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Introdução
Estes pressupostos permitem uma abordagem científica do real que busca incidir na sua
transformação, possibilitando uma problematização ético-política das desigualdades e lutas sociais
existentes, a partir de uma abordagem fronteiriça entre a ética, a epistemologia e a política.
(SCHNEIDER, 2013; 2015; 2016). Por este argumento, entende-se que o campo da EII pode ser
enriquecido por esses procedimentos, uma vez que, a partir deles, torna-se possível constituir
pressupostos éticos que se distanciam tanto dos códigos universais de ética, quanto das pluralismos
e particularidades culturais1.
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Daqui pode-se derivar uma reflexão ética acerca das consequências da afirmação das particularidades como conduta
universal, expondo o recuo no nível do diálogo entre os diferentes grupos sociais existentes, que passam a operar por
meio daquilo que os torna diferentes, e não daquilo que os associa.
Ética Intercultural em Informação
Pode-se dizer que o sentido mais universal da ética em informação está ligado ao fato de
que os conteúdos informacionais são substratos para a conformação de visões de mundo, gostos e
formas de consciência que incidem na política, no cotidiano e na vida das pessoas. Essa relação
complexa e em movimento configura o que González de Gomez (2012) conceituou como regime
de informação. Trata-se de um tipo particular de organizar a informação que objetiva-se em
políticas públicas, visões de mundo, teorias científicas, etc.
modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são
os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os
meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os
modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo
tempo, lugar e circunstância (GONZALEZ DE GOMEZ, 2012, p.4).
CAPURRO (2010), idealizador da EII, informa que este aspecto ético não deve ser pensado
no sentido de uma generalidade abstrata, mas no sentido de uma construção, orientada por
prudência e responsabilidade que, por sua vez, nos remete a uma ideia de reciprocidade e obrigação
mútua. Trata-se de formular argumentos que se expressem como imperativos éticos e que possam
influenciar condutas. O autor uruguaio nega os parâmetros únicos e fixos para definir a moralidade
das ações, ao mesmo tempo em que afirma que, é na impregnância da prática e de sua análise, ou
seja na práxis, que pode-se formular argumentos ético-políticos para o campo informacional
(SCHNEIDER, 2016).
A proposta de Rafel Capurro nega o aspecto dogmático dos códigos genéricos de ética,
permitindo a elaboração de interpretações particulares das consequências práticas da atuação
humana. Deste modo, busca-se evitar tanto as condutas universais que se tornam hegemônicas, e
são produzidas e emanadas por centros colonizadores e imperialistas, quanto o seu oposto, o
relativismo moral que aparece sob o véu da diversidade e do pluralismo das culturas particulares
(SCHNEIDER, 2016).
Nesse sentido, exige-se uma interpretação constante do como e do quando esses princípios
devem ser colocados em prática. Pelo aspecto diverso e “problemático” da ética, os códigos são
sempre temporários, e devem ser construídos a partir de argumentações exaustivas, que, por sua
vez, negam o consenso artificial das do “decision making” (CAPURRO, 2010)
Capurro (2010) chama a atenção para a forma prudente com que deve ser tratado o tema,
uma vez que esses princípios podem tanto promover condutas de novo tipo, quanto provocar
estados de auto-complacência que ocultam condutas irresponsáveis, desviando a atenção dos
problemas essenciais e concentrando-os em questões de menor importância. A prudência delimita
o anti-critério de que “tudo está permitido”, nos fazendo conscientes de situações ambivalentes,
evitando a busca por soluções simplistas.
Através desse movimento, espera-se definir pressupostos em uma dimensão interativa com
a vida social que sejam, ao mesmo tempo, universais, porém não genéricos, e que contemplem a
diversidade, porém não relativize as particularidades culturais que não se ancorem no bem comum.
O objetivo é colaborar com a construção de visões de mundo e opções de vida que sejam
acolhedoras com as culturas, e também com aqueles que estão marginalizados e esquecidos,
tomando uma posição crítica a respeito da destruição em voga.
Schneider et all (2017) destaca que, por este aspecto, a EII elabora uma abordagem
dialética da Ética, pois contempla tanto a universalidade dinâmica e concreta da realidade, quanto
a mediação da unidade diversa dos particulares. Ele entende que Rafael Capurro cultiva uma
“desconfiança saudável” aos universalismos, ao mesmo tempo, em que nega uma postura ingênua
diante dos ponto de vista relativistas, que enfocam a questão da ética sobre o olhar das
particularidades.
No pensamento marxiano, a ética está no centro da análise. Isto porque trata-se de uma
forma de observação científica do real que expressa as contradições do mundo capitalista,
possibilitando uma crítica radical à reficiação humana (SCHNEIDER, 2015). Trata-se de uma
“ciência-ação” com objetivo de transformar a sociedade, ou seja, uma práxis, ciência que é, ao
mesmo tempo, elaboração científica do real e ação para transformá-lo (GRAMSCI, 2011).
A práxis é uma concepção da teoria que pressupõe a relação dialética entre a ciência e a
prática, em detrimento da teoria pura (GRAMSCI, 2011). Isto, com objetivo de construir uma
orientação ético-epistemológica que oriente a vida prática rumo à possibilidade de mudança social.
Afinal, é no terreno da consciência que se pode elaborar racionalmente a compreensão acerca da
realidade e, portanto, consturir a sua transformação.
Essa elaboração racional se constitui a partir de categorias que mediam a forma das
relações sociais. Categorias são “formas de pensamento socialmente válidas, portanto objetivas,
ajustadas às relações desse modo de produção historicamente definido” (MARX E ENGELS,
2014, p. 98). Trata-se de como a realidade é objetivada pelo pensamento, configurando uma
mediação entre o homem e o mundo, tendo, portanto consequências nas formas de ação e
intervenção.
Isso também nos afirma Gramsci (2011) quando define sua concepção da ciência:
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O autor acompanha as contribuições de SAMPAIO, Benedicto Arthur; FREDERICO, Celso. Dialética e
materialismo. Marx entre Hegel e Feuerbach. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009
pondo-se em relação com a natureza através da tecnologia, a conhece e a domina.
[...] A experiência científica é a primeira célula do novo método de produção, da
nova forma de união ativa entre o homem e a natureza. O cientista experimentador
é um operário, não um puro pensador (GRAMSCI, 2011, p. 199).
Para SCHNEIDER (2015), negar esse fato, correponde a negar o papel do sujeito na
história, e portanto, de sua humanidade, encobrindo o poder que possui de atuar deliberadamente
na modificação da forma e dos objetivos do trabalho social existente. Pressupondo, portanto, uma
objetificação do sujeito. Na concepção marxiana, o resultado disso são formulações nebulosas e
mistificadoras que justificam as contradições sociais, apresentando-as como eternas (MARX E
ENGELS, 2014).
Negando esse aspecto, Marx e Engels (2014) afirmam que sua filosofia pretende “refletir
sobre as formas da vida humana e analisá-las cientifícamente” (p. 96) para pontuar seu caráter
histórico e dinâmico, intervindo em sua transformação. Sua mais bem acabada expressão encontra-
se na tese 11 sobre Feuerbach: “Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras
diferentes; a questão, porém, é transformá-lo” (MARX e ENGELS, 2014, p. 535).
Aspecto também afirmado por Bahktin (2011), que entende que a neutralidade axiológica
nas ciências humanas, reifica tanto o sujeito pesquisador quanto o sujeito pesquisado, pois aborda-
os desde uma perspectiva da objetificação, posto que oculta a influência do componente humano
nos fatos sintetizados. Afinal, “o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de
coisa, porque como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo” (BAHKTIN, p. 404,
2011) .
Nesse sentido, o autor destaca a importância em eliminar a concepção de coisa e de objeto,
do sujeito cognoscente, ressituando-o como um ente ético-responsivo que, participando da
existência, constroi resultados analíticos que estão em relação com a sociedade analisada.
Adolfo Sanchez Vázquez (2011), também autor do campo marxista, destaca que a
elaboração racional, expressa em um conjunto de formulações, possibilita que determinados
grupos sociais tomem consciência do próprio ser social, da própria força e das tarefas históricas
do seu desenvolvimento. Em um primeiro momento, é o ato de de lançar-se a ação e, em seguida,
o momento reflexivo acerca desta ação.
Gramsci (2011) também elabora um largo escopo de seu trabalho em torno da práxis. O
autor acresce uma categoria importante em sua reflexão, trata-se do conceito de cartase. A catarse
é um momento de formação do pensamento que corresponde à síntese dialética entre ação e
reflexão. Ele particulariza sua análise afirmando que, no proceso dialético que envolve teoria e
prática, ocorre uma transformação qualitativa nas formas de pensamento que, por sua vez,
possibilitam modificações na forma de ação e apreensão do real.
Por fim, cabe destacar outra contribuição do marxismo ao pensamento da EII. Este,
apresentado por Schneider (2016). O autor mostra que além das pluraridades culturais que devem
ser consideradas na abordagem ampla da ética, é necessário considerar que há uma luta de classes
que também provoca cisões internas, culimando em objetivos e interesses diversos e não
equalizáveis. Estes, que, demandam problematização e complexificação para serem equacionados.
Trata-se de, considerar as assimetrias sociais, incluindo aquelas que existem entre membros de
uma mesma cultura, mas que tem distintos interesses de acordo com a classe social em que estão
inseridos.
Assim, Marco Schneider faz uma aproximação entre o marxismo e o campo da ciência da
informação, enriquecendo o debate da EII, apresentando as fronteiras existentes entre os campos
da ética, da política e da epistemologia. Nessa fronteira, não trata-se apenas da compreensão do
real - notadamente caracterizado pelas tensões sociais que se expressam na assimetria no acesso,
na produção e na distribuição dos recursos informacionais -, mas também de sua transformação.
Conclusões preliminares
Afinal, sobre a neutralidade nas ciências humanas, nos lembra BAHKTIN (2011), é “como
o peixe dentro do aquário, toca o fundo e as paredes, e não pode ir mais longe nem mais fundo”.
Portanto, não serve para transformar a realidade e constituir imperativos éticos que orientem novas
ações.
Referências
BAHKTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2011
GRAMSCI, Antônio. O leitor de Gramsci: escritos escolhidos 1916-1935. Org.: Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A ideologia Alemã. Boitempo Editorial, São Paulo, 2ª edição,
2014
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofía da práxis. São Paulo, Ed. Expressão Popular, 2ª
edição, 2011
SCHNEIDER, Marco. A dialética do gosto: informação, música e política. Rio de Janeiro, Ed.
Faperj, 2015