Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
ORGANIZACIONAL
AULA 1
Olá, seja bem-vindo à nossa aula! Nesta disciplina, vamos pensar como
a sociologia pode ajudar você, futuro gestor, a compreender as organizações e
assim planejar melhor suas ações. Nesta primeira aula, vamos começar nossos
estudos com uma apresentação do olhar sociológico, o que nos permite
questionar ações e situações sociais. As principais perspectivas teóricas da
sociologia, assim como as figuras do processo de socialização que une o
indivíduo e a sociedade, serão apresentadas em seguida. Vamos ver como a
sociologia analisou dois processos centrais para o surgimento das organizações:
a racionalização e a individualização. Vamos também apresentar as principais
perspectivas teóricas da sociologia organizacional. Essa introdução às teorias e
conceitos sociológicos fundamentais são a base para desenvolver nosso olhar
sociológico das organizações ao longo dessa disciplina.
CONTEXTUALIZANDO
Todos nós temos uma ideia do que é e como funciona a empresa onde
trabalhamos, ou o que rege nossas relações no trabalho, pois convivemos todos
os dias com nossos chefes e colegas; assim, o objeto da sociologia das
organizações está presente no nosso dia a dia. Isso é verdade para o objeto da
sociologia em geral: a escola, o governo, a família, entre outras realidades que
fazem parte da vida de todos nós. Peter Berger, sociólogo austro-americano que
viveu entre 1929-2017, aponta que a especificidade da sociologia não está no
2
seu objeto de estudo, mas na forma como essa ciência aborda a realidade social
(Berger, 1986). Na nossa vida cotidiana, estamos ocupados em trabalhar,
entregar resultados, curtir o tempo de folga com a família e os amigos, e não nos
damos conta de todos os aspectos da realidade social. A sociologia é a ciência
que se ocupa em desvendar os diversos aspectos presentes nas nossas
relações cotidianas, demonstrando que a realidade social tem muitos níveis de
significado. Como diz Berger (1986, p. 31), “o fascínio da sociologia é de nos
levar a ver sob nova luz o próprio mundo em que vivemos”.
Você se lembra da primeira vez que entrou na sede da empresa na qual
trabalha? O que te chamou atenção? Pessoas interagindo no trabalho é uma
cena corriqueira, não é? Podemos dizer o mesmo de outros objetos de estudo
da sociologia: as relações em casa, na escola, no trabalho, nos círculos de
amizades, entre outras. Todavia, as perguntas que a sociologia busca responder
não são as perguntas que nós nos fazemos no dia a dia. Questionamentos
sociológicos das diversas cenas quotidianas são:
3
1.1 A construção do olhar sociológico
4
também o próprio conhecimento que se produz sobre essa realidade. E é através
de pesquisas e debates teóricos que avançamos na compreensão dos
comportamentos e estruturas sociais, tão próximas e ao mesmo tempo tão
complexas.
6
mente outro indivíduo. Se a minha ação é orientada tendo em vista você, e a sua
ação é orientada tendo em vista a minha, temos uma relação social – no nosso
caso entre professora e aluno. Weber buscou compreender as regularidades das
ações sociais nas diferentes épocas e sociedades; assim, estudou a religião
através da ética que guia as ações dos fiéis; o Estado; e o que nos interessa em
sociologia organizacional, a burocracia. Weber destaca que a burocracia é uma
organização legal-racional que visa coordenar atividades de uma forma
constante no tempo e no espaço. Para tanto, lança-se mão de regras impessoais
e escritas, com uma hierarquia clara. (Giddens, 2008). Um conceito básico da
perspectiva weberiana é o de racionalização. Weber observa o processo de
racionalização tanto na explicação do mundo – o que faz a ciência predominante
– como na própria organização da sociedade, e o desenvolvimento da burocracia
é um exemplo.
7
brasileiro, realizou vários estudos sob a perspectiva marxista. A sociologia se
espalhou pelo globo, inclusive em países periféricos, com teorias que
questionam a dependência não apenas econômica, mas também intelectual. Por
exemplo, estudos desenvolvidos pela corrente pós-colonialista no Brasil, mas
também na Índia, por exemplo. Tendo em mente essa diversidade de
perspectivas teóricas, apresentamos três correntes da sociologia
contemporânea que foram influenciadas pelas perspectivas clássicas (Giddens,
2008, p. 18): funcionalismo; perspectivas do conflito; e perspectivas da ação
social.
O funcionalismo é uma corrente sociológica que desenvolveu aspectos da
teoria de Durkheim. Descreve a sociedade como um sistema complexo formado
por partes, que são articuladas de forma a garantir a estabilidade do todo. Traça-
se uma analogia com o corpo humano: é como se a sociedade fosse um corpo
humano e cada fenômeno social um órgão que contribui para o bom
funcionamento desse corpo. O papel da sociologia, nessa perspectiva, é
descobrir qual a função dos diferentes fenômenos sociais para o bom
funcionamento da sociedade como um todo. Os sociólogos americanos Talcott
Parsons (1902-1979) e Robert Merton (1910-2003) foram os principais
representantes da corrente funcionalista. Giddens (2008) destaca que hoje o
funcionalismo é uma forma menos popular de compreender a sociedade,
sobretudo porque essa perspectiva realça excessivamente o funcionamento
harmônico da sociedade, e não explica os conflitos, as divisões ou as
desigualdades, tão presentes no nosso dia a dia.
Por outro lado, o foco das perspectivas sociológicas do conflito se volta
justamente para as questões de desigualdade e divisões na sociedade. Nessa
perspectiva, os sociólogos analisam questões de poder, de desigualdade, e
como os diferentes grupos lutam por seus interesses. Por exemplo, o sociólogo
francês Pierre Bourdieu, que viveu de 1930-2002, analisa a escola como uma
instituição que legitima e reproduz as desigualdades entre as classes sociais.
Essa perspectiva remonta às análises de Marx de luta de classes, destacando a
importância das estruturas na sociedade.
Outros sociólogos buscam compreender a sociedade a partir dos
indivíduos, de suas ações e interações. Essas perceptivas contemporâneas da
ação social têm suas raízes na obra de Weber. Por exemplo, o interacionismo
simbólico busca compreender os significados compartilhados pelas pessoas em
8
diferentes situações sociais. Cada perspectiva nos revela um aspecto do
fenômeno estudado; quanto mais perspectivas conhecemos, mais ferramentas
teremos para pensar as diversas situações que vivemos e vislumbrar possíveis
soluções.
Você já parou para pensar em que medida aquilo que você veste, a sua
maneira de falar ou mesmo as coisas que você acha bonitas, importantes ou
desejáveis, são influenciadas pelo contexto em que você vive? Até mesmo as
suas atitudes no trabalho, como, por exemplo, a sua relação com a autoridade:
você acata ou questiona as ordens? Você segue os protocolos ou acha um
jeitinho? Você é pontual? Você pode me afirmar que as suas respostas são
expressões da sua personalidade. Sim, é verdade. Mas é igualmente verdade
que o que você considera bonito, importante, desejável, assim como a sua
relação com a autoridade, a disciplina e a pontualidade, são em grande parte
expressões de valores e normas culturais. Isso vale não apenas para o trabalho,
mas para as mais diversas esferas da nossa vida: o que você veste, o jeito que
você fala, a forma como você se relaciona com seus pais, companheiros ou
companheiras e amigos, são expressões de valores e normas culturais.
Cada sociedade tem um grupo de valores e de ideias do que é útil,
importante, desejável; elas se traduzem em uma série de normas do que fazer
ou não fazer nas mais diversas situações, sendo incorporadas nos nossos
comportamentos. Chamamos esse conjunto de valores e comportamentos que
são aprendidos pelos indivíduos ao longo da vida de cultura. Nós aprendemos
esses valores, normas e comportamentos sociais ao longo de toda nossa vida,
em um processo que chamamos em sociologia de “socialização”. Vamos
entender mais de perto como esse processo de socialização funciona e como
ele liga o indivíduo à sociedade?
O processo de socialização se desenvolve em duas fases (Giddens,
2008). Durante a infância, ocorre a socialização primária, quando a criança
interioriza os padrões básicos de comportamentos e valores sociais. Nossas
mães e pais nos ensinam a falar, a comer de garfo e faca, a usar o banheiro, a
não gritar, a respeitar os adultos, dentre tantos outros valores e comportamentos
básicos que nos permitem conviver em sociedade. Por isso, chamamos a família
de agente de socialização primária. Depois que crescemos um pouco, temos
9
contato com outras instituições sociais de socialização, que dão seguimento ao
nosso aprendizado social, na fase que chamamos de socialização secundária. A
escola é um agente de socialização secundária importante. Como nos mostrou
Durkheim, a função da escola não é simplesmente transmitir conhecimentos
escolares; a escola cumpre uma função importante de socialização. Na escola,
a criança sai da esfera privada do seu lar e entra em contato com outras crianças
e adultos. Nas brincadeiras aprendemos a respeitar, a escutar, a negociar. Até
mesmo quando as crianças brigam, elas são punidas e isso as ensina o que não
devem fazer. Durkheim mostra que a principal função da escola é transformar a
criança, que chega como um ser egoísta, em um ser social – aprender a conviver
com os outros, a dividir. Há também a figura do professor, em referência à qual
ela terá de respeitar a autoridade, a respeitar regras, caso contrário sofrerá
punição. Michel Foucault, filósofo e sociólogo francês que viveu entre 1926-
1984, em sua obra Vigiar e Punir, mostrou também que a escola disciplina não
apenas o comportamento, mas os corpos – você aprende a ficar sentado durante
horas prestando atenção. Por meio das mais diversas relações e situações, as
crianças vão aprendendo e incorporando as regras sociais.
O processo de socialização secundária continua além da escola, através
de outros agentes – dentre eles, o trabalho. Quando você entra em uma
empresa, leva um tempinho para se situar, aprender como as pessoas
trabalham, que tipo de relações se estabelecem (mais formal? Mais informal?)
Esse processo de socialização se dá no dia a dia; trabalhando lado a lado, você
aprende o que deve ou não fazer, como se comportar. Nas trocas informais, no
almoço, nos intervalos ou até mesmo no happy hour depois do trabalho, na
partida de futebol ou de vôlei com o pessoal da “firma”, em todos esses
momentos de troca você está sendo socializado, ou seja, criando o sentimento
de fazer parte de um grupo, por se identificar com os valores e os
comportamentos desse grupo. As trocas podem ser mais ou menos intensas; o
sentimento, delas resultante, também. A socialização acontece quando os
indivíduos interiorizam os valores e padrões de comportamento – ou seja, eles
não precisam mais pensar: o que eu tenho que fazer nessa situação? Como
devo agir? A ação flui, mas ela é resultado de um aprendizado.
10
3.1 Figuras da socialização
Profissão
Escola
Família
Indivíduo
11
diversos papéis sociais; no trabalho você é gestora, você sabe o que esperam
de você lá, mas em casa você é mãe e age com seu filho de acordo com o que
aprendeu sobre família e sobre ser mãe; mas você também é roqueira e essa
sua identidade molda a sua forma de se apresentar aos outros, além das suas
escolhas do que fazer e que tipo de música escutar no tempo livre. Adotamos
diversos papéis sociais ao longo da vida; sabemos o que esperam de nós em
cada um deles, pois interiorizamos as regras e normas de conduta social. Essa
figura da socialização permite pensar a diversidade de situações sociais,
representando o indivíduo como resultado da interiorização de valores e normas
bem definidos.
Filho
Profissão
Você deve estar pensando: afinal, o que essa relação entre indivíduos e
socialização tem a ver com o estudo da organização? Citando Etzioni (citado por
Jaime; Lucio, 2017, p. 5) “Em geral, os cidadãos das sociedades modernas
nascem em hospitais, são educados em escolas, trabalham em uma ou outra
organização em de acordo com sua participação em atividades políticas ou
religiosas, também com frequência ocupam lugares nas organizações
complexas”. Nós passamos grande parte das nossas vidas dentro de diversas
organizações, de modo que entender o impacto disso na nossa formação é
essencial.
12
A definição sociológica de organização enfatiza sua racionalidade. As
organizações são “conjuntos humanos ordenados e hierarquizados em ordem a
assegurar a cooperação e a coordenação de seus membros para determinadas
finalidades” (Boudon, 1990, p. 181). As empresas, as administrações públicas,
as indústrias, os partidos políticos, as associações com ou sem fins lucrativos,
são todas organizações. As organizações, portanto, reúnem indivíduos de
diversas origens sociais; assim, saber como funciona o processo de socialização
é importante. Por outro lado, mesmo que sua finalidade não seja transmitir
valores e normas sociais, elas acabam por participar da socialização dos
indivíduos que dela participam. Assim, pensar a relação entre o indivíduo e a
sociedade, mediada pela organização, nos abre outra perspectiva para pensar o
dilema de toda organização, a saber: como conseguir que seus membros
cooperem para atingir os fins visados? O processo de racionalização e o
processo de individuação são importantes para pensar o funcionamento das
organizações.
O processo de racionalização está na raiz da própria Modernidade. Uma
das características principais da nossa época é a pretensão de conhecer as
causas e prever os efeitos dos mais diversos fenômenos, e assim pensar e agir
no mundo com base em algo que está para além da tradição. A raiz filosófica da
Modernidade é o racionalismo filosófico de Descartes, que busca conhecer as
causas dos mais diversos fenômenos. (Jaime; Lucio, 2017). A sociologia nasce
do desenvolvimento da ciência como forma de entender o mundo. Durkheim,
Weber e Marx buscaram compreender a transição da sociedade tradicional para
a sociedade moderna. O aprofundamento do processo de racionalização e suas
consequências são objeto de estudos mais recentes em Anthony Giddens, em
sua obra As Consequências da Modernidade, e em Ulrich Beck, sociólogo
alemão que viveu entre 1944 e 2015, em sua obra A Sociedade do Risco.
Paralelamente ao processo de racionalização, há o processo de
individualização, que começa na passagem da sociedade tradicional para a
sociedade moderna. Na sociedade feudal, a personalidade das pessoas era
incorporada aos círculos sociais: a comunidade, a associação, a propriedade
feudal. Com o surgimento das fábricas, das classes sociais, das cidades, a
sociedade se torna mais diversificada e fragmentada: as pessoas circulam por
mais grupos, com diferentes interesses e referencias. Georg Simmel, sociólogo
alemão que viveu entre 1858 e 1918, em sua obra A Filosofia do Dinheiro,
13
enfatiza o papel do dinheiro para o surgimento do individualismo: ele questiona
como o dinheiro é impessoal e pode ser trocado por outras coisas;
independentemente do desempenho pessoal da pessoa que o possui, ele
aumenta a autonomia e a independência, pois ela pode buscar o que lhe
interessa. Com a diversificação social e cultural, nós temos a possibilidade de
construir nossas referências.
TROCANDO IDEIAS
NA PRÁTICA
FINALIZANDO
Nesta aula, vimos que um olhar sociológico nos mostra outros aspectos
das situações do nosso dia a dia, inclusive nas organizações onde trabalhamos.
15
As diversas perspectivas teóricas lançam luz a diferentes aspectos das
organizações e das nossas ações, ampliando nossa compreensão sobre eles.
Os processos de socialização, de individualização e de racionalização são
centrais para compreender as relações sociais dentro das organizações. As
diversas perspectivas da sociologia organizacional têm abordado esses
processos sociais e suas consequências.
Por fim, retomamos a problematização do início desta aula, do
organograma que os funcionários não seguem. Um olhar sociológico pode lhe
ajudar a perceber que há um esquema mais sutil e menos visível de relações
entre os trabalhadores. Investigando, você pode se dar conta de que entre os
funcionários há relações de lealdade e antipatia, e que há também preconceitos
e códigos de comportamento. A gestão racional das pessoas representada no
organograma não dá conta das relações entre as pessoas, porém elas regem
suas ações na realização das funções diárias.
16
REFERÊNCIAS
17