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ELIAS COM E PARA ALÉM DE FREUD:

resenha
processos de civilização no diálogo
entre sociologia e psicanálise

Allyson de Andrade Perez

ELIAS, Norbert. Au-delà de Freud: sociologie, psychologie, psychanalyse. Paris: Éditions


La Découverte, 2010. 215 p.

“Para além de Freud” é uma coletânea sentido de uma maior institucionalização


de artigos de diferentes momentos da tra- e autonomia da sociologia e fundadas na
jetória do sociólogo alemão Norbert Elias, pesquisa empírica.
produzidos no período de 1950 a 1990. Com O debate com Freud se faz sentir duran-
base num diálogo crítico com a psicanálise te toda a obra. Elias promove teses freudia-
freudiana, o autor operacionaliza suas prin- nas como, por exemplo, quando questiona
cipais contribuições teóricas à sociologia, a distinção ilusória entre psicologia indi-
explorando diferentes temáticas. Os textos vidual e psicologia social e quando con-
são, em geral, transcrições de aula inaugu- cebe o ser humano enquanto processo ou
ral e de conferências, à exceção do último, devir contínuo (“O domínio da psicologia
composto a partir de um manuscrito. social” e “O conceito freudiano de sociedade
Elias propõe romper com tradições te- e para-além”); ou quando concebe a histó-
óricas que chama de fossilizadas e que es- ria como um processo de desenvolvimento
tão baseadas em conceitos estáticos e na cultural pelo deslocamento progressivo dos
separação radical entre indivíduo e socie- objetivos pulsionais ou, em outras palavras,
dade, concebidos como entidades isoladas. o processo civilizador como um processo de
Aciona, em contrapartida, um repertório colonização ou controle das pulsões (“A ci-
de categorias dinâmicas, construídas no vilização dos pais”); ou, ainda, quando se

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refere ao “eu” e ao “supereu” como instân- dade, o que teria levado à construção de
cias psíquicas de autorregulação (“O con- mitos, inclusive o mito freudiano das ori-
ceito freudiano de sociedade e para-além”). gens, fundado na ideia de uma violência
Por outro lado, o autor também critica sem limites do pai originário para com
Freud, principalmente, conforme destaca seus filhos como instigadora da funda-
Bernard Lahire em seu posfácio, pela noção ção da cultura e sociedade. Elias critica a
de inconsciente como entidade a-histórica questão das origens como uma falsa ques-
e por conceber o homem como um sistema tão; procura-se o início lá onde tudo leva
fechado ou um Homo clausus. a crer em um processo sem começo: as so-
No principal ensaio da obra, “O conceito ciedades humanas provavelmente apenas
freudiano de sociedade e para-além”, Elias evoluíram a partir das sociedades animais.
afirma que Freud oferece um dos modelos Seu viés sociológico inovador pode ser
mais realistas para explicar como os seres percebido na ideia de que os processos de
humanos, de seres totalmente sem limites, civilização ou descivilização só se tornam
tornam-se capazes de autocoação. Entre- visíveis se se comparam as sociedades umas
tanto, para o autor, apesar de conceber o às outras em diferentes estágios de seu de-
eu e o supereu como as funções autorregu- senvolvimento e diferentes gerações no de-
ladoras da psique, desenvolvidas no qua- senvolvimento de uma mesma sociedade.
dro das relações sociais da pessoa, Freud Segundo Elias, à época de Freud, esse tipo de
as conceberia como entidades estáticas, processo não intencional de longa duração
não afetadas pelas modificações no curso talvez ultrapassasse o poder de imaginação
do desenvolvimento da sociedade humana. das pessoas. A formação de uma consciência
A perspectiva freudiana estaria centrada individual autopunitiva (por atos e também
no indivíduo enquanto mundo fechado e, por pensamentos), que Freud teoriza, seria,
como consequência, a sociedade seria uma para Elias, o sintoma de uma modificação na
soma de indivíduos isolados. Freud teria relação de forças entre a regulação por ou-
concebido um modelo eminentemente so- trem e a autorregulação, em benefício desta
ciológico do indivíduo (este como comple- última. Modificação situada no curso de um
xo multipolar) e um modelo eminentemen- longo processo histórico.
te individualista da sociedade (como quan- A aprendizagem progressiva da auto-
do articula o conceito de pai originário que, coação é tida como necessária para que os
sob os traços de uma pessoa individual, indivíduos vivam uns com os outros. Para
personifica o grupo social inteiro). Elias, as mudanças na estrutura psíquica
Para Freud, a regulação das pulsões se- estão inextricavelmente referidas às mo-
ria um sintoma da submissão do indiví- dificações relativas ao hábito social, como
duo à sociedade, nunca uma condição da no caso da evolução da posição social das
autonomia relativa deste em suas relações mulheres jovens não casadas de classes
consigo mesmo e com os outros. Assim, médias urbanas em certas sociedades eu-
Elias considera unilateral a perspectiva ropeias mais desenvolvidas, no curso do
freudiana das formações sociais por ação século XX: de uma estrita vigilância pa-
da libido (Eros). A teoria social de Freud rental e de uma situação de forte repressão
seria o produto de uma época obstinada social de sua autonomia e de seus desejos,
em descobrir a origem da vida em socie- elas passaram a uma situação em que as

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desigualdades, apesar de não terem de- fundamentais, como os de repressão (embo-
saparecido, diminuíram amplamente. Isso ra este não seja propriamente psicanalítico)
explicaria, por exemplo, a transformação e recalque; inconsciente; eu e supereu.
na maneira de sintomatizar seu sofrimento Elias também recorre a sua teoria da ci-
psíquico, com a diminuição dos grandes vilização para explicar a mutação ocorrida
ataques histéricos de convulsão entre as na relação entre pais e filhos ao longo da
mulheres da burguesia ao longo do sécu- história (“A civilização dos pais”). Dialoga
lo XX. As mudanças sociais se efetivam com os autores Philippe Ariès (historiador
no curso de um processo social não pla- que consagrou um trabalho à descoberta da
nificado, cego e sem objetivo, mas, a cada infância entre os séculos XIV e XVI, atri-
momento dado, direcional. Elias sugere, buindo-lhe caráter histórico e de construção
assim, que as transformações são, afinal, cultural) e Lloyd de Mause. Para Elias, as
produtos inesperados de atividades hu- sociedades industriais modernas, diferente-
manas. Por outro lado, reconhece que a mente das anteriores, exigiriam das crianças
igualdade de votos, obtida pelas mulheres e dos indivíduos em geral um grau mais ele-
inglesas em 1919, não teria sido possível vado de antecipação e autocontrole. A des-
sem os esforços conscientes e deliberados coberta das crianças, para Elias, é de fato a
do movimento feminista antes da I Guerra de sua autonomia relativa: elas passam a ser
Mundial, embora não os aponte como o percebidas como um grupo social específico,
fator mais importante de igualdade pro- particular, diferente do dos adultos.
gressiva das oportunidades sociais das Se, antes, as relações pais-filhos eram
mulheres. Uma distribuição mais igualitá- relações claras de dominação (os pais orde-
ria das oportunidades de poder exigiu dos navam e os filhos obedeciam), essa situação
grupos sociais uma capacidade aumentada estaria sofrendo modificações, afirmando-
de autocoação. Elias teoriza esse movi- se uma tendência de maior autonomia e
mento como um impulso civilizador. margem de decisão dos filhos que em ou-
Numa revisão de seu trabalho mais tros momentos históricos. A função que os
célebre, “O processo civilizador”, o autor filhos têm para os pais varia no curso do
afirma que, no curso de suas pesquisas, se processo civilizatório e isso influencia em
deu conta de que os processos de civiliza- como os filhos são tratados. Isso permite
ção podem se referir tanto ao incremento compreender por que, até o séc. XVIII, mui-
quanto à diminuição das coações. O termo tas sociedades praticaram métodos aceitá-
civilização é comparativo, já que a huma- veis de infanticídio, e a violência física foi
nidade não conhece nenhum grau zero. A amplamente utilizada como instrumento
civilização é um processo intergeracional de educação das crianças, o que hoje ge-
de longa duração, não planificado e não ralmente nos aparece como intolerável. No
forçosamente sinônimo de progresso. curso do processo civilizatório, a expres-
Para Elias, postular a autonomia total das são das pulsões nas relações entre pais e
estruturas inconscientes, como faz Freud, filhos, antes muito mais livre e espontânea,
faz obstáculo à pesquisa das relações entre se submeteria a controles mais rigorosos
as estruturas sociais e as estruturas psíqui- atualmente: os filhos vão ganhando mais
cas. Elias propõe, então, uma reorientação oportunidades de poder, na medida em que
processual de alguns conceitos freudianos sua função para os pais se modifica. Elias

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associa essa mudança ao advento do con- O que produz as disputas é o fato de que
trole da natalidade, que não podia ser feito cada grupo tende a tomar suas teorias por
pelas sociedades anteriores, onde os pais exaustivas e exclusivas, o que implica des-
tinham filhos “cegamente”. valorizar as explicações dos outros grupos.
Critica Ariès, por trabalhar sem quadro te- Critica o modelo reducionista da psiquia-
órico e idealizar a felicidade das crianças nas tra, quando, por exemplo, enfoca o paciente
sociedades tradicionais, e De Mause, por se como indivíduo, relegando outras pessoas
limitar a uma teoria puramente psicogenéti- e grupos a um segundo plano, conforme a
ca, denunciando atrocidades do passado sem hipótese de uma divisão radical entre o “in-
referências às transformações sociais (pers- terior” e o “exterior”. Propõe uma ruptura
pectiva sociogenética). Nas sociedades mais com essas tradições teóricas para compreen-
simples, o processo pelo qual as crianças são der a estrutura da personalidade individual,
levadas da livre expressão de suas pulsões remetendo-a às condições de vida de uma
ao nível de regulação pulsional exigido pe- determinada sociedade em dado momento
las sociedades dos adultos, seria mais curto, histórico e às pressões sociais que os indi-
simples, rápido e menos profundo. No curso víduos sentem por estarem localizados em
do processo civilizador, poderíamos igual- redes interdependentes de relações. Nossa
mente perceber um empuxo individualizan- sociedade, por exemplo, requereria um grau
te. O processo de transformação civilizadora muito mais elevado de privatização das fun-
do indivíduo vai se alongando e se tornando ções corporais e dos sentimentos que outras,
mais complexo. É assim que se instaura uma sendo os indivíduos socialmente pressiona-
fase preparatória, sempre mais longa, entre dos e intensivamente educados para isso.
a infância e a fase adulta e que ocorre uma Cada indivíduo disporia de valências aber-
desfuncionalização parcial dos pais com o tas a se conectar com as valências de outros
advento da escola, que participa do processo indivíduos. Em dadas configurações, essas
de construção da autorregulação. valências estariam firmemente ligadas e es-
Outro aspecto de sua teoria é também táveis; em outras, elas continuariam abertas
abordado na presente obra, em particular e mais disponíveis. Um problema comum à
no ensaio “Sociologia e psiquiatria”: o das sociologia e à psiquiatria, então, seria o de
lutas por reconhecimento. Aborda o tema considerar a relação entre a configuração
a partir das dificuldades estruturais na co- pessoal de valências de cada indivíduo à dis-
operação entre as diferentes especialidades posição de outro e as configurações que essa
científicas. Elias enfatiza que o estatuto de sociedade, em virtude de sua estrutura de
uma ciência particular se relaciona estrei- conjunto, exige que os indivíduos formem
tamente à quantidade de oportunidades de uns com os outros.
poder que seus representantes possuem. Dessa forma, nenhum evento na vida de
Numa referência implícita ao esquema es- um indivíduo seria em si mesmo causa de
tabelecido-outsiders, afirma que o surgi- nenhum efeito, a não ser na medida em que
mento de novas especialidades científicas modificasse uma configuração preexistente
produz ansiedade e insegurança quanto ao em que a pessoa estivesse inserida. Social e
estatuto das disciplinas mais antigas e des- individual seriam níveis distintos, mas não
taca as lutas por igualdade de estatuto e separados e constituiriam um só e mesmo
pela partilha de poder e de oportunidades. domínio para o autor.

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Destaco, finalmente, a compreensão de apareceriam como “mais civilizadas”. Tra-
Elias acerca das doenças psicossomáticas, ta-se de um caso de liberação controlada
tema aparentemente distante dos esforços das emoções dentro da relação entre regu-
das teorias sociológicas (“Civilização e psi- lação social e autorregulação.
cossomática”). O autor parte do argumento Admitindo a pertinência de várias das crí-
de que, para a medicina psicossomática, ticas esboçadas, entendo que Elias toma, às
os seres humanos são sempre idênticos a vezes, alguns conceitos psicanalíticos sem o
si mesmos. Critica essa ideia para afirmar aprofundamento e a complexidade que Freud
que as doenças psicossomáticas ou os as- lhes dá em suas teorizações. Por exemplo,
pectos psicossomáticos de toda doença es- quando entende a pulsão como uma força
tão estreitamente ligados às mudanças que biológica do organismo no sentido de um
sobrevêm nas condições de vida sociopsi- instinto, uma expressão da animalidade do
cológicas. Aponta exemplos que mostram homem (“A civilização dos pais”) ou quando
a forma pela qual a vida social de épocas critica o conceito complexo de pulsão (e não
passadas difere da de hoje, mostrando que instinto) de morte como a expressão de uma
os hábitos sociais não são em nada neces- necessidade universal (“Civilização e psicos-
sidades biológicas, mas efeitos das mudan- somática”). A pulsão para Freud não se con-
ças que afetam normas sociais. Da mesma funde com o instinto animal (relembro que
forma, a modificação operada no uso da os termos em alemão são distintos: Trieb e
violência física, fato normal e comum em Instinkt), sendo desde sempre já própria do
sociedades mais antigas, corresponde ao ser humano enquanto social. Decorreria não
processo de monopolização de seu uso pelo de sua animalidade, mas do processo de des-
Estado. À eficácia crescente do controle naturação sofrido por ação da cultura e da
da violência no interior dos Estados cor- linguagem. A pulsão de morte, por sua vez,
responderia o aumento das capacidades de se encarna principalmente na ação de um su-
autocontrole e da sensibilidade das popula- pereu cruel, instância esta forjada a partir das
ções quanto aos atos de agressão, proces- relações do sujeito com os outros em posição
so de pacificação que, no entanto, tem um de autoridade. Elias também imputa a Freud
preço para os indivíduos. ideias que lhe são, na verdade, projetadas,
Elias compreende as desordens psicos- como a noção de que a vida em sociedade se-
somáticas como consequências individuais ria incompatível com a satisfação pulsional.
de mudanças que se processam em um ní- A obra, de leitura agradável e fluida,
vel social: a interdição crescente do uso da atesta o vigor intelectual de Norbert Elias
força física contra os outros, por exemplo, e o potencial heurístico de seus conceitos
acarreta que o indivíduo volte sua violên- para a compreensão de processos sociais
cia contra si mesmo. Com isso, critica a bastante diversificados. São dignos de nota
utilização generalizada da noção freudia- seus esforços para historicizar a psicanálise
na de “instinto de agressividade” e a ideia e seus conceitos e para fazer avançar uma
de que os atos de agressão satisfariam uma compreensão do ser humano e de suas re-
necessidade humana universal. Refere-se lações que imbricam o individual e o social
às simulações de luta, a que dá o nome de como níveis diferentes de uma mesma re-
“jogos”, como formas de controle da agres- alidade, referida a processos históricos de
sividade, vez que, nas sociedades atuais, longa duração.

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NOTA SOBRE O AUTOR

Allyson de Andrade Perez é mestre em Ciên-


cias Sociais e doutorando pelo PPGSOC – UF-
MA e psicanalista.

Recebido em: 28/06/2013


Aprovado em: 24/04/2014

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