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05/10/2018 Consenso, só no paredão!

Extinção, de Paulo Arantes


Por Alexandre Nodari em julho 15, 2009 2:27 AM | Permalink | Comentários (65)

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Com o visual novo, este blog inaugura seu Clube de Leituras.

"Não estamos mais diante da guerra, mas agora sim, diante da política como mera continuação
da guerra" (p.29). Com esta inversão da famosa definição de Clausewitz, Paulo Arantes dá o
tom, já nas primeiras páginas, que dominará todo o Extinção, seu mais recente livro, publicado
na coleção "Estado de sítio", que ele mesmo coordena, da editora Boitempo. A guerra a que o
autor se refere é de tipo novo, a "guerra cosmopolita", modalidade que se torna possível com o
fim da guerra fria e a eliminação do inimigo em sentido tradicional. Dentro desta lógica, o novo
inimigo - o terrorismo - ameaça agora não um Estado-Nação (ou um agrupamento deles), mas a
própria humanidade (neste sentido, ele é um meta-inimigo - para os interessados, já escrevi
sobre isso). Para conter "tamanha" ameaça, vige um "estado de sítio mundial" e uma guerra
que é, ao mesmo tempo, cirúrgica (teleguiada e televisionada, o que provoca à anestetização, à
insensibilidade quanto aos seus efeitos - "colaterais") e sem limites (na medida em que uma guerra contra tão nefasto e
difuso inimigo é mais do que justa, justifica qualquer medida). A palavra-chave aqui - e, acredito, de todo o livro - é
"energia": não se trata mais de dizimar as linhas inimigas, mas de "provocar o colapso" das "condições de vida" (p.55) do
inimigo, eliminar a "vitalidade energética do adversário" (p. 54), como diz Virilio. Daí a crueldade explícita da nova
guerra, a "assimetria do sofrimento" inerente a ela. E é pela energia, pela reprodução das condições de existência do
capitalismo - altamente dependente do combustível fóssil -, que se guerreia, como a Segunda Guerra do Golfo deixou mais
do que evidente até mesmo para os mais do que crédulos. O problema é que o "programa suicida do capitalismo", levado a
cabo agora pelo "governo da exceção" empurra o mundo para a "falência ecológica generalizada", que, por sua vez,
implicará em mais guerra: "Um aquecimento global dramático pode levar países à guerra por acesso a água, terras
agriculturáveis e localizações para assentamentos populacionais" (p.81).

O modelo de "guerra cosmpolita" vem acompanhado de uma mudança no modelo territorial dos Estados (e do sistema
econômico em geral): agora se trata não de manter um aparato produtivo, mas de controlar o acesso, o que exige aparato
militar. Por isso, a noção norte-americana de fronteira volta a ser a dos tempos de conquista do velho oeste: fronteira
passa a ser sinônimo de fazer a fronteira, à diferença que, hoje, a nova fronteira abrange, como o inimigo difuso, o
mundo. (É curioso que Paulo Arantes não extraia todas as conseqüências conceituais de tal noção de fronteira. A
ambigüidade que ela carrega é comum às palavras que indicam medida ou limite, a começar por aquela: medida é tanto
um padrão, quanto a criação de um padrão ou a aplicação do padrão - "tomar uma medida" pra resolver um assunto, por
exemplo. Seria interessante pensar nessa ambigüidade para compreender o que podemos chamar de "ideologia
bandeirante" - bandeira deriva de bando, termo que indica pertencimento e exclusão, tanto é que dá tanto em bandana,
bandagem, quanto em bandido e banimento - que dominou o pensamento paulista do começo do século XX, como
também a insistência desenvolvimentista de penetrar o "Brasil profundo", da qual Brasília é a prova viva). Com essa
fronteira ampliada, fica fácil intervir em qualquer parte do mundo em que o inimigo - ou o recurso energético desejado -
aparecer (Sloterdijk assinala que os primeiros globos, contemporâneos às descobertas, isto é, aos primórdios da
globalização, já apontavam para esta disponbilização do mundo). O paradoxo do novo modelo é que, prescindindo de uma
base territorial unívoca, ele, no mesmo gesto em que abrange todo o mundo, permite que o próprio centro global se
periferize - o sinal evidente é a população abandonada quando da passagem do katrina -, desde que certos espaços vitais
privilegiados sejam protegidos na forma de bunkers. Estamos diante, portanto, de uma "fratura brasileira do mundo": o
novo capitalismo de acesso (a recursos, a dados) é, na verdade, uma "volta redonda do capitalismo": "Por mais
assombroso que pareça, já vivemos tudo isso antes: na Colônia. Daí a forte impressão que se tem hoje em dia, no coração
do sistema mundial, de que o deserto em expansão por estas terras de miséria e impotência, na verdade, parece anunciar
uma dramática periferização do planeta. Por isso, numa hora limiar como a presente, vem mais do que ao caso insistir na
atualidade da assim chamada Acumulação Primitiva, que de primitiva, obviamente, não tinha nada, como de resto o
demonstra o caráter 'avançado' do experimento colonial que engendrou a horrenda sociedade brasileira de ontem e de
hoje. Explico-me: enquanto a Europa ainda se arrastava no emaranhado do Antigo Regime, em sua franja colonial se
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encontrava em plena ebulição um verdadeiro laboratório de vanguarda do capitalismo total. Várias guerras bárbaras de
limpeza étnica depois, a banalização de todo um território, por força de uma razão econômica de novo tipo, repovoado por
assentamentos humanos exclusivamente empresariais e, por isso, voltados integralmente ao mister selvagem de extração
de mais-valia com uma intensidade e crueldade jamais vistas na história do trabalho humano, pelo menos desde os
tempos do trabalho escravo nas minas do Império. O que antes se apresentava como uma zona residual de
comportamentos extremos, a exceção que prosperava nos subterrâneos da normalidade burguesa em formação, desde
então ameaça tornar-se a regra nos momentos de colapso do sistema. Foi assim com o apocalipse nazi: nunca é demais
lembrar que a principal mágoa dos bons europeus com os hierarcas do Terceiro Reich era o tratamento "colonial" que lhes
estava sendo dispensado. Completava-se assim o sentido da colonização. Quando se diz que o imperialismo está de volta,
impulsionado por novas rodadas de acumulação por espoliação - privatizações, ajustes fiscais, expropriações via patentes,
guerras de pilhagem, etc. -, é novamente disso que se trata, da recaída em nossa condição originária de exploração aberta,
desavergonhada, direta e seca. De volta portanto ao deserto colonial de vanguarda da mais rasa necessidade econômica.
Pois que de necessidade se trata, não há mais nada a fazer a não ser aquilo que deve ser feito, governa-se cada vez mais
por medidas administrativas - exatamente como nas colônias" (p.274-275).

Aqui reside, a meu ver, o grande mérito do livro: apontar como a história da periferia do mundo, longe de ser
uma excrescência ou estágio a ser superado, aponta para a verdade ou essência do sistema global. A famosa tese de Walter
Benjamin (epígrafe da coleção em que o livro se insere), que só se tornou clara pra ele com a ascensão do nazismo - "o
estado de exceção em que vivemos é a regra" - já havia sido enunciada, cá nos trópicos por gente tão diferente como Rui
Barbosa, Araripe Jr. e Oswald de Andrade (e seria repetida anos mais tarde por um autodidata como Antônio Fraga).
Talvez justamente este negligenciamento da experiência periférica explique a outra modalidade de extinção apontada por
Paulo Arantes: "a petrificação geral da linguagem" (p.77), "um arranjo mental destinado a tornar desnecessário o simples
ato de pensar" (p. 160), em última instância, "a extinção pura e simples da capacidade de discernimento" (p. 161).
Acompanhando o estado de sítio global e permanente, teríamos um "estado de sítio moral da inteligência globalitária"
(p.160), um "grau zero alcançado pela vida ideológica, quando 'conceito' se tornou sinônimo de 'ameaça'" (p.52). A
dependência da periferia global em relação ao centro não era superável - era condição do sistema, e não ter apontado
suficientemente para isso tenha nos impedido de chegar ao "conceito de história que corresponda a verdade", para
retomar a tese benjaminiana, da atual periferização do mundo.

Se, por um lado, ou melhor, por um plano, concordo com o panorama da extinção da inteligência - ele cabe à grande
mídia, por exemplo - por outro, não sei se estamos próximos ao fim do discernimento ou do "grau zero da ideológica" -
depende do que entendemos por "grau zero". Em vez de fim do discernimento, talvez seja melhor falar de cinismo (todo
mundo sabe que a invasão do Iraque se deu por causa do petróleo e não pra combater o terrorismo, e os senhores da
guerra sabem que não enganam ninguém, mas estão se lixando para isso - sobre o tema, fica já a proposta, podemos
discutir, no próximo Clube de Leituras, Cinismo e falência da crítica, de Vladimir Safatle). Em vez de "grau zero da
vida ideológica", prefiro falar de um "grau zero" da terminologia ideológica: no novo cenário global, a antiga terminologia
que pautava o debate se esvaziou, ou melhor, se indeterminou, perdeu a referência aglutinadora que possuía: tanto
comunismo-igualdade, quanto capitalismo-liberdade se esvaziaram, sobrando um único termo, a democracia, que, diante
de uma paz que se confunde com a guerra infinita, também se indeterminou (basta lembrar o Patrioct Act, e as "reformas
ortográficas" brasileira e argentina, com a inclusão, nos respectivos vocabulários, das palavras "ditabranda" e
"intradictadura"). Mais do que extinção da inteligência, o que vemos é a extinção da imaginação - que Arantes sugere,
mas não aprofunda - o que nos impede de aproveitar a chance que o "grau zero" oferece, a saber, o de determinar novos
sentidos aos antigos termos ou - o que seria ainda melhor - inventar toda uma nova terminologia da política e das relações
sociais (é esta ausência da imaginação que caracteriza, a meu ver, o que o autor chama de "ajuste intelectual tucano-
petista" - isto foi tema de um dos meus primeiros posts -, ainda que eu discorde bastante da tábula rasa que ele faz
nas entrevistas, pois acredito que teria de matizar mais o cenário político nacional).

O antropólogo anarquista David Graeber lembra da importância que a imaginação possuía na concepção marxiana de
humanidade: "Nós pressupomos o trabalho numa forma que o marca como exclusivamente humano (...)", lemos n'O
Capital, "o que distingui o pior arquiteto da melhor das abelhas é (...) que o arquiteto ergue sua construção na imaginação
antes de erguê-la na realidade". Por isso Graeber afirma que "o que nos torna humanos não é tanto a 'razão' (ao menos no
sentido moderno de resolução de problema), mas a imaginação. (...) Os humanos vislumbramos o que queremos antes de
fazê-lo; como conseqüência nós também podemos imaginar alternativas. A inteligência humana é assim inerentemente
crítica, o que, por sua vez, é crucial à concepção marxiana de história porque abre esta à possibilidade da revolução". Se

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1968 quis colocar a imaginação no poder, talvez hoje, diante da ameaça da extinção da humanidade e de seu pressuposto,
a imaginação, o correto seja voltar esta contra o poder.

Em linhas gerais - e para não me alongar ainda mais - esta é a minha leitura do Extinção, que considero um baita livro,
ainda que me incomode o pouco o plano panorâmico adotado por Paulo Arantes - não sobre até as considerações
conceituais, nem faz leituras detidas dos acontecimentos, preferindo um tom intermediário que o leva, a meu ver, a tomar
certas conclusões apressadas - como em arte, em relação ao governo Lula, aos ataques do PCC, todos temas que espero
que sejam levantados no debate e que talvez guardem relação com o passado político do autor. Mas me agrada algo que é
característico em todos os textos do Paulo Arantes: a virulência, a crítica ferina e desbocada, sinônimo, a meu ver, daquilo
que até pouco tempo se chamava engajamento, mas que prefiro chamar de vida, para contrapor ao tom morto-vivo,
modorrento que domina os debates atuais. Deixei um bocado de temas de fora, mas esta é a vantagem de uma discussão
coletiva: ela se mantém sempre aberta.

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