagem apresenta-se de maneira diferente nos diversos
autores citados por BULL, que justifica o agrupamento pela necessidade de
limitá-los para a formulação da crítica, destacando entretanto que “é perigoso
reuni-los todos em um só feixe e quase inevitável que as críticas dirigidas ao
grupo como um todo sejam injustas para com alguns de seus componentes”.
“Nos últimos dez anos, a escola científica evoluiu, nos Estados Unidos, de
atividade bizarra de alguns estudiosos do meio acadêmico das relações
internacionais para uma situação em que pode ser considerada, sem muito esforço,
como a nova metodologia ortodoxa da matéria. A entrega do prêmio de melhor
estudo do ano de 1963, pela American Political Science Association, a um
partidário da escola clássica (Inis Claude, autor de Power and International
Relations) teve já a aparência de uma ação perversa da retaguarda.”
O texto de BULL, é bom que se recorde o leitor, foi publicado em 1966. A
influência da corrente behavioralista vinha se fazendo ouvir nos meios
acadêmicos de RI desde a segunda metade dos anos 1950. Entretanto, a
influência foi diferente em cada lado do eixo anglo-americano de produção de
discursos teóricos. A academia estadunidense sofreu um impacto
incomparavelmente superior desta novel abordagem, se comparado aos efeitos
produzidos entre os estudiosos britânicos. BULL comenta esta diferença:
57
Passemos então às críticas propriamente ditas formuladas por BULL à
abordagem científica. Segundo ele, a contribuição da escola científica para o
desenvolvimento da TRI vinha sendo e havia de continuar a ser pequena.
Entretanto, por ser perigosa para o campo de estudos, merecia ser analisada e
criticada de maneira racional e cuidadosa. E apresentou então sete proposições
contra o avanço da escola científica.
58
lista de questões destas naturezas (moral e empírica), que devem ser e só podem
sê-lo com o uso da abordagem clássica. Os behavioralistas, quando precisam
respondê-las, são sempre obrigados a evitá-las ou a abandonar seu próprio código
e recorrer, “abruptamente e sem reconhecê-lo publicamente, aos procedimentos
da escola clássica”. Eis a lista exemplificativa destas questões, um pouco
extensa, mas que demonstra o alcance dessa crítica:
59
internacionais, BULL afirma que o que há de mais esclarecedor no trabalho – suas
observações a respeito da violência na política internacional – pode ser
categorizado como “julgamentos insuscetíveis de comprovação e teste, não tendo
sido e não podendo ser demonstradas por seu trabalho formal na teoria dos jogos
e da barganha” (BULL, 1990, p. 41). Estas observações esclarecedoras de
SCHELLING seriam, então, fruto da associação de seu interesse pelas técnicas
utilizadas com um sentido agudo de julgamento político, bem como a sua
habilidade filosófica ao desenvolver os problemas em termos de seus elementos
básicos. Os behavioralistas, segundo BULL, só contribuíram de maneira
significativa para a compreensão das relações internacionais quando se valeram
precisamente dos recursos abordagem tradicionalista por eles próprios criticados.
60
O ataque seguinte, desferido diretamente contra Morton KAPLAN, mas
estendido a toda a escola científica, vem na forma contida na quarta proposição:
“eles prestaram um grande desserviço à teoria política concebendo-a como uma
atividade de construção e manipulação dos chamados ´modelos´”. BULL afirma
que, em sentido estrito, um modelo é um sistema dedutivo de axiomas e
teoremas. Porém, segundo ele, a popularização do termo findou por retirar-lhe o
rigor e coerência, sendo utilizado corriqueiramente para designar simples
metáforas ou analogias.
O uso de modelo, anota BULL, por mais valioso que tenha se revelado no
campo da economia e de outras matérias, revela-se deplorável no campo da
política internacional. Ele expõe o porquê da defesa dos modelos pelos
partidários da escola científica, para depois duvidar da contribuição destes para a
compreensão das relações internacionais:
“As dificuldades surgem quando o empenho em contar e medir nos leva a ignorar
diferenças importantes entre os fenômenos que estão sendo contados ou medidos, a
atribuir a esses fenômenos uma significação que eles não têm, ou a nos deixarmos
levar pelas abundantes possibilidades de contagem que nosso campo oferece, a
62
ponto de não nos ocuparmos das indagações qualitativas que, na maioria dos casos,
entre são mais frutíferas” (BULL, 1990, p. 51).
BULL direciona suas críticas, neste ponto, aos estudos realizados por dois
partidários do behavioralismo: Karl DEUTSCH, e seu discípulo Bruce RUSSET.
Estes autores, em 1957 e 1963, respectivamente, se propuseram a investigar os
vínculos comunitários existentes entre as nações diferentes (Political Community
and the North Atlantic Area: International Organization in the Light of
Historical Experience, e Community and Contention: Britain and America in the
Twentieth Century). Para tanto, procuraram medir a comunicação social,
utilizando uma grande quantidade de dados estatísticos (referentes, por exemplo:
à proporção do total de recursos disponíveis que é dedicada ao comércio; à
proporção do total de correspondência enviada que se destina ao exterior, ou a
um destino particular; à relação entre acordos internacionais concluídos entre os
países investigados e o total de acordos concluídos entre os países investigados e
o total de acordos concluídos; à quantidade de bolsas de estudos; ou a “análises
de conteúdo” de jornais e literatura especializada).
“na prática, tendemos a respeitar tais dados estatísticos apenas nos casos em que
eles confirmam impressões intuitivas que já tínhamos como, por exemplo, quando
os números de Russett confirmam, como de fato muitas vezes os fazem, o
julgamento, que fazemos com grande segurança de que, à medida que transcorre
este século, os Estados Unidos se tornam relativamente mais importantes para a
Grã-Bretanha que vice-versa.” (BULL, 1990, p. 51)
E mais adiante conclui, acerca do esforço dos dois autores mencionados:
“Sem dúvidas, também, os elementos mais pertinentes por eles desenvolvidos
são os julgamentos qualitativos que conseguem emitir a respeito da história
contemporânea.” (BULL, 1990, p. 51)
63
precisão: “a teoria da política internacional requer maior rigor e precisão, mas o
tipo de rigor e precisão que o tema admite pode ser facilmente obtido dentro do
método clássico” (BULL, 1990, p. 52).
64
Esta última proposição é de extrema relevância, sobretudo pela crítica
apresentada à suposta neutralidade moral auto-atribuída pelos behavioralistas.
Comentando uma obra de Bernard CRICK, The American Science of Politics,
BULL afirma que pode haver poucas dúvidas a respeito da seguinte afirmação:
65
à semelhança do adotado nas Ciências Naturais, e os Tradicionalistas se
mantendo fiéis ao modelo científico herdado de outras Ciências Sociais.
78
Alexander WENDT em 1987 publicou no prestigiado periódico International Organization um
excelente artigo no qual apresentava o problema e as soluções possíveis do mesmo. Neste
trabalho o autor construtivista aponta a emergência, a partir da década de 1970, das
preocupações com o problema agente-estrutura em outras ciências sociais, como Geografia,
Sociologia, História Social, entre outras indicadas por ele (1987, p. 338).
79
WENDT (1987, p. 337): “(…) 1) human beings and their organizations are purposeful actors
whose actions help reproduce or transform the society in which they live; and 2) society is made
up of social relationships, which structure the interactions between the purposeful actors”.
66
compõem. BUZAN (1995, p. 200) realiza uma boa descrição comparada das duas
perspectivas:
Foi a obra de Kenneth WALTZ, Man, the State and War, de 1959, a que
teve o maior impacto nas RI, no que diz respeito à preocupação com o nível de
análise. Realizando uma ampla revisão da literatura que se preocupava em
investigar as causas da guerra, WALTZ identificou a existência de três grupos de
67
autores80. Cada grupo, segundo ele, utilizava-se de uma imagem, representando
um nível de análise distinto: o indivíduo, a sociedade ou o Estado e o sistema
internacional:
80
Certamente, pelas dimensões da revisão bibliográfica realizada por WALTZ nesta obra, surgia,
ainda que timidamente, uma autoconsciência do campo de estudos de RI, como anotado por
WILSON (1998, p. 8).
68
Essa discussão predominantemente epistemológica teve a atração
verificada no campo de estudos, sobretudo, porque aumentou a independência do
campo de estudos de RI com relação à Ciência Política, como percebe BUZAN
(1995, p. 201): “The system level also had the attraction that it increased the
distinctiveness of international relations as a field, and gave some hope of establishing a
claim to be a discipline in its own right”.
“LIJPHART argues that the second ‘great debate’ was much more important than the
first debate, because it involved a more fundamental dispute than that between
realism and idealism. As he notes, both realism and idealism were part of the
traditional paradigm opposed in the second debate by the scientific paradigm”
(SMITH, 1995, p. 15).
Outros, como John VASQUEZ e Steve SMITH, consideram que este
debate seria metodológico e a-teórico, já que estaria mais preocupado com a
questão sobre os métodos para melhor alcançar conhecimento científico nas
Relações Internacionais. SMITH argumenta que BULL e KAPLAN, normalmente
caracterizados como os protagonistas deste debate, teriam visto o mesmo mundo
e explicado este mundo de modos similares, embora utilizando métodos distintos:
“As John VASQUEZ (1983) has shown, the debate between traditionalists and
behaviouralists was not a debate about theory but one limited to methodological
questions. (…) They shared a view of what the world of international relations was
like (its ontology), and saw similar processes at work in inter-state relations. BULL,
however, chose to study this via what were termed traditional methods whilst
KAPLAN came to very much the same conclusions by using ‘scientific’ language.
Ontologically, though, their underlying theories of international relations were
essentially identical” (SMITH, 1995, p. 17).
O próprio debate, ao lado desta divergência escolar, permanece em aberto,
resultando em um impasse. Mas ao Segundo Grande Debate não se pode negar o
mérito de haver trazido ao campo consciência de si mesmo, dos problemas
69
metodológicos, epistemológicos e ontológicos. No mais, os debates, nas Ciências
Sociais, normalmente não fecham questões.
70
3.3 O DEBATE INTERPARADIGMÁTICO: REALISMO,
PLURALISMO E GLOBALISMO
71
constatado que, durante muitos anos, às RI coube a duvidosa honra de ser a
menos auto-reflexiva de todas as Ciências Sociais.
Urge destacar, entretanto, que o termo ciência, utilizado por KUHN, tem
um sentido bastante específico em sua obra. O termo refere-se às Ciências
Naturais, exclusivamente. Não obstante tal fato, suas idéias foram aplicadas às
RI, embora fossem formuladas para outra área do conhecimento, segundo o
próprio autor delimitara. Ironicamente, ele conta em seu prefácio que a
convivência com cientistas sociais, durante um período de pesquisa (em 1958-
1959, no Center for Advanced Studies in the Behavioral Sciences), serviu para
perceber uma importante diferença entre as Ciências Naturais e Sociais:
81
SODUPE (1992, p. 167).
82
Embora o livro haja sido publicado originalmente no ano de 1962, utilizaremos aqui a edição de 1970,
em sua tradução brasileira. A edição utilizada possui um posfácio, de 1969. Trata-se de um apêndice
muito interessante, no qual ele sustenta que seu ponto de vista não havia se modificado, no fundamental,
mas que era necessário eliminar alguns mal-entendidos e aspectos de sua formulação original que criaram
dificuldades.
72
“Fiquei especialmente impressionado com o número e a extensão dos desacordos
expressos existentes entre os cientistas sociais no que diz respeito à natureza dos
métodos e problemas científicos legítimos. (...) A tentativa de descobrir a fonte
dessa diferença levou-me ao reconhecimento do papel desempenhado na pesquisa
científica por aquilo que, desde então, chamo de ´paradigmas´. Considero
´paradigmas´ as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante
algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de
praticantes de uma ciência.” (KUHN, 1970, p. 13).
No estudo em comento, o paradigma torna-se a unidade fundamental para
a análise do desenvolvimento científico. Justificando a adoção desta unidade para
o estudo da história de determinadas ciências, KUHN afirmou que:
73
paradigmas, bem como uma ausência de acordo em torno de questões
consideradas básicas. Mais do que conduzir investigações sistemáticas da
realidade, os especialistas estão engajados na defesa dos respectivos enfoques
paradigmáticos.
74
Ao final desta querela entre os paradigmas, pode haver a substituição
dos mesmos. Assim, com a aceitação do paradigma pelo conjunto da comunidade
científica, consuma-se uma revolução científica. Com as crises e revoluções, a
ciência transita a novos estágios. Destaque-se que o critério para a substituição
do paradigma velho por um novo não é a aceitação por um determinado
indivíduo ou grupo de indivíduos, mas sim pelo conjunto da comunidade
científica.
O critério para a aceitação é, então, fundamentalmente intersubjetivo.
Esse é um dos pontos mais controvertidos da obra de KUHN. Segundo ele, não há
razões lógicas que possam demonstrar a superioridade de um paradigma sobre o
outro, justificando assim a substituição. Os paradigmas são, nesse sentido,
incomensuráveis: inexiste um ponto neutro para avaliar os paradigmas; esses são
julgados, cada qual, segundo seus próprios padrões:
“Así, los defensores de paradigmas opuestos rechazarán las premisas de su rival, y
por tanto, difícilmente serán convencidos por sus argumentos. De aquí que Kuhn,
equiparando las revoluciones científicas a las revoluciones políticas, haya afirmado
que su triunfo depende no tanto de procesos de ‘persuasión’ o ´conversión´, que
conducen a la comunidad científica a abrazar los presupuestos de una nueva
construcción paradigmática” (SODUPE, 1992, p. 170)
Embora não haja razões lógicas, KUHN indica quesitos que podem
influenciar na adoção de um paradigma. Em primeiro lugar, a capacidade de
resolver problemas que eram insolúveis, pelo paradigma velho. Além disso, a
simplicidade do novo enfoque, se ele possui no mínimo a mesma capacidade
explicativa. Ao final, a promessa de desenvolvimento científico mais frutífero
também pode ser uma munição para persuadir a comunidade acadêmica
especializada.
75
que A Estrutura de KUHN vinha adquirindo entre os cientistas de várias áreas do
conhecimento.
76
Finalmente, mais um fator que corroborou no sentido da formação
desta idéia de debate interparadigmático consiste em um fato externo ao campo
de estudos das RI: a considerável divulgação e influência que vinham adquirindo
as formulações de KUHN em outras áreas do conhecimento. E aqui estamos nos
referindo tanto às ciências naturais quanto às sociais. A influência nestas últimas
demonstrava como, por vezes, as idéias desvinculam-se até mesmo da vontade do
autor. KUHN formulara sua Estrutura para ser aplicada somente às ciências
naturais, mas os cientistas sociais, a despeito da vontade autoral, insistiam na sua
aplicação também a suas áreas.
“This categorization of international theory has been influential since the mid-
1980, being the organizing schema for major texts and readers (Little and Smith,
1991; Olson and Groom, 1991; McGrew and Lewis, 1992; Viotti and Kauppi,
1993) and the starting point for many studies of contemporary international theory
(see, for example, Holsti, 1985; Hoffman, 1987; Whitworth). It was first adopted
by Michael Banks (see 1984, 1985) in 1984 and refers to the situation in
international theory in the aftermath of the behavioral ´revolution´.” (SMITH, 1995,
p. 18)
Ao lado da propagação desta categorização existem severas
divergências quanto à nomenclatura, resultando em uma confusão terminológica.
Os estudiosos permanecem sem realizar um esforço significativo no campo
semântico, que pudesse reduzir o relevo desta confusão:
“Numerous variations exist with authors adding a fourth or fifth, subdividing one
or another of the basic paradigms, etc. The image of the triangle, however, has
been the one to be used most often as a guiding metaphor for the discipline. The
term ´inter-paradigm´ debate arouses in most scholars the image of three
competing paradigms, and the more important than the number is the form and
content of debate, the meeting of incommensurable paradigms.”
Paralelamente, verifica-se também o procedimento comum adotado
pelos autores: geralmente são formuladas algumas premissas para serem
utilizadas como guia de identificação das interpretações das relações
internacionais dos diferentes paradigmas. SODUPE exemplifica autores e utiliza o
mesmo procedimento:
78
Neste trabalho, para diferenciá-los, utilizaremos o procedimento adotado
pelos referidos autores. Utilizaremos como guia algumas premissas ou, de outra
forma, algumas questões básicas, acompanhadas das respectivas posições ou
respostas de cada paradigma. Buscaremos, desta forma, expor de maneira clara
cada paradigma, destacando: sua origem, a visão de mundo ou as características
essenciais de cada enfoque, enfim, as premissas fundamentais adotadas pelos
especialistas acerca das relações internacionais, a realidade estudada. Segundo as
narrativas que aplicam as idéias de KUHN às RI, o contexto histórico teria sido
fundamental para a elaboração destes discursos teóricos, por constituírem
“anomalias” que desafiavam o paradigma predominante – identificado como
sendo o realista. Concordemos ou não com esta visão, urge relacionar os
discursos teóricos ao contexto de sua formulação. E assim será feito83.
83
Nesta parte que segue, utilizaremos o conhecimento reunido de diversos bons trabalhos consultados a
respeito do debate interparadigmático: GUIMARÃES (2001), SODUPE (1992), SMITH (1995), ROCHA (2002),
BUZAN (1996), LITTLE (1996), WALLERSTEIN (1996), VIOTTI & KAUPPI (1987) e WÆVER (1996, 1998).
79
Para o Realismo, os Estados, atores centrais, preocupam-se
fundamentalmente com as questões relacionadas à luta pelo poder, visando a
preservação de sua soberania e de sua segurança. Resulta daqui uma distinção
que será importante adiante: high politics e low politics. A primeira, segundo os
realistas, está relacionada ao temas de segurança nacional, enquanto a segunda,
cuja lógica está submetida à primeira, engloba os demais temas, como economia,
comércio, direitos humanos, bem-estar e meio-ambiente, para citar alguns
exemplos (VIOTTI & KAUPPI, 1987, p. 36).
80
Adotando essa visão, SODUPE afirma que o Pluralismo (chamado por ele
de Globalismo) tratou de responder às anomalias representadas pelo aumento da
cooperação entre os Estados, especialmente o aprofundamento da integração
européia, bem como pelo papel crescente dos atores transnacionais,
principalmente as empresas multinacionais e os movimento ideológicos de
caráter religioso e político. O Globalismo (que ele denomina Estruturalismo), por
outro lado, teria centrado suas atenções sobre as profundas desigualdades
econômicas do mundo, resultado do caráter assimétrico das relações entre os
Estados (SODUPE, 1992, p. 194-195).
“In the late 1960s and throughout the 1970s, there was increasing criticism of the
dominant realist paradigm, not primarly its methodology, but its image of the
world, its alleged state-centrism, preoccupation with power and its blindness to
various kinds of processes domestically, transnationally and beyond the political-
military sphere.”
Pois bem, vamos apresentar brevemente estes desafios: primeiro o
Pluralismo, depois o Globalismo. Surgidos praticamente no mesmo momento
histórico, cada um desses paradigmas apresentou uma concepção alternativa que,
embora tivessem em comum a crítica ao Realismo, diferem entre si
consideravelmente, como veremos.
Em primeiro lugar, vamos tratar das origens do paradigma pluralista.
Identificar as heranças intelectuais do pensamento pluralista é tarefa hercúlea.
Isso porque se trata de um paradigma que contém em si uma grande variedade de
formulações. Além disso, como destacou LITTLE (1996, p. 70), “to trace the
intellectual heritage of pluralism it is necessary first to cut through the dense
foliage of long-established views about the evolution of the discipline”. O que
LITTLE intenta destacar é a necessidade de se desmanchar algumas das mais
predominantes narrativas existentes no campo.
Caminhando nessa mesma rota, o autor SCHMIDT (2002, p. 9-31), que faz
parte do esforço revisionista ao qual nos referimos na seção 3.1, procura abordar
81
o surgimento do pensamento pluralista antes mesmo da Primeira Guerra
Mundial. Segundo ele, os pluralistas surgiram nos anos que se seguiram ao
reconhecimento da política internacional como uma seção da American Polítical
Science Association, em 1903. Contrapondo-se à centralidade do Estado na
política internacional, aqueles que aderiam à visão pluralista
“shared the belief that the concentration of power in the hands of the state
represented a dangerous threat to the liberty of the individual and to the peace of
the world. They argued that power should be diffused so as to allow for the
autonomous functioning of numerous groups and associations” (SCHMIDT, 2002, p.
16)
Naquele contexto histórico e intelectual do começo do século XX, o
pluralismo criticava a teoria jurídica do Estado, que destacava o conceito de
soberania, até então conceito central na definição do escopo da Ciência Política.
De acordo com esta juristic theory (termo utilizado por SCHMIDT, 1992), “the
state was seen as instrumentality for the creation and enforcement of law”, sendo
conceituado por Westel WILLOUGHBY, um de seus principais proponentes, como
“a communnity of individuals effectively organized under a supreme authority”
(SCHMIDT, 2002, p. 16. A soberania era, então, o principal tópico de preocupação
dos cientistas políticos, e considerada como princípio constitutivo do próprio
Estado, com suas conseqüências internas (monopólio do uso legítimo da força), e
internacional (independência, ou completa liberdade de controle legal externo).
82
visão mais fragmentada da sociedade, os pluralistas buscavam realçar a
diversidade de grupos e interesses existentes nela:
“The pluralists vehemently opposed the notion that there was an essential unity and
absoluteness of the state. They rejected this claim in both empirical end normative
grounds. According to the pluralists, society, which they insisted represented more
than the sum of its parts, consisted of a multiplicity of autonomous groups and
associations, which stood in stark contrast to the unitary view of the state put forth
by the monists. Moreover, the autonomous functioning of the various groups
present in society was held by the pluralists to be crucial to the political and social
health of individuals” (SCHMIDT, 2002, p. 18)
No lugar dessa imagem de Estados unitários, independentes e autônomos,
que interagem em um estado de natureza internacional, os pluralistas enfatizavam
como o grau de interdependência entre os Estados e as pessoas estava
empurrando a sociedade internacional “in which a multiplicity of diverse group
entities found themselves bound together in the pursuit of various sets of
interests” (SCHMIDT, 2002, p. 23).
83
now so firmly established that the existence of a pluralist tradition has been
largely overlooked.”
“It was argued, in particular, that the division between international and domestic
politics was breaking down and that, as a consequence, not only were the
boundaries separating states dissolving, but also, that international politics was
becoming domesticated in the process (Hanreider, 1978; Morse, 1970; Wagner,
1974). These developments were associated specifically with the evolution of
transnationalism and interdependence and the analysts who focused on these
putative new features of the international system came to be labeled as pluralists.”
A retomada do pensamento pluralista, na década de 1970, teve início com
o trabalho dos chamados transnacionalistas (SODUPE, 1992, p. 195). Dois
autores foram fundamentais para a elaboração dessa perspectiva: Robert
KEOHANE e Joseph NYE. Juntos, publicaram diversos importantes trabalhos que
traçam a evolução da tradição pluralista durante os aquela década (de 1971 a
1977). A discussão (quando da crítica pluralista dos transnacionalistas) estava
voltada para a resposta à questão quais atores devem ser considerados para
análises das RI. Mais precisamente, esta disputa intelectual deitava a atenção
sobre o papel do Estado – central para os realistas – e de outros atores
internacionais, desde organizações internacionais e empresas multinacionais, até
corporações religiosas ou organizações não-governamentais – considerados pelos
transnacionalistas como peças também importantes na arena política
internacional84.
84
O desafio dos transnacionalistas teve considerável repercussão nas RI. MAGHROORI &
RAMBERG, isto em 1982, chegaram a afirmar que este debate seria o Terceiro Grande Debate.
Este se desenvolveria entre os realistas estatocêntristas e os transnacionalistas (SMITH, 1995, p.
21): “At its simplest, the dispute is between state-centrists (who also happened to be realists in
the first debate, and traditionalists in the second), and globalists, or transnationalists (who
tended to be idealists and behavioralists in the previous two debates), over the role of the state
in international politics”.
84
A distinção que os realistas realizaram entre high politics e low politics,
perde o sentido para o paradigma pluralista. Conforme afirma SODUPE, os
pluralistas (que o autor denomina como “globalistas” ainda consideram as
questões relacionadas à guerra e à paz importantes. No entanto, estas questões
andam lado a lado com as que os realistas relegavam ao segundo plano:
“Si bien la dilución del papel del Estado la primacía de la ‘alta política’ ha tendido
a ceder ante la creciente importancia de la ´baja política´, los globalistas No
obstante, en un mundo interdependiente estas cuestiones se hallan
inseparablemente unidas a problemas tales como los referentes a los derechos
humanos, el balance ecológico, el bien-estar económico mundial, la
sobrepoblación, etc.” (SODUPE, 1992, p. 198)
Cabe ressaltar, entretanto, que o trabalho dos transnacionalistas, embora
criticasse a visão excessivamente estatista do sistema internacional, não negaram
ao Estado um papel relevante nas relações internacionais. Intentava-se, com as
novas formulações, a incorporação de novos atores e processos de natureza não-
estatal:
85
Seguindo a idéia do debate interparadigmático, tratamos agora do último
paradigma envolvido: o Globalismo. A visão de mundo do paradigma
corresponde a um sistema econômico integrado, o sistema capitalista mundial, no
qual suas diferentes partes, regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas, às quais
são assinaladas funções econômicas diferenciadas, encontram-se separadas por
profundas desigualdades (SODUPE, 1992, p. 182).
“We have avoided the label Marxism [grifo no original] because there are both
Marxists and non-Marxists who work within what we have chosen to call the
globalist image. (…) we think globalismo [grifo no original] is particularly apt for
those who see the capitalist world system [grifo no original] as their starting point
or who focus on dependency [grifo no original] relations within a global political
economy. As already noted (…), we are not alone in using the term globalism in
this context.”
Como ficou claro no final do trecho acima, existem duas abordagens
diferentes, ou duas correntes, no paradigma globalista. A primeira ficou
conhecida como “teoria da dependência”, enquanto a segunda pode ser traduzida
por “teoria do sistema-mundo” (world-system theory)85.
85
SODUPE (1992, p. 201) e VIOTTI & KAUPPI (1987, p. 341).
86
A primeira corrente é representada sobretudo por autores latino-
americanos. O pensamento surgiu no seio da Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL) e da United Nations Conference on Trade and
Development (UNCTAD). Significativo deste vínculo institucional inicial é o
fato de um dos autores indicados como teórico da dependência haver sido o
primeiro Secretário-Geral da UNCTAD, o economista argentino Raul PREBISCH.
Posteriormente, como afirmam VIOTTI & KAUPPI (1987, p. 348), a teoria
espalhou-se, contagiando acadêmicos de outras nacionalidades:
“Some of the more provocative work in the globalist tradition has been produced
by Latin Americanists representing various branches of the social sciences. They
have come to be known collectively as dependency theorists, and they now include
North American and European scholars as well as Latin Americans. Several of
these writers were associated in the 1960s with the Economic Commission on Latin
America (ECLA) and the United Nations Conference on Trade and Development
(UNCTAD). They were concerned with the important problem of explaining why
Latin America and other Third World regions were not developing as anticipated.”
Essa primeira corrente, conhecida como teoria da dependência, surgiu em
um contexto intelectual que cabe destacar. Ela surge como uma crítica à chamada
teoria da modernização. Segundo os defensores desta última teoria, os países
subdesenvolvidos não logravam alcançar o desenvolvimento por conta de alguns
processos internos, como por exemplo a dificuldades desses países em realizar a
transição de suas sociedades tradicionais para a modernidade (VIOTTI & KAUPPI,
1987, p. 348), ou ausência de poupança interna:
“Dicha teoría preveía que, superadas ciertas insuficiencias, entre ellas la carencia
de volúmenes apropiados de capital, los países menos favorecidos podrían, pasando
por una serie de etapas de desarrollo, alcanzar los niveles de bienestar de los países
industrializados” (SODUPE, 1992, p. 199).
A explicação oferecida pelos teóricos da dependência narrava uma história
bastante diferente. Segundo estes globalistas, as assimetrias existentes no
desenvolvimento econômico são resultado das relações econômicas
internacionais, que se produzem entre Estados enormemente desiguais
economicamente, que desempenham diferenciadas funções no sistema capitalista.
Resulta, desse processo, a aparição de estruturas de dependência (SODUPE, 1992,
p. 198).
87
Alguns autores brasileiros foram particularmente importantes na
elaboração da teoria da dependência: o sociólogo Fernando Henrique CARDOSO,
que se tornou Presidente da República na década de 1990 e os economistas Celso
FURTADO e Theotonio DOS SANTOS. Vejamos a elaboração do conceito de
dependência, segundo este ultimo, de 1970:
“We conceive the relationship between external and internal forces as forming a
complex whole whose structural links are not based on mere external forms of
exploitation and coercion, but are rooted in coincidence of interests between local
dominant classes and international ones” (CARDOSO & FALETTO apud VIOTTI &
KAUPPI, 1987, p. 350)
Dissemos acima que existem duas correntes do globalismo. Além da teoria
da dependência, exposta, a outra corrente é denominada como teoria do sistema-
mundo (world-system theory). Resumindo o pensamento desta teoria, um de seus
líderes intelectuais, Immanuel WALLERSTEIN (1996, p. 87), assim escreveu:
“The arena for competition in the inter-paradigm debate was largely ´basic
assumptions´ and ´basic images´: what is international relations made up of –
states, individuals, bureaucracies, a global economy, or what? Each paradigm was
assumed to be locked, psychologically in its self-reaffirming conception which it
could not convince the other of. The main issue of contention was ´the nature of
international relations´ (with ensuing political consequences) and secondary one
´methodology´.”
A idéia de debate interparadigmático tornou-se uma visão corrente nos
anos 1980. Conforme sentenciou de maneira exata WÆVER: “In the third debate,
one increasingly (mostly implicitly) got the self-conception that the discipline
was [grifo no original] the debate”. O que diferenciava este debate dos dois
anteriores, segundo ele, foi o fato de ser um debate não para ser vencido, mas um
pluralismo teórico com o qual conviver (WÆVER, 1996, p. 155). Impossível
ainda não concordar com o autor quando ele afirma que, quanto a esse debate, já
o deixamos para trás, na história do campo de estudos.
89
3.4 UM DEBATE ATUAL: A SÍNTESE RACIONALISTA E
A REORIENTAÇÃO CONSTRUTIVISTA
86
Para esta seção utilizaremos alguns textos que, em conjunto, proporcionaram ao autor do
trabalho uma visão sobre o período abrangido aqui: SMITH (1995, 1996), WÆVER (1996, 1998),
VASQUEZ (1995), SORENSEN (1998), GUIMARÃES (2001), ROCHA (2002), WENDT (1998),
ADLER (1997), RUGGIE (1998), CHECKEL (1998), KATZENSTEIN, KEOHANE & KRASNER (1998),
NICHOLSON (1996), NICHOLSON & BENNETT (1994), HALLIDAY (1999), BALDWIN (1993) e
GOLDSTEIN & KEOHANE (1993).
90
origem, ainda nos anos 1980, a um debate que ficou conhecido como positivismo
versus pós-positivismo (GUIMARÃES, 2001, p. 47). Yosef LAPID, já em 1989,
fazia referência ao debate iniciado pelas críticas levantadas, por autores das mais
variadas correntes e trazendo para a TRI distintas inspirações, contrários ao
positivismo, doutrina filosófica que delega a um modelo de ciência a tarefa de
conhecimento da verdade sobre o mundo, modelo este inspirado nas Ciências
Naturais e que deixa de problematizar a relação entre sujeito e objeto, admitindo
que o conhecimento objetivo do mundo pode decorrer de uma atividade científica
metodologicamente cuidadosa87.
87
SMITH (1995, p. 24).
91
Para LAPID, essas novas abordagens, em conjunto, constituíam o desafio pós-
positivista, que haveria lançado a teorização em RI em uma “era pós-positivista”:
“In the Lapid version, the debate of post-structuralists (and others) with rationalists
is turned into a question of epistemology (how do we know?) and something close
to the second debate (on a higher level). This is too superficial in relation to the
truly philosophical [grifo no original] nature of the fourth debate. (…) But first of
all it is a much more fundamental challenge of basic assumptions regarding
objectivity, subjectivity (the author, signature and the work), object/subject
distinctions, the use of dichotomies, the rule by Western metaphysics over
seemingly diverse ways of thought, and about referential versus relational
conceptions of language, and much, much more”
O rótulo vago de “pós-positivismo”, conforme destacou SØRENSEN
(1998, p. 84), contém uma variedade de abordagens. O que os vincula, então?
Pesquisando na literatura a respeito, encontramos duas características em
comum: em primeiro lugar, uma abordagem crítica das Relações Internacionais,
no sentido de questionar a neutralidade política e axiológica do conhecimento
científico, como desenvolvido na crítica da chamada Escola de Frankfurt, no
início do século XX; e, por outro lado, um ataque massivo às assunções que
constituem o núcleo do positivismo. As conseqüências desse desafio foram
marcantes para a TRI:
“There can be little doubt both that these various approaches represent a massive
attack on traditional or mainstream international theory, and that this traditional or
mainstream theory has been dominated by positivist assumptions. I do not think
that either of these assertions is in the least bit controversial (…)” (SMITH, 1996, p.
12)
92
No mais, esse desafio ao positivismo já havia avançado bastante em
outras Ciências Sociais, marcando um movimento de ruptura com a forma
dominante de se pensar um modelo de conhecimento científico válido. Conforme
destacou VASQUEZ (1995, p. 217), assim como varreram outras Ciências Sociais,
por mais de duas décadas, as críticas ao positivismo findaram por ressoar no
estudo de RI, não sem o atraso habitual:
“For over two decades, various criticisms of positivism – some justified and some
fatal wounds on men of straw – have swept through the social sciences.
International relations has been no exception to these debates, but, as is usual for it,
they have come to the discipline late.”
Antes, porém, de apresentaremos algumas das abordagens que lançaram
desafio ao positivismo, já que o Construtivismo é fruto do movimento pós-
positivista, devemos definir o próprio positivismo. Para tanto, iremos tratar da
história do positivismo nas Ciências Sociais, expor suas três principais variantes
cronológicas e destacar qual delas teve maior influência sobre as Relações
Internacionais.
A primeira variante foi desenvolvida então por COMTE. Seu projeto era a
fundação de uma ciência positiva da sociedade, baseada nos métodos próprios
das Ciências Naturais. Influenciado por pensadores como Giambatista VICO, que
propunha a tese de que o historiador pode descobrir as leis gerais do processo
histórico, COMTE tinha como objetivo revelar as leis causais que explicavam os
fenômenos observáveis: “insistindo em que devemos começar com o que a
experiência nos dá diretamente, abstendo-nos de tentar ir além dos fenômenos”
(RUSSEL, 2001, p. 396-397).
93
Defendendo a primazia da história nos assuntos humanos, formulou a
teoria das três fases do desenvolvimento histórico da humanidade. Ele acredita
que “a sociedade parte de uma fase inicial teológica, passa por uma fase
metafísica, e afinal chega ao que ele chama de fase positiva, que conduz o
processo histórico à sua conclusão adequada e feliz” (RUSSEL, 2001, p. 396). A
sociedade, no último estágio, seria regida pela ciência racional. Sua visão da
história é essencialmente otimista, compartilhando com outros filósofos daquele
período a crença no progresso da humanidade e do conhecimento.
“(...) Crucially, he therefore thought that all sciences (including the sciences
dealing with society) would eventually be unified methodologically. (...) It is an
assumption that still dominates the discipline of International Relations insofar as
scholars search for the same kinds of laws and regularities in the international
world as they assume characterise the natural world”.
A segunda variante do positivismo está ligada ao que ficou conhecido
como positivismo lógico, surgido no grupo de pensadores que se reuniram no
chamado Círculo de Viena, na década de 1920. A proposição central dos
membros dos positivistas lógicos é a de que a ciência constitui a única verdadeira
forma de conhecimento, e que nada pode ser conhecido além do que pode ser
conhecido pela ciência:
94
reductionist view (contra Comte) that all cognitive knowledge should be based
on the principles of physics”.
“This view was extremely important in the social sciences, where the orthodoxy of
the 1950s and 1960s was one of trying to apply the ideas of main proponents of this
view, Carnap, Nagel, Hempel and Popper, to the fledgling social science
disciplines. Particularly important was the work of Carl Hempel (especially 1966
and 1974) because he developed an extremely influential account of what is
involved in explaining an event. He argued that an event is explained by ´covering´
it under a general law. Usually this takes the form of a deductive argument
whereby (1) a general law is postulated, (2) antecedent conditions are specified,
and (3) the explanation of the observed event deduced from (1) and (2). This model
is known as ´deductive-nomological´ model, and Hempel argued famously that it
could be applied to the social sciences and to statistical´ model, whereby statistical
or probabilistic laws are established inductively and are used to show how a
specific event is highly likely given the established law (1966, p. 11)” (SMITH,
1996, p. 15)
Esta última variante, como destacou o autor, sustenta muito da literatura
em Relações Internacionais desde a década de 1950, com a aparição do
movimento behavioralista. Conforme resume, o positivismo dominou o estudo
das RI desde aquela década, compartilhando basicamente quatro assunções
subjacentes e freqüentemente profundamente implícitas (monismo naturalista,
possibilidade de objetividade, crença em regularidades e empiricismo):
95
“The first is a belief in the unity of science (including the social sciences). This was
especially influential in international relations, and many would argue continues to
be so. (…) In philosophical language this is known as naturalism, of which there
are strong and weak versions; the strong view is that there is no fundamental
difference between the social and the ´natural´ worlds; the weaker version is that
despite differences between the two realms the methods of the natural sciences can
still be used for the analysis of the social world”
“The second influential assumption is the view that there is a distinction between
facts and values, and, moreover, that ´facts´ are theory neutral (…) In philosophical
terms this is an objectivist position, one that sees objective knowledge of the world
as possible despite the fact that observations may be subjective”
“Thirdly, there has been a powerful belief in the existence of regularities in the
social as well as the natural world. This, of course, licenses both the ´deductive-
nomological´and the ´inductive-statistical´ forms of covering law explanation”
“Finally, there has been a tremendous reliance on the belief that it is empirical
validation or falsification that is the hallmark of ´real´ enquiry, (…); in
philosophical language this is the adoption of an empiricist epistemology” (SMITH,
1996, p. 16)
Aproveitando a última característica acima, diferençaremos, com o autor,
positivismo e empirismo. Como observa, os dois termos são usados de forma
confusa nas RI, ou às vezes até de forma intercambiável. Segundo SMITH, o
positivismo é uma metodologia que se garante em uma epistemologia empirista:
“An answer to the question ´what does positivism mean in international relations?´
can now be given. Positivism is a methodological view that combines naturalism
(in either its strong (ontological and methodological) or its weak (methodological)
sense), and a belief in regularities. (…) I do not accept the view that empiricism =
positivism = epistemology + methodology; rather positivism is a methodological
position reliant on an empiricist epistemology which grounds our knowledge of the
world in justification by (ultimately brute) experience and thereby licensing
methodology and ontology in so far as they are empirically warranted” (SMITH,
1996, p. 17).
A revolução behavioralista, ocorrida a partir dos anos 1950, teve
conseqüências significativas para o campo teórico das Relações Internacionais.
Na década de 1980, os principais debatedores na ortodoxia teórica eram, de uma
certa maneira, uma síntese do positivismo postulado, com as tradições realista e
liberal. WÆVER comenta que durante a década de 1980 o realismo se tornou neo-
realismo, e o liberalismo, institucionalismo neoliberal. Em suas palavras, que se
traduzidas talvez perdessem a clareza e a força: “Both underwent a self-limiting
redefinition towards an anti-metaphysical, theoretical minimalism, ad they
became threby increasingly compatible. A dominant neo-neo syntesis became the
96
research programme of the 1980s” (1996, p. 163). Esta síntese ficou conhecida
como “síntese racionalista”.
“Briefly it goes like this: the international system is characterized by the structural
condition of anarchy, defined as the absence of central rule. As a result, states, the
wielders of the ultimate arbiter of force, are its constituent units. The desire of
these units, at a minimum, to survive is assumed. And because no one can be
counted on to protect anyone else, all are obliged to fend for themselves as best
they can or must. Their doing so triggers corresponding efforts by similarly
motivated others. Hence, the tendency to balance power is an inherent by-product
of self-help. And the distribution of capabilities among states, therefore, is the most
important determinant of outcomes – including the very interdependence that
liberalism has viewed as an independent variable, with multipolar systems said to
exhibit a higher level of interdependence among the major powers than bipolarity”
(1998, p. 6).
88
A obra associada ao início do neoliberalismo, datada de 1984, denomina-se After Hegemony,
embora seu programa de pesquisa tenha em verdade sido instaurado na obra publicada por
KEOHANE em co-autoria com Joseph NYE em 1977, Power and Interdependence.
97
Comentando o abandono da perspectiva transnacionalista pelo
professor KEOHANE em prol de um programa de pesquisa institucionalista neo-
liberal, acrescenta ele que este último aproxima-se do realismo quando assume
que “states are the principal actors in international politics; they are driven by
their conceptions of self-interests; a system of self-help prevails; and relative
capabilities ‘remain important’”, diferenciando-se no entanto quando defende
que “where common interests exist realism is too pessimistic about the prospects
for cooperation and the role of institutions” (1998, p. 8).
“six focal points, (...), characterize the current debate between neoliberalism and
neorealism: the nature and consequences of anarchy, international cooperation,
relative versus absolute gains, priority of state goals, intentios versus capabilities,
and institutions and regimes”.
Procuraremos resumir os seis pontos identificados por BALDWIN. Em
primeiro lugar, quanto à natureza e conseqüências da anarquia do sistema
internacional, os neo-realistas consideram que a anarquia impõe
constrangimentos mais severos ao comportamento estatal, com a conseqüente
preocupação com a segurança, do que consideram os institucionalistas
neoliberais. Segundo, embora os dois lados reconheçam a possibilidade da
cooperação internacional, os neo-realistas a vêem como mais penoso de atingir,
mais difícil de manter, e mais dependente do poder estatal, do que os
98
institucionalistas neoliberais. Terceiro, estes últimos realçam a preocupação dos
estadistas com os ganhos absolutos, os neo-realistas enfatizam os ganhos
relativos, quando lidam com a cooperação internacional. Quarto, existe uma
tendência dos neo-realistas em se preocuparem com temas relacionados a
segurança, enquanto institucionalistas neoliberais tendem a investigar questões
ligadas a economia política internacional. Em conseqüência, vislumbram
diferentes prospectos para a cooperação internacional. Quinto, neo-realistas
concentram-se nas capacidades, enquanto seus adversários destacam mais as
intenções e percepções. E, por último, enquanto os institucionalistas neoliberais
consideram que as instituições podem mitigar a anarquia do sistema
internacional, os neo-realistas duvidam disso, reconhecendo sua existência, mas
reduzindo seu significado para a política internacional. RUGGIE defendia, já em
1998, que a discussão findou por concentrar-se na questão da preocupação dos
Estados com ganhos relativos ou absolutos e no papel atribuído às instituições
(1998, p. 9-10).
99
como atores que perseguem de forma egoísta seus interesses, entendidos estes
como dados pela realidade material, de forma racional – atendendo a uma função
de utilidade da ação. Esta ação é tomada diante de um ambiente externo de
anarquia, que impõe constrangimentos ao comportamento social. Dentro desta
perspectiva podemos incluir, entre outros, os neo-realistas e os institucionalistas
neoliberais. Ocorre que esta abordagem ou estilo de pensamento nada nos diz a
respeito do que os atores valorizam nem de que comportamentos eles acreditam
ser os mais adequados para produzir o máximo benefício89.
“Taking their cues from writers such as FOUCAULT, DERRIDA, NIETZSCHE, HEIDEGGER
and VIRILIO, postmodern international theorists attack the very notions of reality, or
truth, or structure or identity that are central to international theory as well as all other
human sciences” (SMITH, 1995, p. 25).
Passamos também, neste amplo espectro de abordagens, pelos teóricos de
gênero – categoria também ampla mas que possui como eixo principal a
preocupação com a construção social do gênero. Com freqüência estas autoras –
não somente mas em sua maioria mulheres – são classificadas como teóricas
feministas, denominação que evitamos por considerá-la restritiva da verdadeira
preocupação desta corrente, que consiste em demonstrar a ausência de
89
KATZENSTEIN, KEOHANE & KRASNER (1998, p. 975-6).
90
VASQUEZ (1995, p. 217).
91
WELLMER apud RUGGIE (1998, p. 175).
100
neutralidade com relação a gênero tanto nas relações internacionais como no
conhecimento teórico gerado sobre estas:
92
ADLER (1997, p. 201; 202).
93
Um sinal desta concentração da disputa intelectual é a edição especial comemorativa da
International Organization, no volume 52, número 4, de 1998, que traz textos comparando as
abordagens.
101
“We argue (in the fourth section of the article) that rationalism (encompassing both
liberal arguments grounded in economics that emphasize voluntary agreement and
realist arguments that focus on power and coercion) and constructivism now
provide the major points of contestation for international relations scolarship. (…)
Since the mid-1980s a new debate between constructivism and rationalism
(including both realism and liberalism) has become more prominent. New
theoretical developments in rationalist institutional theory, open-economy
economics, and comparative politics provided scholars with new openings as the
Cold War ended. Conventional and critical constructivists, influenced by new
trends in the humanities, put forward sociological perspectives that emphasized
shared norms and values but which were in epistemological terms sharply
differentiated from postmodernism. In the field of national security the discussion
between rationalism (in its realist and liberal variants) and constructivism has been
more fully joined than in the field of IPE [International Political Economy]”.
Reivindicando ocupar uma posição de meio-termo94 no debate entre
racionalistas e interpretativistas, encontramos a abordagem teórica do
construtivismo. Apesar de encontrar-se entre dois extremos – racionalismo e
interpretativismo – as baterias da artilharia construtivista foram pouco a pouco se
voltando contra o primeiro deles, como resultado da concentração do debate
ocorrida. Em conseqüência desta característica do desenvolvimento acadêmico
da TRI estaremos de agora em diante focalizando a oposição entre o
construtivismo e a denominada síntese racionalista (às vezes chamada de neo-
utilitarista), que abarca neo-realistas e institucionalistas neoliberais.
94
ADLER (1997).
102
definidas em termos de elementos materiais como poder, segurança ou bem-
estar. Acrescenta ainda o autor que ambas procuram explicar os padrões de
interação social como o resultado das ações dos Estados, que se valem de suas
capacidades para alcançar suas preferências – coincidem assim ao abraçar o
individualismo metodológico. Pela adoção de epistemologias positivistas, ambas
teorizam baseando-se no modelo hipotético-dedutivo, consistindo este na
concepção de que um evento é explicado quando este pode ser deduzido
formalmente de uma lei generalizante e um conjunto de condições95. Os
racionalistas filiam-se ao monismo naturalista, postura esta que procura
estabelecer a existência de um só modelo de ciência, qual seja aquele espelhado
em uma filosofia positivista das ciências naturais.
95
RUGGIE (1998, p. 9, 93).
96
RUGGIE (1998, p. 4).
103
também orientações distintas, ou como denominou RUGGIE, três variantes. Por
sua clareza utilizaremos a classificação construída por RUGGIE, que se refere a
três variantes do construtivismo social. Fazemos isto ainda que cientes de que as
classificações raramente correspondem à realidade, sempre mais complexa do
que os agrupamentos de autores sob rótulos específicos.
97
RUGGIE inclui-se nesta variante, juntamente com outros autores prestigiados como Ernst
HAAS, Friedrich KRATOCHWIL, Nicholas ONUF, Emanuel ADLER, Martha FINNEMORE e Peter
KATZENSTEIN (1998, p. 35).
98
Seguem esta corrente autores como Richard ASHLEY, David CAMPBELL, James DER DERIAN
e R. B. J. WALKER (RUGGIE, 1998, p. 35).
104
ou social, repousa basicamente sobre resultados gerados por entidades ou
fenômenos não-observáveis99.
99
Alexander WENDT e David DESSLER são indicados como autores que realizam trabalhos na
linha do construtivismo naturalista (RUGGIE, 1998, p. 36).
105
4 CAPÍTULO III – ALGUMAS INSPIRAÇÕES
SOCIOLÓGICAS DO CONSTRUTIVISMO: E. DURKHEIM E M.
WEBER
106
abordagem, cada qual apresentará insumos retirados de uma ou de outra
disciplina. Mas um fato é certo: sempre há influência de outros campos do
conhecimento social sobre os discursos elaborados na Teoria das Relações
Internacionais.
107
Anthony GIDDENS, Clifford GEERTZ, entre outros tantos100. Ademais, conforme
afirma RUGGIE, “because of the inductive manner in which constructivism
emerged in the field of international relations, both empirically and theoretically,
there may be almost as many variants of it – or at least emphases – as there are
practioners”101. Quanto às variantes da abordagem construtivista, já as expomos,
resumidamente, na última seção do capítulo anterior, ao tratar da reorientação
construtivista. Podemos adiantar, desde logo, que a corrente do Construtivismo
que estaremos expondo aqui possui raízes fundamentais – ou os tem como
precursores clássicos, conforme os chamou RUGGIE – no pensamento de
DURKHEIM e WEBER.
100
RUGGIE (1998); ADLER (1997).
101
RUGGIE (1998, p. 28).
108
desintegração, o solapamento de costumes e instituições da sociedade tradicional
até então existentes e a introdução de novas formas de organizar a vida social102.
102
ROUANET (1999, p. 120).
103
ARON (1967, p. 11).
104
Para HOBSBAWN (1995, p. 16), a Primeira Guerra “assinalou o colapso da civilização
(ocidental) do século XIX. Tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na
estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica;
exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também com o progresso
material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, berço das revoluções
da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do
mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações
(incluindo-se o vasto e crescente fluxo de emigrantes europeus e seus descendentes) haviam
crescido até somar um terço da raça humana; e cujos maiores Estados constituíam o sistema da
política mundial”.
109
trabalhadores. Parcialmente em conseqüência desta mobilização sindical, a
Europa conheceu o que ficou conhecido em parte da literatura econômica como a
Primeira Grande Depressão, que durou de 1873 a 1896. Seguiu-se a esta crise do
capitalismo industrial um fortalecimento das empresas pela centralização e
concentração do capital, com os capitalistas preferindo investir em tecnologia a
manter a quantidade de trabalhadores, agora mais caros, em virtude de algumas
conquistas laborais. Conforme afirmou o historiador ARRUDA, iniciou-se então
uma nova fase do capitalismo, a monopolista ou financeira, que se desdobrou na
exportação de capitais e no processo de colonização da África e da Ásia105.
105
ARRUDA (1991, p. 185).
106
“[they], albeit in different ways, were of the opinion that European society was in crisis. This
opinion is not in itself very original; there are few generations which have not had the
impression of living through a crisis or a turning point” (ARON , 1967, p. 11).
110
religiosos tradicionais. Neste contexto de erosão dos valores religiosos,
buscavam os vínculos e crenças que poderiam estruturar de forma coerente a
sociedade. No dizer de ARON, ainda que por caminhos diferentes, ambos
retomaram a idéia de Auguste COMTE, de que as sociedades somente podem
manter a coerência através de crenças comuns107.
“The origin of this formal similarity is, I think, the problem of science v. religion,
which is common to them. At least this is one [grifo do autor] reason for this formal
similarity. There is, in fact, another possibility: it is that all three discovered a part
of the true system of the explanation of behaviour; and when writers meet in the
truth, this meeting needs no other explanation. As Spinoza said, it is the fact of
error which needs explanation, and not the discovery of truth.”109
107
ARON (1967, p. 12).
108
ARON (1967, p. 15).
109
ARON (1967, p. 15).
111
4.1 ÈMILE DURKHEIM
110
RUSSELL (2001, p. 387).
112
confiado a especialistas técnicos”. E completa: “este arranjo não é diferente do
estado ideal da República de Platão”111.
113
ARON (1967, p. 79-81).
114
ARON (1967, p. 68).
114
Com relação aos fatores ideacionais o autor coloca-se entre o
utilitarismo – para o qual as idéias são um reflexo do mundo material – e o
transcendentalismo – seguindo a tradição Kantiana de que a vida mental tem uma
natureza própria, mas que seu conhecimento encontra-se acima dos métodos
ordinários da ciência. Para DURKHEIM os fatores ideacionais possuem integridade
e especificidade próprias, não podendo ser reduzidos a quaisquer outros fatores.
Além disso, por serem tão naturais quanto a realidade física, estes
fatores ideacionais podem e devem ser objeto de investigação científica: “(...)
esses ideais não são abstrações, frias representações intelectuais, despidas de
qualquer eficácia. São essencialmente motores; porque, atrás deles, existem
forças reais e ativas: são as forças coletivas e, por conseguinte, forças naturais,
ainda que sejam todas forças morais, e comparáveis àquelas que agem no resto
do universo. O próprio ideal é uma força desse gênero; a ciência pode, portanto,
estudá-lo”116.
“é fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o
indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma
sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das
manifestações individuais que possa ter”118.
DURKHEIM, ao desenvolver suas regras do método sociológico, tratou
de definir o conceito de fato social, apresentando suas características. Em
primeiro lugar, ele afirma que não se pode utilizar o termo de forma imprecisa.
Nem todo fenômeno que se passam no interior de uma sociedade podem receber
esta qualificação. Se assim fosse, praticamente não haveria acontecimentos
humanos que não pudessem ser chamados de sociais. Perderia a Sociologia seu
objeto próprio, tendo seu domínio confundido com o da Biologia e da
Psicologia119.
117
DURKHEIM apud RUGGIE, 1998, p. 29.
118
DURKHEIM (2000 [1895], p. 40).
119
DURKHEIM (2000, p. 31).
116
que regulam nossas condutas; as crenças e as práticas da vida religiosa, que
presidem nossos rituais; os sistemas de sinais, utilizados para exprimir
pensamentos; o sistema de moedas, empregado para pagar as dívidas; os
instrumentos de crédito, usados nas práticas comerciais; as práticas profissionais.
Todas essas maneiras de agir, de pensar e de sentir (mais adiante DURKHEIM
comenta que esta enumeração nada tem de rigorosamente exaustiva, podendo
incluir também maneiras de ser) funcionam de forma independente do uso que
os indivíduos fazem delas. Existem, pois, fora das consciências individuais. São a
elas externas: poderíamos denominar então de exterioridade esta primeira
característica essencial dos fatos sociais120.
120
DURKHEIM (2000 [1895], p. 32).
121
DURKHEIM (2000 [1895], p. 32).
117
de ser coletivo por ser geral. Constitui um estado do grupo que se repete nos
indivíduos porque se impõe a eles. Está bem longe de existir no todo devido ao
fato de existir nas partes, mas ao contrário existe nas partes porque existe no
todo”122.
120
4.2 MAX WEBER
126
ARRUDA (1991, p. 185).
127
ARON (1967, p. 17).
121
Conforme afirmou de forma categórica ARON: “He wants a neutral
science, because he does not want the professor, in his chair, to use his prestige
to impose his ideas. But he wants a neutral science which would at the same time
be useful to the man of action, to politics”128. A perseguição da neutralidade
científica deve estar presente na atividade intelectual, estebelecendo uma
fronteira entre o cientista, homem do saber, e o político, homem da ação. O
primeiro tem um comprometimento com o conhecimento, o último com as
questões práticas da vida.
128
ARON (1967, p. 18).
129
TRAGTENBERG (In WEBER, 2001, p. xliv).
122
não dificultarão este retorno. De uma forma ou de outra ele tem que fazer o
‘sacrifício do intelecto’ – isso é inevitável”130.
130
WEBER (2001, p. 453).
131
WEBER apud RUGGIE (1998, p. 30).
132
ADLER (1997, p. 211-212).
123
significado, mas não um significado que é individual, e sim um espelhado nos
entendimentos coletivos. Daí decorre a urgência por um modelo de ciência social
que capture estes aspectos característicos do comportamento humano e que a
distingue fundamentalmente de qualquer empreendimento que volte seus olhos
para o mundo físico.
133
RUGGIE (1998, p. 31).
124
objetivo134. Alguns dos tipos ideais utilizados pelo pensador alemão em seus
estudos incluem desde formas de autoridade (tradicional, carismática e racional-
legal) até a institucionalidade característica da modernidade ocidental, como
burocracia, capitalismo e o próprio Estado moderno.
134
WEBER (1949 [2001], p. 140): “Trata-se de um quadro de pensamento, não da realidade
histórica, e muito menos da realidade ‘autêntica’; não serve de esquema em que se possa incluir
a realidade à maneira de exemplar. Tem, antes, o significado de um conceito-limite, puramente
ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns
dos seus elementos importantes, e com o qual está comparada. Tais conceitos são configurações
nas quais construímos relações, por meio da utilização da categoria de possibilidade objetiva,
que a nossa imaginação, formada e orientada segundo a realidade, julga adequadas”.
135
WEBER (2001, p. 124).
125
mundo136. Este projeto avançado por ele, no entanto, deve ser um baseado nas
especificidades do objeto social, significativo culturalmente, e da ciência social,
também interpretação do mundo social. No mundo dos fenômenos culturais – ou
realidades significativas – porque estes são ontologicamente valiosos, exige-se
um método específico e adequado, que se contitui pelo ato gnosiológico da
compreensão, no qual procuramos descobrir o significado das ações ou das
criações humanas.
136
WEBER (2001, p. 114): “(...) não compartilhamos, de modo nenhum, do preconceito de que
as reflexões sobre a vida cultural, que pretendem interpretar metafisicamente o mundo, indo
portanto, além da ordenação conceitual dos dados empíricos, não poderiam, por causa desta sua
característica, contribuir, de alguma forma, para o conhecimento”.
137
WEBER (1946).
126
questão da modernidade e da modernização não pode ignorar Max WEBER, que
estudou exaustivamente esse tema em sua sociologia das religiões” 138. E continua
ROUANET, afirmando que a modernidade, sempre segundo WEBER, é o produto
dos processos globais de racionalização que se deram, num certo momento da
histórica, em um determinado local geográfico, na esfera econômica, política e
cultural.
138
ROUANET (1993, p. 120).
139
ROUANET (1993, p. 121).
140
ROUANET (1993, p. 121).
127
tradicionalista – que o autor denomina como arte religiosa – direcionando-se a
formas mais independentes, como o mecenato e a produção para o mercado.
128
5 CAPÍTULO IV – CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS DA
AGENDA DE PESQUISA DA ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA
141
Nesta tradição de pensamento, John VASQUEZ (1995, p. 221) afirma que “if what exists is at
one and the same time arbitrary and the product of human choice (at some level), it follows that
what exists must have been socially constructed by people”.
129
conseqüência, continua, o que existe é necessariamente resultado da construção
social. E conclui, sentenciando: “Reality is created and constructed by beliefs and
behaviour. (...) Reality is not God- or Nature- given, but human-imposed. And,
some would add, this [grifo no original] is an imposition” (1995, p. 221).
“social facts differ from two other kinds of socially relevant facts: ‘brute’ facts,
such as warheads, population size, market shares, or mountains, which are true (or
not) apart from any shared beliefs that they are true; and (ontologically)
‘subjective’ facts, so designated because their existence depends on being
experienced by individual subjects, like an individual actor’s perception and
misperception deal in facts of this sort” (1998, p. 13).
Por voltar a atenção para os aspectos intersubjetivos da realidade os
construtivistas preocupam-se com as práticas coletivas institucionalizadas, seja
qual for o grau de institucionalização social, desde práticas diplomáticas, até o
sistema de Estados, passando pelos regimes internacionais. As relações
internacionais, como todos os sistemas de relações sociais, exibem algum grau de
institucionalização. RUGGIE verifica que, no mínimo, existem mecanismos que
permitem a inteligibilidade mútua do comportamento e da comunicação, ao lado
das rotinas organizacionais que tornam as relações internacionais possíveis.
Tratando da análise da institucionalização, o autor destaca a importância dos
entendimentos coletivos para as práticas institucionalizadas:
“The chain of reasoning in the first instance went something like this:
Institutionalization embodies elements of authority. Authority typically is
understood as the conjunction of power and legitimate social purpose. But social
purpose is neither fixed nor exogenously given; and in some measure it is subject
to communicative dynamics among knowledgeable actors. Nor is social purpose a
brute or palpable observational fact; it is an intersubjective state of mind among
relevant social actors, for some issues including society as a whole.” (RUGGIE,
1998, p. 43)
Dando seqüência a este argumento, podemos afirmar que a atenção
fundamental do construtivismo direciona-se à institucionalização das relações
internacionais. Esta institucionalização está presente em pelo menos dois níveis.
Em primeiro lugar, ela existe entre os Estados, resultando naquilo que definimos
de maneira mais ampla como organização internacional. Nesse nível, cumpre à
teoria investigar de que forma as relações internacionais estão
institucionalizadas, o que as determina, e quais são as suas conseqüências para o
comportamento dos atores sociais envolvidos. Os estudos realizados pelas mais
132
diversas correntes teóricas sobre o que ficou conceituado como regimes
internacionais inserem-se neste nível de institucionalização. O construtivismo irá
pesquisar os regimes internacionais, como será visto adiante.
133
baseadas nas proposições estruturacionistas, que apareceram na obra A
Constituição da Sociedade, de 1984, do sociólogo inglês Anthony GIDDENS143.
143
Um dos principais teóricos construtivistas, Nicholas ONUF, em recente visita à Universidade de
Brasília (2002), indicou esta obra em primeiro lugar, seguido de outros, quando perguntado por um
acadêmico sobre quais seriam as obras sociológicas mais importantes para a compreensão da abordagem
construtivista.
134
contribuição para as teorias sociais ao propor a teoria estruturacionista, devendo
ser atribuído igual status ontológico aos agentes e estruturas.
144
WENDT (1987, p. 339-340).
135
de construção de teorias baseado em modelo hipotético-dedutivo por uma
epistemologia interpretativa, que capture, com seus conceitos, o sentido e o
significado que os atores atribuem a uma situação coletiva na qual eles se
encontram inseridos (RUGGIE, 1998, p. 85-86).
145
“(...) constructivism does not aspire to the hypothetico-deductive mode of theory
construction. It is by necessity more ‘realistic’, to use WEBER’s term, or inductive in
orientation” (RUGGIE, 1998, p. 34)
146
“(...) ‘abduction’: the successive adjusting of a conjectured ordering scheme to the available
facts, (...) until the conjecture provides as full an account of the facts as possible” (RUGGIE,
1998, p. 93).
136
grande parte construídas por aquelas estruturas sociais. Nestes dois pontos o
construtivismo distancia-se de forma irreconciliável da síntese racionalista:
“The issue, then, is not whether some understanding of the state is necessary to
build sytemic theories (it is), but whether that understanding follows from a theory,
grounded in a coherent set of propositions with some correspondence to reality, or
simply from a set of pre-theoretical assumptions, grounded in intuition or
ideology” (WENDT, 1987, p. 343).
Para as abordagens racionalistas, os interesses e as identidades são
considerados como exógenos e dados. Para os neo-realistas, somente o atributo
137
de auto-ajuda (self-help)147 – conseqüência da estrutura anárquica do sistema
internacional – deve servir de base para uma análise das Relações Internacionais.
Desde o ponto de vista neo-realista, o processo (interação e aprendizado entre os
Estados) não pode afetar ou mitigar a característica anárquica da estrutura
(distribuição de capacidades entre os Estados). Os teóricos do institucionalismo
neoliberal, por sua vez, admitem que as instituições internacionais podem
transformar os comportamentos estatais. Esta concepção oferece uma visão
fundamentalmente comportamental tanto do processo e da estrutura como das
instituições, consideradas como injunções, já que somente os comportamentos
estatais podem ser modificados, mas não seus interesses e identidades:
147
WENDT, 1992.
138
Construtivismo Social procura problematizar alguns pontos não abordados – ou
tratados “como se” fossem de determinada forma – nas teorias racionalistas.
139
comunismo e do imperialismo soviético, com o renascimento do nacionalismo e
de movimentos de auto-determinação na União Soviética (1997, p. 231).
140
“Uma comunidade epistêmica é uma rede de profissionais com reconhecida perícia
e competência em um domínio particular e uma alegação de autoridade de possuir
conhecimentos relevantes à política dentro desse domínio ou tema. Comunidades
epistêmicas têm um conjunto compartilhado de crenças normativas e de princípio,
crenças causais e noção de validade compartilhadas e um empreendimento político
comum.”
Afirma ADLER que o estudo das comunidades epistêmicas, assim
como da relação entre conhecimento científico e desfechos das relações
internacionais, não faz muito sentido, a menos que siga uma perspectiva
construtivista. Somente assim seria possível, segundo ele, captar o papel das
comunidades epistêmicas como “um veículo de premissas teóricas, interpretações
e significados”, que, “em alguns casos, ajudam a construir a realidade social das
relações internacionais”. Segundo ele, o conhecimento intersubjetivo gera efeitos
na realidade política e social, devendo ser estudado
“Quanto mais percebemos que a segurança internacional está cada vez mais
associada ao estabelecimento de uma comunidade de segurança e que as fronteiras
das comunidades de segurança são ideacionais, mais plausível se torna ‘que as
141
regiões são socialmente construídas e sucetíveis à redefinição´ (Adler e Barnett,
1996, p. 77). (...) a filiação a uma comunidade depende não apenas da identidade
externa do Estado e o comportamento a ela associado mas também de suas
características e práticas internas. Por exemplo, seria muito difícil para um Estado
europeu abusar com freqüência dos direitos humanos e ainda ser visto como
pertencente à ´Europa´ contemporânea” (ADLER, 1997, p. 235).
A penúltima sugestão apresentada por ADLER (1997, p. 236-237)
dirige-se a um campo que pode ser bastante fértil para o construtivismo, e que
repele as críticas que esta abordagem recebe, freqüentemente, de só tratar das
realidades socialmente construídas “boas”, como visto acima. O autor aponta
que, ao lado da cooperação de segurança, outro objeto para o estudo
construtivista é a construção social do conflito e da guerra:
“Sobre esse tema, estudos recentes enfatizam os aspectos culturais das decisões
sobre o uso da força em guerra (Legro, 1995), doutrina militar (Kier, 1996, 1997),
estratégia militar (Johnston, 1995) e disposição bélica (Ross, 1993) sugerem um
caminho de pesquisa frutífero para os construtivistas. (...) embora a noção de que a
construção social de um inimigo (“o outro”) seja parte do desenvolvimento de
identidades do ´eu´ tenha sido validade pela teoria da identidade social (Mercer,
1995) e analisada por estudiosos pós-modernos (Campbell, 1996), os
construtivistas devem ainda desenvolver projetos de pesquisa que possam mostrar
como os inimigos e as ameaças militares são construídos socialmente por fatores
tanto material quanto ideacional”.
Concluindo sua lista, que na verdade é um pouco mais rica em
pormenores e em relatos de estudos empíricos do que pudemos colacionar aqui, o
autor sugere a realização de estudos construtivistas referentes à “construção
social da paz democrática”:
142
O projeto construtivista compreende as identidades e os interesses
como endógenos ou socialmente construídos. Assim, tratam destas variáveis
como dependentes, investigando justamente como os atores sociais vieram a
adquirir esta ou aquela identidade específica. Existe uma grande quantidade de
estudos empíricos demonstrando a evidência de que fatores ideacionais, bem
como materiais, podem modificar as identidades dos Estados e então moldar seus
interesses, ou o seu comportamento, diretamente:
“Constructivists hold the view that the building blocks of international reality are
ideational as well as material; that ideational factors have normative as well as
instrumental dimensions; that they Express not only individual but also collective
intentionality, and that the meaning and significance of ideational factors are not
independent of time and place.” (RUGGIE, 1998, p. 33)
Estas proposições necessitam obviamente de maior teorização e
aplicação em pesquisa empírica, mas os estudiosos do construtivismo não têm se
furtado a realizar estes avanços e investigações.
148
GOLDSTEIN & KEOHANE (1993) publicaram uma coletânea de artigos que defendem a
perspectiva institucionalista neo-liberal quanto à causalidade das idéias denominada Ideas and
Foreign Policy.
143
ação política, no caso de multiplicidade de equilíbrios possíveis; e (3) através da
institucionalização, especificando as políticas específicas na ausência de
inovação.
“Social constructivists have sought to understand the full array of systematic roles
that ideas play in world politics, rather than specifying a priori roles based on
theoretical presuppositions and then testing for those specified roles, as neo-
utilitarians do. Because there is no received theory of the social construction of
international reality, constructivists have gone about their work partly in somewhat
of a barefoot empiricist manner and partly by means of conceptual analysis and
thick description.” (RUGGIE, 1998, p. 18)
Concluindo a questão da causalidade ideacional, podemos acrescentar,
com RUGGIE (1998, p. 21-2), que os fatores ideacionais pertencem à categoria de
“razões para ações”, o que é bastante distinto de atribuir-lhes a categoria de
“causas para ações”. As idéias em si não vão causar a ação, mas sim indicar
porque aquele resultado ocorreu historicamente daquela forma e não de outra.
Destarte eleva-se a necessidade do desenvolvimento de uma linguagem
conceitual que dê conta da especificidade do fenômeno no mundo cultural, em
oposição à concepção de causalidade tomada das ciências naturais, moldada de
acordo com o mundo físico.
144
indivíduos”. Obviamente que estas idéias somente podem estar contidas nos
cérebros humanos, mas ao recusar o individualismo metodológico o
construtivismo não pode aceitar que as idéias que possuem relevância no estudo
das Relações Internacionais sejam consideradas do ponto de vista subjetivo.
Assim, as idéias que vão interessar ao construtivismo encontram-se no campo da
intersubjetividade149: são fatos sociais, fazem parte da intencionalidade
coletiva150. A partir do momento no qual estas idéias se tornam compartilhadas
pela coletividade, transformando-se de idéias em entendimentos intersubjetivos,
irão importar para o estudo construtivista, já que possuem a capacidade de
moldar, através do tempo, os padrões de ação.
149
RUGGIE, 1998.
150
WENDT, 1994.
151
RUGGIE, 1998, p. 26-7.
145
solução pode abrir espaços para avanços significativos na nossa compreensão das
relações entre agentes e estruturas não somente no nível de análise sistêmico,
mas também nos outros níveis. Margot LIGHT (1994): Comentando, do ponto de
vista de uma estudiosa de política externa, afirma que o problema da relação
entre agência e estrutura, “one of the central issues of IR”, que, nas palavras de
Walter CARLNAES, em artigo publicado sobre o tema desde o ponto de vista da
chamada Foreign Policy Analysis, consiste na questão de como conceituar o
comportamento interestatal “in terms of human choice and social determination”,
afirma: “The question of the interaction of agency and structure represents the
intersection of social science and international relations theory with the theory of
foreign policy. It is a problem which will continue to preoccupy both IR theorists
and foreign policy analysts.”
“(...) much of the empirical work examines single countries or issues. Cross-
national or longitudinal designs would help reduce the problem of
overdetermination that is evident in many constructivist analyses, where social
structures, usually norms, are invoked as one of several causes variables with little
or no insight given on how much of the outcome they explain (…)” (CHECKEL,
1998, p. 339)
A crítica seguinte, já comentada quando tratamos da noção de construção
social da realidade, diz respeito à necessidade de se estudar as realidades “ruins”,
que igualmente são socialmente construídas. A sugestão de ADLER, para que a
pesquisa construtivista se preocupe, por exemplo, com as estratégias de conflito e
as guerras, sinaliza a preocupação dos construtivistas em superar esta falha.
Entretanto, em 1998 afirmava CHECKEL:
146
“There is a tendency in the recent work to consider only ethically good norms, such
as those imposing a stigma on the use of nuclear or chemical weapons, those that
helped bring the cold war to an end, or the global norms that facilitated the demise
of Apartheid. Some constructivists are aware of this problem (...), but future work
must address it. It will not only protect these scholars from getting caricatured as
peaceniks by theoretical opponents, but will also direct their attention to important
unexplored issues such as the role of social construction in ethnic conflict and war”
(1998, p. 339).
Uma terceira crítica é direcionada à necessidade de maior cuidado na
definição dos principais termos utilizados: “constructivists must take greater care
in defining key terms, for example, institutionalization” (CHECKEL, 1998, p.
340). Como vimos acima, algum esforço está sendo feito neste sentido. Por ser
um conceito central para a abordagem construtivista, detalhamos a conceituação
avançada por RUGGIE acerca deste conceito. Outros precisam ser tão bem
desenvolvidos.
“Without more sustained attention to agency, these scholars will find themselves
unable to explain where powerful social structures (norms) come from in the first
place and, equally important, why and how they change over time. Without theory,
especially at the domestic level, constructivists will not be able to explain in a
systematic way how social construction actually occurs or why it varies cross
nationally” (1998, p. 339)
Apesar das críticas, CHECKEL reconhece os méritos da abordagem
construtivista, relacionados a sua reivindicada posição de meio-termo no debate
atual, segundo argumenta:
147
6 À GUISA DE CONCLUSÃO
148
consciência de que as teorias, enquanto discursos que são propagados sobre a
realidade, contribuem para a sua própria verificação ou negação. São, na
expressão corrente, profecias auto-realizáveis.
149
de Relações Internacionais, existentes cada vez em número maior, e áreas afins.
Fomos obrigados, então, a recorrer a textos em língua inglesa, sendo obrigados,
assim, a trazer as teorias sobre as relações internacionais elaboradas em outros
contextos nacionais.
150
Esperamos, entretanto, que haja neste trabalho alguns pontos que
possam ser importantes para a formação dos estudantes de RI, em número cada
vez maior no Brasil, bem como algumas indicações para novas pesquisas, sejam
essas relacionadas ao Construtivismo, seja às demais abordagens contemporâneas
ou aos debates existentes no campo.
“uma teoria será brasileira se fizer sentido para o Brasil. Quem decide o que faz
sentido para o Brasil? O intelectual portador de uma ´consciência crítica´,
identificado com forças sociais transformadoras, que pretendem elevar o Brasil da
condição de objeto à de sujeito da história”152.
152
ROUANET (1993, p. 352).
151
REFERÊNCIAS CITADAS
BOOTH, Ken & SMITH, Steve (ed.). International Relations Theory Today,
University Pasrk, The Penn State University, Pensylvania, 1995.
152
CARR, Edward H. Vinte anos de crise (1919-1939): Uma Introdução ao Estudo
das Relações Internacionais, Ed. UnB/IPRI, 2002.
DUNNE, Tim, COX, Michael & BOOTH, Ken (orgs.). The Eighty Years’ Crisis
– International Relations 1919-1999. Cambridge University Press,
Cambridge, 1998.
153
In VIOTTI, Paul & KAUPPI, Mark. International Relations Theory:
Realism, Pluralism, Globalism, and Beyond, MacMilliam, 2001.
PORTER, Brian. “Lord Davies, E.H. Carr and the Spirit Ironic: A Comedy of
Errors”, In International Relations, vol. 16/1, April/2002.
RICH, Paul. “Reinventig Peace: David Davies, Alfred Zimmern and Liberal
Internationalism in Interwar Britain”, In International Relations, vol. 16/1,
April/2002.
154
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