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Reportagens Do editor

Uma publicação M4 - Jornalismo,


Mulheres
Fotografia e Fotojornalismo Ltda.
na estrada Repórter em
campo minado
Rua Aurora de Aguiar Ferreira, Elas são estudantes ou profissionais
210/502, Jardim Camburi, liberais. Jovens, antenadas e
Cep 29.090 - 310 - Vitória - ES - sensíveis. Algumas estão na estrada
Telefax (27) 337-1983. já há algum tempo, outras iniciaram
carreira mais recentemente. São Numa guerra aberta, declarada, o repórter se arrisca com a perfeita consciência dos
Redação, Administração perigos. Se preciso, paga com a própria vida por sua ousadia e coragem, como tem ocorrido
e Publicidade: cantoras e instrumentistas que têm
Rua Taciano Abaurre, 25, a alma repleta de chão 16 em vários conflitos armados mundo afora. Agora, numa guerra suja, sem quartel – como
salas 306/307 - Enseada do Suá - se desenvolvem os embates travados pelo sindicato do crime –, é justo, desejável até, que
Cep 29050-470 - Vitória - ES. ele (o repórter) se preserve para poder contar sua história no momento oportuno.
(seculoes@uol.com.br) Choro e Foi assim, cercado de toda a segurança possível, que Rogério Medeiros
As cidades
alegria acompanhou, a partir de meados da década de 60, os passos de homens imbuídos de
REDAÇÃO e sua gente um único propósito em suas atribuladas trajetórias em terras capixabas: matar. E que
Diretor:
Mestre Flores, 84 anos bem vividos, Um importante pólo de confecções, acabaram como suas vítimas: riscados do mapa.
Rogério Medeiros continua na luta. É um comunista com nada menos de 700 empresas, Com todos os personagens da história já falecidos, Rogério pôde, então, usar o
(itaunas@uol.com.br) histórico que tem toda a sua vida faz a diferença. E Colatina se material com que hoje nos brinda em mais de suas narrativas, dissecando a figura de
Editor: marcada por dificuldades mas destaca na economia capixaba pela
Stenka do Amaral Calado uma autêntica lenda do mal – o tenente José Scárdua, muito provavelmente o tiro
também por alegrias tiradas do som pujança de sua indústria, bem como
(stenka@uol.com.br)
de seu cavaquinho. Um comunista mais certeiro da história de crimes do Estado.
pela intensa movimentação dos Um homem frio, calculista, que não tremia diante do perigo nem pensava duas vezes
do balacobaco 24 negócios com café
Reportagem: 30 antes de puxar o gatilho. Alguém que poderia ostentar, com toda propriedade, o título de
Geraldo Hasse, Jeanne Bilich, Marilza
Bigio, Andréia Curry, José Maria enviado do demônio. Pois esse tenente do diabo teve morte inglória para um matador
Batista Capixaba afamado. tombou sobre a cadeira de um barbeiro que freqüentava habitualmnente aos
sábados, fulminado por tiros disparados por pistoleiro travestido de mendigo.
Colaboradores: de sucesso Foi como naqueles filmes de mafiosos em guerra, em que não faltam barbearias e
Marcello Netto (Nova York),
Sylvio Costa (Brasília)
Tião Fonseca aprendeu com a pai a lavanderias como cenários de mortes brutais e covardes. E foi também como num
mexer com ferramentas. Menino filme que Rogério viveu aqueles tempos de violência. Um dos episódios vividos pelo
Programação visual e ainda, gostava de rabiscar as jornalista ilustra bem esse aspecto do seu trabalho.
projeto gráfico: paredes do seu quarto. Hoje é um Em 1966, na busca de informantes ligados ao sindicato do crime no ES – que
Sérgio Paulo Furtado, consagrado artista plástico por suas
Vladimir Bigio Calado pudessem ajudá-lo na tarefa de rasgar o véu de mistérios sob o qual se ocultavam os
esculturas criadas em madeiras e matadores –, ele foi dar com os costados em Baixo Guandu, domínio de Antônio Pinto,
Arte e ilustrações: troncos de árvores 36 apontado como o mandante do assassinato de Scárdua.
Cláudio Duarte Rogério não encontrou os informantes e resolveu procurar o pároco local, padre
Edição de Fotografia: Esporte Nosso primeiro Alonso, um velhinho de olhar desconfiado que acabou por entregá-lo aos bandidos.
Ricardo Medeiros por esporte marqueteiro Quando voltou à pensão em que se hospedara, foi visitado por um advogado da
cidade, que secamente o advertiu: “Some daqui, rapaz, senão vai
Consultores: Um grande craque do futebol Kinkas usou a intuição e um talento
sobrar pra você”. Rogério não questionou o mensageiro e deu o
Renato Pacheco (História), capixaba, um goleador, mas de que nem ele mesmo suspeitava
Vinícius Bittencourt (Direito), para fazer história política no Espírito
fora. Ainda bem que o fez. Do contrário, não haveria história para
pouquíssimo interessado no
Fernando Gabeira (Meio Ambiente) Santo, ao detonar do poder as contar. E os leitores de SÉCULO estariam irremediavelmente privados
profissionalismo. Tom, o homem-gol,
oligarquias que dominavam o Estado. do contato com mais este sensacional relato do jornalista.
Produção: foi sempre um amador. Talvez por
Maria de Lurdes Amorim, isso não tenha sido o ponta- Foi graças a ele que Francisco Lacerda
Paulo Márcio Almeida Guimarães esquerda da Seção do Brasil em 5044 de Aguiar, o Chiquinho, chegou ao 48 O exterminador do passado 6
governo
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Vera Novais Seções
INDUSTRIAL
Privilégio
Fotolitos: de poucos
ACE Fotolitos (RJ)
Fatos e lendas do sertão - Adilson Vilaça 23
Meio ambiente preservado, mais
Impressão: qualidade de vida, trabalho e renda
Sol Gráfica (RJ) garantidos. Agora, mais que nunca, De história e folclore - Renato Pacheco 43
vale a pena viver (e morrer) em
SÉCULO responde Regência, que se beneficia de um Livre pensar - Jace Theodoro
pelo que publica. 60
Plano de Desenvolvimento
Sustentável, o primeiro do Estado 54
Crônica - Tavares Dias
62
O exterminador
do passado
A atribulada vida de José Scárdua, matador implacável

Como o

gosta
Rogério Medeiros
Ilustrações: Wagner Veiga
“Qual é o mais feroz dos animais?”, perguntou
o poeta ao sábio.
“O homem”.
“Por quê?”
“Pergunta a ti mesmo. És também uma fera que
tem em si mesma outras feras e por desejo de
poder quer tirar a vida de todas as outras feras”.
(Diálogo extraído do romance
Baudolino, de Umberto Eco)

m matéria de mortes, ele só não


superou o Coronel Bimbim
(SÉCULO nº 21). Mas, em
compensação, no que tange a
execuções, nenhum outro bamba do gatilho
ganhou dele. Não era do seu estilo
encomendar mortes, como fazia Bimbim. Ele
mesmo costumava fazer o serviço. E suas
mortes tinham sempre uma marca
inconfundível: um certeiro tiro na cabeça.
Esse matador implacável, que aterrorizou o
sertão capixaba por quase três décadas, do
final de 40 e mais 50 e 60, atendia pelo nome
de tenente José Scárdua. Se o Coronel Bimbim,
com o qual se juntou em muitos episódios de
violência, era o rei do crime, certamente o
tenente poderia até ter sido o seu príncipe
regente.
do passado

de frente com um homem que Nessa eleição, o tenente José


o exterminador

controlava a vida dos outros na região Scárdua não se mexeu. Ficou neutro.
do rio Doce e norte do Estado. E depois E o fato dessa sua neutralidade correr
o tenente tinha o hábito de executar no interior, deu campo para que o
sozinho as suas vítimas. Face a essas Coronel Bimbim, que nunca morreu
e outras circunstâncias, os dois se de amores pelo governador Carlos
uniram, a tal ponto que viraram, Lindenberg, agisse em favor do
inclusive, compadres. candidato de oposição. A neutralidade
Em matéria de patentes, é bom de Scárdua nesse pleito, que veio a
logo explicar que enquanto Scárdua quebrar, inclusive, uma longa
tinha a sua por causa da carreira militar permanência do PSD no governo,
(pertencia aos quadros da Polícia atendeu a duas circunstâncias no Espírito Santo, um
Militar do Estado), o Bimbim era básicas: o interesse do Coronel Bimbim Estado de pequenas
coronel de patente dada pelo povo da na derrota do PSD e o fato de estar propriedades pela natureza
roça, pelo mandonismo que exercia na disputando pelo PSD o governo uma de sua colonização, toda
sua região de influência. E o tenente figura que não via com bons olhos a ela feita por oriundos
José Scárdua se fez seu parceiro e relação do militar com o seu partido. europeus, acostumados a
cobiçado pela aristocracia rural por Aliás, vale ainda registrar: o tenente chamada propriedade força,
conta de, ainda jovem, como soldado José Scárdua, que entrou na Polícia onde só se emprega a mão-de-
de polícia, haver abatido uns e outros Militar como soldado raso, chegou a obra familiar. A maior parte desses
Imperou por muito tempo pelo empurrou um pouquinho o com certeiros tiros. Depois, na tenente em seguidas promoções nos conflitos de terra ocorreu nas
temor que infundia. Ficaram visíveis na governador para a frente e atirou num perseguição a ladrões de cavalo, sua governos do PSD. regiões da pecuária, diante da
sua história os relevantes serviços moço que estava parado montando arma era a mais temida. Mas foi dentro desse mundo de exigência da ampliação das
prestados à aristocracia rural, um cavalo, de chapéu e capa gaúcha Pontarias à parte, a verdade é que Bimbim, Totó e PSD que o tenente José propriedades.
ajudando-a, inclusive, a manter-se no (como são conhecidas ainda hoje no essa relação entre Scárdua e Bimbim Scárdua virou uma lendária figura de
poder por muitos anos através de interior essas capas grossas). mudou o rumo político do Estado. terror para pequenos proprietários,
governos do PSD. Na região do rio O cavaleiro caiu de cima do Bimbim tinha no Espírito Santo, já que especialmente os que tinham suas
Doce, principal cenário do crime no animal, mas ao se estatelar no chão a sede dele era em Aymorés, MG, um terras cobiçadas pelas elites rurais ou
Espírito Santo, o governador Carlos uma carabina rolou debaixo da capa. sobrinho fazendo política contra o PSD, em conflitos, situações absolutamente
Lindenberg, por exemplo, só ia lá na O tenente e o governador trocaram de Carlos Lindenberg: Sebastião comuns na questão territorial do
sua companhia. olhares cúmplices e discretos sorrisos. Cypriano do Nascimento, o Totó, que Estado. Do ponto de vista das elites
Guilherme Ayres, companheiro Era mais um que o tenente abatia com foi deputado estadual pela UDN. rurais, ele foi efetivamente o seu
político do governador Lindenberg e um tiro certeiro na cabeça. Em seguida, Apesar de o sobrinho do coronel grande guardião e justiceiro.
que em algumas ocasiões se fez até o governador pôde inaugurar o prédio Bimbim abusar algumas vezes do PSD O conflito de terra sempre existiu
de seu motorista, presenciou uma dos Correios e Telégrafos com a maior em Afonso Cláudio, onde fazia política,
dessas espetaculares execuções do segurança e tranqüilidade. o tenente José Scárdua não deixou que
tenente José Scárdua. Foi na cidade Mas não era só esse tipo de serviço nada lhe acontecesse. Até a hora em
de Baixo Guandu, num dia bem que o tenente José Scárdua prestava que outros valentões, a serviço do seu
chuvoso, levando o governador para a Carlos Lindenberg e ao seu PSD. Nas principal inimigo de Afonso Cláudio, o
inaugurar o prédio dos Correios e eleições ele era também um fator de ex-deputado Pedro Saleme, quiseram
Telégrafos. Foram de jipe por causa da votos. Botou muito adversário do PSD matá-lo. Ele evitou.
precariedade das estradas da época. para correr e mudou o rumo de muitos Debaixo da asa do tenente José
Guilherme ao volante, o governador votos. Pesava mais do que muito chefe Scárdua e do nome do tio, o Totó
no banco do carona e o tenente José político do PSD. Era um período em barbarizou o PSD em Afonso Cláudio,
Scárdua no banco de trás. que o grosso do eleitorado ainda se a ponto de botar o governador Carlos
O clima era tenso na cidade, mantinha no interior. Na época, Vitória Lindenberg para correr num comício
estavam próximas as eleições. Quando era apenas um aglomerado de na sua terra. E Totó acabou
o jipe se aproximou do prédio dos funcionários públicos e empregados influenciando na derrota que o PSD
Correios e Telégrafos, o tenente do comércio. sofreu para a oposição no ano de 1954.
ordenou ao Guilherme passar direto e Concessões políticas, o tenente José Disputavam o governo Eurico de
fazer a chegada pela outra rua. Scárdua só fazia para o pessoal do Aguiar Sales pelo PSD e Francisco
Voltando pelo sentido contrário da Coronel Bimbim. Primeiro, porque era Lacerda de Aguiar – o Chiquinho –
chegada, ele só viu quando o tenente ajuizado o suficiente para não bater pela oposição.
do passado

Houve momentos nesta luta lugares freqüentados pelo tenente


territorial em que foi necessário dar ao Scárdua. O soldado chegou na
o exterminador

tenente José Scárdua credenciais delegacia com a notícia do estranho.


oficiais para agir. Por mais de uma vez O tenente saiu com o soldado à
ele exerceu o cargo de delegado de cata do forasteiro. O soldado o viu
polícia de Baixo Guandu. Neste posto sentado na mesa do bar tomando um
ele foi implacável, pois matava às cafezinho. O café na hora estava muito
claras, como um caso ocorrido dentro cheio. O tenente disse então para o
do principal café da cidade, soldado. “Eu vou entrar e vou ficar no
freqüentado por homens de negócios fim do balcão de frente para as mesas.
e políticos. Você, quando entrar no bar, chama alto
O tenente foi avisado de que estava pelo meu nome”. E assim procedeu o
chegando gente na cidade para matá- soldado: “Tenente José Scárdua!” O cara
lo. Ele distribuiu seus soldados nos levantou o rosto surpreso em direção
postos-chave de observação. Não ao soldado (em trajes na hora). O
demorou a chegar um estranho à tenente sacou do seu revólver e
cidade. E o pior: ele perguntava os acertou o centro da testa do sujeito,
como sempre fez com a suas vítimas.

Antes, vamos conhecer as


alegações do tenente de só atirar na
cabeça de suas vítimas. Dizia ele que, “O Contestado – diz no seu livro
M a n d o u nessas condições, quando o tiro não Drumond – é onde ninguém olha nos
recolher o corpo e enterrar no matava, inutilizava de vez a vítima. Só olhos; lá, nem os amantes olham nos
cemitério na cova dos indigentes. deixou de atirar na cabeça daqueles olhos, porque o olhar pode denunciar
Nunca procurou saber de onde veio e que o traíram ou quando o caso era um segredo: um amor clandestino, um
que propósitos o trouxeram ao lugar, de vingança. Aí o tiro era na coluna pecado, uma tocaia; então todos olham
e se estava realmente ali para matá- para deixar a pessoa sofrendo numa de banda, olham pro chão,
lo. Costumava dizer aos seus auxiliares cadeira de rodas. Há dois casos desses desconfiados, e quem ousa desafiar a
nesses casos: “Pela dúvida, é preferível conhecidos: um detetive de polícia que lei do Contestado é punido”.
ele do que eu”. E, assim como esse o traiu e um ex-pracinha que Aponino assegura que quem
desconhecido, muitos outros foram espancou um afilhado dele numa privava da relação com o tenente,
mortos pelo seu famoso Shmith & sorveteria no centro de Vitória. Ambos como ele, não tinha realmente
Wesson , contramarca, cabo de penaram anos a fio numa cadeira de coragem de olhá-lo nos olhos. Aponino
madrepérola. rodas. falou também da pontaria do tenente
Morte terrível mesmo foi com o cara Outro ponto ainda necessário para José Scárdua. Ele era capaz de jogar
que atirou nele quando ele estava registro, tratando-se de costume dele: um limão para cima e acertá-lo. Errar
desarmado e preso no quartel central detestava que olhassem dentro dos um tiro ele só errou mesmo o do
da Polícia Militar, em Maruípe. O seus olhos. O pistoleiro do Coronel Reginaldo Paiva. Mas tem justificativa
tenente pegou o sujeito depois e o Bimbim, Aponino Gomes da Silva, que plausível. No exato momento do tiro o
trucidou, literalmente. Mas não vou andou com ele dando segurança ao Reginaldo desceu da calçada para a
contar agora essa barbaridade. Vou Totó, falou que quando a pessoa rua. E o tiro, que tinha o endereço certo
deixar para depois com receio de o olhava dentro dos olhos do tenente “ele da sua cabeça, acabou furando
leitor abandonar essa história pelo estranhava e arrepiava”. Mas tem apenas o chapéu dele.
meio. É realmente pavorosa. E também sentido esse hábito na região em que Mas tratando-se do tenente José
porque esse episódio se encontra no vivia o tenente José Scárdua, pois, Scárdua, foi o seu único tiro perdido.
contexto do racha do Sindicato do segundo o escritor Roberto Drumond, Mas fatal, como também vão ver daqui
Crime, no qual vamos também entrar no seu livro O cheiro de Deus, que se a pouco. Por conta desse erro, inclusive,
daqui a pouquinho mais. passa lá, essa atitude é comum entre ele seria, mais tarde, também morto. A
os habitantes: morte dele ocorre depois de muitas
do passado

mortes feitas em parceria com o com a bandeja e, na hora em que o


próprio Reginaldo e o Coronel Bimbim. tenente pegou a bandeja, um revólver
o exterminador

Depois de anos de impunidade juntos, surgiu por debaixo dela na mão do


um racha na organização os dividiu. soldado, disparando em cima dele. Mas
Realmente, o racha do chamado como o tiro foi muito próximo do
Sindicato do Crime estabelece entre tenente e o autor do disparo, apesar
eles uma guerra sem trégua, dessas de considerado uma fera no ranking
que não há sequer lugar para a dos jagunços, tremeu também na hora,
chamada piedade cristã. O pior é que o tenente escapou da morte, mais uma
entre eles um conhecia a força do vez.
outro, daí ocorrer uma matança sem (Esperem, mais um pouco, ainda,
fim, iniciada na jagunçada e encerrada para ver o que vai acontecer com esse
nas lideranças. E ela começou no justo jagunço).
momento em que o principal cabeça Logo o grupo do Scárdua devolvia
da organização, o Coronel Bimbim, esse atentado abatendo a principal
descia à sepultura, em meados de figura do grupo rival: Reginaldo Paiva,
1964, no cemitério de Alto Capim, que foi morto em pleno dia na principal
Aymorés (MG). O Sindicato do Crime avenida de Baixo Guandu. Morreu na
cindiu-se em dois grupos: um sob a mão de um pistoleiro que veio
liderança do tenente José Scárdua e especialmente de Barra de São
outro do fazendeiro Reginaldo Paiva. Francisco para fazer esse serviço: Paulo
O estopim da cisão foi a morte de Capeta (que como os outros foi depois
Neném Maria, um importante caçado e morto).
matador (talvez a expressão melhor a A rotina das mortes logo mostraria anos depois, prenderam os pistoleiros O atentado a Scárdua e a morte
ser aplicada a ele seja a de terrível que a guerra entre eles não passava autores do atentado: Abel Alves de de Reginaldo endemoniaram o
matador), que foi executado, a mando de um grupo consolar sua morte com Brito e Getúlio Félix da Silva. ambiente e a cólera substituiu a
de Reginaldo Paiva, juntamente com a morte de um inimigo. Vamos aos Como não podia deixar de ser, estratégia da luta, levando a classe
dois irmãos fazendeiros, ligados ao registros mas somente das principais tiveram o mesmo destino dos demais: política, à qual eles sempre estiveram
tenente José Scárdua. Daí em diante figuras, até por falta de espaço para a sepulturas no cemitério. ligados, a intervir, buscando encontrar
foi uma seqüência de mortes, reportagem: Antonio Pinto manda seus Mil novecentos e sessenta e sete. uma trégua entre os dois grupos. Os
espalhando terror na região de Baixo capangas invadirem a fazenda do pai Chega a vez do major Orlando tempos também eram outros. O país
Guandu e adjacências. de Josélio Barros para matá-lo. Na Cavalcante. Ele é morto em Nova já estava sob uma ditadura militar e a
A rotina dos dois grupos passou a ausência de Josélio, tentaram matar o Almeida por três pistoleiros levados ao briga entre eles havia ganhado as
ser a de contar os seus próprios mortos pai dele, que safou-se da morte por balneário por Josélio de Barros. Por manchetes dos jornais dos grandes
e elaborar planos para eliminar os conta de um bom cavalo em que conta desse crime o tenente José centros. E o governo de Cristiano Dias
jagunços mais perigosos do inimigo. estava montado. O animal disparou ao Scárdua foi preso juntamente com o Lopes Filho (1966-70), apesar de sua
Para melhor se situar na guerra, o estampido do primeiro tiro. Em coronel Jadir Rezende. Como também origem pessedista, havia feito uma
grupo do Reginaldo Paiva incorporou represália, Josélio Barros matou os dois foram presos Josélio e os três pistoleiros verdadeira razia contra o banditismo
o major Orlando Cavalcante, que era jagunços que atentaram contra a vida usados na morte do major. no Estado.
quase tão temido no Estado quanto o do seu pai, em seguida invadiu a Recolhido ao quartel de Maruípe A reunião foi puxada pelos
tenente José Scárdua. fazenda do Antônio Pinto para matá- juntamente com o coronel Jadir, o senadores Raul Giuberti e Dirceu
Juntaram-se ainda ao grupo do lo. Mas o ataque foi à noite e Josélio tenente José Scárdua sofre o mais Cardoso (deputado federal na época)
Reginaldo os irmãos Pinto, Antônio e não teve êxito. Ao contrário, deixou o ousado de todos os atentados nesta e contou com a presença do coronel
João, dois fazendeiros barra pesada, local carregando dois de seus homens guerra entre os integrantes do antigo Aristides Pereira Martins,
com rosários de mortes também feridos em estado grave. Sindicato do Crime. Foram matá-lo representando o tenente José Scárdua,
invejáveis nos seus currículos. Já o Na seqüência, houve o atentado dentro do quartel, aproveitando-se da Maneco e Renato Paiva (irmãos de
grupo do tenente José Scárdua ao tenente José Scárdua. Foi na sua circunstância de ele se encontrar Reginaldo), juntamente com Antônio
passou a contar com o coronel Jadir fazenda em Itapina (no ano de 1965). desarmado. O bando dos Paiva Pinto, pelo outro grupo, mais os
Rezende, considerado um dos oficiais Usando um rifle ponto 30 com luneta, mandou de volta para o quartel um fazendeiros Odilon Milagre, Carlyle
mais corajosos da Polícia Militar do atingiram o tenente na boca. Mas ele dos seus melhores pistoleiros, o Passos e Pedro Ribeiro, o comerciante
Estado. E um jovem que viria, não morreu. Ficou entre a vida e a soldado João da Luz. José Ceglias Barbosa e o advogado
rapidamente, a ficar tão temido como morte por vários dias. Seus inimigos Ele conseguiu ir servir no rancho e José Andrade (em cujo escritório se deu
o tenente José Scárdua por conta da quiseram invadir o hospital onde ser escalado para levar o café da noite a reunião).
sua pontaria: Josélio Barros. estava, mas a polícia defendeu-o. Dois para o tenente José Scárdua. Chegou Durante dois anos a paz reinou por
completo. A princípio, o tenente José
do passado
o exterminador

Scárdua ausentou-se do Estado. de toda a sua vida. Dizia ele: “Eu havia já se mudado para a rua São
Andou morando no Rio de Janeiro e considero uma injustiça meu nome ser João, na Vila Rubim. E aos sábados
em São Paulo. Josélio de Barros foi envolvido na morte do fazendeiro costumava freqüentar a mesma
fazer propriedade agrícola na Antônio Pinto. Espero que Deus me barbearia. Hábito que não
Amazônia. Renato Paiva (se encontra conceda o direito de viver tranqüilo interrompeu nem por ocasião da
ainda hoje por lá) foi residir junto de minha família, criando os morte de Antônio Pinto, apesar
definitivamente na sua fazenda, em meus filhos longe desse ambiente de da advertência dos amigos. O
Carlos Chagas (MG). crimes que tem envolvido o Espírito coronel Jadir Rezende chegou
Mas em 1971 a paz foi quebrada Santo”. a avisar da presença na
com o assassinato de Antônio Pinto, “Como homem de palavra, nunca cidade de um filho de João
tido como um dos mandantes dos entraria numa situação do tipo deste Pinto, irmão do Antônio, que
atentados aos tenente José Scárdua. crime de Antônio Pinto, depois do pacto o coronel encontrou
Ele foi morto numa emboscada, de honra que fiz, do qual participaram, próximo à loja do Edgard
quando, na companhia de seus
vaqueiros, inspecionava o gado em
além do fazendeiro recentemente
fuzilado, o sr. Renato Paiva e sua
Rocha (hoje Dadalto, na
rua do Comércio).
A morte com
sua fazenda. A cena de sua morte,
como foram as demais nesta guerra
família. Como encarar minha família
e meus amigos se fugisse à palavra
Por desconhecer
que nessas guerras hora marcada
entre esses dois grupos, foi também empenhada de maneira tão particulares fica
cinematográfica. veemente?” (veja box). sempre a herança do ódio, ele não de fevereiro de 1973, quando lá esteve num duelo contra o principal inimigo.
Antônio Pinto, quando ouviu o Voltemos à seqüência cronológica levou em conta as advertências dos mais uma vez para fazer a barba. Dois Morreu nas mãos de um pistoleiro Bem, já que o tenente José Scárdua
estampido do primeiro tiro, tentou dos fatos. Por ocasião da morte de amigos e foi morto, nesta barbearia anos, portanto, após a morte de disfarçado de mendigo. Na cartilha evocou Deus, para livrar-se da
disparar o seu cavalo, pois andava Antônio Pinto, o tenente José Scárdua da rua São João, num sábado, dia 3 Antônio Pinto. Matou-o um pistoleiro dos justiceiros é desonroso ser morto responsabilidade da morte do fazendeiro
desarmado desde a data da Antônio Pinto, a essa altura da sua história
trégua acertada com os é bom realmente contar logo a morte do
seus inimigos. Mas não pistoleiro que foi matá-lo no Quartel da PM
conseguiu evitar o segundo em Maruipe.
tiro, que foi mortal. Ele Primeiro, começa com a caçada dele.
morreu na hora mas o seu Foi pego no norte de Minas Gerais. Depois,
cavalo o arrastou até a levado para a fazenda do tenente em
entrada da sua casa, onde Itapina e colocado num cômodo à parte,
foi recolhido pelos totalmente imobilizado. Pelo ritual de sua
familiares. morte, ele seria morto dentro de 24 horas.
Pouco mais de 15 dias O próprio tenente José Scárdua assumiu a
depois da morte de Antônio postura do carrasco e incorporou o ódio
Pinto, o tenente José do carrasco pela vítima, contando as horas:
Scárdua dava ao jornal “A “Faltam 23 horas para você morrer. Faltam
Gazeta” a única entrevista 22 horas...”
disfarçado de mendigo, que por um pé-de-chinelo, que dirá por Quando chegou nas 10 horas, ele, após
aproximou-se da barbearia para pedir pistoleiro que não tem a coragem de anunciá-las, adentrou o cômodo e com um
esmola. Na hora, Scárdua olhou para mostrar o rosto. prego furou os dois olhos da sua vítima. E
“É necessário ele e deu as costas, com alguma Em verdade, as circunstâncias da
sua morte faltaram com chamada
prosseguiu abrindo a porta e anunciando
repugnância. Na mão do mendigo as horas. Quando chegou nas três horas
enfrentar inimigos havia um saco e, dentro dele, um
condescendência da posteridade.
Muito embora esse cenário de mortes,
finais, ele adentrou mais uma vez o
cômodo e, de posse de uma turquesa,
revólver 38 engatilhado. O tiro do
vitoriosos para morrer de mendigo estrondou-lhe na nuca e saiu
que acabamos de contar não seja
nada alvissareiro para misturar a
castrou o pistoleiro, que daí em diante
passou três horas suplicando aos gritos
pelos olhos. Ele ainda tentou sacar o filosofia de Montaigne com ele, não
morte honrosa” seu 38SW cabo de madrepérola. Mas
em vão.
há como não deixar de recorrê-lo
que o matassem logo. Mas Scárdua foi até
o fim. Quando o relógio zerou as 24 horas,
quando ele diz: “É necessário enfrentar
Coronel Jadir Rezende Para os amigos, como o coronel ele entrou com o seu SW 38, encostou o
inimigos vitoriosos para morrer de
Jadir Rezende, ele não teve a bela cano na cabeça da sua vítima e disparou.
morte honrosa”. Algo que faltou
morte que previu para si – que seria realmente no epílogo da história do Estava feita a sua vingança.
tenente José Scárdua.
Mulheres na estrada

À base de muito talento, coragem e destemor, elas buscam o caminho que vai dar no Sol

Com a roupa encharcada


e a alma repleta de chão
todo artista tem de ir aonde o povo está

alma
Se foi assim, assim será
cantando eu me disfarço
e não me canso de viver,
nem de cantar
Nos bailes da vida – Milton Nascimento e Fernando Brant)
(Nos

Foi assim e assim será. Nos bailes da vida, vemos todos os anos
surgirem novos talentos, de diferentes tendências, lutando para
mostrar sua cara ao mundo. No meio desses talentos, podemos
constatar o surgimento de uma nova safra de cantoras,
Com a
instrumentistas e compositoras. Elas fazem MPB, rock’n’roll, hardcore,
soul, reggae, música eletrônica e outros sons, sempre com muito
charme e o profissionalismo que é peculiar às mulheres. Vindas da
classe média, são professoras, administradoras, jornalistas, artistas

repleta de chão
plásticas, universitárias, que não vivem exclusivamente de música,
mas sim para ela. SÉCULO conversou com estes novos talentos e
com artistas que já estão na estrada há mais tempo. Jovens – todas
com menos de 30 anos –, e donas de estilos inconfundíveis,
integrando bandas ou em carreiras solo, elas são um retrato fiel de
uma nova geração musical capixaba – aquela que, encarando os
desafios com a roupa encharcada e a alma repleta de chão, procura
ir aonde o povo está. Como na canção.
Tom Boechat (texto e fotos)
estrada

Manuela, a produção de seu primeiro cd oficial –


mulheres na

tímida e a carreira solo, com letras e


composições próprias.
“Os dias de show são para mim
No palco, com seu figurino teatral e
dias de tensão e concentração.
suas asas de anjo, Manuela Bergamim
Quando subo no palco quero
não deixa dúvidas da influência
emocionar as pessoas.” Lembrando
benéfica dos performáticos Mutantes no
sua entrada na banda, ela fala do teste
rock’n’roll debochado da banda Lucy.
que fez três anos atrás para a posição
A banda, que lançou seu cd demo Pró-
de vocalista numa banda de rapazes
6 em 2001, ficou com o terceiro lugar
da Engenharia, e brinca: “Na semana
geral no E-Festival, competição nacional
seguinte me chamaram para uma
promovida pela IBM, com votação
apresentação e estamos juntos até
popular pela Internet.
hoje. Nunca me disseram se passei ou
No dia-a-dia, Manuela se diz tímida.
não no teste”.
Formada em Jornalismo, trabalha
como assessora de comunicação;
“Os dias de show são pra
antes foi professora de inglês e
secretária. A música vem desde a
infância, quando já fazia imitações e
mim dias de tensão e
se apresentava para os amigos de
faculdade da irmã mais velha. Aos 15 concentração. Quando
anos iniciou as aulas de canto lírico
com Cláudio Modesto; hoje, estudando subo no palco quero
com Alza Alves, a paixão maior é
mesmo MPB. Manuela se divide entre emocionar as pessoas”
o trabalho, a banda – em fase de pré-
Manuela Bergamim
Sanny, a Daniela, a
pára-quedista profissional
A artista plástica Sanny LLys
ys é direta Dona de uma voz rouca e de timbre
ao descrever sua iniciação no meio grave, Daniela Moraes canta
musical: “Caí de pára-quedas no Zé profissionalmente desde os 16 anos.
Maria”. A história é mais ou menos Filha de família de classe média, teve
esta: um dia, assistindo ao ensaio da suas primeiras aulas de piano aos 4
banda, aceitou o convite para falar anos de idade. Ainda aos 7 anos,
algumas frases soltas no som vieram as aulas de violão e, por último,
instrumental da banda, e acabou já aos 19, o contrabaixo. Em 1999,
ficando. Graças a uma característica menos divertida. De lá para cá, o Zé surgiu o convite para sair do país.
peculiar da música eletrônica – a Maria fez turnês em São Paulo, se Depois de ter passado por bandas
mistura de um aglomerado de sons e apresentou em todas as edições do locais como Miss’én’scène e Flashback,
ruídos a uma base melódica –, Sanny Festival Dia D e no Musikaos, Daniela foi parar no Caribe, onde tocou e
pôde incrementar sua participação aos programa de transmissão nacional da cantou música brasileira em hotéis,
poucos. TV Cultura dedicado à cultura cassinos e casas noturnas. De volta a Vitória
Com as aulas de canto, vieram uma alternativa. desde agosto de 2000, cursa faculdade de
maior segurança e desenvoltura no Sanny hoje é casada com o Moda e mantém sua carreira solo como
palco. “Com o tempo, fui achando meu guitarrista Marcel, com quem também cantora, além de integrar a banda Bacana
jeito de cantar, que só se encaixa no divide os vocais na banda. Entre e o Universo Reciclado, como baixista. Com
Zé Maria.” Apesar da falta de ensaios, shows e a gravação do composições próprias em português e
experiência, no sexto show Sanny já primeiro cd da banda, a artista inglês, entre elas o balanço Sedução e a
dividia palco na capital paulista com desenvolve seu mais novo projeto: balada romântica Love at First Sight, o
Otto e Pedro Luís e a Parede. Santu, um bazar com roupas e primeiro cd solo sai em 2002, também com
A brincadeira foi ficando séria, não acessórios voltados para o chamado incentivo da Lei Rubem Braga.
público alternativo.
estrada
mulheres na

Umbigo, Paty é autodidata. A primeira


banda foi curtição de adolescente,
nunca saiu da garagem.
Freqüentadora dos shows de punk
rock, a idéia de criar uma banda veio
da vontade de fazer um som que até
então não ouvira em outras bandas.
A convite da amiga e vocalista
Gazu, Patrícia entrou na segunda
formação da banda de hardcore
Sandina. Com a troca de músicos, a
dos músicos que a acompanham em banda mudou de nome e pegada,
seu cd demo Sossego, que acaba de nascia a Belly Button. Em 2002, a
sair do forno. Em seu trabalho de banda finalizou seu cd demo, Outras
estréia, a capixaba apresenta cinco Palavras, e resolveu traduzir-se do
músicas, dentre elas Cidade Sol – sua inglês para o português claro. Belly
primeira composição –, e ainda um Button virou Umbigo. Patrícia espera
arranjo drum’n’bass de Take Five, que as mudanças ocorridas permitam
sucesso do jazz dos anos 70, que o som da banda chegue a um
originalmente gravado pelo pianista público mais diversificado.
americano Dave Brubeck. Paty parece mesmo se divertir.
Acostumada a tocar para platéias Nani, a “O reggae me fascina
alternativas, num circuito considerado
mestra
Paty, a
underground, a baixista fala com
prazer das apresentações ecléticas da
pelo swing e pela
autodidata Em 1984, o mestre-de-obras Ilson
banda, que também se apresentou na
última edição do Dia D. “Fim-de- Rodrigues decidiu investir no talento simplicidade, tanto na
Para a estudante de Educação semana passado tocamos num musical da família. Durante cinco anos,
Física Patrícia Fraga
Fraga, a Paty
Paty, fazer restaurante, junto com uma banda de o Trio Rodrigues – formado por Ilson, música quanto na
música é diversão, prazer. “É claro que hard rock. Por incrível que pareça, o violonista, e seus filhos Elaine, com 8
viver de música seria ótimo... mas se som estava melhor que muito show anos e Ernane, com 5 – se apresentou postura dos artistas.
não rolar, tudo bem”. Baixista da banda underground que a gente fez por aí”. na região de Guarapari e sul do estado.
No repertório, músicas infantis e A mensagem das
sertanejas. Os filhos foram crescendo
e o trio acabou em 1989. Ali começava
a carreira da filha Elaine Rodrigues
Rodrigues.
letras me remete a
De lá para cá, o currículo de Nani
registra sua passagem por mais de
quando cantava hinos
cinco bandas – entre elas
Miss’én’scène e Soul Machine Band – na igreja, onde comecei”
Tammy, a
Sol e Eller por Elas. , participações especiais em trabalhos Elaine Rodrigues
otimista Com graduação em Administração de músicos como Lula de Vitória, Carlos
em Comércio Exterior, prefere apostar Papel, João Pimenta e Marcelo Ribeiro igreja, onde comecei”. No trabalho
Filha do músico capixaba Heráclito tudo que pode na música. Otimista e uma estadia de 8 meses nas Antilhas, pessoal, Nani busca inspiração na
Macedo, Tammy vê no repertório do com o sucesso de bandas como tocando e cantando em casas MPB e, mais recentemente, no fusion
pai suas maiores influências: samba, Casaca e Manimal, Tammy acredita noturnas, cassinos e hotéis. jazz – influência direta do irmão caçula
jazz e MPB. A mistura resulta no que num mercado fonográfico capixaba Hoje, Nani é tecladista da banda e guitarrista Ernane.
a cantora e compositora define como auto-suficiente num futuro não muito de reggae Salvação: — “O reggae me Estudante de Artes Plásticas, Nani
sambasoulbalanço. Com apenas dois distante. A carreira solo lhe dá fascina pelo swing e pela simplicidade, complementa o orçamento dando
anos de estrada, Tammy já se liberdade para associar-se a músicos tanto na música quanto na postura dos aulas de educação e alfabetização
apresentou em alguns dos maiores das mais diversas tendências. artistas. A mensagem das letras me musical. “Se a música não der certo?
eventos culturais de Vitória, entre eles Alexandre Lima, Léo Caetano, Renato remete a quando cantava hinos na Já deu certo”.
o Festival Dia D, Projeto Vitória Cidade Tusco e Renegrado Jorge são alguns
fatos e lendas do sertão
Adilson Vilaça
estrada

Tati e Matê, as vocais, e Matê na guitarra. Com a


mulheres na

sentimentais apresentação no Dia D, em 1999,


vieram as primeiras matérias sobre a
banda na revista especializada
O bispo abençoado
As irmãs Tati e Matê optaram cedo
“ShowBizz” e no jornal “Folha de S.
pelo rock’n’roll. A mãe, tecladista, e o
Paulo”. As irmãs, ambas universitárias, Meu amigo Jovelino era izia em séqüito um risilóquio entremeou nosso quem-quer-
pai, baixista – ambos músicos documental de provanças, tais dizer-que-diga. E que o outro,
amadores e fãs de Led Zepellin, Black
vêem no rock uma forma de expressão por Ele — Deus Pai, assim que o lumaréu do confabuloso, ouça.
e comunicação com o público. Com
Sabbath e Rolling Stones – acabaram “mensagens otimistas”, as letras falam
sejado. Nem me era firmamento, a formosura das No entretão, discipulei-me. Pois se
cunhantãs, o magnético destino que vai havia em meu amigo a crença, dele, de
cedendo à insistência das filhas. de “amor e outros sentimentos, coisas simpático a meu descrer. do nascimento à morte, certa, para que Deus era Deus, Deus era. Nele,
“Tínhamos entre 14 e 16 anos e que vivemos”. O cd demo Ilusão,
ficamos pedindo a bateria e a guitarra Benzia-se: “Deus também julgamento de nossos passos, passados soberanamente forte. “Só numa vezvez
contendo seis músicas, foi gravado em no entretal do viver. Não lhe armava fraqueei. Foi no tepor de umas águas de
por um ano”, lembra Tati, hoje com 22 1998. Produziram também um cd é Pai de seo menino; é barricadas nem cavava trincheiras: ouvia- março” — confessou, alquebroso de seu
anos. A idéia de montar uma banda artesanal em 2000, com gravações de perdoador de sua lhe a fé, feérica, ferrenho eu, porém, em pecado. Esparramei-me, sensorioso de
nasceu mais tarde, nas oficinas de shows acústicos da banda no Teatro me ausentar. Caçava sombra no pé do gestos, para comunicar-lhe atenções.
música do Festival de Inverno de Carlos Gomes e na Fafi. O primeiro cd gloriavã”. Amém. Que a assunto bifurcado, leal a não me Assim-assado para o já-vai. Que veio. “Que
Domingos Martins, em 1997. oficial, em fase de pré-produção e com gente ali ficava, naquele desentender por hóstia nem por outra bispinho teimoso aquele!” — riu-se-me
De volta a Vitória, formaram a incentivo da Lei Rubem Braga, chega ração dos mitos. Dietava de me haver Jovelino. Taliquais, no dizer e no recolher.
banda Crivo, com Tati na bateria e em 2002.
impassado, sem dar rumo em contras. Nãozava por descanso. Até As águas tinham desembestado o
no converseiro acenado a que. São Mateus, naquele de-volta que
“A modo, seo menino trancou as Jovelino seguia para Teófilo Otoni (antiga
bifurcação. Inda mais oiças?” — alteou Jovelino, infernoso, Nova Philadelphia, MG). Esticara o de-
que: Jovelino impunha soprando uns flaflos de enxofre que até vinda até Vitória, roteirando caminho
lhe cicatrizaram aborrecências no novo, não escorando cangalhas em
tanta lordeza no dito, que sobrecenho. Delicadei-me do momento. Colatina (antigo Arraial do Santa Maria).
me deixava tido em Nunca que éramos tão discordados. Era pela cidade de São Mateus que
Amiudei-me, olhando a Prata dos cruzava. E o bispo, que nome dele o
lerdeza tantã. Meu amigo Baianos, lá no remanso que me acolhia tropel da conversa deslembrara, marcara
tropeiro, soberano, o desolhar, caçador urgencioso de missa de Domingo de Ramos em
indúcias ao sim-não-sim que aferroava Ribeirãozinho — que já foi sede tanto de
lançava a meus nossos entendimentos. Jovelino, Joierana, que passou para Minas e virou
aureolares de almatéia o limiariado ao ano de seus 101, ofendera- Ataléia, como de Ecoporanga, de onde
se inexoroso com meu desouvir. Tateei- hoje é distrito. Chovia ferraduras, o rio
longolhar, e eu, em mim, me, por não saber caminhos de minha sangrara pelas margens, mas o bispo
cabisbaixava as fé. queria ir.
Quotídio é meu ateísmo, porém “Talvez quisesse andar sobre as
pálpebras, caçava respeitador das liturgias alheias. “Queira águas”, milagrei em chiste. Compartimos
sosseguilhos, amém. meu pedido de perdão, meu amigo!” — a zomba. Porém o bispo empacou em
humildei-me. “Queira”, rebigornei. Acho compartilhar do medo dos burros.
que foi o verdazul de um sanhaço, voado Jovelino caçou vau, cabeceira subindo.
em flecheiro ziguezague, nem sei. Mas “A madrinha entrou, guiada no meu
sei que nossos olhares, cismas, afogo”. Havia pé, mas cachoeiravam
reencontraram-se naquele desfecho, no rodamoinhos na correnteza. E, só
revôo de suavidades que, a novo, pensariei, o bispo nem era “aquele que
pousaram em nossas feições. Logo um ao furor das vagas põe um freio”, como
versejou Racine. Suspendeu o batinório
dos paramentos e foi, e fooi, e foooi. Até.
“Vi aqueles cambitos. Vi a fraqueza
de Deus no cura saracura!”, gemeu de
me-perdoes o tropeiro. E? Na missa
“Nossas letras trazem mensagens campal, de Ramos, que na capela nem
cabia, Jovelino ficou reolhando aquelas
otimistas e falam de amor e outros vagas de gente que se ajoelhavam e
beijavam o anel do bispinho cambítico.
sentimentos, coisas que vivemos”. E foi, fooi, foooi. Em sua vez, ajoelhou-se,
beijoricou. E o bispo içou-o pela mão,
Tati e Matê reverteu-se, genuflexo em pousar um
beijorico no desanel do tropeiro. “Para
Choro
e alegria

Esse comunista é do
balacobaco
Mestre Flores urante 16 anos, prin-
cipalmente na praça Costa
Mestre Flores recebe os visitantes
com um sorriso. Diz logo que é um
Pereira, os amantes de homem feliz. Nasceu no dia 9 de
do cavaco, 84 música e do projeto Artes
na Praça puderam acompanhar as
janeiro de 1918, na cidade de Anchieta,
com o nome de Antônio Flores
anos: apresentações de um conjunto
capixaba. Trata-se do Regional do
Rodrigues
Rodrigues. Era o mesmo nome que
tinha o pai, este filho do imigrante

curtindo a Mestre Flores, que estreou durante a


administração Hermes Laranja,
espanhol Antônio Flores Rodriguez
(com a pronúncia Rodriguêz),
atravessando as de Vitor Buaiz, Paulo convocado para a Guerra do Paraguai,
beleza de ser Hartung e principalmente o primeiro onde lutou com o General Osório,
mandato de Luiz Paulo Vellozo Lucas. retornando ao Brasil para ser
um eterno O Regional, que durante a maior
parte do tempo foi formado por Valinho
comandante da Polícia Militar de
Anchieta.
aprendiz (violão de sete cordas já morto), Liliu e
Dissonante (violões de seis cordas), Ivo
O Cabo Flores, como era conhecido,
foi chefe militar em uma cidade onde
(sax tenor), Zacarias e Edgar praticamente só havia pescadores. Esta,
(percussão) e Mestre Flores por sinal, a profissão do filho. Ele viveu
(cavaquinho), hoje se apresenta lá com sua túnica, boné e facão. Se
regularmente apenas em um bar havia uma confusão, simplesmente ia
situado em Santa Lúcia, no n.º 156 da até o local e dizia: “Não quero briga”.
rua Aleixo Neto, a menos de 50 metros Problema encerrado. E a cadeia local
da casa daquele que lhe dá o nome. viveu vazia enquanto ele ostentou por
Mas quem é este homem? lá o facão e a fama de herói.
O neto nasceu na Rua dos
Vida Pescadores, em casa de estuque
dura coberta de palha. Em 1924, os pais
vieram para Vitória morar no Morro da
É ele quem vem nos atender no Piedade, pois a vida por lá não dava
portão da casinha térrea, único bem para sustentar mulher e cinco filhos.
que tem na vida este capixaba de 84 Mestre era o mais novo.
anos, que anda todos os dias pela Inicialmente, o pai foi trabalhar na
manhã por recomendação médica e empresa Antenor Guimarães, usando
sobrevive com dois salários mínimos, a experiência de pescador para
um de sua aposentadoria e outro da comandar um saveiro. Mas sofreu um
aposentadoria da companheira já acidente. Uma retinida caiu-lhe nos
morta, tocando para engordar a renda ombros, fraturando a clavícula, que foi
e ainda cuidando de um filho de 54 engessada erradamente num posto de
anos, com problemas de saúde.
alegria
choro e

primeiras tarefas foram a campanha Antes militante de base, logo ia embora para outro município.
da anistia e a ajuda aos candidatos passou ao Comitê Municipal e, em Esteve em Barra do Itapemirim,
do partido. Conseguiu ajudar na seguida, Estadual do PCB. Membro da Serra, Colatina, Barra de São Francisco
eleição do cavouqueiro Benjamin Comissão para Melhoramentos, e outros lugares. No último deles,
Carvalho Campos a deputado e na do conseguiu ônibus e telefones públicos Itaguaçu, a reunião que elegeria a
folclorista Hermógenes Lima Fonseca em seu bairro, dentre outras coisas. primeira diretoria do sindicato
a vereador. Nos dias de domingo, em vez de ficar arregimentou cerca de 800
Dois anos mais tarde, quando o com a família, saía para vender a camponeses. Houve um incidente com
PCB passou para a ilegalidade, decidiu “Folha Capixaba”. um “padre reacionário”, que queria
ir para o Rio de Janeiro. Lá, viveria Com a posse de João Goulart na eleger diretoria de fazendeiros e tentou
quase 15 anos, só voltando a Vitória presidência de República, Flores foi até rasgar a ata da reunião. Não
em 1961. Participou de muitas incumbido de ajudar na formação dos conseguiu.
campanhas: O Petróleo é Nosso (torres sindicatos rurais. Usava como Veio o golpe de 1964 e o PCB, que
simbólicas eram palanques nos justificativa a legislação da durante o governo de Juscelino
discursos), Campanha pela Paz (contra Superintendência da Política Agrária Kubistchek chegou a viver numa
o uso da bomba atômica) e outras. (Supra), criada em outubro de 1962 e espécie de limbo, em ilegalidade
Operário do PCB, ia todos os dias destinada a ativar medidas disfarçada, passou a ser perseguido.
de madrugada à gráfica que imprimia preparatórias da reforma agrária (na “A reação foi se organizando”, explica
diário
os jornais “Imprensa Popular” (diário
diário) verdade, os sindicatos tinham que ser, Flores. Ele e seus companheiros viviam
semanário
e “Voz Operária” (semanário
semanário) e saía depois, registrados no Ministério do numa quase clandestinidade, lutando
vendendo os dois, junto com Trabalho). Documentação debaixo do para não serem presos. Mas um dia
companheiros, sobretudo em feiras. braço, ordens expressas para não falar uma reunião do partido foi “estourada”
“Escreva aí – pede –. A democracia de comunismo, viajou. no Rio de Janeiro, e dentre os
socialista é o que pode resolver nossos Chegava nas cidades e procurava documentos presos estava a
problemas”. primeiro as autoridades (leia-se o juiz, constituição do Comitê Estadual
Mas, mesmo com esta convicção, o delegado, o prefeito e o padre). capixaba. “Muitos companheiros
não é um comunista ortodoxo. Pouco Explicava a todos que era um enviado morreram”, explica Antônio Flores.
antes de voltar para Vitória, dona de entidade governamental. Depois,
saúde existente ao lado da Santa trabalhar. E logo no primeiro emprego, há seis anos de complicações Minervina teve problemas pulmonares percorria o interior e parava numa casa
Casa de Misericórdia, onde hoje é a como ajudante de carpinteiro no provocadas pela osteoporose) quando sérios. Como ela ficou vários dias bem simples. Dizia ao camponês que
Faculdade de Bioquímica e Farmácia. Estado, em 1934, aprendeu a profissão foi chamado para se incorporar à Força internada no Hospital Nossa Senhora estava vindo criar seu sindicato, para
Quando o gesso foi tirado e que o sustentou grande parte da vida. Expedicionária Brasileira (FEB) que iria das Dores, em Cascadura, ele ia lá tocar que ele pudesse ter direitos
constatado o erro, recomendaram-lhe Vida dura, por sinal. O salário de 5 mil à Itália. violão para as irmãs de caridade, e trabalhistas, aposentadoria e outras
operar. E a cirurgia foi feita na Santa réis só dava para comprar comida para Apresentou-se ao Exército em 5 de ainda era o leiloeiro das festas das coisas. Pedia para dormir, dava dinheiro
Casa. Com uma artéria lesada pelo ato a mãe e os irmãos e pagar as dezembro de 1942, mas logo uma freiras. “Fiz isso porque elas foram e no dia seguinte percorria as fazendas
mal praticado, sofreu três dias até prestações das roupas compradas à portaria do ministro da Guerra, general muito boas com minha esposa, que da região, chamando as pessoas. Saia
morrer. Viúva, a mãe de Mestre Flores família Helal, que então iniciava Eurico Gaspar Dutra, “um fascista”, dava ficou sarada”, explica. sempre às 5 horas, após o café
voltou para Anchieta, mas por pouco atividades no comércio. aos casados o direito de permanecer Curada a mulher, decidiu voltar adoçado com garapa e o aipim.
tempo. Logo retornava a Vitória, Em 1939, o interventor João Punaro no Brasil. Como Flores encontrava a para acabar de criar os filhos pequenos – Nos contatos com os homens do
colocando os filhos mais velhos para Bley convidou Carlos Lindenberg, que mãe e a mulher chorando sempre em Vitória. Foi morar numa casinha campo, eu explicava tudo. Pedia a eles
trabalhar. A indenização de 900 mil depois seria governador e senador, em Gurigica, então conhecida como para passarem a noite nas casas onde
quando chegava em casa, pediu baixa.
réis de Antenor Guimarães não havia para secretário de Obras. Este, que era Baixa da Égua. Doente, precisou estava hospedado. Elas ficavam cheias.
Mas disseram a ele que ficasse alerta,
dado para muita coisa. Desta vez o até então contador, resolveu fazer aposentar-se e voltou a trabalhar para Então, nas conversas, eu ia vendo
pois poderia vir outra ordem e a
endereço deles era o Morro da Fonte economia cortando parte dos operários o PCB. quais poderiam ser os líderes sindicais,
determinação de embarcar. “Estou
Grande. que serviam ao Estado. Flores estava A primeira coisa que fez foi usar pois não podia entregar os sindicatos
esperando por ela até hoje”, fala, rindo.
Os filhos do velho pescador foram desempregado. sua profissão, fazendo reparos nos a fazendeiros. Depois, formava as
trabalhar na fábrica de tecidos de Mas isso durou pouco, porque no móveis e utensílios da “Folha chapas, elegia as diretorias e só então
Jucutuquara, pertencente a Lizendo mesmo ano ele foi para o Exército, No Capixaba”, jornal dos comunistas
Nicoletti. Depois, passaram a selecionar onde ficou até 1940. Na baixa, o curso PCB daqui. Além disso, cortava folhas de
café na Vitória de poucas opções de de telefonista feito na caserna quase compensado para fazer base de Mestre Flores se preparando para
trabalho da década de 1920. Quando lhe custou a ida para a guerra. Já Em 1945, por influência de um clichês, método usado então para a tocar juntamente com seu Regional,
estava no terceiro ano primário, trabalhava como carpinteiro na Cristian amigo, o pintor Tertulino, Antônio Flores publicação de fotos nos jornais em Santa Lúcia (página oposta), e
Antônio Flores foi avisado pela mãe Nielsen e era casado (a companheira, entrou para o Partido Comunista impressos nas rotativas de chapas de durante entrevista na varanda de
de que teria de parar de estudar para Minervina Thomas Rodrigues, morreu Brasileiro, o PCB, ou Partidão. Suas linotipos. sua casa
alegria

da noite, fui levado com os outros para federais. Ele foi encontrá-los e recebeu na Praça, Mestre Flores, como ficou onde mora, ele termina o papo com
choro e

a Marinha. Lá, todos foram encostados a ordem de comparecer à delegacia, conhecido na vida da música, está já um pedido: “Faça essa biografia minha
num muro e ficamos cerca de 2 horas pois precisava tirar carteira da Ordem há algum tempo sem trabalho regular. e me traga a revista, quando sair.
em pé. Então, protestei. Queria que dos Músicos do Brasil. Mostrou que já Mas toca toda sexta-feira, das 19h30 Quero guardá-la comigo e deixar para
minha família soubesse onde eu possuía, mas não adiantou. Não foi. às 24 horas, no bar perto de casa. “Toco os outros quando fechar os olhos”.
estava preso e falaram que ela não Um mês depois, era surpreendido em por dinheiro e sem dinheiro”, diz ele. Mas “fechar os olhos” não está em
iria saber de nada. Depois, separaram casa por outro policial, que o levou Fez o Show do Palmito, na Ponte Seca, seus planos imediatos. Antes de sair da
os presos e fiquei sozinho. Durante o para depor. Lá, a surpresa: era sobre Vila Rubim, e espera que outras casa pequena, resolvo tirar uma dúvida:
período em que estive na Marinha, os política que queriam falar. atividades voltem. – Por que o senhor deixou o PCB,
policiais disseram que eu tinha que Mestre Flores se recusou. Disse: o Pai de cinco filhos (Francisco, Mestre Flores?
comer, senão não iria agüentar o que sabia de política estava dito no 3º Antônio, João Carlos, Ilza e Maria da A resposta vem viva, na ponta da
interrogatório. Um sargento dizia: ‘Vou BC. “Perguntaram-me se conhecia Penha), tem dez netos, três bisnetos e língua:
fazê-lo comer à força, vou botar comida doutor Aldemar de Oliveira Neves, o um sonho dourado: “Quero receber a – Continuo sendo PCB; só não sou
na sua boca. Você está muito magro’. companheiro Clementino Dalmácio indenização que os governos estão PPS. Sou um saudosista. Se nós
A pressão psicológica quase me Santiago, Antônio Ribeiro Granja e pagando aos ex-presos políticos. Aqui tivermos uma democracia socialista,
deixou louco. Passados seis dias, outros. Disse que não conhecia no Espírito Santo, chegamos a ir, Perly vamos sair dessa. É preciso trabalho
mandaram-me de volta para o 3º BC. ninguém. Eles acharam que eu estava Cipriano e eu, até o governador José para o povo. Nas praças, hoje, você vê
Após o primeiro depoimento, me tentando organizar uma célula de Ignácio Ferreira, que também foi mendigos jovens. Não têm
liberaram para que pudesse voltar para músicos e queriam me processar. Só perseguido pela ditadura, e ele perspectivas e estão desanimados. Vê
casa, mas tendo que ir toda semana desistiram depois que Clementino foi prometeu nos ajudar. Mas depois outros que viram marginais. Os
ao 3º BC. Após esse período de tortura depor e disse que não se houve aquelas denúncias contra ele políticos roubam, a corrupção é muita.
e humilhação, voltei à minha vida preocupassem comigo. Eu só era um e tudo ficou como está até agora”. Eu creio na democracia socialista.
normal e comecei minha atividade carnavalesco...” Com apenas dois salários mínimos
como músico profissional”. Hoje, após ser músico em de renda, Mestre Flores precisa mesmo Álvaro José Silva
Carapeba e completar 16 anos de Artes dessa ajuda. Na sala pequena da casa Fotos: Guinaldo Nicolaevsky
O Mestre
Flores
Amar a música, Antônio Flores
Rodrigues ama desde os dez anos de
idade: “A música me acompanha.
Sempre tive tempo para pegar nos
instrumentos. Mas só me tornei
profissional após a prisão,
A humilhação incomunicável, na Marinha. Eu era um
na prisão carnavalesco. Por sinal, durante 10
anos, até 1980, fui presidente da
Batucada, depois Escola de Samba
Ele deu, em julho de 1998, seguinte
“Sou um saudosista. depoimento sobre sua prisão:
Mocidade da Praia”.
Mas aonde iria tocar esse velho
“No dia 9 de setembro de 1970, às
Se nós tivermos uma 17 horas, estava doente, com
comunista, em 1970 já com 52 anos?
Depois de conversar com a
pneumonia, acamado, quando chegou
democracia socialista, uma kombi do Exército sob o comando
companheira Minervina, dizendo a ela
que precisavam aumentar os
de um sargento armado com um fuzil. rendimentos de ambos, foi com seu
vamos sair dessa. É Deu-me ordem de prisão com base na cavaquinho e os amigos para o bairro
Lei de Segurança Nacional. Revistaram boêmio de São Sebastião, a então
preciso trabalho para tudo à procura de documentos do PCB. chamada Carapeba. Ali, para ganhar
Me levaram para o 3º BC, mandaram dinheiro, tocou em várias casas de
o povo” tirar a roupa, depois vestir a calça e prostituição: Dinorah, Elza
não me deram cinto nem os Pernambucana, 120, Evanilda,
documentos que me pertenciam. Chaveco e Dilamar.
Levaram-me para uma sala onde havia Em 1971, tocava na Dilamar
muitas pessoas presas. Às 11 horas quando apareceram dois policiais
Colatina, vestida para mudar
A doce vida às margens de

um rio
Prosperidade
econômica muda
a cara da cidade O fato é motivo de críticas de alguns moradores que sentem
falta dos casarões antigos. Para resgatar essa parte da
história, 17 fachadas foram construídas no Colégio Marista,
numa forma de ornamentar o pátio da escola. O projeto foi
desenvolvido pelo arquiteto Natan Rozenbaum, em março
Flávia Fernandes
Fotos: Tadeu Bianconi de 1998. “A cidade perdeu a memória. Os casarões antigos
foram demolidos e os prédios perderam a identidade. Um
ão é de hoje que Colatina se destaca na exemplo disso é o prédio da Coletoria Estadual”, exemplifica
economia capixaba devido ao seu pólo de o advogado Ubirajara Douglas ViannaVianna.
confecções. Na cidade que se transforma em Pelo que tudo indica, o centro de Colatina terá, de forma
função do crescimento das indústrias o lado norte crescente, a cara do comércio. As ruas apertadas, o trânsito
tornou-se abrigo dos setores industrial, atacadista e movimentado e o corre-corre das pessoas caracterizam o
mecânico. Com um posicionamento estratégico, a região é cotidiano. Outra marca da cidade é o calor intenso. Você
cortada pela BR 259, tendo conexão com as BR 101 e 116, pode estar no alto de um morro e, mesmo assim, não sente
proporcionando o escoamento de diversos produtos. uma brisa sequer. A impressão que se tem é que, se a
Colatina está mudando de cara, livrando-se do estigma estátua do Cristo Redentor, com seus 35 metros de altura,
de típica cidade do interior e passando a assumir o papel pudesse se abanar um pouquinho, Colatina assistiria por
individual de região industrial do Estado. instantes a um deleite do Todo-poderoso.
No alto de um morro, chama a atenção a moderna “O que está acontecendo na cidade é um deslocamento
expansão da PWE Confecções, com investimento de R$ 14 dos setores industriais. Com isso, os bairros mais distantes,
milhões e previsão de término para o final deste ano. As em função da indústria, estão começando a crescer. Isso já
700 empresas no pólo de confecção de Colatina são motivo foi retratado nos bairros Colúmbia, Honório Fraga e Maria
de orgulho dos moradores, assim como as mais de 150 das Graças e a tendência é que o centro da cidade fique
empresas do pólo moveleiro, outro forte segmento responsável pelo comércio varejista, área institucional, além
econômico da região. Pelas ruas da cidade, várias opções dos setores médico e de serviços”, explica o engenheiro
de grifes, como Cherne, Presidium, Guermar, UOT e Design, civil Francisco Hermes Lopes
Lopes.
além da Lei Básica, produzida pelas confecções PWE e Segundo ele, a economia de Colatina é mantida pela
Mimo, formam um leque de opções no mundo da moda. confecção atacadista, varejo, café e indústria. Uma pesquisa
De olho no próprio crescimento, os donos de confecção realizada pelos próprios empresários indica que 65% das
irão organizar, no segundo semestre deste ano, um evento vendas nos supermercados do Espírito Santo são
para marcar o lançamento de novas coleções. “O pólo de comercializados por esse pólo, que atende também Bahia,
cofecções de Colatina estagnou durante 20 anos. Não Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Um
existiam projetos industriais e não houve investimento do dos novos projetos da cidade é a implantação de um
poder público. No entanto, o setor de confecção está em Terminal Multimodal de Cargas, entre as comunidades de
movimento crescente, onde as pequenas empresas estão Barbados e Maria Ortiz, que proporcionará ligação da
se transformando em médias, com profissionais mais ferrovia com a rodovia. Esse projeto trará o incremento do
qualificados”, analisa o empresário Wallace Vieira
Vieira, da Lei mármore e do granito, transferindo o tráfego de caminhões
Básica, que já exporta para os países do Mercosul, EUA, pelo centro de Colatina e pela BR 259.
França e, no segundo semestre, irá aterrissar na Holanda.
No centro da cidade, as lojas tomam conta da arquitetura.
são pontos turísticos que fazem parte
da distração durante os finais de
semana. Mas não é por falta de praia
que o colatinense fica sem pegar onda.
Tanto o litoral norte capixaba quanto
o sul são bem freqüentados pela gente
de lá. Conversa não vai faltar porque
o colatinense adora conhecer pessoas
e ficar sabendo das últimas.
Na região de São Pedro Frio, a 600
metros de altitude e 40 quilômetros da
sede, o clima de montanha cria um
contraste com o forno que é Colatina.
A Serra da Boa Esperança, onde estão
instaladas as torres de TV, também
oferece um clima ameno e uma vista
de encher os olhos. E se o programa
for esportes radicais, a dica é o Pontal,
a 20 quilômetros da sede, onde se
pratica o rapel.

A noite dos
colatinenses
A inauguração do Teatro Marista
foi uma motivação para a vida cultural
Ao lado e acima, cenas da cidade. Há muito se tenta ampliar
cotidianas nas margens as opções de lazer que, às vezes, não
do Rio Doce; na página passam dos bares da avenida Beira-
oposta, de cima para rio, palco dos típicos pegas entre
baixo, vista panorâmica rapazes da cidade. O Gatão Lanches
da cidade, o trabalho e o Bar do Rubens, rei do camarão na
na secagem do café e o manteiga, são bem freqüentados por
Cristo, um dos símbolos turmas de amigos e visitantes. A boate
da cidade Anexo, a domingueira do Clube ACD
e o Iate Clube – que fica à beira do rio
e não possui iates – mostram que há
programa para diferentes públicos.
Para quem curte um rock’n,, roll, a
reunião do Clube do Rock, formado por
Rio Doce a beleza e expõe os problemas que a prazo para o início das atividades do amigos que se reúnem em barzinhos
pede cuidados cidade enfrenta. comitê é de oito meses. O da cidade, é o programa. “Nossa vida
Com o fim das chuvas, que reflorestamento das nascentes se faz noturna é um pouco parada. Falta um
garantem temporariamente a cheia do necessário para que o Doce volte a teatro municipal, além de shows
O Rio Doce já não é mais aquele,
rio, os bancos de areia começam a respirar em paz, contribuindo para culturais. Uma pesquisa desenvolvida
mas compõe o cenário sob a ponte
aparecer. No final da década de 90, o mais uma cena de Colatina. Durante pela Câmara de Dirigentes Lojistas
Florentino Avidos, cartão postal da
Rio Doce ficou estrangulado de Baixo o verão, o pôr-do-sol é magnífico e o (CDL), no ano passado, indicou que
cidade, que também possui a Guandu a Linhares e vem daí a rio Doce ajuda a refletir os dourados mais de 50% da população estão
companhia de uma recente segunda preocupação para efetivar um Comitê raios que iluminam o pensamento de insatisfeitos com a vida noturna da
ponte. A revitalização da bacia é uma da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que quem aprecia o momento. cidade”, conta o locutor Eduardo
preocupação que atinge tanto os nasce na serra da Mantiqueira, em Colatina é rica em recursos hídricos, Monteiro
Monteiro.
ambientalistas do Movimento Pró-Rio Minas Gerais, desaguando em para sorte de quem vive abafado pelo O Cine Gama voltou depois de 10
Doce quanto a população em geral. O Regência, Linhares. Um acordo no intenso calor. Na falta de uma praia, a anos. Transformado em igreja
esgoto jogado diretamente no rio retira valor de R$ 700 mil já foi assinado e o Lagoa Batista e a Cachoeira do Oito evangélica, deixou de mostrar a sétima
sua gente
arte para Colatina. “Meu filho de o nome da cidade originou-se da economia ocorreu na década de 50,
13 anos foi ao cinema, pela primeira esposa do ex-governador Muniz Freire. com a grande produção de café.
vez em Colatina, este ano. Nossa vida A história de Colatina começou no A ruptura da rotina só muda
as cidades e

cultural se restringe aos barzinhos e início do século XX, mas a mesmo quando acontece a Festa do
muitos eventos com axé music”, emancipação da cidade ocorreu em Cafona e o maior desfile brega a céu
lamenta o advogado Ubirajara 1921. A maior parte da população, que aberto do mundo, com participação de
Douglas Vianna. Segundo ele, o conta com mais de 106 mil habitantes, 7 mil pessoas. Na festa, somente 4 mil
colatinense pode se orgulhar de duas é descendente de italianos. No entanto, cafonas são permitidos, por medida de
coisas: o baixo índice de violência e a há também uma mistura do sangue segurança. No entanto, ninguém fica
quantidade de mulher bonita na alemão e de índios na fórmula da preocupado com a atitude brega de
cidade. “Colatina é conhecida como a beleza do colatinense. A emancipação ficar batendo à porta, pedindo para
terra da mulher bonita”, defende. Aliás, veio em 1921 e o destaque na entrar. O que vale mesmo é a
descontração de saber reviver os
antigos modelos guardados com
naftalina no armário. A drástica
combinação das cores, a mistura de
listras com bolinhas, plumas e paetês,
tudo isso mostra como o colatinense
é criativo e espontâneo.
A Festa do Cafona, que está com sua
15ª edição marcada para o dia 11 de
maio, começou com uma reunião entre
amigos, sem nenhuma pretensão de se
tornar um evento conhecido em todo o
país. A partir daí, a quantidade de adeptos
foi crescendo de forma surpreendente.
Tanto é assim que já existe o Cafoninha
– festa para as crianças – e até uma loja
especializada nas bugigangas
maçarocas. São brincos de coração,
ternos quadriculados, óculos chamativos
e vários tipos de adereços extravagantes.
O advogado Ubirajara Vianna defende um maior cuidado com o A intenção é misturar muitos desses
patrimônio histórico; Francisco Lopes prevê o crescimento da periferia da penduricalhos em um único modelito.
cidade em função da indústria de confecções; Wallace Vieira, empresário No final da festa, 15 mil latas de cerveja,
confeccionista, faz parte de uma geração que está exportando seus sem contar com as de refrigerantes e
produtos EduardoMonteiro, locutor, critica a falta de opções culturais na energéticos. Délio Casteluber
Casteluber, um dos
cidade responsáveis pelo evento, dá a dica de
alimentação durante a festa: “pão com
m o r t a d e l a
e ki-suco”.
A atração da Festa do Cafona de
2002 será a cantora internacional Perla.
“Muitos que participam da festa não
têm o hábito de ouvir músicas desse
tipo mas, no Cafona, tudo é permitido.
As pessoas assumem o personagem
brega e não se importam em
representar tipos”, comenta Délio
Casteluber, mostrando que, mesmo
possuindo o maior pólo de confecções
do Estado, o colatinense não está nem
aí. Ele se dá ao luxo de ser cafona por
apenas uma noite.
O libertador da
arte
Flávia Fernandes
Fotos: Apoena

le aprendeu com o pai o


uso das ferramentas e,
quando pequeno, uma de
Tião Fonseca dá os últimos suas distrações era rabiscar
retoques ao busto do folclorista as paredes do quarto com desenhos
Hermógenes Lima da Fonseca
que lhe vinham à mente. No município
da Serra, Tião Fonseca nasceu, cresceu
e optou pelas esquinas do mundo para
viver. O pai era cavouqueiro –
trabalhava com a extração de pedras
em gigantescas pedreiras onde Tião
soltava a imaginação para libertar
esculturas ainda escondidas.
Passados os ensinamentos da pedra,
o escultor descobriu o desafio de criar
formas através da madeira. Assim, do
tronco de uma antiga jaqueira nasceu
Poemadeira, em 1991, batizada por
Valdo Mota. Hoje a escultura que retrata
20 espécies da flora e da fauna enfeita
o ateliê do homem que possui muitas
faces na arte. Filmes, fotografia,
cenografia, pinturas, documentários e
esculturas cercam uma vida de
inspiração, um sopro de criatividade que
movimenta a produção capixaba.
“Fiquei olhando para aquele tronco A pressa não é amiga de Tião personagem dessa banda”, conta o
Fonseca. Para a criação de artista, que quer homenagear também
durante um mês até encontrar Poemadeira, por exemplo, foram quatro Bispo do Rosário. “Para isso,
meses de trabalho e um mês só de Hermógenes vestirá um manto. Bispo
minha inspiração. Nunca fiz cursos observação. “Fiquei olhando para fez um manto para se encontrar com
aquele tronco durante um mês até Deus e, na vestimenta, estarão
de aperfeiçoamento mas, aos 16 anos, encontrar minha inspiração. Nunca fiz gravadas todas as manifestações
cursos de aperfeiçoamento mas, aos folclóricas do Estado, além de citações
me profissionalizei com a arte” 16 anos, me profissionalizei com a arte.
Alguns mestres que tive ao longo de
do próprio Hermógenes”.
A vida de Tião não tem uma
minha vida foram Mário Carneiro, Rui seqüência didática. Isso porque, ao
Santos e Iberê Cavalcanti”. mesmo tempo em que estava
O processo criativo é tão intenso produzindo cinema, vivia emoções que
que o libertador da arte não se lembra lhe renderiam um livro. Uma delas foi
da primeira escultura. Um dos motivos a tentativa de fuga do regime militar
do esquecimento é a constante pelo Pantanal, na intenção de alcançar
mutação sobre o próprio conceito. Tião a Bolívia. Tião foi preso e a única opção
sentiu a necessidade de criar e de trabalho que lhe deram foi o
descobriu nas artes a melhor maneira Exército. Imagine o homem-liberdade
de expressão. contido numa farda em plena cidade
Alguns de seus diálogos com o de Cuiabá. Depois dessa aventura, Tião
público estão expostos pelas cidades foi trabalhar com o cunhado, que era
do Brasil e do mundo, sendo também mecânico de aviação. O trabalho
apreciados em eventos como a Festa consistia em retirar aviões teco-teco
de São Pedro, em Vitória. Quem não que caíam no Pantanal. Como “tudo
guardou na lembrança a cenografia vale a pena se a alma não é pequena”,
da Vila de São Pedro ou a réplica do dessa experiência vieram o
Teatro Carlos Gomes exposta em plena conhecimento dos metais e a vontade
praia de Camburi? Na Eco-92, no Rio de trabalhar novas esculturas.
de Janeiro, Tião Fonseca representou Depois da primeira viagem ao
o Espírito Santo com a exposição Gritos Pantanal, em 1964, o Museu de Arte
da Terra, composta por 12 esculturas Moderna do Rio de Janeiro foi o abrigo
em jacarandá. Claro que esses de quem começou no cinema aos 22
exemplos não são nem metade da anos. Lá, Tião Fonseca conheceu o
criação de quem tem em seu currículo lendário diretor Glauber Rocha e Mário
exposições no Rio de Janeiro, Brasília, Carneiro, tendo nascido aí a percepção
Salvador, Rio Branco e na Universidade de que a polivalência seria a
de Yale, nos Estados Unidos. Em seu ferramenta essencial para a produção
ateliê, em Santa Cruz, o libertador da de filmes no Brasil. “Para fazer cinema
arte tem toda a calma para criar, diante aqui, o cara tem que ser tudo: produtor,
de um visual composto por céu, mar e diretor, tapar buraco no elenco, além
obras que enchem os olhos de beleza. de fazer cenário e fotografia”.
Em abril, Tião Fonseca foi
convidado para fazer parte da À luz do
Comissão Espírito-Santense de Folclore, cinema
pelo reconhecimento de sua atuação
na área. Sua atual criação é uma Com Iberê Cavalcanti, em 1972,
escultura sobre o mestre Hermógenes Tião Fonseca conhece o cinema e se
Lima Fonseca, de quem foi amigo. A profissionaliza como assistente de
intenção é criar uma banda de congo fotografia, cenários e roteiros. A partir
de papel, assim como foram feitos os daí, longas-metragens, documentários
personagens do presépio Natal da Paz, e comerciais são rodados com a
em 2000. “O Hermógenes será um
cenografia. No currículo do artista O cinema já não tem a mesma
“A pintura serve de apoio
de sucesso

capixaba, mais de 30 filmes além da intensidade na vida de Tião como


direção de cinco documentários. Dois outrora. As esculturas e as pinturas,
para todas as outras
capixaba

trabalhos que com certeza marcaram que ele considera o seu feijão-com-
a noitada cultural capixaba foram os arroz, lhe tomam mais tempo. Tanto é
curtas O Fantasma da mulher de assim que o artista capixaba está coisas que faço. Vendo
algodão, em 1994, e Eu sou Buck produzindo uma escultura, em bronze,
Jones, em 1996. Em ambos Tião para o Instituto Macaé de Metrologia de 10 a 15 quadros ao
assinou a fotografia. e Tecnologia, localizado no Rio de
“Fazer cinema hoje em dia é muito Janeiro. “A pintura serve de apoio para ano, além de esculturas
simples para quem está dentro do todas as outras coisas que faço. Vendo
circuito. Difícil é definir o que vai ser de 10 a 15 quadros ao ano, além de e megacenários”
feito com o filme depois de pronto. Sou esculturas e megacenários”.
contra a política cinematográfica do
Brasil, que permite que as salas de
cinema sejam transformadas em
igrejas ou em supermercados”, dispara
Tião Fonseca, um dos que lutaram pela
regulamentação da profissão.
“Antigamente, tínhamos a mesma
carteirinha das prostitutas. Não existia
documentação e havia um simples
contrato com os caras que nem era lá
essas coisas”.
No final da década de 70, Tião
trabalhou como assistente de câmera
no longa A Batalha dos Guararapes,
de Paulo Tiago, o mesmo de Moças
de fino trato. Rodado em Pernambuco,
destreza de quem descobriu o que as filmagens duraram cinco meses, só
realmente buscava. Na recente que, para Tião, o tempo de trabalho
produção Terra de Deus, de Iberê durou nove meses, devido aos quatro
Cavalcanti, Tião Fonseca assina como de preparação. O filme contou com a
cenógrafo e, na segunda viagem ao produção cenográfica de Campelo
Pantanal, em 1969, a procura foi pelo Neto, além do trabalho de câmera de
personagem Manuel Boiadeiro. Mário Carneiro. “O cinema brasileiro
O encontro com Iberê Cavalcanti possui muita criatividade. Se não tem
foi rodado numa gráfica de Brasília, grua, a gente improvisa uma tractana,
onde Tião trabalhou com arte-final. que nada mais é do que uma câmera
“Nessa gráfica existia um galpão, com na ponta de um pedaço de pau”, conta
uma impressora que estava parada no entre gargalhadas.
tempo. A empastelada do regime Um dos xodós de Tião Fonseca é o
militar foi tão grande que ninguém curta O Boi, de 1982, onde assina
teve tempo de retirar a espátula da direção e fotografia. Sem diálogos, a
tinta”. Depois do encontro com Iberê, seqüência de cenas, rodadas numa
Tião tomou a iniciativa de ir para o Rio cidade do interior do país, mostra que
de Janeiro para viver cinema. o único humano no filme é o próprio
No Beco da Cinelândia, entre boi. A diversão das pessoas era apenas
hippies, filósofos, artistas, músicos e Cangaceiro que, para escapar da Tião na solenidade que marcou a preocupação de maltratar o animal,
tipos populares, Tião conheceu outros censura, abusava do plano americano seu ingresso na Comissão do numa espécie de farra do boi pelas
mestres, como o eletricista de cinema para não mostrar o conteúdo erótico Espírito Santo de Folclore, na ruas. Tião Fonseca lembra uma frase
Edinho Silva, Sandoval, Baixinho e Dib dos personagens. Em 1976, o longa A companhia da professora e de João Guimarães Rosa para ilustrar
Lutf. Era a época da pornochanchada força de Xangô, também de Iberê folclorista Adeuzira Madeira e do o sentido do curta: “O boi é um rosto a
e de suas figuras, como Nilo Cavalcanti, rendeu a Tião Fonseca a escritor Adilson Vilaça menos entre os humanos”.
de história e folclore
Renato Pacheco
de sucesso

Com os índios, do Espírito Santo foi encontrada. “Eles No Acre, Tião Fonseca conviveu
no Acre estavam felizes, com esperança de com os índios kaxinawá, poianavá e
apurinã, além de seringueiros da
Os últimos Hitlers
capixaba

novas terras, carregando num


As autoridades do Acre afirmavam caminhão todos os pertences. Quatro região. Nessa época, a amizade com
que não havia índios na região e Tião meses depois, entrei num os caciques Agostinho, Raimundo,
Biraci e Syã, nome de um dos seus
Fonseca foi procurar personagens para assentamento filmando tudo o que via
sete filhos, lhe rendeu emocionantes
Morto há mais de meio ecentemente o jornalista evidenciam, Hitler teria um avô judeu,
um novo documentário para o Centro pela frente. Fechei no sofrido rosto de inglês David Gardner, o que justifica o mistério em torno de
de Cinema Humberto Mauro, cujo um homem magro que jurava já ter ensinamentos de vida. Ainda na século, a figura de Adolf depois de quatro anos de sua origem, em virtude da perseguição
década de 80, ele foi membro da
diretor era Renato Neumann, que visto antes. Era o capixaba. Descobri
Comissão Pró-Índio, no Acre, onde
Hitler tem sido exaustivas pesquisas, contra seus parentes semitas.
dirigiu também o documentário Da depois que membros da família dele publicou, em língua inglesa, o livro Consultei o tesoureiro do Instituto
seringa ao boi, em 1984, onde Tião já haviam morrido de malária”. viveu por mais de três anos. Um dos lembrada em livros, The last of Hitlers. Histórico, sr. João Bonino Moreira,
muitos documentários que as
cenas da região lhe reservou foi revistas populares e Segundo o autor, um sobrinho nosso maior estudioso da Segunda
de Hitler, William Patrick, ficou Guerra Mundial, e ele confirmou que
Tião é ajudado pelo mestre
Agricultura sem diploma, sobre pelos demais meios de aborrecido, na Alemanha, porque nas biografias mais completas de
João Alberto Capiberibe, atual
de congo seu Quintino, na
governador do Amapá. comunicação, mais que não teve apoio do tio poderoso e Hitler há referências a estes parentes
construção de um adendo à mudou-se para a Inglaterra e depois extraviados.
sua casa; abaixo, duas Durante sua permanência no a de seus contrários para os Estados Unidos, onde teve Enquanto isto, fica a pergunta: o
pinturas assinadas pelo Acre, Tião Fonseca precisou ir ao
artista exterior por diversas vezes, em Roosevelt, De Gaulle e três filhos. jornalista Gardner, alegando que
função dos documentários já Churchill. Morador em Long Island, Nova trabalhou com catálogos telefônicos,
gravados. “O engraçado é que as York, depois da guerra, por motivos teria base sólida de evidências ou
pessoas que vinham do exterior óbvios, mudou o sobrenome. Os usou de ficção dado o grande apelo
tinham como destino o Rio de filhos decidiram que não terão filhos que o tema tem?
Janeiro e eu ficava em Rio Branco. para não perpetuar o DNA de Hitler. Obviamente o assunto Adolf
Ninguém entendia nada”. Ao que consta, e os documentos Hitler, um dos mistérios da história
Durante a permanência no do século passado, sempre
Acre, Tião ensinou a técnica da despertará interesse e ainda muito
filmagem para índios de diferentes ouviremos falar de seu nome, como
aldeias. “Syã é hoje um cacique ocorreu alguns anos atrás com a
documentarista. Quando eu o publicação em revista alemã de seus
conheci, ele tinha apenas 12 Diários, que depois se verificou ser
anos”. uma engenhosa falsificação.
Depois das aventuras pela
região Norte do país, Tião
Fonseca permaneceu durante
Fonseca assinou a direção de um tempo no Rio de Janeiro para
fotografia. A primeira parada foi na rodar comerciais e continuar fazendo
vizinha Rondônia, onde pessoas que cinema. Em 1987, buscando um lugar
vinham do Sul do país a procura de só seu, encontrou em Santa Cruz a
terras ao longo da BR-364 foram paz de que precisava. Hoje ele mora
filmadas e retratadas. no balneário com a esposa, a cantora
A busca por ricos personagens Andréia Ramos, e os filhos Syã e Flora.
rendeu nova viagem até o Mato Um de seus divertimentos é a banda
Grosso, onde a equipe desceu pelo de congo Flor de Gramuté, fundada
Vale do Guaporé encontrando há menos de um ano pelo mestre
garimpos e até um homem que Quintino, que também foi, durante 20
conversava com passarinhos. Tião anos, mestre da banda de Vila do
Fonseca estava procurando o filme no Riacho. “As onda do mar lá fora é
local onde a menor distância era de branca que nem papé. Nosso tambor
15 dias remando. tá na areia, na praia de Gramuté”. E
Na desarticulada ferrovia Madeira- entre um verso e outro, o estandarte
Mamoré, outros personagens foram da banda balança ao vento,
filmados e até uma família que saiu mostrando mais uma obra de Tião
Fonseca.
tenção para a escalação da Ficou combinado que, se tudo desse campo, sem outra diversão além desta,
seleção brasileira que certo nesta conversa, ele passaria um jogava até nos finais de semana,
decidiu a Copa do Mundo telegrama dizendo “aceito proposta” e quando o maior programa era pegar
de 1950, contra o Uruguai: iria até Cachoeiro pegar o trem. Lá, uma o trem e passar os domingos em
Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, pessoa lhe daria o dinheiro da viagem. Cachoeiro.
Danilo e Bigode: Friaça, Zizinho, Ademir Tom efetivamente foi para casa, Aos 16 anos, em 1946, foi convidado
Menezes, Jair e Tom. falou com o pai e a mãe, recebeu o pelo técnico do Estrela, Benedito Lima,
Há um erro na escalação? Claro sim, passou o telegrama e, orientado um campista, para jogar no time
que sim, e na ponta esquerda. Mas a pegar o trem em direção ao Rio principal num amistoso contra o Vitória,
ele poderia não ter acontecido se o (“embarque noturno quinta-feira”, dizia parte da festa da cidade. O titular da
destino não interferisse na vida de um a resposta), foi à estação. Lá, deixou a ponta esquerda, Jamil Moysés, o
rapaz de 17 anos, num dia de 1947, bagagem e saiu à procura da pessoa Mimica, estava machucado. Ele jogou
quando ele estava nas proximidades que lhe daria o dinheiro. Antes, porém, e encheu os olhos do maior craque de
da estação ferroviária de Cachoeiro de o destino o colocou diante do então do time de Vitória, Darly Santos,
Itapemirim esperando o noturno para presidente do Rio Branco. O clube de que mais tarde seria jornalista e se
o Rio de Janeiro e foi encontrado, antes, Vitória havia ido a Cachoeiro para uma tornaria conhecido pela coluna
por Rui Martins, presidente do Rio partida contra o Estrela. Binóculo, escrita durante muitos anos,
Branco. Tom jamais pegaria o noturno das em “A Gazeta”.
20 horas. Darly o levou para a seleção
Vamos à capixaba e o Campeonato Brasileiro
história O início de Seleções disputado no ano. A
de tudo partida seguinte era contra o Estado
O menino em Cachoeiro chama- do Rio, no campo do adversário, mas

Tom se Ayrton Pedra e, desde criança,


atende pelo apelido de Tom om. Foi um
Para entender como as coisas
chegaram a esse ponto, é preciso
choveu muito no dia. O dirigente
carioca Carvalho Leite, ao ver a equipe

Um homem
dos maiores atacantes da história do recuar na vida do moço. Ele nasceu capixaba em campo, disse: “Esse
futebol capixaba, embora tenha jogado em 12 de julho de 1929. Vivia em menino não pode jogar num campo
por pouco tempo. Começou aos 16 e Paineiras, Itapemirim, perto do maciço pesado”. Ponto final. Tom saiu para que

gol
parou aos 25 anos. Simplesmente, não Frade e a Freira, na estrada de ferro entrasse o reserva Milton Zureta e os
queria ser mais um profissional do Cachoeiro/Marataízes e era filho do fluminenses venceram por 2 a 0.

chamado
esporte. comerciante de café Moacyr Pedra Mas, no jogo de volta, ele jogou e
Alguns dias antes do episódio da (que iria à falência por causa da crise os capixabas venceram por 2 a 1. Na
estação ferroviária ele, então já político-econômica de 1930) e da prorrogação, nova vitória por 1 a 0 e a
conhecido como jogador, havia sido funcionária pública Leocádia dos classificação do Espírito Santo. Estava
convidado para ir a Campos participar Santos Pedra. iniciada uma carreira de jogador da
do amistoso que inauguraria o estádio Acredita ter começado a jogar seleção capixaba, que só seria
do Americano, daquela cidade, e que futebol, e bem, aos 8 anos. Menino do encerrada em 1955, quando ele
existe até hoje com o nome de
Godofredo Cruz (médico local). O O time do Rio Branco (em pé, da esquerda para a direita): Walter, J.
amistoso seria contra o Vasco, do Rio. Pedro, Neide, Brandoline, Haroldo, Dudulio; agachados, da
Tom foi, jogou, o Americano perdeu esquerda para a direita: Tom, Alcy, Zezinho, Nenem e Romeu
por 6 a 5, mas ele marcou três gols.
Jogou tão bem que os dirigentes
vascaínos não o deixaram ir para o
vestiário. Convidaram-no a fazer
estágio de seis meses no clube,
ganhando salário mensal de Cr$ 2 mil.
“Para se ter idéia do que isso
significava – explica Tom –, o mínimo
Álvaro José Silva da época era de Cr$ 150,00. E valia
Fotos: Guinaldo Nicolaevsky
bem mais do que hoje”.
Em vez de responder na hora, o
menino, menor de idade, pediu para ir
até em casa e conversar com os pais.
parou de jogar, aos 25 anos. único vivo.
Tom fez poucas partidas pelo Mas ficou pouco tempo no clube. Tom acha que o destino o tirou do
Estrela. De Campos, sabedor dos Ao final do ano, procurou Rui Martins Vasco. Caso contrário, fatalmente
talentos do rapaz por intermédio de e lembrou-o da promessa de emprego. acabaria titular e, como a seleção
Benedito Lima, o presidente do “Se eu quisesse ser profissional, teria brasileira de 1950 teve nada menos
Americano veio a Paineiras e o ido para o Vasco”, deixou claro. Como que 13 vascaínos, poderia ser o ponta-
convidou a reforçar a equipe campista não havia segredos em Vitória, foi esquerda da equipe, no lugar de Chico.
no tal jogo contra o Vasco. Mas por procurado por Pedro Ermínio, que Impossível? Ele acha que não. Muitos
que, depois do convite vascaíno, Tom propôs um teste para Tom trabalhar na dos que conheceram seu futebol
mudou de rumo e, em vez de pegar o Vale. A contrapartida era ele passar a refinado, de craque lançado aos 16
noturno para o Rio, veio dar em Vitória ser jogador da Associação Atlética Vale anos, época em que isso não
e no Rio Branco? do Rio Doce, antecessora da atual acontecia, também. “Antes de Pelé, não
“Jamais ganhei dinheiro com Desportiva, na qual Ermínio era se lançavam garotos. Isso só aconteceu
futebol. Tinha vergonha de ser jogador e tesoureiro. Aceitou, fez o comigo”, diz ele.
profissional. Queria era estudar, pois teste, passou (“eu passaria mesmo se Artilheiro capixaba duas vezes no
só tinha o primário”, diz ele. É verdade. tivesse feito um mau teste”, admite, Santo Antônio e uma vez na Vale, Tom
Quando viu o menino quase indo para rindo) e deixou o Rio Branco. tem passagens brilhantes pela seleção
o Rio, Rui Martins o demoveu da idéia. Em 1949, foi campeão capixaba capixaba, onde também fazia gols a
Lembrou a ele que o irmão, Ariosto (já pela Vale. Depois, o time caiu muito de rodo. Uma delas, pelo menos, conta
falecido), era jogador do Rio Branco e nível e, em 1952, atendendo a um um fato que quase custou caro aos
o ambiente era outro. Ao final, convite do presidente Rubens Gomes, capixabas.
prometeu pagar a ele CR$ 500,00 transferiu-se para o Santo Antônio. Um Corria o ano de 1954 e o Espírito
mensais (um quarto da proposta do ano depois era titular do time campeão Santo jogava uma das eliminatórias
Vasco), até arranjar-lhe um emprego invicto com zero ponto perdido, fato contra o Paraná. O jogo daqui
em Vitória. Tom tornou-se, assim, inédito no futebol mundial. Ficou lá até terminou 2 a 2 e era preciso vencer lá.
jogador do Rio Branco. E o Vasco ficou 1955, quando então parou de jogar. A partida estava 3 a 2 para o Espírito
sem o ponta-esquerda que tinha por Na ocasião já tinha empresa em Santo e os paranaenses empataram mais”. Com um segundo chute extinta CBD. não temos chances”, afirma.
objetivo trabalhar para, quem sabe, vir sociedade com o irmão e resolveu tocá- perto do fim. Na prorrogação, o árbitro recebido na canela, o árbitro expulsou Elogios, só Esse ex-craque, que não considera
a substituir o titular, Chico. Esse mesmo la. Daí para a frente, paralelamente ao carioca Carlos Monteiro de Oliveira, o Tom. Pelé o maior jogador de todos os
Chico que jogou contra o Americano, trabalho na Vale e mesmo depois dele, Tijolo, marcou um pênalti de Goli, para Telê
na abertura do Godofredo Cruz, a Copa Mas isso não seria tudo. No dia tempos e homenageia Gerson e Tostão
se tornou um bem-sucedido contra o Espírito Santo. “Não foi nem
de 50 e esteve na final com o Uruguai. seguinte, enquanto esperavam o avião como artistas da bola, teve uma
empresário de terraplanagem, falta nem dentro da área. Ele era um Ao longo da curta carreira, Tom
no aeroporto de Curitiba, os capixabas sofreu várias contusões. Em 1949, levou segunda chance de alcançar sucesso
trabalhando sobretudo para o Estado ladrão”, argumenta. Foi uma confusão
Amador por deram de cara com o juiz.. Tom garante 12 pontos na perna, depois de uma nacional e mundial, em 1954. O
e prefeituras, como empreiteiro de dos diabos e Tom deu um chute no que alguns se aproximaram dele Flamengo veio a Vitória para fazer
excelência obras públicas. Hoje, aos 72 anos, árbitro, que preferiu nada fazer. apenas para conversar, mas o Tijolo
disputa de bola com um zagueiro. E
amistoso, num episódio que até hoje
aposentou a sua empresa, a Setil, e “Então – conta ele – eu disse para houve mais machucados. Até hoje ele,
saiu correndo aeroporto afora. Foi uma que perdeu a totalidade de seus troféus causa vergonha: o time empatou em
Tom jogou no time que seria mora na Praia do Canto, freqüentando o Rafael (hoje um conceituado dentista confusão danada. Os jornais do Rio e medalhas, além de quase todas as 1 a 1 com o Santo Antônio, e seus
tricampeão capixaba pelo Rio Branco a academia da filha, Hangar, localizada em Cachoeiro) que o time dependia acusaram a delegação capixaba de ter fotos antigas, guarda essas lembranças jogadores, após a partida, defecaram
em 1947 (o tri de 45/46/47). Deslocado ao lado da Ponte Ayrton Senna. da gente. Fomos para a frente. Quando tentado linchar Carlos Monteiro de como prova de amor pelo futebol. Um nas instalações do Ginásio Wilson
para a ponta direita, formou um célebre Destino marca dei um passe e ele ia marcar, Tijolo Oliveira e, por pouco, o Espírito Santo esporte que, para ele, tem receita Freitas, do Saldanha da Gama, onde
ataque constituído por ele, Alcy, impedimento assinalou impedimento. Não agüentei não foi eliminado do Brasileiro pela simples: “50% posicionamento, 30% todos estavam hospedados, ainda se
Zezinho, Nenem e Romeu. Hoje, é o
precisão nos passes e 15% o resto: limpando com a bandeira do clube.
velocidade, drible etc”. Quando o presidente flamenguista
Não crê em técnicos como Gilberto Cardoso veio a Vitória para pedir
Wanderley Luxemburgo, Luiz Felipe desculpas oficiais, solicitou a Rubens
O craque (circulado Scolari e outros. Só elogia Telê Santana. Gomes para falar com Tom. “Ele quer te
em vermelho) junto E explica: “Na Copa de 70, no México, conhecer”, disse o presidente do Santo
ao time do Rio Branco Zagalo ganhou com uma única Antônio àquele que, então, já era um
e da Seleção mudança tática, colocando Clodoaldo jogador em vias de parar. Novamente
Capixaba (ao lado) Tom sentiu vergonha de ser profissional.
no meio-campo e recuando Piazza
para a defesa. Em 1998, perdeu a Copa Pela segunda e última vez, disse não
da França ao colocar Leonardo no ao destino.
meio-campo”. E este ano? “Acho que
Nosso primeiro
marqueteiro Chiquinho sendo carregado por
correligionários durante o
processo eleitoral (à esquerda);
ao fundo, Kinkas dando entrevista
durante posse na CMTC de São
Kinkas Paulo

O detonador
de oligarquias

ano de 1954 foi de grande melhores quadros, em sucessivas campanha, transformou no maior elitizada do Estado e havia já

Na base da intuição, ele transformação política no


Espírito Santo. Foi quando
disputas para o governo, a exemplo
das derrotas sofridas pelo senador
fenômeno de massas do Espírito Santo.
Derrotou duas vezes o PSD e só não
experimentado a política com
inexpressivos desempenhos num
caiu o governo do PSD que Atílio Vivacqua (figura máxima da foi mais longe com o seu populismo mandato de prefeito (de Guaçui) e de
criou um candidato imbatível dominava o Estado através do
revezamento entre Jones dos Santos
oposição na época) e do médico
Afonso Schwab.
por conta do golpe militar de 1964, que
o obrigou a renunciar no seu segundo
deputado federal.
Mas um slogan bem bolado pelo
e destronou os favoritos Neves e Carlos Lindenberg no poder,
como legítimos herdeiros da oligarquia
Por incrível que pareça, quem a
oposição contou para pôr fim a esse
governo.
Importante registrar que esse
capitão Joaquim, secundado por uma
musiquinha que virou sucesso, letra
dos Monteiro, iniciada ainda com poder oligárquico no Estado foi um fenômeno de massa, que tomou conta dele, sacudiu o eleitor acostumado a
Jerônimo Monteiro, em 1908. desconhecido fazendeiro do sul do do Espírito Santo por 12 anos, não meros discursos de palanque. O slogan
Foram, portanto, 46 anos para que Estado, que a oposição foi buscar em tinha oratória, e ainda por cima tinha era bastante popular: Chiquinho vem
a oposição chegasse ao poder, Guaçuí e que o capitão Joaquim Leite uma formação extremamente aí, e a música (uma novidade em
queimando pelo caminho os seus de Almeida
Almeida, como marqueteiro da conservadora: vinha da região mais política) dizia que Chiquinho é amigo
marqueteiro

do povo trabalhador/ o povo quer do Chiquinho. Uns desconfiavam que E levamos Chiquinho para os bairros mais tarde aliou-se ao PSD).
“Quando eu bolei o Chiquinho para seu governador/ era um cantor. Outros, um produto para fazer um corpo-a-corpo. Tenho Neste ponto do seu depoimento, o
Chiquinho vem aí/o povo quer estético. Aí resolvemos lançar a certeza que foi o primeiro corpo-a- capitão Joaquim fez uma pausa longa
nosso primeiro

slogan Chiquinho Chiquinho para seu governador... candidatura dele numa região em que corpo que se fez no Estado. Foi para dizer o quanto foram injustos os
A musiquinha do Chiquinho, então, ele era totalmente desconhecido: quando ele começou a correr os ataques que os seus companheiros de
virou o maior sucesso musical da Colatina. O Chiquinho não conhecia bairros da Grande Vitória, política desfecharam em cima de Jones
vem aí, os líderes época – era cantada de norte a sul no nenhum lugar do norte do Estado. principalmente com a musiquinha que dos Santos Neves:
Estado. Hoje, aos 77 anos de idade, Aliás, só veio a conhecer Vitória por eu fiz: Chiquinho vem aí/ o povo quer – Ele foi acusado de corrupção,
oposicionistas recuperando-se de um derrame, o essa ocasião da campanha eleitoral. Chiquinho para seu governador... O talvez como nenhum outro
capitão Joaquim, o Kinkas (como era Naquela época, a elite do sul do Estado povo veio para o comício cantando a governante. Eu também passei pela
aprovaram, mas popularmente conhecido na política, fazia do Rio de Janeiro o seu centro musiquinha. Ah, tinha colocado política e fui vítima também de
atualmente general de Divisão do econômico e cultural. Eles não vinham também um avião, um teco-teco, acusações desse gênero. Não tão
queriam que Exército), lembra a experiência vivida a Vitória. rodando a cidade com uma faixa de intensa como Jones, que foi
como verdadeiro marqueteiro, pioneiro – Fomos de trem para Colatina para Chiquinho vem aí. Aliás, essa frase era governador, enquanto eu fui apenas
colocasse um no Estado, pois ele surgiu muito antes fazer o comício. Levamos uma obrigatoriamente o arremate de todos secretário de Estado. Pois bem, Jones
da Bete Rodriques e companhia, com caravana imensa e com todos os os discursos no palanque do foi sem dúvida alguma o grande
doutor sacadas de comunicação de alto efeito líderes da oposição. Foram Oswaldo Chiquinho. governador deste Estado. Um homem
e que foram decisivas para interromper Zanelo, Floriano Rubim, Argilano Dario, – Daí para a frente ninguém de desenvolvimento. E Jones morreu
na frente do a vida da mais longa oligarquia do meu pai, Lourival de Almeida, Clóvis segurou mais o Chiquinho. Era chegar praticamente pobre. Não tinha
Estado. Stenzel, que era um grande tribuno. em qualquer lugar do Estado e o povo patrimônio algum. Comigo aconteceu
Foi um espetáculo político que o povo carregar o homem nos braços. Isso a mesma coisa. Até hoje moro de
Chiquinho” – Quando eu bolei o slogan não estava acostumado a ver. O correu por minha conta, já que eu era aluguel.
Chiquinho vem aí – lembra o capitão pessoal do PSD fazia campanha bem o responsável pela campanha do – E Chiquinho, foi bom
Joaquim – os líderes oposicionistas distante do povo. Eu arrumei logo Chiquinho, mas é bom não esquecer governador? – provoco para saber a
Capitão Joaquim
aprovaram, mas queriam que gente para carregar Chiquinho nas que Jones dos Santos Neves, o sua opinião sobre a figura popular que
tomando posse como
secretário de governo colocasse um doutor na frente do costas. O público explodiu. governador da época, foi praticamente inventou como
(acima); Chiquinho, pois naquela época para bombardeado o tempo todo do seu marqueteiro.
Chiquinho sendo ser político de sucesso no Estado tinha – De lá viemos para Vitória para período administrativo por uma – Bom eu não posso dizer que foi.
abraçado por que ter o doutor na frente do nome. fazer um comício na Praça Oito. Aí eu oposição duríssima. Principalmente Seria incorrer em erro. Mas que ele foi
populares (ao lado); Eu reagi dizendo que o povo já estava já tinha arrumado em Campos, no pelos deputados estaduais Clóvis a imagem do que sacamos para ele,
Clóvis Stenzel falando enjoado de tanto doutor e o negócio Estado do Rio, um carro-propaganda. Stenzel, José Cupertino (irmão do foi. Com Chiquinho no governo o povo
na posse do Capitão era construir uma figura popular, já Era um carro grandão, cheio de alto- capitão Joaquim), Argilano Dario, humilde freqüentava o palácio, o que
Joaquim (embaixo); que os adversários eram os próprios falantes. Uma novidade para a época. Floriano Rubim e Eurico Rezende (que não ocorria com Jones e muito menos
na página oposta, doutores. E mais: que a gente iria levar com Carlos Lindenberg.
Chiquinho sendo Chiquinho para perto do povão, coisa
carregado pelo povo que o PSD não fazia, ganhando suas
durante a campanha eleições na base de chefe político do
interior.
– Os homens não queriam
aprovar. Queriam dr. Chquinho vem
aí. Afinal, diziam eles, Chiquinho, que
eu tinha inventado, em verdade era
um rico fazendeiro do sul do Estado,
de tradicional família paulista (que
migrou para o Estado na crise do
café), a família Lacerda de Aguiar. Ou
seja: queriam mesmo o dr. Francisco
Lacerda de Aguiar como era o seu
nome real. Antes que o Chiquinho
voltasse a ser dr. Francisco, eu mandei
pichar o Estado todo de Chiquinho
vem aí.
– Foi um imenso impacto. Todo
mundo queria saber quem era o tal
marqueteiro

saiu o resultado das urnas, ele ganhou Barros. Depois disputei a prefeitura de
ali disparado. Aliás, Chiquinho só não Vitória e perdi as eleições para Solon
nosso primeiro

ganhou as eleições em Domingos Borges. Mas aí eu não estava mais no


Martins. Ganhou no resto todo. Gabinete Militar. Era superintendente
– O senhor foi o seu secretário de da CMTC (Companhia Municipal de
Governo, mas durou pouco... Transporte Coletivo) de São Paulo.
– Saí por causa do seu tio Carlito – Como é que o senhor se meteu
(Carlos Marciano de Medeiros, tio do na resistência ao golpe militar, indo se
repórter). Ele não agüentou a confusão juntar a Brizola no Rio Grande do Sul?
do governo e pediu demissão. Ele – Eu fui para o Rio Grande do Sul e
ocupava a Secretaria do Interior e montei com Brizola a Rede da Legalidade,
Justiça, por indicação minha. Ele era na rádio Guaíba. Revezava com Brizola
coronel do Exército mas conhecia no microfone, e cunhei a expressão gorila
política. Tinha sido presidente da para os militares golpistas. Acabei sendo
Assembléia do Estado e deputado cassado no primeiro ato institucional.
federal. Ele saiu e eu saí com ele. Estava com 39 anos. Acabou aí a minha
– Meu tio contava para os parentes vida política, como de muita gente, por
muitos casos pitorescos do Chiquinho, conta desses gorilas que desgraçaram
principalmente com mulheres. Ele foi o País. Pelo menos fui à forra com eles
também um grande sedutor. O meu com a expressão gorila, que os marcou
tio disse que mandou fechar o jogo para a história. Gorila! – repetiu para o
em Vitória e arredores. E Chiquinho repórter como se estivesse cometendo
pediu a ele para deixar apenas aberto um ato de vingança com os seus
Rogério Medeiros
o jogo num pequeno parque de colegasFotos:
golpistas
VIX de farda. pessoal
e arquivo
diversões. O meu tio ficou surpreso e
protestou. E Chiquinho
então propôs deixá-lo aberto

Rogério Medeiros
apenas por uma semana.
“Mas uma semana?”,
indagou meu tio sem
entender nada. “Uma
semana só, coronel,
retrucou o Chiquinho”. “Mas
para quê, governador”. Ah,
o senhor não sabe o
mulherão que veio pedir”.
– Galanteios à parte, o
senhor saiu do governo e
foi parar aonde?
Chiquinho gostava de povo. O figura máxima do populismo capixaba, eleitorado era pessedista, na hora que – Eu sou de família de
Em sentido horário: reunião com o governo era confuso, até porque ele que, aliás, eu continuo achando que fomos fazer o primeiro comício lá o políticos aqui do Estado. O
presidente Jucelino Kubitschek para era uma federação de partidos foi com seus curtos 12 anos de vida Chiquinho pediu para eu descer e ir meu pai, Lourival de
obtenção de recursos financeiros oposicionistas. Difícil mesmo de pública. apertando a mão do pessoal e avisar Almeida, que foi
para a CMTC São Paulo (1960); controlar. – Mas o senhor não disse que seus para ele se as mãos eram calejadas. desembargador, foi também
reunião de Ademar com o vice- – Mas com o povo ele tinha uma governos não foram bons? – Eu fui cumprimentando um a um deputado federal. O meu
governandor de São Paulo, Erlindo ligação de afeto. Imagina que ele saía – O povo não se importava muito e voltei ao palanque e disse para ele irmão, José Cupertino, foi
Salzano (1957); Chiquinho e Kinkas no fim de semana sozinho dirigindo o com o resultado do governo dele. Tanto que o povo que estava ali era de mão vereador e deputado
na posse; na página oposta, o seu carro e ia para os morros conversar que já no seu primeiro governo ele grossa. “Então vamos ganhar aqui”. Aí estadual e aposentou-se
marqueteiro hoje fiado com o povo. Levava balas no deixou o funcionalismo com quatro ou eu disse: mas, doutor Chiquinho, esse como desembargador.
porta-malas para distribuir com as cinco meses de atraso e veio a ser esse povo aqui é PSD até a medula. “De Quando deixei a Secretaria
crianças. Queria vê-lo bem era levá-lo mesmo funcionalismo que o mão calejada, não. Você vai ver o que de Governo do Chiquinho,
para junto do povo humilde. Se não reconduziu ao governo quatro anos vai dar aqui. Em seguida, ele desceu fui servir como chefe do
tivesse havido o golpe dos militares, o depois. Chiquinho conhecia povo. Em do palanque e foi também Gabinete Militar, do prefeito
Chiquinho teria se constituído na Afonso Cláudio, onde diziam que o cumprimentando um a um. Quando de São Paulo, Adhemar de
Isaumir Nascimento
um privilégio
de poucos

Fernanda Couzemenco
Fotos: Apoena

euforia é grande entre os


Recursos para o desenvolvimento moradores das vilas de
Regência e Areal, em
sustentável da região já são realidade. Linhares. Elas são as
primeiras localidades capixabas a
Agora, mais que nunca, vale a pena conseguirem recursos para elaborar e
implementar seu Plano de
Desenvolvimento Sustentável. Uma
vitória que merece aplausos também dos
residentes nas urbes, pois iniciativas

Viver e morrer em
assim evitam o inchaço ainda maior das
cidades que, na maioria das vezes, não
possuem sequer seu Plano Diretor

Regência
Urbano (PDU). No Estado, o documento
ainda é privilégio de menos de uma
dezena de municípios.
A elaboração e execução do Plano
foram aprovadas pelo Fundo Nacional
de Meio Ambiente (FNMA), que
disponibilizará R$ 480 mil, a fundo
perdido, para que as comunidades
identifiquem e implementem as
atividades econômicas que considerarem
Meio ambiente preservado, mais qualidade mais indicadas para aumentar a oferta
de trabalho e renda em sua região e que
de vida, trabalho e renda garantidos contribuam com a conservação da
Reserva Biológica de Comboios,
localizada a sete quilômetros do centro
de Regência. As propostas levantadas até
agora são pesca oceânica, agricultura,
piscicultura e ecoturismo.
A coordenação do projeto é da
Fundação Pró-Tamar, entidade que co-
administra o Projeto Tamar-Ibama, de
proteção às tartarugas marinhas. O Tamar
se instalou em Regência em 1982 e
desde então tem incentivado os debates
na comunidade em torno do
desenvolvimento sustentável da região
e gerado serviços ligados à conservação
ambiental, ecoturismo e fabricação de
camisetas, chapéus e artesanato com a
marca Tamar.
de poucos
Durante a temporada reprodutiva os pequenos barcos os alcancem. A crescer de forma ordenada, permitindo
das tartarugas, anualmente entre reforma dos barcos, em andamento que seus filhos tenham melhores
setembro e março, essas atividades através do Plano, é uma saída para os condições de vida, possam receber
chegam a gerar 100 postos de trabalho pescadores antigos e alento para os bem os turistas que sejam atraídos a
um privilégio

diretos e indiretos apenas em jovens que pretendem seguir a visitá-la e, muito importante, se
Regência, que tem cerca de 1,5 mil profissão dos pais. Mas não é assegurem que a tranqüilidade, a
moradores. Esse histórico bem- suficiente. simplicidade e a beleza da vida em
sucedido foi decisivo para a aprovação Regência sobreviverão à aproximação
do projeto pelo FNMA. Não haverá crescente com a zona urbana e seus
“Tivemos o cuidado de estabelecer problemas. “Evito falar muito sobre
esvaziamento algumas coisas boas daqui para não
pré-requisitos de seleção que
atrair pessoas demais, que a gente não
permitissem a participação apenas de
Assim, o turismo, a agricultura, a suporte”, exagera o pescador Élcio José
entidades sérias e que já trabalhassem
piscicultura e outras atividades de certa Souza Olviera, o Zé de Sabino.
há alguns anos com comunidades de
forma novas para os regencianos, são Mas o exagero tem certo
entorno de unidades de conservação”,
a maior garantia de que a vila não se fundamento. Nos últimos dez anos, a
ressalta Patrícia Metzler Saraiva
Saraiva,
esvaziará e, ao contrário, poderá
coordenadora da carteira de manejo
sustentável de fauna e flora do FNMA.
O vice-presidente da Fundação Pró-

Arquivo: Projeto Tamar-Ibama


Tamar e coordenador regional do
Tamar no Estado, João Carlos Thomé
Thomé,
explica que com a ajuda do Fundo será
possível dar continuidade aos
trabalhos com alternativas econômicas
que a entidade desenvolve há 18 anos
em Regência. “Mas desta vez com
recursos específicos e um debate ainda
maior com a comunidade e as
entidades que de uma forma ou outra
sempre nos apoiaram”, conta.
E no centro de tudo,
As entidades a que ele se refere
são: Associações de Moradores e
próprias, mas com objetivos coletivos,
a tartaruga marinha
Pescadores de Regência, Prefeitura de Elas surgiram há 150 milhões de redes de pesca, já que o homem
Linhares, Petrobras, Cooperativa Mista sempre. “Seria muito interessante
retomarmos a produção de farinha e anos. Sobreviveram a várias deixou de ser seu principal predador,
de Trabalhadores Conservacionistas e transformações por que passou o tendo aprendido a respeitá-la e até
Reserva Indígena de Comboios. Todos doces de mandioca”, sugere Ildevan
Lopes de Moraes, a Mariah
Mariah, 67. Ela planeta, inclusive a que exterminou os gostar dela.
possuem representantes no Conselho dinossauros, mas quase não resistiram Em Regência isso fica bem claro.
Gestor do Plano. nunca trabalhou na produção de
farinha, mas sabe o quanto a atividade à investida do bicho-homem, que A presença da tartaruga extrapola as
seria importante para várias pessoas durante décadas matou e coletou seus praias e sua imagem invade as casas,
Cidadania ovos, impedindo seu ciclo reprodutivo. restaurantes, pousadas... elas estão por
da comunidades como fonte de renda
participativa e de resgate cultural. Quando o Projeto Tamar foi criado toda a parte. Fácil entender o motivo de
A vila ainda tem um forte perfil em 1980 pelo extinto IBDF, uma das tanta simpatia. A proteção da tartaruga
Nas reuniões do conselho, no pesqueiro, apesar de a atividade estar primeiras missões foi provar que as sempre gerou serviços e renda à
auditório do Centro Ecológico de em declínio nos últimos anos. Os tartarugas marinhas existiam, sim, na população e foi o principal motivo da
Regência, a participação é intensa, seja peixes estão cada vez mais raros e nossa costa, pois elas já estavam criação da Reserva Biológica Comboios.
debaixo do calor intenso dos dias mais distantes da costa, impedindo que quase extintas. Vinte e dois anos E agora, para ajudar na preservação de
quase sempre ensolarados da vila, seja depois, 4,5 milhões de filhotes foram Comboios, vai causar verdadeira
avançando a noite e vencendo o No alto, o pescador Zé de protegidos e liberados ao mar no Brasil, revolução na comunidade, com a
cansaço da labuta diária, seja Sabino, trabalhando com a mas elas ainda correm risco. A idade aprovação do Plano de Desenvolvimento
afastando a preguiça dos fins de família; ao lado, a Oficina de adulta só é alcançada por volta dos Sustentável das localidades do entorno
semana e feriados. Papel, onde trabalham onze 25 anos, o que acontece com apenas da Reserva. Sinal de que esse casamento
Cada um faz propostas de acordo jovens da comunidade, um ou dois de cada mil filhotinhos. entre a conservação ambiental e a
com os conhecimentos e realidades produzindo sacolas usadas nas Hoje as maiores ameaças são a melhoria da qualidade de vida das
lojas do Tamar do Espírito Santo poluição e a captura acidental em pessoas vai ter vida longa, para sorte das
tartarugas e nossa também.
de poucos

Reserva Biológica vila tem ganhado em média uma


pousada por ano. A primeira, de dona
Povoação, do outro lado do rio, a base
e a Reserva Biológica de Comboios,
Guardiões da história,
defensores
de Comboios Maria Bárbara Garuzzi Pelissari, ou
dona Mariquinha
Mariquinha, como é mais
as lagoas e praias, de balneabilidades
variadas. Próximo à foz, o mar agitado
das belezas e tradições
um privilégio

conhecida, já está preparando reforma e a presença dos entulhos trazidos Dona Luíza Barcelos de Souza
Souza, 87,
A Reserva Biológica de Comboios, com no estabelecimento. pelos quase 1000 km de leito do rio fala com água na boca – e
833,23 ha, foi criada em 1984 pelo governo Até um posto de gasolina já está Doce afastam os banhistas. Mas comedimento – das receitas para se
federal com o objetivo de preservar a se instalando. A novidade é trazida por bastam um ou dois quilômetros ao comer careba, como chama a tartaruga
biodiversidade de fauna e flora da restinga Carlos Alberto BaptistaBaptista, que norte ou ao sul para que a beleza marinha. Carne de tartaruga seca e
local e as desovas de tartarugas marinhas que inaugurou a lanchonete Carebão no selvagem do lugar roube a cena. grelhada com farofa dos ovos da
ocorrem na região. último verão e se prepara para abrir Barulho somente do mar, já mais bichinha era seu prato preferido. Mas
Entre as espécies em extinção destacam- uma pousada – mais uma! – e um calmo e limpo. E nas areias, a ela deixa bem claro que isso é passado.
se a preguiça-de-coleira (Bradypus torquatus) restaurante. “A gente acredita no vegetação nativa divide espaço apenas Filhos, netos e muitos outros parentes
tamanduá mirim (Tamandua tetradactyla) e potencial turístico de Regência”, afirma. com os banhistas e surfistas, que já trabalham para o Tamar, ajudando na
ouriço-caixeiro (Sphygnus sp). Além do charme próprio, Regência elegeram a região como uma dos conservação das carebas. “Tem muito
A proteção integral também favorece os também atrai os interessados em principais “picos” do Estado. Ao redor, emprego por causa da tartaruga e do
peixes que procuram abrigo e alimentação no conhecer a foz do rio Doce, a vila de os olhos alcançam uma imensidão de Tamar. Foi bom”, avalia.
mar defronte à Reserva. E a vegetação protege planícies e um sem-fim de mar-areia- Dona Luíza gosta de contar
a vila e arredores da erosão e do vento. Sem céu-vegetação. histórias, especialmente sobre o
Isaumir Nascimento
falar no atrativo turístico. Apenas 3,9% do A pureza da paisagem é tamanha, carnaval de rua de Regência, do qual
território nacional está protegido dentro de que é possível avistar o Mestre Álvaro, sempre participou. “A gente saía
unidades de conservação de proteção integral. na Serra. A faixa de praia dentro da fantasiado com as cores do bloco em
“É um diferencial importante para o ecoturismo. Reserva Biológica tem acesso dois cordões separados, um de cada
Além disso, a Reserva pode ajudar a atrair controlado e permitido em apenas dois clube. Andava junto com uma banda
parceiros nacionais e internacionais para o pontos. O cuidado vale a pena. A de música, era muito alegre”, conta.
fomento do desenvolvimento sustentável na urbanização desordenada e a sujeira Agora dona Luíza prefere assistir à
região, como está acontecendo agora com o que avançam em nossas praias Brasil festa, que ainda acontece.
FNMA”, destaca o chefe da Reserva, biólogo afora tornam santuários naturais como Elpídio Ângelo de Macedo
Macedo, o seu
Juarez Scalfoni
Scalfoni. esse cada vez mais raros e vitais. Miúdo, 79, também é fã do carnaval
Juarez também é o executor da base de Comboios é um patrimônio da de Regência. Tem dezenas de canções
Comboios do Projeto Tamar-Ibama, que humanidade, que tem o direito de se sobre os carnavais e outras histórias
funciona junto à Reserva. A base monitora 37 beneficiar e usufruir dela, e o dever de folclóricas de Regência. Tocador de
km de praias, trecho que, somado aos 73 km preservá-la. E Regência, como vizinha bandolim, cavaquinho, pandeiro e
monitorados pelas bases de Povoação e Pontal privilegiada, está cada vez mais violão, com um CD gravado e diversas
do Ipiranga, abriga o único ponto conhecido consciente de que só tem a ganhar homenagens de prefeituras e
de concentração de desovas da Tartaruga- ao defender essa idéia. personalidades, ele gosta mesmo é de
gigante ou de couro (Dermochelys coriacea) ser chamado de Guardião de Caboclo
e o segundo maior da Tartaruga-cabeçuda Bernardo, o herói linharense que no No alto, General, que criou o Museu do General, com peças de artes
(Caretta caretta) no Brasil. As atividades século XIX salvou mais de cem feitas por ele, e a esposa, dona Mariquinha (página oposta); a prática
desenvolvidas são manejo de desovas, pessoas do naufrágio de um navio, na do surf, muito comum nas praias da cidade (página oposta); acima, seu
educação ambiental e pesquisas científicas. foz do rio Doce. Miúdo, guardião do Cabloco Bernado, morador antigo de Regência, e
O Centro de Visitantes da base conta com O herói é tema de marchinhas de dona Luíza, nativa de Regência, peritos em tartaruga
sala de exposição e vídeo, aquários e tanques carnaval e congos. O encontro anual
de crescimento de tartarugas marinhas e, entre de bandas de congo que acontece na como uma das inspirações para netos e dois bisnetos – do vento, do
dezembro e fevereiro, soltura de filhotes na vila é considerado o maior do Estado produção de suas peças de arte. O fogo, e alagamentos em épocas de
praia. e a banda de congo mirim local foi a Museu do General funciona junto à chuva. “É bacana ter a natureza perto,
RESERVA E BASE DE COMBOIOS: primeira a ser criada, há doze anos. A pousada e revela de maneira temos que dar valor. Eu não saio de
Onde fica: a 7 km ao sul da vila de Regência. idéia foi de dona Mariquinha
Mariquinha, que faz colorida e particular, a alegria de se Regência nunca. E acho que meus
Horário de visitação: 8h às 12h e de 13 às questão de receber as bandas do viver em Regência, próximo a tantas filhos também não”. General acredita
17h, todos os dias, inclusive sábados, domingos e encontro em sua pousada, onde belezas naturais. Ele e a esposa no surgimento de mais trabalho para
feriados.
oferece café da manhã e almoço aos plantaram uma por uma duas mil as novas gerações e que elas
O que encontrar: Sala de Exposição e Vídeo,
aquários e tanques de crescimento de tartarugas integrantes. árvores ao redor do terreno, para continuarão a se beneficiar com a
marinhas e, entre dezembro e fevereiro, soltura de O marido, Primo Pelisssari
Pelisssari, protegerem a família – são quatro conservação das tartarugas e de toda
filhotes na praia. conhecido como General, usa o congo filhos biológicos, oito adotivos, 25 a natureza que os cerca.
Telefone: (27) 984-3788
E-mail: comunicacao.es@tamar.org.br
livre pensar
“Livre pensar é só pensar” - Millôr Jace Theodoro

Aedes, musa até


debaixo d’água
A grande musa do verão foi, para a desgraça das atrizes-
modelo, o mosquito da dengue. Ou a mosquita, já que o
transmissor é a fêmea e o Aedes patrão não é macho o
bastante pra picar ninguém. Por conta disso, as bocas de
matilde estão duvidando da sua masculinidade dizendo que
o Aedes boiola entende é de outras picaduras. Aqui no Espírito
Santo, o terceiro Estado com maior número de ocorrências, o
povo tem tomado medidas drásticas. Uma delas é não lavar
mais o umbigo, pois caso sobre água no buraquinho os
ovos vão fazer a festa no novo ninho. Beber O leitor dá as cartas...
cerveja além da conta nem pensar – vai que a água
no joelho fique parada. Como o miserê anda brabo, tem gente
acumulando focos em casa pra juntar muitos ovos e saciar a
e eu dou o repelente
Estou arrasada. Peguei dengue e não consigo levantar da cama, cheia de dores pelo corpo, como se um trator tivesse passado sobre
fome. Omelete de Aedes é manjar dos deuses em tempos de mim. Você não tem uma receitinha pra me curar, não? Pra completar estou 22 quilos acima do meu peso. (Dengosa da Ilha das
crise. Caeiras).
Dizem que o ex-ministro da Saúde, Zé Serra, largou a pasta
com um catatau de receitas dos ovinhos pra garantir a cesta A única cura no seu caso é dieta. Sim, porque com todo esse peso certamente a senhora deve estar cheia de pneuzinhos, um foco
básica da sua campanha. infalível do Aedes. Vai furando os pneus que logo, logo, a doença vai embora.

Publique a minha carta, por favor. O que estão fazendo comigo é um linchamento moral só porque sou mulher e nordestina.
Encontraram toda aquela grana no escritório da minha empresa, mas campanha, como o senhor sabe, se faz com dinheiro vivo.
(Roseana dos Lençóis).

É mulher e nordestina mas, diferente da Benedita, não é negra nem favelada, o que, segundo a sua família, são dois pontos a favor
Mundo (como a tendência do Ibope é que a senhora não tenha nenhum ponto, já é alguma coisa). Realmente, campanha com dinheiro morto
é pra quem gosta de real e de lavagem de dindim e o seu clã entende disso como ninguém, haja vista a brancura dos lençóis
animal maranhenses.

Registro Geral Animal – RGA – é a carteira de identidade


Réquiem para o Três rapidinhas
dos cães e gatos paulistanos que agora serão obrigados
Serenata de Amor
1
a circular com o documento. Numa recente blitz, alguns @ A última descoberta da
bichanos foram pegos sem a carteira e revistados pelo Depois de muitas marchas e ciência é que as louras são
guarda Belo, aquele do desenho do Manda-Chuva e contramarchas, finalmente a fábrica ótimas goleiras. Também,
que agora é mestre de bateria da Nenê de Vila Matilde, Garoto foi vendida para a Nestlé. Como com aquele excesso de
tradicional escola de samba de São Paulo. A agremiação se sabe, a multinacional suíça fabrica reflexo...
promete para o próximo ano dar um show na avenida,

2
da água Perrier a rações para gatos, o
isto é, se os jurados não exigirem o RGA do couro de que pode ser um sinal de que vamos @ Tem evangélico por aí
gato dos tamborins. comer chocolate que mata a sede com usando a Bíblia como calço de
gosto de pêlo angorá. A família Garoto geladeira. Ou seja, Jesus está
começou a guerra de tabletes entre entrando numa fria.

Dois pontos seus membros pra ver quem fica com

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a melhor fatia do brigadeirão. Helmut @ Pesquisa mostra que
O Brasil é o país do futuro. Meyerfreund, o ex-big boss da mulheres choram três vezes
Mas o futuro, esse eterno empresa, disse que “o Espírito Santo mais que o homem. Com a
marido traído, vai acabar está de luto”, mas eu duvido que qualidade dos cuecões no
sendo o último a saber alguém vá usar preto no velório. No mercado, as pobres coitadas
dessa história. máximo, uns modelitos marrons... vão rir de quê?
marrom-bombom, como convém.
crônica
Tavares Dias (www.tavaresdias.jor.br)

O preço da transformação
São amigos de longa ntão o jeito é entrar para A luta é dura, mesmo. Jeromo é
uma igreja cristã. Primeiro mais aplicado, mais tenaz, e além do
data. Desde meninos. E vai Jeromo, que uns tempos mais tenta carregar consigo o frágil
agora, já homens de depois consegue, a duras Onofre, que às vezes ainda fraqueja e
penas, levar Onofre. Aquela irmandade, depois entra em crise de culpa, amarga
meia-idade, casados, formada pelas pessoas mais simples uma depressão. Deixa a igreja duas
e mais pobres da cidade, recebe-os vezes, retorna. Jeromo vai se firmando,
pelejam pra largar amorosamente, com o ardor dos com uma derrapada ou outra. Chega
hábitos e vícios desde místicos e o corporativismo tão comum a pastor. Continua arrastando Onofre.
aos religiosos. O grupo sabe que os As obrigações de Jeromo dobram,
muito arraigados. Além novos irmãos poderão cair muitas com a nova atribuição.|Orienta casais,
da consciência de cada vezes, mas que o mais importante é jovens, famílias inteiras. Estuda os
nunca desistir. textos sagrados, cuida da própria
um, as pressões Para espanto da comunidade local, família. E o mais cansativo são as
familiares e Jeromo e Onofre começam a usar notícias das derrapadas de Onofre, que
paletó e gravata, a carregar livros continuam chegando. O estresse é
profissionais também religiosos debaixo do braço. Somem crescente.
exigem a mudança. dos bares, da sinuca, do campo de Um dia, Onofre entra
futebol, da rinha de galos, do carteado, sorrateiramente na sinuca, que
da raia de malha, das casas do outro também é bar, e pede uma pinga.
lado da linha do trem. A dupla vira o Servido, vai com o copo na mão até a
centro dos comentários em todas as porta, dá uma olhada na rua e volta
rodas onde se jogava conversa fora. A assustado, ao ver que Jeromo vem
mudança da dupla causava espanto. descendo a rua. Apavorado, pede pra
Só o alfaiate da cidade, considerado o se esconder no banheiro, com copo e
mais sábio entre os antigos, resmunga tudo.
seu ceticismo: Logo entra Jeromo. Vem
-Quenga num angustiado, abatido. Os amigos notam
regenera. Tira férias. a tensão, os tiques nervosos. Mas todo
mundo disfarça.
Com toda a solenidade recém-
adquirida, Jeromo pergunta pro dono
da sinuca:
-Viu o irmão Onofre por aí?
Rapidamente, a turma toda nega,
uns com palavras, outros com gestos,
na cumplicidade comum aos errados.
Pois para surpresa de todos, e
principalmente de Onofre, que sua em
bicas a dois metros, dentro do
banheiro, o copo de pinga na mão,
Jeromo também vai até aporta,
esquadrinha a rua de alto a baixo e
manda de primeira, num desabafo
envergonhado:
-Então bota u´a purinha aí pra mim.

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