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Como o
gosta
Rogério Medeiros
Ilustrações: Wagner Veiga
“Qual é o mais feroz dos animais?”, perguntou
o poeta ao sábio.
“O homem”.
“Por quê?”
“Pergunta a ti mesmo. És também uma fera que
tem em si mesma outras feras e por desejo de
poder quer tirar a vida de todas as outras feras”.
(Diálogo extraído do romance
Baudolino, de Umberto Eco)
controlava a vida dos outros na região Scárdua não se mexeu. Ficou neutro.
do rio Doce e norte do Estado. E depois E o fato dessa sua neutralidade correr
o tenente tinha o hábito de executar no interior, deu campo para que o
sozinho as suas vítimas. Face a essas Coronel Bimbim, que nunca morreu
e outras circunstâncias, os dois se de amores pelo governador Carlos
uniram, a tal ponto que viraram, Lindenberg, agisse em favor do
inclusive, compadres. candidato de oposição. A neutralidade
Em matéria de patentes, é bom de Scárdua nesse pleito, que veio a
logo explicar que enquanto Scárdua quebrar, inclusive, uma longa
tinha a sua por causa da carreira militar permanência do PSD no governo,
(pertencia aos quadros da Polícia atendeu a duas circunstâncias no Espírito Santo, um
Militar do Estado), o Bimbim era básicas: o interesse do Coronel Bimbim Estado de pequenas
coronel de patente dada pelo povo da na derrota do PSD e o fato de estar propriedades pela natureza
roça, pelo mandonismo que exercia na disputando pelo PSD o governo uma de sua colonização, toda
sua região de influência. E o tenente figura que não via com bons olhos a ela feita por oriundos
José Scárdua se fez seu parceiro e relação do militar com o seu partido. europeus, acostumados a
cobiçado pela aristocracia rural por Aliás, vale ainda registrar: o tenente chamada propriedade força,
conta de, ainda jovem, como soldado José Scárdua, que entrou na Polícia onde só se emprega a mão-de-
de polícia, haver abatido uns e outros Militar como soldado raso, chegou a obra familiar. A maior parte desses
Imperou por muito tempo pelo empurrou um pouquinho o com certeiros tiros. Depois, na tenente em seguidas promoções nos conflitos de terra ocorreu nas
temor que infundia. Ficaram visíveis na governador para a frente e atirou num perseguição a ladrões de cavalo, sua governos do PSD. regiões da pecuária, diante da
sua história os relevantes serviços moço que estava parado montando arma era a mais temida. Mas foi dentro desse mundo de exigência da ampliação das
prestados à aristocracia rural, um cavalo, de chapéu e capa gaúcha Pontarias à parte, a verdade é que Bimbim, Totó e PSD que o tenente José propriedades.
ajudando-a, inclusive, a manter-se no (como são conhecidas ainda hoje no essa relação entre Scárdua e Bimbim Scárdua virou uma lendária figura de
poder por muitos anos através de interior essas capas grossas). mudou o rumo político do Estado. terror para pequenos proprietários,
governos do PSD. Na região do rio O cavaleiro caiu de cima do Bimbim tinha no Espírito Santo, já que especialmente os que tinham suas
Doce, principal cenário do crime no animal, mas ao se estatelar no chão a sede dele era em Aymorés, MG, um terras cobiçadas pelas elites rurais ou
Espírito Santo, o governador Carlos uma carabina rolou debaixo da capa. sobrinho fazendo política contra o PSD, em conflitos, situações absolutamente
Lindenberg, por exemplo, só ia lá na O tenente e o governador trocaram de Carlos Lindenberg: Sebastião comuns na questão territorial do
sua companhia. olhares cúmplices e discretos sorrisos. Cypriano do Nascimento, o Totó, que Estado. Do ponto de vista das elites
Guilherme Ayres, companheiro Era mais um que o tenente abatia com foi deputado estadual pela UDN. rurais, ele foi efetivamente o seu
político do governador Lindenberg e um tiro certeiro na cabeça. Em seguida, Apesar de o sobrinho do coronel grande guardião e justiceiro.
que em algumas ocasiões se fez até o governador pôde inaugurar o prédio Bimbim abusar algumas vezes do PSD O conflito de terra sempre existiu
de seu motorista, presenciou uma dos Correios e Telégrafos com a maior em Afonso Cláudio, onde fazia política,
dessas espetaculares execuções do segurança e tranqüilidade. o tenente José Scárdua não deixou que
tenente José Scárdua. Foi na cidade Mas não era só esse tipo de serviço nada lhe acontecesse. Até a hora em
de Baixo Guandu, num dia bem que o tenente José Scárdua prestava que outros valentões, a serviço do seu
chuvoso, levando o governador para a Carlos Lindenberg e ao seu PSD. Nas principal inimigo de Afonso Cláudio, o
inaugurar o prédio dos Correios e eleições ele era também um fator de ex-deputado Pedro Saleme, quiseram
Telégrafos. Foram de jipe por causa da votos. Botou muito adversário do PSD matá-lo. Ele evitou.
precariedade das estradas da época. para correr e mudou o rumo de muitos Debaixo da asa do tenente José
Guilherme ao volante, o governador votos. Pesava mais do que muito chefe Scárdua e do nome do tio, o Totó
no banco do carona e o tenente José político do PSD. Era um período em barbarizou o PSD em Afonso Cláudio,
Scárdua no banco de trás. que o grosso do eleitorado ainda se a ponto de botar o governador Carlos
O clima era tenso na cidade, mantinha no interior. Na época, Vitória Lindenberg para correr num comício
estavam próximas as eleições. Quando era apenas um aglomerado de na sua terra. E Totó acabou
o jipe se aproximou do prédio dos funcionários públicos e empregados influenciando na derrota que o PSD
Correios e Telégrafos, o tenente do comércio. sofreu para a oposição no ano de 1954.
ordenou ao Guilherme passar direto e Concessões políticas, o tenente José Disputavam o governo Eurico de
fazer a chegada pela outra rua. Scárdua só fazia para o pessoal do Aguiar Sales pelo PSD e Francisco
Voltando pelo sentido contrário da Coronel Bimbim. Primeiro, porque era Lacerda de Aguiar – o Chiquinho –
chegada, ele só viu quando o tenente ajuizado o suficiente para não bater pela oposição.
do passado
Scárdua ausentou-se do Estado. de toda a sua vida. Dizia ele: “Eu havia já se mudado para a rua São
Andou morando no Rio de Janeiro e considero uma injustiça meu nome ser João, na Vila Rubim. E aos sábados
em São Paulo. Josélio de Barros foi envolvido na morte do fazendeiro costumava freqüentar a mesma
fazer propriedade agrícola na Antônio Pinto. Espero que Deus me barbearia. Hábito que não
Amazônia. Renato Paiva (se encontra conceda o direito de viver tranqüilo interrompeu nem por ocasião da
ainda hoje por lá) foi residir junto de minha família, criando os morte de Antônio Pinto, apesar
definitivamente na sua fazenda, em meus filhos longe desse ambiente de da advertência dos amigos. O
Carlos Chagas (MG). crimes que tem envolvido o Espírito coronel Jadir Rezende chegou
Mas em 1971 a paz foi quebrada Santo”. a avisar da presença na
com o assassinato de Antônio Pinto, “Como homem de palavra, nunca cidade de um filho de João
tido como um dos mandantes dos entraria numa situação do tipo deste Pinto, irmão do Antônio, que
atentados aos tenente José Scárdua. crime de Antônio Pinto, depois do pacto o coronel encontrou
Ele foi morto numa emboscada, de honra que fiz, do qual participaram, próximo à loja do Edgard
quando, na companhia de seus
vaqueiros, inspecionava o gado em
além do fazendeiro recentemente
fuzilado, o sr. Renato Paiva e sua
Rocha (hoje Dadalto, na
rua do Comércio).
A morte com
sua fazenda. A cena de sua morte,
como foram as demais nesta guerra
família. Como encarar minha família
e meus amigos se fugisse à palavra
Por desconhecer
que nessas guerras hora marcada
entre esses dois grupos, foi também empenhada de maneira tão particulares fica
cinematográfica. veemente?” (veja box). sempre a herança do ódio, ele não de fevereiro de 1973, quando lá esteve num duelo contra o principal inimigo.
Antônio Pinto, quando ouviu o Voltemos à seqüência cronológica levou em conta as advertências dos mais uma vez para fazer a barba. Dois Morreu nas mãos de um pistoleiro Bem, já que o tenente José Scárdua
estampido do primeiro tiro, tentou dos fatos. Por ocasião da morte de amigos e foi morto, nesta barbearia anos, portanto, após a morte de disfarçado de mendigo. Na cartilha evocou Deus, para livrar-se da
disparar o seu cavalo, pois andava Antônio Pinto, o tenente José Scárdua da rua São João, num sábado, dia 3 Antônio Pinto. Matou-o um pistoleiro dos justiceiros é desonroso ser morto responsabilidade da morte do fazendeiro
desarmado desde a data da Antônio Pinto, a essa altura da sua história
trégua acertada com os é bom realmente contar logo a morte do
seus inimigos. Mas não pistoleiro que foi matá-lo no Quartel da PM
conseguiu evitar o segundo em Maruipe.
tiro, que foi mortal. Ele Primeiro, começa com a caçada dele.
morreu na hora mas o seu Foi pego no norte de Minas Gerais. Depois,
cavalo o arrastou até a levado para a fazenda do tenente em
entrada da sua casa, onde Itapina e colocado num cômodo à parte,
foi recolhido pelos totalmente imobilizado. Pelo ritual de sua
familiares. morte, ele seria morto dentro de 24 horas.
Pouco mais de 15 dias O próprio tenente José Scárdua assumiu a
depois da morte de Antônio postura do carrasco e incorporou o ódio
Pinto, o tenente José do carrasco pela vítima, contando as horas:
Scárdua dava ao jornal “A “Faltam 23 horas para você morrer. Faltam
Gazeta” a única entrevista 22 horas...”
disfarçado de mendigo, que por um pé-de-chinelo, que dirá por Quando chegou nas 10 horas, ele, após
aproximou-se da barbearia para pedir pistoleiro que não tem a coragem de anunciá-las, adentrou o cômodo e com um
esmola. Na hora, Scárdua olhou para mostrar o rosto. prego furou os dois olhos da sua vítima. E
“É necessário ele e deu as costas, com alguma Em verdade, as circunstâncias da
sua morte faltaram com chamada
prosseguiu abrindo a porta e anunciando
repugnância. Na mão do mendigo as horas. Quando chegou nas três horas
enfrentar inimigos havia um saco e, dentro dele, um
condescendência da posteridade.
Muito embora esse cenário de mortes,
finais, ele adentrou mais uma vez o
cômodo e, de posse de uma turquesa,
revólver 38 engatilhado. O tiro do
vitoriosos para morrer de mendigo estrondou-lhe na nuca e saiu
que acabamos de contar não seja
nada alvissareiro para misturar a
castrou o pistoleiro, que daí em diante
passou três horas suplicando aos gritos
pelos olhos. Ele ainda tentou sacar o filosofia de Montaigne com ele, não
morte honrosa” seu 38SW cabo de madrepérola. Mas
em vão.
há como não deixar de recorrê-lo
que o matassem logo. Mas Scárdua foi até
o fim. Quando o relógio zerou as 24 horas,
quando ele diz: “É necessário enfrentar
Coronel Jadir Rezende Para os amigos, como o coronel ele entrou com o seu SW 38, encostou o
inimigos vitoriosos para morrer de
Jadir Rezende, ele não teve a bela cano na cabeça da sua vítima e disparou.
morte honrosa”. Algo que faltou
morte que previu para si – que seria realmente no epílogo da história do Estava feita a sua vingança.
tenente José Scárdua.
Mulheres na estrada
À base de muito talento, coragem e destemor, elas buscam o caminho que vai dar no Sol
alma
Se foi assim, assim será
cantando eu me disfarço
e não me canso de viver,
nem de cantar
Nos bailes da vida – Milton Nascimento e Fernando Brant)
(Nos
Foi assim e assim será. Nos bailes da vida, vemos todos os anos
surgirem novos talentos, de diferentes tendências, lutando para
mostrar sua cara ao mundo. No meio desses talentos, podemos
constatar o surgimento de uma nova safra de cantoras,
Com a
instrumentistas e compositoras. Elas fazem MPB, rock’n’roll, hardcore,
soul, reggae, música eletrônica e outros sons, sempre com muito
charme e o profissionalismo que é peculiar às mulheres. Vindas da
classe média, são professoras, administradoras, jornalistas, artistas
repleta de chão
plásticas, universitárias, que não vivem exclusivamente de música,
mas sim para ela. SÉCULO conversou com estes novos talentos e
com artistas que já estão na estrada há mais tempo. Jovens – todas
com menos de 30 anos –, e donas de estilos inconfundíveis,
integrando bandas ou em carreiras solo, elas são um retrato fiel de
uma nova geração musical capixaba – aquela que, encarando os
desafios com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, procura
ir aonde o povo está. Como na canção.
Tom Boechat (texto e fotos)
estrada
Esse comunista é do
balacobaco
Mestre Flores urante 16 anos, prin-
cipalmente na praça Costa
Mestre Flores recebe os visitantes
com um sorriso. Diz logo que é um
Pereira, os amantes de homem feliz. Nasceu no dia 9 de
do cavaco, 84 música e do projeto Artes
na Praça puderam acompanhar as
janeiro de 1918, na cidade de Anchieta,
com o nome de Antônio Flores
anos: apresentações de um conjunto
capixaba. Trata-se do Regional do
Rodrigues
Rodrigues. Era o mesmo nome que
tinha o pai, este filho do imigrante
primeiras tarefas foram a campanha Antes militante de base, logo ia embora para outro município.
da anistia e a ajuda aos candidatos passou ao Comitê Municipal e, em Esteve em Barra do Itapemirim,
do partido. Conseguiu ajudar na seguida, Estadual do PCB. Membro da Serra, Colatina, Barra de São Francisco
eleição do cavouqueiro Benjamin Comissão para Melhoramentos, e outros lugares. No último deles,
Carvalho Campos a deputado e na do conseguiu ônibus e telefones públicos Itaguaçu, a reunião que elegeria a
folclorista Hermógenes Lima Fonseca em seu bairro, dentre outras coisas. primeira diretoria do sindicato
a vereador. Nos dias de domingo, em vez de ficar arregimentou cerca de 800
Dois anos mais tarde, quando o com a família, saía para vender a camponeses. Houve um incidente com
PCB passou para a ilegalidade, decidiu “Folha Capixaba”. um “padre reacionário”, que queria
ir para o Rio de Janeiro. Lá, viveria Com a posse de João Goulart na eleger diretoria de fazendeiros e tentou
quase 15 anos, só voltando a Vitória presidência de República, Flores foi até rasgar a ata da reunião. Não
em 1961. Participou de muitas incumbido de ajudar na formação dos conseguiu.
campanhas: O Petróleo é Nosso (torres sindicatos rurais. Usava como Veio o golpe de 1964 e o PCB, que
simbólicas eram palanques nos justificativa a legislação da durante o governo de Juscelino
discursos), Campanha pela Paz (contra Superintendência da Política Agrária Kubistchek chegou a viver numa
o uso da bomba atômica) e outras. (Supra), criada em outubro de 1962 e espécie de limbo, em ilegalidade
Operário do PCB, ia todos os dias destinada a ativar medidas disfarçada, passou a ser perseguido.
de madrugada à gráfica que imprimia preparatórias da reforma agrária (na “A reação foi se organizando”, explica
diário
os jornais “Imprensa Popular” (diário
diário) verdade, os sindicatos tinham que ser, Flores. Ele e seus companheiros viviam
semanário
e “Voz Operária” (semanário
semanário) e saía depois, registrados no Ministério do numa quase clandestinidade, lutando
vendendo os dois, junto com Trabalho). Documentação debaixo do para não serem presos. Mas um dia
companheiros, sobretudo em feiras. braço, ordens expressas para não falar uma reunião do partido foi “estourada”
“Escreva aí – pede –. A democracia de comunismo, viajou. no Rio de Janeiro, e dentre os
socialista é o que pode resolver nossos Chegava nas cidades e procurava documentos presos estava a
problemas”. primeiro as autoridades (leia-se o juiz, constituição do Comitê Estadual
Mas, mesmo com esta convicção, o delegado, o prefeito e o padre). capixaba. “Muitos companheiros
não é um comunista ortodoxo. Pouco Explicava a todos que era um enviado morreram”, explica Antônio Flores.
antes de voltar para Vitória, dona de entidade governamental. Depois,
saúde existente ao lado da Santa trabalhar. E logo no primeiro emprego, há seis anos de complicações Minervina teve problemas pulmonares percorria o interior e parava numa casa
Casa de Misericórdia, onde hoje é a como ajudante de carpinteiro no provocadas pela osteoporose) quando sérios. Como ela ficou vários dias bem simples. Dizia ao camponês que
Faculdade de Bioquímica e Farmácia. Estado, em 1934, aprendeu a profissão foi chamado para se incorporar à Força internada no Hospital Nossa Senhora estava vindo criar seu sindicato, para
Quando o gesso foi tirado e que o sustentou grande parte da vida. Expedicionária Brasileira (FEB) que iria das Dores, em Cascadura, ele ia lá tocar que ele pudesse ter direitos
constatado o erro, recomendaram-lhe Vida dura, por sinal. O salário de 5 mil à Itália. violão para as irmãs de caridade, e trabalhistas, aposentadoria e outras
operar. E a cirurgia foi feita na Santa réis só dava para comprar comida para Apresentou-se ao Exército em 5 de ainda era o leiloeiro das festas das coisas. Pedia para dormir, dava dinheiro
Casa. Com uma artéria lesada pelo ato a mãe e os irmãos e pagar as dezembro de 1942, mas logo uma freiras. “Fiz isso porque elas foram e no dia seguinte percorria as fazendas
mal praticado, sofreu três dias até prestações das roupas compradas à portaria do ministro da Guerra, general muito boas com minha esposa, que da região, chamando as pessoas. Saia
morrer. Viúva, a mãe de Mestre Flores família Helal, que então iniciava Eurico Gaspar Dutra, “um fascista”, dava ficou sarada”, explica. sempre às 5 horas, após o café
voltou para Anchieta, mas por pouco atividades no comércio. aos casados o direito de permanecer Curada a mulher, decidiu voltar adoçado com garapa e o aipim.
tempo. Logo retornava a Vitória, Em 1939, o interventor João Punaro no Brasil. Como Flores encontrava a para acabar de criar os filhos pequenos – Nos contatos com os homens do
colocando os filhos mais velhos para Bley convidou Carlos Lindenberg, que mãe e a mulher chorando sempre em Vitória. Foi morar numa casinha campo, eu explicava tudo. Pedia a eles
trabalhar. A indenização de 900 mil depois seria governador e senador, em Gurigica, então conhecida como para passarem a noite nas casas onde
quando chegava em casa, pediu baixa.
réis de Antenor Guimarães não havia para secretário de Obras. Este, que era Baixa da Égua. Doente, precisou estava hospedado. Elas ficavam cheias.
Mas disseram a ele que ficasse alerta,
dado para muita coisa. Desta vez o até então contador, resolveu fazer aposentar-se e voltou a trabalhar para Então, nas conversas, eu ia vendo
pois poderia vir outra ordem e a
endereço deles era o Morro da Fonte economia cortando parte dos operários o PCB. quais poderiam ser os líderes sindicais,
determinação de embarcar. “Estou
Grande. que serviam ao Estado. Flores estava A primeira coisa que fez foi usar pois não podia entregar os sindicatos
esperando por ela até hoje”, fala, rindo.
Os filhos do velho pescador foram desempregado. sua profissão, fazendo reparos nos a fazendeiros. Depois, formava as
trabalhar na fábrica de tecidos de Mas isso durou pouco, porque no móveis e utensílios da “Folha chapas, elegia as diretorias e só então
Jucutuquara, pertencente a Lizendo mesmo ano ele foi para o Exército, No Capixaba”, jornal dos comunistas
Nicoletti. Depois, passaram a selecionar onde ficou até 1940. Na baixa, o curso PCB daqui. Além disso, cortava folhas de
café na Vitória de poucas opções de de telefonista feito na caserna quase compensado para fazer base de Mestre Flores se preparando para
trabalho da década de 1920. Quando lhe custou a ida para a guerra. Já Em 1945, por influência de um clichês, método usado então para a tocar juntamente com seu Regional,
estava no terceiro ano primário, trabalhava como carpinteiro na Cristian amigo, o pintor Tertulino, Antônio Flores publicação de fotos nos jornais em Santa Lúcia (página oposta), e
Antônio Flores foi avisado pela mãe Nielsen e era casado (a companheira, entrou para o Partido Comunista impressos nas rotativas de chapas de durante entrevista na varanda de
de que teria de parar de estudar para Minervina Thomas Rodrigues, morreu Brasileiro, o PCB, ou Partidão. Suas linotipos. sua casa
alegria
da noite, fui levado com os outros para federais. Ele foi encontrá-los e recebeu na Praça, Mestre Flores, como ficou onde mora, ele termina o papo com
choro e
a Marinha. Lá, todos foram encostados a ordem de comparecer à delegacia, conhecido na vida da música, está já um pedido: “Faça essa biografia minha
num muro e ficamos cerca de 2 horas pois precisava tirar carteira da Ordem há algum tempo sem trabalho regular. e me traga a revista, quando sair.
em pé. Então, protestei. Queria que dos Músicos do Brasil. Mostrou que já Mas toca toda sexta-feira, das 19h30 Quero guardá-la comigo e deixar para
minha família soubesse onde eu possuía, mas não adiantou. Não foi. às 24 horas, no bar perto de casa. “Toco os outros quando fechar os olhos”.
estava preso e falaram que ela não Um mês depois, era surpreendido em por dinheiro e sem dinheiro”, diz ele. Mas “fechar os olhos” não está em
iria saber de nada. Depois, separaram casa por outro policial, que o levou Fez o Show do Palmito, na Ponte Seca, seus planos imediatos. Antes de sair da
os presos e fiquei sozinho. Durante o para depor. Lá, a surpresa: era sobre Vila Rubim, e espera que outras casa pequena, resolvo tirar uma dúvida:
período em que estive na Marinha, os política que queriam falar. atividades voltem. – Por que o senhor deixou o PCB,
policiais disseram que eu tinha que Mestre Flores se recusou. Disse: o Pai de cinco filhos (Francisco, Mestre Flores?
comer, senão não iria agüentar o que sabia de política estava dito no 3º Antônio, João Carlos, Ilza e Maria da A resposta vem viva, na ponta da
interrogatório. Um sargento dizia: ‘Vou BC. “Perguntaram-me se conhecia Penha), tem dez netos, três bisnetos e língua:
fazê-lo comer à força, vou botar comida doutor Aldemar de Oliveira Neves, o um sonho dourado: “Quero receber a – Continuo sendo PCB; só não sou
na sua boca. Você está muito magro’. companheiro Clementino Dalmácio indenização que os governos estão PPS. Sou um saudosista. Se nós
A pressão psicológica quase me Santiago, Antônio Ribeiro Granja e pagando aos ex-presos políticos. Aqui tivermos uma democracia socialista,
deixou louco. Passados seis dias, outros. Disse que não conhecia no Espírito Santo, chegamos a ir, Perly vamos sair dessa. É preciso trabalho
mandaram-me de volta para o 3º BC. ninguém. Eles acharam que eu estava Cipriano e eu, até o governador José para o povo. Nas praças, hoje, você vê
Após o primeiro depoimento, me tentando organizar uma célula de Ignácio Ferreira, que também foi mendigos jovens. Não têm
liberaram para que pudesse voltar para músicos e queriam me processar. Só perseguido pela ditadura, e ele perspectivas e estão desanimados. Vê
casa, mas tendo que ir toda semana desistiram depois que Clementino foi prometeu nos ajudar. Mas depois outros que viram marginais. Os
ao 3º BC. Após esse período de tortura depor e disse que não se houve aquelas denúncias contra ele políticos roubam, a corrupção é muita.
e humilhação, voltei à minha vida preocupassem comigo. Eu só era um e tudo ficou como está até agora”. Eu creio na democracia socialista.
normal e comecei minha atividade carnavalesco...” Com apenas dois salários mínimos
como músico profissional”. Hoje, após ser músico em de renda, Mestre Flores precisa mesmo Álvaro José Silva
Carapeba e completar 16 anos de Artes dessa ajuda. Na sala pequena da casa Fotos: Guinaldo Nicolaevsky
O Mestre
Flores
Amar a música, Antônio Flores
Rodrigues ama desde os dez anos de
idade: “A música me acompanha.
Sempre tive tempo para pegar nos
instrumentos. Mas só me tornei
profissional após a prisão,
A humilhação incomunicável, na Marinha. Eu era um
na prisão carnavalesco. Por sinal, durante 10
anos, até 1980, fui presidente da
Batucada, depois Escola de Samba
Ele deu, em julho de 1998, seguinte
“Sou um saudosista. depoimento sobre sua prisão:
Mocidade da Praia”.
Mas aonde iria tocar esse velho
“No dia 9 de setembro de 1970, às
Se nós tivermos uma 17 horas, estava doente, com
comunista, em 1970 já com 52 anos?
Depois de conversar com a
pneumonia, acamado, quando chegou
democracia socialista, uma kombi do Exército sob o comando
companheira Minervina, dizendo a ela
que precisavam aumentar os
de um sargento armado com um fuzil. rendimentos de ambos, foi com seu
vamos sair dessa. É Deu-me ordem de prisão com base na cavaquinho e os amigos para o bairro
Lei de Segurança Nacional. Revistaram boêmio de São Sebastião, a então
preciso trabalho para tudo à procura de documentos do PCB. chamada Carapeba. Ali, para ganhar
Me levaram para o 3º BC, mandaram dinheiro, tocou em várias casas de
o povo” tirar a roupa, depois vestir a calça e prostituição: Dinorah, Elza
não me deram cinto nem os Pernambucana, 120, Evanilda,
documentos que me pertenciam. Chaveco e Dilamar.
Levaram-me para uma sala onde havia Em 1971, tocava na Dilamar
muitas pessoas presas. Às 11 horas quando apareceram dois policiais
Colatina, vestida para mudar
A doce vida às margens de
um rio
Prosperidade
econômica muda
a cara da cidade O fato é motivo de críticas de alguns moradores que sentem
falta dos casarões antigos. Para resgatar essa parte da
história, 17 fachadas foram construídas no Colégio Marista,
numa forma de ornamentar o pátio da escola. O projeto foi
desenvolvido pelo arquiteto Natan Rozenbaum, em março
Flávia Fernandes
Fotos: Tadeu Bianconi de 1998. “A cidade perdeu a memória. Os casarões antigos
foram demolidos e os prédios perderam a identidade. Um
ão é de hoje que Colatina se destaca na exemplo disso é o prédio da Coletoria Estadual”, exemplifica
economia capixaba devido ao seu pólo de o advogado Ubirajara Douglas ViannaVianna.
confecções. Na cidade que se transforma em Pelo que tudo indica, o centro de Colatina terá, de forma
função do crescimento das indústrias o lado norte crescente, a cara do comércio. As ruas apertadas, o trânsito
tornou-se abrigo dos setores industrial, atacadista e movimentado e o corre-corre das pessoas caracterizam o
mecânico. Com um posicionamento estratégico, a região é cotidiano. Outra marca da cidade é o calor intenso. Você
cortada pela BR 259, tendo conexão com as BR 101 e 116, pode estar no alto de um morro e, mesmo assim, não sente
proporcionando o escoamento de diversos produtos. uma brisa sequer. A impressão que se tem é que, se a
Colatina está mudando de cara, livrando-se do estigma estátua do Cristo Redentor, com seus 35 metros de altura,
de típica cidade do interior e passando a assumir o papel pudesse se abanar um pouquinho, Colatina assistiria por
individual de região industrial do Estado. instantes a um deleite do Todo-poderoso.
No alto de um morro, chama a atenção a moderna “O que está acontecendo na cidade é um deslocamento
expansão da PWE Confecções, com investimento de R$ 14 dos setores industriais. Com isso, os bairros mais distantes,
milhões e previsão de término para o final deste ano. As em função da indústria, estão começando a crescer. Isso já
700 empresas no pólo de confecção de Colatina são motivo foi retratado nos bairros Colúmbia, Honório Fraga e Maria
de orgulho dos moradores, assim como as mais de 150 das Graças e a tendência é que o centro da cidade fique
empresas do pólo moveleiro, outro forte segmento responsável pelo comércio varejista, área institucional, além
econômico da região. Pelas ruas da cidade, várias opções dos setores médico e de serviços”, explica o engenheiro
de grifes, como Cherne, Presidium, Guermar, UOT e Design, civil Francisco Hermes Lopes
Lopes.
além da Lei Básica, produzida pelas confecções PWE e Segundo ele, a economia de Colatina é mantida pela
Mimo, formam um leque de opções no mundo da moda. confecção atacadista, varejo, café e indústria. Uma pesquisa
De olho no próprio crescimento, os donos de confecção realizada pelos próprios empresários indica que 65% das
irão organizar, no segundo semestre deste ano, um evento vendas nos supermercados do Espírito Santo são
para marcar o lançamento de novas coleções. “O pólo de comercializados por esse pólo, que atende também Bahia,
cofecções de Colatina estagnou durante 20 anos. Não Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Um
existiam projetos industriais e não houve investimento do dos novos projetos da cidade é a implantação de um
poder público. No entanto, o setor de confecção está em Terminal Multimodal de Cargas, entre as comunidades de
movimento crescente, onde as pequenas empresas estão Barbados e Maria Ortiz, que proporcionará ligação da
se transformando em médias, com profissionais mais ferrovia com a rodovia. Esse projeto trará o incremento do
qualificados”, analisa o empresário Wallace Vieira
Vieira, da Lei mármore e do granito, transferindo o tráfego de caminhões
Básica, que já exporta para os países do Mercosul, EUA, pelo centro de Colatina e pela BR 259.
França e, no segundo semestre, irá aterrissar na Holanda.
No centro da cidade, as lojas tomam conta da arquitetura.
são pontos turísticos que fazem parte
da distração durante os finais de
semana. Mas não é por falta de praia
que o colatinense fica sem pegar onda.
Tanto o litoral norte capixaba quanto
o sul são bem freqüentados pela gente
de lá. Conversa não vai faltar porque
o colatinense adora conhecer pessoas
e ficar sabendo das últimas.
Na região de São Pedro Frio, a 600
metros de altitude e 40 quilômetros da
sede, o clima de montanha cria um
contraste com o forno que é Colatina.
A Serra da Boa Esperança, onde estão
instaladas as torres de TV, também
oferece um clima ameno e uma vista
de encher os olhos. E se o programa
for esportes radicais, a dica é o Pontal,
a 20 quilômetros da sede, onde se
pratica o rapel.
A noite dos
colatinenses
A inauguração do Teatro Marista
foi uma motivação para a vida cultural
Ao lado e acima, cenas da cidade. Há muito se tenta ampliar
cotidianas nas margens as opções de lazer que, às vezes, não
do Rio Doce; na página passam dos bares da avenida Beira-
oposta, de cima para rio, palco dos típicos pegas entre
baixo, vista panorâmica rapazes da cidade. O Gatão Lanches
da cidade, o trabalho e o Bar do Rubens, rei do camarão na
na secagem do café e o manteiga, são bem freqüentados por
Cristo, um dos símbolos turmas de amigos e visitantes. A boate
da cidade Anexo, a domingueira do Clube ACD
e o Iate Clube – que fica à beira do rio
e não possui iates – mostram que há
programa para diferentes públicos.
Para quem curte um rock’n,, roll, a
reunião do Clube do Rock, formado por
Rio Doce a beleza e expõe os problemas que a prazo para o início das atividades do amigos que se reúnem em barzinhos
pede cuidados cidade enfrenta. comitê é de oito meses. O da cidade, é o programa. “Nossa vida
Com o fim das chuvas, que reflorestamento das nascentes se faz noturna é um pouco parada. Falta um
garantem temporariamente a cheia do necessário para que o Doce volte a teatro municipal, além de shows
O Rio Doce já não é mais aquele,
rio, os bancos de areia começam a respirar em paz, contribuindo para culturais. Uma pesquisa desenvolvida
mas compõe o cenário sob a ponte
aparecer. No final da década de 90, o mais uma cena de Colatina. Durante pela Câmara de Dirigentes Lojistas
Florentino Avidos, cartão postal da
Rio Doce ficou estrangulado de Baixo o verão, o pôr-do-sol é magnífico e o (CDL), no ano passado, indicou que
cidade, que também possui a Guandu a Linhares e vem daí a rio Doce ajuda a refletir os dourados mais de 50% da população estão
companhia de uma recente segunda preocupação para efetivar um Comitê raios que iluminam o pensamento de insatisfeitos com a vida noturna da
ponte. A revitalização da bacia é uma da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que quem aprecia o momento. cidade”, conta o locutor Eduardo
preocupação que atinge tanto os nasce na serra da Mantiqueira, em Colatina é rica em recursos hídricos, Monteiro
Monteiro.
ambientalistas do Movimento Pró-Rio Minas Gerais, desaguando em para sorte de quem vive abafado pelo O Cine Gama voltou depois de 10
Doce quanto a população em geral. O Regência, Linhares. Um acordo no intenso calor. Na falta de uma praia, a anos. Transformado em igreja
esgoto jogado diretamente no rio retira valor de R$ 700 mil já foi assinado e o Lagoa Batista e a Cachoeira do Oito evangélica, deixou de mostrar a sétima
sua gente
arte para Colatina. “Meu filho de o nome da cidade originou-se da economia ocorreu na década de 50,
13 anos foi ao cinema, pela primeira esposa do ex-governador Muniz Freire. com a grande produção de café.
vez em Colatina, este ano. Nossa vida A história de Colatina começou no A ruptura da rotina só muda
as cidades e
cultural se restringe aos barzinhos e início do século XX, mas a mesmo quando acontece a Festa do
muitos eventos com axé music”, emancipação da cidade ocorreu em Cafona e o maior desfile brega a céu
lamenta o advogado Ubirajara 1921. A maior parte da população, que aberto do mundo, com participação de
Douglas Vianna. Segundo ele, o conta com mais de 106 mil habitantes, 7 mil pessoas. Na festa, somente 4 mil
colatinense pode se orgulhar de duas é descendente de italianos. No entanto, cafonas são permitidos, por medida de
coisas: o baixo índice de violência e a há também uma mistura do sangue segurança. No entanto, ninguém fica
quantidade de mulher bonita na alemão e de índios na fórmula da preocupado com a atitude brega de
cidade. “Colatina é conhecida como a beleza do colatinense. A emancipação ficar batendo à porta, pedindo para
terra da mulher bonita”, defende. Aliás, veio em 1921 e o destaque na entrar. O que vale mesmo é a
descontração de saber reviver os
antigos modelos guardados com
naftalina no armário. A drástica
combinação das cores, a mistura de
listras com bolinhas, plumas e paetês,
tudo isso mostra como o colatinense
é criativo e espontâneo.
A Festa do Cafona, que está com sua
15ª edição marcada para o dia 11 de
maio, começou com uma reunião entre
amigos, sem nenhuma pretensão de se
tornar um evento conhecido em todo o
país. A partir daí, a quantidade de adeptos
foi crescendo de forma surpreendente.
Tanto é assim que já existe o Cafoninha
– festa para as crianças – e até uma loja
especializada nas bugigangas
maçarocas. São brincos de coração,
ternos quadriculados, óculos chamativos
e vários tipos de adereços extravagantes.
O advogado Ubirajara Vianna defende um maior cuidado com o A intenção é misturar muitos desses
patrimônio histórico; Francisco Lopes prevê o crescimento da periferia da penduricalhos em um único modelito.
cidade em função da indústria de confecções; Wallace Vieira, empresário No final da festa, 15 mil latas de cerveja,
confeccionista, faz parte de uma geração que está exportando seus sem contar com as de refrigerantes e
produtos EduardoMonteiro, locutor, critica a falta de opções culturais na energéticos. Délio Casteluber
Casteluber, um dos
cidade responsáveis pelo evento, dá a dica de
alimentação durante a festa: “pão com
m o r t a d e l a
e ki-suco”.
A atração da Festa do Cafona de
2002 será a cantora internacional Perla.
“Muitos que participam da festa não
têm o hábito de ouvir músicas desse
tipo mas, no Cafona, tudo é permitido.
As pessoas assumem o personagem
brega e não se importam em
representar tipos”, comenta Délio
Casteluber, mostrando que, mesmo
possuindo o maior pólo de confecções
do Estado, o colatinense não está nem
aí. Ele se dá ao luxo de ser cafona por
apenas uma noite.
O libertador da
arte
Flávia Fernandes
Fotos: Apoena
trabalhos que com certeza marcaram que ele considera o seu feijão-com-
a noitada cultural capixaba foram os arroz, lhe tomam mais tempo. Tanto é
curtas O Fantasma da mulher de assim que o artista capixaba está coisas que faço. Vendo
algodão, em 1994, e Eu sou Buck produzindo uma escultura, em bronze,
Jones, em 1996. Em ambos Tião para o Instituto Macaé de Metrologia de 10 a 15 quadros ao
assinou a fotografia. e Tecnologia, localizado no Rio de
“Fazer cinema hoje em dia é muito Janeiro. “A pintura serve de apoio para ano, além de esculturas
simples para quem está dentro do todas as outras coisas que faço. Vendo
circuito. Difícil é definir o que vai ser de 10 a 15 quadros ao ano, além de e megacenários”
feito com o filme depois de pronto. Sou esculturas e megacenários”.
contra a política cinematográfica do
Brasil, que permite que as salas de
cinema sejam transformadas em
igrejas ou em supermercados”, dispara
Tião Fonseca, um dos que lutaram pela
regulamentação da profissão.
“Antigamente, tínhamos a mesma
carteirinha das prostitutas. Não existia
documentação e havia um simples
contrato com os caras que nem era lá
essas coisas”.
No final da década de 70, Tião
trabalhou como assistente de câmera
no longa A Batalha dos Guararapes,
de Paulo Tiago, o mesmo de Moças
de fino trato. Rodado em Pernambuco,
destreza de quem descobriu o que as filmagens duraram cinco meses, só
realmente buscava. Na recente que, para Tião, o tempo de trabalho
produção Terra de Deus, de Iberê durou nove meses, devido aos quatro
Cavalcanti, Tião Fonseca assina como de preparação. O filme contou com a
cenógrafo e, na segunda viagem ao produção cenográfica de Campelo
Pantanal, em 1969, a procura foi pelo Neto, além do trabalho de câmera de
personagem Manuel Boiadeiro. Mário Carneiro. “O cinema brasileiro
O encontro com Iberê Cavalcanti possui muita criatividade. Se não tem
foi rodado numa gráfica de Brasília, grua, a gente improvisa uma tractana,
onde Tião trabalhou com arte-final. que nada mais é do que uma câmera
“Nessa gráfica existia um galpão, com na ponta de um pedaço de pau”, conta
uma impressora que estava parada no entre gargalhadas.
tempo. A empastelada do regime Um dos xodós de Tião Fonseca é o
militar foi tão grande que ninguém curta O Boi, de 1982, onde assina
teve tempo de retirar a espátula da direção e fotografia. Sem diálogos, a
tinta”. Depois do encontro com Iberê, seqüência de cenas, rodadas numa
Tião tomou a iniciativa de ir para o Rio cidade do interior do país, mostra que
de Janeiro para viver cinema. o único humano no filme é o próprio
No Beco da Cinelândia, entre boi. A diversão das pessoas era apenas
hippies, filósofos, artistas, músicos e Cangaceiro que, para escapar da Tião na solenidade que marcou a preocupação de maltratar o animal,
tipos populares, Tião conheceu outros censura, abusava do plano americano seu ingresso na Comissão do numa espécie de farra do boi pelas
mestres, como o eletricista de cinema para não mostrar o conteúdo erótico Espírito Santo de Folclore, na ruas. Tião Fonseca lembra uma frase
Edinho Silva, Sandoval, Baixinho e Dib dos personagens. Em 1976, o longa A companhia da professora e de João Guimarães Rosa para ilustrar
Lutf. Era a época da pornochanchada força de Xangô, também de Iberê folclorista Adeuzira Madeira e do o sentido do curta: “O boi é um rosto a
e de suas figuras, como Nilo Cavalcanti, rendeu a Tião Fonseca a escritor Adilson Vilaça menos entre os humanos”.
de história e folclore
Renato Pacheco
de sucesso
Com os índios, do Espírito Santo foi encontrada. “Eles No Acre, Tião Fonseca conviveu
no Acre estavam felizes, com esperança de com os índios kaxinawá, poianavá e
apurinã, além de seringueiros da
Os últimos Hitlers
capixaba
Um homem
dos maiores atacantes da história do recuar na vida do moço. Ele nasceu capixaba em campo, disse: “Esse
futebol capixaba, embora tenha jogado em 12 de julho de 1929. Vivia em menino não pode jogar num campo
por pouco tempo. Começou aos 16 e Paineiras, Itapemirim, perto do maciço pesado”. Ponto final. Tom saiu para que
gol
parou aos 25 anos. Simplesmente, não Frade e a Freira, na estrada de ferro entrasse o reserva Milton Zureta e os
queria ser mais um profissional do Cachoeiro/Marataízes e era filho do fluminenses venceram por 2 a 0.
chamado
esporte. comerciante de café Moacyr Pedra Mas, no jogo de volta, ele jogou e
Alguns dias antes do episódio da (que iria à falência por causa da crise os capixabas venceram por 2 a 1. Na
estação ferroviária ele, então já político-econômica de 1930) e da prorrogação, nova vitória por 1 a 0 e a
conhecido como jogador, havia sido funcionária pública Leocádia dos classificação do Espírito Santo. Estava
convidado para ir a Campos participar Santos Pedra. iniciada uma carreira de jogador da
do amistoso que inauguraria o estádio Acredita ter começado a jogar seleção capixaba, que só seria
do Americano, daquela cidade, e que futebol, e bem, aos 8 anos. Menino do encerrada em 1955, quando ele
existe até hoje com o nome de
Godofredo Cruz (médico local). O O time do Rio Branco (em pé, da esquerda para a direita): Walter, J.
amistoso seria contra o Vasco, do Rio. Pedro, Neide, Brandoline, Haroldo, Dudulio; agachados, da
Tom foi, jogou, o Americano perdeu esquerda para a direita: Tom, Alcy, Zezinho, Nenem e Romeu
por 6 a 5, mas ele marcou três gols.
Jogou tão bem que os dirigentes
vascaínos não o deixaram ir para o
vestiário. Convidaram-no a fazer
estágio de seis meses no clube,
ganhando salário mensal de Cr$ 2 mil.
“Para se ter idéia do que isso
significava – explica Tom –, o mínimo
Álvaro José Silva da época era de Cr$ 150,00. E valia
Fotos: Guinaldo Nicolaevsky
bem mais do que hoje”.
Em vez de responder na hora, o
menino, menor de idade, pediu para ir
até em casa e conversar com os pais.
parou de jogar, aos 25 anos. único vivo.
Tom fez poucas partidas pelo Mas ficou pouco tempo no clube. Tom acha que o destino o tirou do
Estrela. De Campos, sabedor dos Ao final do ano, procurou Rui Martins Vasco. Caso contrário, fatalmente
talentos do rapaz por intermédio de e lembrou-o da promessa de emprego. acabaria titular e, como a seleção
Benedito Lima, o presidente do “Se eu quisesse ser profissional, teria brasileira de 1950 teve nada menos
Americano veio a Paineiras e o ido para o Vasco”, deixou claro. Como que 13 vascaínos, poderia ser o ponta-
convidou a reforçar a equipe campista não havia segredos em Vitória, foi esquerda da equipe, no lugar de Chico.
no tal jogo contra o Vasco. Mas por procurado por Pedro Ermínio, que Impossível? Ele acha que não. Muitos
que, depois do convite vascaíno, Tom propôs um teste para Tom trabalhar na dos que conheceram seu futebol
mudou de rumo e, em vez de pegar o Vale. A contrapartida era ele passar a refinado, de craque lançado aos 16
noturno para o Rio, veio dar em Vitória ser jogador da Associação Atlética Vale anos, época em que isso não
e no Rio Branco? do Rio Doce, antecessora da atual acontecia, também. “Antes de Pelé, não
“Jamais ganhei dinheiro com Desportiva, na qual Ermínio era se lançavam garotos. Isso só aconteceu
futebol. Tinha vergonha de ser jogador e tesoureiro. Aceitou, fez o comigo”, diz ele.
profissional. Queria era estudar, pois teste, passou (“eu passaria mesmo se Artilheiro capixaba duas vezes no
só tinha o primário”, diz ele. É verdade. tivesse feito um mau teste”, admite, Santo Antônio e uma vez na Vale, Tom
Quando viu o menino quase indo para rindo) e deixou o Rio Branco. tem passagens brilhantes pela seleção
o Rio, Rui Martins o demoveu da idéia. Em 1949, foi campeão capixaba capixaba, onde também fazia gols a
Lembrou a ele que o irmão, Ariosto (já pela Vale. Depois, o time caiu muito de rodo. Uma delas, pelo menos, conta
falecido), era jogador do Rio Branco e nível e, em 1952, atendendo a um um fato que quase custou caro aos
o ambiente era outro. Ao final, convite do presidente Rubens Gomes, capixabas.
prometeu pagar a ele CR$ 500,00 transferiu-se para o Santo Antônio. Um Corria o ano de 1954 e o Espírito
mensais (um quarto da proposta do ano depois era titular do time campeão Santo jogava uma das eliminatórias
Vasco), até arranjar-lhe um emprego invicto com zero ponto perdido, fato contra o Paraná. O jogo daqui
em Vitória. Tom tornou-se, assim, inédito no futebol mundial. Ficou lá até terminou 2 a 2 e era preciso vencer lá.
jogador do Rio Branco. E o Vasco ficou 1955, quando então parou de jogar. A partida estava 3 a 2 para o Espírito
sem o ponta-esquerda que tinha por Na ocasião já tinha empresa em Santo e os paranaenses empataram mais”. Com um segundo chute extinta CBD. não temos chances”, afirma.
objetivo trabalhar para, quem sabe, vir sociedade com o irmão e resolveu tocá- perto do fim. Na prorrogação, o árbitro recebido na canela, o árbitro expulsou Elogios, só Esse ex-craque, que não considera
a substituir o titular, Chico. Esse mesmo la. Daí para a frente, paralelamente ao carioca Carlos Monteiro de Oliveira, o Tom. Pelé o maior jogador de todos os
Chico que jogou contra o Americano, trabalho na Vale e mesmo depois dele, Tijolo, marcou um pênalti de Goli, para Telê
na abertura do Godofredo Cruz, a Copa Mas isso não seria tudo. No dia tempos e homenageia Gerson e Tostão
se tornou um bem-sucedido contra o Espírito Santo. “Não foi nem
de 50 e esteve na final com o Uruguai. seguinte, enquanto esperavam o avião como artistas da bola, teve uma
empresário de terraplanagem, falta nem dentro da área. Ele era um Ao longo da curta carreira, Tom
no aeroporto de Curitiba, os capixabas sofreu várias contusões. Em 1949, levou segunda chance de alcançar sucesso
trabalhando sobretudo para o Estado ladrão”, argumenta. Foi uma confusão
Amador por deram de cara com o juiz.. Tom garante 12 pontos na perna, depois de uma nacional e mundial, em 1954. O
e prefeituras, como empreiteiro de dos diabos e Tom deu um chute no que alguns se aproximaram dele Flamengo veio a Vitória para fazer
excelência obras públicas. Hoje, aos 72 anos, árbitro, que preferiu nada fazer. apenas para conversar, mas o Tijolo
disputa de bola com um zagueiro. E
amistoso, num episódio que até hoje
aposentou a sua empresa, a Setil, e “Então – conta ele – eu disse para houve mais machucados. Até hoje ele,
saiu correndo aeroporto afora. Foi uma que perdeu a totalidade de seus troféus causa vergonha: o time empatou em
Tom jogou no time que seria mora na Praia do Canto, freqüentando o Rafael (hoje um conceituado dentista confusão danada. Os jornais do Rio e medalhas, além de quase todas as 1 a 1 com o Santo Antônio, e seus
tricampeão capixaba pelo Rio Branco a academia da filha, Hangar, localizada em Cachoeiro) que o time dependia acusaram a delegação capixaba de ter fotos antigas, guarda essas lembranças jogadores, após a partida, defecaram
em 1947 (o tri de 45/46/47). Deslocado ao lado da Ponte Ayrton Senna. da gente. Fomos para a frente. Quando tentado linchar Carlos Monteiro de como prova de amor pelo futebol. Um nas instalações do Ginásio Wilson
para a ponta direita, formou um célebre Destino marca dei um passe e ele ia marcar, Tijolo Oliveira e, por pouco, o Espírito Santo esporte que, para ele, tem receita Freitas, do Saldanha da Gama, onde
ataque constituído por ele, Alcy, impedimento assinalou impedimento. Não agüentei não foi eliminado do Brasileiro pela simples: “50% posicionamento, 30% todos estavam hospedados, ainda se
Zezinho, Nenem e Romeu. Hoje, é o
precisão nos passes e 15% o resto: limpando com a bandeira do clube.
velocidade, drible etc”. Quando o presidente flamenguista
Não crê em técnicos como Gilberto Cardoso veio a Vitória para pedir
Wanderley Luxemburgo, Luiz Felipe desculpas oficiais, solicitou a Rubens
O craque (circulado Scolari e outros. Só elogia Telê Santana. Gomes para falar com Tom. “Ele quer te
em vermelho) junto E explica: “Na Copa de 70, no México, conhecer”, disse o presidente do Santo
ao time do Rio Branco Zagalo ganhou com uma única Antônio àquele que, então, já era um
e da Seleção mudança tática, colocando Clodoaldo jogador em vias de parar. Novamente
Capixaba (ao lado) Tom sentiu vergonha de ser profissional.
no meio-campo e recuando Piazza
para a defesa. Em 1998, perdeu a Copa Pela segunda e última vez, disse não
da França ao colocar Leonardo no ao destino.
meio-campo”. E este ano? “Acho que
Nosso primeiro
marqueteiro Chiquinho sendo carregado por
correligionários durante o
processo eleitoral (à esquerda);
ao fundo, Kinkas dando entrevista
durante posse na CMTC de São
Kinkas Paulo
O detonador
de oligarquias
ano de 1954 foi de grande melhores quadros, em sucessivas campanha, transformou no maior elitizada do Estado e havia já
do povo trabalhador/ o povo quer do Chiquinho. Uns desconfiavam que E levamos Chiquinho para os bairros mais tarde aliou-se ao PSD).
“Quando eu bolei o Chiquinho para seu governador/ era um cantor. Outros, um produto para fazer um corpo-a-corpo. Tenho Neste ponto do seu depoimento, o
Chiquinho vem aí/o povo quer estético. Aí resolvemos lançar a certeza que foi o primeiro corpo-a- capitão Joaquim fez uma pausa longa
nosso primeiro
slogan Chiquinho Chiquinho para seu governador... candidatura dele numa região em que corpo que se fez no Estado. Foi para dizer o quanto foram injustos os
A musiquinha do Chiquinho, então, ele era totalmente desconhecido: quando ele começou a correr os ataques que os seus companheiros de
virou o maior sucesso musical da Colatina. O Chiquinho não conhecia bairros da Grande Vitória, política desfecharam em cima de Jones
vem aí, os líderes época – era cantada de norte a sul no nenhum lugar do norte do Estado. principalmente com a musiquinha que dos Santos Neves:
Estado. Hoje, aos 77 anos de idade, Aliás, só veio a conhecer Vitória por eu fiz: Chiquinho vem aí/ o povo quer – Ele foi acusado de corrupção,
oposicionistas recuperando-se de um derrame, o essa ocasião da campanha eleitoral. Chiquinho para seu governador... O talvez como nenhum outro
capitão Joaquim, o Kinkas (como era Naquela época, a elite do sul do Estado povo veio para o comício cantando a governante. Eu também passei pela
aprovaram, mas popularmente conhecido na política, fazia do Rio de Janeiro o seu centro musiquinha. Ah, tinha colocado política e fui vítima também de
atualmente general de Divisão do econômico e cultural. Eles não vinham também um avião, um teco-teco, acusações desse gênero. Não tão
queriam que Exército), lembra a experiência vivida a Vitória. rodando a cidade com uma faixa de intensa como Jones, que foi
como verdadeiro marqueteiro, pioneiro – Fomos de trem para Colatina para Chiquinho vem aí. Aliás, essa frase era governador, enquanto eu fui apenas
colocasse um no Estado, pois ele surgiu muito antes fazer o comício. Levamos uma obrigatoriamente o arremate de todos secretário de Estado. Pois bem, Jones
da Bete Rodriques e companhia, com caravana imensa e com todos os os discursos no palanque do foi sem dúvida alguma o grande
doutor sacadas de comunicação de alto efeito líderes da oposição. Foram Oswaldo Chiquinho. governador deste Estado. Um homem
e que foram decisivas para interromper Zanelo, Floriano Rubim, Argilano Dario, – Daí para a frente ninguém de desenvolvimento. E Jones morreu
na frente do a vida da mais longa oligarquia do meu pai, Lourival de Almeida, Clóvis segurou mais o Chiquinho. Era chegar praticamente pobre. Não tinha
Estado. Stenzel, que era um grande tribuno. em qualquer lugar do Estado e o povo patrimônio algum. Comigo aconteceu
Foi um espetáculo político que o povo carregar o homem nos braços. Isso a mesma coisa. Até hoje moro de
Chiquinho” – Quando eu bolei o slogan não estava acostumado a ver. O correu por minha conta, já que eu era aluguel.
Chiquinho vem aí – lembra o capitão pessoal do PSD fazia campanha bem o responsável pela campanha do – E Chiquinho, foi bom
Joaquim – os líderes oposicionistas distante do povo. Eu arrumei logo Chiquinho, mas é bom não esquecer governador? – provoco para saber a
Capitão Joaquim
aprovaram, mas queriam que gente para carregar Chiquinho nas que Jones dos Santos Neves, o sua opinião sobre a figura popular que
tomando posse como
secretário de governo colocasse um doutor na frente do costas. O público explodiu. governador da época, foi praticamente inventou como
(acima); Chiquinho, pois naquela época para bombardeado o tempo todo do seu marqueteiro.
Chiquinho sendo ser político de sucesso no Estado tinha – De lá viemos para Vitória para período administrativo por uma – Bom eu não posso dizer que foi.
abraçado por que ter o doutor na frente do nome. fazer um comício na Praça Oito. Aí eu oposição duríssima. Principalmente Seria incorrer em erro. Mas que ele foi
populares (ao lado); Eu reagi dizendo que o povo já estava já tinha arrumado em Campos, no pelos deputados estaduais Clóvis a imagem do que sacamos para ele,
Clóvis Stenzel falando enjoado de tanto doutor e o negócio Estado do Rio, um carro-propaganda. Stenzel, José Cupertino (irmão do foi. Com Chiquinho no governo o povo
na posse do Capitão era construir uma figura popular, já Era um carro grandão, cheio de alto- capitão Joaquim), Argilano Dario, humilde freqüentava o palácio, o que
Joaquim (embaixo); que os adversários eram os próprios falantes. Uma novidade para a época. Floriano Rubim e Eurico Rezende (que não ocorria com Jones e muito menos
na página oposta, doutores. E mais: que a gente iria levar com Carlos Lindenberg.
Chiquinho sendo Chiquinho para perto do povão, coisa
carregado pelo povo que o PSD não fazia, ganhando suas
durante a campanha eleições na base de chefe político do
interior.
– Os homens não queriam
aprovar. Queriam dr. Chquinho vem
aí. Afinal, diziam eles, Chiquinho, que
eu tinha inventado, em verdade era
um rico fazendeiro do sul do Estado,
de tradicional família paulista (que
migrou para o Estado na crise do
café), a família Lacerda de Aguiar. Ou
seja: queriam mesmo o dr. Francisco
Lacerda de Aguiar como era o seu
nome real. Antes que o Chiquinho
voltasse a ser dr. Francisco, eu mandei
pichar o Estado todo de Chiquinho
vem aí.
– Foi um imenso impacto. Todo
mundo queria saber quem era o tal
marqueteiro
saiu o resultado das urnas, ele ganhou Barros. Depois disputei a prefeitura de
ali disparado. Aliás, Chiquinho só não Vitória e perdi as eleições para Solon
nosso primeiro
Rogério Medeiros
apenas por uma semana.
“Mas uma semana?”,
indagou meu tio sem
entender nada. “Uma
semana só, coronel,
retrucou o Chiquinho”. “Mas
para quê, governador”. Ah,
o senhor não sabe o
mulherão que veio pedir”.
– Galanteios à parte, o
senhor saiu do governo e
foi parar aonde?
Chiquinho gostava de povo. O figura máxima do populismo capixaba, eleitorado era pessedista, na hora que – Eu sou de família de
Em sentido horário: reunião com o governo era confuso, até porque ele que, aliás, eu continuo achando que fomos fazer o primeiro comício lá o políticos aqui do Estado. O
presidente Jucelino Kubitschek para era uma federação de partidos foi com seus curtos 12 anos de vida Chiquinho pediu para eu descer e ir meu pai, Lourival de
obtenção de recursos financeiros oposicionistas. Difícil mesmo de pública. apertando a mão do pessoal e avisar Almeida, que foi
para a CMTC São Paulo (1960); controlar. – Mas o senhor não disse que seus para ele se as mãos eram calejadas. desembargador, foi também
reunião de Ademar com o vice- – Mas com o povo ele tinha uma governos não foram bons? – Eu fui cumprimentando um a um deputado federal. O meu
governandor de São Paulo, Erlindo ligação de afeto. Imagina que ele saía – O povo não se importava muito e voltei ao palanque e disse para ele irmão, José Cupertino, foi
Salzano (1957); Chiquinho e Kinkas no fim de semana sozinho dirigindo o com o resultado do governo dele. Tanto que o povo que estava ali era de mão vereador e deputado
na posse; na página oposta, o seu carro e ia para os morros conversar que já no seu primeiro governo ele grossa. “Então vamos ganhar aqui”. Aí estadual e aposentou-se
marqueteiro hoje fiado com o povo. Levava balas no deixou o funcionalismo com quatro ou eu disse: mas, doutor Chiquinho, esse como desembargador.
porta-malas para distribuir com as cinco meses de atraso e veio a ser esse povo aqui é PSD até a medula. “De Quando deixei a Secretaria
crianças. Queria vê-lo bem era levá-lo mesmo funcionalismo que o mão calejada, não. Você vai ver o que de Governo do Chiquinho,
para junto do povo humilde. Se não reconduziu ao governo quatro anos vai dar aqui. Em seguida, ele desceu fui servir como chefe do
tivesse havido o golpe dos militares, o depois. Chiquinho conhecia povo. Em do palanque e foi também Gabinete Militar, do prefeito
Chiquinho teria se constituído na Afonso Cláudio, onde diziam que o cumprimentando um a um. Quando de São Paulo, Adhemar de
Isaumir Nascimento
um privilégio
de poucos
Fernanda Couzemenco
Fotos: Apoena
Viver e morrer em
assim evitam o inchaço ainda maior das
cidades que, na maioria das vezes, não
possuem sequer seu Plano Diretor
Regência
Urbano (PDU). No Estado, o documento
ainda é privilégio de menos de uma
dezena de municípios.
A elaboração e execução do Plano
foram aprovadas pelo Fundo Nacional
de Meio Ambiente (FNMA), que
disponibilizará R$ 480 mil, a fundo
perdido, para que as comunidades
identifiquem e implementem as
atividades econômicas que considerarem
Meio ambiente preservado, mais qualidade mais indicadas para aumentar a oferta
de trabalho e renda em sua região e que
de vida, trabalho e renda garantidos contribuam com a conservação da
Reserva Biológica de Comboios,
localizada a sete quilômetros do centro
de Regência. As propostas levantadas até
agora são pesca oceânica, agricultura,
piscicultura e ecoturismo.
A coordenação do projeto é da
Fundação Pró-Tamar, entidade que co-
administra o Projeto Tamar-Ibama, de
proteção às tartarugas marinhas. O Tamar
se instalou em Regência em 1982 e
desde então tem incentivado os debates
na comunidade em torno do
desenvolvimento sustentável da região
e gerado serviços ligados à conservação
ambiental, ecoturismo e fabricação de
camisetas, chapéus e artesanato com a
marca Tamar.
de poucos
Durante a temporada reprodutiva os pequenos barcos os alcancem. A crescer de forma ordenada, permitindo
das tartarugas, anualmente entre reforma dos barcos, em andamento que seus filhos tenham melhores
setembro e março, essas atividades através do Plano, é uma saída para os condições de vida, possam receber
chegam a gerar 100 postos de trabalho pescadores antigos e alento para os bem os turistas que sejam atraídos a
um privilégio
diretos e indiretos apenas em jovens que pretendem seguir a visitá-la e, muito importante, se
Regência, que tem cerca de 1,5 mil profissão dos pais. Mas não é assegurem que a tranqüilidade, a
moradores. Esse histórico bem- suficiente. simplicidade e a beleza da vida em
sucedido foi decisivo para a aprovação Regência sobreviverão à aproximação
do projeto pelo FNMA. Não haverá crescente com a zona urbana e seus
“Tivemos o cuidado de estabelecer problemas. “Evito falar muito sobre
esvaziamento algumas coisas boas daqui para não
pré-requisitos de seleção que
atrair pessoas demais, que a gente não
permitissem a participação apenas de
Assim, o turismo, a agricultura, a suporte”, exagera o pescador Élcio José
entidades sérias e que já trabalhassem
piscicultura e outras atividades de certa Souza Olviera, o Zé de Sabino.
há alguns anos com comunidades de
forma novas para os regencianos, são Mas o exagero tem certo
entorno de unidades de conservação”,
a maior garantia de que a vila não se fundamento. Nos últimos dez anos, a
ressalta Patrícia Metzler Saraiva
Saraiva,
esvaziará e, ao contrário, poderá
coordenadora da carteira de manejo
sustentável de fauna e flora do FNMA.
O vice-presidente da Fundação Pró-
conhecida, já está preparando reforma e a presença dos entulhos trazidos Dona Luíza Barcelos de Souza
Souza, 87,
A Reserva Biológica de Comboios, com no estabelecimento. pelos quase 1000 km de leito do rio fala com água na boca – e
833,23 ha, foi criada em 1984 pelo governo Até um posto de gasolina já está Doce afastam os banhistas. Mas comedimento – das receitas para se
federal com o objetivo de preservar a se instalando. A novidade é trazida por bastam um ou dois quilômetros ao comer careba, como chama a tartaruga
biodiversidade de fauna e flora da restinga Carlos Alberto BaptistaBaptista, que norte ou ao sul para que a beleza marinha. Carne de tartaruga seca e
local e as desovas de tartarugas marinhas que inaugurou a lanchonete Carebão no selvagem do lugar roube a cena. grelhada com farofa dos ovos da
ocorrem na região. último verão e se prepara para abrir Barulho somente do mar, já mais bichinha era seu prato preferido. Mas
Entre as espécies em extinção destacam- uma pousada – mais uma! – e um calmo e limpo. E nas areias, a ela deixa bem claro que isso é passado.
se a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus) restaurante. “A gente acredita no vegetação nativa divide espaço apenas Filhos, netos e muitos outros parentes
tamanduá mirim (Tamandua tetradactyla) e potencial turístico de Regência”, afirma. com os banhistas e surfistas, que já trabalham para o Tamar, ajudando na
ouriço-caixeiro (Sphygnus sp). Além do charme próprio, Regência elegeram a região como uma dos conservação das carebas. “Tem muito
A proteção integral também favorece os também atrai os interessados em principais “picos” do Estado. Ao redor, emprego por causa da tartaruga e do
peixes que procuram abrigo e alimentação no conhecer a foz do rio Doce, a vila de os olhos alcançam uma imensidão de Tamar. Foi bom”, avalia.
mar defronte à Reserva. E a vegetação protege planícies e um sem-fim de mar-areia- Dona Luíza gosta de contar
a vila e arredores da erosão e do vento. Sem céu-vegetação. histórias, especialmente sobre o
Isaumir Nascimento
falar no atrativo turístico. Apenas 3,9% do A pureza da paisagem é tamanha, carnaval de rua de Regência, do qual
território nacional está protegido dentro de que é possível avistar o Mestre Álvaro, sempre participou. “A gente saía
unidades de conservação de proteção integral. na Serra. A faixa de praia dentro da fantasiado com as cores do bloco em
“É um diferencial importante para o ecoturismo. Reserva Biológica tem acesso dois cordões separados, um de cada
Além disso, a Reserva pode ajudar a atrair controlado e permitido em apenas dois clube. Andava junto com uma banda
parceiros nacionais e internacionais para o pontos. O cuidado vale a pena. A de música, era muito alegre”, conta.
fomento do desenvolvimento sustentável na urbanização desordenada e a sujeira Agora dona Luíza prefere assistir à
região, como está acontecendo agora com o que avançam em nossas praias Brasil festa, que ainda acontece.
FNMA”, destaca o chefe da Reserva, biólogo afora tornam santuários naturais como Elpídio Ângelo de Macedo
Macedo, o seu
Juarez Scalfoni
Scalfoni. esse cada vez mais raros e vitais. Miúdo, 79, também é fã do carnaval
Juarez também é o executor da base de Comboios é um patrimônio da de Regência. Tem dezenas de canções
Comboios do Projeto Tamar-Ibama, que humanidade, que tem o direito de se sobre os carnavais e outras histórias
funciona junto à Reserva. A base monitora 37 beneficiar e usufruir dela, e o dever de folclóricas de Regência. Tocador de
km de praias, trecho que, somado aos 73 km preservá-la. E Regência, como vizinha bandolim, cavaquinho, pandeiro e
monitorados pelas bases de Povoação e Pontal privilegiada, está cada vez mais violão, com um CD gravado e diversas
do Ipiranga, abriga o único ponto conhecido consciente de que só tem a ganhar homenagens de prefeituras e
de concentração de desovas da Tartaruga- ao defender essa idéia. personalidades, ele gosta mesmo é de
gigante ou de couro (Dermochelys coriacea) ser chamado de Guardião de Caboclo
e o segundo maior da Tartaruga-cabeçuda Bernardo, o herói linharense que no No alto, General, que criou o Museu do General, com peças de artes
(Caretta caretta) no Brasil. As atividades século XIX salvou mais de cem feitas por ele, e a esposa, dona Mariquinha (página oposta); a prática
desenvolvidas são manejo de desovas, pessoas do naufrágio de um navio, na do surf, muito comum nas praias da cidade (página oposta); acima, seu
educação ambiental e pesquisas científicas. foz do rio Doce. Miúdo, guardião do Cabloco Bernado, morador antigo de Regência, e
O Centro de Visitantes da base conta com O herói é tema de marchinhas de dona Luíza, nativa de Regência, peritos em tartaruga
sala de exposição e vídeo, aquários e tanques carnaval e congos. O encontro anual
de crescimento de tartarugas marinhas e, entre de bandas de congo que acontece na como uma das inspirações para netos e dois bisnetos – do vento, do
dezembro e fevereiro, soltura de filhotes na vila é considerado o maior do Estado produção de suas peças de arte. O fogo, e alagamentos em épocas de
praia. e a banda de congo mirim local foi a Museu do General funciona junto à chuva. “É bacana ter a natureza perto,
RESERVA E BASE DE COMBOIOS: primeira a ser criada, há doze anos. A pousada e revela de maneira temos que dar valor. Eu não saio de
Onde fica: a 7 km ao sul da vila de Regência. idéia foi de dona Mariquinha
Mariquinha, que faz colorida e particular, a alegria de se Regência nunca. E acho que meus
Horário de visitação: 8h às 12h e de 13 às questão de receber as bandas do viver em Regência, próximo a tantas filhos também não”. General acredita
17h, todos os dias, inclusive sábados, domingos e encontro em sua pousada, onde belezas naturais. Ele e a esposa no surgimento de mais trabalho para
feriados.
oferece café da manhã e almoço aos plantaram uma por uma duas mil as novas gerações e que elas
O que encontrar: Sala de Exposição e Vídeo,
aquários e tanques de crescimento de tartarugas integrantes. árvores ao redor do terreno, para continuarão a se beneficiar com a
marinhas e, entre dezembro e fevereiro, soltura de O marido, Primo Pelisssari
Pelisssari, protegerem a família – são quatro conservação das tartarugas e de toda
filhotes na praia. conhecido como General, usa o congo filhos biológicos, oito adotivos, 25 a natureza que os cerca.
Telefone: (27) 984-3788
E-mail: comunicacao.es@tamar.org.br
livre pensar
“Livre pensar é só pensar” - Millôr Jace Theodoro
Publique a minha carta, por favor. O que estão fazendo comigo é um linchamento moral só porque sou mulher e nordestina.
Encontraram toda aquela grana no escritório da minha empresa, mas campanha, como o senhor sabe, se faz com dinheiro vivo.
(Roseana dos Lençóis).
É mulher e nordestina mas, diferente da Benedita, não é negra nem favelada, o que, segundo a sua família, são dois pontos a favor
Mundo (como a tendência do Ibope é que a senhora não tenha nenhum ponto, já é alguma coisa). Realmente, campanha com dinheiro morto
é pra quem gosta de real e de lavagem de dindim e o seu clã entende disso como ninguém, haja vista a brancura dos lençóis
animal maranhenses.
2
da água Perrier a rações para gatos, o
isto é, se os jurados não exigirem o RGA do couro de que pode ser um sinal de que vamos @ Tem evangélico por aí
gato dos tamborins. comer chocolate que mata a sede com usando a Bíblia como calço de
gosto de pêlo angorá. A família Garoto geladeira. Ou seja, Jesus está
começou a guerra de tabletes entre entrando numa fria.
3
a melhor fatia do brigadeirão. Helmut @ Pesquisa mostra que
O Brasil é o país do futuro. Meyerfreund, o ex-big boss da mulheres choram três vezes
Mas o futuro, esse eterno empresa, disse que “o Espírito Santo mais que o homem. Com a
marido traído, vai acabar está de luto”, mas eu duvido que qualidade dos cuecões no
sendo o último a saber alguém vá usar preto no velório. No mercado, as pobres coitadas
dessa história. máximo, uns modelitos marrons... vão rir de quê?
marrom-bombom, como convém.
crônica
Tavares Dias (www.tavaresdias.jor.br)
O preço da transformação
São amigos de longa ntão o jeito é entrar para A luta é dura, mesmo. Jeromo é
uma igreja cristã. Primeiro mais aplicado, mais tenaz, e além do
data. Desde meninos. E vai Jeromo, que uns tempos mais tenta carregar consigo o frágil
agora, já homens de depois consegue, a duras Onofre, que às vezes ainda fraqueja e
penas, levar Onofre. Aquela irmandade, depois entra em crise de culpa, amarga
meia-idade, casados, formada pelas pessoas mais simples uma depressão. Deixa a igreja duas
e mais pobres da cidade, recebe-os vezes, retorna. Jeromo vai se firmando,
pelejam pra largar amorosamente, com o ardor dos com uma derrapada ou outra. Chega
hábitos e vícios desde místicos e o corporativismo tão comum a pastor. Continua arrastando Onofre.
aos religiosos. O grupo sabe que os As obrigações de Jeromo dobram,
muito arraigados. Além novos irmãos poderão cair muitas com a nova atribuição.|Orienta casais,
da consciência de cada vezes, mas que o mais importante é jovens, famílias inteiras. Estuda os
nunca desistir. textos sagrados, cuida da própria
um, as pressões Para espanto da comunidade local, família. E o mais cansativo são as
familiares e Jeromo e Onofre começam a usar notícias das derrapadas de Onofre, que
paletó e gravata, a carregar livros continuam chegando. O estresse é
profissionais também religiosos debaixo do braço. Somem crescente.
exigem a mudança. dos bares, da sinuca, do campo de Um dia, Onofre entra
futebol, da rinha de galos, do carteado, sorrateiramente na sinuca, que
da raia de malha, das casas do outro também é bar, e pede uma pinga.
lado da linha do trem. A dupla vira o Servido, vai com o copo na mão até a
centro dos comentários em todas as porta, dá uma olhada na rua e volta
rodas onde se jogava conversa fora. A assustado, ao ver que Jeromo vem
mudança da dupla causava espanto. descendo a rua. Apavorado, pede pra
Só o alfaiate da cidade, considerado o se esconder no banheiro, com copo e
mais sábio entre os antigos, resmunga tudo.
seu ceticismo: Logo entra Jeromo. Vem
-Quenga num angustiado, abatido. Os amigos notam
regenera. Tira férias. a tensão, os tiques nervosos. Mas todo
mundo disfarça.
Com toda a solenidade recém-
adquirida, Jeromo pergunta pro dono
da sinuca:
-Viu o irmão Onofre por aí?
Rapidamente, a turma toda nega,
uns com palavras, outros com gestos,
na cumplicidade comum aos errados.
Pois para surpresa de todos, e
principalmente de Onofre, que sua em
bicas a dois metros, dentro do
banheiro, o copo de pinga na mão,
Jeromo também vai até aporta,
esquadrinha a rua de alto a baixo e
manda de primeira, num desabafo
envergonhado:
-Então bota u´a purinha aí pra mim.