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e y a l d o P A U LI

T R A T A D O ®9

Círculo do beto

4. verum

bonum

6 o í iq y , d

tc ic ia

q u a n tid a d e

74920

tempo
EVALDO PAU LI

TRATADO DO I

ieio

E D I T Ô R A

Biblioteca Superior de Cultura - Florianópolis - S. C. - Brasil


Dedicado à

Dona LETÍCIA BRENNER

Homenagem de apreço e admiração


TRATADO DO B E L O
BIBLIOTECA SUPERIOR DE CULTURA

Coleção «ESTÉTICA E ARTE»:

1. Estética Geral, por Evaldo Pauli (1963)

2. Tratado do Belo, por Evaldo Pauli (1963)

Coleção de «FILOLOGIA»:

I. Iniciação à Filologia Românica,


Por José Curi (em multilite, 1963)

Coleção de «HISTÓRIA E SOCIOLOGIA»:

1. Frutos da imigração,
por Raulino Reitz (1963)

Coleção «TEORIA DO CONHECIMENTO»:

I. Que 6 pensar?, por Evaldo Pauli (programado para 1964)

IílHtrlbuição: DISTRIBUIDORA SULINA,


Avenida Borges de Medeiros, 1030
Pôr to Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.
I N T R O D U Ç Ã O

1. — O belo desfila todos os dias diante de nós. Êle nos


m aravilha e desperta em nós a curiosidade de uma indagação mais
profunda. Passamos então a perguntar:
— Que existiria nas coisas belas a fim de que nos atraiam ?
Que seria o que nos seduz nas colinas quando coroadas pelo sol ma­
tutino? Que haveria nos trêfegos regatos a descer das encostas para
nos da r o prazer de os contem plar? Que haveria nas flôres? nas pedras
preciosas? na decoração das porcelanas? nas vestes festivas? na mo­
cidade elegante que sai a passeio e ingressa nos salões? Que haveria
em tudo isto para nos chamar a atenção?
Êste desfilar de coisas belas nos diz que a própria vida é
bela. O filósofo extende e a p rofunda a contem plação do belo. E,
em explicando o belo, torna bela também a filosofia.
O tra ta d o do belo surge, portanto, como graciosa manifes­
tação do espírito em contem plação. O belo não impressionaria se não
fôsse da mais a lta estirpe metafísica. O tra ta d o do belo se define,
portanto, como o estudo filosófico do conteúdo belo. Principia no
concreto, atendendo ao desfilar das coisas belas; identifica depois p ro ­
priedades,- enfim, através das propriedades, penetra na essência. Ter­
m inado êste esforço mental, retorna o pensador a observar as coisas
belas ta l como se realizam no mundo concreto; mas agora a beleza se
lhe mostra diá fa n a , transparente, inteligível. Mais bela se tornou a
vida, por obra da filosofia.

OS NOMES

2. — O belo tem muitos nomes. C ada qual sugestivo, de


sorte que uma definição nominal do belo principia revelando-nos muito
a propósito <io sua natureza. Para os gregos o belo se anuncia como
lò kalón, para os alemães das Schõne, para os latinos pulchritudo. No
intlm também ocorre bellus; em outros tempos pouco usado, êste nome
I iv.ou a ser preferido nos idiomas neo-latinos. O belo ainda encontra
denominações similares em elegância, fu lg o r, sublime, claridade, brilho,
docôro, ornam ento. . . Em cada nome é possível mostrar sugestivo lastro
otim ológico. Em lugar oportuno, estos sugestões ilustrarão a nossa de-
fm ição do belo como perfeição em realce.
A gora nos preocupa especialmente um nome para denom inar
a disciplina filosófica em penhada no estudo do belo.
Uma form ulação direta e seguramente acertada nos fêz pre­
terir a denominação "T ra ta d o do b e lo " Evadimo-nos desta form a de
uma série de problemas que nos criaria a adoção de um título como
I '.tótica. O título nos fa z com justiça lem brar o breve ensaio de Plctino
Por) tou kalou (sôbre o belo), contido na sua Enéada (I, 6) e de modo
qoral o esforço dos clássicos no sentido de d e cifra r o belo.
Talvez nos objetem que a denom inação de "tra ta d o " pareça
(Irm asiadam ente solene e que então se amenize a capa de nosso livro
com o de "ensaio". Êste outro nome, se de uma parte resolve o pro-
bloma da modéstia, tão freqüente entre os pesquisadores, sugere apenas
• laborações provisórias e nunca indica diretam ente a to ta lid a d e de
uma disciplina.
O estudo do belo é a lg o suficientemente solene para que se
aventure o título de "tra ta d o ". É com solenidade que se desenvolve
tAda a metafísica, cujos têrrnos gerais se lançam como as imensas ar-
<adas de uma grande catedral. Com impressionante majestade nas
dimensões, encanto nas linhas, sonoridade harmoniosa nos cânticos, ex-
pressão por cima de tôdas as formas, em traços, côres e sons, o estético
tudo aformoseia e enobrece. Confundindo-se com a própria majestade
da metafísica, o belo p a rticip a dos altos títulos da filosofia e merece
0 sou estudo a elevada sigla de "tra ta d o ".

3. - Aceitamos também cs outros nomes; não im portam


• is siglas, dosde que se possa determ inar o que devam significar. Mesmo
<•. namos vagos, servindo isoladamente a fins diferentes, podem ser de­
li i minados polo contexto em que se enunciam. É o que sucede p a rti-
1nlai monto com o vocábulo "estética", que tanto se pode fazer significar
a » •.!»'>!irn psicológica, como a estética de conteúdo; ainda aqui tan to a
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de conteúdo-belo, como a de conteúdo-artístico; em vez de expressar-nos


"co nteúd o", podemos substituir o têrmo por "o n to ló g ic o ", e então teríamos
estética ontoiógica do belo e estética ontológica do artístico. O que
pretendemos re a liza r neste livro é uma estética ontológica do belo; coincide
esía denominação, portanto, com a de tra ta d o do belo. Excluímos, por
conseguinte, claramente a estética do conteúdo-artístico e a estética psi­
cológica.
Tendo a estética de conteúdo artístico um nome bem definido
e consagrado, — filosofia da arte, — perm itiria uma pragm ática de
bom aviso reservar os nomes de estética de conteúdo e estética ontoló­
gica, sem maiores especificações, para a estética de conteúdo-belo. Para
c estudo da arte fica ria a denom inação inconfundível de filosofia da arte.
Aliás, em paralelism o, a linha correspondente deveria dizer "filo s o fia do
b e lo ". Estaríamos, então, na posição precisa de "tra ta d o " do belo. Nes­
te livro o contexto indicará que muitas vêzes usaremos a expressão "es­
tética de conteúdo", simplesmente como estética de "co n te ú d o -b e lo "; aliás,
nco nos ocuparemos nesta oportunidade da "filo s o fia da a rte ", razão
porque não haveria mesmo m otivo para que uma referência de contexto
para e'a conduzisse antes que para a "filo s o fia do b e lo " i 1).

O VALOR DO TRATADO DO BELO

4. — Em tempos idos tem-se confundido vagamente o belo


e o artístico, de sorte a se entender que fazer arte eqüivalia a criar a
beleza. Mas quando se veio a a firm a r a distinção, a muitos pareceu
que o belo dim inuiria de cotação, porque já era possível fazer arte
sem aquêle predicado sempre tão louvado. Na filosofia de Hegel a
arte se constituiu até em uma das adiantadas evoluções da dialética, o
ccmêço da auto-consciência do Espírito Absoluto; por isso, o "b e lo da
natureza" era in fe rio r ao artístico. Embalando-se nesta ilusão, seu tra ta ­
do de Estética ocupou-se muito de filosofia da arte e pouco da beleza.
Contudo, bem medidas as coisas, não era preciso a pear a beleza
do pedestal em que se erguia e de onde brilhava ascendendo a form o­
sura brilhante das côres onipresentes. A arte segue o seu caminho sem

O i. tr o í d n ta lh i . | Irm mr ônconlrcicJo» om nossa "E s tó lic a G o ra i" .


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com isso prejudicar a deusa. Como a divindade, que tudo contém, a


fooleza nada tem a pe d ir à arte; mas esta, quando pretende, além de
■>or arto, ser também bela, tem de receber o predicado da formosura à
boloza; a arte por si só é apenas a rte e indiferente à beleza; por isso,
para sor bela, tem de retornar e tom ar à beleza a q u ilo que a possa
tornar também um pouco mais bela.
O "T ra ta d o do b e lo " continua, portanto, com os velhos me­
recimentos. Assuntos distintos, ambos, o artístico e o belo, se justificam
como objetos de investigação. A filosofia que tudo exaure, estuda tanto
o bolo como o artístico.

5. — Há entretanto diferenciações teoréticas e pragm áticas


quo distinguem os dois temas. A arte é de natureza mais pragm ática;
ó oxpressão sensível de pensamento e por isso exerce uma função. O
bolo se institui apenas como elemento aperfeiçoativo das coisas, de que
ó o perfeito acabamento,- por isso, o v a lo r do belo se apresenta com
maior exclusividade teorética.
Da natureza pragm ática do artístico resulta que a arte se
upresenta mais fácil de entender que o belo, im pado ao plano metafísico.
Contudo, a índole pragm ática e difusa da arte, a torna mais complexa
o trabalhosa. Menos d ifíc il, todos dela sabem dizer a lg o em bora
desacertem muito; por isso, ocorre a p ro life ra çã o fá cil dos estudos sôbre
arto. Pola inversa, a beleza de caráter metafísico, se apresenta de mais
difícil tratam ento; em ge ra l é de fin ida apenas pelos efeitos que produz
o não na sua essência. Por isso, os Tratados do belo são raros. Depois
do uma longa discussão, concluiu Platão um dos seus diálogos, citando
um provérbio: "D ifíceis são as belas coisas".
Somos também dos que distinguem o belo e o artístico; acen­
tuando a distinção, e ainda para v a lo riz a r o belo, tratam os neste volume
apenas dôste.

A PROBLEMATIZAÇÃO

ó. • ■ Para quem estuda, o objeto se lhe apresenta como um


problem a. Q uando om bora já o conheça, mas se propõe a mostrar o
caminho quo a Alo conduz, volta a problem atizá-lo. Enquanto caminha
11

pelos dados que as provas e argumentos m anipulam , encontra-se no


"ante ced ente " e não na "conclusão". Por isso, a conclusão se configura
como "p ro b le m a ". Assim fa z o filósofo; mesmo de posse de muitos co­
nhecimentos, procura cam inhar ao longo dos mesmos, observando como
se prendem uns aos outros, ordenadam ente, do comêço ao fim do sis­
tema. A problem atização, ou dúvida metódica, a fa ze r cam inhar por
ordem, de questão em questão, constitui-se em um estado de espírito que
marca o autêntico pesquisador.

Na estética de conteúdo, que tra ta do belo, o que se proble-


m atiza é a natureza da coisa assim denom inada. Tendo de problem atizar
com tota lid a d e , tem que pro b le m a tiza r os elementos uns após outros, dei­
xando-os cair, pétala por pétala, no abismo da dúvida. Como a florista,
o filósofo vai compondo, peça por peça, sobrepondo noções sôbre noções,
o com plexo elenco dos muitos conhecimentos que expiicam o belo. Num
tra b a lh o metódico, progressivo e esforçado, a estética de conteúdo ergue,
dos fundam entos ao ápice, uma pirâm ide de saber. Gerais e imprecisos
no comêço, em virtude da am p lid ã o das bases, os conhecimentos sôbre
o belo vão a dq u irin d o cada vez mais precisão, afinando-se enfim na
aguda e elevada ponta de uma diferença específica exata,

N ão nos parece demais insistir na ra d ica lid a d e da problem a­


tização e na rig id e z sistemática da progressão. Por não se terem dado
conta de uma certa ordem interna das questões, muitos estetas se per­
deram por falsas verêdas e picadas sem saída; ansiosos da verdade
sôbre o belo, insistiram em and a r; encontrando embora sempre mais
elementos na belíssima floresta em que se perderam , dela não chegaram
a poder sair. Em sendas perdidas, quanto mais se caminha, mais se perde
o rumo. "Falsa regula semper peior, quam n u lla " (Baumgarten, Estética).

7. — De índole eminentemente metafísica, a estética ontológica


se agrava com uma série de dificuldades metodológicas, em virtude de
v ir lig a d a aos mais complexos e em baralhantes problemas epistemológicos
de metafísica do conhecimento e do ser em geral. N ão podendo escapar
às grandes linhas da realidade, todos os seus expositores de melhor cate­
g o ria intelectual, têm tid o a preocupação em lançar seus problem as em
tôrmos do to ta lid a d e . Por isso, não há que buscar entre os bons en­
saístas do bolo tratados fáceis no que diz respeito ao assunto versado.
12

Contudo, na form a lite rá ria podemos esperar ser possível


escrever em estilo mais transparente do que aquele em que têm escrito
A lexandre Baumgarten e Emanuel Kant as suas famosas estéticas, porque
coisas complexas não são necessàriamente pesadas. O belo, apesar
do apa ren tar um imenso em aranhado, é como a linda tre p a d e ira , mi­
mosa e leve. Adm ira-nos certamente observar que a Estética de Hegel,
nm outras obras agreste e nebuloso, seja relativam ente leve e atraente;
ikío sòmente se deve tal excessão aos discípulos que lhe organizaram êste
tratad o póstumo, como tam bém ao tema em si mesmo agradável. Dentre
Iodos certamente Platão tem sido o mais o rig in a l; ao descrever as pro­
priedades do belo, fê-lo até com poesia.

MÉTODO

8. — O método para alcançar a noção do belo como ccn-


tnúdo parece predom inantem ente descritivo e analítico. Começando em
uma verificação fenom enológica inicial, segue, por desdobramentos, num
tra b a lh o de penetração.
Aliás, sòmente é vá lid a a metafísica iniciada em dados ccn-
ciotos, que a intuição nos fornece. Subindo para o absoluto, sem jamais
do.prender-se da realidade, a ascensão metafísica, em constante contato
(oin a realidade, é semelhante ao p a p a g a io de papel, ou à panaerga,
a subir sempre e continuamente mais, borboleteando nas alturas cada
voz maiores; mas, constantemente ligada ao cordel do menino que puxa,
sòmonto sobe porque está prêsa à terra. O metafísico, homem peque­
nino o puxar pelo cordel de suas idéias, a tira o seu pensamento para cs
u lli. ' i r,; com as idéias intencionalmente nas nuvens, subirá sempre rr.ais,
a m edida quo der impulso a p a rtir da realidade. A q u ilo , que por p ri-
meiro üo nos apresenta, e, sòmente a quilo, que se nos mostra intuitiva-
inonto, nos pode fornecer objeto para discussão.

A inda para alcançar a pró p ria essência, que se pode cogitar


Irnl<'|>ondonte da re a lid a d e concreta, é a p a rtir da realidade que ela
In / descobrir. Primeiramente conhecemos as coisas belas, como as
I 1 i c , as pedras preciosas, as borboletas, os pássaros que voam, as nu-
ntr, quo so transportam nos ares, as manifestações de luz do sol, etc.. . .
‘•«» «I* | i ., por obra da perspiciôncia interpretadora da mente, é que
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vamos à essência. E ainda, antes de alcançar a essência, atravessamos


através das propriedades; às vêzes não conhecemos diretam ente senão as
propriedades, a essência apenas por cálculo discursivo da razão. Neste
último caso o método já não teria sido apenas analítico, mas também
discursivo. Em qualquer caso, porém, o comêço absoluto jamais é dis­
cursivo, mas sempre verificação direta.
Sobretudo a filosofia opera longam ente numa vase prerracio-
a n a tiva , com o fim de estabelecer uma série de princípios fundamentais.
Inclusive os processos raciocinativos, dependentes de princípios em que
se fundam entam , hão de ser prèviamente justificados. A ciência empí­
rica, que somente opera pelo raciocínio, particularm ente indutivo, depende,
neste particular, da filosofia. A fase de arrolam ento de dados ainda não
é a ciência,- quando, de dados convenientemente arrolados, tiver o btido
uma prim eira conclusão geral a propósito da natureza que a respectiva
ciência experim ental busca, ter-se-á dado o início à ciência. Como se
observa, a origem de todo o processo do conhecimento começa com a
verificação fenom ológica. A estética de conteúdo, integrada no esquema
da metafísica, não poderia fica r alheia a esta consideração.

DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DO TEMÁRiO

9. — A pesquisa da natureza do belo como conteúdo anda


o mesmo caminho das grandes perguntas metafísicas sôbre o aliquid
e a res. A p a rtir destas duas faces em que o ser se revela, também
reluz o belo. Caminha então o desenvolvimento do assunto por dois
capítulos bem definidos; detalhes que se possam encontrar em aparente
d'spersividade, se reduzem finalm ente aos dois capítulos fundam entais.
Com o fito de a liv ia r a exposição e ainda com a intenção
de discutir primeiramente as questões mais fundam entais, dividiremos
exteriorm ente o tra ta d o em quatro capítulos, em que o terceiro e o
quarto retomam o prim eiro e o segundo.
Inquire a prim eira pergunta se o belo é com objeto, ou sem
objeto. Como um a liquid, o ser se nos antepõe como "o contrário do
na d a ", portanto como uma existência, No instante da simples antepc-
■ição surge o problem a do objeto; assunto mais fundam ental, fica p o r­
tanto para o prim eiro CCipítulo. Mas logo se apresenta uma precisão
14

quo nos põe a ind a ga r se esta a firm ação da existência como o contrário
do nada ó um existir real, ou apenas uma existência como afirm ação
lógica,- assunto menos fundam ental, é p ortanto transferido para o terceiro
capítulo. Retornemos à questão do objeto como posição pura.
Pensaríamos em têrmos de objeto, ou sem objeto? Dispu-
fam-se aqui o terreno psicologistas e intencionalistas, querela em que
vôm lutando desde os primeiros instantes da crítica do conhecimento.
Para o psicologismo radical haveria no conhecimento só o
fa to psíquico, a vivência física, a situação pura e hermética, sem qualquer
relação especificamente mental de ordem lógica, antepondo objeto ao
sujeito. Diante disto nem o belo se com portaria como objeto e todo o
c,ou tratam ento seguiria por veredas irracionais.
Para o intencionalismo o pensamento se desenrolaria de modo
p olarizado, como janelas a se abrirem sôbre um objeto. N ão im porta
a natureza do objeto, se apenas afirm ação ou se ainda real; no prim eiro
instante o pensamento seria intencional; depois (no terceiro capítulo) se
discutirão também entre si idealistas e realistas, agora ainda unidos contra
o adversário comum. Pela via do intencionalismo, com sujeito e objeto,
a metafísica flui como torrente clara e inteligível. Igualmente, a estética,
neste rumo se desenvolve clara e brilhante.

10. — Num segundo momento a discussão ingressa em um


tra b a lh o que consiste em d a r configuração ao que anteriorm ente apenas
so afirm ava como um oposto ao nada,- de maneira g eral, temos agora
a determ inar a essência do objeto. Com referência ao belo, já não
perguntamos pelo belo como simples anteposição, mas como essência.
Como se observa prontam ente, a questão da essência não se
configura como simples continuação da do objeto. Em sendo o utro as­
sunto, idealistas e realistas, que se dividem em um assunto que d iz res-
polfo ao objeto, de cuja re a lid a d e ou id e a lid a d e discutem, poderão talvez
concordar. A essência, como res ou coisa, independe da sorte do realismo
ou do Idoalismo; esta circunstância se reflete para dentro da questão da
oMÔncla do bolo. ideal, ou real, o belo como essência poderia talvez
r.o d e fin ir por uma idêntica enunciação.
A ossôncia do belo representa o núcleo central de todo o
tro ta d o do bolo. Por isso, êste segundo capítulo merecerá nosso principal
«sfôrço.
15

De maneira g e ra l, o prim eiro e o segundo capítulos, referentes


um ao objeto, como o contrário do nada, e o outro à essência, como
a q uilo que a coisa é, constituem o todo do tra ta d o do belo. Apenas,
por um desdobramento, criamos um terceiro capítulo para isolar precisões
referentes ao objeto, cuja realidade ou id e a lid a d e se discute a li, e um
quarto capítulo p ara as precisões referentes à essência, cujas p ro p rie ­
dades se consideram mais detalhadam ente.

11. — Num terceiro tem po, a questão do objeto se encaminha


para a natureza dêste objeto na ordem da existência. Trata-se, portanto,
do mais uma precisão que leva ao fim a questão do a liq u id . Seria o
objeto um conteúdo real, ou apenas um fenômeno que se mostra? Eis
onde realistas e idealistas se debatem em luta acesa.

Kant, Hegel, Croce pretendem que na manifestação empírica


das côres, dos sons e da experiência em geral não se obtenha senão
simplesmente tais mostrações e que tudo o mais não se consegue por
análise dêste conteúdo que somente se reduz a tais mostrações; por
isso, as noções absolutas, não passariam de formas do espírito; os
próprios fenômenos não seriam reais, porém apenas mostrações íeno-
monais.

Na outra banda se colocam os realistas, particularm ente os


aristotélicos, quando negam haver distinção cabível entre o objeto en­
quanto se mostra e o objeto enquanto é alg o em si mesmo; de fa to não
distinguem entre si o fenôm eno e a realidade.

Assunto eminentemente criteriológico, surge a questão da ideali-


dado ou da re a lid a d e do belo, também nos tratados do belo. Mas
òbviam ente mais intensa ao problem a criteriológico do conhecimento
om gorai. Por isso, seremos mais breves. Contudo foi neste assunto
quo so concentrou a Estética de Kant, porque a êle interessava em pri-
molro lugar o fundam ento criteriológico do juízo estético, mais que o
ostófico om si mesmo.

12 — Como quarto e último capítulo se determ inarão as pro-


piiodados do bolo do onde resultam as diferentes espécies de beleza
o do ostllos. T: quando o tra ta d o do belo se desdobra em inúmeros
(lolcilhesv Iromos contudo só até onde o caminho mestre se abre em

loque para os diferentes graus de beleza e para os muitos objetos


materiais que a recebem. Descrevendo o leque como um todo, nos retemos
ainda num plano de estética geral como é o dêste livro. Escrevêssemos
.sôbre as partes, faríam os as estéticas especiais. Nesta divisão incorre
lambém a arte, de sorte a haver também estéticas especiais da arte,
como da música, da pintura, da escultura, da arquitetura, da linguagem ,
etc., com seus respectivos graus e estilos artísticos.

T ratado ora como objeto, ora como essência, ora como rea­
lidade, ora como formas e gêneros de essência efetuada, desdobramos
o belo em questões que deitamos ao longo de um caminho; vamos de
uma a outra, com ordem que impede embaralhamentos, por etapas que
nos livram de excesso de esforço. Assim a jornada se converte em pas­
seio. A descoberta da beleza se mostra como o panoram a que se
oferece a quem caminha sem tropeços e pode apreciar a região por
onde passeia.
C A P I T U L O I

IÍSTÉTICA DE OBJETO E ESTÉTICA SEM


OBJETO

13. — Q uando a dúvida nos arre b a ta até o fim, todos os


objetos do pensamento se dissolvem. Em profunda perspiciência in­
quirimos então a p ró p ria maneira de pensar. É quando nos vemos co­
lorados diante de uma situação meramente form al, a inquirir se há algum
conteúdo.
Sempre que pensamos surgem dois têrmos ligados entre si pela
conexão de sujeito e objeto. Esta relação intencional, de que parece
constituir-se o pensamento, não seria mera construção? Talvez houvesse
um momento anterior e fundam ental e absoluto, sem sujeito e sem objeto;
absoluto inicial, num nôvo ato se desdobraria em duas direções,
polarizando-se intencionalmente em sujeito e objeto. Q ual das duas
allornativas seria a verdadeira?

Eis que nos colocamos diante da pergunta mais radical que


a filosofia pode fazer. Todas as demais questões, enquanto pressupõem
o divisão em sujeito e objeto, lhe são posteriores. Havendo descido até
ao fundo do oceano das inumeráveis situações da consciência, encon-
Iramo-nos agora diante do p róprio oceano, a perguntar se êle é fe ito
dn água, ou não; assim, também inquirimos sôbre a coisa mais bem
'.abida do mundo, se o pensamento é constituído de sujeito e objeto,
ou não.

14. - Parece-nos impossível d u vidar da natureza intencional


do ponsamonto; uma verificação fenom enológica nos aponta esta cir-
(unnlância frontalm ente como constitutivo manifesto à própria intuição
mnntal ao mosmo tempo que reflexiona.
10

Contudo a hipótese contrária pode ser levantada, à seme­


lhança de como se fa la em geometrias não euclidianas. N ã o pensamos
om têrmos de sujeito e objeto, — poderia p ro p o r um psicologista levado
ao mais completo radicalism o. Sòmente existiriam situações psicológicas,
sem relações intencionais. Só haveria atos absolutos, acontecimentos fe ­
chados, pensamentos herméticos.
Como as posições radicais parecem impossíveis, não faltam
todavia as atitudes ecléticas, mas com uma inspiração bem conhecida,
cjual é a de elim inar a interpretação intencional do conhecimento. E
assim seguem o seu caminho com o absurdo do mistério de atos hermé­
ticos; na filosofia e na arte se comportam êles m anipulando ritmos de
Iuz e de sombras que se alternam .
Nos sistemas clássicos de Platão e Aristóteles, bem como ainda
nos racionalismos modernos de Descartes e Kant, subrepticiamente plato-
nizados, o conhecimento se interpreta como relação intencional; a ten­
dência da racionalização to ta l segue o seu caminho natural. O belo
c o sentimento estético vão passando logo para um funclo transparente.
O gênio artístico, que aos primeiros poderia parecer um impulso cego,
passa a erguer-se como o p ró p rio ápice da inteligência.

ESTÉTICA IRRACiONALISTA

15. •— Pretende a visão fenom enológica do psicologista ra ­


dical não ver o que o intencionalista assevera enxergar. Primitivamente
o essencialmente o ato cognoscitivo não é senão êle mesmo, hermético,
absoluto, sem se desdobrar em sujeito e objeto. Uma estátua de bronze,
om bora imite o herói representado, é apenas im itação exterior. Na
vordade, não se exerce a li uma relação essencial entre o bronze e o
horói e por isso essencialmente o bronze é apenas o bronze. A mensagem
artística que, do bronze nos conduz a pensar no herói, criando do bronze
um sujeito o do herói um objeto, constitui ela b ora çã o ulterior. Eis mais
ou menos como se poderia cogitar uma interpretação psicologista do
conhecimento.
I’m Mipólito Taine, positivista de orientação nominalista no que
v> m fom ao pensamento, encontramos uma distinção entre alucinação
vm da d e lra o alucinação falsa, que nos pode servir para descrever uma
19

interpretação psicologista do conhecimento. A alucinação verdadeira


ó o conceito como se processa nos indivíduos normais; a alucinação falsa,
é o mesmo processo, mas como se descontrola nos indivíduos anormais
(Taine, De 1'lntelligence).

16. — N o cam po da estética rea!izaram-se tentativas fre ­


qüentes de interpretações de natureza irracionalista radical. Em virtude
da in e fa b ilid a d e do sentimento, porque se situa no apetite e não no plano
do conhecimento, o campo da estética se prestou para confusão fácil e
campo próprio para as tentativas da irracionalização. Freqüentes vêzes
apontou-se para a inspiração artística como fonte especial de conheci­
mento, situada em um plano diverso daquele do inteleto. A inspiração
surgiria corno qualquer movimentação irracional.

N ão é verdade. A estética inteletualista mostra que o senti­


mento, embora inefável, é posterior ao conhecimento dos objetos, osci­
lando em intensidade com a p rópria intensificação do conhecimento;
por isso, nada de nôvo e de inspirado nos oferecem os sentimentos, a fim
<Ig que se possam apresentar como nova fonte de saber muito especial.
O irracionalism o estético não passa de um grande equívoco e de uma
grosseira fa lta de perspiciência. Uma análise psicológica inteligente
o subtil do comportamento humano nos mostra a quantas interferências
ostá sujeito o desenrolar do sentimento; e então, o que nos pareceu
mistério, se apresenta explicado em têrmos de objeto. As complexas
combinações do ritm o, em que ocorrem as mais variadas interferências
o o cálculo das limitações antropológicas, nos oferecem um exem plo
d a q u ilo que a muitos, como Scheling, (Filosofia da arte § 79) pareceu
um dos maiores mistérios da natureza. Um desdobramento de to d a a sua
autonom ia nos deixa o ritm o como uma das criações mais racionais e
arlm iràvelm ente sujeitas à matemática.

A ESTÉTICA INTELETUALISTA

17. — A estética inteletualista em acepção am pla, como opo-


•Ic.ao ao irracionalism o estético, domina o campo da filosofia. Como
m u iu i imor. o tôrmo, inteletualismo reúne a tôdas as orientações intencio-
nalM fis, quo põom, no fundam ento do ato cognoscitivo, o pensar em
70

tôrmos de sujeito e objeto. N ão congrega, portanto, apenas os que


*;o constituem como os mais inteletualistas, como Descartes, que tudo
rocJuzia cio pensamento, inclusive as sensações, os sentimentos e os ates
volltívos, porque reduzia a p rópria alma ao puro pensamento; reúne
também kantianos e aristotélicos.
N ão im porta, ao intencionalismo em geral, que conteúdo se dê
ao objeto, desde que se estabeleça como essencial ao pensamento exer-
<or-se em termos de objeto, diante de um sujeito, não im porta que êste
objeto seja interpretado como o pretendem os idealistas, ou como in­
sistem os defensores do realismo imediato.
Em estética, nada influencia a circunstância de que, em Kant,
o "fa cu ld a d e do Juízo" opera criando gêneros e espécies, como ''fin a ­
lidades form ais", em cuja obediência as coisas se dizem belas; em todos
Ap,tes casos, embora Kant use ali uma expressão técnica para dizer que
" o belo é sem o b je to ", o que se apresenta assume incontestàvelmente a
índole de objeto.
Ainda quando se pretenda, como em Lipps, V olkelt, Basch e
outros, interpretar o belo à semelhança de "projeções sentim entais" (Ein-
fühlung) ainda estas empatias são cogitadas em têrmos de objeto. Nem
im porta qual o expediente, racional ou intuitivo, para obter o objeto,
já que o caminho não a ltera o ponto de chegada; e assim, a estética
dos intuicicnistas, como Bergson, também se a rro la como inteletualista,
tôda a vez que intuicionismo não coincide com irracionalism o.

18. — A inteletualização dos temas, que dizem respeito ao


bolo o ao sentimento que produz, fa c ilita o tratam ento de tais questões.
A d m itido o conhecimento em têrmos de objeto, os rumos da estética serão
notoriam ente inteletualistas, sobretudo se ainda se puser em paralelism o
com o conhecimento o desenrolar dos sentimentos. Sem os receios que
alguns têm m anifestado diante dos supostos mistérios da beleza e da
ai to, dovemos ingressei resolutamente pelo caminho de uma estética
racional.
Uma estética psicológica bem conduzida, mostra como um
paralolir.ino rigoroso, entre a faculdade do conhecimento e a da apetição,
nxpllca o torna perfeitam ente inteligível uma série imensa de oscilações
ufH lva',, aparontom onto são desgovernadas, como muitas vozes sem sig-
n lílo id d (jtio so ©ntrecruzam em um p átio de recreio in fa n til; de fato,
21

porém, recebem estímulo, que lhes vem das faculdades do conhecimento.


Se por ventura se desenvolvem desordenadamente, é porque os objetos
lornecidos pelo conhecimento assim também ingressam, sem ordem e
sem cáiculo. Se, entretanto, pusermos ordem nos objetos, como fa z o
músico com os sons, o p in to r com as côres, o retórico com as palavras
e cs gestos, os sentimentos im ediatam ente despertam, oscilando com a
ordem dos objetos. A p a rtir da redução de tudo a objetos, sempre
que o objeto se apresenta, ocorre clareza.

Q uanto ao belo, uma vez reduzido a objeto, logo permite seu


estudo. Interpretado, por exemplo, como perfeição em realce, o belo
se apresenta como objeto dos mais apropriados à inteligência; desperta
a atenção e é apreciado pela vontade como o bem da inteligência. N ão
haveria senão belezas nitidam ente inteligíveis. Na beleza não poderia
haver obscuridades e nem mistérios. N ão se pode conceber uma estética
de objeto com obscuridades. Provada a estética de objeto, a progressão
do tra ta d o do belo seguirá por uma via aberta, com pista sem acidentes,
arborização ordenada, rumo sempre à vista. Desde que sejamos inten-
cionalistas, a estética não poderá conduzir-se senão através de objetos
cristalinos, perfeitam ente penetráveis pela persipiciência mental.

19. — Autores há que tem sido classificados como irraciona-


listcis, mas que não coincidem com a posição radicalista que temos descri­
to. E' que se tem denom inado irracionalism o e alogicismo o abandono
do conhecimento com imagens conceptuais e que operam com essências
absolutas e universais, a pretexto de que sòmente a intuição daria co­
nhecimento adequado e preciso das coisas.

Q ualquer que seja a opinião de Bergson sôbre o conhecimento


com imagem, também a intuição pode ser interpretada intencionalistica-
mcnte. Teria sujeito e objeto tão bem quanto o conhecimento por meio
do imagem. Sob um ponto de vista meramente cognoscitivo, quanto ao
pracosso fundam entalm ente, intuição e conceito se desenvolvem sôbre as
mesmas trilhas de sujeito conhecedor e objeto conhecido. Apenas varia-
(,óos secundárias variam a intencionalidade na intuição e no conceito.
Assim mesmo não é inteiramente radical a diferença entre intencionalida-
<!e lógica o alógica, desde que a intencionalidade seja entendida como
dlrtv.ão emocional.
22

Dofiniu Bergson a intuição: "Cham amos intuição à simpatia


pola qual nos transportam os ao interior de um objeto para coincidir
com o que tem de único, e por conseguinte de in e xp licá ve l" (Bergson,
Introdução à metafísica, em La pensée et le mouvement, VI).
Pouco escreveu Bergson sôbre estética. Apesar da índole pe­
culiar de seu intuicionismo, a estética bergsoniana se deve manter na
«'troa do intencionalismo, de objetos inteligíveis i1).

20. — A estética "sem o b je to " de Kant se apresenta como


um caso muito especial e que não se deve confundir com uma estética
som objeto em sentido irracionalista e psicologista ra d ica l.
Conforme oportunam ente veremos, o que o filósofo de Kcenigs-
berg denomina objeto se restringe a um grupo de noções, semelhante
às categorias aristotélicas; tais noções dizem respeito à constituição es­
trutural do objeto, e por isto se predicam como conceitos que dizem
alg o do objeto. As noções pertencem à área do entendimento. Há,
entretanto, uma outra espécie de noções, exercidas pela fa culdade do
Juízo, que Kant afirm a serem sem objeto. Em têrmos de filo so fia aris-
totélica, se denominam "m odos transcendentais", como coisa (res), verdade
(verum), bondade (bonum), belo (pulchrum ). Estas noções se predicam do
objeto tom ado como um todo já constituído; não se distinguem realmente
entre si; não passam de explicitação do que form alm ente já vem contido
no ser. M al se pode dizer que a verdade ponha algum a coisa de nôvo
no ser, para sua composição. O ra, Kant, ao considerar a questão com
referência ao belo, anotou que a beleza se apresentava como uma noção
predicada da coisa vista como um todo, sem pôr novas partes consti­
tutivas em sua essência. Há certamente algum a diferença entre o ponto
cio vista aristotélico, em que apesar de tudo o belo e a verdade se
consideram como determinações no objeto, e o ponto de vista de Kant.
O quo agora nos interessa d e ixa r bem claro é que a a firm ação kantiana
do um belo em têrmos de "conhecim ento sem o b je to " não coincide com
a fa lta de objeto no sentido alógico do irracionalismo,- pelo contrário,
multo so aproxim a a posição kantiana, da de Aristóteles e dos escolásticosj
om tudo o que so refere à essência da noções.

(1) íiAbrt) <i n a tu re z a in te n c io n a l d o c o n h e c im e n to e n tra m o s e s p e c ific a m e n te em nosso


« u s in o " U n o A p o m a r ? " C ta m b é m o to m á rio das "In v e s tig a ç õ e s ló g ic a s " de Husserl e
ii d o " Q u o ilg n lf lc a p o n s a r? " d o H o id e o g e r.
23

Pretende Kant manter a denominação de objetos para as noções


do entendimento, porque sobretudo estas mostram a constituição do
objeto. N ão denomina "o b je to " às noções da faculdade do Juízo. Que
resulta dali? Que o belo não se denomina objeto, porque não se cha­
mam objetos as noções da faculdade do J u íz o ... Mas as noções con­
tinuam semelhantes aos modos transcendentais dos antigos. . . A inova­
ção de Kant não se deve buscar neste plano, que é o das essências,
mas no conteúdo, na ordem do real, em que reduziu tôda a re a lid a d e
à fenom enalidade, às formas apriorísticas, às idéias. No plano das
essências continua Kant nas grandes linhas da estética tra d icio n a l. Não
somente não criou uma estética irracionalista, como também na sua
estética inteletualista se manteve com os clássicos. Para quem está pouco
habituado às comparações do moderno com o antigo, nossas afirmações
talvez surpreendam.

21. — Concluímos com o breve capítulo sôbre a naturez


inteletualista do belo, da arte, do conhecimento em geral, louvando-nos
na brevidade. Não tínhamos outro detalhe senão o de afastar de ma­
neira radical os elementos irracionalistas que se tendem introduzir às
vêzes. A preocupação central e eminente do tra ta d o do belo se con­
centra na indagação da essência da beleza, não nos sendo perm itido
delongas consideráveis no te rritó rio da Crítica do Conhecimento.

Numa filosofia da arte deveríamos ser mais longos, porque


sobretudo em arte ocorre a tendência para o irracionalism o. Além do
mais, não pretendemos neste ensaio sair de um esquema geral, a fim
de que fiquem esclarecidos sobretudo os temas fundam entais e decisivos.
Numa estética especial, a incorrência do irracionalism o e ao mesmo tem po
do inteletualismo, se estudam em separado com referência à pintura,
escultura, arquitetura, música» linguagem em prosa e poesia, e t c . . . .

Retidos entretanto a gora a um plano universal, e acreditando


na índole intencional do conhecimento, seguimos confiantes para a uma
análise meticulosa da essência do belo.
C A P I T U L O I I

ESSÊNCIA DO BELO

22. — Chegamos à pergunta que nos ocupa mais insisten­


temente: — qua! é a essência do belo? Vamos caminhar do a liq u id ci
res.

A vaga anteposição do alg o que se nos põe diante, é o que


denominamos objeto. Êste se mostra apenas como o contrário do nada,
portanto como um a liq u id . Eis, aliás, o momento inicial do processo
cognoscitivo, em que o ser se manifesta por uma de suas faces transcen­
dentais. Ninguém conhece o ser em si mesmo. O ser está como que
escondido; manifesta-se porém como a alm a que transparece no
brilho da nossa face. Começa a manifestação do ser, como vaga ante­
posição, afirm ando-se como o contrário do nada. Depois que mais se
revela? O ser se mostra ainda como essência, portanto como res (coisa).
Eis um segundo modo transcendental do ser, cujas novas precisões com­
plementam abundantem ente sua noção.

No capítulo anterior, em que discutíamos a estética de objeto


e a estética sem objeto, tratávam os apenas de alg o enquanto se a fir­
mava diante de nós com clareza, ou não; portanto, procurávamos o
objeto enquanto um contrário do nada. A g o ra , nos esforçamos para
discernir e pôr nitidez; por conseguinte, buscamos a essência.

23. — Que seria a essência? Se, como objeto a beleza se


nos mostra apenas como vaga anteposição, agora, como essência passa
a se constituir mais do que uma simples anteposição, porque a discernimos
dontro outras determinações. O belo já não se confundirá com a verdade,
noiii com a bondado, nem simplesmente com a perfeição. Da clareza
d»; objoto, passou à distinção da essência.
26

Em discernindo as feições do objeto, a essência nos diz em


quo dotorminações cabe o objeto a que pertence. Fala, portanto, a
ossôncia em têrmos de q u a le .. . dizendo-nos qual é o objeto; revela
so ôste ser é ta l . . ou ta l ou tro . . . Por conseguinte, a essência, como
ros, se manifesta como uma qualid a d e , em virtude da qual um ser se
diz ta l ou qual ser.

Imaginarno-nos a essência como uma espécie de receptáculo


invisível em que as coisas são recebidas, tom ando as suas formas de
acôrdo com o vaso. Os objetos seriam semelhantes à água que colhemos
na fonte; sem form a, assume as medidas do copo, do jarro, da vasilha,
(Ja g a rra fa , enfim das formas do receptáculo em que a coletamos. O be­
decendo a estas formas, a água se nos torna mais visível e tratável.
Os rios, os mares, as nuvens são outras tantas formas que assumem as
águas; com estas determinações elas se apresentam à nossa maneira de
cogitar, convertendo-as em m odalidades de sua essência.

Também nos imaginamos as essências como traçados cu plantas


do engenharia a com andar a disposição interna das coisas. Os p itagó-
licos, observando que tôdas as coisas eram feitas sob m edida e eram
calculáveis, estabeleceram a hipótese que a essência dos corpos se
constituía de uma natureza sim ilar à dos números. Portanto, a essência
nos diz em abstrato a q u ilo que vasos, copos, vasilhas, traçados nos
dizem em concreto.
Que seria o belo? Eis a pergunta que nos passamos a im aginar
como uma indagação a propósito do vaso recipiente a que devem am ol­
de ii-so as coisas a fim de que se possam dizer belas.

A U TO N O M IA DA ESSÊNCIA

24 — A questão do objeto como " o contrário do n a d a ", ou


aliq u id , envolve uma série de precisões que podemos, por instantes con-
•orvar nntro parêntesis; mas, não devemos, contudo, confundi-las com
n u lrm quo não se arrolam sob êste gênero. Que significa " o contrário
do n a d a " quo o objeto afirm a como sua determ inação?

Para os idealistas a existência, como " o contrário do n a d a ", se


pudti in duzir a uma a firm a çã o meramente lógica, apriorística; num sentido
27

i minentemente técnico, tem usado aqui a denominação de "re a lid a d e


transcendental". Na filosofia clássica, o têrmo transcendental significa o
quo supera as medidas estanques das categorias e se extende ao ser em
gorai, como sucede com as noções de unum, verum, bonum, a liq u id , res.
Para os realistas, a existência como " o contrário do n a d a ", que
• i objeto afirm a, é a lg o efetivam ente real, no sentido óbvio; isto quer
dizer que o objeto se determ ina como um ser no lado de fo ra do círculo
(■ gnoscitivo, não sendo portanto parte da construção lógica da mente.
O ra, esta questão relativa às precisões que se aplicam ao ob-
|o!o, enquanto como um a liq u id se estabelece como uma existência con­
trária do nada, difere claram ente da que diz respeito ao segundo modo
transcendental do ser, quando se determ ina como res ou essência.
Embora não tratemos de pronto da disputa que divide o campo
om idealistas e realistas, nossa advertência evitará uma confusão de
tomas. A configuarção da essência não depende de sua situação na
ordem real, ou ideal, porque uma determ inação se diz no plano da
res e a outra do a liquid.

N ão im portando as discussões entre idealistas e realistas, pouco


nos preocupa agora se o belo se determina como coisa real, ou apenas
ideal. A essência, de que nos ocupamos neste instante, é como a planta
de um edifício arquitetônico; construído, ou não êste, a planta independe
diretam ente de tal circunstância.
Também a questão da essência adm ite muitas precisões, que
dízem respeito particularm ente às propriedades que a qualificam . Destas
prescindimos no presente capítulo.
A gora, compreendemos mais profundam ente a divisão a que
■o sujeita o tra ta d o do belo. Os primeiros dois capítulos form am como
que uma parte geral, tra ta n d o um sôbre o objeto em seus têrmos mais
gorais e outro sôbre a essência, também em seus elementos básicos. Os
< utros dois capítulos prosseguem os da prim eira parte, sem constituírem
matéria nova; assim é que o terceiro capítulo soluciona a questiúncula do
aliq u id om função à re alidade e a id e a lid a d e do belo; o quarto conduz
00 fim as propriedades da essência do belo.

25. • Da autonom ia da essência deriva uma grande vantagem ,


ii - l i | »!«**ívoI concordância entre idealistas e realistas sôbre a essência
VÁ\

<lo belo. Embora, como coisa concreta uns digam ser o belo apenas
forma apriorística, outros uma efetiva realidade, poderão aco rd a r ccn-
ludo na essência do belo. Assim, para Kant, a beleza consiste no
ajusto de uma coisa com a fin a lid a d e form al (essência a rq u é tip o '; para
platônicos e aristotélicos, igualmente, o belo resulta da concordância de
um objeto com o da essência arquétipa, ou com o respectivo universal
metafísico,• mas, para Emanuel Kant, a fin a lid a d e form al não tem con-
•istôncia, reduzindo-a simplesmente como form a apriorística da faculdade
do Juízo, e para os clássicos gregos é uma va lid a d e na ordem da rea­
lidade ontológica. Podendo, embora, discordar em aspectos de detalhe,
fundam entalm ente contudo a questão criteriológica de se o conteúdo do
bolo se realiza na ordem real, ou se se reduz a uma simples projeção
montai do objeto, não influencia a determ inação essencial do belo. A
oportuna observação, a manter clara distinção entre uma prim eira de-
lorm inação do objeto na ordem da essência e uma que ainda lhe é
subseqüente, traz para o campo da estética um alívio na tensão que
geralm ente opõe clássicos e modernos, principalm ente aristotélicos e kcn-
tianos.

2ó. — Insistimos na concordância quase generalizada des


íilór.ofos em tudo quanto diz respeito à questão da essência do belo,
dosdo que não se tra g a p a ra dentro do debate o problem a do conteúdo
da realidad e ou idealidade.
A estética de Kant, no que se refere ao conteúdo do objeto,
mas quo constitui questão alheia à estética em si mesma, difere com
certeza de qualquer tentativa de sistema estético de fundo aristotélicc;
i nquanto uma é idealista, outra é realista.
N ão teve, entretanto, Emanuel Kant a preocupação de a b a la r
lôdas as linhas do pensamento metafísico tra d icio n a l. O que êste a fir­
mava simplesmente como objeto e na ordem da essência, continuou a
m anlô-lo. Sua preocupação, concentrada no conteúdo, não foi até à
a llo ra çã o radical da form a, que manteve pertinazm ente como absoluta.
A llsla das doze categorias da fa culdade do "e n tendim ento" constitui
n m lnnçao do um im portante elenco de noções absolutas que conservou,
rn lrn <ir. quais destacamos sobretudo as de substância e acidente, causa
m níoilo, possibilidade e im possibilidade. A inda havia uma outra série
(In noçõos, ligadas à noção de causa form al ou fim form al, a prender
29

( lunômenos empíricos em gêneros e espécies, subordinando-os a modelos


urquótipos que foi salva quando escreveu sua Crítica do Juízo, aos 64
'inos. Salvos os arquétipos de Platão e os universais metafísicos de
Aristóteles, embora sem conteúdo no plano criteriológico da realidade
existencial do objeto, que significa tudo isto? Na ordem da essência,
I <int é continuador da metafísica tradicional. Esta circunstância nos vem
Instruir que sua estética, na parte relativa ao belo enquanto essência, se
(iproxim a do pensamento clássico, não obstante uma linguagem inteira­
mente nova.

A fim de não misturar term inologias de diversas índoles, expo-


ramos em separado que seria o belo na ordem da essência, em um sistema
do espírito platônico e aristotélico, e, que seria em um sistema como o
do Kant. Mais de uma vez se observará a aproxim ação e que, nem tudo
o que se reveste de um nôvo modo de apresentar em Kant, efetivam ente
não é o rig inal na ordem da essência.

A U TO N O M IA DO BELO E DO ARTÍSTICO

27. — Isolada a questão da essência, o belo tanto pode ser


visto em coisas reais, como em outras que apenas a fantasia constróe;
damos com isso ingresso indiferente, no recinto da beleza, aos objetos
normalmente apostos diante de nós como efetivam ente reais e aos que
uma projeção sentimental cria quando se apresenta montanhas soberbas,
manhãs sorridentes, bosques am igos. . . As representações imaginosas
seriam belas pelos mesmos motivos que fazem belas as coisas reais.

A inda se apresenta ao belo a ocasião de ingressar no O lim po


imenso da m itologia, onde o a n d a r dos deuses se desenvolve com ma­
jestade e o das deusas com graciosidade; e tudo não passa de uma re­
presentação irreal.

A im aginação também reveste de beleza os dogmas da fé


cristã. A vida eterna, antes de tudo concebida como recompensa feliz,
so envolve com um céu de abundantes belezas. A visão do Tabor, em
quo o Cristo so apresenta transfigurado, constitui um exem plo de como
r,Q podo construir o bolo nos espaços de uma visão, que no caso foi
oponas uma roprasontaçâo psicológica pura, e não uma real mutação
30

física. As visões dos profetas e os quadros apocalípticos, além do con­


teúdo que tais coisas possam significar, tendem a im por o belo nas p ró ­
prias representações fantásticas, certamente sem conteúdo físico.

É ainda em virtude do seu desligamento dos laços da realidade


que o belo se infunde na escultórica im aginosidade da poesia. Na ex­
pressão poética se cria prim eiram ente um objeto imaginoso,- êste por sua
vez, em virtude de uma semeihança, exprim e um pensamento. Nesta
construção imaginosa e escultural exercida no mundo interior, se criam
belezas incontáveis em número e inenarráveis pela íô rça com que nos
tocam o sentimento estético.

28. — Independendo a conceituação do belo de uma efetiva


realidad e do objeto, passa o artista a op e ra r livre da realidade. Saindo
por esta porta de escape, sua im aginação alça vôo despreocupado. Cons­
tró i mundos de beleza, cuja form ulação independe da u lterior realização
concreta. Se toma ao real como modêlo, pode a lte rá -lo , porque con­
tinua independendo da realidade.
O desenhista e o p intor elim inam ou esquecem os elementos
desinteressantes que uma fo to g ra fia fie l da re a lid a d e acusaria.
O cineasta e o fo tó g ra fo captam momentos isolados de grande
efeito.
A p ro fu n d id a d e dos panoram as é submetida pelos pintores com
expedientes hábeis e que enchem mais os olhos. As linhas, em qualquer
representação, correm segundo movimentos idealm ente estéticos, esque­
cendo detalhes sem efeito.
O escultor reforça tensões musculares, im agina formas nunca
vistas no real. Idealizam-se as vestes das estátuas, com o fito de obter
o m aior rendimento estético possível.
O escritor e la b ora enredos, confecciona m etáforas exuberantes,
inventa alegorias, esculpe idéias em imagens da fantasia.
Os povos, em criando seus mitos, os elaboraram estèticamente.
Repetidas vêzes narrados, enquanto se transm itiam de geração à geração,
modelaram-se nos melhores conceitos estéticos.
A música também p rogride em trepidações de movimentos fa n ­
tásticos o curvas sonoras irreais.
Do maneira g eral, portanto, o estético não coincide com o real.
Sob ôsfo ponto do vista as elaborações do d elírio estético não se ajustam
31

com a verdade. Sabendo que o belo não reclama diretam ente a rea­
lidade, previne-se o teólogo arguto em distinguir o que vai por conta da
verdade bíblica e o que está por obra da fantasia lite rá ria dos semitas.

29. — Também nos sistemas filosóficos podemos destacar o


doutrinário em si mesmo e o to d o estético. N o construtivismo de Hegel,
no ritm ado do desenvolvimento das sínteses, na progressão ascensional
do conjunto que avança irreversível até alcançar o ápice de um Espírito
absoluto, ocorre certamente um grande poema, saído de im aginação po­
derosa.
Os racionalismos modernos, na constante preocupação de dis­
solver a realidade em idealidades inteligíveis, apresentam-se aos aristo­
télicos, que os observam de fo ra , como muitos fogos de a rtifício a ilum i­
narem feèricamente a noite com o objetivo de deixarem tudo
claro, tã o poderosamente quanto o fazem os relâm pagos; em nada
aceitando de tudo isto, os aristotélicos apreciam contudo o lirismo destas
composições que se originaram quando na Germ ânia também nascia o
movimento dos românticos.

Assim também admiramos a evolução em geral do pensamento


humano, a luta titânica do mal, a voracidade do incêndio, não pela
roalidade dos conteúdos mas pelo todo estético das essências e das formas
quo revestem.

AKT. I.°
DA ESSÊNCIA 0 0 BELO COMO PERFEIÇÃO REALÇADA
(EM TÊRMOS DE FILOSOFiA ARISTOTÉLICA)

.'10. Começamos por conhecer o belo em dados concretos,


'< ■" i na i ílôras abortas diante de nós, nas coros que nos divertem a
■i ' n v iv. buliçosos quo nos ocupam os ouvidos. A ôstos dados,
. ...... ■|mii l<> monrv;nto, cr. interpretamos como oxcrcendo certa q u alidade
>i' mu lArmos u biolutos, chamamos bola. Da coisa bola progredimos,
l •• | •• ......... noção do bolív.a simplosmento. N ão tomos outra maneira

I 'I' i In n
32

de conhecer o belo, senão começando assim do concreto, para dêste


irmos ao belo em si mesmo.
A progressão em pauta, vista de maneira meramente form al,
foi um andar do indivíduo para a noção de sua espécie ou seu gênero.
A espécie e o gênero constituem-se como noções absolutas, que em
têrmos de escola se dizem universais metafísicos. Platão, que nos uni­
versais metafísicos pensara ver realidades, chamou-os simplesmente de
"idéias reais". Aristóteles apontou a Sócrates como o descobridor do
conceito, exatam ente porque êste insistira na diferença que ocorre entre
o dado concreto conhecido e a noção absoluta que se obtém depois de
prescindida a individ u a lid a d e .

31. — Platão divergiu da tra d iç ã o filosófica an te rio r quando


apontou para uma origem não sensível do universal, ou seja da idéia
absoluta, ou a q u ilo que depois se denom inaria universal metafísico. As
idéias se acendem, sem que o inteleto vá ver no fundo dos dados sen­
síveis a essência indicada pela idéia.
N ão im porta como o platonism o faça surgir as idéias; desde
que não seja no sensível, qualquer interpretação é do estilo platônico.
O p ró p rio Platão se im aginava uma vida anterior, em que as idéias reais
tenham sido contem pladas pelo nosso inteleto, que form ara novas idéias,
que agora vai recordando. Plotino fa rá as idéias surgirem por si, como
produtos conaturais. Santo A gostinho e o agostinismo até o advento de
Santo Tomaz acredita numa ilum inação divino-natural, que fa ria efio-
rescer as idéias universais, sempre que oportunas. Occam, no século XIV,
continuará a crer numa eflorescência espontânea. A última flo r do p la ­
tonismo é o pujante racionalism o dos modernos, particularm ente cartesiano
o kantiano. Para Descartes as idéias são inatas e se desenvolvem sem
a origem nas sensações. Para Kant, as sensações imprimem comêço ao
processo, mas tudo o que se vem sobrepondo ao lado do empírico se
constitui de formas apriorísticas não encontradas no fenôm eno inicial.
Ikilo iça n d o ao vento, idéias e conceitos, se movem sem re a lid a d e em­
pírica. A mesma linha g e ra l, portanto, se verifica, no pensamento sem
om plria, de Platão ao racionalism o moderno.

32. •— • Aristóteles, apontando sempre para o chão da re a li­


dade, para o coração dos dados sensíveis, quer que êles sejam mais
33

• Io que uma simples mostração. C ontraria, portanto, Platão, cujas idéias


não nasciam dos dados sensíveis, e se mantém numa posição que será
<li:,tinta da de Kant, cujos conceitos universais todos resultam de formas
quo se sobrepõem aos dados coletados pelos sentidos. Tal como já o de-
ínndia Sócrates contra os sofistas, se encontram essências reais, absolutas,
ompre válidas. Os indivíduos concretos, em bora individualm ente confin-
qontes, se realizam na ordem geral segundo formas ou essências inalte-
mvois e fixas; firm a rá Santo Tomaz, que nem Deus poderá in te rfe rir nas
ry.ôncias, sendo êle mesmo uma plenitude de ditas essências. O inteleto
Intia a capacidade, na doutrina de Aristóteles que já vem de Sócrates,
pura descobrir as essências sempre válidas, no fundo dos dados dos seres
concretos.
Feita a a plicação ao pla n o das coisas concretas que se nos
apresentam como belas, no fundo destas manifestações sensíveis do belo,
11 inteligência perceberá o elemento absoluto do belo. Descobrirá por-
hinto aq uilo que sempre deve ocorrer numa essência, para se dizer a
rviência do belo. Como a essência possui propriedades, tam bém abso­
lutas, o que a inteligência p ortanto descobrirá de absoluto são as pro-
priodades e a essência.

I.° DA ESSÊNCIA DO BELO A PARTIR DAS PROPRIEDADES

33. •— Para rum ar à essência do belo a cam inhada ingressa


I < n H rando através das suas propriedades,- estas como se nos antepõem
'i maneira de cortinas complexas, variadas e de curioso manejo. Por
i''.o, precisamos conhecê-las com precisão, descobrindo onde os co rti­
nados apresentam o vão certo para se abrirem de par em par e pôr a
tlcvT jb o rfo ° cenário que se oculta por detrás, onde estaria o belo.

As propriedades que se manifestam nos objetos chamados belos


l i tis vKjuintes duas fundam entais: a) feoreticidade do belo (porque
Ale lu la ao inteleto); b) esteticidade do belo (porque produz um senti-
"fintu muito especial no apetite racional). As demais espécies de pro-
I I i• d iidivi :,o aproxim am destas: por exemplo, a índole diversa da inte-
ifiv.c iiiun iínslada no sentimento estético, resulta de uma peculiaridade
ilii própria osloticidade.
34

Depois de esclarecidas as noções que tais propriedades, como


a teoreticidade e a esteticidade, envolvem, passaremos à inferência da
intim idade da beleza; é quando se firm a rá a convicção que o belo, para
produzir tais espécies de propriedades, somente o poderá se sua essência
fôr a perfeição enquanto realçada. Temos, pois, ali o tra ça d o do caminho
a trilh a r; principiando nas belezas concretas, vai prosseguindo na revelação
das propriedades; estas enfim se abrem como que em duas cortinas que
se afastam , deixando à nossa vista o q uadro esplendoroso da perfeição
que se realça, o belo.

34. — Com um caminho de etapas nitidam ente traçadas, em


que o belo realiza sua manifestação prim eiram ente através de suas
propriedades e depois pela sua essência, colocamos também ordem na
maneira de o definir.
Quem define o belo como a q uilo cuja contem plação a g ra d a ,
enunciou uma definição descritiva, porque disse o que o belo é, pelas
suas propriedades; esta de fin ição se diz também "d e fin iç ã o psicológica",
porque as propriedades do belo agem sôbre o inteleto e a vontade.
A definição pelas propriedades se pode ainda lim ita r à des­
crição de uma só prop rie d a d e , como a do efeito afetivo; então ela se
enunciará da seguinte m aneira: a belo é a q u ilo que a g ra d a (id quod
placet). Define-se a li, claram ente pelo efeito que o belo tem a p ro p rie ­
dade de exercer. É a d efinição mais comumente emitida,- os superficiais
erram ao supor tratar-se de uma d efinição de essência, quando na ver­
dade é apenas a indicação de uma propriedade.
A definição essencial busca enunciar a q u ilo que exerce a
função de ter as propriedades; então o belo poderia constituir-se como
sendo a quilo que se realça, porque a q u ilo que se realça é que exerce a
p ro priedade teorética de fa la r à inteligência naquele modo peculiar e
de a g ra d a r estèticamente o sentimento.

a) A TEORETICIDADE DO BELO

35. — O belo se comporta como um fa la r ao inteleto. Êste


contem pla o belo. Surge, portanto, a teoreticidade como uma p ro p rie ­
dade da beleza, que se nos apresenta, pois, como objeto a entender como
35

"v o iilu d e ". A inda que alguém quisesse fazer do belo assunto apenas
•I f . olhos e dos ouvidos, também a li a beleza seria uma íeoreticidade,
....... voz que se tra ta ria o assunto apenas como coisa a ser conhecida.
1 miscqüentemente o belo não seria alg o como um bem, ou uma utilidade,
i ii um sentimento.
A teoreticidade do belo, im plicitam ente é afirm ada por todos
• quo tratam do belo como a lg o que se contem pla, que se adm ira, que
• iqrada ao ser visto ou ouvido, porque estas expressões se referem ao
r-o ic íc io do conhecimento.
Tomaz de A quino faz, entretanto, a distinção com expressa
■iilililoza, quando diferenciou o bem e o belo: "O bem diz respeito
cipropriadam ente (proprie) ao a p e tite . .. O belo, porém, diz respeito à
I lü iicialidad e cognoscitiva (Sumina theologica P. I, Q. 5, a . 4, ad primum)
Platão insiste em que o belo absoluto (a idéia real do belo)
• ili ii muito mais nosso amor, do que o belo das coisas terrestres (im itação
'In bolo absoluto e arquétipo); mas " a beleza é visível em todo o seu
• \p lo n d o r" (Fedro 250 c); esta e outras expressões mostram sempre a
Implícita afirm ação da teoreticidade do belo, como coisa que se con­
templa, antes de tudo.
O mesmo im plicitam ente referem as expressões de Aristóteles;
do d a r o belo como " o p re fe rid o " para ser conhecido, supõe por con-
'.ttguinfe tratar-se de objeto de conhecimento.
Prova-se a teoreticidade do belo, alegando simplesmente o
loto. Verifica-se diretam ente o fato. A perspiciência de Tomaz de
Aquino o notou e o afirm ou expressamente, distinguindo-o do bem.
O que resta fazer, é conduzir a análise desta propriedade
conhecida, explicando-a mais amplamente, descrevendo novos aspectos
quo talvez possua.

A PREFERIBILIDADE TEORÊTICA DO BELO

3ó. — A teoreticidade do belo se apresenta com a p ro p rie ­


dade do uma notória fôrça de excitação da curiosidade. Todo o objeto,
enquanto se apresenta como verdade, portanto como objeto de conhe-
i Imonto, atra i. Entretanto, sobretudo o belo estimula poderosamente a
curlosldado da mento, como ainda dos olhos e dos ouvidos incitados pe!o
Intoloto.
36

A curiosidade do belo pode ser considerada simplesmente; e


ainda podemos mostrar nesta curiosidade a m aior delas, de sorte a se
q u a lifica r como a p re fe rid a, sendo assim o belo " o p re fe rid o ".

a) A abundância de aspectos que a beleza nos oferece,


conduz-nos a sair ao seu encontro. Saímos a ver o belo pelas avenidas,
pelas alamedas, pelos jardins em flo r. Buscamos a beleza nos campos,
nas campinas, no beira mar. Levantamos a vista, giram o-la em tôda
a volta do horizonte, anelando a beleza. No sol, na lua, nas
estréias continuamos a procurar o belo. Fabricamos o belo, para que
exista em abundância. Belas hão de ser as vestes; belo deverá ser
o penteado; elegante a maneira de gesticular,- bem composto o modo de
an dar e conviver na sociedade. Uma sêde universal nos consome, con­
duzindo-nos a oferecer constantemente objetos à curiosidade mental; entre
os que se oferecem fig u ra sempre, como o de mais b rilho e atração, o
belo, prova de que é eminentemente teorético.

b) Enquanto se estabelece nas preferências da curiosidade


mental o belo ainda é o "p re fe rid o ". Esta índole fo i anotada por Platão
e Aristóteles, não somente para uma preferência ape titiva , mas
também para a inteletiva. Contudo, a preocupação do Mestre da A ca­
demia mais se ocupa da apetência vo litiva (Fedro 249 cc), que se compraz
em um sentimento estético, que pode chegar ao d elírio e ao entusiasmo.

Q uanto a Aristóteles, fa z a sua a firm ação do belo como "o


p re fe rid o " em um sentido que parece envolver a ambas as faculdades,
à mente a à apetição (Arte retórica I c. 9, 3).
O inteleto buscando embora todos os objetos enquanto se mos­
tram como verdade, incide mais fortem ente sôbre a beleza, porque nesta
a verdade assume a perfeição. À medida que a perfeição ocorre, au­
menta também o volume do objeto e a preferência que desperta.

37. — A preferência do inteleto pela beleza se sobrepõe a


tudo inclusive à arte. Esta, como obra sensível a veicular uma idéia, tam ­
bém fa la ao espírito. Mas o belo continua na preferência; é o fato.
Encontra-se para o fa to uma explicação metafísica. O belo,
visto como verdade ontológica, apresenta por isso mesmo mais verdade
<Hio a obra sonsívol da arte. Hegel alegava que o artístico apresentava
37

umci expressão de idéia, embora de maneira incipiente e incoativa,-


K*i lamente tinha razão. Mas, ao insistir que o belo da natureza se
npresentava inferior ao artístico, porque fa lta v a idéia à beleza natural,
enganou-se. O belo somente se manifesta à m edida que nos fa la ; a
li oreticidade do belo consiste exatam ente em nos dizer a lg o de sua
I < i feição expressamente. Depois veremos que ta! perfeição se poderá
doíinir como verdade ontológica. Exatamente porque aos animais é
impossível alcançar a noção de q u a lidade e perfeição, não conseguem
apreciar o belo.

A in ferioridade teorética da arte provoca no artista o desejo


<lo associar o artístico ao belo. Ninguém permanece indiferente diante
• l<i poderosa expressão artística das imagens moventes do teatro, do
I illet, do cinema; entretanto, a preferência entusiástica somente ocorre
quando tudo se alia ao belo. Dá-se então o associamento de dois ele-
inontos teoréticos, o artístico e o belo, a puxarem o mesmo carro.

38. — • Nas coisas belas ocorre também entre si uma prefe-


iAncia, que faz preferir a côr ao som; êstes dois "sensíveis próprios", aos
".sensíveis comuns" do movimento e da quantidade; todos os sensíveis aos
objetos abstratos. O motivo destas preferências resulta de uma consi­
deração de ordem teorética, o que mais uma vez sugere a propriedade
loorética da beleza.

É que preferimos a "com preensão" à "extensão"; diz-se a com­


preensão a respeito do conteúdo revelado pelo conhecimento, a extensão
do número de indivíduos a que diz respeito ou de maneira geral a dis-
Ifincia alcançada pelo conhecimento. O ra, nos sensíveis próprios, a côr
«' o som, ocorre um máximo de compreensão; o objeto é alcançado in­
tuitivamente, diretam ente, tal qual é; por isso, a côr e o som se apresentam
«Io maneira muito insistente. Sobretudo a côr, objeto da vista, revela
nitidam ente os detalhes e as precisões; por esta razão é a vista o mais
apreciado de todos os sentidos; sendo o que mais precisões nos oferece,
a quo nos mostra um maior número de detalhes, é o sentido que, ao ser
perdido polu cegueira, mais nos a flig e na desgraça. Em assim sendo,
particularm ente belas hão de ser as coisas que vemos. Dali porque
afirm am os com ênfase quo bolas são "as coisas, que, vistas, a g ra d a m "
(quao visa placont S. Tomaz). Também são belos os sons; mas, por
antonom ásia, são belas sobretudo as coisas próprias à vista, p a rticu la r­
mente as côres.
Os "sensíveis próprios", em conjunto, superam os "sensíveis
comuns"; por isso, nas flôres, apreciamos prim eiram ente as côres, e depois
as suas formas. O mesmo sucede com os vestuários e os objetos em
geral. O vulgo, incapaz de maiores abstrações, aprecia quase somente
as côres ao considerar as representações de "santos". Por isso também
são mais freqüentes as flôres nas casas dos simples; nas residências de
pessoas evoluídas, capazes de apreciar elementos abtratos, ocorrem tam ­
bém as folhagens, as esculturas, a arte abstrata.

Se ascendermos ao plano das artes de representação, a d ife ­


rença se torna ainda maior. A tre p id a çã o do movimento ritm ado domina
na música do homem simples, porque a prefere à representação abstrata.
Ninguém de nós, ao v ira r uma página, em que nos apareça uma fig u ra ,
deixa de prim eiram ente observar a fig u ra , para somente a seguir passar
à leitura. É fôrça de atração da maior compreensão que o intuitivo a p re ­
senta; o m aior volume teorético arrasta a atenção.

De maneira geral, o que nos faz escolher e discrim inar as


coisas belas, preferindo umas às outras, mostra-se como sendo m otivado
por uma razão teorética. Apresenta-se, por conseguinte, muito claro que
uma evidente teoreticidade, como propriedade inconteste, ocorre no belo.

Para possuir o teorético, basta conhecê-lo. Por isso, a posse


da beleza se adquire pelo mero conhecimento. "Com preender a beleza
significa possuí-la" (W. Lübke.) N ão é a compra das telas que nos faz
donos da beleza; muitos ricaços as têm a d q u irid o , sem contudo se a p ode­
rarem da beleza,- esta somente é a d q u irid a pela compreensão.

39. — Assunto apreciável em si mesmo, a p re fe rib ilid a d e teo­


rética da beleza se constitui em caminho seguro para nos conduzir à
essência. A p re fe rib ilid a d e indica perfeição, nobreza, positividade.

O ra, é p ró p rio do conceito de q u a lid a d e determ inar como


pnrfoição no sentido da positividade, ou como im perfeição na direção
dei nogatividade. b que a q u a lid a d e determ ina as essências exatam ente
naquilo quo as especifica e as torna tais, ou quais essências. . . Enquanto
m r.Im prococlo, tom a q u a lid a d e im portante pro p rie d a d e de se exercer com
lArmos contrários: perfeito, im perfeito; verdade, êrro; belo, feio.
39

Os polos em que se situam os contrários, logicamente se apre-


'.ontam preferíveis, uns; indesejáveis, outros. Evidentemente que o positivo
\<! mostra como sendo o preferido.
Compreende-se agora mais profundam ente porque o beto assu­
mo as feições de o preferido. Esta propriedade se prende a um dos
contrários, que é a beleza. Comporta-se o feio, exatam ente, como o
não preferido.
Se a p re fe rib ilid a d e nos conduziu ao belo como um contrário
<lo feio, o belo se situou numa posição positiva, a de perfeição, a de
nobreza, a de acrescentamento.
Também há outras categorias, como a da quantidade, que
também se exercem com contrários,- o maior e o menor são contrários-
Nestas outras categorias, a p re fe rib ilid a d e de um dos contrários sôbre o
outro não ocorre. E se ocorre, ela se fa ria pela ingressão subreptícia da
qualidade.
Sendo o belo a lg o que se manifesta com a propriedade de
c preferido, não sòmente se situa como um contrário; também, em virtude
da mesma pre fe rib ilid a d e , esta situação se faz no plano mui p ró p rio
da q ualidade ; só nesta noção, os contrários se situam de maneira a
um ser preferido sôbre o outro. Manifesta-se que a p re fe rib ilid a d e nos
conduz sucessivamente a uma posição de contrário e a uma situação
de contrário na noção da qualidade.

b) A ESTETICIDADE DO BELO

40. •— O belo tem ainda a p ro priedade de produzir um sen­


timento de agrado. E como êste a g ra d o é ainda de ordem muito especial,
recebe denom inação específica-, sentimento do belo, ou simplesmente a -
grado estético. Êste a g ra d o pode a tin g ir o entusiasmo e o delírio.
A esteticidade a g ra d á ve l do belo se apresenta de modo tão
incontestável que não precisamos sair a prová-la. Um panoram a de­
cores esfusiantes e linhas notoriam ente belas, conduz a uma alegre eu­
fo ria , em que exatam ente o elemento belo contribui de maneira notável.
O feio so faz detestar e quanto maior a feiura mais nos molesta. O
turismo aos lugcircs do grande beleza é a consagração da esteticidade
do bolo.
40

A]. — O sentimento estético, enquanto se coloca no gênero


i!< Iodos os sentimentos, coincide com as peculiaridades dêstes. Num
• '.toma, como o aristotéíico, em que haja duas faculdades racionais, o
inI(• I(í to e a vontade, o sentimento se reduz a uma aquietação do apetite
volitivo. Êste se processaria em dois tempos: num prim eiro instante a
vontade se com portaria como inclinação ou desejo,- num segundo, como
situação de repouso no objeto buscado, repouso que se identifica com
ei cifetividade ou sentimento.

N ão saindo dêste esquema, a a fe tivid a d e estética não pode


constituir-se senão como aquietação da vontade, depois de alcançado
o objeto, no qual repousa; no caso, o objeto seria o belo. A aquietação
cio apetite da vontade no belo alcançado, eis como se d e fin iria o senti­
mento estético, na sua parte genérica. Efetivamente, quem nos impele
na busca das coisas belas não é senão a vontade; o desejo de ouvir e
ver é acionado pelo mesmo impulso dos demais quereres que buscam a
bebida e os alimentos. Desde que se considerem como apenas duas as
faculdades racionais, não há senão interpretar a satisfação estética como
do mesmo gênero das demais determinações afetivas; nunca haveria
possibilidade de solução por meio de uma terceira faculdade. A saída
para esta terceira fa cu ld a d e representaria alte ra çã o de sistema psicoló­
gico ou incoerência ecleticista, pela adoção de elementos que viriam de
Totens e Kant.

42. — Embora situados dentro da mesma faculdade, dividem-se


os sentimentos em duas espécies irredutíveis: os sentimentos comuns e
os sentimentos estéticos. O corre o sentimento comum, quando a vontade
aprecia um bem em fa vo r de um ser em geral, como o alim ento como
um bem do corpo. O sentimento estético resulta da apreciação que a
vonlado exerce quando aprecia a lg o como bem da inteligência,- o bem
closta consiste em conhecer a lg o sob o ponto de vista da verdade.

O elemento genérico da a fetividade estética se comprime, pois,


dentro de uma espécie, por e feito de uma peculiaridade que resulta da
loorolicid ade do belo. Em sendo teorético, apresenta-se como objeto
<la contem plação da mente. O belo se constitui, portanto, em prim eiro
lug ar como um objeto a ser alcançado pelo inteleto, como verdade
(vorum).
41

O ra, a vontade move a inteligência (enquanto entidade), a


fim de que busque o objeto que lhe é p róprio, para se realizar, de sorte a
•;o converter de potência inteletual, que era, em ato inteletual. Ocorre
assim que a faculdade vo litiva busca a verdade, como um bem da inteli-
yôncia. Em o conseguindo, se aquieta neste propósito conduzido ao ato.
lo d o o sentimento resultante de uma apreciação da vontade em fa vo r
da inteligência, exibe uma peculiaridade muito específica, que o fa z
dizer-se estético. Por isso há esteticidade na ciência, na arte, no belo.
Sobretudo, a visão mental do belo, se apresenta ao apreço da vontade
como o bem da inteligência. Por isso é o maior dos sentimentos esté­
ticos. Dali resulta que a denom inação de sentimento estético se constitui
com mais propriedade do "sentim ento do b e lo "; mas, em todos os casos
se distinguem dos restantes tipos de sentimentos.

Embora o sentimento estético se ligue à inteligência, não se


realiza dentro dela; tôda a a fe tivid a d e ocorre como aquietação do apetite.
A inteligência, meramente cognoscitiva, não deseja e nem se aquieta
em sentimentos; sua função se restringe ao ver mental. Por isso, caso
não existisse vontade, não ocorreria sentimento algum , em virtude da
fa lta de potência apetitiva. O belo seria contem plado teorèticamente,
sem qualquer repercussão afetiva.
A esteticidade do belo é pro p rie d a d e de natureza psicológica,-
sob êste ponto de vista constitui o tema da estética psicológica. No
interêsse da estética de conteúdo, a propriedade estética surge apenas
corno caminho para a descoberta da essência do belo, em virtude do
método que fa z pro g re dir das propriedades à essência.

43. — Quem teria mostrado a prim eira vez onde está preci­
samente a diferença radical entre os sentimentos comuns e o sentimento
estético? A diferença é um fa to que certamente todos anotam ; o im­
portante é saber apo n ta r onde ocorre o motivo da diferença, que con­
sistiria em mostrar o estético como o sentimento de aquietação no belo
enquanto apreciado pelo apetite como o objeto a p ro p ria d o para a inte­
ligência.
Platão, no d iá lo g o Hipias m aior (302 d), aponta diversas vêzes
para a distinção entre um e outro tipo de sentimento; mas teria achado
também a diferença específica entre ambos As diferenciações que
Platão mostra não passam do mera descrição exterior,- às vêzes não é
42

í.nnfio ci simples afirm ação de uma verificação de que os dois tipos de


'o nllm onto se diferenciam . O método está certo, porque parte do con-
rro to ; mas não chega a alcançar o abstrato.

N o Fedro novamente o Mestre da Academ ia descreve apenas


exteriorm ente a distinção entre a afe tivid a d e estética e a comum. Começa
do mais longe, distinguindo quatro gêneros de delírio: o delírio profético
da profetiza de Delfos e dos adivinhos que em estados psicológicos es­
peciais fa riam prediçÕes do futuro, "estados em que prestam grandes
serviços às pessoas e aos estados da G ré c ia " (244 b); o segundo delírio
6 o que levou a descobrir as cerimônias expiatórias, purificações, e
ritos misteriosos "que preservam dos males presentes e futuros" (244 e);
o terceiro delírio é o poético, no qual, sem os recursos da razão, as
Musas "transportam a alm a para um mundo nôvo e lhe inspiram odes
0 outros poemas, que celebram as façanhas dos antigos e que servem
do ensinamento às gerações" (244 e); o quarto delírio é quando alguém ,
através da beleza sensível, se eleva à contem plação da beleza como tal,
"sondo que de todos os delírios êste é o m elhor" (249 e '; mais adiante
apresentamos o texto do d elírio do belo.

A qui pretendemos a firm a r que Platão se mantém numa descrição


meramente exterior,- afirm a uma distinção entre os afetos comuns e os
estéticos, mas sem analisar a diferença intrínseca. Os quatro delírios
começam por meio de um elemento cognoscitivo,- são por conseguinte
tooréticos; ato contínuo provocam o sentimento de delírio, ou entusiasmo.
Quereríamos que analisasse êstes sentimentos. Q uanto ao de lírio por
causa do belo, haveria dois sentimentos estéticos: um que se reteria
apenas na contem plação do belo sensível singular, como o de um
corpo humano; outro, como noção absoluta. Como se vê, Platão se
preocupa tão só em distinguir dois tipos de sentimento estético; não
distingue a ambos, em comum, contra os sentimentos não estéticos. Supõe
tal distinção; aceita-a como um fato, de que se ocupa apenas e xte rio r­
mente.

A QUESTÃO DO DESINTERÊSSE E O BELO

44. • No futuro se insistirá que o desinterêsse se estabelece


como uma das características diferenciadoras que separam o sentimento
43

estético dos sentimentos restantes. Esta indicação começa por entrar no


caminho certo, apontando p ara a teoreticidade do belo. Contudo não
é exato dizer que a a fe tivid a d e estética se apresenta como desinteressada;
melhor é a firm ar que o interêsse se diferencia no sentimento estético e
no sentimento comum. Também no estético ocorre o interêsse, tanto que
Platão descreve amplamente o entusiasmo que o belo provoca e o afirm a
com fundam ento nos fatos.
É preciso mostrar porque ocorre uma diferença nos dois sen­
timentos de interêsse. Sem mostrar onde ocorre a diferença dos interêsses,
não teremos passado de uma descrição exterior; teríamos verificado apenas
o fa to , sem mostrar a razão. Para argum entar simplesmente com o
fato, é suficiente mostrar como efetivam ente ocorre a diferenciação. Mos­
tra-se por exemplo como um a g ricu lto r contem pla sua plantação com
uma satisfação que se exerce acom panhada de um interêsse marcado
pela previsão dos futuros rendimentos, ao passo que o esteta adm ira na
mesma seara um objeto de contem plação desinteressada.

O que efetivam ente ocorre não é uma ausência de interêsse


na contem plação do belo, mas uma diferença de índole no interêsse.
Esta diferenciação decorre diretam ente da mesma diferença que separa
os dois tipos de sentimento, o estético e o comum. É que, diferenciados
especificamente, suas propriedades também o haveriam de ser; mas, de
outra parte, situando-se no mesmo gênero, espera-se que as propriedades,
embora específicas, reencontrem contudo aproxim ação no plano genérico.
O interêsse portanto se ve rifica ria no mesmo gênero; em ambos os casos
haveria interêsse, mas, diferenciados especificamente.

45. — Contrariam os, por conseguinte, alguns aspectos a fir­


mados com insistência pelos românticos em geral, de que o belo é sem
interêsse.
Também no belo se verifica o interêsse, porque a vontade o
aprecia em fa vo r da inteligência, como seu bem; não pode exercer-se
o bem, senão em benefício. . . O belo enquanto buscado pela vontade
e por esta ava lia d o como objeto p ró p rio e eminentemente adequado à
contem plação inteletual, comparece por isso mesmo como alg o benéfico e
muito apreciável.
Mas, o mesmo belo enquanto ingressa pela faculdade do in ­
teleto não se apresenta ali, ao inteleto, como bem, mas como ve rd a d e . . .
44

Por isso, o belo se constitui como a lg o de teorético antes de tudo. E só


nisto alcança uma diferença com os objetos que a vontade deseja a
benefício dos seres comuns. Em desejando o alim ento p ara o corpo, êste
objeto se apresenta ao corpo sob um ponto de vista ontológico, real,
concreto; nunca porém o corpo receberia no alim ento o ponto de vista
teorético, e nem disto poderia capacitar-se.

U ltrapassada a questão dialética, fiquemos só no interêsse es­


pecífico que se observa na contem plação estética. Eis a li a lg o que
enobrece os sentimentos que o belo nos proporciona. Antes de tudo
teorética, a inteligência se ocupa em ver, descobrir, penetrar. O ra pe­
netrando como a luz nos cristais, ora deslizando pelas superfícies, por
tôda a parte busca especialmente as perfeições. Sem pa ra r, seguindo
por tôdas as veredas, visitando infindas paragens, e tendo como com­
panheira a vontade, a inteligência proporciona a sua am iga os senti­
mentos de satisfação que o belo produz. A sublim idade do sentimento
estético faz com que a vontade o p re fira àqueles outros modos de sentir
que se realizam fo ra dos círculos da especulação.

A POSIÇÃO DE KANT SÔBRE O DESINTERÊSSE

46. — Com um sentido muito especial e inteiram ente técnico


afirm ou Emanuel Kant constituir-se o belo em alg o "sem interêsse"; não
é no sentido kantiano que se usa a expressão "sem interêsse" ao se
a firm a r que um sentimento estético, como o do poeta ao estender sua
vista sôbre a seara, se exerce sem interêsse. Por isso, ao contrariarmos
àqueles que diziam ser o belo "sem interêsse", não nos opusemos ainda
ao filósofo de Koenigsberg. A o a firm a r que o belo é sem interêsse
cogitava na constituição do objeto e não no sentimento estético. A
constituição de um objeto pode ser considerada em relação às suas notas
constitutivas, como quem diz que o homem se compõe de a n im alidade e
racionalidade; eis o que Kant denom inava "o b je to ", e onde poderia
ocorrer "interêsse", porque a li se tra ta de construir a re a lid a d e consti­
tutiva. Esta mesma re a lidade, sob um outro ponto de vista, pode rea-
liznr-so com maior ou menor grau de perfeição; um modêlo, a "espécie
hum ana", por exem plo, serve de exem plar, em função ao qual o objeto
".o dirá porfoito, ou im perfeito; ela resulta em uma determ inação de beleza.
45

O ra, afirm a Kant, dizer que alg o é belo, não é d e fin ir sôbre o objeto,
nuts sôbre o seu acabam ento; portanto, o belo não se define como objeto;
11<10 é um conceito de objeto; não é algo que diz interesse (do objeto) mas
. onsidera o objeto como um todo acabado na ordem constitutiva do objeto,
I ira dêle afirm a r apenas algo em função à sua "fin a lid a d e fo rm a l",
ou sua espécie a realizar.
Como d a li se depreende, a afirm ação kantiana de que o belo
ó sem interêsse, se situa em um plano inteiramente diverso daquele em
que nos colocamos ao afiançar que o sentimento estético surge como
aquietação da vontade em um interêsse muito especial exercido polo
inteleto enquanto contem pla o belo como verdade que lhe convém de
modo eminente.

47. — Enquanto Emanuel Kant via que o belo se mostrava s


interêsse na parte constitutiva, não anteviu contudo um outro interêsse
muito especial que institui o belo como de interêsse contem plativo do in­
teleto, com repercussão no apetite. O sentimento estético e o prazer
comum, divergindo em bora na espécie, mas não no gênero, poderiam
pois situar-se na mesma faculdade. Como não o percebesse Kant, criou
para o sentimento estético uma fa cu ld d a d e inteiram ente nova, " a fa ­
culdade do sentim ento"; situar-se-ia o a g ra d o resultante do interêsse, na
faculdade volitiva; o estético pôr-se-ia inteiram ente em separado, na mui
específica faculdade do sentimento. A divisão destas duas faculdades já
vinha de Tetens; recebia agora sua consagração no sistema kantiano.
Todavia é inútil a insistência nesta divisão. Interpretando a
esteticidade como um interêsse de ordem muito especial, distinguindo-a do
interêsse comum, sem to d a via desfazer o interêsse, não ocorre necessidad )
de apêlo a novas faculdades. Como o inteleto se capacita para opera
ções mui diversas, como a criação de idéias, juízos e raciocínios, também
a vontade opera em campos mui diversificados, sem com isso se der.
m antelar em fam ília de novas faculdades. E' que a diferenciação dos
objetos, que ocorre, no plano da espécie, não atinge o gênero. Kant
viu apenas as diferenciações e por isso dissociou as faculdades da
volição e do sentimento. Entretanto, é inegável que também a vontado
aprecia o belo como um bem da inteligência; semelhante apreciação in
corre em um sentimento muito especial e que se identifica com o quo
se denomina sentimento estético.
46

E' uma característica aristotélica não subdividir ao extremo


as faculdades. No plano racional uma só é a inteligência e diversas as
suas operações, tendo tôdas por objeto comum a verdade. Em Kant,
poróm, ocorrem nesta área três faculdades: o entendimento, o Juízo,
a razão (pura e prática). N o plano vo litivo e afetivo tam bém reduz
Aristóteles tôdas as funções a uma só faculdade, a volitiva, em cuja
aquietação consiste o sentimento. Kant, porém, subdivide a vontade e
o sentimento em duas faculdades inteiram ente específicas.

N ão promoveu Aristóteles a redução do sentimento estético


à aquietação ape titiva ; entretanto, um desenvolvimento intrínseco do es­
pírito de sistema, conduz a isto. E então parece-nos que o sentimento
estético surge no momento em que a vontade se aquieta na apreciação
da verdade como objeto da inteligência; nesta apreciação teria o p ri­
meiro lugar a beleza, como o objeto preferido.

O ENTUSIASMO E O DELÍRIO ESTÉTICO

48. — A esteticidade do belo se apresenta com a p ro priedade


de uma notória fôrça de sentim entalidade, que chega ao entusiasmo e ao
delírio, como já assevera Platão. O entusiasmo estético pode ser consi­
derado simplesmente; e ainda poderia neste entusiasmo ser considerado
o mais intensivo dos sentimentos. Estamos aqui atentos a uma conside­
ração p aralela que^já fizemos com a teoreticidade do belo, que, enquanto
desperta a curiosidade, pôde ser considerada simplesmente e como a
m aior delas.

49. — De maneira geral, considerando o sentimento estético


?implesmente, não resta dúvida que êle se desenvolve às vêzes até chegar
ao entusiasmo.
Os amantes do belo se emocionam diante da natureza e ficam
encantados diante da beleza que nela reluz.
O belo tem sido uma g rande fô rça motriz na arte. A íinura
(' o bom gôsto influenciam notàvelmente o modo de vestir e o compor-
lum onto social. A fim de criar o belo em si mesmas, as mulheres mantêm
uma grande indústria internacional de cosméticos e outros expedientes.
ViMdado ó que também a vaidade e o interêsse de a tra ir atenção se
47

constituem como móveis igualm ente poderosos; mas, não deixa o en-
luslasmo pelo belo de ser uma das fôrças atuantes dêste grande carro
tio instrumentos criadores da beleza. Certamente o desejo de cria r a
I nloza é o mais nobre dos corcéis a puxar neste carro; se fôsse o único,
fariam as mulheres inteiram ente justificadas.

50. — Sob o ponto de vista da intensidade, o belo atra i


tortam ente com mais poder do que numerosos objetos; entretanto é
cJlfícil afiançar que seja o mais poderoso. Platão fa la dos que, em vendo
• . corpos belos, não ultrapassam o círculo da beleza singular; em vez
• Io subirem para o belo absoluto, derivam p a ra a matéria em que a
boloza inere. Os detalhes do comportamento estético constituem material
difícil para a estética psicológica. Q uando predom ina o sentimento
- "itótico? Q uando não?

Em geral, no prim eiro instante perdom ina o sentimento sen­


sitivo e só ato contínuo ganha lugar o sentimento racional. Esta cir-
( unstância não deriva da in fe rio rid a d e do objeto da beleza; deve-se a
uma situação de lim itação a n tro p o ló g ica ; os sentidos alcançam os ob-
|Otos intuitivam ente, portanto com um máximo de "com preensão" e pre­
cisão, e por isso se exercem com mais poder; o inteleto atinge m aior ex-
tonsão, mas um mínimo de "com preensão". Dali vem que se requer um
osfôrço recuperatório com o fim de repor a ordem das prioridades. O
bolo, sob o ponto de vista preciso de sua noção, é uma nota alcançada
tiponas pelo inteleto; por isso, no prim eiro instante, não se pode fa ze r
sontir com a mesma sentim entalidade que o afeto inferior. Conclusão:
o ontusiasmo estético não é o mais poderoso dos sentimentos, embora
virtualm ente seu objeto tenha conteúdo para tanto, conteúdo êste que,
onfrotanto, não nos é fa cu lta d o a tin g ir integralm ente. N a escala dos
valores "'d e todos os entusiasmos, êste é o m e lhor" (Platão), mas não
o mais intenso estèticamente, na ordem atual.

51. — Em poesia notável, escreveu Platão, uma página sôbre


a oscilante form ação do sentimento estético. Lida com o perfeito conhe­
cimento das circunstâncias do contexto filosófico do platonismo, a des­
crição nos entusiasma. Chamamos a esta página de poética, porque,
(lopois do so im aginar escultòricamente, na im aginação, as idéias que
expõe, coloca estas figuras om movimento, sem que elas percam, no

4 — T. do D.
48

avançar da a le g oria , o que devem exprim ir: a inclinação oscilante e


esforçada do inteleto na contem plação da beleza, a começar do belo
sensível. Imaginando-se escultòricamente a inclinação da alma para a
contem plação e apreciação afetiva do belo, mantém a fig u ra alegórica
até o fim, explicando em imagens sensíveis afirm ações abstratas. "C h e ­
gamos à quarta espécie de delírio: é quando alguém neste mundo vê
beleza. Recorda-se então da beleza verd a d e ira ; recebe asas e deseja
voar para o a lto; não o podendo, porém, d irig e o olh a r para cima es­
quecendo os negócios terrenos dando, desta maneira, a impressão de
delirante. De todos os entusiasmos êste é o melhor e o da mais perfeita
origem ; saudável para quem o possui e dêle participa. Quem é atin g ido
por êste delírio ama o que é belo e chama-se amante.
Como já disse, a alm a humana, dada a sua p rópria natureza,
contemplou o ser verdadeiro. De outro modo nunca poderia e ntrar num
corpo humano. Mas as lembranças desta contem plação não se acordam
em tôdas as almas com a mesma fa cilid a d e . Uma apenas entreviu o
Ser verdadeiro; outra, após a sua queda, foi im pelida pela injustiça e
esqueceu os mistérios sagrados que um dia contemplou. Portanto, são
poucas as almas cuja recordação é bastante c la ra . . . (i)
Q uanto à beleza, ela brilhava entre tôdas aquelas Idéias Puras
e na nossa estada na terra ela ainda ofusca, com o seu brilho, tôdas
as outras coisas. A visão é ainda o mais sutil de todos os nossos sentidos.
Mas não poderia perceber a sabedoria. Despertaria amores veementes
se oferecesse uma imagem tã o clara e distinta quanto aquelas que po­
díamos contem plar para além do céu. Sòmente a beleza tem esta ven­
tura de ser a coisa mais perceptível e enlevadora. Aquêle que não fo i
recentemente iniciado ou que se corrompeu, não se alça com a rd o r para

1. A q u i é nece ssário te r p resente a c o n te x tu ra d o p e n s a m e n to g n o s e o ló g ic o de P la tã o ,


q 10 su p u n h a serem as id é ia s u n iv e rs a is a p ro p ó s ito d e conceitos a b s o lu to s , com o o belo,,
usatris. A o verm o s um o b je to sensível, a id é ia a b s o lu ta d e s p e rta ria aos pou cos, com o um a
<•r.pocio cie re m in is c ê n c ia . Im a g in a -s e qu e , a o verm o s um c c rp o b e lo , a o m esm o te m p o
quo co n te m p la m o s a b e le z a fís ic a , su rg e em nós a id é ia d e beleza com o t a l. Para
A ris tó te le s , a o verm o s o b e lo fís ic o sensível, a m ente, p o r o b ra de a b s tra ç ã o , passa d o
I c io s in g u la r a o b e lo a b s o lu to . A m b o s os filó s o fo s passam d o s in g u la r p a ra o u n iv e rs a l;
C< M ic id c m na d in â m ic a ; d iv e rg e m a p e n a s na e x p lic a ç ã o m e ta fís ic a . A a b s tra ç ã o é c o n -
M d o ra d a um c s fô rç o pe s a d o , p o r A r is tó te le s ; ta m b é m P la tã o c onsidera d ifí c il a rem iniscê ncia,-
i i/a in e n to co in cid e m . Eis p o rq u e a a le g o ria p la tô n ic a serve p a ra am bos os tip o s gr.o -
M’ o ló g ic o s . P la tã o a in d a a d u z q u e os in d iv íd u o s excessivam ente c a rn a is a o ve re m a beleza
fio um c o rp o h u m a n o se retê m cip onas na bele z a fís ic a sensível, in capazes de s u b ir à
b n lo za a b s o lu ta , com o fa z e m os o u tro s in d iv íd u o s e m b o ra com d ific u ld a d e . Encontram os
a q u i um a p á g in a p o é tic a sôbre a p s ic o lo g ia d o c o m p o rta m e n to es té tic o q u e , no p r im e ir o
in tlc in to d a v is ã o d o nu, sente o e m b a rg o d a p a ix ã o sensível; e, a to c o n tín u o , se re c u p e ra ,
p ro g rid o , s<> in te n s ific a o a lc a n ç a o e n tu s ia s m o d e lir a n te q u e a b e leza de um c o rp o hum ano-
p ro v o c o ©m um a c o n te m p la ç ã o p u ra .
49

(- além, para a beleza em si mesma. Apenas conhece o que aqui se


chama belo, e ao que vê não a dora. Como um quadrúpede, dedica-se
ao prazer sensual, tra ta n d o de unir-se sexualmente e de procriar filhos.
I .lando afeito à intemperança, não tem mêdo nem vergonha de se
entregar aos prazeres contra a natureza.

O que foi iniciado há pouco, e que outrora muito contemplou,


. ) ver um rosto divino, ou um corpo que bem reproduz a beleza, sente
m rta estranheza, e um pouco de emoção de outrora e volta, pois, a olhar
• ,1o belo corpo, a do ra-o do mesmo modo que a um Deus. E se tivesse
■ccoio de ser considerado monomaníaco, ofereceria sacrifícios ao obieto
do sou am or como a um Deus. Q uando contem pla o seu amor, apodera-
•.o do amante uma crise semelhante à febre,- modificam-se-lhe os traços
do rosto, o suor aparece em sua fronte e um calor não conhecido corre
I ' Ic»s suas veias. Logo que recebe, através dos olhos, a em anação da
I ciloza, seníe êsse doce calor que alimenta as asas da alma. Êsse
' ulor funde o que im pedia a expansão da vita lid a d e , aquilo que, sob
ti ação do endurecimento, im pedia a germ inação. O afluxo do a li­
mento produz uma espécie de intumescência, um ímpeto de crescimento
nu caule das asas. Êsse ímpeto vai se espalhar por tôda a alma.

Esta, quando as asas ccmeçam a desenvolver-se, ferve, infla


i 1re da mesma maneira como padecem as crianças que, ao receberem
novos dentes, sentem pruridos e irritação nas gengivas. Também a
alma fermenta, padece e sente dores, ao lhe crescerem as asas. Q uanto
nlcm pla a beleza de um belo objeto e daí provém corpúsculos que
dAlo saem e se separam — de onde se deriva a vaga de desejo (hímeros),
ii alma encontra então o a lívio para as dores e a alegria. Mas, quando
i .tá separada do amado, fenece. E as aberturas pelas quais saem as
ir ,, lambém murcham e, fechando-se, impedem a germ inação da asa,
q n i’, prôsa no interior juntamente com a vaga do desejo p a lp itan d o nas
■i i M eias, faz pressão em cada saída sem a b rir caminho. Dêste modo a
• lima tôda, atorm entada por todos os lados, sofre e padece, e no seu
iic n fü i não encontra mais repouso. Im pelida pela paixão, ela se lança
• i procura da beleza. Q uando a eevê ou encontra de nôvo, reabrem-se-lhe
poros. A alm a respira novamente e já então não sente o aguilhão
il i doe o goza, nesses poucos instantes, da mais deliciosa volúpia. Por
•" t rujo a abandona voluntàriam ente. N ada tem mais valor para ela
•I" t|uo a beleza. Esquece mãe, irmãos e todos os amigos. Nem se
50

preocupa com a fortuna p e rd id a , nem respeita as leis e os bons costumes;


o está a ser escravizada pelo am ado e ao seu lado dorme tão próxim o
quanto o perm itirem os outros. Ela adora a q u ilo que possui beleza, pois
nela encontrou o remédio às maiores doenças" (Fedro, 249 e — 252 a,
trad. Paleikat).

OUTRAS PROPRIEDADES DO BELO

52. — Apontam-se, ain d a, propriedades que o belo tem em


comum com tôdas as qualidades. Mostrou Aristóteles que as qualidades
apresentam como propriedades: 1) terem um seu contrário; 2) terem graus,
o mais e o menos, o crescimento e a dim inuição; 3) terem semelhança
e dissemelhança, peculiaridade que não exercem as outras categorias
de ser (Categorias 10 b 10 ss.). Dali resultam as questões do belo e
do feio (contrários), o mais e o menos, determ inando graus de beleza
(susceptibilidade de mais e de menos).

Entretanto, não nos ocupamos aqui das propriedades d ire ta ­


mente, mas instrumentalmente, enquanto nos podem conduzir à essência
do belo. Sobretudo, evitamos até aqui de nos introduzir na questão do
belo como qualid a d e . É que pretendemos fix a r as propriedades em si
isoladamente como fatos que se verificam ; delas vamos p ro g re d ir para
a essência, e que pretendemos que seja exatam ente a "q u a lid a d e ". As
propriedades acima indicadas se encontram em função à q u a lid a d e e não
exclusivamente do belo. No último capítulo retornaremos à questão
das propriedades, exaurindo, então, o tema.

§ 2.° CHEGADA À ESSÊNCIA DO BELO

53. — Conhecidas as propriedades de um objeto, sua essência


:.o faz sugerir quase de pronto, graças à fin u ra dos cálculos da razão.
Manifestando-se os sinais da aurora, a im aginação já vê o sol e seu
Imenso osplendor, apesar de ainda não se te r e rguido por sôbre a
penumbra do horizonte. A teoreticidade, a esteticidade e outras p ro ­
priedades quo as coisas belas apresentam, como que se entreabrem ,
deixa nd o coar a luz da essência do belo que fica por detrás. Mesmo
51

•■.nm a b rir os cortinados, a sugestão já acusa a essência como um sol


<|ue se manifesta por meio da aurora.
Vamos tentar a b rir. O palco é imenso. O enorme cinerama
não nos perm ite ver tudo de um só olhar. Seguimos, então, apreciando
por partes, sem contudo d iv id ir o assunto em matérias inteiramente dis­
tintas, porque todo o palco pertence ao belo como essência. Dali o
•oguimento dos itens: A) Do belo como qua lid a d e , determ inando a noção
geral de qualida d e e ao beio como uma q u a lid a d e muito especial, per-
íuição em realce; B) Nomes do belo, a p a rtir de uma evolução semântica,
que iniciou na noção de q u a lid a d e ; C) O belo como verdade on-
tológica em realce, em que se mostra a perfeição como um ajustamento
a um modêio arquétipo.

A) DO BELO COMO QUALIDADE

54. — Pensamos constituir-se a essência do belo como uma


qualidade que, portanto, determ inaria os objetos num sentido ornam ental
e aperfeiçoativo.
A tese que identifica o belo com a qu a lid a d e se esconde
subrepticiamente na base de todos aquêles autores que admitem o belo
como uma determ inação de algum modo nobilitante. O ra é exatam ente
próprio da q ualid a d e exercer uma função aperfeiçoativa. Nenhuma
outra determ inação visa diretam ente a perfeição do ser, como é fácil
de ver observando sob o seu ponto de vista p ró p rio a quantidade, a
rolação, o tempo, o lugar, e t c . . . . O ra, nada disto parecem a firm a r
a propósito do belo. E assim a essência do belo para todos se reduz
fundam entalm ente ao plano da qualidade. O que resta fa ze r é dar
precisão a semelhante noção.
Neste sentido fixarem os a noção geral de q u alidade e clas­
sificaremos os diversos gêneros de qualidades, até prender em um dêles
« belo. Feito isto, chegaremos a id e n tificar o belo como perfeição em
roalce.

NOÇÃO GERAL DE QUALIDADE

55. — A q u a lidade é uma determ inação no círculo da essência;


não coincide com a essência, mas a determina fazendo-a constituir-se
como uma ta l, ou qual outra essência.
52

Encontra-se a qualid a d e , corno determ inação da essência, no


mesmo plano da res (coisa, algo). Usando esta outra expressão, en­
contramos em Aristóteles uma descrição da q ualidade: "Denom ino
q u alid ade (poiótes) a q uilo em virtude de que a lg o se diz tal (poión)"
Arist., Categorias 8 b 25).

A propósito se nos apresenta inicialm ente a d u a lid a d e dos


elementos, o determ inador que q ualifica e o elemento determ inado pela
qualificação; em seguida observamos que caminhamos da form a concreta
da qualidade , para o conhecimento de sua form a abstrata; alcançando
precisão, notamos que a determ inação se processa to rnando a essência
uma tal, ou qual essência; depois disto averiguam os que esta determ inação
é de ordem aperfeiçoativa, acrescentamento expresso que as demais ca­
tegorias do ser não indicam diretam ente.

A noção de q u a lid a d e oferece, como já se vê, uma notória


variedade de conhecimentos novos sôbre o ser. A m ultiplicidade de tudo
o que se refere à q u a lid a d e não nos apavora, porque exatam ente são
as qualidades a q u ilo que n o b ilita o ser e o torna uma curiosidade.
O belo, a curiosidade p re fe rid a dos homens, floresce em meio à ve­
getação abundante das m últiplas qualidades em que o ser se desdobra
e se m ultiplica.

56. — N ão coincidindo com a essência, mas a determ inand


a qu alid a d e cria uma dua lid a d e , entre form a que determ ina e sujeito
determ inado.
Numa essência composta de m atéria e form a, a q u a lid a d e
atua do lado da form a. A form a simplesmente considerada ainda não
6 a qualidade,- porém, a form a, enquanto determina a m atéria, eis
o aspecto sob o qual se exerce como qua lid a d e . Nas composições de
gênero e diferença específica, a qu a lid a d e é a diferença específica en­
quanto determina o gênero. Assim, com esta precisão, a racionalidade,
ao mesmo tempo que é diferença específica, se estabelece como quali-
clad©.
Em uma essência simples, como é o espírito, a q u a lidade
dutorm ina a essência isoladamente. O corre nas essências simples uma
m ultiplicação transcendental das partes, como a que distingue entre a
M jlr.lâncla o cis faculdades do entendimento e da vontade. A li se
' -orc.0 claram onfo a ação determ inadora da q u a lid a d e a p a rtir das
53

rinas indicadoras de acrescimento e perfeição. Assim, a inteligência


r uma qualida d e do homem; do mesmo modo, é q u a lid a d e humana, o
livro a rb ítrio de seus atos.

Numa ordem inteiram ente transcendental em que não ocorre


•‘ •quer a composição de essência e existência, no sentido de junção ex-
'nnseca, resta ainda a composição com fundam ento in re. A pessoa
Deus se q u a lifica por obra de sua natureza.

Extendida a q u a lid a d e em tôdas as direções do ser, infere-se


<|un, por todos os caminhos da realidade, poderemos andar e inquirir
11 beleza.

57 — Distinguindo entre sujeito determ inado pela q u alidade


'■ a forma que q u a lifica , uma nova subtileza divide a qualidade em
■uncreta e abstrata. Ao considerarmos o todo, sujeito e form a, temos
ema qua lidade concreta. Tomando em separado apenas a form a, te­
mos uma qualidade abstrata.

Por definição, o concreto conota a form a determ inadora ao


• ijoito. Une a matéria e a form a, afirm ando-os pela to ta lid a d e . Se
irjo, a flo r é branca, associei a form a da q u a lid a d e brancura ao sujeito
>;uo, como matéria, se determina pela brancura.

O abstrato considera uma form a isoladamente, esquecido o


sujeito ao qual determina e no qual inere. A brancura é uma indicação
abstrata da qua lid a d e que na ordem concreta fa z o branco.
Ocorrem têrmos cuja form a gram atical não prevê m odificação capaz de
<iislinguir o abstrato e o concreto; valemo-nos então do contexto. Tal su-
• odo com azul, como em a flo r azul, o azul das flôres.

As distinções entre sujeito e form a, entre forma em concreto


lorm a em abstrato, permitem as descrições, chamadas impropriam ente
r definições, da qualidade. N ão chegam a se constituir como definições,
[ rque estas indicam gênero e espécie; ora não há diferenças específicas
" indicar nos gêneros supremos, visto que são simples. Mas estas noções
d Imllom ser indicadas ora da form a para o sujeito, ora da forma abs-
Mala para a concreta. N ão há, então, uma definição, mas desdobra-
ii " iilo montai progressivo, que anda de um ponto ao outro sôbre aspectos
'| i '0 alcança em sopcirado e progressivamente. N ão ocorre, portanto,
• i tautologla.
54

Sob o ponto de vista m etodológico progredim os do determ inado


ao indeterm inado, do concreto ao abstrato.

A progressão do determ inado ao indeterm inado se vê na


descrição que p rogride da form a para o sujeito. Assim, começamos
dizendo que o belo (forma) é a q u ilo que está na flo r, nos cristais, nas
côres, e t c . . . (que são os sujeitos aos quais a form a se a trib u i). Desta
maneira principiam os a descobrir as propriedades, como a teoreticidade
c a esteticidade do belo.

A outra espécie de descrição p rogride da form a concreta para


a abstrata. Por êste caminho vamos até ao fim . Conhecemos um belo
concreto (forma concreta) do qua! passamos ao belo em g e ra l (forma
abstrata).
Assim, tam bém, a q u a lid a d e , como gênero supremo, se des­
creve a p a rtir de uma form a concreta, o quale (poión); a p a rtir dêste
so indica a qualid a d e simplesmente (forma abstrata). Eis por onde veio
Aristóteles, ao d e fin ir que a q u a lid a d e é a q u ilo em virtude de que a lg o
so d iz ta l. Recordando que do concreto caminhamos ao abstrato, ci­
tamos um comentarista alem ão de Aristóteles, justificando o procedim ento
do autor do O rganon: "q u ia concretum nobis est notius" (Pacius, I, 62
nota a).

58 — A circunstância de a q u a lid a d e determ inar uma essên­


cia em a tornando uma ta l, ou qual espécie de essência, constitui a lg o
do muito expressivo. Depois da substância, nenhuma categoria alcança
tão profundam ente a natureza das coisas. Exatamente nesta q u a lifi­
cação da essência, constitui-se a natureza da q ualidade. E por esta
razão se distingue diretam ente das demais categorias.

Observamos que tam bém as outras categorias, ou predica-


montos do ser, exercem determinações. Mas estas outras determinações
como as de quantidade, tem po, lugar, etc., não indicam form alm ente
uma alteração. Somente a q u a lid a d e indica diretam ente alteração, de
r.orta a, com alterações, m odificar a essência, tornando-a ta l, ou qual.

Tôda a vez, porém, que as outras categorias nos parecem mos-


tra r altorações, devemos distinguir: de fa to ocorreram tais alterações, mas
ao mesmo tom po que ditas categorias se exerceram diretam ente nas outras
«lotorminaçõos quo lhes cabiam . Exerceram tais categorias as determ i­
55

nações que lhes eram próprias a tu a lizar, ao mesmo tempo que resultaram
em mais outras determinações, que ficam sendo da q u a lid a d e ...

N ão existem qualidades isoladas; elas acompanham as demais


categorias ou diretam ente o ser. Dentro de cada categoria, além da
respectiva categoria, surge ao mesmo tem po a da qualidade. N ão se
confunde a qualid a d e , com as suas companheiras, mas penetra a seu
modo.
É, pois, exato dizer: a extensão dos corpos. . . e a q u a lid a d e
dos corpos se constituírem como extensos. Uma coisa é a extensão como
categoria, outra como qualid a d e . Enquanto as partes se ordenam como
extensão, se dizem determ inadas segundo a categoria da quantidade,-
mas, enquanto as partes se ordenam proporcionalm ente a uma essênciar
se denominam segundo a q ualidade.

A penetração da q u a lid a d e por tôdas as categorias, em bora


a sua m aneira, vem mostrar a índole difusiva da qualidade, bem como
a possibilidade de uma classificação m aterial das mesmas a p a rtir das
próprias categorias. Eis um detalhe que deixamos para o capítulo que
ingressar nas últimas precisões da essência do b elo. . .

N ão é próprio apenas da qu a lid a d e a interpenetração das ca­


tegorias. O mesmo ocorre com a da relação, pois temos relações de
qualida de (como as de semelhança) e relações de quantidade (como as
de igualdade). Mas nenhuma categoria parece interpenetrar tanto, q uanto
a qualidade.

A p a rtir da q u a lid a d e se denominam geralm ente as coisas; esta


peculiaridade vem ilustrar a descrição da q u a lid a d e como um q u a le . ..
Exatamente é em virtude da q u a lid a d e que os seres se diferenciam ;
então, uma irrad ia çã o semântica conduz o nome da q u a lid a d e para
o do mesmo objeto portador. Observou-o já mui subtilmente Aristóteles:
"N a m aior parte dos casos, e mesmo quase sempre, o nome das coisas
qualificadas é derivado da q u a lid a d e " (Categ. 10 a 30).

59 — Da natureza da q u a lid a d e decorre im portante e e x ­


pressiva propried a d e ; ao mesmo tem po que alte ra , a propriedade acres­
centa, enobrece, aperfeiçoa. Vê-se isto muito claramente no belo, que
‘.urgo por tôda a parte como uma alteração, mas também como o rn a ­
mento.
56

As outras categorias não exprimem diretam ente, nem alteração,


como tôda a qualidade, nem aperfeiçoam ento.

Que faz a relação? Que dá o tempo? Que acresce a paixão?


lalvez o hábito, porque diz possuir, nos dê algo? Diretamente, tôdas
ostas categorias sempre dizem outra coisa. E o que por ventura sig­
nificar alteração e aperfeiçoam ento, se a rro la imediatam ente como q u a ­
lidade.
A substância diz apenas a determ inação de inerir em si como
om seu sujeito; exprim e, pois, apenas indiretam ente a q u a lid a d e aperfei-
Çoativa, e então já não é indicada pela substância, mas pela categoria
que diz q uale. . . A quantidade extende as partes. . . A relação orienta
para o e xte rior. . . O lugar resulta da determ inação de continente e
c o n te ú d o ... A situação diz a respeito das partes de um objeto em
tolação às partes de o u t r o . . . O tem po se refere a uma circunstância
do presente em relação ao que já não existe e ao que pode surgir. . .
Ação e pa ixão resultam como situações em que incorre quem agiu ou
padeceu a ç ã o .. . H ábito se constitui como a determ inação conseqüente
ca o sujeito possuir alg o como seu instrumento, ou como possse, ou
como tê-lo a seu lado, como o Brasil tem ao sul o Uruguai.

O ra, tôdas estas determinações, diretam ente não afirm am a l­


teração e aperfeiçoam ento. Como tais, não qualificam , pois, a essência.
M is, sob algum outro ponto de vista, tôdas elas incorrem em q u a lifi-
( adoras, e então se dizem qualidades.

60 — Q uando a q u a lid a d e adm ite um seu contrário, a noção


aporfeiçoativa tem como correspondente uma q u a lid a d e depreciativa,
i omo ocorre entre o belo e o feio. Mas, quando não ocorre o contrário,
a noção q u alifica tiva se exerce só numa direção como se observa no
v( rde no am arelo, no azul, que não têm contrário.

N ão é exclusivo da q u a lid a d e te r o seu contrário, porque


lam l)i:m a categoria da quantidade se exerce por meio de contrários,
< rno quando se diz grande e pequeno; mas, somente na qu a lid a d e os
■ntrúricr. d ije m expressamente perfeição cu im perfeição. A qui nos
i ncontramos a caminho, através de uma p ro priedade do belo, de o
<tplorm!nar na catogoria da q ualidade, É que, conforme já mostramos
anteriorm ente, o belo apresenta uma teoreticidade de notória preferi-
57

bilida de; esta p re fe rib ilid a d e se firm a exatam ente na maior expressão do
belo entre os objetos que se mostram à contem plação da mente.
A qu a lid a d e indica diretam ente que o sujeito q u a lifica d o
recebeu algo. Por isso, até a diferença essencial de uma coisa se diz
predicar na ordem da q u a lid a d e ; enquanto determina e contrai o gênero,
acresce algo, resultando d a li a constituição de uma nova composição;
portanto, a qu a lid a d e form a e qua lifica , operando por acréscimo; por­
tanto, é também aperfeiçoativa na form ação e na q ualificação dos
acidentes. Dividam-se, em bora, as qualidades em essenciais e em aci-
centais, conforme determinam essências ou acidentes, fundam entalm ente
o motivo que faz ser q u a lid a d e é o mesmo: determ inar por acréscimo,
portanto em ordem ao aperfeiçoam ento, à nobilitação, ao realce (Cf.
J. de S. Tomaz, Cursus phiiosophicus 1, 609 b).

CLASSIFICAÇÃO DAS QUALIDADES

61 — Determinou Aristóteles diferentes espécies de qualidades


e assim inaugurou uma prim eira classificação, que ainda prevalece, apesar
de outras tentativas ou de simples reformulações como a de Duns Scotus.
A divisão aristotélica, sem prejuízo do esquema, poderá ser conduzida
a uma explicação sempre mais subtil e a aplicações proveitosas como
a que agora preparam os a propósito do belo. "Um a prim eira espécie
de q ua lid a d e pode ser denom inada estado e disposição. O estado difere
da disposição nisto que tem mais duração e e sta b ilid a d e " (Categ. 8. 8. b
27). Tem-se dito também hábito em vez de estado; o problem a da te r­
m inologia o devemos d e ixa r por conta do contexto quando o vocábulo
em si mesmo fô r oscilante. N ão se deve entender aqui o "h á b ito ", como
na categoria chamada do "h á b ito ", no sentido de " te r", como quem está
arm ado, ou vestido, ou rico de bens porque os tem. A gora o têrmo
surge no sentido de qua lid a d e , como em hábito m oral, que é um estado
de com portam ento, ou como em graça, perfeição, beleza.

Tem insistido Aristóteles em distinguir entre si estado e dispo­


sição, e muito pouco em enunciar o sentido que tem em comum contra as
outras três espécies de qualidades. Poderíamos mesmo a d o ta r um só
dos lôrrnos, para depois subdividi-los pela adjetivação,- teríamos então,
< tado "d ificilm e n te m óvel" (estado estabilizado) e estado "facilm ente
58

m óvel" (estado instável). Ou então, disposição dificilm ente móvel e dis­


posição fàcilm ente móvel. A irra d ia çã o semântica tudo nos permite.

62 — O que a gora mais nos deve preocupar é o denom inado


comum ocorrido nas qualidades que dizem estado e disposição. Tomaz
de A quino reforça a distinção entre ambos; Duns Scotus a considera
apenas acidental. O que, entretanto, em prim eiro lugar nos parece dever
a tra ir nossa atenção, é um ponto de vista em que, em comum, estado
e disposição, se distinguem de todos os demais gêneros de qualidades.

Estado e a disposição afetam a q u a lid a d e sim pliciter (simples­


mente), sem q u a lqu e r consideração de ordem re la tiva , p ortanto em
absoluto. N ão se considera, sob êste ponto de vista absoluto da q u a li­
dade, uma relação a uma potência, a uma alteração recebida, a uma
quantidade, como ocorre com as outras qualidades. As determinações
de estado e de disposição se dizem, portanto, sob um ponto de vista
puro e simples,- afetam , ou não afetam a essência. Por isso, o pólo
oposto, o contrário, de semelhante q u a lid a d e sòmente poderá ser intei­
ramente negativo. Ou é belo, ou simplesmente não é belo,- portanto,
feio. Os graus do belo não se constituem como contrários,- são sempre be­
leza. O contrário é a inteira negação. Assim também ocorre com o bem;
o contrário é o mal, a inteiração negação. (Veja-se o capítulo sôbre as
formas e gêneros do belo.)

Enquanto as qualidades que dizem estado e disposição q u a ­


lificam a essência sim pliciter, as outras qualidades a qualificam secundum
quid, ou seja, sob certo ponto de vista. Logo adiante arrolarem os êstes
pontos de vista. Pretendemos a gora apenas insistir na necessidade de
distanciar em comum as restantes qualidades, a fim de que se possam
org a n iza r os gêneros subalternos orgânicam ente. João de Santo Tomaz,
sempre clarividente, ao não introduzir semelhante classificação, construiu
uma espécie de árvore p o rfiria n a com quatro gêneros subalternos ime­
diatos ao gênero supremo, o que nos parece entretanto inaceitável. "C o o r­
denação dos predicam ento da qua lid a d e . O gênero generalíssimo é
a qualidad e . Divide-se em quatro gêneros imediatos, que são hábitos
e disposição, potência e im potência, p a ixã o e q u a lid a d e passível, form a
e fig u ra " (Cursus phil. I, pág. 620 b).
A introdução de uma diferença entre a prim eira q u alidade
o as roslcintos trôs em comum, não parece discordar diretam ente de
59

Aristóteles, apesar de haver êste a rro la d o em seqüência contínua as


q uatro denominações. Com exceção da substância, não parece te r Aris­
tóteles pretendido ultim ar a organização dos gêneros subalternos das
categorias por êle estabelecidas.

O portunam ente ainda revelaremos que as qualidades que


dizem estado e situação podem transcender aos próprios quadros das
categorias, alcançando a posição dos transcendentais. Foram os trans­
cendentais notòriam ente examinados pelos grandes escolásticos; porém,
fa lto u mostrar uma conexão direta que o assunto exerce com o prim eiro
grupo de qualidades da lista apresentada por Aristóteles e nem se revelou
a ligação que tudo isto apresenta com a afirm ação kantiana de que o
belo se constitui de uma afirm ação sem objeto.

63 — As outras qualidades se dizem secundum quid,


atenção a um elemento como potência, alteração, quantidade.

a) Temos então potência e impotência, como modo a d q u irid o


por um ser considerado p o rta d o r de uma capacidade de a g ir; a q u a li­
dade não é a capacidade em si mesma de a gir, mas a situação resultante
em que incorre o ser que em função a ela se qualifica. Neste sentido
dizemos que alguém é fo rte , poderoso, á g il, bom lutador. É evidente
que o belo não o concebemos sob esta relação extrínseca de potência.

b) Num outro plano encontramos as qualidades que im p li­


cam em alteração, entendida a alteração como recebida à maneira do
paixão. Aqui se situam, quando as entendemos como qualidades, a
sonoridade, a doçura, a côr, a brancura, o frio , o calor. "Q u e tais
coisas sejam qualidades é claro, porque os seres são ditos de tal q u a ­
lidade em razão da sua presença nêles; assim o mel, pela circunstância
de que êle recebeu em si a doçura é denom inado doce, e o corpo ó
branco pelo fato que êle recebeu a brancura. O mesmo ocorro nos
outros casos'" lArist., Categ. 8. 8 b 31). Q uanto ao belo, não se q u a ­
lifica sob um ponto devista de passividade, como se se tivesse determ inado
na beleza em vista cie a lg o rocebido nôle.

c) — A última espécie do qu a lid a d e resulta da disposição


das partos do uma quantidade, razão porquo tais proprlodados so do
60

riominam form a (para as coisas artificiais) e fig u ra (para as coisas na­


turais). Dêsfe gênero são as propriedades como quem diz de uma
coisa que ela é curva, redonda, quad ra d a , ereta, po lid a , densa. N ão ue
enquadra certamente neste círculo a noção do belo.

64 — Os estados e disposições, como qualidades, se subes-


pecificam em entitativos e operativos; um ser se pode haver bem ou mal
om ordem ao seu ser meramente entitativo, como também ao seu ser
como princípio de operação; d a li resulta que ocorrem estados e dis­
posições entitativos e operativos.

O belo se situa no esquema dos hábitos entitativos, a tem pe­


rança, a forta le za , a arte no dos hábitos operativos. Subentende-se
aqui a arte como a q u a lid a d e de se exercer bem ou mal, e não o produto
resultante e nem seu conteúdo teorético. O artístico de que trate a f i ­
losofia da arte é apenas êste conteúdo teorético.

Tendo agora por objetivo de cifra r a natureza do belo, vamos


ater-nos à análise dos estados entitativos. Como afecções qualitativas,
os estados entitativos se dizem das coisas simplesmente enquanto se com­
portam como ser, sem referência ao que operam .

O ser plenam ente realizado segundo seu ideal de ser, se diz


perfeito ontològicam ente, ou seja entitativam ente. Realizado segundo seu
apetite ontológico, um ser se diz bom; portanto, também a bondade
ontitativa é uma q ualidade. E assim ainda um ser realizado segundo
seu medêlo ideal, se diz verdadeiro; é assim outrossim a verdade uma
q ualida de entitativa. A perfeição incide principalm ente na noção de
verdade, mas inclui em geral também a de bondade. Enfim, o ser
realçado dentro de sua graduação ontológica, ou e ntitativa, se diz
belo; a q u alid a d e do belo, constitui-se pela afecção que incide na es­
sência do ser, enquanto êste ser se realça em perfeição, particularm ente
sob o ponto de vista de sua realização ideal como verdade ontológica.

Sob o ponto de vista expresso do acrescentamento que uma


qu alidade exerce, as qualidades se dividem também em seus contrários;
são conhecidos os exemplos: bom e mau, ve rd a d e iro e falso, belo e
í('io. Esta divisão se processa, entretanto, a p a rtir de uma p ro priedade
o núo da ossôncia.
61

O BELO C O M O QUALIDADE QUE DETERMINA "SIMPLICITER"


A ESSÊNCIA

(DO BELO SEM OBJETO E SEM CONCEITO)

65 — O belo se configura como uma qualidade que determina


a essência sim pliciter. Reduz-se, portanto, à prim eira espécie de q u a ­
lidades: estado e disposição.

Neste sentido, a qu a lid a d e do belo se situa num plano absoluto,-


não se exerce com nenhuma consideração relativa, que fizesse a beleza
uma potência, como se fôsse a lg o como uma a g ilid a d e , uma energia, um
forte lutador (2.° gênero de qualidade). Nem se determina o belo como
uma alteração a d q u irid a , como sonoridade, doçura, côr, brancura, frio,
calor (3.° gênero de q ualidade). Nem se mostra como uma disposição
de quantidade, como nas formas das coisas artificiais; ou nas figuras
das coisas naturais (4.° gênero de q ualidade).

O belo se situa num plano absoluto, do ser simplesmen


(1.° gênero de q u a lid a d e ), que q u a lifica sem considerações a pontos
de vista como os indicados.
Mas, como sabemos isto? Exatamente, porque o belo a p re ­
senta propriedades que revelam uma tal situação essencial.

66 — As propriedades que determinam a essência "s im p li­


cite r" superam o plano das categorias e se erguem ao a ltip la n o dos
transcendentais do ser em geral. A qui alcançamos um dos encruzos
mais importantes que ocorrem nas veredas da filosofia. A diferença,
que vai entre a maneira de predicar as categorias e os transcendentais,
foi mostrada por Aristóteles, que tratou particularm ente das categorias,
foi depois desenvolvida pelos escolásticos, sobretudo no que se refero
aos transcendentais; por último, a seu modo, por Kant, ao situar, no plano
transcendental, o belo.

As categorias, ao se predicarem de um objeto, afirm am apenas


a si mesmas, sem incluírem nem im plicitam ente as restantes partos quo
ainda concorrem no todo. Por isso, entre si, as categorias so dividem
realmente, como camadas ostanquos. A substância nada diz da quantl
dado, nom osta a lg o da qualid a d e , e assim por dianfo,
62

Os transcendentais ao se afirm arem de um objeto, incluem na


sua afirm ação form alm ente, em bora im plicitam ente, as restantes noções
transcendentais. Assim, o ser im plicitam ente também afirm a o unum, o
verum, o bonum, a res, o a liq u id . Diante de tais circunstâncias, os trans­
cendentais não se dividem realmente entre si.

As categorias e os transcendentais, diferenciando-se íão fu n ­


damentalmente entre si, não poderiam comparecer de igual modo na
construção do objeto. Foi o que também viu Kant, a propósito do belo,
quando dizia que êste era "sem o b je to ", "sem conceito". Se tivesse
fa la d o em têrmos aristotélicos, teria d e cla ra d o que o belo era "sem
categorias". Neste p a rticu la r coincide com os clássicos que situam o
belo num plano acima das categorias, porque o colocam entre cs trans­
cendentais.

67 — Retirando, porém, o belo do plano das categorias, ao


situá-lo fora do mesmo, aristotélicos e kantianos coincidem exatam ente
neste outro plano. Pretendeu Kant que apenas as categorias se com­
portavam como constitutivas do objeto, ao passo que não as notas tra ­
zidas pela outra m odalidade de predicar. Concorda em a firm a r d ife ­
renças, mas não em precisá-las.

A firm a r que a lg o é verdadeiro, bom, belo não introduz e le ­


mentos de ordem constitutiva no objeto e que se distinguem realmente
entre si, de sorte a se estabelecerem como inteiram ente novas. Nista
concorda o aristotelismo. Os transcendentais supõem o objeto como um
todo já form ado na ordem das categorias. Dêste to d o se afirm am as
noções transcendentais. No caso do verum, o to d o é a firm a d o , depois de
uma com paração com um modêlo arquétipo. Mas se d ig o de um objeto
qun êle é doce, verde, frio afirm ei alg o de constitutivo em que cada nota
traz um elemento realmente distinto e o põe na constituição do objeto,
fam bém aqui concorda o aristotelismo.

As categorias de Kant que seriam constitutivas do objeto, se-


tiam tlozo. A rtificialm ente compostas, não resistem a uma análise subtil,
l i-lasi no plano da q uantidade, a realidade, a negação, a lim itação;
na do rolação, a substância e o acidente, a causa e o efeito, a comuni-
tlario; no de m odalidade, a possibilidade, a im possibilidado, a existência
n ci não oxistônda, a necossidcido o a contingência.
63

Em Aristóteles as categorias são dez e se apresentam de ma­


neira mais convincentemente constitutivas do objeto: substância, q u a n ti­
dade, qualida de , relação, tem po, situação, ação, paixão, hábito.
Q uer sejam aristotélicas quer kantianas, tôdas seriam apresen­
tadas pelos seus autores como constitutivas do objeto.
Para Kant não seria constitutivo do objeto tudo o mais. E
então devemos distinguir entre Kant e os aristotélicos. As coisas não
ocorrem exatam ente como parecia a Kant. Nas outras denominações,
como na do belo, apenas não se dá a mesma form a de constituir o objeto.
Portanto, nas afirmações não alcançadas pelas categorias, tam bém há
afirm ação de objeto, embora de outra m odalidade, a de índole transcen­
dental. Se nas categorias a afirm ação comparece como nota inteiram ente
nova e portanto eminentemente constitutiva, nas noções transcendentais
a nova nota comparece como explicitação de uma determ inação implícita.
Em qualquer hipótese, na im plícita e na explícita, tôda a nota sempre
é nota, sempre comparece como objeto a sua maneira.

68 — Por conseguinte acertou Kant ao estabelecer que a


maneira de o belo se p re d ica r do objeto não era a mesma das categorias.
Mas, não se manteve exato ao simplesmente negar que o belo nada
dizia do objeto constitutivamente. Também diz a beleza algum a de­
term inação, mas de outro modo, o transcendental. Tôda a noção trans­
cendental é uma determ inação do ser, em que êste incorre, exercendo-se
neste sentido, ora como coisa, ou res (essência), ora como o contrário
do nada (aliquid), ora como unidade de suas notas em um todo (unum),
ora como atendendo a um certo modêlo ideal a rquétipo (verum); e, então,
se com realce, o ser se diz perfeito e belo. Todo êste grupo de noções
afirm a efetivam ente a lg o do ser, a tribuindo-o a maneira de objeto, porém
de um modo que não é o categorial.
Faltou por muito tempo quem mostrasse a aproxim ação de
Kant com a teoria aristotélica dos transcendentais.
Revela-se, aqui, mais uma vez como é possível ocorrerem a p ro ­
ximações no campo das essências entre realistas e idealistas. Para Kanl
rais predicações sem objeto se faziam em virtude de uma form a aprio-
rística da faculdade do Juízo; para os aristotélicos, os modos transcen­
dentais, se constituem om detorminações roais do ser, e não apenas uma
afirm ação do p re d lca b ilid a d e muito especial o diferenciada das categorias

5 .... T. do D.
64

Esta divergência que ocorre no pla n o do a liq u id ou da existência não


influencia diretam ente a questão da essência, do plano da res.

69. — Alguns escolásticos, do grupo chamado progressista, têm


a dotado in totum o ponto de vista kantiano do belo sem conceito.
A firm a Pierre Rousselot S.J. (1875-1915) sôbre o belo. "O prazer que
o caracteriza não tende, como Kant anota justamente, a tal ou tal
nota percebida no objeto: porque a percepção estética como ta l não
ajunta nenhuma nova nota. Êle consiste numa consciência pelo menos
im plícita do jôgo harmonioso de nossas faculdades, que nos fa z como
que vib ra r em uníssono com o objeto, e nos instala, por assim dizer, em
sua essência" (P. Rousselot, A m our Spirituel et Synthèse A perceptive, em
Revue de Philosophie, 1910, Tb. in Marc. D ialectique pag. 239, Paris 1952)
O escolasticismo de Rousselot apresenta-se eclético e superfi­
cial. N ão poderia negar que o belo fôsse uma nota constitutiva no
plano dos transcendentais.

O BELO C O M O QUALIDADE ENTITATIVA

70. — Como sabemos que o belo se situa no plano das q ua­


lidades entitativos, não nas operativas? As propriedades notoriam ente
manifestas da teoreticidade e da esteticidade do belo nos impõem esta
inferência.
A o observarmos a beleza nas coisas em que se realiza con-
crotamente, nos situamos numa posição meramente contem plativa; não
atendemos a tais objetos enquanto se exercem como princípios de ope­
ração; o que nos fa z dizê-los belos não resulta da circunstância de ope-
rarom bem, ou mal. Existem mesmo aquelas coisas belas que nem sequer
agom, como as pedras preciosas, os coloridos nas paredes, as flôres do
prado, o azul do céu; enfim , configuram o-nos entidades imaginosas que
não existem, não comem, nem fiam , nem operam e que, contudo, cotv
sideramos belas. A teoreticidade do belo, afasta por conseguinte a
possibilidade de in terpretar o belo como uma q u a lid a d e operativa.

A mesma análise se consegue fa z e r a começar da esteticidade;


osla so constitui como um a g ra d o resultante da apreciação do belo en­
quanto um bom para a contem plação do inteleto. O ra, coisas que
65

operam não se apresentam belas simplesmente porque operam , mas


porque são tais seres; quanto aos produtos, êstes se nos apresentam
belos, não enquanto são efeitos de uma causa, porém pelo que êles
orn si mesmos mostram ser. O v a lo r de um cálculo que o ébrio faça,
independe da causa; é vá lid o por se constituir matemàticamente certo.
Assim tam bém, a obra de arte; é artística pelo seu poder de expressão
sensível e mensagem, e não por causa do artista; êste não participa do
conteúdo form al da obra, mas é apenas causa eficiente extrínseca. I-
gualmente ainda, as idéias exprimem o objeto por obra da relação de
semelhança e não pela origem.

Resulta, portanto, que o belo se constitui como q u a lidade en-


titativa. Estabelece-se, pois, como uma disposição ou situação que diz
determinar-se o ser, em que se encontra, bem ou mal, sob um ponto
de vista meramente entitativo, sem qualquer referência ao modo de
operar. Em assim sendo, o belo não poderia manifestar-se senão como
teorético e estético. Na ordem ontológica o precede a essência; na lógica,
a propriedade. Conduzindo-nos pela propriedade ingressamos na casa
da essência; agora que nos encontramos no seu recinto, compreendemos
o porque de certas propriedades.

O BELO C O M O PERFEIÇÃO EM REALCE

71. — As qualidades admitem um seu contrário. Como pre­


cisamente a noção q u a lid a d e se exerce por acrescentamento o
seu contrário se constitui como alg o a que se nega exatam ente êste
acréscimo; não se tra ta de uma graduação in fe rio r do acrescentamento,
mas de uma ausência to ta l e que ainda toma a direção inversa. A
qua lidade positiva, enquanto afirm a positivamente sua própria perfeição,
noga implicitam ente o seu contrário. Nas outras categorias o contrário
não se opõe no mesmo sentido; o grande e o pequeno, na categoria da
quantidade, se exercem como contrários, mas sem se eliminarem no mes­
mo sentido como os contrários na categoria da qualidade.

O contrário na noção de qualidade não é apenas a


ou:,Ancia, mas ausência de a lg o devido. O feio, como contrário do belo,
tino 'o constitui por conseguinte apenas por ausência do que o belo deveu
po suir por adição. Assim também o mal, como contrário do bem, se
66

constitui como ausência de um bem devido, e não sòmente por causa de


uma simples não presença. Isto ocorre assim porque, sendo a q u a lid a d e
uma positiva afirm ação do acrescentamento, o seu contrário sòmente
poderia resultar de uma ausência im plicitam ente a firm a d a pela q u a lid a d e
positiva.
O belo se define como o contrário do fe io , quando com esta
afirm ação cuidamos de situar o belo como uma q u a lid a d e , em que a
qu alidade significa expressamente um acréscimo, com a singularidade
ainda de poder elim inar o seu contrário. Enquanto a definição elimina
o seu contrário expressamente, afirm a indiretam ente a posição positiva.
Note-se, de acôrdo com o que acima afirm amos que o contrário na
noção de qua lid a d e não é apenas a ausência de uma q u a lid a d e ,
porém sua direta elim inação.
Mais completa se apresenta a definição que diz: o belo
so afirm a como qu a lid a d e positiva, cujo contrário é o feio. Esta descrição
6 semelhante à do ser descrito como aquilo existe em si mesmo e é o
contrário do nada.
A circunstância de uma q u a lid a d e possuir contrário, é uma
proprie dade ; porém, cada um dos contrários internam ente, se define co­
mo essência; assim, o belo tem a p ro priedade de possuir um contrário,
o feio; mas o mesmo belo, se estabelece como uma q u a lid a d e , cuja
essência procuramos determ inar p o r meio da propriedade. Q uando no
Ú ltim o capítulo voltarm os ao tratam ento das propriedades, já não cui­
daremos dos contrários como sendo cada uma certa q u a lid a d e ; mas os
contrários serão alegados apenas enquanto ter um contrário é exercer
umci certa propriedade.

72. — Os termos "p e rfe iç ã o " e "re a lc e " são específicos da


área da noção de qua lid a d e . Conform e já esclarecemos, a q u a lid a d e
a lo ta intrlnsecamente a essência numa direção aperfeiçoativa. Portanto,
a qu alid a d e não se diz senão em ordem à perfeição, quer seja para
a firm á -la , quer seja para negá-la, tal como se observa nos contrários
do bolo e feio, bom e mau, verdade e êrro.

Realce se constitui como um têrm o sim ilar, porque indica ex-


prrw am onte volume de determ inação q u a lita tiva ; contudo o nome se
rc trin g o a apenas um dos aspectos mais específicos, enquanto graus
mi| orloros •<> firm aram diante de inferiores; mas só refere a q u a lid a d e
67

da perfeição, mas ainda dá precisão a mais um detalhe. O portunam ente


insistiremos nestas precisões; a g o ra , pretendemos tã o só marcar as de­
nominações supra como específicas da área da qua lid a d e , especialmente
quando se trata da indicação dos contrários. Q uando, por conseguinte,
aproveitamos o têrmo "re a lc e " para de fin ir o belo, lembramos p rin cip a l­
mente sua índole de q ualidade, enquanto q u a lid a d e significa acrescenta-
mento, e o acrescentamento permite contrários, e o belo se situa na
direção positiva, oposta ao feio.

73. — Para determ inar o belo como perfeição em realce, pre­


cisamos pôr esta definição essencial em conexão com as propriedades
conhecidas da beleza.

a) Que natureza teriam as coisas belas, para terem a p ro ­


priedade teorética de nos prenderem tanto e com tam anha preferência o
intelecto?

A perspiciência mental logo constata que as coisas atraem o


inteleto quando são de uma perfeição realçada; onde ocorre relevância,
fulgor, brilho, elegância, esplendor, para ali se orientam imediatamente
as atenções dos olhos e dos ouvidos, particularm ente da inteligência.
Por que exato motivo? Por causa da grandeza do volume da perfeição,
portanto por causa da beleza interpretada como realce desta perfeição.
Variem embora os termos e as denominações, com que indicamos os mo­
tivos, o conteúdo mantém uma identidade de índole que lembra em
qualquer hipótese o realce da perfeição do objeto. Adiante e xp lica ­
remos que a noção de perfeição envolve a de ajuste com um modêlo
absoluto, o que é levar a noção de perfeição até uma explicação fin a l.

b) Que d iferenciaria o sentimento estético distinguindo-o dos


sentimentos chamados comuns? Os sentimentos se especificam pelo
objeto que os provoca; mesmo constituindo-se os sentimentos como p ro ­
cessos sem imagem e sem resíduo mental, mesmo ainda determinados
como a aquietação do apetite, um paralelism o entre as faculdades ccg-
noscitivas e as apetitivas, fa z com que os sentimentos se especifiquem
om última instância pelo objeto que o conhecimento introduz. Então
buscaremos a explicação da índole sui generis do sentimento estético em
um objoto muito específico.
63

A perspiciência mental agora bastante tensa, em virtude de


um quadro mais am plo ao qual precisa atender, constata que as coisas
produzem sentimento estético quando são de uma perfeição realçada.
Pola sua relevância, fu lg o r, brilho, elegância e esplendor, entram na
consideração da mente como objeto preferido; a vontade aprecia esta
situação e se aquieta num sentimento muito especial, distinto dos senti­
mentos provocados em outras circunstâncias, e que se denomina estético.
Identifica-se, portanto, o belo como constituído essencialmente como per-
íoição em realce, porque com tal índole sòmente produz o sentimento
estético.
Em conclusão, a teoreticidade e a esteticidade como p ro p rie ­
dades do belo, conduzindo à essência do mesmo, o identificam como
perfeição em realce. O método da prova se reduz apenas à verificação
dos nexos de relação ocorridos entre as propriedades e a essência.

74. — Observações persuasivas nos conduzem à mesma con­


clusão de que o belo se constitui como perfeição me realce.

a) Num prim eiro momento procuramos separar, entre mui­


tos objetos, aquêles que primam pela perfeição. Num segundo momento,
(ipós tê-los devolvido ao seu lugar escolhamos os objetos que se nos
apresentam belos, porque nos falam à inteligência e porque nos a g ra ­
dam, — Que resultou? — Uma coincidência, pelo menos aproxim ativa.
Nosta verificação, porém, o conceito de perfeição se deve a p lic a r em
todo o sentido a uma coisa e não apenas a uma de suas funções. Um
automóvel apenas em ordem à sua função de se mover poderia apre-
senlar-se perfeito sob êste ponto de vista isolado (secundum quid) e
ro n lu d o não o ser segundo a sua to ta lid a d e .

b) O artista em bora procure na obra a expressão sensível


do uma idéia, alia também no seu propósito a realização da beleza. Neste
Mintido afasta certas deficiências; enquanto assim procede, elim inando
defeitos, vivo a convicção de que o belo se constitui do realce da per-
fo lç ã o .

c) A moda é a aliança da arte e do belo. Com a fin a lid a d e


dn a tra ir a atonção, cria a moda detalhes inteiram ente novos; em des-
p o ita n d o a curlosldado, a tra i a atenção; neste p a rticu la r não im porta o
69

belo, porém a o rig in a lid a d e ; a criação resulta apenas em expressão sen­


sível de uma concepção que se acredita extravagante; por isso, reduz-se
a moda neste ponto à arte.

Além da o rig in a lid a d e , a moda procura afastar certas im­


perfeições e pôr em realce o perfeito. É o que diz respeito à perfeição
ou ao bom gôsto, despreocupando-se com o que é apenas o rig in a l. E
assim o belo, na moda, não se concentra na o rig in a lid a d e e sim no
apuro das formas de maneira que se na moda a lg o houver de se dizer
dotado de beleza, é a perfeição que se realça.

d) A im aginação, ao compor figurações imaginosas, tende


a criar construções perfeitas, que chamamos belas.

As transfigurações de que nos falam os Evangelhos, quer de


Cristo no Tabor, quer da vida futura, aliam a idéia do perfeito com o
belo.
A poesia que opera com a im aginação, criando figuras para
sugerir esculturalmente as idéias, inclina-se na direção elim inadora das
imperfeições, para a d q u irir imagens verdadeiram ente esplendorosas de
beleza. N a arte lite rá ria , em que a im aginação opera muito mais do
que na escultura e na pintura, vê-se mais ràpidam ente o belo em coisas
que na ordem real poucas vêzes o têm; é que a im aginação é trans­
form adora na direção do perfeito. Por isso, os poetas nos falam muito
mais de pressa dos chifres de certas figuras m itológicas, do sangue das
batalhas, das doenças debilitantes, que os pintores nas suas telas de
formas mui escolhidas e os escultores em suas estátuas de volumes bem
calculados. A im aginação desfaz com rapidez e espontaneidade os
defeitos e realça o perfeito, que chama de belo.

Falando assim mais depressa à inteligência, a g radando aos


sentimentos, o perfeito que a im aginosidade do artista procura põe a
descoberto que a beleza é a perfeição em realce.

75. — Repassando os autores, observaremos que, na m aioria,


concordam em adm itir a noção do belo como perfeição em realce. Di-
forom apenas na maneira de expor esta noção. Mais adiante exporemos
quo a perfeição implica em um ajuste entre a coisa bela e o modêlo
absoluto. N ão pretendemos a d ia n ta r esta p a rticu la rid a d e ; entretanto,
a lembramos apenas para fazer notar que os autores que definem o
70

bolo a p a rtir de tais noções universalíssimas podem estar coincidindo


com a nossa definição que fa z o belo constituir-se como perfeição em
realce.
Em Platão o belo se apresenta como um têrmo absoluto e
perfeito. As coisas sensíveis seriam perfeitas e belas à m edida que com
ôle se conformam.
Em Aristóteles as coisas também são perfeitas e belas à medida
que imitam o universal metafísico, a essência absoluta. O belo se a p re ­
senta com a característica, ou pro p rie d a d e de ser o preferível e o dig n o
do louvor. " O belo é o que, sendo preferível por si, é digno de louvor,
ou o que, sendo bom, é a g radável pelo fa to de ser bom; se o belo
corresponde a esta definição, a virtude é necessàriamente b e la " (Arte
ret. I, c. 9, nr. 3).
Para H orácio o belo é a "ordem reluzente", ou "lucidus o rd o "
(Ars poética, 4 ]).

76. — Tomaz de A quino indicou-. "Três condições exige a


beleza: prim eiro a in te g rid a d e ou perfeição, de onde vem que as coisas
mesquinhas são por isso mesmo feias; segundo, a proporção devida, ou
consonância; e, por fim , o esplendor (claritas) que nos leva a cham ar
belas as coisas de co lo rid o b rilh a n te " (Sum. teológica P. I. Q. 39, art. 8
corpus). A to contínuo fa z ver que o Filho de Deus é belo, por re a liz a r
cm si as notas constitutivas da beleza.

Estabeleceu Tomaz de A quino as condições do belo sem a fir­


mar expressamente que se tra ta de notas essenciais. A o dizer in te g ri­
dade, logo acrescenta perfeição; aqui está p ortanto indicando a nota
central; quer ainda que perfeição se subentenda como perfeição em
realce, porque logo a opõe ao mesquinho que chama de feio. As outras
nolas não passam de suplementares da prim eira. V agam ente, porém, ao
indicar a nota da proporção devida ou consonância, parece te r diante
dos olhos o ponto de vista estoico, com batido por Plotino, em que o
bolo se define numa de fin ição cabível apenas p ara os seres compostos,
porquo só nestes pode haver proporção devida entre as partes. Nos
compostos, a proporção ou consonância não passa de uma a p lica çã o
p a rticu la r de uma condição g e ra l; por isso, a segunda condição esta­
belecida por Tomaz de A q u in o se reduz à prim eira. Igualmente a te r­
ceira condição se reduz à prim eira; esplendor não quer dizer senão p e r­
71

feição que se realça; acresceu-se tão só a circunstância subjetiva ,dn


que a perfeição se coloca de manifesto à faculdade; mas esta caracto
rística meramente subjetiva não fa z parte do belo em si mesmo.

De sorte que as três condições expostas por Tomaz de Aquino,


apesar de se apresentarem em separado, resultam sempre na única notu
fundam ental de que o belo é o realce.

João Duns Scoto (1266-1308) ao insistir que a beleza é uma


q u alid ade que diz respeito a um termo ideal, revela ao mesmo tempo^
que o belo se constitui como a soma de tudo o que lhe convém, portanto
o definindo como perfeição. " A beleza não é uma q u a lid a d e absoluta'
no corpo belo mas é a soma de tudo o que convém a ta l corpo (aggre-
g a tiio omnium convenientium ta li corpori), como da grandeza da fig u ra
e da côr, e a soma de tudo o que respeita a êstes corpos e a êles entre
si (aggregatio omnium respectum qui sunt intorum ad corpus et ad se
invicem). Assim a bondade mora! do ato é quase um certo decôro d a ­
quele ato incluindo a agregação da devida proporção a tudo a que o
ato deve se proporcionar, por exem plo à potência, ao objeto, ao fim,
ao tem po, ao lugar, ao modo; e isto especialmente, para que tais coisas so
digam dever convir à reta ra z ã o " iDuns Scotus, O x., q. 17, a. 3, n. 13).

77. — Baumgarten, embora reduza o belo às coisas sen­


síveis, chama de belas as sensações perfeitas.

Kant, ao reduzir o belo ao ajuste do objeto à fin a lid a d e form al,


aos gêneros, às espécies, im plicitam ente estabeleceu o belo como a p e r­
feição que orna as coisas.

Hegel, que punha o belo da natureza a b a ixo do artístico, p o r­


que êste era superior por o b ra da idéia, im plicitam ente também se guiava
pelo conceito do belo como perfeição.

B) OS NOMES DO BELO

78. •— O corre que "n a m aior parte dos casos, e mesmo


quase sempre, o nome das coisas qua lifica d a s é derivado da q u a lid a d e "
(Aristóteles, Cat. 10 a 30); esta circunstância nos oferece a oportunidade
de, a propósito da essência do belo, reduzido agora a uma q u a lid a d o ,
77

fdZGrinos uma análise filosófica e semântica dos seus muitos nomes p ró ­


prios e denominações aproxim adas.
Valem os nomes antes de tudo pelo que indicam por obra de
uma convenção. Na situação atual algumas palavras têm o sentido se-
rum tico definitivam ente firm a d o como indicativos do belo; denominações
mais conhecidas são belo, bonito, "p u lc h e r", "k a ló s ", "S chõn", "k ra s o tá ".
Outros vocábulos, porém, indicam o belo apenas de modo
genérico; o contexto, porém, pode fixá-los quando devem assumir tal
acepção. Referimo-nos às denominações como elegância, brilho, esplen­
dor, perfeição, fulgor, claridade, clareza, distinção, nitidez, evidência, in­
tegridade, perfeição, às vêzes até in te lig ib ilid a d e .

79. — Belo e bonito, para significarem a beleza, tiveram sua


origem na esteticidade e não na teoreticidade do belo. Os vocábulos
procedem de dwenos, com o sentido de bom. ...Têrmo latino de obscura
origem, faz com que estas denominações belo e bonito, tão freqüentes
na área dos povos latinos, não representem contudo v a lo r semântico no
vasto mundo cultural indu-europeu. Sem equivalentes na mesma linha
ftim o ló g ica , belo e bonito não possibilitam tradução espiritual perfeita
nos idiomas fora da área das línguas neo-latinas.

De dwenos saiu bonus (bom, em latim). Através de dwenollos


chegou-se a bellus (belo, em latim, menos usado que pulcher). Em p o r­
tuguês formou-se bonito, através de bom. O processo, em virtude do
qual bonito sai de bom, apresenta-se p a ra le lo àquele latino em que belius
bolo) saiu de dwenollos e êste de dwenos (bom).

O curioso desta evolução semântica é seu ponto de p a rtid a


m tótico o mais do que isto, de um sentimento genérico, como é o de bom.
Interpretamos o belo como um bem da inteligência, enquanto a vontade
assim o aprecia em fa vo r daquela faculdade. O ra , em sendo um bem,
im portava sob êste ponto de vista denom iná-lo a p a rtir do mesrno vocá­
bulo. Diante disto, a semântica nos está a sugerir que o belo, em vir-
tudo do mesmo nome, é um b e m . . . E como se tra ta de um bem muito
i” p o d a i, passou a ter um nome distinto, — belo. Diante disto ainda,
o bolo '.() traduz, aproxim ativam ente por estético; pois dizemos estético
aquAlo ospecífico sentimento que o apetite exerce diante de um objeto
(|iio a vontade aprecia como um bem da inteligência. Entretanto, estético
•n o p io w n ta mais univorsal, porque inclui o estético-artístico e o estético-
73

-especulativo em geral. O belo exprim e o mais perfeito e realçado dos


objetos que figuram entre os que são apreciados como bem da in te li­
gência.

80. — Pulcher, o têrmo usual do latim para significar o belo,


apresenta uma origem visual, portanto fá cil para a transform ação se­
mântica. Deriva de perk-, raiz européia com o sentido de salpicado.
No latim o vocábulo tomou a direção do sentido de belo; passando pelas
formas perkros e pelkr-, resultou enfim em pulcher (belo). N o grego
rumou para perkos (salpicado de prêto), no alem ão para Farbe (côr),
no russo para krasotá (beleza). De origem visual, portanto teorética, o
têrmo pulcher, se distancia bastante do de bellus derivado de um nome que
significa relação estética de bem.

Em grego kalon é o term o dominante para indicar o belo. A


raiz só existe no círculo helênico e significa fundam entalm ente belo, no­
bre, vigoroso. Em Homero o têrm o é usado p a ra a indicação de belezas
físicas (llíada 3, 3 9 2 , Odisséia 6, 237); autores mais recentes usam tam ­
bém o vocábulo para a beleza moral da virtude. O têrmo ocorre ainda
nas denominações técnicas, como em kaleidoscópio, c a lig ra fia , e no nome
p róprio Calisto (muito belo).

Das Schõne (belo, em alemão) deriva do indu-europeu kew-,


com o sentido fundam ental de prestar atenção e tom ar cuidado. O termo
evoluiu em duas direções, para o ouvido e para a vista. N o alem ão
deu as formas hoeren (ouvir), schauen (olhar) Schau (vista), Schoen (belo).
Fundamentalmente, portanto, o belo em Schoene significa o chamar a
atenção, particularm ente da vista. N o grego anotamos a m odalidade
akouo (ouvir), de onde, através já do latim, temos acústica; trata-se de
um prestar a atenção por meio do ouvido.

Diante do exposto, Schõne possui origem teorética, ao contrá­


rio de belo, de origem estética. Enquanto o têrm o germ ânico recorda a
visão e a contem plação, o vocábulo latino sugere a afe tivid a d e do belo
como um bem em que nos aquietamos. Isto nos pode sugerir o tem pe­
ramento mais sentimental dos latinos, a tendência contem plativa dos
germanos.

81. — Perfeição por si sòmente não indica o belo. Está como


quo na posição de gênero para a sua espécie. O sentido etim ológico
74

«Io porfeito (p e rfe ctu m ) encontra-se ainda evidente. Sugere o acaba-


monto de uma coisa cuja form ação se conduziu até o fim , até a inte­
gridade. Lembra, portanto, a verdade ontológica, a idéia exem plar,
o modelo arquétipo em função ao qual uma realização concreta se su­
bordina.

O belo não diz respeito diretam ente à noção do fazer; por isso,
0 quo já existe, embora não tenha sido feito, poderia ser belo indepen-
dontomente da noção do fazer.

A evolução semântica do termo, adm ite hoje que o perfeito não


i ô so dig a da obra que se faz, ou se cria, mas tam bém de um ser que
•o realiza dentro de um conceito absoluto. Neste sentido, o perfeito se
di/. também de Deus. Como p e rfe ito não coincide quando um vocábulo
restrlngente o especifica, como quando dizemos "a realçada perfeição
das flôres". Ou quando o p ró p rio contexto exerce semelhante função;
nxclam ar, ;/que p erfe içã o "! pode eqüivaler a "q u e be le za"! porque a
nxclam ação de natureza insiste no realce.

82. •— Elegância é um term o que realça precisamente a e le ­


vação do perfeito por entre o que o é menos. Diz respeito particu-
larmento ao modo de portar-se das pessoas, de sua maneira de andar,
ilc fazor gestos e da índole peculiar de se exprim ir. O têrm o elegância
toma origem na radical grega e latina leg-, com o sentido fundam ental de
colhôr, escolher, palavras estas que aliás se form aram com a mesma raiz.
Dola nos vem o im portante verbo g rego lego, e que exerce dois sentidos,
prim eiram ente o de juntar e escolher, depois o de dizer. Dali procede
ItHjos (palavra, em grego), que p ro g rid e numa direção inteletual em lógica
o logore (ler, em latim ). Conserva visivelmente em legere (ler), o
'.onlido prim igênio de escolher. Evolui o mesmo term o para inte rp re ta r
uma cspócie de escolha), de onde procedeu legio (escolha, legião) e
nlogans (elegante).

Dali resultou que elegância exerce o sentido fundam ental de


•".colha, seleção, superioridade, perfeição. Combina-se, portanto, com
muita proprio dade com a noção de beleza. Elegância e beleza andam ,
poto, de mãos dadas. A evolução semântica do term o elegância na
d loçao da beleza so encontra muito mais avançada que a da perfeição;
n ia ii depressa idontificam os o belo o a elegância do que o belo e a
75

perfeição. Há, entretanto, para a elegância uma certa linha de inci­


dência restringida ao comportam ento humano, ao passo que a perfeição
se pode dizer de qualquer ser universalmente.

83. — íntegro, enquanto indica a q u a lid a d e de um ser como


estando de posse de quanto lhe pertence, com a negação expressa de
haver sido tocado, constitui termo bastante próxim o do de beleza; quase
como um gênero, como já sucedia com a perfeição, a integridade assume
o significado equivalente ao de beleza, quando um especificativo o fa z
exercer a intocabilidade precisamente como um realce de sua perfeição.
A integridade diz posse efetiva das partes; o ser m utilado não é íntegro,
e sob êste ponto de vista não se realça como perfeito; mas o ser íntegro,
frente ao m utilado, se exerce com realce, p ortanto com beleza. N o o ri­
gin a l latino, ta g — significa tocar; d a li nos vem palavras como tato, ta n ­
gível, contingente, acontecer. Na form a negativa formularam-se integer
(íntegro), através de -in-tagros, e intactus (intacto).

Parece-nos que a evolução semântica levou o sentido de in­


teg rid a d e para o de completo em suas partes enquanto que o significado
prim igênio é o de intocável; êste sentido o rig in á rio se aproxim a certamen­
te muito mais do de beleza.

84. — Indicam também a perfeição com realce, e por con­


seguinte o belo a seu modo, os termos fu lg o r e fulgurante, esplendor e
clarid ade, nitidez e distinção, evidência e in te lig ib ilid a d e . A liam os
mencionados termos uma circunstância subjetiva, fazendo denom inar o
objeto em função ao seu revelar-se ao indivíduo.

O fulgurante, é fú lg id o em si mesmo, ao mesmo tem po que


o é para a vista. É freqüente a expressão "fu lg o r da fo rm a "; indica a
form a perfeita em si mesma, e ao mesmo tempo fu lg in d o diante de quem
a contem pla.

O mesmo ocorre com esplendor; sugere a perfeição objetiva,


simultâneamente sua manifestação.

N itidez, distinção, evidência e in te lig ib ilid a d e resultam sempre


cJa constituição perfeita da coisa; o belo, em virtude de sua ordem in­
terna, so caracteriza pela in te lig ib ilid a d e ; aliás o belo tem como uma
76

do suas propriedades eminentes a teoreticidade. Em assim sendo, q u a l­


quer expressão lig a d a ao conhecimento o poderá sugerir; tais são
Iodos os vocábulos referidos antes: fu lg o r e fulgurante, esplendor e
claridade, nitidez e distinção, evidência e in te lig ib ilid a d e .

O rnato, decoração, enfeite indicam o belo de maneira peculiar


e conhecida.

C) O BELO C O M O VERDADE O N TO LÓ G ICA EM REALCE

85. — Num esforço fin a l, com o objetivo de esclarecer to ­


talmente a subtil essência do belo, o examinaremos como "v e rd a d e on­
tológica em realce". Com isso vamos p a ra a corrida fin a l de um longo
desfilar de conceitos, para termos, no fim do percurso, a definição do
belo como coroa.

Havendo começado no belo das coisas concretas, como nas


flôres, temos d e folhado uma após outra as muitas pétalas de que se com­
punha. Da beleza concreta fomos às suas propriedades; através das
propriedades seguimos até a essência; esta fixou-se como sendo uma
qualidade, de sorte a termos o belo num plano já bem d e finido; como
qualida de, o belo determ inava o ser "sim plesm ente" (simpliciter) e por
osta razão se elevou ao plano altíssimo das qualidades transcendentais;
dopois ainda se revelou como q u a lid a d e e n tita tiva ; por último como
q u alid ade que dizia perfeição em realce.

A gora fa lta apenas a seguinte e última determ inação: o belo


so apresenta como uma q u a lid a d e , em que a perfeição realçada se
ajusta a um modêlo a rquétipo; em se ajustando à dita idéia exem plar,
o bolo se diz uma verdade ontológica, ao mesmo tem po que d iz realce;
portanto, o belo se descreveria como uma verdade ontológica realçada.

86. — D efinir o belo como "ve rd a d e ontológica em realce"


roprosonta uma tom ada de posição, ao mesmo tem po que uma lingua-
qfttn nminontemente técnica a p ro p ria d a ao sistema filosófico a que per­
tenço.

Supõo a d efinição a ocorrência de modelos arquétipos, ou


unlvoi :.air. mota físicos, ou essências absolutas {não im porta como se d iga);
77

portanto d e fin ir de ta l modo o belo, constitui tom ada de posição muito


específica. De um modo g eral, positivistas e relativistas não definem
desta maneira o belo. Mostra-se claro o seguimento dos assuntos que
agora se oferecem: a) o belo teria um exem plar arquétipo; b) o belo
se distingue de outras noções, como bonum e o verum, que também se
dizem em função a um exem plar arquétipo.

Q uanto à linguagem eminentemente técnica, em nada vem a l­


te ra r a natureza do assunto. Precisamos contudo atender à acepção dos
termos, a fim de que não nos iludam . Os modelos arquétipos, que em
Platão se chamam "id é ia s reais", em Aristóteles se denominam "universais
absolutos" (hoje universais metafísicos), em Kant "fin a lid a d e fo rm a l". Ao
dizermos verdade ontológica no plano da verdade, ainda subdistingui-
mos, afirm ando que o belo se constitui por aquela determ inação em
que incorre a verdade ontológica enquanto sobressai sôbre uma verdade
ontológica inferior.

O BELO ESTÁ EM FUNÇÃO A UM EXEMPLAR ARQUÉTIPO

87. — N ão se pode id entificar o belo com uma coisa, co


um elemento constitutivo, com um gênero, com uma espécie; não entra
o belo nas coisas à maneira de uma cam ada. Já se supõe o objeto
constituído como um todo, na ordem categoria!. Êste iodo, assim cons­
tituído, é a seguir ajustado com um modêlo em função ao qual se diz
perfeito; a perfeição se estabelece como um conceito de outra ordem.
O belo é semelhante; com paradas coisas mais perfeitas com as quo o
são menos, o realce da coisa mais perfeita se diz beleza.

Prova-se que o belo está em função a um exem plar a rquétipo


simplesmente porque assim se apresenta. Mostra-se à persipiciência mon­
tai que nada se impõe como perfeito senão em vista a um modêlo. O ra,
é precisamente esta a noção de verdade ontológica. A máquina é "v e r­
dad eira m áquina" se efetivam ente é o que a máquina deve ser; ora, pela
mesma razão se diz "m á q u in a p e rfe ita ".

Três distintos termos ocorrem: a) a coisa concreta em quo <>


modêlo se realiza e que portanto é o objeto; b) o modêlo em si mor,mo,
ou a essência absoluta, ou o arquétipo, geralm ente indicado por um
tn

.......... ■ >" a illfrm iK .ii ospocífica; c) o ajuste, ou a concordância, entre


-t im Iv i «. ncrotO o a ossência modelo, consistindo neste ajuste a qua-
lld a d o om virtudo da qual um ser se diz ontològicam ente ve rd a d e iro e
I f io Como claram ente se vê, o belo não está na coisa concreta e nem
no modôlo, mas na determ inação que a coisa concreta adquire, quando
•<> ajusta ao modêlo.

O ARQUÉTIPO SUPREMO

88. -—■ Resultou o belo como uma noção relativa, em virtude


<'a quul um ser se determ ina em função a um arquétipo. E êste seria
forno se com parar, a fim de se p oder determ inar tam bém como belo?
IMalão se distendeu em exuberantes descrições do belo como ta l, que
*"!c 'ia im aginou como uma idéia real, absoluta. Num prim eiro instante,
nor, poderia parecer um grande equívoco.

As essências arquétipas inferiores admitem certamente com­


paração de uma a outra, como quando comparamos a pedra com a
I lanta, o símio com o homem, a criatura com o criador; as essências in-
h rioros participam em grau menor da superior e desta maneira per­
mitam a consideração de menor e m aior perfeição na ordem do ser.

A essência a rquétipa absoluta, nada tem acima de si para se


«am parar o a d q u irir relação de perfeição. Mas, esta essência suprema
•o com para consigo mesma, tomando-se a si em função apenas aos graus
do plenitude; comparam-se os graus a p a rtir de um prim eiro, do qual
'"(ju o m para o infinito. Sendo, p o r definição, o grau máximo, sua mes-
ira d efinição já aponta que o têrmo de com paração está para baixo e
nôo para cima.

Também a essência divina se diz perfeita em função aos graus


m lrrloro s; êsles, os graus, ze encontram aliás contidos eminenter no grau
‘.tipnrior o absoluto.

O arquétipo, ao se com parar com os graus inferiores, os con­


sidera om abstrato. N ão se diz màximamente belo em função a êste
i »u àquolo indivíduo bolo, mas simplesmente como grau m áximo de todos
< •; graus inforloros tomados simplesmente. E assim, como bem se ex-
p r e w i PlalaO, o arq u é tip o não va ria com os termos concretos limitados.
79

■ "...ê s te homem verá bruscamente certa beleza, de uma natureza m ara­


vilhosa. Verá um ser que, em prim eiro lugar, é eterno que não nasce
nem morre, que não aumenta e nem dim inui, que além disso não é em
parte belo e em parte feio, agora belo e depois feio, belo em com paração
com isto e feio em com paração com aquilo, belo aqui e fe io acolá, belo
para alguns e feio para outros. Conhecerá a beleza que não se apresenta
como rosto ou como mãos ou qu a lqu e r outra coisa corporal. Beleza,
ao contrário, que existe em si mesma e por si mesma, sempre idêntica,
e da qual participam tôdas as demais coisas belas. Estas coisas belas
individuais, que participam da beleza suprema, ora nascem ora mor­
rem; mas essa beleza jamais aumenta ou dimiuni, nem sofre alteração de
qualquer espécie" (Banquete 210 e — 211 a).

ÍNDOLE INABALÁVEL DOS ARQUÉTIPOS.

89. — Haveria conceitos absolutos, essências eternas, modelos


imutáveis, que, uma vez realizados pelos seres individuais, fa ria haver
coisas perfeitas? Sem um têrm o absoluto de referência não poderia
haver situações que se pudessem dizer mais perfeitas e menos perfeitas
com va lid a d e também absoluta. Tôdas as situações seriam metafisica-
mente indiferentes ao que eventualmente fossem. Eis um problem a de
ordem eminentemente metafísica. Sòmente poderíamos, sem modelos
absolutos, co g ita r de perfeições relativas e precárias. Escolhido um
modêlo hipotético, em função a êste as coisas se diriam perfeitas. N ão
haveria falsas filosofias, mas um sistema seria falso em função a uma
outra eventual filosofia. Para Aristóteles seria falso o platonismo, porque
não coincide com seu sistema pessoal. De nôvo seria falso o ciristotelismo
para um kantiano.

Numa ordem inteiram ente universal, a indagação se o absoluto


de fato ocorre, se apresenta de resposta mais difícil. N ão se discute a
possibilidade dos modelos relativos e hipotéticos, não se tra ta de valores
eventualmente válidos em uma civilização determ inada. Nem se dis­
cute a relatividade da inspiração artística, variável de acôrdo com os
idonis do artista; o belo em sua apreciação subjetiva não se confunde
com o que ôlo poderia ser na ordem inteiramente objetiva. O belo, neste
plano objotivo o totalm ente metafísico, seria também êle absoluto?

<i • T. do H.
HO

90. •— A eternidade das essências é negada por aquêles que


ontendem que ta! circunstância lim itaria a liberdade divina; Deus seria
0 autor da própria form ulação das essências, de onde resultaria que por
sua determ inação tais são as atuais noções de ser, de bem, de verdade,
do beleza, de numeração como dois mais dois são quatro. Êste vo-
luntarismo fo i defendido por Duns Scotus (1266-1308). Foi o pensa­
mento de René Descartes (1596-1650) e Leibnitz (1646-1716), os dois
principais representantes da prim eira fase do racionalism o moderno. E-
manuel Kant (1724-1804), inaugurando a segunda metade do raciona­
lismo, ainda retém o caráter absoluto da essência, mas desta vez como
simples formas apriorísticas do entendim ento e da fa cu ld a d e do Juízo.

Q uebrada em bora a eternidade integral no sentido platônico


u aristotélico, as essências contudo se firm avam na decisão estável de
Deus, ou de uma situação apriorística das faculdades do homem. E
por isso era possível ainda enunciar o conceito de perfeição de m aneira
mais ou menos absoluta e metafísica.

Mas, no campo da filosofia de natureza empirista e positi­


vista mostrou-se logo impossível manter q ualquer essência absoluta; o
rolativismo ganhou corpo. O historicismo de Guilherm e Dilthey (1833-
■•1911) representa um esforço notável de estabilização dos valores move­
diços do relativism o firm ando-os em uma certa continuidade histórica.

De acôrdo com uma concepção platônica, aristotélica e to-


mista, a possibilidade interna dos possíveis dependeria do ser e não da
inteligência.

91. — A última razão das essências repousa na natureza d i­


vina e não em sua vontade onipotente.

A m utabilidade, ou im uta b ilid a d e , é um conceito que indica


prop riedade; esta decorre da essência. O ra , a essência é a n te rio r à
vontade. Logo, qualquer seja a p ro priedade de uma essência ela não
muda por obra da vontade. Se uma essência fôsse mutável, ela con­
tinuaria mutável, ainda que posteriormente a vontade quisesse interferir.
1 assim também a im utabilidade não sofre possível interferência da von-
lado com o fim de a lte rá -la . Por isso, só é possível transitar de uma
nr.iAncla a outra, mas não mudar uma em outra. O corre cita r aqui o.-
81

exemplo fe liz da Aristóteles: " ta l como se uma das partes de que o


número é constituído fôsse a p a rta d a , ou ajuntada, êste já não seria o
mesmo núm ero, mas um outro núm ero, por menor que fôsse o acréscimo,
ou a diminuição, assim nem a definição, nem a q u id id a d e permanecem
as mesmas, se delas se apara ou se acrescenta qualquer elem ento" (M etaf.
1043 b 37 ss.).

A essência absoluta é Deus; por isso, em última instância, a


im utabilidade das essências repousa na concreta im utabilidade da essên­
cia divina. Como a montanha assenta inabalável sôbre seus fundam en­
tos, a to ta lid a d e indefinida das essências, as mais diversas, assenta na
imutável essência divina. Deus não age contra as essências, porque
seria uma ação contra si mesmo. Sua vontade em última instância, ta m ­
bém se identifica com a natureza eterna. Deus quer livremente existir
necessàriamente. . . Ocorre um círculo, mas semelhante àquele que de­
fine a linha reta corno aquela seqüência de ponto cujo raio se situa
infinitam ente distante; no infinito, a reta e o círculo conferem.

A localização das essências no recinto da natureza divina e


não em sua inteligência, resulta em que as coisas do mundo não repre­
sentam antes de tudo as idéias de um Deus artista, mas da natureza
divina. Certamente que Deus criador, opera com a vontade e a inte­
ligência, mas as essências arquétipos se constituem primeiramente de
sua própria essência, dela tom ando a firm eza do seu caráter absoluto.

Neste particular, Deus é apenas o Demiurgo de Platão, O


defeito da concepção platônica não se encontra no caráter "e te rn o " das
"idéias reais" segundo as quais o Demiurgo organizava o mundo, mas em
não ter unido as partes num único ser supremo. O Demiurgo, postado
comodamente de um lado dos céus, via de outro as idéias reais, brilhantes,
perfeitas e belas, como essências intocáveis. Fazia jo rra r a luz destas
mesmas idéias sôbre o caos imenso do mundo, ascendendo as formas
sublimes das montanhas, despertando o colorido das pétalas das flôres,
dando b rilho ao mar em jogando a luz sôbre as ondas. Reduzido, en­
tretanto, tudo isto a uma form ulação poética, une-se Deus às essências
ideais, conservando estas a índole eterna e imutável, como pretendia
Platão.
O 1111,0 I. 0 5 TRANSCENDENTAIS

92. • As noções que não concorrem na construção do ser


tom o constitutivas, a maneira das categorias da substância, da q u a n ti­
dade, da q u alid ad e predicam ental, etc., incorrem numa situação muito
peculiar. Enquanto as categorias se descrevem como modos especiais
rio sor, fciis outras noções, que já supõem o ser constituído e o conside­
ram apenas como um todo form ado, se dizem modos gerais do ser, ou
transcendentais.

O belo não é um caso isolado de predicação transcendental,


nom ó o mais universal dêles. Por isso, um perfeito dom ínio do quadro
Min quo se situa, requer uma visão ge ra l das noções transcendentais. Com
'.omelhante visão in te g ra liza d o ra , o belo se exprim irá, enfim , como uma
ncí.ão inteiramente elucidada.

De maneira g eral, os modos transcendentais eram dispersiva-


monto tratados por gregos e árabes; mas ninguém fizera um arrolam ento
• r temático dos mesmos, em que por instâncias excludentes se estabelecesse
um corpo orgânico de classificações.

Também as provas da existência de Deus dispersivamente dis­


cutidas por tôda a a n tig u id a d e não haviam alcançado um esquema in-
tnligívol; Tomaz de A quino (1225-1274)tem o mérito de haver criado
divorsas sínteses orgânicas de m ateriais obtidos dos predecessores, em
quo a novidade não é o conteúdo, mas a síntese. As provas da existên-
( Ia de Deus assumem o aspecto de cinco vias; as outras, ou eram inválidas,
como o argum ento a p rio ri, ou se reduziam a estas cinco. (S. theol. I Q.
2 a. 3.)

Assim também fa rá com as noções transcendentais, relacionan­


do as om número de seis: ens, res, unum, verum, bonum, a liq u id . Tem
(linda a subtileza de os contradistinguir, como modos gerais, que são,
a o 1, modos especiais, constituídos pelas dez categorias; estas sim, já ha-
v!(im alcançado disposição sistemática em Aristóteles. O texto básico
(In exposição do esquema dos transcendentais segundo Santo Tomaz se
encontra om Quaestiones disputatae (I, De veritate, Q. I, art. 1, Respon-
doo).
33

93. — Primeiramente se nos apresenta o ser "sim plesmente"


(simpliciter), sem as restrições de qualquer ponto de vista; eis o que se
entende por ser como ta l (ens ut sic).

A seguir, segundo um certo ponto de vista, portanto secundum


quid e já não sim pliciter, o ser adm ite considerações que são modos; coin­
cidindo com o ser, são pelo ser afirm ados im plicitam ente, e agora são
tomados em separado e expressamente afirm ados como aspectos do ser.

Então, em "ab so lu to e a firm a n d o ", o ser se constitui como res


(coisa); o ser se afirm a como idêntico a si mesmo, portanto como essência.
Em "absoluto e negando", o ser se determina como unum; nega sua d i­
visão, sendo por isso uno.

Mas o ser considerado "relativam ente e a firm a n d o " se estabele­


ce, no plano da idéia racional a que obedece sua essência, como verum;
no plano do apetite, enquanto vale p ara si, como bonum.

Em "a b so lu to e negando", o ser, enfim, se estabelece como


o contrário do nada, ou seja, como a liq u id .

As duas últimas instâncias, o "a firm a n d o " e o "n e g a n d o ", en­


contram-se invertidas em Santo Tomaz; consideramos isto um pequeno
defeito, e por isso alteram os a ordem.

Os modos do ser se podem expor em esquema, como ab a ixo


vemos, com a retificação preconizada:

simplesmente — ens (ens ut sic).

afirm ando — res.


absolutamente
negando = unum.
O ser
secundum quid
\ afirm ando = verum.
relativam ente j = bonum
(negando = a liq u id .
O SER E OS SEUS MODOS GERAIS E ESPECIAIS

Na r e p r e s e n ta ç ã o a c im a se v is u a liz a m os m odos do s e r. Os "m o d o s g e r a is " ,


tu tra n s c e n d e n ta is , se d iz e m do ser com o um tc d o ; por is s o e s tã o r e p r e s e n ta d o s
como c írc u lo s c o n to r n a n fe s : Ens ut sic., re s , unum , v c ru m , bcnum , a liq u id . Os
"m o d c s o r p e c ia is " , ou c a te g o r ia is , se d iz e m do ser com o cam adas e s ta n q u e s ; por
ia »o o s lã o r e p r e s e n ta d o s com o d iv is õ e s tr a n s v e rs a is , que não e n v o lv e m o to d o :
a u b s lfin c ia , q u a n lid a d e , q u a lid a d e , r e la ç ã o , t e m p o , lu g a r , s itu a ç ã o , a ç ã o , p a ix ã o , h á b it o .
O c o n ju n t o ó o ser na sua t o t a lid a d e . O b e lo e s tá no c ír c u lo de v e ru m .
R e p re s e n ta ç ã o s im ila r se p o d e r ia fa z e r com as c a te g o r ia s de K a n t.
85

O BELO N O GÊNERO DA VERDADE

94. — As instâncias supremas do ser se esgotam em núme


de seis: ens ut sic, res, unum, verum, bonum, a liq u id . A li temos o ser
considerado simplesmente e o ser considerado secundum quid; neste último
caso ainda absolutamente e relativam ente, e mais uma vez afirm ando o
negando.

Dali resulta que, uma vez ocupadas tôdas as instâncias, o belo,


situado num plano transcendental, não pode integrar-se como um dos
modos fundam entais do ser.

Na verdade, o belo não é o ser visto simplesmente em si,


como um ens ut sic. N ão é o ser secundum quid, absolutamente e a fir­
mando, como ocorre com res; nem negando, como em unum. N ão é o
ser secundum quid, relativam ente, negando, como em a liquid.

Mas seria o belo o ser secundum quid relativam ente, afirm ando,
como ocorre em verum ou em bonum? Certamente também não, desde
que vistos êstes valores de maneira geral.

O belo não coincide simplesmente com o verum; teorético como


o verum, o belo é um ponto de vista do verum, ou seja do verum enquanto
em realce; portanto, o belo não é o verum simplesmente, mas se reduz
a ê!e, aliás, é o que pretendemos logo a seguir provar, ou esclarecer
por análise.
Poderiam outros talvez reduzir o belo ao bonum; certamente
o belo não coincide com o bonum simplesmente; mas talvez pudesse cons­
tituir-se em uma espécie subalterna, de maneira a se reduzir ao bonum
e não ao verum; eis uma hipótese que vamos procurar desfazer.
Enquanto o belo indica perfeição, envolve um termo de com­
paração; diante disto, excluímos de maneira geral sua redução aos te r­
mos de ens ut sic, res, e unum. Estas noções se dizem em absoluto e sem
relação extrínseca. Apenas a liq u id , verum e bonum se dizem re la tiv a ­
mente.
A liq u id somente afirm a o contrário do nada, e diante disto :>o
estabelece como o ser secundum quid, relativam ente, negando. O ra, o
belo não se estabelece como a lg o que se a firm a, negando o seu con­
trário. O belo se situa como afirm ando a si mesmo como um contoúdo
que vale.
86

Como fica sempre mais evidente, a visão panorâm ica, que p ro ­


cura ver o belo em meio ao grande esquema dos transcendentais, torna
cada vez mais clara a situação d e finitiva da noção do be!o. Existindo-
por tôda a parte, encontradiço nas flôres, nas vestes, nas artes, no bor-
borinho da natureza, o belo não é a lg o chulo e triv ia l; é a manifesta­
ção metafísica do ser, a maneira de face onipresente, perfeita e bela.

95 — De dois modos um ser pode exercer a conveniência em re­


lação a outro têrmo, como verum (verdadeiro) e como bonum (bom).

O verum indica a conform idade perfeita com um têrmo ao qual


realiza; êste têrmo na linguagem empírica surge sob designativos os mais
diversos, como ideal, idéia arqu é tip a , essência absoluta, essência possível,
modêlo, universal metafísico. Então o ser se diz ontològicam ente ve rd a ­
deiro, quando de fa to , objetivam ente, realiza seu modêlo; êste é o con­
ceito que temos quando falam os em "homem ve rd a d e iro ", "m á q u in a ver­
d a d e ira ", "docum ento autêntico", "música genuína", e equivalentes.

A verdade lógica é semelhante, e diz respeito ao conheci­


mento; um juízo é ve rd a d e iro se afirm a exatam ente o que o objeto é;
por conseguinte, a verdade lógica é a conform idade do conhecimento
com a coisa apreendida. Em ambos os casos, verdade sempre indica
porfoição com que se realiza um têrmo em conform idade com outro.

Que seria o bonum? Também o bonum é indicativo da con­


form idade de um têrmo com outro. Mas o aspecto form al não é então-
a conform idade enquanto perfeita conform idade (indicada pelo verum ir
mas enquanto simples conform idade. Encontramo-nos aqui num plano
mais ontológico. C ada ser apetece ser o que é; o ser não é contra sí
mosmo. Esta conveniência ingênita, eis o que se diz bom. ' Convém a
Alo mosmo que êle seja ser; não lhe convém d eixar de ser; o nada seria
um m al; monos também lhe desconvém. O bem é, pois, o ser que !he
convóm de modo devido. Também o têrm o desta relação de confor­
midade indicada pelo bonum se apresenta como um ideal a realizar. O
•or 6 ontològicam ente bom quando re a liza d o conforme à sua conveniên-
<ld ossoncial. Um outro ser se diz bom em relação a nós, quando con-
formo rio que nos apetece enquanto ta l ser ontológico.

O bolo, enquanto perfeição de conform idade com um ideal ab-


ítolulo, nflo coincido com o ponto do vista do bonum.
87

Uma vez que o belo não chega a se constituir como "m o d o "
supremo do ser, deverá reduzir-se a um outro; ou se reduzirá ao bonum,
o que não se apresenta como viável; ou se reduzirá ao verum, que é a
outra alternativa no que diz respeito às conformidades.

O BELO APRECIADO C O M O BONUM

96. — O desligamento da noção de beleza com a de bonum


ainda não implica em uma separação to ta l com esta outra região. O
belo, em si mesmo, continua sendo verdade ontológica, mesmo quando,
sob outro ponto de vista seja encarado como um bem apreciável. Apesar
de sua teoreticidade, como verum, tem o belo a propriedade de produzir
um sentimento de a g ra d o no apetite da vontade.

Neste sentido precisamos evocar as relações de com plem entari­


dade existentes entre o inteleto que só vê e a vontade que apenas aprecia.
Funcionam ao mesrno tem po, inteleto e vontade, porém cada um na sua
função específica. O inteleto, enquanto se move, na direção do ato
físico de conhecimento, esta criação é obra da vontade,- apenas a luz
que neste ato ocorre, é função do inteleto. Também a vontade, enquanto
segue por caminhos iluminados, é ilum inada pelo inteleto.

Faz-se mister que nos habituemos a não a trib u ir funções in­


vertidas; até mesmo palavras acomodadas e que a irradiação semântica
perm itiria usar indiferentem ente, não devem aqui ser postas em trânsito,
a fim de evitar qualquer confusão. Por isso, mantenhamos firm e a de
cisão de a trib u ir ao inteleto apenas o exercício do ver, do perceber, do
ilum inar; ao apetite da vontade, de exercer o sentimento afetivo, a aquio-
tação sentimental, o apreciar, o comprazer-se, o ter com placência, o ( p
zar. Diante disto, não digamos que o inteleto goza a beleza, porque
de fa to quem a goza é a vontade; sòmente esta goza o belo, em bora em
benefício do inteleto, apreciando como sendo bom para o inteleto co­
nhecer coisas belas. Também não digamos que o inteleto se compraz
na visão do belo, ou que aprecia a beleza,- quem efetivam ente so compraz
e quem aprecia é sempre a faculdade cipetitiva. Também não ó na
inteligência que está o sentimento estético,- todo sentimento ó uma aqulo
lação do cipetito, sondo-lhe isto muito específico.
88

97. — A vontade, como potência que se exerce na ordem fí­


sica das coisas, mesmo em se tra ta n d o das coisas do espírito, busca
O sou objeto sempre sob o ponto de vista do bonum. Assim, embora o
inloleto busque o verum, a vontade aprecia neste objetivo do inteleto
um bonum, em fa vo r do inteleto. O bem se quer sempre em fa vo r de
'ilg o ; a fruta é apreciada pelo apetite como um bem em fa v o r do corpo,
0 romódio em fa vo r da saúde, o dinheiro ern fa vo r do bem estar, etc.
Av-im, a vontade, ao a p re cia r o objeto da fa cu ld ad e inteletiva, o deseja
<omo um bem, em fa vo r daquela faculdade.

O sentimento estético se constitui exatam ente do prazer oriundo


do um bem que ocorra à faculdade inteletiva.

Todo o verum, quer seja um verum realçado como a beleza,


quer seja um verum comum e mesmo de grau inferior, contém alg o sufi-
« Miitomonte apreciável, que o apetite da vontade goza, como bem do
intoloto. Em tudo, portanto, que o inteleto cogita, a lg o existe de apre-
1iávol o que portanto redunda em sentimento estético no recinto da
vontade.

Os outros sentimentos, resultantes de um bem que não coincide


(.urn o bem do inteleto, constituem os sentimentos comuns; distinguem-se,
I irtanto, os sentimentos estéticos, porque êstes a vontade os tem em
funçüo ao verum como bem do inteleto, e os sentimentos comuns, porque
i < sullam na vontade em função do aprêço do bonum em benefício de
outros seres.

98. — O belo, enquanto apreciado pelo apetite da vontade


i'in íavor da inteligência, é um bem maior que o verum em g e ra l. N ão
• tra ia de bens situados em planos especificamente distantes, porque o
I ' Io não é senão a verdade ontológica quando em realce. Apenas uma
infonsidado de grau, expressamente a notada, projeta a beleza para um
plano mais elevado.

O ra quanto mais perfeição na verdade ontológica, mais ver-


dudo p ira alim ento do espírito. Resulta d a li que a vontade aprecia
n bolo como um bem por excelência do inteleto. O bem é, portanto, um
Uni) m aior que o verum em geral. O sentimento estético, depois de uma
nlmplos noçdo do ciência, se mostra muito maior na eufórica apreciação
do belo.
89

Portanto o belo, embora não coincida com o bem, aproxima-se


dêle. "Q u ã o próxim o está de ser bom, o que é form oso" ("H ow near
to good is w hat is fa ir" , — Ben Johnson).
Constituindo-se antes de tudo como a lg o em si, o belo não é
um bem senão como uma pro p rie d a d e ulterior. Por isso, o belo não se
constitui simplesmente um bem entre outros bens,- se assim fôsse, te ría ­
mos um gênero chamado o bem; o belo se coordenaria sob o gênero
como "um a espécie de bem ". A descrição de Cajetano, de que o belo
se apresenta como "um a espécie de bem " (In Ia - IIa, q. 27 a. 1) so­
mente é aceitável se antes desta consideração do belo como bem, o
estabelecemos como verdade.

ENTRE O VERDADEIRO E O BELO

99. — Em que se distinguiria o belo e a verdade ontológica?


O verdadeiro, enquanto form alm ente considerado como verdadeiro, não
coincide com o belo. Êste é mais restrito, como que um gênero subal­
terno coordenado sob transcendental supremo, o verum.

A perspiciência mental descobre as diferenças seguintes, nas


duas noções: V erdadeiro, é a conform idade perfeita com o arquétipo,
enquanto simplesmente se distingue da conform idade não perfeita, ou nu­
la; belo é a mesma conform idade perfeita enquanto sobressai como su­
perior à conform idade não perfeita, ou nula. A verdade apenas separa
a verdade da não verdade; o belo, além de separar verdade da não
verdade, ainda mede as distâncias, a fim de realçar uma por sôbre a
outra. A verdade distingue o vale e o monte; o belo insiste na supe­
rio ridade do monte.
O belo e a verdade coincidem, pois, enquanto perfeição de
conform idade, e diferem ratione, a saber, no ponto de vista considerado,
num mais am plo que em outro; no verum a conform idade é apreendida,
distinguindo-se simplesmente, a perfeita da im perfeita; no belo, realçan­
do-se uma sôbre a outra. Por isso, o belo é a verdade mais perfeita
em relação à uma verdade menos perfeita.
Por conseguinte, o belo é o esplendor da verdade; efetivam ente
o esplendor significa um certo sobressair. Igualmente o têrmo elegância,
no sentido otim ológico, quer dizer eleição entre vários. Observação si­
90

m ilar ocorre em tôrno do grau; o belo é a conform idade perfeita a so­


bressair em grau diante da inferior.

Temos usado os termos distinguir e sobressair, como contrários;


prevenimos, entretanto, que distinguir, por nós usado no sentido de "n ã o
con tundir", não repele contudo o sentido de se distinguir na direção as-
censional; neste caso, distinguir certamente eqüivaleria a dizer sobressair.
Sòmente com atenção no contexto é que nos podemos prevenir com o sig­
nificado eventualmente usado.

100. •— Para distinguir o belo e a verdade, tem parecido a


alguns fôsse necessária a ligação essencial do belo com a vontade, ou
seja com o bonum. E o que apontam como essencial, não é senão a
propriedade (portanto acidental), que o belo tem de p ro d u zir o sentimento
estético. Nem se fa z necessário distinguir profundam ente o belo e o
verdadeiro, porque um é subordinado do outro, e por isso não devem
mesmo sair de uma área que lhes é comum, para ingressar em outra de
fora. Nem resulta d a li algum a coisa, porque a mesma p ro priedade que
o belo tem de a g ra d a r o apetite da vontade também a tem a verdade;
todo o fa la r à inteligência, não só do belo e da arte, é apreciado pelo
apetite da vontade, como um bem da inteligência.

Ocorresse a ligação do belo com o bonum, um impasse se cria ­


ria: ou o belo caberia dentro do verum, e então seria autônom o do bo ­
num; ou fica ria dentro do bonum, e por-se-ia do lado de fo ra do v e ru m . . .
N ão haveria, pois, lugar para uma posição, em que o belo fôsse antes
do tudo verum, mas com uma relação essencial com o bonum, com o que
só diferenciaria com o verum que não teria ta l ligação essencial.

M aquart, eminente tomista francês, depois de contestar a I.


G redt e a I. W ebert O . P. que afirm avam serem apenas propriedades
do belo a satisfação e o am or que êste produzia na vontade, argum enta
om favor de sua posição pessoal: "se assim fôsse, não haveria diferença
nssoncial entre o verum, que aquieta o apetite natural do inteleto, e o
bolo. Além disto o verum permanece verum nem se torna belo mesmo
quo a complacência cio apetite natural do inteleto redundasse à maneira
do propriedad e no seu respectivo apetite elícito. Portanto, deve-se manter
o soguinto: a) Com J. G redt, que o belo tem uma relação im ediata
com a apetite racional; b) mas que incide no apetite elícito, de maneira
91

porém que a relação para o apetite elícito seja a mesma essência cio
belo; c) e que assim o belo se diferencia, tanto do bonum, que tem
relação im ediata para o apetite elícito; quanto do verum, que tem relação
essencial somente para o apetite natural da potência cognoscitiva" (Ma-
quart, Elementa philosophiae 111-11 pág. 127, Paris, 1938).

Conforme já insistimos, nem o belo e o verum se distinguem


tã o profundam ente; nem, pode M a q u a rt insistir que o verum não produz
satisfação, do mesmo gênero estético, no apetite da vontade.

101. — A redução do belo ao bem, em vez de à verdade,


foi sempre uma tentação do platonism o. Deve-se am ar o belo; em am ar
o belo está tôda a sabedoria (Banquete 210 ‘.
Lemos em Plotino: "T odo o homem começará por fazer-se belo
e divino para obter a visão do belo da divindade. Assim, se elevará
prim eiro até a Inteligência, na que contem plará a beleza de tôdas as
formas, e proclam ará que tô d a esta beleza reside nas idéias. Com efeito,
tudo é belo nelas, tôda a vez que são filhas e a essência mesma da
Inteligência. Por cima desta encontrará a Aquêle a quem chamamos
natureza do Bem, e que fa z irra d ia r em tôrno a si a Beleza; de sorte que,
em resumo, o prim eiro que se apresenta é o Belo. Se se quiser esta­
belecer uma distinção entre os inteligíveis, ter-se-á que dizer que o Belo
inteligível é o lugar das idéias,- que o Bem, situado por cima do Belo, ó
sua fonte e princípio. Pôsto o Bem e o Belo como um só princípio, ôsto
fica sendo antes de tudo o Bem, e somente em segundo lugar o Bolo".
(Enneada I, 6, 9, conclusão).

102. — Há os que resistem à predicação transcendental o


extravasadora. Uns a negam de maneira geral para tôda e qualquer
predicação, adm itindo apenas a unívoca, outros somente não admitom
a transcendentalidade do belo. As noções de transcendentcilidade quo
ainda não aparecem claramente em Platão, surgiram em Aristóteles, ti­
veram o máximo de desenvolvimento em Tomaz de A quino, para enfim
encontrarem a forte resistência de Duns Scotus (1266-1308), o ú ltim o
grande nome da Idade de O uro da escolástica medieval.
V

A bandonando a noção do ser extravasante da transcendontali ■


dade, caracterizou-o como um substrato unívoco; as fo rm a lid a d e "a
parto ro i", quo não se fundem com a noção de ser, fariam as diferencia-
92

ÇÕe*., por acréscimo de maneira um tanto sim ilar ao das diferenças espe-
i íflcas que determinam o gênero. Assim, o conhecimento de um elemento
n<k» invocaria implicitam ente o outro, conforme faziam as noções trans-
condentais.
A filoso fia moderna, que em muitos pontos tra z heranças p la ­
tônicas, a semelhança do que já ocorre em Scoto, igualm ente desconsi­
derou a noção da predicação transcendental. Conto entretanto a p redi­
cação analógica das noções transcendentais é quase incontornável, não
raras vôzes reaparece subrepticiam ente entre aquêles que a negam.

O form alism o escotista, em alguns aspectos se reproduz nas


formas apriorísticas de Kant. Q uanto ao conteúdo do objeto, em Scoto
na formas existem a parte rei; em Kant, somente ocorrem no plano das
faculdades, como apriorísticas. Entretanto, esta circunstância é cecundá-
lio sob o ponto de vista da essência. Que dizem as formas? Êste é
ponto do vista da essência. Pergunta-se, então, se as formas kantianas
r.n predicam de maneira unívoca, ou se algum a vez na m odalidade ana-
lógica? Kant é notória mente' analítico e nada quer ver a mais,- o fe ­
nômeno é apenas o fenôm eno, sem nada de im plícito; por esta razão
afirm a que tudo o mais que dêle se diz somente pode resultar de uma
afirm ação a priori, de puro e simples acréscimo. O construtivismo das
formas, em isolando o ser do fenôm eno às formas, fo i um golpe mortal
na metafísica.
A inda no belo, onde Kant percebeu que a predicação se fazia
de modo diferente do que nas afirm ações que diziam construção do objeto,
o predicação continua sendo, ao que parece, unívoca. Embora coincida
com os aristotélicos em a firm a r que o belo não se predica do objeto do
nu",1110 m odo que dêle se predicam os conceitos categoriais, não coincide
contudo citó o fim.

103. — Insistindo na doutrina dos transcendentais, não se o-


tupou Tomaz de A quino diretam ente da transcendentalidade do belo.
< ontudo a transcendentalidade penetradora do belo se apresenta im-
p lítlla quando reduz o belo à verdade, a qual por sua vez é íranscen-
(Innlol,
Entre os oscolásticos modernos de linha mais pura tem-se isto
tom o pacífico, Vemo-lo assim na conceituação estética de M a rita in e
D orlil.
93

Negam a transcendentalidade do belo aqueles escolásticos co­


nhecidos por uma condescendência, por êles interpretada como linha p ro ­
gressista mas que de fa to redunda em ecleticismo deteriorante. A li se
encontram M. de Munnynck O . P. (L'esthétique de S. Thomas d'A quin, in
Vita e Pensiero, pp. 228-146, Fase. de filosofia d e li' Univ. de S. Cuore,
M ilão, 1923); tende a reduzir o belo à visão sensível, desligando-o do
inteleto; a emoção estética tam bém não ocorreria no apetite racional,
mas perm aneceria num plano emocional sensitivo; desta maneira afasta­
ria o caráter eminentemente transcendental que o belo poderia ter num
plano superior da mente. Em seu fa v o r tam bém criou uma interpretação
ao texto de S. Tomaz que diz serem belas as coisas, que, vistas, agradam .
No contexto tomista, as coisas, em bora vistas, são interpretadas pela men­
te, e assim, o belo, na coisa concreta sensível, é contudo objeto da mente.
Em se tra ta n d o de uma interpretação inteletualista que é também a de
M aritain, escreveria exatam ente contra êle M. de Munnynck. (Sôbre
detalhes, veja-se Vagn Lundgaard Simonsen, L'Esthétique de Jacques M a ­
ritain, Paris, 1933, pp. 21-22).

Também negaram a transcendentalidade do belo, Ch. Sen-


troul e M aurice de W u lf, da escola de Louvaina, ou do C ardeal Mercier,
do prim eiro quarteto do século.

Belas são as flôres, belas as ondas do mar, belos os traços


de um edifício, belas as ações virtuosas; em nenhum caso o belo se diz
de maneira unívoca, porque em cada um dêles a perfeição se realizou
a seu modo,- em cada ser concreto a beleza invadiu a contextura inteira
da form a em belezada e não lhe fo i a tribuída a beleza como um lastro
genérico, ou como uma estam pação acrescida a maneira de diferença
específica.

CONVERSIBILIDADE DO BELO E DO SER

104. — Ocorre uma conversibilidade entre as noções trans­


cendentais; portanto, concebido o belo como um transcendental, converte-
-se com o ser e seus modos transcendentais.
Dali resulta poderem-se justificar como materialm ente idênticas
as expressões "o belo é a ve rd a d e ", " o belo é o bem ", " o belo é a
unidade", " o belo ó o ser". . . .
94

A conversibilidade das noções transcendentais decorre da inter-


penetração das mesmas, o que não sucede com as categorias que se
alinham uma ao lado da outra como integralm ente distintas. N ão intro-
duzem os transcendentais diferenças específicas, por meio de acréscimos
oxtrínseccs, porque uma noção contém a outra im plicitam ente; isto se
deve afirm a r principalm ente do ser, que, por explicitação do que já
afirm a im plicitam ente, se desdobra nas demais noções transcendentais. A-
firmando-se como ser, im plicitam ente é o contrário do nada (a liq u id ), im­
plicitam ente é bom para si, im plicitam ente concorda com sua noção de
verdade. E assim, as noções transcendentais, enquanto se distinguem
pela razão, coincidem na realidade, com o ser. Embora a pedra precio­
sa brilhe pelas suas faces, não haveria faces reluzentes, se a pedra não
tivesse tal propriedade. Assim, o ser brilha pelas noções de bem, ve rd a ­
de e beleza, mas não b rilh a ria senão fôsse o ser que im plicitam ente con­
tivesse ditas modalidades.
Os transcendentais diferem pela razão, em bora coincidam ma­
terialmente. Uma vez que nós distinguimos o belo do bem, colocando-o
fora do círculo dêste, somente admitimos o belo como m aterialm ente i-
dêntico ao bem. " O belo e o bem coincidem no o b je to (in subjecto) p o r­
que se fundem sôbre a mesma coisa, a saber sôbre a form a; por isso, o
bem é louvado como belo. Mas diferem pela razão (ratione d ifferunt),
pois o bem diz respeito apropriadam ente (proprie) ao a p e tite . . . o belo,
porém, diz respeito à potência cognoscitiva. . (S. Theologica, I, q. 5, a.
4, ad }).

CONCLUSÃO SÔBRE A ESSÊNCIA DO BELO

105. — O belo se nos apresenta como perfeição, m arcada


pelo ajuste entre a realização concreta e o ideal absoluto, situação esta
posta em realçada evidência. Desta abundância nascem as propriedades.
Por isso, em sendo o belo o máximo dentro de cada essência, é
óbvio que desejamos o belo. Desejamos ver o belo, como também buscamos
realizá-lo. Almejamos nós mesmos ser belos. Anelamos o belo no corpo
o na alma. Desojcimos um belo rosto, a linda conform ação dos mem­
bros o a posso do bonitas vostos. Aspiramos sejam bolas as nossas ações,
95

brilhantes as nossas idéias e excelente o nosso espírito. A beleza ó uma


cspíração universal e legítim a. A sua perda causa profundo aborroci
mento, a sua posse, imensa alegria. Amamos profundam ente o belo. So
nos despojardes dêle, arruinareis todo o encanto de nossa vida. "O to z
de nos coeurs cet am our du beau, vous ôtez tout le charme de Ia vio".
(Jean Jacques Rousseau, Emile L. IV). Como perfeição, o belo nos ro-
comenda. " A beleza é uma carta de recomendação aberta, que por
antecipação nos dispõe favoràvelm ente o coração" (A. Schoppenhauer,
Aforismask

A rt. 2.°. A ESTÉTICA DE KANT E DE OUTROS

106. — O espírito singularm ente polêmico do homem, leva-


freqüentes vêzes a determ inar a natureza de um objeto, a p a rtir da e li­
minação da qu ilo que êle não é. O mesmo se fa z muitas vêzes com a
estética. Numa elim inação constante, num cêrco cada vez mais fechado,
a noção do belo vai sendo caçada. No seu d iá lo g o Hípias m aior, já
PSatão adotava o expediente. Iniciou perguntando se o belo é o ouro, se
é a virgem, se é a divindade, até a tin g ir as noções próximas à essência.

Contudo o processo elim inatório não funciona por si só. Pres­


supõe algo de positivo como instrumento de com paração. Ninguém e li­
mina falsas noções do belo, sem a lg o conhecer do p róprio belo. Dianto
disto, prim eiram ente o método prova subrepticiamente a essência do
be!o, para só então in fe rir a improcedência do seu contrário. Os dois
processos de argum entação, um aparentemente negativo e o outro posi­
tivo, se fundem num só, começando pela primasia do argum entar positivo;
o processo negativo não se constitui senão de uma explicitação maior
daq u ilo que a demonstração positiva fix a ra ; além disto, porém, a cid e n ­
talm ente, historia o erro e aponta para equívocos, mal-entend'dos, aprc«
xímcições.
De maneira geral, nos preocupamos sobretudo com as apro
ximações; olcis aprofundam o suplementam os pontos do vista abordados >
na oxposição positiva. Nosso principal osfôrço so concentra principal
rt.nntn om Kant; r.o fôr procedente a interpretação histórica quo aplica

T. do B
96

mos à sua estética, na p arte relativa à essência, ela terá sido uma con­
tribuição efetivam ente positiva e valiosa.
Q uanto às outras estéticas nos reduzimos a alguns aspectos
isolados.
Também é óbvio que nos limitemos aos autores que trataram
do estético-belo, pois há aquêles que se restringiram apenas ao estético
artístico. Kant, por exemplo, tratou predom inantem ente do belo, ao passo
que Hegel e Croce se concentraram no artístico.

§ 1.° — A ESTÉTICA DE KANT

107. — A fig u ra mental de Emanuel Kant (1724-1804) é uma


das mais singulares da história da filo so fia . O rdenou pertinazm ente todo
o seu sistema em tôrno de duas convicções pessoais, com uma insistência,
até então desconhecida.

De um lado estabelecia a infecundidade do fenôm eno, insis­


tindo que dêle nada mais p o deria obter do que a sua simples mostração.
Que seriam as côres, senão apenas côr? N ada de encontrar por entre
as suas dobras muitos conceitos a nos fala re m de essência das coisas.
O que se mostra, é apenas o seu mostrar. Permanecesse Kant nesta po ­
sição radical, se acom odaria no mais singelo fenomenismo, como já
o tentara faze r Hume, o em pirista inglês que negara o princípio de cau­
salidade, a pretexto de que somente vemos a sucessão das coisas, mas
não que umas causam as outras.

Defendendo em bora a exclusividade fenom enal dos aconteci­


mentos empíricos, reteve Kant to d o o esquema racionalista e clássico das
ossôncias metafísicas; salvou-as am parando-as num sistema complexo
do formas apriorísticas. Esvasiou as essências como rea lid a d e , mantendo-
■as, porém, como simples afirm ação lógica. N ão deixando "conteúdos",
Kant mantém contudo a todos os continentes.
As duas convicções de Kant, a do fenomenismo puro para cs
:onsívois, a do apriorism o para as representações das faculdades, são
multo discutívois. Mas, neste instante não vamos discernir se teve razão
esvaslando os fenômenos do sua re a lid a d e ontológica; esta questão diz res­
9/

peito ao a liq u id , enquanto a lg o se afirm a como objeto que se antopò i


e que se firm a na existência, como contrário do nada. Apenas a metade
disto, aceitou Kant: a a firm ação como objeto; êste objeto não cliegu
a se firm a r como realidade existencial independentemente da afirm ação
cognoscitiva. O assunto caberá ao terceiro capítulo. Ficamos a gora a p e ­
nas na área da essência, portanto da res; deixando o conteúdo, atende­
mos ao "co ntin ente ". Tomando em separado a questão da essência, não
im porta que o belo seja real, ou apenas afirm ação como simples anteposi-
ção ideal. Q uer numa flo r, quer num devaneio imaginoso de flo r, o belo
se diz tal, por idêntico motivo.

KANT E AS PROPRIEDADES DO BELO

108. — Determinou Kant as características do belo, para de ­


pois defini-lo. Segue, portanto, por um caminho certo, partindo do con­
creto para o abstrato. O mesmo, aliás, fêz em sua crítica do conhe­
cimento, começando a investigação pelo empírico.

Para Kant o belo se apresenta com propriedade teorética. N ão


usa esta denom inação, mas é o que efetivam ente estabelece. A fa c u l­
dade do Juízo, que vê o belo, contem pla o objeto e o julga em função
a um arquétipo, ou "causa fin a l fo rm a l", em função do qual o diz belo.
E assim o belo se constitui evidentemente num plano teorético.

109. — O belo, em Kant, ainda apresenta a propriedade


estética, ou seja a de produzir prazer de ordem muito especial, diferente
da satisfação comum interesseira.
Insistiu Kant notoriam ente na parte negativa desta propriedade,
mostrando mais o que ela não é, do que efetivam ente é em si mesma.
Revela como a satisfação comum se processa com interêsse, ao passo quo
o belo produz ag ra d o sem ta l interêsse.
Que significa "sem interêsse"? O que ingressa como elernon
to constitutivo de algo, como aspectos de que se compõe, "interessa" a
êste objeto,- por isso, é bom para ê!e; a vontade deseja tal coisa om
favor dêste objeto; procura criar o que fa lta , pondo-o na ordem da
existência efetiva e real. Conseguir alg o neste plano, produz "satisfação",
do uma cspócie que se podo denom inar "satisfação comum", ou prazer
98

da faculdade do desejar, a vontade. O mesmo ocorre quando a vontade


aprecia os alimentos como bem do corpo humano, o rem édio como meio
de recuperação da saúde, o dinheiro como instrumento da aquisição;
ern todos êstes casos, em ú ltim a instância se tra ta do aspecto estrutural
dos seres. Procurar com interêsse, significa pois a preciar a consti­
tuição de um objeto e querer sua realização objetiva.
N ão ocorre exatam ente o mesmo a propósito do belo, diz
Kant.
Êste seu ponto de vista é próxim o ao da filosofia clássica, quan­
do esta reduz o belo a uma noção transcendental. O belo diz ajuste
da coisa com um modêlo arquétipo; simplesmente sob êste ponto de
vista, que é da ordem do verum, não desperta a beleza o apetite
da vontade. Enquanto verum, a beleza sòmente poderia influenciar a
inteligência. Sendo o verum noção de ordem inteletual, é então natural
que sirva como objeto a p ro p ria d o da contem plação inteletual. A von­
tade, que aprecia as coisas apenas sob um ponto de vista de bonum,
se apraz em apreciando o belo em fa vo r da inteligência; eis onde se
form a o prazer estético, muito diferente do prazer comum.

Entretanto, não explicou Kant o prazer estético com êste


detalhe que o liga à inteligência; ocupou-se simplesmente em mostrar o
aspecto negativo: o prazer estético não é como o prazer b rotado do
interêsse; o prazer estético resulta do belo, concebido como ajuste da
coisa com o seu arquétipo, sendo êste prazer localizado em uma fa ­
culdade específica, denom inada "fa c u ld a d e do sentim ento". Faltou a
Kant perspiciência para juntar o prazer estético e o prazer comum em
uma só facu ld a d e ; não viu como apesar de tudo, o prazer estético surge,
na própria vontade que se emociona enquanto aprecia o belo como um
bem da inteligência, apesar de não ser objeto como os demais que
r;ntram na constituição das coisas.

110. — A leitura atenta dos vários textos kantianos que alu-


dom ao prazer estético, nos convence de que nenhuma vez Kant analisou
profundam ente a constituição intrínseca do prazer estético, ocupando-se
apenas om distingui-lo exteriorm ente da satisfação resultante do interêsse.
Eis um texto em que se distinguem os dois tipos de sentimento,
o oslútico o o prazer comum. " O a g radável e o bom têm ambos uma re­
lação com a faculdade do desejar e, enquanto a têm, levam consigo:
99

ciquêle uma satisfação patológico-condicionada (mediante estímulos), e An­


te, uma satisfação pura prática. Esta satisfação se determina não só pela
representação do objeto, senão, ao mesmo tempo, pelo enlace representa
do pelo sujeito com a existência daquele. N ão só o objeto apraz, senão
também sua existência.
Em troca o Juízo do gôsto é meramente contem plativo, isto é,
um juízo que, indiferente ao que toca à existência de um objeto, enlaça
a constituição dêste com o sentimento de prazer e dor. N ão vai, porém,
esta contem plação mesma tã o pouco d irig id a a conceitos, pois o Juízo
do gôsto não é um juízo de conhecimento (nem teórico, nem prático!, e,
portanto, nem fundado em conceitos, nem que os tenha como fim ".
(Cr. do Juízo § 5). Subentenda-se o "co n ce ito " como "fim o b je tivo", isto
é, fim objetivad o pela vontade. Êste fim objetivo apenas produz a sa­
tisfação do interêsse.
" A obtenção de um fim form al é acom panhada de um senti­
mento de p ra z e r" (Cr. do J., Intr. VI). Pouco depois: "Em realidade,
se na coincidência das percepções com as leis, segundo conceitos gerais
da natureza (as categorias), não encontramos nem podemos encontrar
o menor efeito sôbre o sentimento do prazer em nós, porque o entendi­
mento, nisto, procede sem intenção algum a necessàriamente, segundo sua
natureza, por outra parte, em troca, a possibilidade descoberta de unir
duas ou mais leis empíricas e heterogêneas da natureza sob um p rin ­
cípio que as compreende a ambas é o fundam ento de um prazer multo
notável, a miúdo até de uma adm iração, inclusive de uma tal adm iração
que não cessa, ainda que já se esteja bastante fa m ilia riz a d o com o o b ­
jeto da mesma" (Cr. do J., Intr. VI).

"Chama-se interêsse uma satisfação que unimos com a repre­


sentação da existência de um objeto. Semelhante interêsse está, portanto,
sempre em relação com a faculdade de desejar, seja como fundam ento
de determ inação da mesma. Pois bem, quando se tra ta de si a lg o ó
belo, não se quer saber se im porta a existência da coisa ou sòmento :,o
pode im portar a lg o a nós ou a algum outro, senão de como a julgamos
na mera contem plação (intuição, ou reflexão')" (Cr. do Juízo, § 2). A
seguir dá o exemplo concreto dos que apreciavam em Paris as coisas
apenas pelo lado do interêsse e por isso por nada se impressionavam:
"Se algum me pergunta se acho formoso o p alácio quo tenho ante mous
olhos, posso contestar: não me agradam as coisas quo são feitas apu
II .1

n i | min i iu lm liú Ias com a bôca aberta. Ou responder como aquêle


l i ‘ í |ii Ai , quo nada cm Paris lhe a g ra d a va senão as pastelarias".
Os exemplos de Kant não progridem na explicação; eqüivalem
aos mitos de Platão, porque simplesmente exem plificam e nada mais. A
contem plação especulativa do belo, produz o prazer. Mas não chega
a perceber que êste prazer pode ser exercido pela vontade enquanto
aprecia o belo como objeto adequado da mente. Adm ite simplesmente
o prazer estético, como pro p rie d a d e do belo, sem m aior explicação sôbre’
a natureza do p ró p rio prazer estético. Faltou penetração. Uma pers-
piciência mais profunda manda reunir sob um denom inador comum ambos
os prazeres, diferenciando-os apenas pelo objeto. Kant viu a diferença
cJcs objetos, mas não o denom inador comum que aproxim a os dois p ra ­
zeres. Por isso adotou a desnecessária divisão das duas faculdades
emotivas, a do prazer da vontade e a do sentimento.

111. — Em Kant também a arte é produtora de sentimento


estético. O m otivo se encontra na circunstância de se e n q u a d ra r o o b ­
jeto artístico no esquema da fin a lid a d e form al. Revestem-se as obras
de arte indubitàvelm ente de uma "fin a lid a d e fo rm a l", plasmando-se de
acôrdo com uma idéia exem plar. Refere-se também Kant aos organismos
dos seres vivos, em que a fin a lid a d e interna se evidencia mui claramente.
Organismos e obras de arte se manifestam muito mais depressa enqua­
drados dentro da intencionalidade, visto que se comportam como to ta lid a -
des em que as partes exercem funções.

A perfeição que resulta nos seres vivos e nas obras de arte


efetivam ente produz sentimento estético; mas, descritos à maneira de
obras perfeitas, a a fe tivid a d e que exercem resulta diretam ente da beleza
que então manifestam.
Achamos, entretanto, que a arte não só a g ra d a como obra
eventualmente pe rfe ita ; a arte exerce tam bém uma função íeorética de
expressão de pensamento em obra sensível; esta expressão, eis o que
pode ser o objeto de apreciação do apetite em fa v o r do inteleto. En­
quanto o inteleto atende à mensagem de expressão, exerce um conheci­
mento, alcança o objeto como verum. A vontade, em apreciando dito
bom da inteligência, goza de um sentimento, que se distingue dos sen­
timentos comuns; tal sentimento, resultante de um objeto do círculo mental,
produz um sentimento específico, que achamos estético-artístico.
101

112. — Pretende Kant que nos objetos do "entendim ento" "n a o


encontramos e nem podemos encontrar o menor efeito sôbre o sentimenlo
do prazer em nós".
De maneira geral, nos parece, contudo, que todo o conheci­
mento meramente teorético, produz satisfação. Precisamente, é a ieo-
reticidade o elemento que faz um objeto provocar o sentimento estético.
N ão é por ser belo, mas por ser teorético, que o belo provoca o senti­
mento estético; mas por ser belo, poderá um objeto constituir-se como
eminentemente teorético, como objeto o mais apreciado; teríamos, então, o
sentimento estético-beio. Q uanto à expressão artística, em virtude do
sua poderosa maneira teorética de fa la r ao inteleto, produz, por isso
mesmo, forte sentimento estético; não é por ser artístico, que o artístico
provoca o sentimento estético, mas por ser teorético; no caso teríamos
um sentimento estético-artístico. Assim também com qualquer outro co­
nhecimento teríamos um sentimento estético; não resultaria da circunstância
c!e ser uma noção a lg é brica , ou química, ou filosófica, mas em virtude
cia teoreticidade. Desde que o inteleto possa conhecer algo, obteve como
seu objetivo o verum; a vontade aprecia tal bem em benefício do in te ­
leto, e se aquieta num sentimento estético.

Em assim sendo, não nos parece aceitável o ponto de vista


kantiano de que não produzam sentimento estético os conceitos formados
pelo "entendim ento": unidade, p lu ra lid a d e , to ta lid a d e , realidade, ne­
gação, lim itação, substância e acidente, causa e efeito, ação e paixão,
possibilidade e impossibilidade, existência e não existência, necessidado
e contingência. Também tais coisas nos oferecem um prazer muito es­
pecial ao serem conhecidas.

KANT E A ESSÊNCIA DO BELO

113. — A estética de Kant assume aspecto confuso, porque


ingressa em importantes distinções metafísicas, que já vêm de Sócralor.,
Platão e Aristóteles, comportando-se, porém, titubeante e sem conhecer
neste pa rticula r seus antecessores; a Crítica do Juízo, surge mesmo só
depois de publicadas as da Razão pura e da Razão prática, om quo n
atitude mental é a do pesquisador em terreno desconhecido. Parece a<]ii
com a impressão do tra ta r assunto intoiram onto nôvo, o quo 6 fa ljo .
102

A fim de marcharmos com clareza e segurança, atravessaremos


por outros caminhos, olhando de pontos melhor escolhidos o pensamento
de Kant. O filósofo de Koenigsberg se aparenta com o via jo r que a tra ­
vessa a campina a prim eira vez; avançando ao mesmo tem po que abre
o trilh o, salta de quando em quando por valas e por sôbre pedras; sem
de ixar de a tin g ir a meta fin a l, não viu bem o exato caminho e nem
pode descrevê-lo todo. Kant começa por redescobrir a diferença que
vai entre dois modos de predicar, o das "c a te g o ria s " e o dos "tra n s ­
cendentais". Em vez de seguir por ordem , a d ianta assuntos isolada­
mente com o do belo. A o mesmo tem po que distingue entre si as pre-
dicações categoriais e as predicações transcendentais, subdistingue as
transcendentais, sem conhecer a to ta lid a d e dos transcendentais, de sorte
a tra ta r do belo como qu a lqu e r coisa isolada, quando na verdade per­
tence a uma fa m ília am pla de noções. Advertimos que em geral usamos
os termos "c a te g o ria " e "tra n scen d e n ta l" no sentido técnico clássico.

A nova "fa m ília " de noções que Kant descobriu, mas que
não viu em tôda a sua a m plidão, como os escolásticos expunham os trans­
cendentais em número de seis, foi por êle isolada como o bjeto tra ta d o
por uma faculdade específica, a Faculdade do Juízo (U rtheilskraft). Em
criando nova faculdade, distanciou-se dos clássicos, que põem as no­
ções de qualquer índole, numa só faculdade. Todavia esta circunstân­
cia é secundária; o im portante é que Kant houvesse percebido que as
noções categoriais não eram idênticas àquelas ditas transcendentais.

Temos por convenção denom inar a "F aculdade do Juízo", com


lotra maiúscula, para g a ra n tir a diferença com o juízo determ inante, da
"ta cu ld a d e do entendim ento"; êste enuncia apenas afirm ações em ter­
mos categoriais e tem a vantagem de sempre estar conhecido o universal,
sob o qual com fa c ilid a d e se vê subsumado o particular, a diversidade
dos fenômenos sensíveis. O Juízo da faculdade do Juízo é reflectante,
porque reúne o p a rticu la r sob o universal, marchando em geral com d i­
ficuldade, em termos como os explicados, isto é, como os transcen­
dentais.

114. — Também o Entendimento subsume o p a rticu la r sob o


universal, como se pode ver em tôdas as categorias. A gora precisamos
inoslrar a diferença e que já se vinha observando no conceito, desco­
berto por Sócratos, quo reunia sob o universal os muitos indivíduos e na
103

idéia arquétipa de Platão, que tam bém juntava todos sob um só universal,
mas enquanto modêlo único daqueles indivíduos.
A faculdade do Entendimento, de Kant, opera à maneira dos
conceitos de Sócrates; a faculdade do Juízo, de Kant, opera, por sua
vez, à maneira das idéias exemplares de Platão.
No entendimento se juntam dados singulares sob um gênero
universal. Mas, no entendim ento ocorre uma síntese do singular sob
o universal, como simples congraçamento; é o eidos ou o conceito, cie
Sócrates. N o Juízo, o universal funciona à maneira de arquétipo, como
a idéia de Platão, que está por sôbre os indivíduos enquanto modêlo de
todos êles. Em Aristóteles o arquétipo platônico, é o ato a que tôda
a potência aspira; êste ato é concebido como essência absoluta, univer­
sal metafísico.
O ato a que a potência aspira, ou o modêlo a que o in d iv i­
dual se subordina, assume o caráter de fim , ou seja de "fim fo rm a l".
Isto quer dizer, assume o caráter de form a, segundo a qual se plasma o
indivíduo, ou segundo a qual a potência se atualiza. É a form a interior
que orienta o plasmamento da obra que se realiza. Como um Logos
a anim ar a ação do movimento, a form a dirige o crescimento da planta
e do anim al. Assim também o arquétipo, de modo geral, é o fim fo r­
mal que plasma todos os seres.

O têrmo " ju lg a r" se aplica, portanto, de dois modos; no simples


conceito, julgamos afirm ando o conceito de um sujeito; na idéia arquétipa,
julgamos definindo se um indivíduo concreto se ajusta ao arquétipo. So
melhantemente, o químico diz de como se constituem os elementos (p ri­
meiro juízo, em conceitos); o m agistrado julga o réu, enquadrando-o fora
ou dentro da lei (segundo juízo, em função ao arquétipo').
Citamos Kant: "Com o o conceito de um objeto, enquanto on
cerra ao mesmo tem po a base da realidade dêste objeto, se chama o fim,
e como a concordância de uma coisa com aquela qu a lid a d e das coisar.
que só é possível segundo fins se chama a fin a lid a d e da form a das colr.cr.
mas, resulta assim que o princípio do Juízo, com relação à form a
das coisas da natureza sob leis empíricas em geral, é a fin a lid a d o da
natureza em sua diversidade. Isto é, a natureza é representada mo
diante êste conceito, como se um entendimento encerrasse a baso da
unidade do diverso e suas leis em píricas. . . Êste concoito ó também
completamente distinto da fin a lid a d o prática (da arto humana, ou Ujmbóm
104

dos costumes', embora seja pensado em a n alogia com a mesma" (Cr. do


Juízo, Intr. IV).
Dali resulta uma "le i de especificação da n atureza", porque
põe certos esquemas a que os dados empíricos devem obedecer, dentro
dos quais se organizam em espécie e gêneros:

" O Juízo tem, pois, tambérn um princípio a prio ri para a pos­


sibilidade da natureza, porém só em relação subjetiva, em si, por meio
do qual prescreve uma lei, não à natureza (como a u tonom ia^ senão
a si mesmo (como heautonom ia) para a reflexão sôbre aquela, e pode
chamar-se lei da especificação da natureza em consideração de suas
lois empíricas, e esta lei não a conhece ela a p rio ri na natureza, senão
que a adm ite para uma ordenação da mesma, cognoscível para o nosso
entendimento, na divisão que ela fa z de suas leis gerais, querendo sub­
o rdina r a estas uma diversidade do p a rtic u la r". (Cr. do Juízo, Intr. IV)

115. — Reencontramos, portanto, em Emanuel Kant o conceito


clássico de form a como fin a lid a d e . Todos os seres potenciais, quer seja
a potência na ordem da essência (como a matéria), quer seja a potência
na ordem do ser (como a essência diante da existência^ tem como vim
a realização plena do ato: a m atéria realizando a form a, a essência
atualizando-se na existência.
Neste p a rticu la r, o platonism o e o aristotelismo eventualmente
coincidem nos fundamentos. Os esquemas de uma essência absoluta,
<lc uma form a a realizar, de uma estrutura universalmente v a lid a d a , a tra ­
vessam da an tiguidade, através da idade média, alcançando os tempos
modernos, até chegarem a Kant. Reencontramos, pois, em Kant o con-
to ito clássico de form a como norm atividade das coisas singulares e con­
tingentes.
Apenas o v a lo r do conteúdo, êste é que muda. Os esquemas
absolutos permanecem válidos apenas para o piano transcendental, ou
para o círculo das faculdades. Por isso sempre afirm amos, que a es­
tética de Kant, no que diz respeito ao conteúdo, é nova como tô d a a
:.ua filosofia, mas permanece na linha da tra d içã o em tudo quanto
1o roforo à essência. Aliás, a preocupação de Kant, nunca fo i a da
cssôncia das afirm ações mentais, porém do seu conteúdo. Antes de
tudo faz a crítica do Juízo, não a análise do que o juízo assevera como
osí.Ancla,
10.'»

"Sempre que, na metafísica a nterior a Kant, se tratava o pro


blema da form a individual do real, se lhe associava a idéia de um on
tendimento absolutamente ajustado a um fim que havia sabido plasmar
no ser uma form a originàriam ente interior, da que a realizada por nós
em nossos conceitos não era mais que uma tradução e um re fle xo . . .
Kant leva a cabo tam bém aqui essa transform ação característica de todo
o nôvo rumo do seu idealismo: a idéia se converte, de uma potência
objetivo-criadora existente nas coisas, em princípio e regra geral de
cognoscibilidade das coisas como objetos de experiência" (Cassirer, Kant
6, 3).

116. — Como já se observa, vai finalm ente Kant descend


de suas transcendentes alturas platônicas, para o reino das coisas con­
cretas dos dados empíricos. Kant valorizou muito mais o empírico do
que Platão; êste se desliga da m atéria, influenciado pelo orfismo ca
íártico dos pitagóricos e que retransmitiu para todo o neoplatonismo
sempre caracterizadam ente ascético. Kant se situa na origem do mo­
vimento rom ântico alem ão. Apesar de sua extravagância e seu modo
abstrato de escrever, sem imagens e até sem organização, ocupa-se do
coisas como os gêneros e as espécies que enquadram os fenômenos em­
píricos.

Embora tardiam ente, observou que o quadro do mundo ainda


não se havia com pletado com os apriorismos do entendimento. N ão
bastava, como a li se fa z ia , pensar as coisas em termos de possibilidado
e im possibilidade, re a lid a d e e irre a lid a d e , substância e acidente, causa
e efeito, etc., etc., G rande era a seriação das doze categorias, e n ­
tretanto se fechava num certo setor de determinações, que não abarcava
a ordem que ainda se observava no mundo dos dcidos empíricos a obe
decer arquétipos, gêneros e espécies, leis e finalismos em geral. N ão
determinavam as categorias porque alg o devesse se subordinar a tal
ou tal gênero ou espécie, seguir tais ou tais normas de perfeição ci rea
lizar. N ão explicavam as categorias porque a devesse ser b ou c. I
uma questão que se denominou de ordem q u a litativa , p rópria do Juízo,
diferente da quan tita tiva e estrutural, que as categorias do entendim ento
determinavam . Enquanto os conceitos da faculdade do entendim ento
só form ulavam princípios supremos com quo se construíam os objeto-.,
ainda restava por so fazer a coordenação da m ultitudo heterogênea do*.
106

fenômenos concretos, em jerarquias crescentes, para enfim pô-las em to ­


dos absolutos, tal como Platão via as coisas particulares dentro de um
todo, a essência, o conceito metafísico. Em tudo Kant se coloca no es­
quema clássico das essências gerais e absolutas, com a diferença de
que elas se constituem apenas (sob o ponto de vista do conteúdo crite-
riológico) como form as aprioristicam ente afirm adas, sem ressonância no
plano real ou ontológico.

117. — Tentaremos p ro g re d ir por ordem; seguindo o andar


da doutrina dos transcendentais, mostraremos como Kant adere à mesma,
ora bem, ora mal, ora omisso.
Primeiramente distinguiremos a predicação transcendental da
categoria!, mostrando como Kant se encontra próxim o à noção escolcs-
tica do transcendental; mas que não conheceu a to ta lid a d e do esquema
dos transcendentais.
Num segundo tem po passamos a distinguir entre os muitos
transcendentais, revelando que Kant se preocupa em distinguir entre o
belo e o bonum, menos preocupado em distinguir entre o belo e a verdade
ontológica.
Num terceiro item aludirem os ao arquétipo, a "fin a lid a d e fo r­
m al", sempre necessário a fim de que ocorram as noções transcendentais
de verdade e beleza; anotar-se-á ainda uma vez a coincidência da fó r­
mula kantiana com a dos clássicos.

Num quarto momento, insistiremos, contra Kant, que as noções


transcendentais, em bora não determinem o objeto do mesmo modo como
as categorias, o determinam contudo tam bém ab intrínseco, como noções
form alm ente contidas, em bora implicitam ente, em todo o ser.
Com êste plano a nos guiar, sem nos d eixar d irig ir por Kant,
que nos poderia isolar em considerações extemporâneas, atingimos os
assuntos diretam ente ligados ao que temos em vista.

KANT PRÓXIMO À N O Ç Ã O ARISTOTÉLICA E ESCOLÁSTICA


DO TRANSCENDENTAL

118. — A q u ilo que Kant sempre descreve como "sem inte-


rôsso' o quo se diz coisa tom ada como um todo, é nada mais do que
10/

uma exposição confusa da doutrina aristotélica e escolástica do9 trem*,


cendentais.
Já explicamos diversas vêzes o que significa "sem interòssei",
p o ra diferenciar esta fa m ília de noções de uma outra. O objeto, cons
truído pelo "entendim ento", assume as peculiaridades nítidas da prodl
cação "c a te g o ria l", em que cada elemento se distingue do outro roal
mente e nenhum inclui, portanto, ao outro diretamente,- as categorias são
camadas estanques, que constróem o edifício da realidade, como tijolos
que se sobrepõem.
Mas, observa Kant a ocorrência de noções que não se dizem
do objeto com a mesma ordem de predicação,- envereda então pela pro-
dicação transcendental, no sentido clássico.

Uma destas noções que aponta é a da beleza. Já temos e x ­


p licado muitas vêzes, como Kant mantém a noção clássica do belo, quo
se diz de a lgo enquanto se ajusta ao arquétipo. A gora, já não visamos
diretam ente a noção do belo enquanto belo, mas sua índole transcen
dental.
É evidente que uma qu a lid a d e que se predica de uma coisa, en ­
quanto esta se ajusta a um arquétipo, não é simplesmente categorial. A
nova determ inação assume as características dos modos transcendentais
Está mesmo prevista na relação clássica dêstes modos. Evidencia-se, por
tanto, uma aproxim ação de Kant com a noção aristotélica e escolástica
dos transcendentais.

119. — Mas, enquanto se aproxim a da noção dos transco


dentais, conserva-se Kant numa posição notoriam ente incoativa, como
a de Platão. A b orda o assunto sem a tin g ir a to ta lid a d e . A doutrina
dos transcendentais depois de Platão ingressou num desenvolvimento ní
tid o com Aristóteles e sobretudo com Tomaz de Aquino.

Êste lança a questão prim eiro simplesmente, p ortanto sempro


em absoluto, em que ocorre uma prim eira noção transcendental, quo ó
a do p róprio ser considerado como tal (ens ut sic).
Depois o ser é considerado segundo um certo ponto do vista
(secundum q u id ). A g o ra , a consideração pcissa a ocorrer em ubsoluto,
e então, afirm ando, temos o ser considerado como res (coisa, ou essência'
,e negando, tomos o ser considerado como unum (unidade indlvlsa om
em si). O correndo a considoração om sentido relativo, lomor. novamonto
ma
O sor considerado, ao a firm a r, como verum e bonum; ao negar, como a li­
quid fo contrário do nada, como existência).

Tôdas estas noções se apresentam inegàvelmente como trans­


cendentais; de nenhuma sorte se reduzem às categorias, porque conside­
ram o objeto sempre como um to d o constituído. O ra, Kant, ao consi­
derar o objeto como um todo, como pretendeu, não devia limitar-se a
noções isoladas, como por exem plo a do belo. Um desenvolvimento
sistemático tem de considerar não apenas as "fin a lid a d e s form ais", o
que é situar-se no círculo do verum apenas, mas a tôdas as noções desta
índole. N ada mais com pleto do que o quadro de Santo Tomaz, em
que o objeto, considerado como um todo, ora é considerado simplesmente,
ora secundum q uid; êste ora em absoluto, ora relativam ente; o absoluto
ora afirm ando, ora negando; o relativo, também ora afirm ando, ora ne­
gando. As instâncias estão completas; o esquema, portanto, se fecha
corno integralizado.

120. — Dentro, porém, da noção isolada do belo, Kant


desenvolve esta noção com nítida consciência de que se tra ta de um
transcendental. É o que sempre fica muito claro quando afirm a que
o Juízo estético opina sôbre o objeto tom ado como um todo; sem a firm a r
dêle qualquer determ inação categorial, o julga em função a um a rqué­
tipo e pelas propriedades que d a li decorrem, como a esteticidade.

Desenvolvendo esta doutrina inteiramente isolado das concep­


ções históricas e ainda influenciado por notório vêzo pelos tecnicismos,
Kant contribuiu tam bém para uma linguagem que não deixa de a p re ­
sentar um relativo valor. Q uando um clássico se exprim e em predica-
çáo categorial e transcendental, Emanuel Kant nos fa la do mesmo as­
sunto nas expressões que dizem ju lg a r um objeto "com o um to d o " (pre-
dicação transcendental) e ju lgá-lo "com o conceito" (predicação catego-
riaH.
Na term inologia técnica de Kant, o belo não é conceito;
porque conceito é uma form a constitutiva do objeto. O belo não é
natureza; porque a natureza é o objeto construído pelas doze categorias.
(3 bolo não é objeto; porque o objeto se diz antes de tudo das partes
quo constroem o todo categorial. O belo não é representação; porque
representação é a projeção conceptual que o entendimento lança diante
do si quando envolve os dados sensíveis com as formas apriorísticas
109

chamadas conceitos. O belo não é idéia; porque a idéia sòmento nasce


do produto da razão, quando raciocina e obtém conclusões. Enfim, o
belo como afirm ação não é um juízo lógico, porque a afirm ação lógica
é a que afirm a partes constitutivas e estruturais do objeto, como o faz
o entendimento.

121. — Leiamos um texto típico de Kant, em que tanto so


observa um tecnicismo evidente, como a ocorrência de sua noção do
belo como transcendental.
"P ara decidir se algum a coisa é bela, ou não, referimos a
representação, não pela compreensão do objeto de cognição mas pela
im aginação (talvez em conjunção com o entendimento) do indivíduo
e a sua sensação de prazer e dor. O Juízo de gôsto não é, pois, um
juízo de conhecimento; portanto, não é lógico, senão estético, enten­
dendo por isto aquêle cuja base determ inante não pode ser mais quo
subjetiva. Tôda a relação das representações, inclusive às das sensa­
ções, pode, porém, ser objetiva (e ela significa então o real de uma
representação em pírica); mas não a relação com o sentimento do prazer
e dor, mediante a qual nada é designado no objeto, senão que nela
o sujeito sente de que modo é afeta d o pela representação" (Kant, Cr.
do Juízo, § 1).
"P ara encontrar que a lg o é bom tenho que saber sempre que
classe de coisa deva ser o objeto, isto é, ter um conceito do mesmo: para
encontrar nêle beleza não tenho necessidade disso". (Ibidem § 4
E agora um texto de Cassirer, da escola neokantiana de Mag-
deburgo, e interpretando Kant: "A q u i não se desintegra o fenôm eno em
suas condições, mas como se apresenta diretam ente; não penetramos cm
suas causas ou em seus efeitos conceptuais, mas nos detemos no conceito
mesmo, para nos entregarmos exclusivamente à impressão que a sua
simples contem plação desperta em nós. Em vez de desintegrar e isolar
as partes e descobrir suas relações de supraordenação com vistas a uma
classificação conceptual, trata-se de captá-las a tôdas em conjunto »>
de agrupá-las dentro de uma visão to ta l dentro de nossa im aginação. ,
Destacamos nelas sobretudo seu puro va lo r de presente, tal como :o
revela à intuição mesma" 'Cassirer, Kant, ó, 4).

1 2 2 .-- Reportando-se engenhosamente aos quatro grupos cln


categorias, afastando das mesmas as noções do belo, definiu Kant | "i
110

q u atro vêzes o belo; ao mesmo tem po o distingue às vêzes do bonum,


enunciando diretam ente a essência do belo enquanto referência a um
arquétipo; outras vêzes aponta diretam ente para a sua propriedade
estética. E assim, ora a legando aspectos negativos, ora positivos, ora
cs efeitos, as definições de Kant, vão conduzindo confusamente à noção
do belo.
Eis as definições, que êle expôs ao fim dos p arágrafos em
que as defendia:

a) "D e fin içã o do belo deduzida do prim eiro momento (a


q u alid ade). O gôsto é a faculdade de ju lg a r um objeto ou uma re­
presentação m ediante uma satisfação, ou um descontentamento, sem
interêsse algum. O objeto de semelhante satisfação chama-se b e lo " (Cr.
do Juízo § 5).
b) "D e fin içã o do belo deduzida do segundo momento (a
quantidade). Belo é o que, sem conceito, a p ra z universalm ente" (§ 9).
c) "D e fin içã o do belo, e xtraída dêste terceiro momento (a
relação). Beleza é form a da fin a lid a d e de um objeto enquanto é per­
cebida nêle sem a representação de um fim " (§ 19).
d) "D e fin içã o do belo deduzida do q u arto momento. Belo
é o que, sem conceito, é conhecido como objeto de uma necessária satis­
fa çã o " (§ 22).

123. — Na prim eira definição (a p a rtir da q u a lid a d e ) define


Kant o belo alegando sua pro p rie d a d e estética; o sentimento estético é
uma sentimento diverso daquele que resulta de um interêsse. Está
ceito, como definição que indica a essência a p a rtir da p ropriedade;
mas não é a mesma essência. N ão fo i, portanto, Kant à essência do
belo, aqui.
Como método, na verdade o caminho que nos conduz à es-
:6ncia é a propriedade. Tem o belo como p ro priedade um sentimento,
sem interêsse.
Q uando, na segunda definição, sob o ponto de vista da quan­
tidade, atrib u i ao belo a índole de ap ra ze r universalmente, pretende a-
fiançar que o juízo de interêsse poderá não ser universal. Dever-se-ia,
pois, dizer que "o vinho das C anárias me é a g ra d á v e l" e não simples­
mente " o vinho das Canárias é a g ra d á v e l". Depois afirm a: "Com o
I H o ocorro alg o mui diferente. Seria (exatamente ao revés) ridículo
111

que alguém , que se julgasse possuir algum gôsto, adiantasse ostas p a ­


lavras: êste objeto (o edifício, o tra je , o concêrto que ouvimos, a poosia)
são belos para m im " (Cr. do J. § 7).

A observação de que o juízo do "interêsse" poderá não ser


universal, não é aduzida com acêrto. Enquanto interêsse, a noção so
reduz ao bonum; o interêsse como ta l é tam bém universal. Q uanto aos
casos particulares, em que o bonum se a p lica , êstes certamente poderão
oscilar. Também o belo, nos casos particulares, adm ite a mesma restri­
ção. O vinho das Canárias, sim pliciter é sempre bom . . . E assim, uma
flo r simpliciter é sempre b e la . . . Se entretanto cabe dizer o vinho é
bom para mim, êste "p a ra mim", é p ró p rio do fa la r a respeito do bonum;
a noção do bonum, exatam ente por ser interêsse, se firm a como inte­
rêsse para alguém ; no caso singular a p ontado, o interêsse era em meu
favor. Para in d ivid u a liza r a flo r, usamos a expressão esta flo r. Poderá
esta flo r não ser contudo bela, apesar de a flo r simpliciter, como noção,
sempre associar a noção de beleza. Portanto, também o interêsse, ou
bonum, é um transcendental.

KANT E AS DISTINÇÕES ENTRE O BELO E O BONUM

124. — Ao mesmo tem po que Kant distingue o belo, como


a lg o "sem interêsse", e os elementos indicados pelas categorias como
alg o "com interêsse", distingue entre o belo e o bonum ontológico. So
reduzirmos o belo ao círculo do verum ontológico, temos a dizer que
separou entre verum e bonum. Por que? Kant não esclarece, mas re­
sulta nisto. E é onde sua interpretação do belo vai notoriam ente com
a dos clássicos. Êstes fixam o bonum como a q u ilo que convém; o verum
como a qu ilo que se ajusta ao arquétipo, reduzido enfim o belo ao verum
e não ao bonum.

Que significa exatam ente o "com interêsse"? Bonum á a


determ inação em que incorre um ser enquanto convém a si mesmo; por
servir para ser o que é; por ser do seu pró p rio interêsse. Neste sentido,
tudo o quo controo as estruturas de um ser, lhe servo como bom, portanto
com intorôsso. As doz categorias do Aristótolos, enquanto controom o
sor <'i maneira do arlstotolismo, o assim também as dozo categorias da

n 'r. do n
112

Kant, enquanto estruturam o o bjeto à maneira do kantismo, são d o


"interêsse" da coisa construída.
Kant não parece ter exam inado inteiram ente em separado o
"interêsse' como noção transcendental, equivalente ao bonum do arito-
telismo; era a mesma coisa. A firm a va que as categorias como um todo,
eram do interêsse do objeto, mas não observava que o interêsse em
si mesmo ocorria ao mesmo tem po como uma determ inação qualifica-
dora. Viu esta situação a propósito do belo; diz o belo a lg o do ob ­
jeto, tom ado como um todo diante do arquétipo. Assim, o mesmo o b ­
jeto, constituído como um todo, era a lg o de interêsse diante de si mesmo,
e por isso o objeto se apresentava como um bonum; também as catego­
rias que o constituíam, cada uma, enquanto era um interêsse para êste
todo, se determ inava como um bonum, ou seja como um interêsse.

Também a noção do verum ontológico, que subrepticiamente


aparece na sua definição do belo, não chegou ao desenvolvimento que
poderia ter alcançado. O belo, como ajuste a uma fin a lid a d e form al,
não é senão o p ró p rio verum ontológico. Assim como as coisas convêm
a si e por isso são "com interêsse" e portanto boas, da mesma form a
as coisas se conformam ao seu a rquétipo ideal e se dizem verdadeiras.
O belo precisa uma nota ainda mais específica, para então se definir
como verdade ontológica em realce.

KANT E OS ARQUÉTIPOS DO BELO E DA VERDADE ONTOLÓ GICA

125. — O belo e o verum envolvem a questão do arquétipo,


distinguindo-se por êste lado em comum do bonum. Prosseguiremos a
exposição mostrando como Kant apresenta a questão do arquétipo. Aqui
não nos interessa ainda o conteúdo meramente apriorístico, que pretendeu
dar a esta noção, mas simplesmente a noção enquanto exprim e uma
essência; sob êste ponto de vista apenas, ocorre uma notável a p ro x i­
mação com as posições clássicas.

Observou Kant ser difícil e penoso encontrar os arquétipos,,


leis gerais da natureza, os gêneros e as espécies, enfim os princípios,
formais.
A mesma d ificu ld a d e não ocorre no plano categorial; os con-
coitos so mostram prontam ente, sendo logo enunciado o p a rticu la r sob.
113

o universal; o juízo determ inante do "entendim ento" subsume espontâ


neamente os dados empíricos sob o universal. "O juízo, em geral, ó
a faculdade de pensar o p a rticu la r como contido no universal. So o
universal (a regra, o princípio, a lei) é dado, o juízo que subsume nôle
o p a rticu la r (inclusive quando como juízo transcendental põe a priori
as condições dentro das quais sòmente pode subsumir-se no geral), ó
determ inante" (Cr. do Juízo, Intr. IV).
N o plano das noções transcendentais do belo e do verum, a
presentam-se os dados empíricos, como as fiôres, as pedras, os animais,
sem que prontam ente tenhamos a noção exata do modêlo a rquétipo a
que devam subordinar-se e em função do qual se dizem perfeitas o
belas. A pesquisa da ciência e da filosofia dispende largos esforços
para enfim alcançar um suposto arq u é tip o ideal, a essência metafísica,
a fin a lid a d e form al, o gênero e a espécie.

Kant apontou p ara êste problem a, ao mesmo tem po que in­


dicava a ocorrência de tal fam ília de noções: "Porém se só o particular
é dado sob o qual êle deve encontrar o universal, então o juízo é
sòmente reflexionante. O juízo determ inante sob leis universais trans­
cendentais que dá o entendim ento não fa z mais que subsumir; a lei
lhe é apresentada a p rio ri, e não tem necessidade, portanto, de pensar
por si mesmo em sua lei, com o fim de poder subordinar o particular
na natureza ao universal. Há, porém, formas da natureza tão diversas,
e, por assim dizer, tantas modificações dos conceitos gerais transcenden­
tais da natureza, modificações que aquelas leis dadas pelo entendimento
puro a priori deixam indeterm inadas, porque estas leis, dizem respeito,
em geral, à possibilidade de uma natureza (como objeto dos sentidos),
que tem que haver, portanto, para determiná-las, também leis que so
bem passam ser como empíricas, contingentes para a apreciação do
nosso entendimento, terão, contudo, se há que chamá-las leis (como o exigo
assim o conceito de uma natureza), que ser consideradas também como
necessárias para um princípio da unidade do diverso, ainda quo ôstn
princípio nos seja desconhecido" (Cr. do Juízo, Intr. IV).

126. A fin a lid a d e seria o exato princípio a im por a uni­


dade absoluta aos dados empíricos dispersos. Dali resultaria quo 03
indivíduos devessem so re a liza r dentro do cortas normas do ossôncla fixas,
oslaü coincidiriam , em parte, com outras, fazendo om conjunto 0 gAnero,
114

C ada essência se estabelece com algumas propriedades, que lhe são


absolutas; nascem, com isso, as leis, que se descobrem empiricamente,
mas que são absolutas.

Entendida a fin a lid a d e como certa norma absoluta a ser rea­


lizada pelos indivíduos, vê-se logo que em Kant a noção de fin a lid a d e
conserva aquêle sentido am plo que exerce nos clássicos. Neste sentido
lembramos que Aristóteles d ivid ira a constituição dos seres em quatro
causas fundam entais; duas eram constitutivos intrínsecos do ser (causa
m aterial e form al), duas constitutivos extrínsecos (causa eficiente e final).

O ra, no sentido corrente e norm al, até na classificação aris-


totélica, a causa fin a l seria sempre extrínseca; ambas as partes se dis­
tanciariam e se m ovim entariam como que mecanicamente para uma a p ro ­
ximação. Semelhante é o sentido em que se dizem fin a lid a d e s apenas
os objetivos a serem alcançados pela operação da vontade. Assim,
o alim ento é um fim buscado em benefício do corpo; é tam bém dêste
plano, o cham ado "fim ú ltim o " do homem. A Crítica da razão prática
se ocupa de tais fins; a êles os denominou Kant fins objetivos.

Em um nôvo sentido se podem cham ar de fins, as formas, ou


essências absolutas; êstes seriam os fins form ais, ou, como ainda pretende
Kant, fins subjetivos, ou ainda form alidades sem fim . A cogitação das
formas como fins está inteiram ente exata, mesmo porque em última Ins­
tância se podem reduzir os fins subjetivos em fins objetivos.

As form as são fins, porque na verdade servem de ponto de


chegada para a potência, cuja determ inação vem da form a. E ainda
se reduzem a tais fins subjetivos, aos fins objetivos, porque a potência não
pode por si buscá-los; uma causa exte rio r ao que é potencial, deve
intervir para fa ze r passar a potência ao seu ato. Por isso, a um tempo,
a potência busca a form a como fim form al, a causa eficiente a procura
como seu objetivo.

A doutrina aristotélica das causas se apresenta como um sis­


tema nervoso complexo, a re a g ir em tôdas as direções, com transmissões
diversificadas, porém com a mesma origem inicial singela, que tudo reduz
às quatro causas constitutivas. Em Kant se salvou algum a coisa do es­
quema, visto que também m anipula com causas form ais que ora são
ciponas formas, ora finalidades formais.
115

127. — Usando linguagem eminentemente técnica e só vúli<


no contexto kantiano, afirm a o filósofo de Koenigsberg que " o ju i/o
do gôsto é completam ente independente do conceito de p e rfe içã o " Cr.
do Juízo, § 15, título). Para Kant, o belo, interpretado como ajusto c'i
fin a lid a d e form al ou subjetiva, sòmente poderá envolver o predicado da
perfeição, se perfeição tivesse o significado de ajuste ao arquétipo. Mar,,
no filósofo da Crítica do Juízo, perfeição se diz sòmente a propósito do
fin a lid a d e objetiva, como é visada pela vontade quando busca os "ns
em fa vo r de algo. Êste alg o é, então, concebido à maneira de conceito
(do entendimento), p ara ser anteposto à faculdade vo litiva , que o b u r / i
como seu bem; se a busca é exterior, o objeto se diz utilidade, se interior,
uma perfeição.

"A fin a lid a d e objetiva é: ou externa, isto é, a u tilidade, ou


interna, isto é, a perfeição do objeto. Que a satisfação em um objeto,
que por ela chamamos belo, não pode descansar na representação do
sua utilidade, se colige suficientemente dos dois anteriores capítulos, pois
então não seria uma satisfação im ediata no objeto, e êste últim o é a
condição essencial do juízo sôbre a beleza. Porém, uma fin a lid a d e o b ­
jetiva interna, isto é, a perfeição, aproxim a-se mais ao predicado do
beleza, e por isso notáveis filósofos a têm tom ado por idêntica à beleza,
ainda que acrescentando: quando é pensada confusamente. É da maior
im portância, decidir, em uma crítica do gôsto, se a beleza se deixa e fe ­
tivamente resolver no conceito de p e rfe içã o " (Cr. do Juízo, § 15'.
O corre aqui uma alusão também à estética de Baumgarten.

Depois de com parar fim objetivo e fim subjetivo, vai concluindo


Kant: "Representar-se uma fin a lid a d e form al objetiva, porém som fim,
isto é, a mera form a de uma perfeição — sem m atéria algum a nem
conceito com que concordar-se, ainda que fôsse sòmente a idéia do umu
conform idade a leis, em g eral, — é uma verdadeira co n tra d içã o " (Cr. do
Juízo § 15). "Assim, mediante a beleza, como fin a lid a d e form al subjo
tiva, não é pensado de modo algum uma perfeição do objeto como íi
nalidade suposta form al, porém, sem em bargo, objetiva; e vã ó aquola
distinção entre o conceito do belo e do bem que considera a ambos
como distintos sòmente pela form a lógica, e segundo a qual, o prim eiro
seria um conceito confuso, o segundo um conceito claro da perfeição,
idênticos, além disto, em seu conteúdo e origem, pois, então entro âl(>s íkm
haveria diferença específica algum a, senão que o juízo do cjônto M ia
lló

um juízo do conhecimento, igualm ente que o juízo mediante o qual uma


coisa ó declarada b o a " (Cr. do Juízo, § 15).

KANT E A ÍNDOLE CONSTITUTIVA DOS


MODOS TRANSCENDENTAIS

128. — Seria verdadeira a afirm ação kantiana de que a noção


do belo nada diz da estrutura ou constituição do objeto? N ão convence
a afirm ação de que o belo é "sem conceito". Se de uma parte tem Kant
muita razão em a p o n ta r o modo diferenciado com que o belo se predica
das coisas, modo êste que não se identifica com a m aneira de se pre­
dicarem as categorias, não tem contudo razão ao dizer simplesmente
que o belo nada d iz do objeto constitutivamente. Os transcendentais
também afirm am a lg o de intrínseco ao objeto, em bora de outra maneira.

Na conceituação aristotélica e escolástica, a doutrina mui sub­


til dos transcendentais a dquiriu feições bastante definidas, de sorte a ser
possível a discussão clara e com uma term inologia técnica inconfundível.
O mesmo não ocorre no kantismo,- assume a discussão o aspecto penoso
de uma inquirição às vêzes impenetrável.
N a filo so fia clássica as noções transcendentais não se distin­
guem realmente entre si, como ocorre com as categorias, como as de
substância, q ua lid a d e , q u antidade, etc.; mantém-se intimamente associa­
das e se coordenam de sorte a terem no ápice o ente e em seu conteúdo
im plícito as restantes cinco, res, unum, a liq u id , verum, bonum.

Dizem elas a lg o do objeto? Muitíssimo. Nada diz tanto


quanto o ser. Considerando o ser, como o contrário do nada, digo-o
como a liq u id , po rta n to como a lg o que existe; ora, também isto quer
exprim ir alg o de muito explicativo. Se digo, unum, considero alg o em
que o ser se determ ina, como indiviso. E assim também exprim o deter­
minações do ser quando o considero como verdade e bem. Do mesmo
medo, muito digo quando declaro o ser como belo.

129. — A circunstância de havermos tom ado o o bjeto como


um todo não resulta em que não tenhamos dito nada de constitutivo;
ocorre exatam ente o inverso, porque afirm am os uma constituição ío ta l. . .
117

Q uando se diz ser, dizemos t u d o . . . Continuamos a desdobrar o sor,


ao explicitarm os as suas restantes determinações, como o "c o n trá rio do
n a d a ", como "in d iv is ã o ", como "v e rd a d e ", como "b e m ", como "essôncia"
ou coisa.

A to ta liza çã o é p ró p ria da predicação transcendental. Não


dim inui a afirm ação; aumenta-a. Portanto, sobretudo as noções tra ir,
cendentais se configuram como conceitos de "interêsse", como objoton
eminentemente lógicos, como elementos construtores dos objetos.

Para Kant ocorre, entretanto, uma situação muito especial. Pio


constrói o objeto mediante formas apriorísticas; nada surge a começar do
dentro; os dados são apenas fenômenos e tudo o mais vem por acrésti
mo. E assim, poderia parecer que o belo, ao ser predicado do objoto
como um todo, resultasse em nada dizer do objeto, exatam ente porque
resulta de uma form a acrescida.

Contra esta observação temos a dizer que também o entendi


mento acresce as form as das categorias, criando o objeto; deveríamor.
então observar que também as categorias nada afirm am de constitutiva
do objeto,- recebendo o fenôm eno como um todo, o entendim ento o ro
veste de formas. Mas, o objeto não se diz do fenôm eno envolvido, mas
do resultado; êste se constitui pelas formas com que fo i construído. Desta
sorte, também o belo envolve o objeto aprontado pelo entendimento,
o nôvo resultado, também é objeto, tal qual como quando o entondi
mento tom ava o fenôm eno sensível e o revestia para criar um o b jolo

C oncluindo sôbre Kant e a essência do belo, o que resultou


é que sua análise se apresenta muito apreciável. O belo não íôra
sequer estudado como transcendental pelos próprios medievais; Ô 3to\
que se haviam ocupado tã o am plam ente de outros aspectos dos Ira m
cendentais, não enveredaram contudo pela região do belo como Ira m
cendental. O que em Tomaz de A quino é pouco mais do quo im pll
cito, em Kant, sob term inologia inteiram ente diversa, se a m plifica; om hoiu
não ganhe ainda a clareza que os transcendentais podem a d q u irir, o
belo, como noção transcendental e diferenciada da predicação ccitoqa
ria l, teve em Kant um adiantam ento considerável. Todavia, Kant nunca
progride sem neblina e entraves tecnicistas.
118

§ 2.° OUTRAS ESTÉTICAS.

130. — M uitas outras afirm ações tem sido feitas a p ropó­


sito da noção do belo. Na m últipla efervecência das opiniões, cumpre
não a rro la r como nôvo um sistema por causa do autor e de sua lin­
guagem pessoal, quando em última instância não reproduz senão
autores maiores como Kant, Aristóteles e Platão. N ihil novi sub luna. . .
Nem se deve tra ta r daquelas opiniões que assumem índole o rig in a l, que
resultam apenas de uma superficialidade do autor. Há também aquelas
opiniões originais de brilho passageiro e que pouco depois caem no es­
quecimento,- tra ta r destas opiniões arrisca to rn a r anacrônico muito cedo
nosso ensaio. . .

Ocorrem , entretanto, aquelas posições que, em bora ninguém


mais as defenda, contudo se prestam para esclarecer certos pontos de
vista da essência do belo; neste rol parecem estar as afirm ações de que
o belo não é o m aterial, que o belo não é o sensível, e, sobretudo hoje,
que o belo não é o artístico. Com semelhantes disposições, ingressamos no
proposto.

O BELO N Ã O É ALG O MATERIAL C O M O PRETENDE O VULGO

131. — N a ordem da elim inação das falsas noções do belo


começamos por a fa sta r a que substancializa o belo em uma coisa con­
creta, especialmente m aterial. O belo seria, então, uma realidade que
se poderia isolar, seria determ inada coisa ou matéria, de estimável p e r­
feição.

Esta substancialização atinge às vêzes a p ró p ria linguagem ,


especialmente a do vulgo, quando d iz que o belo é o ouro, ou a coisa
tra b a lh a d a em ouro. Com a mesma direção de pensar dizem-se feias
ar» coisas nocivas, como a cobra; tam bém se dizem desta maneira feias
o desonestas as coisas em que o pecado se realiza.

Eis-nos diante de uma noção que tende a m a te ria liza r o belo


o o feio, indentificando-os com a substância, em vez de concebê-lcs
sòmento como modos.
11?

132. — A origem psicológica da m aterialização do conceito


do belo e do feio se encontra na circunstância antropológica do quo
principiam os por conhecer as essências absolutas a começar do conhe­
cimento das coisas concretas.
Primeiramente o belo se apresenta nos objetos singulares, como
na flo r, nas plantas nas pedras preciosas, no brilho da luz, na harm onia
dos sons, etc.
A to contínuo, a mente descobre as propriedades absolutas
do belo: sua teoreticidade, que o a p ro p ria particularm ente para a con­
tem plação do inteleto,- e sua capacidade de despertar um sentimento
específico, que denominamos estético, distinto daquele outro sentimento
comum em que a vontade se aquieta ao re a liza r o bem na ordem real.

Depois desta fixa çã o das propriedades do belo, seguimos para


o interior de seu recinto e descobrimos sua essência como perfeição que
se realça.
O ra, quem não percorre o caminho que se iniciara nos seres
concretos, nas flôres, nas pedras preciosas, nas côres, na luz, etc., tende
a id entificar o belo com as coisas concretas em que se encontra. Nas
coisas concretas os modos e o ser coincidem. Só uma elaboração mental
os distingue. Quem, pois, não se apíica a fazer as distinções a que
o ser dá "fu n d a m e n to ", identifica necessàriamente o ser e os seus modos.
Conseqüentemente identificará o belo com as coisas em que usa estar.

133. — A não substancialização do belo se prova mostrando


o equívoco que a ela conduzira. O método da prova já se encontra
em Platão. Hípias com o desembaraço de sofista, declarara: " O que
vem a ser o belo, hei de lhe responder, e não arrisco jamais de ser
contestado. Com efeito, se é preciso fa la r com franqueza, uma bela
virgem , saiba-o bem, Sócrates, eis o que é o b e lo " (Hípias M aior, 287 o
Contestando a afirm ação, o autor do d iá lo g o põe Sócrates a condu/.ii
a noção do belo a um elemento que não coincide com o objeto mate
rialm ente, com parando a beleza na virgem , no jumento, na lira, no
panela.
"Sócrates: diz-se, então, que uma bela marmita ó também
uma bela coisa? Hípias: creio que sim. . . quando é um bolo tra b a lh o .
De maneira geral, porém, não pode ser ju lgada uma bela coisa, quando
com parada com um jumento, ou uma virgem , nem a lu d o o quo so
120

podo chamar belo. Sócrates: a quem assim responde se deve retorquir:


desconhece a verdade desta afirm ação de H eráclito que o mais belo
dos macacos é feio se se o com para com a espécie humana,- e assim,
osta com paração de Hípias, que a mais bela das marmitas é fe ia , se se
a com para com a espécie v ir g in a l. . . A espécie v irg in a l, com parada
com a espécie divina, não estaria ela no mesmo caso que a espécie
marmita com parada com espécie-virgem? Uma tal com paração não
tornaria feia a mais bela virgem ?" (288 e - 289 a).

Conclui enfim Platão para o conceito de que o belo se con­


figu ra ria como m odalidade do ser das coisas, mas não como a mesma
coisa substancialmente; o belo ainda se mostraria como um q u a lific a tiv o
ornam ental, por conseguinte, como uma qu a lid a d e que reveste o ser
de uma perfeição. "Estás agora de acôrdo que o belo, quando não
é senão o belo, graças ao qual tôdas as outras coisas recebem seu
enfeite e manifestam sua beleza ao se lhes a juntar esta propriedade,
seja uma virgem, um jumento, uma lira? Hípias: nada é mais vácil
responder, do que o que é a beleza, graças a qual todo o restante
recebe seu enfeite e por cujo acréscimo se torna b e lo " (289 d).

O BELO N Ã O É O SENSÍVEL E NEM O ARTÍSTICO

ÍA PROPÓSITO DE BAUMGARTEN E HEGEL)

134. — Todo o conhecimento começa pelo sensível; além


disto, todo o conhecimento sensível é de ordem intuitiva e p ortanto má­
ximo em "com preensão", embora mínimo em universalidade; por isso,
<i intuição é eminentemente singular.

Tudo isto fa z com que o belo se faça perceber com precisão


apenas nas coisas concretas.
Dali resulta a tendência não rara de identificarm os o belo
( om o sensível.
Na verdade, sobretudo conhecemos o belo nas coisas sensí­
veis, porque somente às coisas instituídas as conhecemos com inteira pre-
( isão o singularidade. Por isso, m aterialm ente, o belo e o sensível podem
coincidir,• form alm ente, porém, não se dizem belas pela circunstância de
•orem sensíveis.
121

Ilusão semelhante pode ocorrer com o artístico, fàcilm onto


id entificad o com o belo. A g o ra as razões são duas.
O artístico é sempre sensível no modo de se expressar; é a
obra de arte um objeto sensível, ao qual se impõe a função de ex­
prim ir algo; sendo a arte sempre sensível e o belo também quaso
sempre sensível, m aterialm ente tendem a se id entificar e assim se podem
tom ar um pelo outro.
Além disto, a arte é teorética, o belo também; ambos falam
ao espírito; diante disto novamente se aproxim am , de onde mais uma
vez se tomarem materialm ente por iguais.
Temos, pois, que insistir na diferença entre o belo e o sen­
sível e o belo e o artístico. A dotando um espírito de conciliação,
pretendemos que Hegel, embora pusesse a beleza nas coisas artísticas,
contudo não identificava form alm ente estas noções. Q uanto a Leibniz
e Baumgarten, que efetivam ente acetuavam o aspecto sensível do belo,
não estão destituídos de tôda razão, porque particularm ente nas coisas
sensíveis percebemos o belo; além disto, a arte não é possível senão
no sensível.

135. — A tendência para iocalizar o belo no sensível en­


quanto perfeição do sensível, ocorreu particularm ente por ocasião do ra-
cionalismo alem ão, destacando-se Leibniz (1646-1746), porém, muito es­
pecialmente A lexandre Baumgarten (1714-1762) e J. G o dofredo Herclor
(1744-1803). O prestígio do conhecimento sensível era estim ulado pela
interpretação cartesiana do sensível como um pensamento obscurecido.
Entretanto, a tese de que a beleza se constitua como conhecimento sen­
sível perfeito não depende diretam ente de tal interpretação gnoseológica,
Para Leibniz o belo tanto se manifesta ao espírito como às
faculdades inferiores, visto que as inferiores eqüivalem essencialmente às
superiores; capazes de alcançar os mesmos objetos, êstes se revelam
claram ente no inteleto e de maneira confusa nos sentidos. O inteleto,
ao conhecer distintamente se com portaria como Deus que percebo cada
ruído singular do oceano; os sentidos escutam vagam ente o mesmo ru
mor, portanto, alguma q u a lid a d e do objeto, sem entretanto discernir as
singularidades.
O mesmo dizia dos sentimentos: "os prazeres dos sentidos so
reduzem a prazeres inteletuais, confusamente conhecidos". (Leibniz,
Princípios da natureza, nr. 7).
122

Em assim sendo, a música fa la ao inteleto em form a de nú­


meros e aos ouvidos de m aneira confusa; e igualm ente sua perfeição se
manifesta diferenciadam ente ao inteleto e aos ouvidos. " A música nos
encanta, se bem que sua beleza só consista no acôrdo dos números e
na conta que não advertimos, porém que a alma não cessa de fazer,
rios latidos ou vibrações dos corpos sonoros, que se encontram a inter­
valos determinados. Os deleites que a vista sente nas proporções se cons­
tituem da mesma natureza, e os que causam os demais sentidos se re­
duzirão a algo semelhante, ainda que não possamos e xp licá -lo vão dis­
tintam ente" (Leibniz, Princípios da natureza ,nr. 7, ano 1714'.

Tivesse Leibniz, em profunda perspiciência, notado que os


sentidos nada manifestam que indique o conhecimento da perfeição ou
do belo, não lançaria a hipótese de que o conhecimento sensível pu­
desse constituir-se como um conhecimento sensível do belo. N ada
ocorre nos sentidos que adm ita a confusa e longínqua percepção da
beleza.

136. — A lexandre G o d o fre d o Baumgarten (1714-1762 , ao


mesmo tem po que publicava obras de filosofia abedientes ao rccionalism o
cartesiano de Leibniz e VVolff, dedicou-se a investigar a região da idéia
confusa, como interpretava o conhecimento sensível. Em 1735 publicava
o opúsculo "M edidationes philosophi de nonnullis ad poema pertinentibus"
a em 1750-58 os dois volumes de "A esthetica". Principia seu fam oso li­
vro, com a definição do título: "A estética (teoria das artes liberais,
gnoseologia inferior, arte da razão analógica) é a ciência do conheci­
mento sensível" (Estética § 1.°).

No conhecimento sensível, é a perfeição do sensível que se


( hama beleza ípulchritudo). " O fim da estética é a perfeição do conhe­
cimento sensível como tal. Êste, aliás, é a beleza, e se deve resguardá-
lo da im perfeição" (Estética § 14).

Dos conhecimentos sensíveis, o mais eminente é a poesia; com­


p a rada contudo com o conhecimento do inteleto, mantém-se na in fe rio ­
ridade porque, sendo sensível,é apenas idéia confusa. Tem-se divu lg a d o
esta dofinição baum garteniana de poesia tom ada ao seu prim eiro livro:
"o ra tio sensitiva perfecta cujus varia tendunt ad cognitionem repraesen-
latlonum sonsitivarum" fM editationes, VII).
123

Nesta definição vem claramente indicada a natureza sensi­


tiva do conhecimento poético, de acôrdo com a interpretação do p rin ­
cípio de que o belo é o sensível; declara-se também que dita sensibilidade
deva ser "p e rfe ita ", porque a beleza consistiria na perfeição do conheci­
mento sensível (Estética § 14).

Eis outra de fin ição que a poesia é dada como ficção hetero-
cósmica sensível: "S i fin g a n tu r ta lia , quae ob notam et cogitanti et
cogitaturis ipso duce, sicuti praesumi debet, circumstantiam, et hypothesim
eventumque hujus mundi certum, in eodem hoc universo locum non ha-
beant, ut ejusdem possibilia, supposita tamen a lia quadam hypothesi, quae
non est possibile hujus universi, fie ri pulchre potuissent aut possent, vel
turpiter, per cognitionem mediam: tales íictiones heterccosmicae, § 441,
quia inventor earum, quasi novum creat orbem fingendo, si vel maxime
ab historico proferantur, dicuntur poeticae" (Estética, § 511).

Tais ficções, criadoras de um cosmos irreal, continuam manten­


do um certo tip o de conhecimento sensível e imaginoso. De maneira
geral, objetamos, o belo na poesia não se faz perceber diretam ente no
caráter sensível da imagem; novamente o inteleto se faz mister. As
figuras da poesia são singulares e sensíveis; mas o pensamento que elas
representam é u n iv e rs a l... Portanto, nem nos sensíveis externos, nem
nos sensíveis internos da fantasia, o belo se apresenta como a lg o a tin ­
gid o diretam ente como sensível pelos sentidos,- o belo, como conhe­
cimento, só se apresenta ao inteleto.

Sôbre a estética de Baumgarten e seu destino, escreveu Luís


Farré: "Baum garten significa o e q u ilib ra d o têrmo médio para a inter­
pretação do fa to estético: nem um espiritualismo anti-sensível nem uma
sensibilidade anti-espiritualista. Kant se ateve a esta atitude m oderada,
Mas, depois dêle se insinuam os extremos: os que repetiam um idealismo
excessivo, um arrem êdo do velho espiritualismo; e sobretudo numa londên
cia a quedar-se no sensualismo" (L. Farré, Lo sensible para Ia estética,
em Anais do Congr. I. de fil., S. Paulo, 1954, III, p. 991); do mosmo au
tor, M odernidad dei pensamiento estético de Baumgarten, en el d iá rio
La Nación, B. Aires, 15-8-1948; Estética, c. 3, C ordoba, 1950'.

Embora não se faça do sensível o belo, tem o sensível umci


im portância incontestável no seu tratam ento e na sua apreonsão. Poi
isso, Farré, embora adve rtin d o contra o oxtromo sonsista do sóculo dnzo
124

nove, adverte: "porém , com o propósito de evitar um extremo, cuide­


mos de não cair no o u tro " (Ibidem, p. 992).

137. — Concorre para a o p in iã o de que o belo seja o


sensível, a natureza sempre sensível da arte com a qual às vêzes se
confunde o belo, em bora o artístico se exerça como mensagem inteletual,
o instrumento é a obra sensível, como o som, a p a la vra , a côr, o movi­
mento, etc. Hegel fo i notável em sua insistência de que a arte se
constitui em manifestação do espírito; as obras, apesar de serem côr,
movimento, som, volume, etc., fa la m à mente. A arte é sempre sen­
sível, mas não é apenas sensível, porquanto é po rta d o ra de um conteúdo
falante. O mesmo, entretanto, não ocorre com o belo,- aqui a noção
de beleza não im plica em uma relação que se situe necessàriamente nas
coisas sensíveis. Estas podem ser belas, enquanto perfeição em realce;
entretanto, também não obsta que a perfeição com ta l predicado se
realize em outras form as de ser. Portanto, o belo poderá exercer-se no
sensível, tão bem quanto no espírito.

O que não é essencialmente sensível, não pode fa la r aos a n i­


mais, que apenas gozam de sensibilidade. Por isso, a arte, sòmente ía la
aos brutos no aspecto sensível; a mensagem de conteúdo não impressiona
o anim al. Apenas como som, a palavra diz a lg o ao bruto; o reflexo
condicionado vem e xp lica r tôda uma série de reações que nos permite
lid a r com os animais domésticos. Nunca, porém, nossa maneira de fa ­
lar aos brutos chega a ser uma linguagem em que se exerça mensagem
inteletual. A escultura pode conduzir os animais à ilusão, mas nunca
a uma "representação", como nós interpretamos uma estátua,- sabemos
que é de mármore ou bronze, e contudo ela nos transmite mensagem.
Nos brutos ocorre simplesmente ilusão, de maneira que reagem como se
vissem a lg o intuitivam ente como se de fa to a coisa "re p re s e n ta d a " ali
ostivesse. Uma ave, ilu d id a , choca uma im itação de ôvo. O peixe é
a tra íd o para uma isca a rtific ia l de matéria plástica. Homem jamais ten­
taria comer uma im itação, embora na im itação perceba uma "re p re ­
sentação" artística que lhe fa la do ôvo, da fru ta e de outros alimentos.

Assim também sucede com a beleza; a quilo que nela acidental-


monto é sensível pode impressionar os brutos; mas a beleza, enquanto
rolação do beleza, não lhes fa la , porque requereria uma inteligência,
íam bóm pessoas obtusas e mal instruídas pouco apreciam o belo, e xa ­
125

tam ente porque sua apreensão requer esforço mental de que são inco
pazes. Tudo isto vem confirm ar que o belo, na sua essência, não é o
sensível.

138. — Também Hegel usualmente restringe o belo às coisa


concretas da natureza,- esta restrição, ao que parece, não é senão m a­
terial, porque não colocou Hegel a essência do belo na índole sensível;
a noção que Hegel subreptíciamente inculca é a de transcendental, que
se diz do objeto tom ado como um todo. A perfeição se manifesta na
natureza, porque esta resulta de uma projeção da idéia; quanto mais
a idéia se infunde, mais a beleza se põe no objeto; não alcança contudo
o objeto a índole consciente da idéia, como Hegel diz ocorrer no mo­
mento em que o objeto sensível se converte em arte. Êste infundir
da idéia na natureza, acusa exatam ente o conceito hegeliano do belo
como perfeição. . ..

Além disto, a observação de Hegel se faz a p a rtir da idéia,


como tese,- a idéia, que pro g rid e como idéia de ser, passa pela essência,
chegando ao conceito, atira-se para fora, projetando no mundo exterior
a natureza; ora, tendo a natureza exatam ente uma origem conceptual,
deve ser inteligível e perfeitam ente construída segundo a idéia; nesta a l­
tura, olhamos para a natureza como para um estádio mais desenvol­
vido do movimento d ialético do espírito. "C o n viria lem brar ràpidam ente
que numerosos são aquêles que pensam que o belo em geral, precisa­
mente por ser o belo, se não deixa encerrar em conceitos e constitui,
por esse motivo, um objeto que o pensamento é incapaz de apreender.
Responderemos a esta maneira de ver, dizendo que, embora íôda a vor
dade seja ainda hoje, considerada como inconcebível e só, portanto,
as tem porais finitude e ocasionalidade do fenômeno se ofereçam à con
ceptualização, nós pensamos, pelo contrário, que só a verdade ó con
cebível pois só ela se funda no conceito absoluto, e, mais exatam ente,
na idéia. O ra, sendo a beleza um certo modo de exteriorização o repro
sentação da verdade, por tôdas as suas faces se oferece ela ao pensa
mento conceituai quando êste possua verdadeiram ente o poder do for
mar conceitos. . . A beleza, como já mostramos, não constitui uma abs
/ra ç ã o do inteleto, mas sim o conceito em si, concreto o absoluto, ou
seja a idéia absoluta". (Hegel, Estética I, c. 1, 1, ed. port. p. 199-200)
126

139. — Progredindo nesta direção, em que o belo não se


constitui form alm ente do sensível, mas da idéia que p rogride, a beleza
é fundam entalm ente idéia, porque idéia que p r o g r id e ... É verdade,
pcrque verdade que assume novas manifestações. . . É natureza sen­
sível, porque a esta a ltura a manifestação da idéia e da verdade se
encontram neste estado de adiantam ento.

"A o dizermos que a beleza é icléia, queremos dizer que


beleza e verdade são uma e a mesma coisa. Com efeito, o belo tem
de ser verdadeiro em si. Mas, observando mais atentamente, deparamos
com uma diferença entre o belo e a verdade. A idéia é verídica porque
é pensada como ta l em virtude da sua natureza e do ponto de vista da
sua universalidade. O que então se oferece ao pensamento não é a
idéia na sua existência sensível e exterior, mas no que tem de universal.
Contudo, a idéia tam bém se deve re a liza r exteriorm ente e a d q u irir uma
existência definida enquanto o b jetividade natural e espiritual. A verdade
como tal também existe, quer dizer, também se exterioriza. Desde que,
assim exteriorizada, a verdade se oferece à consciência e o conceito fica
inseparável da manifestação exterior, a idéia não só é verdade como
tam bém é beleza. O belo define-se, pois, como a manifestação sen­
sível da id é ia " (Hegel, Estética I, c. 1, item 2, ed. port. p. 232-233).

Portanto, para Hegel o belo, mesmo quando no sensível, é


fundam entalm ente uma noção teorética, de índole transcendental, de
nenhum modo semelhante a uma categoria, como se fôsse o sensível
simplesmente; nestas condições, o belo tam bém poderia encontrar-se nas
evoluções ulteriores das manifestações dialéticas, mesmo no Espírito a b ­
soluto.

140. — N ão se pode fa ze r coincidir a noção do belo com


a do artístico. Ambos, o belo e o artístico, fa la m à inteligência de
modo eminentemente teorético; por isso se confundem mais fàcilm ente.
A inda ambos provocam semelhantemente o sentir estético, visto que são
apreciados pela vontade como bem da inteligência; por isso, são quase
igualm ente apreciados. A confluência do belo e da expressão artís­
tica, como objetos teóricos, distingue-os em comum contra os restantes
objetos dos desejos da vontade.
Distinguindo-se em comum contra os interêsses da vontade, em
quo so distlnguiriam , entre si mesmos, o belo e o artístico?
127

C onfigura-se o artístico como a expressão sensível de um pon-


samento. Nos sons, nas côres, nos movimentos, nas form as plásticas ro-
põe o pensamento a lg o , em virtude de que aquela obra sensível passa
a dizer algo; temos então uma realização artística.
Exerce, p ortanto, a arte uma função semântica das intenções
humanas. É a linguagem a mais freqüente destas funções, mas tambóm
o são a pintura, o gesto, a escultura.
Isto se apresenta muito claro e evidente na arte de "represen­
ta çã o ", em que a o b ra acusa diretam ente como seu conteúdo um outro
o bjeto; tal observamos na pintura que representa objetos, pessoas, p a i­
sagens; ou na escultura que anuncia im itando; ou na linguagem quo
nos fa la de assunto, por meio da convenção das palavras.
Mas também ocorre a manifestação do pensamento nas artes
de simples "ap re se n ta çã o ", em que se apresenta a obra de maneira
meramente form al; assim, a a rquitetura a lg o apresenta, sem contudo
representar figurativam ente nada; as linhas do desenho podem também
revelar a presença do pensar humano que guiou o seu tra ça d o ; um
exemplo típico é o da composição consciente do corpo humano; a pessoa*
sem pretender "re p re se n ta r", apresenta modos de se compor reveladores
de uma intenção, como se vê na mulher que passa e no cavalheiro distinto.

Pretendemos que o belo não seja isto, mas perfeição em realce.


Esta determ inação é efetivam ente diversa da arte; uns a confundem com
a arte, porque não atendem a noção do artístico; outros, porque não
atinam com a conceituação do belo. Uma análise com pleta da arte re­
sulta naquilo que se chama "Filosofia da a rte ".

141. — Q uando Hegel com para o belo da natureza e o bo


da arte, permite convencer-nos de que não confunde o artístico e o bolo,
que o artístico é mensagem do espírito e o belo perfeição, ao mosmo
tem po que o artístico e o belo podem coincidir materialmente. "Jul
gamos nós poder a firm a r que o belo artístico é superior ao belo nalu
ral por ser um produto do espírito que, superior à natureza, comunica
esta superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arto; por isso,
o belo artístico é superior ao belo natural. Tudo quanto provóm <lo
espírito é superior ao que existe na natureza. A p ior das idólas quo
perpasso pelo espírito de um homem, é rnolhor o mais olovada <lo quo
a mais grandiosa produção da naturoza, • justamont® porquo o r.sa Idéia

0 — T, , i„ )\,
128

participa do espírito, porque o espiritual é superior ao n a tu ra l" (Hegel,


Estética, Intr., 1 .).
Fundamentalmente, para Hegel, o espírito é a beleza por
excelência; por isso, quanto mais espírito, mais beleza. O pouco espírito,
que se encontra na natureza (antítese), fa z a natureza menos bela, que
a obra de arte, em que o espírito (na fase da síntese) já supera a na­
tureza, im pondo-lhe o acréscimo da expressão fa la n te da mensagem.
Houve arte, porque ocorreu mensagem; houve beleza, por outra razão,
porque ocorreu um aperfeiçoam ento. A consciencialização do espírito
absoluto progride quando ingressa pela relig iã o ; a li, já não existe a arte,
mas continua a haver o belo, enquanto êste se define como perfeição.
O espírito absoluto alcançado na sua plenitude pelo filósofo, sobretudo
êle será perfeito e belo, embora esteja integralm ente fo ra da conceitua-
ção sensível da arte.

Fazendo do espírito o belo por excelência, teria Hegel iden­


tificado por substancialização o belo e o espírito? Certam ente que não.
Seriam duas form alidades distintas. A noção de espírito absoluto inclui­
ria form alm ente a q u a lid a d e da beleza, mas não de modo explícito. Tal
maneira de encarar ocorre já com os modos transcendentais, como se vê
no aristotelismo e na escolástica; o bem, a verdade, o belo coincidem
com o ser, mas sua noção vem contida no ser implicitam ente apenas.

142. — Q uanto a te r a firm ado Hegel a in fe rio rid a d e do belo


da natureza quando com parado com o artístico, trata-se de um outro as­
sunto, referente à a va lia çã o dos graus do belo.
Digamos, entretanto, desde logo que escapou à perspiciência
do grande d ialético panteísta, que também o belo supõe uma idéia, a
saber, a da verdade ontológica. N ão percebemos o belo senão à me­
dida que o vislumbramos através de uma "fin a lid a d e fo rm a l", como diz
Kant, ou através de um modêlo metafísico em função do qual se diz
ajustado, perfeito, ontològicam ente verdadeiro. Enquanto assim se realça
o à medida que percebemos esta perfeição realçada, o o bjeto portador
da boleza, se nos apresenta como belo. Os animais, em virtude de
sorom incapazes de perceber semelhante qua lid a d e , resultante de uma
vordadc ontológica, não percebem a beleza enquanto beleza. Portanto,
não ó só na arte que ocorre a manifestação do Espírito; tam bém o belo
nos fala.
129

E como o belo nos parece fa la r mais poderosamente, o bolo


é superior ao artístico. Em assim sendo, o artístico, por ser inferior om
sua mensagem, só tem a ganhar quando, além de ser artístico, procuro
constituir-se como belo. A beleza e a arte são sempre festivas, porém
muito mais festa nos fa z a beleza do que a arte. Irmãs, que nem sempro
andam juntas, geralm ente ganham ao estarem juntas. Sendo irmãs, nâo
são gêmeas. M a io r e mais expressiva é a beleza.

O BELO N Ã O É A PROJEÇÃO SENTIMENTAL

(A propósito de Lipps e outros)

143. — A im aginação e a fantasia, bem como o cálculo


da razão, fornecem um imenso m aterial aditivo, com que se revestem
as coisas. Por tendência catártica, revestimo-las com formas melhoradas;
omitimos o que as coisas não apresentam de modo conveniente. E assim,
as projeções, que, por obra da fantasia e da razão, atiram os por sôbro
os objetos, resultam geralm ente belas.
Todavia é falso e ausência de subtilidade confundir o belo com
as referidas projeções. Também no concreto ocorre o belo. N ão ha­
veria, pois, um momento an-estético, anterior à projeção sentimental.
Igualmente é errôneo a trib u ir a propriedade de produzir efeito
estético apenas às projeções sentimentais; também o concreto produz sen­
timento estético, como p ro priedade que é de todo o belo.
A argum entação percorre os mesmos caminhos da que afasta
o sensível como sendo o belo; em última instância, também as projeções
da fantasia se configuram como sensação. Q uer sejam as côres o os
sons, quer apenas as imagens da fantasia, tudo é apenas matéria da
beleza. A projeção sentimental comparece diante do belo, como material
em que pode inerir. Tal como os objetos, quando prendados de porfol
çâo, se dizem belos, tam bém as projeções sentimentais assumem aspocton
de beleza quando se configuram como perfeitas.

144. — Q uanto ao desenvolvimento interno das projeções sen


fimentais, o assunto cabe à psicologia; na Estética geral, ondo temos tm
la d o da Estética psicológica, destacamos efetivam ente considerações tô
bro a im aginação e o comportamento estético.
130

A im aginação proporciona a curiosa m odalidade artística cha­


mada poesia, quer na linguagem , quer em outras artes. Na linguagem,
a poesia se exerce quando os vocábulos indicam objetos imaginosos, os
quais, por sua vez, escultòricameònte, vão anunciar pensamentos. Assim
também a música, sugerindo imagens, que, por sua vez indicam idéias,
se apresenta com índole poética. A escultura e a pintura igualmente
pedem representar objetos, que, ato contínuo sugerem pensamentos; e
então, mais uma vez, se criou a poesia. A projeção sentimental nos per­
mite jog a r a poesia sôbre a natureza; então até os panoram as se
convertem em estados imaginosos de anim ação poética.
O que a arte promove artificialm ente, a natureza pode suge­
rir espontâneamente. O sib ila r estranho do vento, nos sugere o uivo dos
animais. A floresta em movimento, murmura ao som da brisa, geme
à ação do vendaval, torna-se triste e dolente ao cair da tarde. E con­
tudo o vento não uiva, as árvores não murmuram e nem choram. Assim,
tam bém a montanha alterosa, que se apresenta dom inadora, nada do­
mina. Julgamos que os animais pensam nos cuidados dos homens, e não
fazem senão o que lhes é instintivo.

De maneira g e ra l, no mundo da projeção sentimental ocorre


uma evidente fa c ilid a d e de encontrar a beleza e a arte. A fantasia
constrói espontâneam ente os mais belos panoramas e as melhores re­
presentações. O artista encontra em geral nestas criações as idéias para
suas criações. A arte, como expressão sensível de uma idéia, não re­
quer essencialmente o concurso da im aginação; mas, em a aproveitando,
m ultiplica de maneira incalculável o rendim ento da expressão sensível da
idéia. É que tôda a idéia principia no sensível; ora, a im aginação am­
p lia a área do sensível aduzindo novas figurações. Por isso, a grande
arte é sempre a poesia.

145. — A projeção sentimental, ou em patia (Einfühlung, Em-


pathy), tem sido levada por alguns estetas, para um predom ínio exclu­
sivista, como se apenas ocorresse a li sentimento estético e como se fôsse
apenas possível ver arte e beleza nestas elaborações espontâneas da
fantasia e do cálculo da razão. Tal como uns quiseram restringir o
belo apenas ao mundo sensível, êstes o estreitam à área da em patia.
N a A lem anha, onde a orientação do Einfühlung teve comêço
e por meio século exerceu notória influência, o movimento fo i prom ovido
131

com êste aspecto exclusivista, por Theodor Lipps (1851-1914), aulor do


tra ta d o em três volumes "Estética, psicologia do belo e da a rte " (1903)
Distingue nada menos de cinco espécies de Einfühlung. Mas quanto ao
ponto de vista psicológico do Einfühlung, não preocupa diretam ente ao
belo em si mesmo; é assunto de psicologia. Tem outros autores, aliás, <lí
vergindo no modo de explicar a projeção sentimental.
Ao mesmo tempo pauta a sua estética pelo Einfühlung, Johannos
V olkelt (1848-1930); êste é conhecido também como integrante do grupo
filosófico relativista, de Georg Simmel, e historicista, de Guilherme Dilthoy

N o campo da filosofia dos valores, o p ró p rio M ax Scheler 0 8 /4


-1928] adere ao Einfühlung; aliás, em sua filosofia, um dos instrumonlo:.
de captação dos valores, é o sentimento. Em seu conhecido tra ta d o
"Essência e formas da sim p a tia " se distende sôbre as diversas m odalldu
des de Einfühlung, ora concordando, ora discordando de Lipps. Contudo,
na filosofia dos valores, o Einfühlung não é o p róprio belo, porém uma
situação emotiva que reveia valores, entre os quais o do belo.
Vítor Basch (18 ó 3 -1944) é o representante francês da estético
do Einfühlung. Nos Estados Unidos da América encontramos Vernon Loo
Próximo ao grupo de Einfühlung se encontram as estéticas fo
nomenologistas de M oritz G eiger (1880-1938), na Alem anha, autor do
uma apreciada Introdução à estética; de Luis Juan Guerrero, Viconto Fa
tone, Emílio Estiú, na A rgentina.

O BELO N A FILOSOFIA DOS VALORES

14ó. — A filosofia dos valores de M ax Scheler (1875-1929)


tem a preocupação de manter como va lo r absoluto o quo talvoz nao
se pudesse reter como realidade. Assim são salvos como elementos o li
solutos, o moral, o estético, o religioso, o cultural, etc. . . O corro aqui
uma situação idêntica à de Kant, que, na ordem da essência c o n w v o u
as antigas e clássicas afirmações; esvasiou o pensamento só do sou conto
ú d o ontológico. Por isso, em tudo quanto dizem os filósofos dos va lo rm ,
no plano meramente axiológico, é possível uma certa aproxim ação com
as filosofias clássicas.
A distinção ontro o aspecto quo diz essência o o quo afirm o
realidado ó admissível; a ossôncla so situa no plano da ron (c o lia )j o
132

realidade se coloca no plano do a liq u id (o ser como contrário do nada,


como anteposição, como existência). Aspectos distintos, são tratáveis,
até um limite dado, separadam ente. E assim, sob a filosofia dos valores
consegue m anipular afirm ações absolutas, ou valores, sem ainda com pro­
meter diretam ente a questão da realidade. Aliás, N icolai Hartm ann (1882
-1950), o mais expressivo e percuciente dos filósofos dos valores também
distingue entre o Dasein (o fa to de cada ser) e o Sosein (ser-assim.)

147. — Os valores ingressam, porém, por via a ló g ica ; ge­


ralmente se diz através do sentimento. Já em Kant, as afirm ações a b ­
solutas, de ordem não categorial, se faziam através da fa cu ld a d e do
Juízo; as noções, como o belo, que viam o objeto como um todo, a ma­
neira dos transcendentais aristotélicos, resultavam assim de uma feitura
inteiram ente inteligível. Na filosofia dos valores, porém, o ingresso se
faz pela via alógica do "v a le ", que se impõe; em vez de uma intencio-
nalidade lógica ocorreria uma intencionalidade em ocional.

O corre, portanto, na filosofia dos valores uma transferência das


tarefas da faculdade do Juízo, para a da razão prática. Conform e
Kant, certas determinações apriorísticas eram impostas à fa cu ld a d e do
razão, como uma "dete rm in a çã o p rá tic a ", como m odalidade de raciocinar
que se impunha naturalm ente; eu devo. . . (Ich soll), — é a voz da cos-
ciência prática. E assim se impunham valores morais. Desenvolvendo e
am pliando esta área da razão prática, a escola kantiana de Baden deu
origem a uma série de filosofias dos valores; enquanto isto a escola
kantiana de M agd e b u rg o ficava fie l às formulações do Mestre em tudo
a q uilo que representava restrições ao mundo ontológico.
Scheler nega o construtivismo apriorístico da fa cu ld a d e do en­
tendimento de Kant. Reformula a doutrina da inteligência e am plia a
sou lado uma "ordem do co ra çã o " a p riori.
Os valores ingressam pela via do sentimento; haveria, ta l como
a intencionalidade do processo mental, uma intencionalidade em ocional;
om ambos os processos ocorre nitidam ente um objeto; porém, na inteli-
yância um objeto lógico, no sentimento um objeto alógico. Como Husserl
doscroveu fenom enològicam ente o processo intencional do conhecimento,
agora a filosofia dos valores, suplementando a fenom enologia de Husserl,
laz uma doscrição fenom onológica dos objetos intencionais do mentir
(Intontionalo Gogonstando dos Fühlons).
133

Na form ulação aristotélica, a vontade se dirige ao objoto quo


a razão lhe aponta; não haveria um cam inhar cego para os objotos; a
volição seria o m atrim ônio de duas atividades específicas e complemon
tares, do inteleto que vê, da vontade que caminha para o objeto visto.

A go ra , para os filósofos dos valores, não se "p e n s a " o valor.


Êle se impõe como determ inação sempre vá lid a para a ação. Na sua
direção se encaminha a intencionalidade emocional. Revelam-se sem no-
cessitar do inteleto.

"N a d a mais freqüente na filosofia contemporânea que a se­


paração absoluta entre o dom inio metafísico vedado para uma inteligência
incapaz de alcançá-lo, e o domínio ético religioso das verdades captáveis
im ediatam ente à margem da atividade mental, por meio da emoção, dos
sentimentos, da intuição, da fé cega (que nada tem a ver com a virtude
cristã da fé) etc.. . . Kant com os postulados da Crítica da razão p rá ti­
ca, Schleiermacher com o sentimento religioso, W illia m James, Bergson
com a intuição anti-inteletualista, Blondel com a ação, K ierkegaard, Una-
muno, e ulteriormente H eidegger com o cuidado e a angústia e G abriel
Mareei com o ser possuído e ameaçado, o imanentismo e o fidelism o irra-
cionalista sob tôdas as suas formas não fazem senão ap re g o a r (graças à
denegrida inteligência) a captação irracional da realidade incansável pelo
caminho do conhecimento. O agnosticismo da inteligência se desdobra
dêste modo em um irracionalism o fideísta ou intucionista ds diversas to ­
nalidades" (O. N. Derisi, Filosofia M. e Fil. Tomista !, c. 1, 7).

Pelo que se observa, o intencionalismo irracional não é fe n ô ­


meno isolado. Contudo não devemos exagerar o radicalism o das co r­
rentes anti-inteletualistas; a intuição, que defendem contra o "conheci­
mento por meio de imagens", pode também exercer-se pela razão, em­
bora de fato possa não existir tal intuição. A intuição é irracional, q uan­
do concebida como intencionalidade em otiva, mas não quando exercida
como processo mental. De qualquer form a, porém, a referida consto
lação de autores, em contribuindo para desprestigiar os processos ropro
sentativos da inteligência, criou o clima p ró p rio para os sistemas do In
tencionalidade emotiva; ao mesmo tem po que isto se dava, abria-so <i
oportunidade para as estéticas do mesmo caráter em otivo o para a»
interpretações da arte à base do mistério, do impulso subconscianto, do
sentir profundo do gônio.
134

N icolai Hartmann revigora um tanto o poder da inteligência,,


tnas sem afastar a contribuição da intencionalidade em otiva; enquanto
a intencionalidade inteletiva ruma para o objeto real, seus resultados
recebem confirm ação da intencionalidade em otiva; dois a descobrirem
a mesma realidade, certamente a tornam mais segura.

148. — Que são valores? O caminho por onde ingressam os.


valores, não im porta diretam ente à natureza do valor. Em aqui íra ta n -
do do valor, im porta pouco sua ingressão pela via alógica. Visamos
diretam ente o v a lo r em si mesmo. . . A in d a neste plano não nos preocupa
a sua consistência na ordem do existir, da realidade ou da idealidade..
A gora nos situamos apenas no ponto de vista da essência, ou seja d a ­
quilo que o va lo r é. Em outro lugar, fica a vez da pergunta sôbre
o conteúdo ontológico.

Neste instante, pois, a pergunta incide sôbre a essência dos;


valores e especificamente sôbre a natureza do belo como valor.
N ão há sòmente valores. Por isso, ocorre a distinção entre
coisa e valor. "O s valores são independentes, em seu ver, de seus d e p o ­
sitários" (Scheler, Ética, p. 45). "Em conseqüência, é claro que as q u a ­
lidades valiosas não variam com as coisas".

Os valores em si mesmos são absolutos, imutáveis; com batia


Scheler o nominalismo com insistência; insistiu contra tôda a espécie de
rolativismos, particularm ente da ética. A re la tivid a d e não está nos va ­
lores, mas pode encontrar-se em nosso conhecimento dos mesmos. Neste
outro pa rticular podemos a p o n ta r para uma efetiva va ria çã o do senti­
mento dos valores (Ethos) e variação no juízo dos valores (Ethik); a os­
cilação ainda se observa no comportam ento humano pragm ático, nos cos­
tumes e nas tradições. Mas em si mesmos, os valores se firm am em,
essências invariáveis.

149. — Conform e ao ponto de vista tom ado, tem classificado


Scheler de diversas maneiras os valores; há valores positivos e outros ne­
gativos; valores superiores e valores inferiores; valores de pessoa e v a ­
lores do coisa; enfim, os valores podem classificar-se em:

1) valores sensíveis: o a g radável e o desagradável;


2) valoros vitais: o nobre e o vulgar;
135

3) valores espirituais: o belo e o feio, o justo e o injusto, o


conhecimento puro da verdade;
4) valores do sagrado e do profano.
Temos, por conseguinte, o belo classificado como v a lo r ospi
ritual. Alcançar-se-ia, pois, o belo como têrmo de uma intencionalidade
emocional. É sabido que M ax Scheler fêz do Einfühlung um instrumento
de captação de valor. Nesta hipótese não se pode cogitar em uma
estética inteletualizada, em que o paralelism o do conhecimento e da
aquietação apetitiva andem juntos; o belo resulta de uma descoberta
/nental e nem seria por obra da descoberta mental que surgiria o prazer
estético.
Todavia como v a lo r espiritual, o v a lo r estético se mantém num
alto nível, numa cam ada superior ao da mera sensação em pírica; o
belo se apresenta num plano eminente, fora da contingência, firm ado
no absoluto.

150. — As idéias de N icolai Hartm ann (4 - 1950) sôbre


belo encontram-se sistematizadas em sua obra póstuma, Estética (1953).
O belo é firm a do como uma categoria de valor. Supera, por conseguin­
te, as posições nominalistas, que nada têm de absoluto. Mas, ao mesmo
tem po que êste absoluto é estabelecido nos termos da filosofia dos
valores, distingue entre o belo (como valor) e o objeto como simples­
mente se apresenta ao inteleto; o que a inteligência não esgotava como
objeto (Gegenstand) a intencionalidade emotiva exaure como valor.
Na descrição fenom enológica do va lo r estético se acusam d i­
ferentes estratos (Schichten). Apresenta-se, por conseguinte, como alg o
complexo.
Hartmann ingressa pelos domínios da arte, com as mesmas
diretivas fundamentais,- porém aqui somente nos preocupa o bolo sim ­
plesmente; como em Hegel, a arte seria a aparência sensível da idóia.
E assim tam bém M ax Bense (n. 1910), sob influência I logo
liana e exprimindo-se em termos de "c o -re a lid a d e ", interpreta a arte
como a obra sensível a receber uma nova realidade.
Semelhantemente ainda, o p erando com métodos renomonoló
gicos, M oritz G eiger (1880-1938), estabelece valores estéticos absolutos.

151. — Se levantássemos a questão quo so aprosonto ao


clássicos e a Kant, da maneira do predicar, como so a p lic a ria o valor
136

belo cis coisas? A índole do valor, como aspecto que sobrevêm às


realidades, adm ite que o belo se diga do objeto visto como totalidade,*
ccntinuciria, portanto, o belo a ser concebido como noção transcendental
o não ao modo constitutivo das categorias.
Friedrich Kainz, esteta austríaco, enquadrado também na área
íonom enológica, efetivam ente escreve:

Q uando dizemos de uma flo r que tem tal ou qual côr ou


uma determ inada form a, afirm amos com êstes juízos certas qualidades
objetivas das coisas de que se trata. Em troca, quando dizemos: esta
flo r é bela não afirm am os nenhuma q u a lid a d e objetiva da coisa. Se
o fôsse, teria que pôr-se de manifesto de idêntico modo, em todos os
casos em que o mesmo objeto se apresentasse. Tôdas as flôres ver­
melhas têm alg o de comum, a saber: a qu a lid a d e de seu colorido
vermelho, na qual coincidem, ademais, com os mesmos objetos de idêntica
côr (as vestes vermelhas, por exemplo). Em troca, quando d ig o de algo
quo é belo (a saber, que encerra um v a lo r estético), predico dela alg o
quo pode dar-se em muitíssimos objetos totalm ente diferentes quanto à
forma e de qualidades completamente distintas. Coisas de aspecto
totalm ente diferente podem, apesar ter as qualidades e a estrutura mais
heterogêneas, produzir em nós a mesma impressão de beleza. — Se
depreende daqui que a p a la vra belo (que empregamos sempre, aqui,
graças à brevidade, como sinônimo de estèticamente valioso) não é um
adjetivo que resuma uma classe de objetos unidos entre si por caracte­
rísticas comuns. Que notas comuns poderiam ter, com efeito, um rosto
humano, uma paisagem, uma m elodia, ou um poema, todos podendo sem
om bargo com pleno sentido ser qualificados de belos? O que têm de
comum todos os objetos adjetivados de belos não é nenhuma classe
do características relativas ao espaço ou ao número nem pertencentes
ao mundo das sensações, senão sòmente a impressão de va lo r que em
nós produzem " (Kainz, Estética, pág. 81, ed. esp. 1952).

O BELO NÃO E' O BEM

152. Já os gregos, particularm ente os neo-platônicos, pro-


pondiam a identificar o belo e o bem. Dali a expressão de Sócrates
unindo ambas as noções na expressão kalokatia.
13/

Cajetano descreve o pulcro como uma espécie de bem.


A doutrina encontra defensores em alguns escolásticos moder
nos, como Palmieri (O ntologia, c. 4, tese 4): W illems (O ntologia); Domol
de Vorges, M aquart, e outros.

Sôbre êste detalhe insistimos longamente ao determinarmos o


natureza do belo, como verdade ontológica, portanto fora da área do
bonum; ainda ocorre a li a insistência de Kant, fazendo do belo a lg o sem
interêsse. A confusão do belo com o bonum deriva ordinàriam ente de
sua propriedade estética.

CONCLUINDO A ETAPA MESTRA DO TRATADO DO BELO

153. — Chegamos ao fim de um longo capítulo, sm que tra


tavamos da essência do belo. Embora a prim eira preocupação do crí­
tico se situe na ordem do ser como a liq u id , afirm ando como objeto, a
respeito do qual busca ainda saber se existe apenas na ordem ideal
ou se também na real, contudo para o esteta a principal preocupação se
coloca sob o ponto de vista da essência, ou seja da res, ou coisa. Efe­
tivam ente não basta saber da ocorrência do Dasein (o fa to da coisa
ser); é o principal, todavia não se completa com isto todo o saber.
Aspiramos ir mais longe e perguntamos também pelo Sosein (ser-assim).

Nos próximos dois capítulos complementaremos os dois quo


realizamos até aqui. O terceiro capítulo completa a pergunta sôbre o
a liqu id, levando até ao fim o ser enquanto se antepõe como objeto
erguido acima do nada; esta suplementação consiste em perguntar ató
onde o ser se levanta: se permanece como simples afirm ação, ou se so
consolida como realidade; com isto apurarem os se o belo se configura
como ideal, ou como real. No quarto capítulo, conduziremos avante
a questão da essência, identificando suas propriedades e as aprofundou
do; ali veremos que não só conhecemos simplesmente aquelas proprio-
dades, como a teoreticidade e a esteticidade, que nos conduziram até as
profundidades da essência; as propriedades oferecem um campo vasto
que pode ser apreciado apenas por si só; eis onde a essência do bolo
se configura com manifestações em forma de contrários bolo o folo),
graus (sublime, belo o rd in á rio , bonito), semelhanças o t c . . . .
138

O que realizam os até aqui, em que o belo se apresentou


como objeto e essência, é portanto o mais fundam enta!, Com isto en-
cerramos, por conseguinte, a etapa mestra.
CAPÍ TULO III

O BELO NA ORDEM REAL


(Á querela de idealistas e realistas)

154. — Seria o belo uma realidade, como a lg o que s


rifica ria como estando concretamente nas coisas, dentro das pétala!»
da flo r, na sonoridade da música, na efervescência do ritmo, nas fo r­
mas elegantes da juventude? Ou não haveria realidade na beleza,
de sorte a não passar o belo de um conceito de relação fo rm ulado sub­
jetivam ente no indivíduo? Procuramos saber se o colorido das coisas
deriva da côr que os óculos poderiam d a r à luz, ou se são as próprias
coisas que assim se apresentam belas.
O nôvo problem a que se nos oferece à discussão, diferencia
a questão da essência e da existência. Poderão as partes querelanles
coincidir no conceito do belo, portanto em sua essência; mas, na ordem
concreta a identidade de essência não requer a mesma opinião.
Que é a essência? Uma descrição nos leva a id entificar sua
noção.
A essência é como que o esquema que a flo r tem dianto do
si, já antes de nascer. A existência se configura como a realização
concreta que paulatinam ente, dia após dia, vai efetuando aquela flo i,
•de início pequenas, as pétalas vão se distendendo, aum entando, a r .
cendo, portanto numa contínua transform ação do esquema em uma roa
lida de concreta de existência; a flo r obedece a um traçado invisível,
que é a essência de flo r; sua concretização é a existência, a realidade,
a coisa em si.
Fixamo-nos agora a analisar esta existência real con tro lo ,
sem mais pôr atenção na essência. Que ó a re a lid a d e l is unni
grande pergunta que a metafísica lança a propósito do objeto alcan<,adn
peto conhecimento.
140

155. •— Para uns, o concreto se reduz apenas ao que se


mostra, portanto, ao fenômeno.
Êste têrm o foi especiaimente criado para referir o que se
mostra ífaino = mostrar.)
O que se mostra diretam ente, nos sentidos intuitivos, é a côr,
o som, o olfa to , o gôsto, o tato. Para o fenomenismo, o fenômeno é
apenas a mostração; nenhuma realidade ocorre além da mostração. Em
forma tão radical, o fenomenismo foi defendido por Hume e Kant, como
por seus seguidores. Hume se retém no campo empirista e positivista,
porque se conforma com um nominalismo puro, sem conceitos universais.
Kant, opera no a ltip la n o racionalista, aceitando a conceituação universal
e absoluta, em bora sem maior v a lo r que o apriorism o mental.
Para outros, no fenômeno se mostra a lg o mais que a simples
mostração; debaixo, como que, se encontra a re a lid a d e de uma coisa
independente de nosso inteleto e de nossos sentidos.
Um realismo am plo pretende como o de Aristóteles, descobrir
nos fenômenos os princípios universais.
Um realismo de extensão mais modesta, como o de Descartes
o modernamente do existencialismo, não pretende haja muito mais a
descobrir no fenôm eno do que a simples realidade individual, circuns­
crita ao espaço de um certo tip o de ser, e não do ser como ta l. Neste
realismo restrito poderão certas coisas, como as propriedades secundárias,
ser reduzidas à subjetividade, sendo salvas apenas as propriedades p ri­
márias, como a quantidade e o tempo. N a elim inação poderia ser arro-
ludo o próprio belo.

ART. I.

ESTÉTICA REALISTA: 0 BELO COMO


DETERMINAÇÃO REAL.

156. — Para o realista, o fenômeno não é apenas mostração


do côr, som, etc. Fenômeno e re a lid a d e não se dissociam; a deter­
minação existencial se apresenta unida ao mesmo mostrar do fenômeno,•
aponas o Inloloto dissocia mentalmente, por obra da elaboração abs-

J
141

tractiva, os dois pontos de vista, que na ordem efetiva se coordenam


como indissociáveis.

Mas, seriam tam bém indissociáveis as outras determinações


que a mente afirm a? O ser é o contrário do nada; isto afirm amos co­
mo uma determ inação que chamamos " a liq u id " e que encontra sua fun
dam entação no p ró p rio caráter positivo da realidade existencial. Tam
bém o verum ontológico (verdade ontológica) e o bonum (o bem) seriam
determinações objetivas da parte do ser real, independentes de nossa
afirm ação mental.

A firm am -no os aristotélicos, em bora o neguem os kantianos.

Mas, se alguém admitisse a realidade existencial do fe n ô ­


meno, não se sente ainda só por isso expressamente induzido a estabo-
lecer como igualm ente reais as outras determinações; devem semelhantos
propriedades ser estabelecidas com um nôvo esforço de provação. As­
sim também o belo, seria êle uma determ inação do lado da realidade?
Eis o que deve ser provado por acréscimo e não aceito imediatamente
como se decorresse expressamente da realidade existencial. Poderíamos
aceitar a realidade existencial (contra Kant) e contudo deixar como ideal
e subjetiva a propriedade do belo. Se entretanto decidimos contra o
idealismo estético de Kant, é porque nos sentimos levados por uma prova,
que nos induz a isto.

157. — A prova da realidade existencial da essência do b


se fa z a p a rtir da essência que eventualmente se procura estabelecer.
Se quisermos reduzir o belo a uma determ inação que brota do mesmo
ser o caminho da prova toma p a rtid a do mesmo ser com o qual :>n
pensa aqui uni-lo.

A ligação do belo com a realidade existencial do oer *:<>


prova por uma simples explicitação; o que era im plícito se torna ox
plícito. Pela explicitação se manifestam muitas propriedades quo r,o
revelam com anterioridade ao p ró p rio belo; mas se reduz o belo como
uma subespecificação das propriedades de natureza mais fundam ental

Esta ligação do belo com o ser se processa no esquema «Ia


essência. Portanto, a essência do belo se conexiona com a ossôncla do
ser; ora, a essência do ser se realiza na orcJom existencial; logo, iambAm
142

a essência do belo se prende à da realidade. N ela encontra qual­


quer fundam ento, em virtude do que se perm ite cham ar de belo o dito
ser.

ART. II.

ESTÉTICAS IDEALISTAS

158. — A m odernidade em filosofia r.e constitui p a rticu la r­


mente da preocupação pelos problemas do conhecimento. A inda que
certas filosofias remanescentes, como o aristotelismo, continuem fig u ra n d o
na área das discussões, também elas assumem a m odernidade à medida
que se concentram nas temáticas de nossos tempos. De maneira geral,
dirigiram -se as novas soluções para a imanência e para o nominalismo.
Na mesma proporção que o ser se dissolveu no fenômeno, tam bém se
subjetivou o belo. Em virtude de certas orig in a lid a d e s que d a li d e riva ­
ram, convém não fu g ir de mais algumas observações, apostilando Emanoel
Kant, Hegel, Croce.

O CONSTRUTIVISMO ESTÉTICO DB KANT

159. — Para Kant o belo não está nas côres, nem nos sons.
Por isso, não im porta que êstes sejam meramente fenomenais, como pre­
tende o kantismo, ou sejam fundam entados na ordem real, como quer
o aristotelismo. O belo seria uma certa perfeição sobreposta aos fe ­
nômenos; mas esta sobreposição se efetua de maneira que não é a
constitutiva, como nas categorias, mas de um modo muito especial; em
qualquer hipótese, tôdas as m odalidades se efetuam de maneira aprio-
rística, por obra da mente, resultando d a li um construtivismo estético
espetacular.
A teoria de Kant tem por base dupla: 1) redução do fenô­
meno sensível à mera fenom enalidade; 2) os universais e as essências
absolutas ocorrem contudo como afirm ações que se impõem como v á ­
lidas, e como não se extraem do fenôm eno, que está reduzido só a si
tnosmo, so reduzem também a sua tão só afirm ação, sendo portanto
aprlorísticos.
143

160. — A fim de provar sua posição, deve Kant lutar om


duas fronteiras. De uma parte tem de mostrar que os fenômenos ofo
tivamente nada podem produzir senão revelar diretam ente sua fono-
m enalidade; aqui tem de se haver em luta com a insistência do todos
os realismos imediatos como aristotélicos e outros.
A segunda fro n te ira de luta consiste em mostrar que efotiva
mente ocorrem afirm ações absolutas em nosso espírito, apesar da ino-
perâ.ncia dos fenômenos. A dm itido o caráter vazio dos fenômenos, ora
o caso de fica r apenas nisto, ta l como fêz Hume e como se conformam
em ficar muitos dos modernos, como os relativistas, os positivistas, quando
coerentes. Entretanto pretende Kant que as formas absolutas so im
ponham como um fa to , embora sem fundam ento no fenômeno empírico.
Esta imposição num céu voltigeante, sem contato com a terra, semelhante
às idéias de Platão, é o que pretende Kant adm itir como um fa to quo
se impõe.
N ão seria nada mais do que uma grande ilusão de Kant?
Um castelo de m arfim , apesar de suas perfeitas proporções quo um
sonho nos pode oferecer, não é ainda só por isso real. Kant se ocupou
mais em tra ça r o seu castelo, em desenhos em geral difíceis e comploxos,
do que em provar. Se embora pareça fá c il pôr dúvida na realidado
das coisas, com vantagens para o fenomenismo, muito d ifícil, poróm,
é o nôvo passo que pretendeu d a r, construindo formas apriorísticcis por
sôbre os fenômenos vazios.

161. — ■ Para compreender em detalhes a estética aprioriüla


de Kant e as que lhe sucederam, é necessário termos em conta o sistema
filosófico integral em que se desenvolveu. Depois de reduzido tudo
a mera fenom enalidade, principia a construção a p a rtir dos fenômonos,
mas não de elementos extraídos ao fenômeno.
O encadeamento progressivo da construção do objoto, pim
cipia, pois, num instante zero, onde se situa o dad o prim itivo. I stíi
prim eira m anifestação, exatam ente porque apenas se mostra, 50 do
nomina fenômeno (faino = mostrar, em grego). Trata-so do a lg o quo
so apresenta diretam ente; por isso, é uma intuição.
O racionalismo cartesiano, prom ovido na Alem anha por Inib*
niz o W o líf, m anipulava com idéias inatas, surgidas ospontánoamontn 110
intoloto; Kant abandona Ar.to ponto do vista o adoro ao omplrlsmo Ingl^n,

Kl T. cio D.
144

ao mesmo tempo que ao ponto de vista aristotélico, de que todo o


conhecimento começa em um instante zero, despertado por um elemento
sensível. "N ã o se pode duvidar de que todo o nosso conhecimento co­
meça com a experiência; com efeito como haveria de excitar-se a
faculdade do conhecimento, se não fôsse pelos objetos que, exci­
tando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos repre­
sentações sensíveis, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligência
a com pará-las entre si, a reuni-las ou separá-las, e dêste modo à e la ­
boração da matéria inform e das impressões sensíveis fo rm a r êsse conhe­
cimento das coisas que se denomina experiência? No íem po, pois, ne­
nhum conhecimento precede a experiência, todos começam por e la ".
(Cr. da razão pura, Intr. I).

162. — Começa agora a construção do objeto, a p a rtir do


fenômeno mas sem nada e xtra ir do mesmo. Exatamente porque nciaa
extrai do fenômeno, principia a divergência com a velha filo so fia aris-
totélica. Além de haver reduzido o fenôm eno a uma inconsistência
fenom enal, sem qualquer conteúdo real, não encontra mais nada nê!e,
com que prosseguir uma construção.
Tem certa razão, o o p in ar de Kant; se esvasiou o fenômeno,
nada contém para retirar; se o converteu em fenom enalidade, não pode
conter estruturas ontológicas. Recaiu Kant nos defeitos capciosos da
dúvida metódica de Descartes.

O êrro não está em duvidar metodicamente, mas em íer con­


duzido a dúvida a separar e distinguir entre a re a lid a d e e a fenom e­
nalidade, entre o lógico e o ontológico; esta divisão, meramente de ra­
zão, inexiste na ordem efetiva e portanto não serve para solucionar o
problem a crítico.
Mas, uma vez usado o expediente, uma vez postado o duvi-
dante num plano meramente fenom enal, ou lógico, não tem como sair
dêste vazio, para um p la n o real; seria marchar do menos para o mais.
Kant, depois de estabelecer que o fenôm eno é apenas fenôm eno depois de
insistir que o dado sensível é apenas pura mostração, sòmente tinha de
so fechar no fenôm eno; dêle nada poderia e x tra ir para construir o objeto,-
foi coerente na continuação.
Para com bater Kant é preciso postar-se no plano inicial da
p rópria dúvida m etódica: saber se podia ter pôsto em d ú v id a a rea­
14.'i

lidade do fenômeno, ou seja, se podia ter reduzido o fenômeno sensível


a sua mera mostração.

Se, entretanto, por cálculo raciocinativo, me cogito que alg o


exista atrás do fenômeno, isto que ali me im agino, somente o posso
a d m itir por mérito e risco da razão; mas não por efeito de urna visão
intuitiva. ,
Mas, tudo que a razão se calcula não tem qualquer base
ontológica; não passa de uma teia imaginosa. Sem intuição apresenta
-se impossível qualquer metafísica. Parece-nos que Kant tem razão.
O mesmo princípio vale em Aristóteles; êste não faz metafísica só com
as idéias, mas a p a rtir de realidades sensíveis. Como o p a p a g a io de p a ­
pel, prêso ao cordel, por mais que suba não se desprende a metafísica
ciristctéüca da realidade; rejeita tudo quanto Platão afirm a por conta da
simples análise e raciocínio no plano das idéias puras. A diferença
de Aristóteles para Kant é apenas a de que o velho macedônio acre­
ditava no conteúdo real do fenômeno e o professor de Koenigsberg não
adm itia esta realidade, reduzindo a intuição sensível a uma pura mos-
traçâo.
Contudo a inteligência humana constrói, diz Kant, porém com
simples soma de elementos apriorísticos, portanto não extraídos do fenô­
meno. Eis o construtivismo kantiano em marcha. "M as se é verdade
que todos os conhecimentos derivam da experiência, alguns há no en ­
tanto, que não têm essa origem exclusiva,- poderemos adm itir que o nosso
conhecimento empírico seja um composto d a q u ilo que recebemos das
impressões e d a quilo que a nossa faculdade cognoscitiva lhe adiciona
:estimu!ada somente pelas impressões dos sentidos); aditam ento que prò-
priam ente não distinguimos senão mediante uma longa prática quo nos
h a bilite a separar êsses dois elementos". (Cr. da razão pura, Inlr. I).

A edificação do objeto progride em vários tempos, a quo


precisamos atender, visto que um dos dêles vai ser o do belo.

163. A contsrução própriam ente dita se processa com os


"sentidos" e o "entendim ento".

Por obrn dos sentidos se impõe a form a apriorística censívol


do espaço, que ó como quo um oslôfo sôbre o qual so recebem os
lonôm enoi, qun são as côres, os sons, o olfa to , onflm Iodos or. w nsívol*
146

externos, e a form a apriorística sensível do tem po, que é p ró p ria do


sentido interno, ou seja da im aginação.
Por obra do entendimento se colocam na constituição do o b ­
jeto todos os elementos estruturais, que se dizem "conceitos", ou "c a te ­
gorias", em número de doze.

N ão coincidem com as categorias aristotélicos, substância, quan-


titade, qualid a d e , relação, tempo, lugar, situação, ação, paixão, hábito;
mas, fundam entalm ente a intenção de Kant é a mesma, ou seja, a de
a lu d ir a noções constitutivas, e que se predicam de modo unívoco, e não
á maneira dos transcendentais do ser.

As doze categorias do entendim ento foram a rroladas a p a rtir


das diferentes espécies de juízos em que comparacem. O ra , os juízos
se agrupam , classificando-se segundo a q u antidade, m edida pelo su­
jeito; a q ua lid a d e , pelo modo de compor e d iv id ir da cópula, que junta
ou separa sujeito e predicado; a relação, pela form a da cópula; a
m odalidade pela maneira de como o predicado convém ao sujeito. Dali
resultam:
C ategorias da q ualidade: Unidade, p lu ra lid a d e , to ta lid a d e .
Ocorrem nos juízos: gerais, particulares, singulares, assim especificados
pelo sujeito.
C ategorias da q ualidade: re a lidade, negação, lim itação. O-
correm nos juízos: afirm ativos, negativos, indefinidos, assim especifica­
dos, segundo o modo de com por e d iv id ir operado pela cópula:

Categorias de relação: Substância e acidente, causalidade


de dependência (causa e efeito), com unidade (reciprocidade entre agente
e paciente, ou substância e acidente) . Ocorrem nos juízos categóricos,
hipotéticos, disjuntivos, assim especificados pela form a da cópula.

Categorias do m odalidade: Possibilidade-im possibilidade, e-


xistência-não existência,necessidade-contingência. Ocorrem nos juízos
problem áticos, assertórios, disjuntivos, assim classificados pela maneira
como o predicdo convém ao sujeito.
Com estas noções construía Kant o objeto. Embora secundá­
ria, a questão da classificação mereceu, contudo, reservas entre os pró­
prios kantianos. Pareceu a muitos que não poderia a d o ta r um cri­
tério do classificação lógica dos juízos, para o rg a n iza r categorias de
contoúdo. Alóm disto, dover-se-ia exam inar com subtileza sa entre
147

os categorias de Kant não existem algumas que antes deveriam ser re ­


movidos para o plano dos transcendentais.

Ió 4 . — O construtivismo de Kant ainda segue para novon


empreendimentos, desta vez para a criação de "id é ia s ". A faculdado
do entendim ento produzira "conceitos", que são parte do juízo. Entra
agora em ação a fa cu ld a d e da "ra z ã o ", primeiramente como pura, do
pois como prática. O rd enando os juízos em argumentos, obtém con
clusões, cuja denom inação técnica, que os distingue dos conceitos, ó
0 de "id é ia s".

Sob os fenômenos sensíveis, calcula a razão existir uma rea­


lidade. A idéia mais g eral, neste plano é a do mundo. Sob os fe n ô ­
menos da consciência, sob o eu lógico, calcula ocorrer um eu psicoló­
gico; a idéia mais geral neste plano subjetivo é a de alma. Como causa
to ta l imagina-se a razão, que exista um Deus; é também uma idéia geral.

Mas as idéias, mesmo as do mundo, alma e Deus, caem no


vazio. Elas foram obtidas por meio de juízos igualm ente formais, aprio-
rísticos, com va lo r meramente "tra n scen d e n ta l" e imanente.

Para Kant o têrmo "transcendental", leva aqui o significado


muito específico de "fo rm a aprio rística ", de consistência meramente sub­
jetiva.
O ra, se as peças do raciocínio são apenas de papel, não p o ­
dem produzir outro m aterial de m aior consistência. O transcendental sò­
mente poderia resultar em conclusões meramente ideais; por isso, o mundo,
a alm a, Deus, não passam de idéias, quando resultam de um raciocínio
que opera com juízos meramente formais. Semelhantemente, as po n d e ra ­
ções em ordem à ação prática, se constroem sôbre a esteira do aprio-
rismos desligados da consistência real.

Observa-se, em Kant, um espírito refinadam ente crítico. N ada


extrai do fenômeno. N ada de enxergar essências e outros bichos mo-
tafísicos nas côres, nos sons, no tato, no gôsto e nos perfumes. N ada
do porspiciências a descobrir coisas no fundo d a q u ilo quo so apresenta
Dlanto do tam anho construtivismo, a inteligência se nos a fig u ra como
fada do multas varinhas mágicas, ora a surgirem polos sentidos, ora polo
ontendlmonto, ora pola razão pura, ora pola razão prática; o ainda
1 i dnrá havor mais r.urprôíias com muitas varinhas, pois nos fa lta voi o
148

que vai acontecer nas faculdades do Juízo e do Sentimento, que Kant


foi descobrir em época ta rd ia na floresta mágica do idealismo.

165. — Q ual seria o valor, na ordem real, daquelas noções


que os escoiásticos denominam transcendentais, como o verum, o bonum,
o belo e outras? Kant situou o belo como uma noção somente alcan­
çável por uma faculdade de ordem muito especial, que designou Fa­
culdade do Juízo; alcança o objeto apenas como um todo, julgando-o
em função a um arquétipo, ou fin a lid a d e form al. Esta determ inação
que o objeto adquire, segundo a qual se diz belo, que valor ie ria sob
o ponto de vista de seu conteúdo na ordem real? Eis aonde novamente
Kant atrib u i mciis esta noção à ativid a de construtivista da mente. N ada
busca no fenômeno sensível, nas côres, nos sons, no tato,- ainda nada
contém os objetos do entendimento e nem as idéias da razão; agora,
nem sequer valor concede às afirm ações da faculdade do Juízo.
O belo cai no vazio, como afirm ação pura, porque os arqué­
tipos, em função do qual um objeto se diz ajustado, não se configuram
senão como outras tantas construções aprioristas. A faculdade do Juízo
lança por sôbre a va riedade dos objetos as fin a lid a d e s formais, como os
gêneros e as espécies. O rg a n iza n d o tudo, de sorte a termos a impres­
são que ditas coisas são belas, porque se ajustam às fin a lid a d e s formais,
não o são contudo na ordem efetiva; é que os próprios arquétipos não se
constituem em módulos de v a lo r ontológico.
Em Platão os moldes eram absolutos e até idealidades reais
em um mundo além. M oderado, Aristóteles situa as essências na inti­
midade da coisa singular, atribuindo-lhe to d a via uma v a lid a d e o ntoló­
gica absoluta. O neoplatônico, Plotino, põe as idéias de Platão, agora
convertidas apenas em imagens, na inteligência do Logos, que por sua
vez derivava do Uno. Tomaz de A quino aprofunda a essência absoluta
de Aristóteles, com binando-a com o exem plarism o de Platão, repondo
a eternidade das essências absolutas na natureza divina. Principiou
a quebra do absoluto com o voluntarism o de Duns Scoto, que sujeita
a índole das essências à vcntade divina; retoma-o Descartes; enfim che­
gamos a Kant, que as converte em um a priori da fa cu ld a d e do Juízo.
Conservando embora a conceituação clássica da metafísica
na parte que diz respeito à essência, contrariou-a integralm ente no setor
relcrente ao conteúdo da realidade. E assim o belo, que chegara a cons-
14V

titcir-se na beleza por um ajuste com uma form a arquétipa de conslstôn


cia apriorística, tom ba no interior vazio de um mundo irreal.

O homem se torna "a medida de tôdas as coisas" e estas so


dizem belas enquanto se ajustam nas medidas dentro das quais as po
demos receber. O belo adquire feições antropológicas; com outros olhos
e com outros ouvidos e particularm ente com outra fa culdade do Juízo,
ser'am também outras as belezas que haveríamos de apreciar.

Escrevia Kant a propósito do apriorism o das faculdades: "N a


fom ília das faculdades de conhecer superiores há um têrmo médio entro
o entendimento e a razão, êste é o Juízo, do qual há motivo para
supor, por analog ia , que encerra em si igualmente, se não uma legislação
pró pria, ao menos seu p róprio princípio, um subjetivo a p rio ri" (Cr. do
Juízo, Intr. III).
Pormenorizando, prossegue mostrando que o Juízo, enquanto
[ulga os dados em função a um a rquétipo geral, atua dando-se a :>i
mesmo esta lei: " O Juízo reflexionante, que tem a ta re fa de ascender
do pa rticu la r na natureza ao geral, necessita, pois, um princípio que
não pode tom ar da experiência, porque êste princípio justamente dovo
fund ar a unidade de todos os princípios empíricos sob princípios, igual
mente empíricos, porém mais altos, e assim a possibilidade da subor
dinação sistemática de uns aos outros. O Juízo reflexionante podo pois
sòmente dar-se a si mesmo, como lei, um princípio semelhante trann
cendental, e não tom á-la de outra parte (pois então seria juízo determi
nante) nem prescrevê-lo à natureza, porque a reflexão sôbre as leis da
natureza se rege segundo a natureza, e esta não se rege segundo as
condições segundo as quais nós tratam os de a d q u irir dela um concolt
que, em relação a essas, é totalm ente contingente".

ló ó . — Que faz uma indução, senão revelar uma form a ab


soluta? Mas, os dados empíricos que uma indução arro la , para Inforli
uma conclusão absoluta, não contêm esta afirm ação. É que os dadt»
não encerram senão sua fenom enalidade; mostram-se simplosm mtn, «>
não contêm a form a que devam ser, não se encontra nôlos o fim a
que devam subordincir-se como idéia exem plar. Eis porque, para Kant,
embora adm ita o absoluto, êste não se impõe senão como uma f(>ima
a priori
150

Os gêneros e as espécies, que a indução em pírica, por a rro la -


mento vai inferindo, não encontram por conseguinte fundam ento nos
próprios fenômenos; resultam como dispositivos a p riori.
Conseqüência fin a l: a consistência das coisas se reduz à
mera cristalização de formas subjetivas, cujo brilho é uma beleza no
vazio.

O IDEALISMO ESTÉTICO DE HEGEL

1Ó7. — A compreensão plena da teoria estética de Hegef


requer atenção ao sistema filosófico em que se entrosa. Fundam ental­
mente o metafísico alem ão pressupõe, à maneira de Plotino, que o ser
Absoluto, Deus, isoladamente não opera de maneira a exercer conhe­
cimento. Para Plotino, o Uno supremo, concebido como o màximamente
simples, não poderia por definição a d m itir uma d u a lid a d e como parece­
ria ocorrer no processo cognoscitivo; êste se mostra essencialmente dis­
cursivo, opondo-se nêle sujeito e objeto. Deus, apesar de màximamente
uno, é o sumo Bem, cujo caráter é o de exp a n d ir sua bondade; cria,
portanto, necessàriamente. Dali vem que de Deus procede o Logos,
dêste a A lm a do M undo, ainda por meio dêste as almas e enfim a m atéria.
Em Hegel ocorre a lg o de semelhante: Deus, num prim eiro instante,
isoladamente não seria pensamento; ao p rin cip ia r o exercício do pensar,
antepõe-se a si mesmo como objeto; mas depois, numa perspiciência
mais profunda, vê que o anteposto não é apenas uma natureza (ou
mundo), mas êle mesmo, que assim se p rojetara diante de si. É o
idealismo e o panteísmo.

O ra , não é possível, nem necessário introduzir um processo


da realidade , em que Deus surja como o comêço de uma linha evolutiva.
Em Plotino, pelo menos, Deus está no início como o màximamente perfeito,
polo menos em tese; o restante é criação por superabundância, sem ser
uma distenção do mesmo Deus, à maneira do panteísmo. Mas em Hegel,
o Início do movimento começa num instante zero, tal como o ponto, prà-
licam onte nada, como um momento negativo. A to ta lid a d e é Deus, ou
o Espírito Absoluto; mas, êste Deus p rincipia num instante em que êle
ó um quase nada, a união do ser e do não ser. Depois se constrói a
.'ii mosmo como uma expansão atôm ica universal, produzindo-se como
151

um espaço imenso. Em Plotino encontra-se como equívoco não tor con


seguido ver que o inteleto poderia estar em Deus; e ainda não compro
ende que a criação necessitante não se coordenaria com a liberdade
divina. Hegel introduz a inteligência na divindade, porém como discur
sividade, o que exatam ente não quisera Plotino, porque a discursividado
im plicaria em lim itação; esta consistiria em pressupor um instante menor
e outro mais; um momento em que a inteligência não conhece e outro
em que passa a conhecer; além disto, a discursividade resulta em divi
são, o que também é inadmissível em um ser absoluto.
Numa visão aristotélica do assunto, Deus é êle mesmo o pen­
samento: "pensam ento de pensamento" (Arist., Met. 1074 b 34); "fo rm a
sem m atéria", continua o mestre do Liceu; "a to puro", virá esclarecer
melhor Tomaz de Aquino. Em sendo infinito, sem matéria, plenamente
rea liza do na ordem do ser, nada se encontra fora dêle, que já não se
encontre dentro dêle.

168. — Para Hegel, todo o ideal é real, porque somente


existe o ideal. Imagina-se a to ta lid a d e das coisas como uma alm a imen­
sa, que passa a ter consciência a começar de um núcleo central e inicial.
D ali vai progredindo, avançando sempre na direção exterior, até com­
pletar a geral consciencialização. C ada momento desta marcha assume
nome diferente e exprim e uma parte do todo. O prim eiro instante é a
noção abstrata e quase vazia do ser; a to ta lid a d e , depois de com pletado
o movimento de tom ada de consciência, é o Espírito Absoluto.

Há, entretanto, muitas maneiras de pro g re dir de um ponto


incial até a to ta lid a d e . Poderíamos m archar em círculos concêntricos,
saltando de esfera em esfera, tal como os antigos se im aginavam o si*,
tema do mundo. Também se pode pro g re dir do centro para fo ra , so
guindo a marcha de uma espiral que, a m edida que vai dando volta,
segue sempre mais para a face exterior. Na espiral ocorre a im portante
característica de que é uma única peça a p ro gredir; ao passo quo no:>
círculos concêntricos são diferentes camadas simplesmente sobrepostas
Para Hegel o Espírito Absoluto, que é a to ta lid a d e , não se distingue do
prim eiro instante; é a mesma grande realidade, que, em diforontos po
sições, exerce graus de consciência lim itada. O sistema do Hegel v
pode também com parar como o novêlo de linha, que vem do um oixo ini
ciai, enrolando sempre, até completar-so na última volta oxtorior. As mullas
152

coisas, quo se nos oferecem dentro da consciência e fo ra dela no mundo


loncroto da natureza, não passam de chispas da mesma luz que é o
ospírito absoluto, a afirm ação sintética to ta l.

169. — Dali resulta que a lógica do pensamento, a filoso­


fia da natureza, a arte, a re lig iã o , a filosofia se constituem como mo­
mentos abstratos de um mesmo pensar; isolamos momentos que não se
constituem como partes individuais,- todos os momentos, o são de uma
só grande idéia, o espírito absoluto. Portanto, nada é real mas tudo
ideal como o espírito absoluto. O belo, em q u a lquer concepção que
so o conceba, é sempre ideal, nunca a lg o real e concreto.

Na espiral evolutiva, que vai do núcleo inicial, à plenitude do


ospírito absoluto, a evolução se fa z ainda de maneira mui o rig in a l porque
cm form a dialética, unindo contrários em novas sínteses. Estas, como
novos todos, voltam a ter seus contrários, e então surge, pela nova união
dos contrários, nova síntese. A famosa dialética de Hegel empresta uma
característica muito especial ao seu sistema. N ão visamos entretanto
isto em prim eiro lugar aqui. Mas seu idealismo evolutivo, que vai de
um momento inicial até um último, em que cada idéia é apenas um mo­
mento abstrato do todo ideal. Por isso também o belo e a arte se
reduzem apenas a momentos da idéia.

170. — A marcha dialética principia com a noção a m aij


gorai de ser como ta l; neste plano se exerce a Lógica. A tese, como
cmtítese, tem diante de si a natureza, ou o mundo exterior. A síntese,
reúne ambas no Espírito absoluto. C ada instância adm ite a subdivisão
cm termos de dialética interna. Em virtude da localização do artístico
apenas na afirm ação d ia lé tica do Espírito absoluto, ocupar-nos-emos
lao só da movimentação interna dêste. Q uanto ao belo, êste ocorre
< m tôdas as instâncias, porque concebido como noção transcendental.
A noção do espírito começa a se fo rm a r no instante em que
■.urge a consciência de que a natureza, enquanto oposta ao conceito, o
iiuga. Assim surge a consciência do espírito como síntese de conceito na
natureza, ou sujeito-objeto. Portanto, a tese e a antítese fizeram a síntese.
O espírito passa a p ro g re dir; prim eiram ente se a firm a como
«■pirito subjetivo (consideração subjetiva do indivíduo). Como antítese
surge logo o espírito objetivo (a espécie humana, de onde surge o
153

direito, a m oralidade, a eticidade). Sobressaindo sôbre o espírito


subjetivo e objetivo, forma-se a síntese suprema, o Espírito absoluto;
vê-se, o espírito, como manifestação que ocorria tanto no subjetivo como
no objetivo, em form a de oposições, mas que se unem em um só Es­
pírito absoluto.

Como se observa, a progressão dialética se mostra constante;


cada uma das m odalidades de espírito, o subjetivo, o objetivo, o abso­
luto, admitem novas dialéticas internas. Restringir-nos-emos tã o só à
do Espírito Absoluto, porque ali vamos encontrar o artístico. O Espírito
absoluto, se manifesta prim eiram ente nas obras de arte, como mensagens
que são de um pensamento artista; a consciencialização é evidente, em­
bora lim itada pela m atéria. A manifestação da idéia não se procede
por igual nas diferentes artes; êste princípio é aproveitado por Hegel
para uma classificação, no tope da qual situa a poesia.

Na religião, antítese da arte, a idéia se interioriza. N ão alca n ­


ça, ainda a plena luz, ofuscada que se conserva em símbolos e senti­
mentos cegos. Num salto imenso e fin a l, ocorre a afirm ação sintética
total, com a filosofia. Eis, então, chegada a consciencialização do Es­
pírito absoluto. Diante do exposto, o pensamento é história; tôda a
marcha da consciência é a "história da filo s o fia ", em que cada momento
era uma verdade pa rcia l; a filosofia é o term o fin a l da história.

171. — D efinindo a arte como "expressão do pensamento"


que faz da obra um instrumento de mensagem, a definição de Hegel nos
parece efetivam ente certa. Mas, além de interpretar a obra de arte
como manifestação teorética do pensamento, via nesta expressão a p ri­
meira manifestação do Espírito absoluto. Êste aspecto nôvo, em que
a arte exerce uma posição sistemática de ordem metafísica, não altera
o conceito que Hegel exercia a propósito da arte como expressão sen­
sível de uma idéia.

Mas que era a referida manifestação do Espírito absoluto?


Para Hegel, como vimos, a re alidade total não é senão um só grande
Espírito, cujo momento inicial é de um mínimo de consciência e que passa
a uma evolução constante. Depois de conhecer a natureza exterior,
sem ainda exercer a consciência de que esta natureza exterior é parte
do seu próprio Espírito, subitamente passa a perceber esta peculiaridade,-
154

a obra de arte, embora sensível, começa a fa la r, transmite mensagem,


diz algo; eis que isto representa um prim eiro instante da manifestação d o
Espírito absoluto. A a rquitetura não é apenas natureza; fa la como um
símbolo; assim tam bém fa la a música; principalm ente transmite mensa­
gem a poesia que se configura portanto como a mais elevada manifesta­
ção do Espírito no plano sensível das artes.
O que, por conseguinte, Hegel acrescentava à natureza d a
arte era uma interpretação metafísica, que não alterava ao conceito em
si mesmo da arte. Esta, sob o ponto de vista metafísico, seria a cons-
ciencialização do Espírito absoluto em plena marcha, superando a m a­
téria no instante em que impunha à matéria a expressão de uma idéia.
N ada perdeu o conceito de arte se Hegel, logo a seguir, asseverou que
a re lig iã o fa la de modo mais desenvolvido e am plo que a arte; que
a filosofia constitui consciencialização máxima do Espírito. E tem razão,
porque na verdade a expressão artística não passa de uma sensível
maneira de manifestar a idéia, que na re lig iã o e na filosofia se alçam
à plenitude.

O IDBALISMO ESTÉTICO DE CROCE

172. — É notória a p u b licidade e a influência de Croce (1866-


-1952) em assuntos atinentes à filosofia da arte, especialmente à lite­
rária. O que, entretanto, nos fa z a lu d ir a gora ao mentor do h egelia-
nismo ita lia n o é sua nova m odalidade de idealism o dialético. O cupam o-
-nos do belo como conteúdo ontológico e não ainda da arte que não é
o objetivo direto do presente livro.

De maneira geral, Croce ab ra n d a o idealismo d ia lé tico de


Hegel. A re a lid a d e não evolui para uma só direção fin a l suprema, que
fôsse o espiritual racional, porém para diversas direções, cada uma com
personalidade pró p ria . Assim, alcança Croce, com seus graus distintos
do espírito, um lu g a r ao sol, no idealismo, para a arte. Se em Hegel os
novos graus iam depreciando os anteriores, em Croce êles como que se
justapõem. Enquanto o dialetecismo hegeliano transitava da arte para
a religião, desta para a filo so fia , a nova concepção dos graus distintos
se desenvolve à m aneira de leque. Se em Hegel os graus anteriores são
como que momentos abstratos, em que se movimenta o pensar, até a l­
155

cançar o tod o concreto do espírito absoluto, em Croce os diversos graus


se constituem como situações efetivas e não como simples abstrações.

Mas, para Croce, como em Hegel, tudo é espírito, tudo idea-


lidade; apenas alterou detalhes do idealismo. Portanto, fundam ental­
mente a situação é a mesma de Hegel. Antes de tudo im porta decidir
se o idealismo se pode manter como verdade. Croce, ao escrever o
seu famoso " O vivo e o morto na filosofia de H egel" podou claramente
aspectos inaceitáveis; entretanto, o que fundam entalm ente é o hegelia-
nismo, o conservou; e é a li onde se põe a verdadeira dificu ld a d e . Como
poderia manter o idealismo? E ainda como conseguiria e xp lica r o mo-
nismo em que o absoluto é concebido em evolução do menos para o
mais? Como justificaria a própria dialética, em tôdas as suas formas,
na hegeliana e na m o dalidade que lhe deu Croce? N ão estaria também
tudo isto morto para uma filo so fia levada a sério?

173. — O rg a n iza Croce os conceitos em distintos e em c


trários. Como distintos se apresentam os conceitos de coisas que não
se opõem, mas também não se confundem e nem se identificam . Os con­
trários são os que se opõem. "N a investigação da realidade nosso pen­
samento se exerce em presença não só de conceitos distintos, mas também
de conceitos contrários, os que não podem ser identificados com os p ri­
meiros, e nem sequer considerados como casos especiais daqueles, i. é,
como uma classe de conceitos distintos. Uma coisa é a categoria lógica
da distinção, e muito outra a categoria da oposição. Dois conceitos dis­
tintos, como já se tem dito, se unem entre si, ainda que em sua própria
distinção; dois conceitos contrários parecem excluir-se: onde aparece um,
o outro desaparece to ta lm e n te ... Exemplo de conceitos distintos são
os já mencionados de im aginação e inteleto e muitos outros que pode­
riam agregar-se, como ser, direito, m oralidade e in fin id a d e de conceitos
semelhantes. No que diz respeito aos exemplos de conceitos con­
trários, pode-se extraí-los de numerosas associações de palavras que
tan to abundam em nossa linguagem e que não constituem, por certo,
associações pacíficas e amistosas. São, por exem plo, os termos antité-
ticos de verdadeiro e falso; de bem e m al; de belo e fe io ; de v a lo r o
desvalor; de prazer e d o r; de ativid a de e passividade; de positivo e ne­
gativo; de vida e morte; de ser e nada; e tc .. . . N ão se pode, pois, con­
156

fu n d ir a série dos distintos com os contrários" (Croce, O vivo e morto


em Hegel, item i, pp. 16-17).
Cedeu Croce ao fato. Efetivamente há manifestações que não
se apresentam como contrárias, mas apenas distintas. Era recuar de
Hegel e retornar a Aristóteles. Em Croce o belo se mantém como o con­
trá rio do feio (como nós também o defendemos^,- mas, nem tudo se
opõe ao belo como seu contrário. Por isso, ao lado do belo ocorrem
elementos que dêle se distinguem e que por isso não se elim inam com a
afirm ação do belo. Já ocorreria em Hegel esta possibilidade, visto que
fazia oporem-se entre si os conceitos; a arte era superada pela religião,
esta pela filosofia.
Os graus distintos supremos, segundo Croce, se esquematizam
em número de quatro, em grupos de dois, em que um grupo é teorético
e outro prático. Dali termos como prim eiro grau a síntese im aginativa
(ou intuição artística); como segundo grau do espírito, a síntese lógica
tou filosofia). Como terceiro e quarto graus as duas sínteses práticas
(economia e moral).

Numa filo so fia da arte deveríamos agora expor o grau dis­


tinto inicial, referente à intuição artística.
Tudo isto, apesar de se constituir como grau distinto íe não
como contrário) é id e a lid a d e , simples elemento composto do Espírito A b ­
soluto. A diferença entre Hegel e Croce apenas ocorre, no que con­
cerne ao idealismo, em que para o filósofo alem ão o Espírito se manifes­
ta só com oposições; para o italiano, também em graus distintos sem
oposição.
Q uanto ao belo, tam bém êste seria inteiram ente ideal, qualquer
grau distinto ou grau de contrários seja pôsto. Para Croce, conforme
vimos, o belo surge como contrário do feio; neste ponto ocorre a inda a
manutenção de Hegel. Contudo, o belo não se pode d e fin ir em função
ao contrário, apesar de possuir um seu contrário. O possuir um con­
trá rio é propriedade, nunca, porém, essência constitutiva de algo.

174. — De maneira geral, tôda a questiúncula de Hegel


e Croce referente aos contrários e aos graus distintos é de ordem su­
perficia l, porque divide o ser em função a propriedades,- em sendo p ro ­
priedades, não derivam de todos os seres. Têm os diversos seres p ro ­
priedades como as de terem graus, de terem seu contrário, de possuírem
15/

semelhantes. Frisou Aristóteles que somente a categoria da q u a lid a d *


possuía a propriedade de ter semelhantes. A propriedade de possuir
graus e contrários ocorre também na categoria da qualidade, mas nao
em tôdas as qualidades individualm ente.

Observam tam bém subtilmente os aristotélicos que algumas


propriedades se dizem de várias categorias de ser, outras não; estas pro
priedades que alcançam várias, foram denominadas post-predicamentor».
De maneira geral não podem constituir questão decisiva na organização
fundam ental dos seres (sôbre graus, contrários e semelhanças, veja-se nos­
so item sôbre qua lid a d e , cap. 2, art. I, § 2).

A INCONSISTÊNCIA DOS VALORES NA ORDEM REAL

.75. — Determinados como absolutos, na ordem da essência,


os valores não se configuram como re alidade ontológica no plano do
objeto.
Como a liq u id , como contrário do nada, como ex-sistência, os
objetos atingidos pela intencionalidade em otiva, se constituem apenas co­
mo o a priori do emocional.

Com batendo embora tôda a espécie de nominalismo, Scheler


não se opõe to d a via integralm ente ao kantismo.
É tam bém possível defender a realidade das coisas e contudo
manter a índole irreal e imanente dos valores. Esta filosofia sempre
distinguiu entre coisa e va lo r; em assim o fazendo, abre a possibilidade
de um realismo no pla n o da coisa e o de um imanentismo transcendental
meramente lógico no dos valores.

Por vêzes não sabemos ao certo o que os filósofos dos valores


efetivam ente pretendem a firm ar. - Teria Scheler defendido uma tese írans-
cendentalista para ambos os elementos, a coisa e o valor? Como so
apresenta, acreditam os que sim.

Diferenciando-se, teria N icolai Hartmann estabelecido um roa


lismo para as coisas e um transcendentalismo para o valor?

Além de ocorrerem mudanças de posição ao longo da vida


de um filósofo inovador, ainda poderá não ter u tilizado os termos
em acepção idêntica e óbvia.
153

176. -— A fenom enologia de Husserl, no qual se inspiram


Scheler e Hartm ann, insiste no caráter eminentemente intencional do co­
nhecimento a m archar para um objeto. Mas êste objeto se reduz enfim
em pura imanência no recinto interno do sujeito.

Scheler enveredou pela mesma trilh a .


Hartmann se retém com moderações.

Distinguindo entre coisa e valor, para Scheler os valores não


se encontram nas coisas, mas na pessoa que os realiza. A coisa, aliás,
é um objeto sem conteúdo real. N ão se poderia esperar conteúdo onto-
lógico para valores que vão m orar em um objeto imanente.

Localizando o v a lo r na pessoa, a respeito desta desenvolveu


uma teoria muito peculiar. ínterpretando-a em bora de maneira im a­
nente e sem conteúdo real, no sentido aristotélico, não tomou contudo a
direção do panteísmo generalizado, nem o do asscciacionismo empírico.

O belo, situado entre os valores, tem a sorte dêstes.

177. — C oncluindo mais um capítulo, êste foi o que conduziu


ao detalhe a questão penosa e fundam ental do a liq u id , portanto do belo
enquanto surge como objeto e se nos antepõe. No prim eiro capítulo
consideramos o objeto de maneira g eral, simplesmente enquanto surge
do nada e se nos antepõe. Os detalhes a que agora conduzimos a ques­
tão, nos fizeram m edir a extensão com que o objeto se afirm ava. Para
nós, a extensão do objeto a se a firm a r ia até ao ponto de conter re a li­
dade independente de nossa imanência. Mas, para outros, o objeto não
ultrapassaria a área da simples a firm ação lógica, do fenôm eno qua
apenas se mostra, que se distende como lençol sôbre o vazio; então
o belo não poderia ser mais do que uma a firm ação ideal, form a im a­
nente a p a ira r nos espaços imaginosos da consciência.
C A P I T U L O IV

FORMAS E GÊNEROS ESTÉTICOS

178. — Resta irmos aos detalhes a propósito da essência do


belo a fim de deixarmos findas as elocubrações do tra ta d o . O briga-nos
a sistemática, conduzir por ordem as questões até ao fim , em bora a be ­
leza profusa e abundante pouco insista em ser ordenada; qualquer po­
sição que se dê às flôres, elas sempre se mostram belas. Todavia, há
aquelas disposições meticulosas que são de um efeito fo ra do comum.
N o tra ta d o do belo, a condução dos detalhes até ao fim , nos leva a
uma surpreendente impressão de acabam ento.

E' possível, p ortanto, que êste último capítulo seja o mais


atraente do T ratado do Belo. Enquanto os precedentes analisavam a
consistência dura do cristal, êste se ocupa do seu b rilho deslumbrante.
Como nos o rie n ta r neste acabamento? Um critério nos deverá
d irig ir, evitando por conseguinte uma cam inhada empírica e ao léu pela
campina. Em duas longas m iradas observaremos as propriedades do
belo e a matéria em que se situa.
Já examinamos a essência do belo; fa lta prosseguir pelas suas
propriedades.
Insistíramos que o belo apresentava como propriedades notó­
rias a teoreticidade (porque fa la v a à inteligência) e a esteticidade (por­
que redundava em uma a fe tivid a d e de aquietação do apetite). Estas
propriedades, entretanto, eram arroladas com a precípua preocupação
de, por seu interm édio, alcançarmos a essência.
Conforme já determinamos, o belo se constitui como qua lid a d e ;
ora, são conhecidas certas propriedades que atingem as qualidades, o
por isso também o belo, a seu modo. Eis-nos com um caminho apontado.
Além disto, a q ualidade, como categoria de ordem acidental,
ainda inoro em outro ser, como sou sujoito; assim, a qualidcido adoro

11 — T . <l(i B.
160

à substância. Com isto, se nos apresenta a questão da m atéria em que


o belo se realiza; ou seja, o objeto em que a beleza inere, como na
côr, no som, no movimento, e tc .. . .
Êste é um ponto de vista não estético, mas que individualiza
as coisas belas, como sendo de ta l e ta l m atéria. O outro ponto de
vista, referente às propriedades, é form alm ente estético.
Dali vem que o belo se divide em formas e gêneros estéticos,
a l Em formas, quando a referência incide form alm ente no belo enquanto
uma q ualid a d e ; sob êste aspecto adm ite propriedades, que oportunam en­
te revelaremos constituírem se de poder a d m itir contrários, como o belo
e o feio, de se re a liza r segundo graus, como revelam os estilos, b) Em
gêneros, quando a referência se paz apenas ao objeto em que a beleza
inere, como em seu sujeito; d a li resulta que há diversidade de matérias
belas e mesmo de artes, como da música, da pintura, da linguagem , etc..
Divide-se, pois, naturalm ente nosso capítulo em um p a rá g ra fo
referente às formas estéticas e outros aos gêneros. Nas formas, a sub­
divisão se fa rá pelas diversas propriedades; nos gêneros, pela diversi­
dade das matérias. E assim, como já se observa, o caminho se nos
apresenta claro, com direções gerais e indicações de detalhe.

§ 1.° CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS BELAS E ARTÍSTICAS.

179. — Certos conceitos gerais se encontram descobertos des


de longa data, sem que ainda fôssem aproveitados em tôdas as instân­
cias. Uma classificação das propriedades serve para determ inar as d i­
ferentes form as do belo; já se fizeram tais classificações, das quais uma
ó de Aristóteles; convém a gora a p ro ve ita r ditas classificações e criar
uma ordenação sistemática das diferentes formas do belo. Temas iso­
lados começam a entrosar-se e a assumir feições mais precisas.

Ocorrem, segundo o Estagirita, três propriedades irredutíveis


na qualid a d e : 1) Tem a q u a lid a d e um seu contrário,- 2) é susceptível
do mais e menos, de crescimento e diminuição,- 3) adm ite o semelhante
o o dissemelhante, sendo que esta última pro p rie d a d e ocorre exclusiva-
monto na ároa da q u a lid a d e (Categorias, 10 b 12 - 11 a 35).
161

O nde ficariam a teoreticidade e a esteticidade, de que tanto


nos ocupamos e a p a rtir das quais estabelecemos a essência do bolo?
Reduzem-se à p ropriedade que tem a q u a lid a d e de adm itir semelhante
e dissemelhante. Sòmente a q u a lid a d e possui semelhante, e por isso
apenas através da q u a lid a d e se exerce o conhecimento e por conseguinte
sòmente por seu través ocorre a teoreticidade do belo; do conhecimento,
mais um passo e ocorre a repercussão na vontade, de onde resulta a
esteticidade como efeito sentimental.

O sistema de propriedades, por conseguinte, está fechado em


número de três: possuir um seu contrário, ter graus, exercer-se com
semelhança. N ão form am a teoreticidade e a esteticidade uma quarta
denom inação de propriedades no círculo da qualidade.

A) O BELO E O FEIO C O M O CONTRÁRIOS

180. — Em virtude da p ro priedade que possui a q u a lid a d e


de poder ad m itir o seu contrário, tem o belo, como qu a lid a d e que é,
um seu contrário, o feio. Classificar o belo e o feio, como duas de­
terminações que possam ocorrer em uma q ualidade, constitui ponto de
vista radicalm ente distinto daquele outro que classifica o belo, ou o feio,
na linha do mais e do menos, do aumento e da diminuição, que resulta
em graus. Ambos os temas confluem pela circunstância de afetarem
form alm ente o belo e não apenas a matéria em que êste ocorre; mas
diferem pelo ponto de vista em questão. O que agora simplesmente
nos ocupa é apenas a contrariedade: o belo, enquanto contrário do
feio, e o feio, enquanto contrário do belo. Mas não o belo e o foio
enquanto possam constituir-se como graus, porque isto não o são. A fir­
mou Platão expressamente serem o belo e o feio contrários (Fedon, 70 b
e Fedro, 246 e).
Forneceu-nos Aristóteles a conceituação geral sôbre o assunto:
" A contrariedade pertence também à qualid a d e ; por exemplo, a justiça
é o contrário da injustiça, o prêto da brancura, e assim por d ia n to . . .
Tal porém não é sempre o caso, o vermelho, o am arelo o as côros do
gênero não tôm contrário, em bora sejam qualidades. Alóm disto, do

um dor. dois contrários ó urna q ualidade, o outro sorá Igualmonto uma


162

qualidad e. Isto se mostra evidente desde que apliquemos (aos nossos


exemplos) as outras categorias; assim, se a justiça é o contrário da in­
justiça e se a justiça é uma q u a lid a d e , a injustiça será também uma
q u a lid a d e ; nenhuma outra categoria, com efeito, se comporá com a in­
justiça, nem a quantidade, nem a relação, nem o lugar, nem, de um
modo geral, nada que não a q ualidade. O mesmo vale para todos os
demais contrários encontrados sob a q u a lid a d e ". (Arist., C ategorias 10b
12 - 25).

181. — Prontamente nos vem algumas observações a pro­


pósito do belo e do feio.
Poderia, ao que diz Aristóteles, uma q u a lid a d e não ter o
seu contrário, como o am arelo que de fa to não o manifesta possuir.
Se o belo tem o fe io como seu contrário necessàriamente, contudo não
resulta esta situação simplesmente da circunstância de se constituir o belo
como qualidade.
Além disto, se um dos contrários é uma qua lid a d e , o outro
termo, quando existe, também será necessàriamente de natureza q ua­
litativa. Suposto, p o rla n to , que o belo seja uma q u a lid a d e , a d m itido
que o feio se configure como seu contrário, o feio se constitui como q ua­
lidade e não como q uantidade, ou relação, ou lugar, ou q u a lqu e r outra
categoria do ser.
N ão se deve confundir a questão do belo e do fe io com as
cposições do estético e anti-estético; tais duas outras propriedades d i­
zem respeito simplesmente às conseqüências afetivas de que o belo e
o feio são capazes.

182. — Pelo aspecto, a questão do belo e do feio oferece


considerações muito específicas; não tem fa lta d o o interêsse de alguns
aulores neste sentido. Em 1857, Karl Rosenkranz, publica a prim eira
vez um "Estética do Feio" (Aesthetic des Fiaesslichen) (Koenigsberg).
Desde então cresce a preocupação em tôrno de um assunto anteriorm ente
trcitado apenas em seus linhamentos gerais.

Levam ainda os nossos dias a peculiaridade muito especial


de haverem perm itido o ingresso am plo do feio no campo da arte. É
quo o artístico, interpretado hoje como mensagem, não envolve d ire ta ­
mente a questão do belo e do feio. O artístico se opõe ao não artístico,
163

mas não ao feio. Realçada a função da arte como expressão sonsívol


de uma idéia que se põe na obra, resultou que a arte moderna seguiu
por verêdas antes não conhecidas, desenvolvendo-se ora pelas formas
elegantes do belo, ora pelas disform idades do feio. (Cf. J. A. Tobias,
O feio, S. Paulo, 1960).

183. •— O feio, como q u a lidade oposta ao belo, possui cis


mesmas propriedades do belo, mas em direção inversa: a teoreticidade
e a esteticidade. São as mesmas, porque se situam num mesmo gênero,
embora com inversão.

a) A teoreticidade, no belo, significa o objeto enquanto se


presta a ser contem plado pelo inteleto. Assim, o feio se configura como
a lg o que se apresenta à percepção cognoscitiva. A teoreticidade dis­
tingue o feio como distinto do im oral, porque êste diz respeito à ordem
prática; enquanto o feio não é apreciado para ser visto, o imoral não o é
para ser praticado.
A teoreticidade do fe io caminha na direção inversa da te o ­
reticidade do belo. O feio fa z o objeto configurar-se como a lg o fora
de um esquema que deveria ter valido. Ocupa-se, então, o inteleto em
reconhecer desproporção. Em conhecendo o objeto feio anota o quo
apresenta de positivo; e por desconto, a va lia também a q uilo de que se
encontra privado.
b) A esteticidade, como índole p rópria do belo, enquanto ca­
paz de produzir um sentimento de a grado, também ocorre no feio. í
inegável que o feio repercute na faculdade apetitiva. Mas a direção ó
inversa,- enquanto o belo promove a aquietação afetiva, o fe io retém
o apetite em resistência. Por contraste, aumenta a esteticidade da bo
leza do objeto colocado em direta oposição ao objeto feio.

184. — A afe tivid a d e adm ite interferências no seu com poria


mento; destas circunstâncias se ocupa a estética psicológica. Tanto Isto
ocorre com o belo como com o feio; ambos repercutem no sentimento «>
se exercem com um comportamento cujas leis são detorminávois.
A propósito da p ropriedade estética do feio, precisamos alndo
ano tar que, embora o têrmo "estético" aqui também se adoto para as
ofoitos afotivos, costuma ordinàriam ente se rostringir para os re$ultados
positivos do sonlimonto do bolo. Para o uso normal 6 chocanto fa la r
164

em esteticidade do feio; mas se subentende aqui uma esteticidade que


significa apenas a reação afetiva. Tal como o sentimento do prazer,
que só se usa para o efeito positivo, a a fe tivid a d e indica em geral
sòmente o afeto positivo. Entretanto, ta l como o sentimento, que poderá
ser ora o agradável, ora o desagradável, o estético passou a perm itir
ambos os polos, no presente item.

185. — Que seria o feio em si mesmo, sob o ponto de vista


da essência? Também aqui, o fe io se desdobra em noções idênticas às
do belo, porém, numa direção inversa. Apresenta-se o belo como um
ajuste entre a coisa concreta e o seu a rquétipo absoluto; o feio é o desa­
juste da coisa com o seu a rquétipo absoluto. Tanto no belo, o ajuste
ocorre por exigência do ser, como no fe io o desajuste violenta esta e xi­
gência; por isso, ainda no fe io fa lta precisamente a lg o que é devido.
O feio é o ser privado de uma beleza devida; sabe-se que é devida, em
virtude de se conhecer a norma ou essência exem plar que deveria preen­
cher para alcançar sua linha ontológica conveniente.

O feio não está nos elementos faltosos,- êste simplesmente não


existe. Nem coincide o feio com os elementos que subsistem,- êstes en­
quanto subsistem, são belos. Mas, vistos em função ao que lhes fa lta ,
são feios.
O fundam ento do feio é re a l; os objetos, embora em si mes­
mos belos, no referente ao que são ser, encontram-se lim itados; em função
desta lim itação, dizem-se feios com fundam ento na coisa. N ão existe
o feio em si mesmo, como já se vê. C onfigura-se o feio como um ser
de razão, com fundam ento real na coisa.

186. — Em assim sendo, não se pode dizer que o feio é a


beleza menor com parada com a maior. A firm avam os antigos que o
mais belo dos macacos é feio diante do mais feio dentre os homens,-
osta afirm ação exprim e a lg o que não confere com a nossa afirm ação;
contudo, tom ada ao modo pretendido pelos ancestrais ela mantém o
í'OU valor; é que pretendia apenas com parar form as meramente formais.
N ão é exato dizer que os graus do belo principiam no feio.
A inda que os graus do belo iniciassem num ponto zero, para d a li a va n ­
çar ató o grau máximo, continuaria falsa a a firm ação de que o belo prin-
<ipia no foio. Diz-se o fe io de um objeto em desproporção de seu a r­
165

quétipo. Isto se apresenta com outra fig u ra . N ão resulta o fe io do


uma graduação inferior; cada grau é legítim o, desde o ponto zoro.
O feio é a ausência de uma perfeição devida, em qualquer grau de per­
feição que isto ocorra.
Invocando as propriedades que Aristóteles via na qua lid a d e ,
punha a justiça e a injustiça como contrárias, opostas por contrariedade.
E isto que procuramos mostrar ocorrer entre o belo e o feio.
Q uanto à distinção em graus de beleza, já é outro aspecto;
mas também aqui ocorre a lista p a ra le la de graus de feiura, como no­
jento e asqueroso, esquisito e estravagante.
A gindo sempre em função à contrariedade, completamos en­
fim as noções: o belo é a perfeição em realce; o feio a im perfeição
em realce.

b; graus de beleza e de e s t il o

187. — O mais e o menos, que se faculta à qua lid a d e , per­


mite ao belo estratificar-se numa escala ascendente, a começar de um
mínimo até alcançar um máximo de perfeição; ao mesmo tem po p ro p o r­
ciona a possibilidade de progressão, pregredindo de um para o outro,
de sorte a aum entar o volume de beleza. A graduação da beleza ó
inegável; todos os níveis de perfeição se observam na natureza, nas obras
humanas e nas concepções. Também é inegável uma progressão da be­
leza. No botão de flo r vemos como se desdobra, se am plia, desabrocha
e exibe um estado pleno. Nos animais, nas pessoas, em tudo que se
move e se altera, a progressão da beleza ocupa estádios diversos do
intensidade. A regressão, pelo embotamento, pelo envelhecer, pela des­
truição, eis a prova inversa de que a beleza pode crescer e dim inuir.
Êstes são os fatos. A filo so fia procura conceituá-los, mostrando quo o
mais e o menos, o aum entar e o dim inuir são propriedades cabíveis na
q u alid ade em geral, embora não necessàriamente; além disto, outras
categorias são capazes do mais e do menos, do crescer e do dimlunir,

A propósito ouçamos quem pela vez prim eira tratou do assunto


slstomàtlcamontoi "As qualidades admitem também o mais o o menos
Uma coisa branca, com oíoilo, à dita mais ou monos branca quo uma
Ió 6

outra, e uma coisa justa mais ou menos que uma outra. Além disto,
u q u alida de em si mesma recebe o crescimento: o que é branco pode
tornar-se mais branco. Esta pro p rie d a d e não pertence, contudo, a tôdas
as qualidades, mas somente à maior parte. Sustentar que a justiça aceita
o mais e o menos não se adm ite sem d ificu ld a d e ; alguns o contestam e
pretendem que não se pode absolutamente dizer que a justiça é suscep­
tível do mais e do menos, e igualm ente com referência à saúde. Tudo
o que se pode dizer, é que uma pessoa possui menos saúde que uma
outra ou menos justiça que uma outra, e o mesmo vale para a g ra ­
mática e outras disposições. . . (depois de mais algumas considerações,
conclui) Tôdas as qualidades não admitem pois o mais e o menos" (Aris­
tóteles, Categorias, 10 b 25 - 11a 15).

E o belo, como qua lid a d e , a dm itiria os graus do mais e do


menos? N ão o afirm a Aristóteles neste texto, mas o adm ite em seu
tratado de Retórica, embora não coloque a questão diretam ente em
função a esta peculiaridade referente à q u a lid a d e em geral. A ocor­
rência dos graus na beleza, como arrolam os os fatos mais acima, é in­
contestável.

OS GRAUS DE BELEZA PELOS SEUS NOMES

188. — Os graus de beleza recebem seus nomes que os fazem


conhecer. Os nomes contudo não seguem uma linha sistemática de p ro ­
gressão, de sorte que seria mais perfeito estudar os muitos graus sem
os nomes, do que com êles a nos p e rtu rb a r com sugestões etim ológicas
o sedimentações semânticas que mais indicam aspectos secundários, do-
quo a medida justa dos graus. Além disto, em cada idiom a, prin cip a l-
monte nos grupos idiom áticos inteiram ente isolados, variam os nomes e
as sugestões. Até os nomes, como belo e beleza, não indicam indiferen-
tomente os graus, senão por meio do contexto. Diante disto, os graus
do boleza são denominados, dispersivamene, pelos seguintes nomes: belo,
lindo, elegante, formoso, Schoen (em alem ão), fein ou fine (em alem ão
ou om inglês), krasotá (em russo), kalós (em grego), pulcher (em latim ).
Ingressando por especificações mais caracterizadas, ocorrem ainda as
denominações como: sublime, excelso, humorístico, chistoso, ingênuo,
olc..
16/

Em geral belo e pulcro significam de maneira mais abstraía.


Elegância realça a im portância do realce entre outros. Formoso insisto
no acabam ento brilhante das formas. Lindo sugere delicadeza. S ubli­
me e excelso ocorrem quando as dimensões metafísicas do belo u ltra ­
passam o ord inário e apelam particularm ente ao espírito. Humorístico,
chistoso, ingênuo, indicam o belo ao mesmo tem po que certo desequilí­
brio com as normas sociais (especialmente no caso do humorístico), ou
desequilíbrio pelo choque de desencontros de idéias e imagens (no chis­
toso), ou desequilíbrio no am adurecim ento mental (no ingênuo).

O ESTILO

189. — Estilo poderá unir ao seu significado o de beleza


então graus de beleza e estilos de certo modo se associariam. Mas,
o estilo é antes de tudo um term o do círculo da arte; ora, o artístico
se refere à expressão sensível, à mensagem, ao que se põe em obra;
portanto, estilo não pode significar diretam ente o ponto de vista da
beieza, que é o de realce da perfeição. Por isso mesmo, não incorremos
em tau to lo g ia ao falarm os em "belos estilos", dado que o estilo não diz
necessàriamente o belo.

Filològicamente, estilo é indicador de origem; ta l circunstância'


se acomoda perfeitam ente à arte, visto que esta como produção lembra
origem. Procede o têrm o estilo da radical indu-européia steig— , com o
sentido de picar. Dali derivaram , entre outros, os termos estigma, insti­
gar, instinto, estímulo, estilo e seu dim inutivo estilete.

Como se pode ver, o sentido o rig in á rio de estilo é aquêle


ainda conservado em estilete, objeto ponteagudo para picar e escrovor.
C onsiderando que as form as da ação de picar, resultam do instrumento,
estilo passou a indicar a form a em si mesma. A capacidade do um
mesmo autor se restringe naturalm ente a um certo tip o de escrever, como
se observa na c a lig ra fia peculiar em cada um de nós. Espontâneamonto
se fo i firm ando a acepção de estilo com m odalidade de escrovor, da
pintar, de construir.

Diante do exposto, estilo e grau do beleza não se Identificam


Em virtude, poróm, da aproxim ação dos ompenhos do esteta o do ar-
Ió8

lista os termos irradiam semânticamente, de sorte a poderem em circuns-


lâncias especiais de contexto, significar uma e outra coisa.

199. •— No círculo da arte, que é estilo? Vagam ente, estilo


6 um modo peculiar de escrever, de construir, de pintar, de com por a
música, de fa zer te a tro e ballet. Com mais precisão, estilo é a maneira
de re a liza r a obra de arte mediante a repetição de certos tipos fu n d a ­
mentais de elementos, evitados geralm ente os contrários, de sorte a criar
uma certa unidade e personalidade, que exerce ainda o efeito de :se
reconhecerem como semelhantes as obras do mesmo caráter estilístico.
D efinição com pleta e abstrata: estilo é a q u a lid a d e em que uma obra
se determina por ter sido realizada dentro de certas características indi-
vidualizantes. Se a obra é composta, as partes hão de repetir as carac­
terísticas individualizantes, a fim de manter a unidade de estilo do iodo,-
se esta repetição deixa de se fazer, ocorre o ecletismo.

A largueza da individualização consiste, em geral, na e lim ina­


ção dos seus contrários; o estilo se torna mais rigoroso quando elimina
também seus semelhantes; chega ao completo unitarismo quando até e li­
mina os graus dentro da mesma espécie de elementos. Há, portanto,
posições fundam entais na variação: confluência de contrários (estilo
oclótico); confluência de semelhanças (estilo no sentido usual); confluência
só de igualdade (estilo rijo).

Dentro destes princípios gerais de variação, com o fim de reter


algum a individualização personificante, realizam-se as obras de arte, que,
ontão, passam a ter um estilo.

Na arquitetura um certo padrão orienta a abertura das ja ­


nelas, o lançamento dos arcos, a expansão das abóbadas, o desenvolvi­
mento das linhas, a ordem nas sucessões, o com portam ento dos volumes e
das faces expostas. O estilo gótico, de origem conhecida, havendo co­
meçado na llle de France, tendo como paradigm a a catedral de Saint-
Donis, constrói segundo feições inegàvelm ente próprias: arcos com
ogivas, abóbadas típicas, janelas poteagudas, gôsto pela altura. O
oslilo barroco, nascido em Roma, no século XVI, com o paradigm a na
igreja do Gesú de V ignola, dos jesuítas, constrói entumescendo os vo-
lumos, distorcendo linhas, arrebentando arcos e planos em volutas e de-
ioraçõos. O clássico, sempre lógico, absoluto, calculado em termos uni­
169

versais, individualizando-se à medida que foge do individual, constrói


repetindo elementos bem calculados.
Anaiògicam ente, os mesmos princípios valem em tôdas as res
tantes artes; o estilo então se faz sentir em cada uma, como a q u ilo quo
ind ividua liza, personifica, caracteriza a obra.
De certo modo, como já se pode inferir, a natureza admito
form as de estilos, porque também nela alguns elementos se repetem, em
virtude dos quais as copas das árvores se assemelham em sua espécie o
os animais se aproxim am . É o que se denomina o "h a b ita t" das espécies.
Apenas a origem semântica dos termos não adm ite o uso indiferente das
denominações; mas a aproxim ação de sentido ocorre, como se vê, entre
estilo e "h a b ita t". Por mais extranho que pareça, a a n alogia nos au­
toriza a fa la r em "e stilo da m ontanha", "estilo do m ar", como, inversa­
mente, em, "h a b ita t do g ó tico ", "h a b ita t do barroco".

191. — Psicologicamente, o estilo se reduz a um expediente


antropológico de ritmo m odalizado com recorrências, com o fim de fa ­
cilita r a apreensão cognoscitiva e suavizar o efeito sentimental.
De uma parte, a lim itação antropológica das faculdades huma­
nas do conhecimento nos o b riga a conhecer os objetos por partes que
se fazem suceder,- estas exigem certa seqüência em que a parte nova
não constitua mudança inteira sôbre a parte precedente,- por isso, não
é qualquer ritmo que se proporciona aos processos intelectuais e sensiti­
vos do homem,- há, portanto, ritmos padrões para a sucessão dos m ovi­
mentos mecânicos, para a mudança das côres, para a seqüência dos
sons, das palavras, dos pensamentos, etc..
A consideração em separado do elemento que não muda, pos­
sibilita a m cdalização do ritmo, ou seja da seqüência da ação, das
côres, dos sons, das linhas, etc.. Resultam d a li a recorrência, a riina,
o acento, o motivo, a unidade de estilo e técnica.

O estilo é uma necessidade estética baseada na lim itação an


tropológica do conhecimento humano; êste não se pode dispersar oxcossl
vãmente e então, a ordem rítmica, com partes iguais e partos dlforentos,
e estas m odalizando a seqüência, am param o conhecimento subordinem
do-lhe objetos ajustados dentro de um certo tip o de formas assimiláveis
" O estilo ó a vida e o sangue mesmo do pensamento" (Flaubort, Pensóo»,
153).
170

Sob o ponto de vista estético-belo im portaria que as form as


escolhidas para serem postas em seqüência rítmica fôssem perfeitas e
realçadas. Mas sob um ponto de vista meramente estético-artístico raí
não se requer; o objetivo é transm itir mensagem, e então qualquer form a,
desde que viável antropològicam ente, funciona. "A in d a que o estilo
não seja do gôsto do artista, nem do a preciador, desde porém que as
linhas sejam traçadas de um só estilo, sem ecletismo, elas fazem os
elementos retornar constantemente à mesma índole geral. Deva a b rir
uma janela, ou uma porta, erguer um nicho, ou suspender um teto, em
qualquer circunstância os motivos fundam entais do estilo retornam. O
mesmo ocorre havendo unidade de técnica. Pintar, por exem plo, com
a lgodão ensopado, o b riga ao retorno característico de manchas similares,
quer devam p in ta r pessoas e , árvores e rochedos" (Nossa Estética geral,
nr. 167).

O ra , funcionando o "e stile te " como técnica unificadora, dêle


derivava a unificação p ró p ria do estilo; da técnica nasceu, portanto,
sugestivamente o nome.

Diante do exposto, observa-se que os estilos não se constituem


senão de certos tipos fundam entais de elementos com que se realiza
uma obra, com o fim de evitar a dispersividade despersonalizadora que
não atende às limitações de assimilação das faculdades cognoscitivas
do homem. O estilo ainda não é o artístico, mas um esquema de subor­
dinações a que se sujeita a arte. Dentro do esquema, o artista procura
criar sua obra, como expressão de uma idéia. Sob o ponto de vista
estético-belo, os estilos belos são aquêles que escolhem esquemas acei­
táveis. E assim há estilos belos e menos belos.

192. — A "m o d a " é necessàriamente um estilo, porque p a ­


droniza certo tipo in d ivid u a liza d o de elementos, com o afastam ento de
outros.
Como o estilo, não é a moda necessàriamente obra artística, em­
bora consiga eventualmente por outras razões chegar a ser.

A inda como o artístico não é necessàriamente bela. Mas


onquanto o motivo a n trlo p o ló g ico do estilo é fa c ilita r a apreensão,
o da moda ó o de cham ar a atenção. A moda tem o fa la r como o b ­
jetivo d ireto o por isso está mais próxim a da arte que da beleza.
171

Se a moda estivesse antes de tudo próxim a do belo, não so


sentiria necessidade de m udá-la tão depressa. "Q u e é a moda? Do
pon to de vista artístico, é correntemente uma form a de fe a ld a d o tão
intolerável que nos vemos obrigados a m udá-la cada seis meses" (Oscar
W ilde).

193. — Próximo ao estilo e aos graus de beleza se encontra


o rig in a lid a d e . Na acepção direta ,a o rig in a lid a d e não se confunde com
o estético e nem sequer com o artístico. É a o rig in a lid a d e aquela q u a ­
lidade que uma o b ra de arte associa pela circunstância de se ter o ri­
g in a d o como a!go de inteiram ente nôvo. A im itação produz o belo, sem
a o rig in a lid a d e ; mas, o que reproduz conserva o mesmo v a lo r na escala
absoluta do belo. A beleza e a o rig in a lid a d e não se identificam e nem
precisam estar juntas. O p alácio do Congresso N acional do Brasil ro
apresenta certamente o rig in a l; não segue ainda que seja estético (1).
A o rig in a lid a d e pode ser também interpretada como autenti­
cidade: como coincidência da obra sensível com a idéia exem plar con­
cebida pelo autor. Q uando ocorre a sinceridade, a obra de arte no-
cessàriamente exprim e a situação espiritual do artista; as obras de todos
os artistas, a situação de um povo.
Escutando a voz da subjetividade artística, rompem-se muilas
vêzes os laços dos artistas com escolas a que pertenciam e que estavam
em voga. Os estilos são uma necessidade antropológica, porque ne­
cessita o homem de uma certa ordenação rítmica de manifestação o as
sim ilação; mas a escolha entre os estilos não se impõe antropològicci-
mente; dentro de cada estilo, as manifestações também se conservam
da livre inspiração do artista. Nas escolhas, eis onde o artista se mostra
autêntico; escolhe em função a uma necessidade íntima e não por sim­
ples laço exterior de escola e convenções reinantes. "N ã o consiste a
orig in a lid a d e na observância das leis do estilo, mas na inspiração v.ub-

(1) Em 4 d e a b r il de 1 9 6 1 , r e p o r ta n d o - n c s a p r im e ir a vez s ô b re B ra s ília a r q u lt a t ô n li a,


e s c re v ía m o s : "O p a lá c io do C o n g re s s o , p e la lo c a liz a ç ã o e la r g u r a , a lc a n ç a im p o n ò n c in
c o n s id e r á v e l. D o m in a n d o q u a s e o p a n o ra m a , p a re c e t e n t a r d iz e r q u e n e s ta N ação d ovo
g o v e rn a r o P a rla m e n to . M a s , e m tr o c a de um a p lá s tic a m a s s u d a , f ic o u som a b e rtu ra » ,
num a te r r a de s o l, onde tu d o s u g e r ir ia ja n e la s . E s fin g e f a r a ô n ic a , do o u v id o » <<•
c h a d c s , a lh e ia a o b a r u lh o , te n ta d e c ifr a r os d e s tin o s da P á tria . C e rta m e n te ) «') o r ig lr v it
O C o n g re s s o é u m e x e m p lo em q u e a o r ig in a lid a d e não c o in c id o com a o s t ó t ir a j n«o
f a lt a a e s té tic a ; m as c e r ta m e n te m u it o m a io r 6 a o r ig in a lid a d e ''. (A G m o tn , d o I lo r ln
n ó p o lis , 't-S 196 1 ).
172

jctiva que, em vez de se fo rm a r de uma certa maneira para sempre uti­


lizada, escolhe um assunto racional em si mesmo e o desenvolve escu-
land o apenas a voz da subjetividade artística" (Hegel, Estética II c.
ilem 3 c. pag. 255).

194. — Com paradas as belezas, ocorre uma evidente prefe­


rência pelas que se sobrepõem em grau. Isto tanto ocorre dentro de
uma espécie, em que os indivíduos satisfazem diferentem ente à sua essên­
cia específica, como tam bém ocorre de essência para essência, até a l­
cançar a máxima, a divina beleza. Entre os jovens, preferimos o melhor
conform ado; assim também com as jovens, com as crianças, com os a n i­
mais, com as plantas, com as flôres. Entre as essências, preferimos a
beleza espiritual sôbre a corpórea, a beleza divina sôbre a criada.
Apenas a ilusão induz a outro com portam ento estético.

Mostra Platão que a sabedoria está em vislum brar o belo


absoluto através das belezas concretas dos indivíduos e das essências
inferiores. Observa ainda que o belo absoluto merece todo o nosso amor.
Tudo isto vem descrito, em form a de discurso colocado na bôca de Dio-
tima fa la n d o a Sócrates, e não sem se referir aos mistérios de Elêusis pe­
los quais os adeptos se iniciavam em todos os graus de perfeição, até
o mais elevado. "É possível, caro Sócrates, que tenhas acesso a êste
grau de iniciação na doutrina do amor; não sei, todavia, se poderás a tin ­
g ir ao grau superior, o da revelação que é o fim a que irão ter todos
os que praticam a boa via. N ão sei se ela está ao teu alcance. Todo
aquêle que deseja a tin g ir esta meta, praticado acertadam ente o amor, de­
ve começar em sua m ocidade por d irig ir a atenção para os belos corpos, e,
antes de tudo, deve am ar um só corpo belo, e, inspirado por êle, dar
origem a belas palavras. Mas, a seguir, deve observar que a beleza
existente em determ inado corpo é irmã da beleza que existe em outro
e que, desde que se deve procurar a beleza da form a, seria grande
mostra de insensatez não considerar como sendo uma ún ica e mesma coi­
sa a beleza que se encontra em todos os corpos. Q uando estiver con­
vencido desta verdade, am ará todos os belos corpos, passando a des­
prezar e ter como coisa sem im portância o violento am or que se enca­
minha unicamente para um só corpo. Em seguida, considerará a beleza
das almas como muito mais amável da que o dos corpos, e destarte
:orá conduzido por alguém que possua uma bela alm a, embora localizada
173

num corpo despido de encantos, e a am ará, zelando por sua felicidade,


e inspirando-lhe belos pensamentos capazes de to rn a r os jovens melhores.
O amante contem plará dêsse modo a beleza que há nos costumes o nas
leis morais, notando que a beleza está relacionada com tôdas as coisas
e considerará a beleza corpórea como pouco estimável. ■
— Depois desta:;
considerações, é para os conhecimentos científicos que o guia d irig irá o
seu discípulo, a fim de que êle possa agora perceber a beleza que existo
nesses conhecimentos. Lançando o seu olh a r sôbre a vasta região já
ocupada pela beleza, d eixando de ligar, como um lacaio, a sua íernura
a uma única beleza, — a de uma jovem, a de um homem, a uma única
beleza, — o discípulo liberta-se desta escravidão, deixa de ser ente
miserável. A o contrário, volver-se-á agora para o oceano da beleza e,
contem plando-o, dará à luz incansàvelmente belos e esplêndidos discur­
sos" (Banquete 210 a — e, trad. Paleikat).

A VALIAÇ ÃO DOS GRAUS DE BELEZA E DE ESTILOS

195. — A p ro priedade que exerce a categoria da "q u a lid a d e "


de se exercer com "g ra u s ", permite tom ar como legítimos todos os graus
de beleza. O que resta consiste apenas em determ inar a disposição o r­
gânica dos diferentes graus, a fim de que não avaliemos como mais o
que é menos, ou como menos o que de fa to é mais. Há frutas de que
se come a parte exterior e se põe fora o conteúdo; outras em que se
aproveita o conteúdo e se larga fora a casca. Uma certa sabedoria o
experiência nos põe a acertar sempre, de sorte que não nos sucede a
pormos fora o autênticam ente aproveitável. E assim também com os
graus de beleza; uma certa noção nos conduz a p referir o mais belo.
O que conhecemos espontâneamente, a filosofia pode suplementar com a l­
gumas considerações mais.

A va lia r, ou va lo ra r, é medir e com parar. Preocupa-nos agora,


m edir os graus de beleza, para, a seguir, compará-los entre si e p rin ci­
palmente com o modêlo absoluto.

Não obsta se façam comparações quando os graus e fe tiva ­


mente se apresentam. Mas, haveria também um têrmo absoluto, ou
supremo, em função do qual todos os graus inferiores se medem o :.«•
denominam? Suposto o "m e tro " (como p a drão absoluto do meclida ,
1/4

(is demais dimensões se denominam em função dêle; por isso, são ou


iguais, ou menores, ou maiores. Eis o que perguntamos se se requer
um absoluto para a ava lia çã o ou m edida dos graus entre si comparados.
Nas cinco vias, ou provas da existência de Deus, coordenadas por Santo
Tomaz de A quino como as únicas provas válidas, arrola-se como quarta
via a que se fundam enta no princípio de que os graus de perfeição
requerem um grau máximo; ora, há graus de perfeição; logo, existe
o grau máximo, a saber Deus (S. Tomaz, Summa theoíogica I, Q. 2 ,a rt
3 corpus). D ali resultou a im portância de um princípio sôbre o qual
Icimbém pergunta a estética.

A ceito um va lo r absoluto como têrm o de com paração, a mar­


m ita, de que se ocupa um d iá lo g o de Platão, não é bela antes de tudo
porque mais perfeita entre outras marmitas singulares,- é bela enquanto
com parada com um têrmo absoluto, ao qual realiza pelo menos em parte;
nem a virgem é bela apenas enquanto com parada com o símio e feia
■quando a com paração se fa z com a deusa.

Há uma in fe rio rid a d e da donzela diante da deusa; mas neste


caso ocorre um outro modo de com paração, a dos dois termos absolutos,
o de virgem como tal e o de deusa como ta l. Mas, uma virgem pode
ser perfeita, como "e s ta " v ir g e m ... E uma deusa poderia ser im per­
feita como "e s ta " deusa. Em ta l outra hipótese a virgem satisfaz ao
seu têrm o absoluto de com paração e a deusa não ao seu respectivo.

No d iá lo g o Hípias m aior, de Platão, se m anipulam pontos de


vista ora absolutos, ora relativos, de maneira a ocorrerem os sofismas que
lá o mestre da A cadem ia procurou desfazer derrocando o contendor.

Há, portanto, uma p erfeição que se diferencia de essência


para essência e outra que se diferencia nos indivíduos dentro de uma
essência. A diferenciação que vai de uma essência para outra ocorre
corno quando comparamos, por exem plo, a essência de macaco e a
essência de homem; nesta hipótese o mais belo dos símios é sempre in­
ferior a qu alque r indivíduo humano. Mas, dentro de uma essência
podem ocorrer realizações desde o indivíduo menos acabado, até aquêle
que exaure as formas de sua respectiva essência arquétipa. Neste sen­
tido definiu Aristóteles: "chama-se perfeito, o que nada pode superar
om sou gênero" (Metafísica 102. b 12).
175

196. — A questão dos graus de perfeição nos leva a discutir


e decidir entre uma estética absoluta e uma estética relativista. N ão
houvesse um têrmo máximo, os graus não se poderiam fix a r de maneira
definitiva em seu valor. N a d a teria um p a d rã o absoluto para nêle se
medir. A lg o que fôsse belo apenas porque superior a um grau anterior,
não poderia estabelecer-se belo senão de maneira muito relativa. Pela
mesma razão que fôsse belo, por ultrapassar um ser inferior, poderia
ser feio, enquanto ultrapassado por um ser superior. E assim nada
seria verdadeiram ente belo e nem feio mas tudo relativo.

O ponto a lto das grandes filosofias está ali onde conseguem


explicar como o singular se coordena sob o universal e absoluto. O
relativismo, produto do empirismo, não vê liames a unir os seres p a r­
ticulares entre si; quando os parece enxergar, como sucede com o po­
sitivista, não faz senão filosofia incoerente a um autêntico empirismo.
Por isso não pode ir além de uma estética relativista.

A filosofia clássica, como se form ulou em Parmênides, Platão,


Aristóteles, Tomaz de Aquino, pretende adm itir princípios universalmente
válidos, a comandarem com a n te rio rid a d e a constituição das coisas con­
cretas contingentes; tudo quanto surge, sòmente aparece dentro dos
esquemas impositivos das essências absolutas e imutáveis.

Tais doutrinas repercutem im ediatam ente para dentro da esté­


tica. N ada seria belo apenas porque se realçasse com m aior volume
sôbre um grau de ser inferior; antes de tudo a lg o é belo enquanto se
realiza dentro de um esquema absoluto, em que os graus de realce
nao se medem entre si, mas em função de sua aproxim ação com o iêrrho
absoluto.

Em função ao que expúnhamos quando tratam os do belo como


verdade ontológica, o ideal absoluto, existe. N ão passamos agora a
discutir o absoluto em si mesmo. Suposto o absoluto, supostos os graus
do boleza, procuramos fix a r alguns detalhes sôbre a influência do a b ­
soluto na avalia çã o do belo nos graus que apresenta.

197. ■ N ão podendo os graus do belo oscilar desde que


- M iim um tôim o absoluto de com paração, a diversidade das apreciações
■ «Invo a trib u ir à su b je tiv id a d e cios m anifestantes.

t T . do W.
176

Há ainda uma subjetividade indireta e desejada, a artística.


É a arte a m anifestação, em obra sensível, de um pensamento. Trans­
forma-se, então, a obra de acôrdo com o que tem de exprim ir; a função
que houver de exercer poderá não coincidir com a mais bela entre as
formas. Poderia a obra, enquanto arte, ser eminentemente perfeita, sem
contudo chegar a uma perfeição de ordem geral; à medida que tomasse
o rumo da perfeição g e ra l, prejudicaria a função artística. Pode a arte
exercer-se inclusive com o fe io ; a representação se promove por meio
de semelhanças e é quando o feio, semelhante ao feio, poderá servir
como instrumento artístico. O b ra fe ia , passaria a exercer-se como arte
perfeita, na representação sensível de uma idéia de a lg o feio.

Com subtilidade poderíamos separar 1) o fe io representado,


2) o feio da o bra que representa o feio, 3} o belo da perfeição a r­
tística. O representar em si mesmo é a lg o de teorético e independe
da quilo que representa e d a q u ilo com que representa.

198. — • O belo também se lim ita quando alg o se exerce como


parte dentro de um todo. As partes, enquanto se proporcionam e se
ordenam em um todo, devem comportar-se em função à to ta lid a d e , o
que resulta em limitações para as partes em si mesmas. Uma porta
se subordina ao todo da sala; um cantor se coordena ao coral; um
tam bor isolado talvez não valha o que representa numa banda de
música. E assim asseveram os filósofos que até o mal concorre para o
realce do bem, como o feio, do belo. Como a grandeza de um exér­
cito sob comando se mede pela depersonalização do soldado, o todo
belo se realiza plenam ente com as partes perfeitam ente subordinadas ao
conjunto. Então as partes se lim itam necessàriamente e de modo jus­
tificado.

Contudo, o que se justifica nas partes, não se explica no todo


tom ado só por si. É que ta l situação ocorre em virtude da composição.
Um ser perfeito não adm ite composição; por isso, nêle não ocorre a li­
m itação força d a das partes, visto que estas nêle não se encontram. O
sor composto não se justifica por si só; reclama um ser absoluto. Em
última instância, por conseguinte, as partes em bora se justifiquem dentro
do todo, êste não se justificando em si, é, em absoluto, um grau inferior
do beleza porque não alcança a beleza absoluta.
177

AVALIAÇ ÃO SUBJETIVA E HISTÓRICA DOS ESTILOS

199. — Variam os gostos, apesar da ordem objetiva imutávol.


E' que o atenção do a p re cia d o r se concentra em distintos aspectos; re­
sultando gostos distintos, porque baseados em motivos também distintos,
todos os apreciadores têm subjetivamente razão; na verdade ninguém
reagiu de diversa maneira diante de aspectos idênticos, porque ninguém
viu a mesma coisa. A capacidade abstrativa do homem, faz com que
possa atender a distintos aspectos; aparentemente, então, parece ter ra ­
zão Protágoras quando dizia ser o "homem a medida de tôdas as coisas".
Em atendendo a distintos aspectos, pode re a g ir e apreciar com rendi­
mentos diversificados. Além disto, o gôsto, como sentimento, ó regulado
pelo paralelism o que governa o conhecimento e o apetite.

Em Ú ltim a instância não ocorreu diversidade intrínseca de gos­


tos,- a diferenciação resultou de uma diversidade de objetos, porque sem­
pre distintos. A variedade dos gostos não resulta, portanto, de uma d i­
ferente espécie de gôsto que cada um tivesse, mas de uma diversidade
de atenção ao objeto apreciado.
A diversidade na apreciação do objeto tem m últiplas origens.
Uma desatenção fa z a mesma pessoa mudar de opinião e aprêço. O
estudo aponta para novos aspectos subtis. O ignorante é incapaz de
atender a um grande número de elementos e se reduz ordinàriam ente
às sensações mais evidentes, como a côr em geral e não às suas cam-
biantes e sugestões. Também um objetivo firm a d o pode concentrar numa
só direção o espectador, de sorte a desatender a aspectos válidos em
outra circunstância. O hieratismo da estatuária egípcia talvez íôsse
acertado até um certo momento de sua história, porque a preocupação so
concentrava antes na majestade de dimensão. Na Grécia, a estatuária
egipcia imediatamente se transform ou em expressão de vida e graça,
atenta por conseguinte a outros ideais; é que a arte, enquanto expressão
sensível, que põe em obra um pensamento, não se preocupa diretam ente
com o belo, mas com a função que tem de manifestar uma idéia.
Entretanto, através da história se puderam fix a r certos tipos
fundam entais de estilo, m arcando aue, apesar das divergências, ocorrom
denominadores comuns na apreciação. A filosofia poderá, por obra do
osíôrço ospoculativo, determ inar estilos o graus do boleza ainda não
realizados. Pola filosofia todos os graus são determlnáveis, como a
178

numeração inde finid a ; a história apenas fixa aquelas formas que se


realizaram como preferidas; é também possível que o mais perfeito dos
estilos não tenha ainda po d ido se manifestar.

200. — As realizações históricas dos estilos se têm processado


com alguma oscilação. De maneira geral, as oscilações marcaram ora
preferência pelo e q u ilíb rio harmônico, ora pelas m odalidades bruscas
das formas,- se dermos ao clássico o sentido am plo do harm ônico e abso­
luto, ao rom ântico a acepção geral de form a brusca e individual, pod e ­
ríamos dizer que o clássico e o rom ântico são aquelas duas maneiras
fundam entais da oscilação dos estilos.
O clássico domina no século IV antes de Cristo entre os gregos.
Retorna no auge do im pério romano. No século nono dos medievais
encontra-se novamente vivo. Uma possante renascença no século XV
e XVI marca um helenismo de grande renome. Mais uma vez, ao tem po
de N apoleão, surge o clássico, sob a denom inação de neo-classicismo.
Por último, um neo-classicismo também se pode notar em alguns ritmos
da arquitetura moderna, apesar de sua inspiração predom inantem ente
rom ântica. A poesia parnasiana fo i também uma renovação classicista.
Nos entre-espaços ocorreram as mais diversas m odalidades
de estilos náo clássicos, em que o propósito consistia na fu g a do uni­
versal e do absoluto, em troca do singular, do eminentemente concreto,
do brusco, do contingente, do histórico,- em tais circunstâncias tinham
particularm ente lugar os sentimentos, os objetos sensíveis, a im aginação.

Já na a n tig u id a d e pre-clássica dos gregos se podem observar


diversas formas de estilo desta outra natureza. Na época helênica,
inaugurada por A lexandre M agno, prevalece o naturalism o e o realismo,
quo deixam as formas absolutas, para reproduzir as que a natureza e a
realidade fornecem. O estilo gótico dos medievais representa uma das
(ormas mais peculiares de fuga da linha harmônica para a obtenção
do grandes efeitos místicos e energéticos; a ênfase fo i alcançada pelo
gótico flam ejante. Depois do clássico da renascença ocorre um retorno
à vida e à leveza com o barroco e o manierismo; a ênfase fo i o rococó
<lo enfeites arbitrários.
Enfim, depois do neo-classicismo napoleônico, o romantismo faz
retom a r os gostos para o espontâneo, para as formas sentimentais, para
um nôvo g ólico m edieval, para os sentimentos nacionais. Transforma-se
179

o movimento rom ântico em novas modalidades, sem sair da essência do


movimento, criando os diferentes estilos chamados "m odernos", que vão
desde o realismo e o naturalismo até as extravagâncias do expressio-
nismo e do futurismo, tendo pelo meio o impressionismo, o simbolismo,
o cubismo, o concretismo, o abstracionismo.
Os estilos modernos têm como característica fundam ental a
distinção entre o estético e o artístico; atendendo ao artístico, carac­
terizado como mensagem infundida em obra sensível, nem sempre são
belos; mas pretendem ser eminentemente artísticos. C ada estilo tem a sua
filosofia da arte; a fim de ju lg a r seu v a lo r deve-se antes julgar sua filoso­
fia. As escolas mudam quando seus representantes trocam suas convic­
ções estéticas.

201. — A m ultiplicidade de determinações que concorrem no


mesmo objeto, permite que se lhes dê um tratam ento em separado, de
sorte a in flu ir o grau de beleza do todo. Tanto isto pode ocorrer nos
objetos da natureza, como nas obras de arte.

Numa tela poderia haver bom desenho, má combinação de


côres; poderia o desenho realizar-se bem como form a, e contudo não
alcançar expressão. Na música, os sons isoladamente podem ser belos,•
sua ordenação rítmica tem poral não depende desta circunstância; assim
também os tons, que sobem e descem na escala, poderão independente­
mente da q ua lidad e dos sons e do ritmo tem poral, compor-se segundo as
leis da harm onia. O escultor poderá atender ao que pretende fig u ra r
e esquecer a perfeição meramente form al dos volumes. O arquiteto,
atento ao principal, constrói no espaço, com pondo linhas, planos e vo­
lumes; poderia não estar atento às côres. Assim também o literato; ora
atende ao ritm o dos sons, ora ao das idéias; ora fa z dos têrmos a
expressão convencional direta de um pensamento (como na prosa), outra
vez suas palavras figuram imagens e estas vão por sua vez indicar
escultòricamente as idéias (como na poesia).

O que acontece na arte, ocorre íarnbém nas manifestações da


natureza. A com binação das côres, em geral se apresenta muito cuidada
iuis flôres; mas, em detrim ento parecem menos realçadas nos desenhos,
porque oxcessivamente simétricas. O corpo humano, de volumes bem
formados em suas partes isoladamente consideradas, também incorre
cm simetria notória, em quo a cada parte da esquerda correspondo
180

uma à d ire ita ; por êste motivo, os escultores quebram a simetria, fazendo
avançar ora um pé mais que outro, ora curvando o busto para um dos
lados, ora inclinando a cabeça mais para a d ire ita , ou para a esquerda.
A simetria da natureza é talvez muito funcional, porque reforça uma
parte com outra igual, porém pouco estética. O corpo humano tem
simetria perfeita de esquerda para a d ire ita , com uma assimetria de
baixo oara cima. O corre, então, um índice de diferenciação de 1x1,50.
O ra, segundo Fechner, as preferências são marcadas pela fig u ra 1x1,66.
Parece que a natureza criou a simetria, deixando à espontaneidade do
indivíduo tom ar as posições estéticas. . .

Levanta-se agora a pergunta de valor: exige o grau de be­


leza de um objeto a conveniente composição de tôdas as formas nêle
existentes? Certamente. A ordem e a proporção colocam as partes
em função ao todo, porque sem isto as partes não seriam partes e viriam
em detrim ento do todo.
Mas, nos todos morais, ocorre certamente o afrouxam ento desta
relação. Todavia, o todo moral assume a função por obra das partes;
então, a arte com binará a tôdas as partes, segundo tôdas as suas fo r­
mas, a fim de controlar o efeito integralm ente.
Até mesmo a arte abstracionista terá esta preocupação, condu­
zindo as formas elim inadas a um estado neutro, como planos vazios,
côres unitárias, etc. E assim, apesar de uma aparente desatenção, cui­
dou de tôdas as formas que normalmente confluem em um objeto.
N o plano arquitetônico, estilo funcional é aquêle que se ocupa
apenas com as formas necessárias, conduzindo as demais a um instante
neutro; portanto, nem aqui ocorre displicência, como poderia parecer a
uma arte mal conduzida.

C) O BELO E OS SEUS SIMILARES

202. •— A terceira p ropriedade da q u a lid a d e é a d m itir se­


melhanças; esta característica, além do mais, ocorre apenas com a q u a ­
lidade. Diante do exposto, e adm itido que o belo seja uma q u a lid a d e ,
aprosonla-so, pois, mais esta questão: a dos similares do belo, ou
<lo bolo enquanto sim ilar de outras qualidades. Temos a li um assunto
101

lançado de maneira nova. Sabendo que a qu a lid a d e possui similares,


o belo deveria conseqüentemente possuí-los também.
Situando-se um horizonte g e ra l, escreve Aristóteles: "E n­
quanto que nenhum dos caracteres que vínhamos mencionando ó ex­
clusivo da qualid a d e , o semelhante e o dissemelhante se dizem unicamente
da qualidade. Uma coisa é semelhante a uma outra por nada diferente
do que por aq u ilo em virtude de que ela é q u a lifica d a . Disto resulta
que o próprio da q u a lid a d e será de se ver a trib u ir o semelhante e o
dissemelhante" (Categorias, 11 a 15).

Todo o processo cognoscitivo opera por meio de relações de


semelhança muito especiais; uma fo to g ra fia representa o fo to g ra fa d o re­
produzindo semelhanças exteriores; assim, o conhecimento exerce uma
semelhança essencial, entre a form a im prim ida na faculdade e o objeto.
A escultura e a pintura operam por meio de semelhanças de formas e de
côres.

Como se fa ria ingressar a questão da semelhança em relação ao


belo? Observamos que objetos belos se assemelham em beleza com
outros objetos belos. A obra artística, por meio de imitação, pode re­
produzir objetos belos por meio de simples im itação das semelhanças.

A teoreticidade do belo prende à circunstância de se constituir


como qua lid a d e ; conhecemos as coisas pelas suas qualidades, porque
pelas qualidades se tornam tais e quais coisas. Em sendo q u a lid a d e , o
belo adm ite semelhante,- permite então a imagem direta na mente. Fôsse,
por exem plo, quantidade não teríamos imagem dire ta , porque as coisas,
sòmente pelas qualidades, se manifestam com propriedade. O belo, como
qualida de, se apresenta particularm ente contemplativo,- presta-se à con­
tem plação teorética.

A esteticidade do belo acompanha a teoreticidade; o que é


p róprio para ser contem plado pelo inteleto, a vontade o aprecia como
um bem em favor daquela faculdade,- enquanto assim aprecia o belo como
bem da inteligência, a vontade se aquieta sentimentalmente, no quo
exutam ente consiste a esteticidade. Esta propriedade, uma voz quo r.o
liga ao belo enquanto qua lid a d e , e não apenas enquanto belo, ocorre
também em função a outros objetos que ela aprecia em fa vo r cia in te li­
gência; assim também a cirte o a ciência produzem prazer espocificamonlo
estético, diferenciado dos sentimentos comuns.
182

203. — As semelhanças se operam com a aproxim ação das


qualidades; as dissemelhanças, pela separação das mesmas. Elas se
escalonam a começar de um ponto zero, onde se encontram com o seu
contrário, subindo para uma direção que as conduz até o nível da iden­
tidade, quando se identificam como qualidades iguais. O fe io e o belo
so opõem como contrários,- não é o fe io o ponto zero em que começam
as semelhanças com o belo. N ão há semelhanças com os contrários.
Q ualidades não contrárias, se assemelham desde um mínimo de seme­
lhança, a começar de um ponto zero, conforme acima afirmamos.

O processo da semelhança se pode desenvolver num pla n o


genérico e num específico.
C onsiderado o belo como no gênero da qua lid a d e , é possível
mostrar semelhanças entre a q u a lid a d e que diz beleza e as outras q u a ­
lidades, que dizem, por exem plo, verdade, saúde, bondade, perfeição.

O mesmo belo, considerado dentro de sua espécie, adm ite que


se considere a semelhança entre si dos diferentes graus de realização;
assim, se comparam pelas semelhanças o belo, o bonito, o elegante,
o excelso, o sublime.

204. — N o plano das semelhanças do belo com as outras


qualidades do gênero, precisa-se atender que a categoria da q u a lid a d e
adm ite uma subalternação de gêneros menos e mais gerais; esta subal-
ternação influencia evidentemente o distanciam ento orgânico das seme­
lhanças.
"U m a prim eira espécie de q u a lid a d e pode ser denom inada
estado e disposição", diz a classificação de Aristóteles, em que se insere
a beleza; há por conseguinte mais aproxim ação do belo com suas com-
panheiras desta prim eira espécie de q u a lid a d e que se diz "s im p lic ite r"
do um ser, mais diferença com as outras.

N a verdade, desde logo observamos que o belo pouco se


assemelha com a potência e a im potência, como quando o indivíduo ce
q u a lifica como ágil ou débil.

O belo também se assemelha, com com certa distância, com


as determinações qualitativas que uma alteração impõe e que as coisas
rocobem à maneira de paixão, como quando dizemos doçura, frio , ca­
lor, brancura, colorido, dourado.
103

A inda semelhantes sem dúvida com o belo são as qualidados


que resultam da disposição das partes de uma quantidade como as formas
e tiguras com as quais se qualificam as coisas de quadradas, curvas, ero-
tas, polidas, densas, rectilínias.

Repassando, pois, as quatro espécies de qualidades, segundo a


classificação de Aristóteles, em tôdas elas ocorrem as semelhanças, com
o belo, mas sobretudo na prim eira, porque dentro desta se encontra o-
pró p rio belo enquanto q ualidade.

Os hábitos e disposições se subespecificam em entitativos e


operativas; agora, fica o belo entre os hábitos entitativos; êste q ua­
lificam as coisas simplesmente enquanto se comportam como ser, sem
atenção à sua operação. Neste plano se verificam o bem, a verdade,
a perfeição, o belo. Aproxim ando-se as semelhanças, chegamos até
a adm itir uma identidade m aterial; é quando, com ênfase, afirmamos,
por vêzes: o belo é a verdade, o belo é o bem, o belo é a p e rfeição. . .
Contudo, a identidade não ocorre, mas tã o só a semelhança muito a p ro ­
xim ada, que nos permite a identificação m aterial. Além da aproxim ação
por semelhança, sabemos que os transcendentais se convertem entre
si.

§ 2.° CLASSIFICAÇÃO DOS GÊNEROS DE BELEZA E DE


ARTE

205. — Sem nos aba n do n a r a um extravio por picadas cm


píricos, como talvez fizesse M artin H eidegger com os seus Holzwege, ro
cordamos que nosso capítulo sôbre formas e gêneros estéticos marcha
ainda ordenadam ente pelo campo das coisas belas; longa e dem orada
prossegue nossa caminhada. Tendo passado por tôda a extensão, j>'i
vimos tudo o que diz respeito ao belo em si mesmo; era o p a rá g ra fo
da classificação das formas belas. Retornamos agora a repassar a mor.
ma cam pina, já não para atender ao belo das coisas, mas desta voz para
identificar a coisa em que o belo vem montado. Eis o estudo da matéria
da beleza e não da form a da beleza em si. Contudo, esta matéria a
estudamos apenas onquanto condiciona as formas da beleza. Como a
104

mosmo luz solar ingressa diferentem ente em vidros de diversas côres,


o mesmo belo se diferencia na diversidade das matérias.
Assim, a q u a lid a d e pode inerir na substância, determ inando-a
qualitativam ente com as diversas propriedades com que ordinàriam ente
se apresenta. A q u a lid a d e também pode q u a lific a r as outras categorias,
ccmo a quantidade, a relação, o tempo, o lugar, a situação, a ação, a
paixão, o hábito; juntamente com estas outras categorias inerem tôdas
juntas na substância. Como sempre se vê, ocorre uma distinção entre
a coisa determ inada pela q u a lid a d e e a mesma noção de qualidade.
A inda quando uma q u a lid a d e determina outra q u a lid a d e , ocorre a mesma
distinção; ta l sucede por exem plo, quando o belo q u a lifica as qualidades
côr, som e outras. Diante disto, depois de havermos estudado o belo
form alm ente em si, como a lg o a significar realce e que tem seu contrário
(o feio), os seus graus (e estilos), os seus semelhantes (tanto no gênero
da qualida de como dentro da espécie), nos encaminhamos para uma se­
gunda em preitada, exam inando as matérias em que a beleza inere.

20ó. — A consideração da matéria não é sem im portância.


Particularmente no sistema aristotélico se tem insistido que a "in d iv id u a li-
zação" das essências se deve à m atéria; assim também outras peculiari-
daes ocorrem em função à matéria, como fàcilm ente se pode observar
na obra artística, na qual a form a se subordina obviam ente às condições
do m aterial com que se reveste. "U m corpo d é b il d e b ilita o espírito".
iJ. J. Rousseaux), exatam ente porque a matéria condiciona a form a. E
ainda por isso", a beleza do corpo, muitas vêzes, é indício da formosura
a lm a " (Cervantes).

Dito de modo geral, o elemento a perfeiçcativo, que a q u a lid a ­


de representa, é recebido diferentemente em cada categoria de ser. Que
é a perfeição na substância? E na quantidade? Certam ente a p e rfe i­
ção na substância, como perfeição é o mesmo acrescentamento que na
quantidade; mas na substância, a m atéria aperfeiçoada é outra que na
quantidade. E assim o mesmo processo de diferenciação ocorre nas re­
lações, no tempo, no lugar, na situação, na ação, na p a ixão no hábito,
I/(jiti como em qu a lqu e r gênero e espécie subalterna. Por tôda a parte,
vemos a m atéria diferenciando e in d ivid u a liza n d o a q u a lid a d e e
portanto também o belo. Diante disto, temos a estudar ainda a matéria
do bolo.
185

O BELO NAS CATEGORIAS

207. — O belo invade tôdas as categorias estanques do so


graças ao seu caráter de noção transcendental; onde o ser não se 011-
contra explicitam ente, está pelo menos implicitam ente; assim também o
belo, em bora não explicitam ente afirm ado, ocorre im plicitam ente om
todo o lugar onde o ser se encontra.
Mas, não é apenas assim que o belo se espraia por tôdas as
categorias; também sob o ponto de vista categorial o belo, através da
q ualidad e, igualm ente penetra. Encontramo-nos a gora diante de uma
situação subtil e muito o rig in a l, que só é alcançável mediante uma cor­
reta noção do conceito de categoria, particularm ente daquela que diz
qualidade. Além disto, apesar da penetração que o belo realiza na
área das categorias, não o podemos contudo confundir com a qu a lid a d e
categorial, retendo-o por ta n to no plano transcendental. A q u a lidade
categorial se eleva ao plano transcendental enquanto como qu a lid a d e
se realiza sim pliciter como q u a lid a d e perfeitam ente realizada e realçada.

C ada uma das categorias, ao mesmo tempo que é uma cate­


goria específica, como substância, quantidade, relação, etc., se realiza
como q ualidade. Além de re a liza r sua determ inação categorial p rópria,
se exerce como um aperfeiçoamento,- êste outro aspecto, que as respec­
tivas categorias não indicam diretam ente, constitui uma qua lid a d e . Assim,
a substância determina a coisa substância, ao mesmo tempo que, com
isto, lhe dá uma certa perfeição, que a qualifica,- como substância a fa z
constituir-se como inerindo em si, como em seu sujeito; esta circunstância,
ao mesmo tem po, sem que a noção o diga diretam ente, constitui uma
perfeição, a lg o que fa z dita coisa se determ inar como um ta l e qual
sujeito, portanto com aquela qualidade.
O ra, tôdas as categorias estabelecem uma determ inação no
objeto,- por isso, tôdas as categorias resultam na criação de uma q u a ­
lidade.
É próprio apenas da qu a lid a d e a indicação direta da p e rfe i­
ção. Sòmente, através das determinações, o objeto se ajusta à sua
essência absoluta.
Considerando, que o belo se constitui da porfoição, sobretudo
da perfeição enquanto se realça, é p ró p rio do belo Ingrossar, junta
mcnto com a qualidade, om tôdas as categorias do sor. Por consoQuInto,
lGó

o belo está na substância; na quantidade dos seres simples e compostos;


nas relações que também podem ser belas e feias; no tem po que escorre
o se distribui no ritm o; nos lugares e nas situações, em que também a
ordem das partes lembra o estético,- enfim, o belo não está ausente nas
determinações aperfeiçoativas que resultam da ação, da paixão do há­
bito.

Ocorrem tam bém outras categorias que extravasam seu cír­


culo. As relações, por exemplo, podem ser de ig u a ld a d e (categoria da
quantidade) e de semelhança (categoria da q ualidade). N ão a firm a n d o
embora diretam ente a relação de igualdade, duas quantidades, enquanto
diretam ente são quantidade, indiretam ente incorrem na relação de ig u a l­
dade. E assim tam bém duas qualidades, como determinações a p e rfe i­
çoativas, são diretam ente q u a lid a d e , ao mesmo tem po que incorrem na
relação de semelhança.

208. — Uma classificação m aterial dos seres belos, a fim de se


instituir como com pleta, há de se estender a tôda a espécie de materiais.
O que a classificação aristotélica das dez categorias pretende é e xa ­
tamente encontrar aquelas determinações realmente distintas entre si e
que se não reduzem mutuamente. Supôs Aristóteles existirem dez irredu-
tibilidades nestas condições; se alguém cogitasse houvesse apenas seis,
lògicamente deveria d a r como sendo apenas êste o número das cate­
gorias. A classificação te ria , então, seguido o mesmo critério, o das
distinções reais, em bora chegasse a resultados divergentes no arrolam en-
to. N ão pretendem, por exem plo, alguns que "s itu a ç ã o " se distinguisse
do "lu g a r"; em virtude desta observação já ocorreria uma categoria a
menos na lista. A liás, o mesmo Aristóteles, em relações mais antigas
não chega ao número dez; a relação decena! surgiu em data mais re­
cente de suas obras.

Num tra ta d o de estética não se pretende decidir a querela


do número decenal das categorias; mas precisa o esteta estar ciente de
quo a matéria p o rtadora de beleza se classifica oscilantemente, de acôrdo
com os resultados de um sistema que se antecipa. Portanto, o esteta
iu io podo com autonom ia apresentar uma classificação to ta l dos gêneros
do bolo, mas apenas em função à metafísica em que houver tom ado
apoio.
187

Por ordem, temos a considerar: o belo e a substância, o


belo e a quantidade, o belo e as outras qualidades, o belo e a relação,
o belo e o lugar, o belo e a situação, o belo e o tempo, o belo e a ação,
o belo e a paixão, o belo e o hábito.
As diferenciações que encontraremos ocorrem prim eiram ente p o r­
que o belo não coincide com a matéria bela de nenhuma categoria, com
excessão da qua lid a d e , onde é uma das qualidades (embora ainda a
qua lid a d e se possa também considerar num plano transcendental, supe­
rando as mesmas categorias.) A outra diferenciação ocorrerá a p ro p ó ­
sito da m aneira de conhecer as categorias; é que sòmente certas q u a li­
dades, como a côr, o som, o gôsto, o odor, o tato, são conhecidos d ire ­
ta e sensivelmente, p ortanto intuitivamente: correm ainda os sensíveis
comuns, como a quantidade, a fig u ra , o movimento; o resto se apreende
tã o só por cálculo, a p a rtir dos sensíveis, o que vem se re fle tir sobrem a­
neira na apreensão do belo, bem como na form ulação das artes e de
sua classificação.

O BELO NA SUBSTÂNCIA

109. — A substância se conceitua como sendo aquele ser cuja


determ inação essencial consiste em subsistir em si, como em seu sujeito,
de sorte a não inerir em outro sujeito; como os demais seres inerem na
substância, esta, em função a semelhante situação, também se descrevo,
como sendo a q u ilo em que inerem as outras coisas, as acidentais; om
virtude de uma espacialização imaginosa, que não corresponde com a
realidade, a substância (sub-stare) é im aginada como estando sob os
acidentes, quando na verdade é apenas determ inada pelos acidentes.

Nenhuma substância se fa z conhecer diretam ente, senão por


cálculo raciocinativo; suposto que os acidentes, por nós intuitivam onto
conhecidos em alguns casos, como na côr e no som, requeiram um su­
porte que exista em si, como em seu sujeito, infere-se, por exigência me­
tafísica, que a substância existe. Mas, para quem, como Humo o Kant,
o fenômeno nada mais apresenta que sua mostração fenom enal, a subs-
tância não existe por obra de uma exigência metafísica dos fenômenos
Seria a substância bela? C apaz do recobor determinações qua
lifativas o alóm do mais o suporto último do tôdas as doform lnaçõm , o
188

substância categorial não se pode conceber sem poder constituir-se em


algum a qualidade. Desde que perfeitam ente realizada não poderia ser
senão alg o de belo. Esta beleza, que o raciocínio calcula existir, não
a capta diretam ente a inteligência humana.

N ão pode existir arte da substância; sendo a obra de arte


uma expressão sensível da idéia, a substância não chega a constituir-se
como expressão sensível, porque ela mesma não é sensível.

O BELO NA QUANTIDADE OU SERES COMPOSTOS

210. — É a q u a ntidade aquela determ inação real em virtude


da qual as partes de um ser se colocam uma ao lado da outra, ou uma
tora da outra (partes extra partes). O ser espiritual se caracteriza por
não se determ inar com partes fo ra das partes, encontrando-se todo in ­
teiro em cada lugar em que se ponha. São conhecidos os gêneros su­
balternos da q uantidade; apresenta num prim eiro plano a divisão em
partes contínuas (como a linha, em que as partes se sucedem sem se dis­
tanciarem ) e em partes discretas (em que as partes se sucedem separada­
mente).
Existiria o belo na quantidade? Certamente que sim, como a
composição ordenada e proporcional das partes, quer contínuas, quer
discretas, perm ite observar. A quantidade é apreendida como sensível
comum, por diversas faculdades ao mesmo tempo. Isto lhe tra z enorme
vantagem , embora como sensível comum ainda se deva sugerir através
das côres e dos sons sensíveis próprios da vista e do ouvido. Diante disto
também a arte pode a p ro ve ita r os elementos quantitativos para exercer
(j expressão sensível de idéias.

A plicando, porém, uma perspiciência mais profunda ao que na


quantidade se diz belo, observaremos que a q u a ntidade é apenas matéria
po rtadora da beleza. Como quantid a d e , esta categoria diretam ente
indica sòmente a ordenação das partes sob o ponto de vista da extensão,
colocando-as uma ao lado da outra,- une, portanto, apenas as partes. A
categoria da capacidade, que sobrevêm, diz apenas da perfeição com
que dita disposição das partes se processou. Como se vê, na mesma
determ inação, ocorrem pontos de vista diversificados, um que é declarado
dirotam onte pela quantidade, outro pela qua lid a d e . A determ inação
189

que proporcionou a quantidade, ao mesmo tempo se institui como uma


determ inação aperfeiçoativa e por isso como q ualidade. Se a qualifica-
ção ocorre com realce, de sorte a haver ordem perfeita, proporção evi
dente, ela se constitui em beleza na quantidade.
Uma flo r obedece geralm ente a uma disposição geométrica,
sob êste ponto de vista está sob a categoria da quantidade. Esta mesma
quantificação espacial, enquanto indica uma fig u ra çã o perfeita, constitui
a qu a lid a d e em virtude da qual a flo r assumiu a determ inação da beleza.

A subtilidade com que a noção de q u alidade se in filtra a tra ­


vés das outras categorias, sem contudo quebrar a índole estanque das
noções, se configura com p a rticu la r finura neste caso da categoria da
quantidade. Depois de a haver explicado de algum modo, exclamou
exausto João de Santo Tomaz: "H a e c videtur p ro b a lilio r e xp lica tio in ro
tam occulta et varia, sicut qualitas est" (Cursus philosophicus, Logica, p.
610 b). Todavia o filósofo português se houve com maestria.

211. — A beleza não é a quantidade, nem necessàriamento


apenas a qu alid a d e de uma coisa quantificada. A ocorrência predom i­
nante dos seres compostos e a notável im portância da quantidade como
determ inação de sua contextura, tem conduzido a um modo qua n tifica d o
de conceber a qu a lid a d e e com isso a beleza.
C ontribuiu tam bém para a quantificação dos conceitos a o r i­
gem sensível e imaginosa dos conceitos.
Tem-se de fin ido o belo como a ordem das partes e sua p ro ­
porção no todo. O ra , esta definição exatam ente se restringe ao campo
do belo situado dentro de uma categoria, a da quantidade. Mesmo
que se situe a q uantidade num plano transcendente, onde também se
poderia fa la r em partes que dividem uma essência, ainda a li a noção
permanece sempre num plano de quantidade. E a definição permaneço
constantemente defeituosa, porque não define de modo geral, mas aporia",
num plano lim itado e estanque.

212. — Contudo, apesar de não constituir a perfeição sim


plesmente, a perfeição como ocorre nos seres compostos merece atonçdo
e exerce especial função nas coisas alcançadas pelo homom.
De maneira geral, a perfeição nos seres simples o fororu apo
nas as considerações em tôrno do que pode apresentar a noção mnrtma
190

da perfeição. Nos !eres compostos, além da perfeição que poderia


haver nas partes em sj mesmas, ocorre ainda a perfeição das partes
enquanto se subordinam à perfeição do todo, enquanto as partes con­
correm com ordem e proporção. Êste concorrer com ordem e proporção
sòmente poderia estabelecer-se como nota peculiar da perfeição nos
seres compostos; por i$SO/ a consonância interna nunca se estabelece como
essência do belo como ta l, visto que num belo simples não caberia conso­
nância de partes inexistentes. A consonância é a beleza vista no plano
da categoria da quantidade.

213. — A ordem e a proporção como essência do belo, foi


própria das definições dos estóicos, como se vê em Cícero (Tusculanas
A, 3 .) . Plotino reags polêmicam ente, denunciando a definição: "Todos
afirm am por assim di^er, que o belo é a simetria das partes, uma em
relação às outras e em relação ao conjunto; a esta simetria se ajuntam
as tintas; a beleza nos seres, como de resto em todos os seres, é a
sua simetria e sua medida" (Enéada I, 6 Do belo 1, 20-22).

A to contínuo tece a crítica, mostrando que a definição atinge


apenas o caso particular dos seres compostos: "P ara quem pensa assim,
o ser belo não seria om ser simples, mas sòmente e necessàriamente um
ser composto; além disso o to d o dêste ser seria belo; e suas partes não
seriam belas cada unia por si só, mas em se com binando para que seu
conjunto seja belo. Contudo, se o conjunto é belo, faz-se necessário
que suas partes o sejqm tam bém; certamente uma bela coisa não é feita
com partes feias, e tuçj0 0 q Ue ela contém é belo. Além disso as côres
que são belas, como a luz solar, estariam nesta o p inião fo ra da beleza,
visto que são simples e não obtêm sua beleza da simetria das partes.
I' o ouro, como seria §|e belo? O clarão que vemos b rilh a r dentro da
noite, que o faz belo? O mesmo acontece com os sons; a beleza de um
som simples se desvaneceria; e contudo muitas vêzes, cada um dos sons
quo faz parte dum be|0 conjunto, é belo por si só. Conservando embora
as mesmas proporções, o mesmo rosto ora se apresenta belo, ora feio;
como não dizer que q beleza que está nestas proporções é outra coisa,
o quo ó por outra coisa q Ue o rosto bem proporcionado é belo " (Eneada
I, ó, 1, 25-40).
O im portante, ao citarmos Plotino, não é a p u ra r se acertou
ao enunciar oxom plos; 0 que im porta foi ter criado a distinção entre o
191

belo no ser simples e o belo no ser composto. Em afirm ando que o belo
já deve preexistir nas partes, prenuncia também a nossa interpretação
racional do ritm o, que põe o belo nas partes individualm ente considera­
das, antes que no todo, e que o ritm o sòmente se desenvolve como ritmo
desde que as partes individualm ente se manifestem.

214. — Para a compreensão integral do tema, precisamos


também distinguir os todos que se organizam desde a união da essência,
ccmo o ser humano, que reúne substancialmente alm a e corpo, e o todo
que se cria por uma união meramente moral ou acidental. Nesta última
hipótese, o afrouxam ento da união perm ite às partes uma notória per­
sonalidade, o que tem de ser levado em conta, visto que então mais se
requer a sua beleza individual. Na música, por exem plo, os sons exer­
cem um v a lo r próp rio além da função no todo da p a rtitu ra . O mesmo
ocorre na pintura, em que apreciamos também em separado as côres e
as linhas. N a linguagem elegante, além do sentido que temos em vis­
ta, nos toca particularm ente a sensibilidade, a beleza das flexões e da
métrica.

A O R D E M

215. -— Ordem, na significação inicial do latim , indicava "p ô r


os fios na tra m a ". Dali passou a indicar a ordem em geral. Conserva-
-se ainda um resto do significado em urd ir e urdidura. Os termos exórdio
e prim órdio ainda continuam a sugerir vagamente o início de uma u rd i­
dura de fios e de coisas. Nas expressões ornar, ornam ento, adôrno tam-
bôm remanecem delicadas sugestões indicativas da ordem existente no
bolo.

A ordem é uma necessidade em um to d o constituído de partes;


"!• porque a ordem se faz um elemento de perfeição. Efetivamente, há
iIn licivor uma rolação das partes para o todo, sem o que as mesmas par-
l« •• m io cliogcirlam a determinar-se como partes, e nem o todo como um
l' Io A fim do quo o todo se faça, é mister que as partes se ordenem
i M. i K Kili/cir o todo. A ordem, portanto, das partes para o todo é uma
|ii'iprli>(Jadn (um proprium ) o não uma situação meramente acidental. E

IX T do B,
192

uma vez que a ordem das partes para o todo se impõe na q u a lid a d e de
proprium converte-se, por isso mesmo, em elementos de perfeição, no sen­
tido exato de perfeição entendida como norma, idéia absoluta essência
eterna. "N o seu lugar p róprio, tudo está bem, tudo é bom, tudo é
g ra n d e " (Alphonse de Lamartine, M éditations poétiques, II, v. 56). No
seu lugar certo, tudo é ordem, tudo é perfeito, tudo é belo.

216. — A questão da ordem das partes para o todo, suscita


a de função. Esta se diz sempre de uma fin a lid a d e que a parte tem
a exercer no todo. Geralm ente se diz dos todos acidentais, como os que
resultam da obra humana, como da porta em uma casa, da caneta na
mão de quem escreve, da roda no eixo de um carro. Também quando
as partes de um to d o natural se com portam de maneira relativam ente
distinta, usa-se dizer que exercem uma função; assim, o estômago iem a
função de d ig e rir, a inteligência a de pensar. Menos usual é chamar
de função o exercício meramente constitutivo, como o pé de mesa é
parte da mesa.

Etimològicamente, função origina-se de bhung — com o sen­


tid o fundam ental indu-europeu de com pletar. Dali procede em sânscrito
bhungte (desempenhar-se de) e em latim fungi, functus, functio (desempe­
nhar-se, executar), defunctus (morto, que completou a vida). O ra , tanto
como parte em um todo, o ser desempenha a lgo, com que completa a
constituição do conjunto. Portanto, já, como simples elemento que com­
pleta o todo, o ser que é parte, exerce por isso mesmo uma função; esta
função é meramente constitutiva. Exercendo ainda outras tarefas, so­
bretudo então é que se usa dizer que completa algo,- eis quando ordi-
nàriam ente a parte se exerce como função.

217. — Próximo ao conceito de ordem está o de unidade.


Efetivamente, a ordem é a unificação das partes para constituir o iodo.
E' p róp rio de um todo constituído de partes ser uno e não disperso. Sem
o uno não haveria o todo. Por conseguinte, a unidade é perfeição;
enquanto perfeição se diz da beleza. Já os antigos firm avam a vunçõo
da unidade no acabam ento do ser. Plotino mostra como a unidade re­
sulta da form a; o ser m aterial ao receber a form a, assume unidade e
por isso beleza. "A o unir-se à m atéria, a form a coordena as diversas
193

partes que devem com por a unidade, as combina, e, graças à harmonia


das mesmas, produz a lg o que é uno. Pôsto que é uno, a q u ilo a quo
dá form a há de ser também uno, tanto quanto um o bjeto composto ponr. i
sê-lo. Q uando êste objeto tiver chegado à unidade, a beleza resido nA
!e e se comunica assim às partes como ao conjunto. Q uando a beleza
encontra um todo cujas partes são perfeitam ente semelhantes, estende ''.o
uniform emente por ê le . . . Desta sorte, os corpos passam a ser belo1»
graças a sua participação em uma razão que lhes vem de Deus" (Enóada,
I, 6, 2, no fim).

Procede tam bém S. Agostinho por esta via quando defino


" a unidade é a form a de tôda a b e le za" (De vera religione, c. 41). N üo
se deve entender, porém, o uno form alm ente como uno, mas como p e r­
feição realçada, só neste sentido o uno é o belo.

Evidentemente a unidade, mesmo como perfeição, não podo


indicar a essência de tôda a beleza, senão de certa categoria de coisa:»,
a saber dos seres dotados de partes, os seres criados, pois sòmente tais
são capazes de re a liza r a unidade das partes. Entretanto, não ocorro
impedim ento que se considere o uno no sentido transcendental. Nosto
caso tod o e qualquer ser é uno, inclusive Deus.

Embora sobretudo os escolásticos do século XIII desenvolvam


o estudo das propriedades transcendentais, começando por Filipe o Chan
ce!er, já os gregos conhecem uma delas como conversível com o sor, a
unidade. Platão anota a unidade do ser,- Aristóteles sobretudo mostra
esta unidade; Felipe o chanceler, mostrará esta peculiaridade do uno
e dá impulso à investigação; dali resulta estabelecer, como transcendon
tais conversíveis com o ser, também o verum e o bonum.

Passando ao campo das verificações, podemos ju lg a r or. o*,


tilos em função à ordem ou unidade, a saber, das partes em relação ao
todo. Na igreja basilical, a tôrre se justapõe; na gótica ola nasco do
mesmo organismo arquitetônico do edifício; ocorre portanto uma orda
nação mais acabada das partes para o todo no gótico quo no basilical
O íoitio estirado e estático da basílica já por isso não se presta puro
so lho juntar uma tôrre; esta como não lho pertence, e poderio monmo
tonstruir-se om separado e distante; por conseguinte, sob o ponto cio
vhfa ostótico, não devia tê-la. Para o gótico, pelo contrário, o tôfre
vom com pletar o realçar o sentido çjoral da construção.
194

A PROPORÇÃO

218. — A proporção, eis um elemento de considerável influên­


cia na determ inação da perfeição e beleza das coisas. N ão basta a
ordem para g a ra n tir a um ser o predicado da beleza. A ordenação
das partes em função ao todo requer ainda, para que êste ser alcance
perfeição, portanto beleza, a proporção das partes entre si. É que
as partes que entram na composição de um ser exercem funções de ­
finidas. Estas poderão ser idênticas p ara cada parte, outras vêzes dis­
tintas e mesmo variáveis no tem po. Em qu alqu e r das hipóteses, as partes
hão de exercer seu papel d e finido, sem o que não serão proporcionais,
em detrim ento da perfeição e do belo. Por conseguinte, ocorre uma
distinção entre ordem e proporção; mas são conceitos que se realizam
em tempos sucessivos. A proporção se diz das partes em relação ao
todo (gênero, em que coincide com a ordem ), mas enquanto fa z caber
a cada parte sua especial função como parte (diferença específica, que
distingue entre si a ordem e a proporção).
Proportio deriva de pro-portione, lem brando, pois, a d istrib u i­
ção das funções para as partes. Portio, derivado do velho latim reri,
significava prim eiram ente contar, depois julgar. Dali nasceu ratio, com
o sentido de conta, e que depois evoluiu para razão; também ratiocinare,
significou prim eiram ente calcular, depois raciocinar no sentido atual. Dali,
enfim, procede portio (de pro-portione) e p ro-portio (de pro-portione).

A função das partes no todo pode ocorrer em muitas ordens


categoriais, portanto, segundo a quantidade q u a lid a d e , tem po, lugar,
posição, ação, pa ixã o, hábito, com tôdas as variantes dos gêneros, su-
gêneros, espécies e graus.De acôrdo com isto se estabelecem as partes
proporcionalm ente com m aior ou menor qu a n tid a d e in d ivid u a l,, volume,
pêso, qualidad e , côr, posição, tem po, etc., como enfim vemos ocorrer
nas obras de artes. A ocorrência de tantas ordens categoriais deriva
não só na m ultiplicação empírica de nomes, mas efetivam ente em con-
coitos distanciados entre si como gêneros e espécies e variedades da
proporção.

219. — R egularidade é o termo para indicar a p roporção das


das parles entre si, quando estas partes se proporcionam como igualdades
rigorosamente exatas. Opõe-se à simetria, que, no proporcionam ento
195

das partes, coordena, em bora adequadam ente, partes nem sempre iguais,
a simetria opera geralm ente com dimensões pares, em que as partos
de cada par conferem, mas não os diferentes pares. " A regularidado
como ta l consiste geralm ente na ig u aldade exterior, ou, com maior p re ­
cisão, na repetição de uma só e mesma fig u ra determ inada que con­
fere à form a a unidade determ inante" (Hegel, Estética I, c. 2, item 1, b).
Na sua origem semântica, regularidade se d iz particularm ente
da seqüência das partes no movimento retilíneo. Aliás, a raiz indu-euro-
péia reg— exprim e o movimento em linha reta. Dali os termos latinos
regere (d irig ir em linha reta), rectum (reto), regula (regra), de onde enfim
procede regularitas (regularidade).
Exerce a re g u la rid a d e uma função personificadora nos estilos.
Para evitar o excesso de novidade que a mudança constante dos elemen­
tos provoca sôbre o comportamento estético do indivíduo, se requer o re­
torno freqüente de motivos que se repitam , quase como uma tônica. Dali
porque ocorre um compasso no movimento do ritm o a retornar constan­
temente sôbre si mesmo; um retorno de certas figuras musicais dom inan­
tes (leit motiv); uma repetição de certas linhas fundam entais no mesmo e d i­
fício arquitetônico. A re gularidade, portanto, exerce uma função d e fi­
nida na composição das partes no todo.

220. — A simetria é a proporção das partes entre si, de modo


a ajustar convenientemente a ig ualdade e a desigualdade. "A ig u a l­
dade associa-se à desigualdade, e a diferença irrompe através da vazia
identidade. Assim nasce a simetria. Consiste ela, não na repetição do
uma só e mesma form a abstrata mas na alternância desta form a com
uma outra que também se repetia,- esta, considerada em si mesma, á
também determ inada e sempre a mesma, mas desigual da prim eira a
que se acha sempre associada" (Hegel, Estética, I, c. 2, item I, b).

Hegel encarregou-se também de exem plificar. Embora valha


como exem plo, a fig u ra arquitetônica que se imaginou não é de bom
rendim ento estético. "Q u a n d o , por exemplo, a fachada de uma casa
tem três janelas com as mesmas dimensões e à mesma distância umas
das outras,- depois três ou quatro janelas mais altas e saparadcis por
intervalos maiores ou menores, e por fim 1res janelas somolhantos às
prim eiras nas dimensões e nas distâncias que as separam, a, tomos cllanto
<lo nós o aspocto do um conjunto simétrico. Assim, a ropotição o a uni
1V6

form idade de uma só e mesma determ inação bastam para criar a si­
metria que exige diferenças de grandeza, de situação, de form a, de
côr, de som, e outras uniform em ente" (Hegel, Estética, I, c. 2, item I b).
Semânticamente, simetria derivou da ra d ica l indu-européia
me com a idéia de medida; d a li, em grego, metron (metro) e de onde
derivou symmetros (simétricoi. Semelhante origem fa z com que a de ­
nominação se empregue particularm ente a propósito de volumes e linhas.
N ão nos referimos nunca a uma simetria de côres e dos sons.
Estèticamente, a simetria por si só produz um rendimento rnuito
limitado,- o retorno sôbre uma fig u ra que já fôra abandonada p a ra liza
os movimentos em tôrno dos centros da simetria. As fachadas dos e d i­
fícios gregos constituem exem plo típico de p a ra liza çã o da dinâm ica do
movimento das colunatas. O exemplo apresentado por Hegel também
é paraliza dor. Em letras teria esta configuração: 0 0 0 O O O 000

221. — Harm onia, na acepção atual do têrmo, assume o sen­


tido de proporção das partes, porém numa plasticidade que indica não
sòmente proporções quantitativas, mas também qualitativas. Indicamos
com êste vocábulo as harmonias dos sons, das côres, dos significados
dos termos, tão bem quanto a harm onia das dimensões das form as a rq u i­
tetônicas e das linhas do desenho. A plasticidade do têrmo lhe imprime
um caráter de universalidade abstrata e de delicadeza. No seu logi-
cismo geom étrico talvez fôsse Hegel e xagerado ao estabelecer que " a
harm onia resulta da relação entre diferenças q u a lita tiv a s " (Estética, 1, c.
2 , item 1, d). O têrm o notóriam ente transcende o quan tita tivo e o q ua­
litativo. Refere-se também à relação entre diferenças quantitativas. Con­
tudo, a q u ilo que o term o em si mesmo diz, a harm onia, como tam bém a
proporção, é de ordem q u a lita tiv a ; a harm onia das partes quantitativas,
enquanto harm onia, é uma determ inação q u a lita tiv a ; as quantidades têm
a qua lid a d e de serem harmônicas. Mas êste é outro assunto.

Harm onia, etim ològicam ente, deriva da radical indu-européia


ar—- com o sentido de juntar, a rra n ja r. Através do seu sentido de a rra n ­
jar, ou arranjam ento procede a famosa expressão latina ars (arte, ma­
neira de ser). No grego a radical toma a direção do sentido de
juntar: harmozo ( = juntar), harm onia (= u n iã o , acôrdo, ordem , harm o­
nia). Prontamente se percebe que harm onia possui origem notóriam ente
abstrata.
197

222. — Uma série de outros designativos se aponta ainda


como capaz de servir à indicação do belo nos seres compostos. Equi­
líbrio lembra antes de tudo a ig u aldade dos pesos das massas como dos
elementos arquitetônicos no espaço; o têrmo permite também expressar
o que se entende por e q u ilíbrio das côres.

No caso de consonância, o étimo ainda se mantém às claras;


lembra o acôrdo dos elementos sonoros de um todo musical. Por a p ro ­
priação diz-se também consonância dos dizeres, consonância das côres,
consonância dos movimentos.

C oncordância ( — acôrdo dos corações) já completou sua irra ­


diação semântica, de sorte a poder significar a harm onia em qualquer
qualidade de proporções.

Q uanto ao têrm o artístico, sòmente significa o belo quando o


significado irradia semânticamente nesta direção; neste caso, artístico
eqüivale a bem acabado, bem ajustado, bem ordenado; apresenta-se
então com o seu sim ilar etim ológico, harm onia. Interpretado por êste
caminho, o seu significado seria "a rra n ja d o com perfeição". Mas, nunca
artístico eqüivale ao belo, quando indica expressão sensível de uma idéici;
hoje, arte é expressão e já não o belo.

O BELO NA RELAÇÃO

223. — A relação se estabelece entre as mais importantes


categorias. O que a ciência mais procura é a determ inação das re la ­
ções entre as coisas. E o que a gora se nos apresenta sobretudo im­
portante é a circunstância de que o p róprio processamento da íaculdado
cognoscitiva se opera por meio de relações de semelhança; em assim son­
do, envolve diretam ente a arte, visto que a arte não se constitui senão
de um processo especial ocorrido no conhecimento. Enfim, também o
belo, em bora seja uma qua lid a d e , resulta de uma relação cie proporção
entre a coisa e seu ideal e de uma relação de realce da perfoição ro
sultada.

Como realidade, a relação é aquela determ inação om vlrtudo


da qual o sor so diz para outro (cujus totum esse est ad aliud so haboro),
190

Ocorrem três espécies de relações: de origem , como de pai para filho;


do igualdade, como entre duas quantidades que se comparam sendo uma
igual ou menor ou m aior que outra; de semelhança, como entre duas q u a ­
lidades que se aproxim am ou divergem.

A semelhança serve de signo indicador do outro termo, o asse­


melhado. Esta função surge como uma p ro priedade da semelhança; não
è a essência da semelhança. Em sendo semelhante ao outro termo, de ­
riva da prim eira semelhança diretam ente a função de poder servir como
sinal; é característico da p ropriedade, d e riva r diretam ente da essência.
Por isso, não ocorre semelhança sem que seja sinal, e vice-versa.

O lh a n d o com mais profu n d id a d e a questão, a semelhança é


semelhança em virtude da p ró p ria essência da q ualidade. Que é a
qualidade? É exatam ente a quilo que fa z um ser se constituir como um
quale, isto é, como aquêle ta l ser determ inado. Somente a q u a lid a d e
atinge diretam ente a essência do ser e o determ ina desde de dentro de
sua essência. O mesmo não sucede com a quantidade, nem com a re­
lação e nenhuma das restantes categorias acidentais. Aristóteles d e fi­
niu a q ualid a d e , portanto, com muita precisão, fazendo-a ser a q u ilo
com que as coisas se dizem tais (Categ. 8 b 25), por exem plo brancas,
verdes, etc. Exatamente, pois, porque a q u a lid a d e promove a q u ilo que
faz as coisas serem tais, a noção de q u a lid a d e provoca a relação
de semelhança entre as qualidades.

O corrida a relação de semelhança, esta relação assume logo


outra propriedade, a de ser sinal daquela outra qu a lid a d e com que se
assemelha.
Há duas espécies de signos, o essencial, como o conhecimento,
que, acima de tudo, é sinal do objeto conhecido; e o acidental que,, antes
de se estabelecer como sinal, é um ser absoluto, como o mármore, que
antes de se assemelhar com o objeto que representa é pedra marmórea,
ou como as côres de uma bandeira nacional, que, antes de sim bolizar
sou povo, é côr absoluta. (Detalhes em nosso Que é pensar?)

Seriam as relações belas? Podem a d m itir a determ inação de


perfeitas e realçadas; portanto, as relações podem ser belas. Dali resul­
ta quo belos poderão ser os pensamento, belos os símbolos, bela a arte
do tôda a ospécie, em virtude da excelente m odalidade com que as re-
laçõos so apresentam.
199

O BELO NO TEMPO

224. — O tem po é a determ inação que as coisas receb


quanto duram. A duração se revela na ante rio rid a d e e posterioridado
do movimento das coisas que duram e cessam; das coisas que inexistiam
e passam a durar. O trânsito de um estado ao outro, visto sem o
aspecto da duração, se denomina movimento; é, pois, o movimento uma
denom inação abstrata de um aspecto que ocorre em algo mais p ro ­
fundo, a duração.
O tempo e o movimento, à medida que se processam, tiram
e põem objetos à consideração de nossas faculdades cognoscitivas. Êste
processo provoca o ritmo no conhecimento. O correndo uma lim itação
de recebimento de apreensão, o ritmo do andam ento das faculdades so
subordina a certos padrões, considerados por isso bons, agradáveis, es­
téticos.
Seria belo o tempo? Não percebemos diretam ente a duração^
e por isso nem o tem po. Mas, em si mesmo, certamente que o tem po
poderá ser be!o. Como duração, portanto como resistência ao nada e
como afirm ação na ordem do existir, é o tem po uma das categorias quo
mais se aproxim a de Deus. N ão conhecemos diretam ente o tempo, mas
as coisas enquanto se movem; por isso, mal captamos longinquam ente
aquilo que mais perto nos fa la de Deus, que é a mesma duração. Essência
misteriosa da que possuímos vaga sensação, é o tem po a imagem sen­
sível mais próxim a de Deus.
Quereis pensar em Deus e senti-lo mais de perto? C olocai-
-vos a sentir as coisas que se movem e enquanto se movem duram ; o b ­
servai a trepidação da vida, que, de alteração em alteração, prosseguo
durando; senti a vibração do ritmo do tam bor que não cessa e conduz
a marcha da trop a estrada além; observai o sol e as estréias em progressão
constante, que já va i pelos bilhões de anos,- depois também observai a
vós mesmos, o bater do coração incançável, a recuperação constante das
energias, o pulsar incessante das idéias e da vida em geral, — e íerois
o mais impressionante elemento sensível que vos diz o que é a duração,
o que vem a ser a eternidade, o que é Deus, firm a d o como o contrário
do nada, precisamente porque dura sem cessar e plenamente.

Os elementos em sucessão, a êstes conhecimentos os conhoco


mos diretam ente; podem ser belas em si mesmas e realçadas ainda na
200

organização calculada do ritmo. Além cie nos revelarem, indiretam ente


o tempo, são em si mesmos capazes cie se constituírem com beleza e
agradável ritmo. O ra entusiástico, ora piedoso, o ritm o sempre fa la ao
rnetafísicó e ao poeta, da beleza e da eternidade.

De maneira geral, o ritm o, sob as mais diversas m odalidades,


se configura como um dos mais poderosos expedientes da arte. Cons-
Ifoem-se ritmos os mais diversos: o ritmo de sucessões puras, ritmo de
sucessões qualitativas de sons, de côres, de linhas, de idéia, de juízos,
do raciocínios, de cenas de teatro, de figurações cinem atográficas, de mo­
dos didáticos de expor, de maneiras de viver. Por tô d a a parte é a
organização rítmica das coisas que torna a realidade eficiente e fu n ­
cional. O ra como arte, ora como beleza, todos os ritmos encantam
e arrebatam .

O BELO NAS ÚLTIMAS CATEGORIAS

225. — O lugar é a determ inação em que a coisa incorre,


sob o ponto de vista da circunscrição em que fica em relação a um
"continente". Ou a coisa está dentro, ou fo ra , do continente. A moeda
está dentro, ou fora da bôlsa. Estou em casa, ou fora. Apenas o
mundo, como to ta lid a d e , não se encontra em iugar a lg u m .. . Como
totalidade, não se exerce com nenhuma determ inação diante de um con­
tinente maior. Se nos lançássemos num plano metafísico, de certo modo
imaginoso, poderíamos dizer a propósito do mundo e de Deus: o mundo
está dentro de Deus. A inda: Deus está no mundo, porque ao mesmo
tempo um está no outro, embora realmente distintos. Semelhantemente
usamos dizer: o mundo está fo ra e acima do nada. Ou: Deus tirou
o mundo do nada.

H averia beleza na determ inação cham ada lugar? Ou então,


haveria belos lugares? A ubicação se torna bela, à medida que ta l de-
form inação pode constituir uma certa perfeição e realce. É belo estar
no seu devido lugar; feio, fora do lugar. É belo estar no céu; feio, en­
contrar-se na prisão.

Dentro de um todo, em que as partes concorrem cada uma em


distância espacial, ocorre tam bém uma determ inação de lugar a que
201

as partes devem obedecer, a fim que a ordem em que incorrem, façci


que haja a beleza.

Entretanto, a noção de lugar não diz diretam ente ''p e rfe iç ã o ";
sob êste ponto de vista, lugar "c e rto " incorre em q ualidade. A mesma
observação, aliás, fazemos a propósito de tôdas as categorias; cada uma
é apenas matéria em que a qu a lid a d e inere. Mostramos a gora cjue tam ­
bém na categoria de lu g a r é possível ocorrer dita q u a lid a d e ; quando
em realce, esta qu a lid a d e coincide com o belo.

226. — A situação se assemelha a lugar e sempre a acom pa­


nha; metafisicamente de menor im portância, a "situ a çã o " perm ite contudo
mais oportunidades para a manifestação da ordem e por conseguinte da
perfeição do beio.
Consiste a situação na determ inação assumida por uma coisa
em função a outra, sob o ponto de vista do modo de se haverem as
partes de um objeto em relação às partes de outro. Em relação ao
solo, estou de pé, ou deitado. O livro, está aberto, ou fechado. A flo r
foi lançada ao solo pela ventania, ou a flo r continua pendendo.

Muitas m odalidades se permitem às partes de uma coisa em


relação às de outra. Dali as muitas oportunidades que se oferecem para
a composição da beleza. G rande apreço damos à situação dos objetos
em uma sala, ao modo de se comporem as muitas flôres em um vaso, a
maneira de se situarem os elementos de um edifício arquitetônico. Aliás,
os estiles estão sempre atentos à disposição das partes uma em relação à
outra. O ritmo, que é antes de tudo tem poral, atende outrossim à dis­
posição das partes.
Mas o belo surge apenas enquanto qualidade. A situação
ocorre como relação extrínseca das partes uma para as outras, sem
qu alquer apreciação em ordem à perfeição. Enquanto uma situação as­
socia uma razão devida é qualidade. A flo r no vaso tem situação o
qualidade. A flo r caída, tem situação e imperfeição.

227. — A ação, como realidade categorial, se diz da deter­


minação resultante da circunstância de se haver operado; não é o produto.
Complementarmente, a p a ixã o é a determ inação em que uma coisa In
corre por ter recebido o produto de uma ação; não ó a form a rocobidn
202

As determinações resultantes de se ter agido, ou padecido, tam ­


bém são susceptíveis de se qualificarem como perfeições e elementos p o r­
tadores de beleza.

Enfim, hábito é a determ inação resultante de uma posse ;Ha-


bere, h a b itu m = ter, tid o ), quer por justaposição, como o Brasil tem ao
sul o Uruguai, quer por função, como quem está vestido, arm ado, de cha­
péu, com enfeite, decorado, etc. . .

A maneira de alg o ser possuído se manifesta prontam ente co­


mo perfeição e que tem a oportunidade de se realçar; por conseguinte,
também a última categoria do hábito, adm ite ser matéria portadora de
beleza.

O hábito indica a posse, sem q u a lificá -la na ordem perfectiva;


ocorre, portanto, uma distinção entre o estar vestido e o bem vestido, ou
mal vestido. As determinações do hábito, simplesmente como hábito, não
enunciam diretam ente a maneira de a lg o ser possuído; esta outra pecu­
lia rida de constitui nova determ inação e etn que consiste exatam ente a
qualidade. Esta, na ordem perfectiva, e com realce, resulta em se cons­
titu ir como o belo que incide no hábito.

A QUALIDADE DO BELO E AS OUTRAS QUALIDADES

228. — A qua lid a d e , como determ inação dos seres ocupa lu­
ga r eminentemente peculiar nas funções que exerce como determ inadora
de beleza e da classificação das artes. Estas funções se exercem, p ri­
meiramente porque a q u a lid a d e tem como pro p rie d a d e ter "sem elhante";
por isso, a qualid a d e pode exercer a im portante função de se com portar
como signo de outro têrm o; através da semelhança, as impressões rece­
bidas na mente, na im aginação e nos sentidos facultam o conhecimento.
O utra im portante função que as qualidades exercem é de que, sendo o
belo uma qualid a d e , ocorrem ainda muitas outras qualidades, que ser­
vem de portadoras do belo. Apenas destas procuramos tra ta r agora,
visto que nos ocupamos nesta altura da matéria em que a form a da
beleza inere.

Situando-nos, portanto, na consideração da q u a lid a d e , per­


guntamos pelas suas espécies.
203

A qua lid a d e , enquanto simplesmente afeta um ser, dá lugar


ao que são os estados e disposições; por se situar num plano transcon
dental, adquire peculiaridades que a distinguem das outras. Neste plano
altíssimo, conforme anteriorm ente realçamos, se situa o belo.

A go ra precisamos lem brar também as outras qualidades d i­


retamente, enquanto matérias portadoras da beleza. Perguntamos, por
isso, pelo belo e a outras qualidades. Neste sentido, lembramos p a r­
ticularmente as que dizem alteração, como côr, som, odor, o lfa to , tato.
Também merecem atenção as que dizem potência e impotência, como
quando se diz forte, ou fraco. E ainda as que são qualidades enquanto
dizem form a e fig u ra .
A ênfase ocorre sobretudo sôbre as qualidades que dizem côr,
som, form a e fig u ra , porque alcançadas pelos sentidos, ao passo que as
outras se ligam menos diretam ente às faculdades como seus "o b je to s"
próprios, ou adequados.
A propósito das qualidades, quando apontadas de maneira tão
específica, deve-se a d ia n ta r que a matéria já ingressa pelos setores es­
pecializados; fica, portanto, na sua maior parte, ao cuidado das es­
téticas especiais.

229. — Sendo o belo uma q u a lid a d e e o sendo também o


objetos dos sentidos, explica-se a fa cilid a d e com que se confundem. En­
tretanto, as qualidades sensíveis, não dizem diretam ente a quilo que a
noção do belo im plica; por esta razão, o sensível não é o belo.
Mas, o sensível, enquanto perfeição, é alg o de belo; neste
caso o sensível se exerceu como p o rta d o r de uma nova q u a lid a d e , a da
beleza.
N ão somente o sensível é capaz de se estabelecer como p e r­
feito. Por isso o belo não se reduz apenas à perfeição do objeto sen­
sível, conforme afirm ou Eaumgarten. É, aliás, também esta a tendência
de não poucos modernos. A redução é a rb itrá ria e impossível. Sondo
a perfeição uma q u a lid a d e do ser como ta l, uma determ inação quo so
afirm a "sim p licite r", não pode ser fechada em uma camada estanquo,
como é a noção categorial dos objetos sensíveis.

230. — As qualidades se comportam do maneira muito pe


culiar ao comparecerem como objeto das faculdades do conhocimonto
204

Tom cada potência cognoscitiva a capacidade de conhecer um objeto


como p róprio; se conhece ainda outros objetos, além do p róprio, êstes
outros se fazem conhecer senão através do pró p rio ; por isso, se deno­
minam apenas objetos adequados; em bora não sejam conhecidos de
maneira própria , ainda são adequados, de maneira g eral, à esta fa ­
culdade, pois muitos outros ficam inteiram ente fora de sua capacidade
de captação.
O ra, os objetos que as faculdades alcançam , se configuram
como qualidades. Os olhos têm como objeto pró p rio a côr, os ouvidos
o som, o o lfa to o odor, a língua o gôsto, o tato a pressão, o calor, o írio .
No plano universal da inteligência, o objeto p ró p rio é também uma q u a ­
lidade; o ser do sensível se apresenta ao inteleto sob o ponto de vista de
aliqu id e res, que são modos transcendentais do ser.
Em assim sendo, no plano universal da inteligência, é a
q u alida de que surge em prim eiro lugar e não diretam ente o ser en­
quanto ser.

Distinguem-se as faculdades pelo objeto p ró p rio que alcançam.


O objeto que é p ró p rio a uma, não o é para outra; por isso, o som,
pró prio do ouvido, não é visto, enquanto som, pelos oihos; nem a côr,
objeto próprio da vista, pode ser ouvida, enquanto côr, pelo ouvido. O
surdo não vê os sons; o cego não ouve as côres. O inteleto, que alcança
as coisas apenas enquanto o contrário do nada (a liq u id ) e enquanto idên­
ticas a si mesmas (res) não apreende as existências senão por cá l­
culo e analogia . E desta form a tam bém só por cálculo e a n a log ia pode
conhecer como se realiza o belo naquelas coisas que assim quase lhe
escapam.

Os sentidos, além do objeto que lhes é próprio, alcançam ainda


objetos em comum, chamados por isso "sensíveis comuns". No texto de
Aristóteles, "os sensíveis comuns são o movimento, o repouso, o número,
a fig ura , a extensão" (De anima 418 a). E com pletava, "os sensíveis dês-
lo gênero não são próprios a nenhum sentido, mas são comuns a todos;
ó assim que um movimento determ inado é sensível tanto ao ta to como
à vista " De anima 418 a 18-19).

Desde logo fica muito claro que à mesma faculdade se podem


apresentar diferentes qualidades. Por isso, a arte consegue fa ze r obras
complexas que fa la m de muitos modos ao mesmo íempo: o som pode
20.'.

ser visto simplesmente como som em ascensão tonal, como ainda como
ritmo tem poral, bem como ainda na q u a lid a d e de convenção indicadora
de idéias, juízos e raciocínios à maneira de linguagem. Igualmente, a
flo r bela, pode sê-lo em virtude da côr, do desenho das linhas, do uor
que instância representa.
Como se observa, a m ultiplicidade de aspectos cognoscíveis num
só tem po, pela mesma faculdade, ou por muitas faculdades simultânea-
mente, abre o caminho para a beleza complexa e m últipla depositada
no mesmo suporte m aterial.

A C O NVIVÊNCIA DOS GÊNEROS DE BELEZA E ARTE

231. — A m ultiplicação das realidades dentro de uma s


unidade concreta, resultante da m ultiplicidade das categorias e dos g ê ­
neros subalternos das mesmas, proporciona à beleza campos distintos
de m ultiplicação m aterial. Uma vez que a realidade se distribui em
categorias separadas, embora unidas como muitas pétalas de uma só
unidade concreta, decorre d a li a realização em separado da determ inação
do belo em cada uma separadamente.
Esta separação, entretanto, não ocorre de maneira espacial,
como as pétalas que se justapõem até com pletar o círculo que perfaz
uma flo r integral. Mas se constitui à maneira de realidades não coin­
cidentes pela natureza intrínseca, como coisas análogas, porém não
iguais; enquanto uma pétala concorre como substância, a outra comparece
como quantidade, a terceira como q ualidade, e, assim por diante, as se­
guintes como relação, tempo, lugar, posição, ação, paixão, hábito; por
sua vez cada uma com os seus gêneros subalternos e variantes.

A realidade to ta l se configura, portanto, como um palácio em


que tôdas as diversidades concorrem sem que uma seja igual à outra,
em que cada uma traz um nôvo aspecto, na qual a beleza, a :;eu modo,
se realiza. As côres pertencem à categoria da quantidade; as linhas,
à da quantid a d e ; as representações, que nos dizem a lg o ao conhecimen­
to à maneira de imagem, à categoria da relação; os ritmos de algum
festival de música e do movimento dos bailarinos, à categoria do tempo;
o panoram a do palácio no centro de um jardim , à categoria do lugar n
20ó

posição; etc.. A beleza, como perfeição em realce, poderá fazer sua


m orada como que em separado em cada categoria.
Na arte, a com binação dos gêneros de re a lid a d e que se con-
contram concretamente numa obra, é aproveitada com o fim de multi­
plica r as expressões. Assim, a música pode fa la r pela trepidação tem­
p oral, pela m odulação tonal dos acordes, pela perfeição dos sons in d i­
vidualm ente considerados, pelo sentido convencional do texto cantado.
Mesmo um edifício arquitetônico não fa la sòmente pela combinação de
linhas, planos e volumes; exibe tam bém côres e poderá, até, assumir fe i­
ções esculturais e simbólicas. Por tôda a parte onde o esteta via a
possibilidade de im por determinações de beleza, a g o ra o artista en­
contra oportunidade de transm itir mensagens.

232. — A convivência dos muitos aspectos ou realidades da


matéria em que a arte e o belo podem inerir, nos conduz a in q u irir por
uma classificação e disposição orgânica dos gêneros da arte e do belo.
Hegel coloca no a lto de sua classificação da arte a poesia, Schoppen-
hauer, a música, W inckelm ann, as artes plásticas.
Uma classificação depende diretam ente do ponto de vista a d o ­
tado; de acôrdo com êste, a disposição dos termos assume seus lugares.
D ivergindo os pontos de vista, resulta que o gênero máximo também
varia.
A classificação é m aterial quando simplesmente atende à ma­
téria em que as determinações, como o belo e a arte, inerem. Pela
m atéria, a classificação caminha, como se viu, pela organização da rea­
lidade em dez categorias (para Aristóteles).
Vale como critério de divisão um esquema de condições lógicas
meramente formais, que já Aristóteles fixou e que se passou a denom inar
ante-predicam entos. Para fix a r quantas e quais são as categorias de
seres reais que se concretizam em separado, opinou que os seres deveriam
determinar-se como 1) unívocos, 2) incomplexos, 3) universais metafísi­
cos, 4) supremos em sua ordem , ó) realmente distintos. Porque sò­
mente dez realidades satisfaziam estas condições, dez passaram a ser
as categorias supremas do ser, subordinando os demais seres como gê ­
neros subalternos, orgânicam ente, como mostra a árvore p o rfiria n a .

A classificação m aterial, com o ponto de vista meramente fo r­


m al da lógica e que d ivid ia em dez categorias supremas, passa a se
20/

dispor em novas colocações ao se introduzirem os pontos de vista da


beleza e da arte. Os gêneros da realidade, simplesmente considerada,
começam a se constituir como gêneros de beleza e gêneros artísticos.
A fim de que se conserve um ponto de vista meramente m aterial, apesar
de se tra ta r de gêneros de beleza e de arte, precisamos lem brar quo
não classificam êstes gêneros estéticos os graus de beleza e perfeição
artística sob o ponto de vista de mais beleza e de mais arte; esta fo i uma
questão tra ta d a a propósito dos graus do belo e do artístico. A qui, o
ponto de vista continua sendo o da m atéria, em bora em função ao belo
e ao artístico de que é p ortadora. Pergunta-se pela capacidade p o rta ­
dora da m atéria; eis o ponto de vista para classificar os gêneros de be­
leza e de arte, sob um ponto de vista meramente m aterial.

Certamente, a capacidade recebedora de beleza não ocorro


com a mesma possibilidade em tôdas as categorias de ser. P rincipal­
mente não é a mesma a capacidade de manifestação; esta ocorre p rin ci­
palm ente nas qualidades e nas relações.
Sobretudo na arte ocorre uma diferenciação notória nos gêne­
ros. Em sendo, por definição, a arte uma expressão em obra sensível,
os gêneros de arte e sua classificação orgânica se subordinam diretam ente
à capacidade de manifestação dos objetos às faculdades de conhecimento.
Por isso, a arte ocorre sobretudo nas qualidades e nas relações,- neste
campo se encontram especialmente as qualidades de ordem sensível, como
a côr e o som, intuitivam ente captadas, e as relações de semelhança,
porque possibilitam a criação de símbolos (de onde resulta a linguagem)
e de representação por im itação exterior (de onde nasce a escultura o
a pintura).

233. — A relação de semelhança divide os gêneros artísticos


em duas classes notoriam ente distintas. Dali resulta uma arte de a p re ­
sentação, em que os objetos se apresentam intuitivam ente como côr e som,
e em arte de representação, em que os objetos intuitivos são aproveitado-
dos, em virtude de suas relações de semelhança ou de convenção, para
representar outros objetos, como imagens e idéias.
Se atendermos a uma superfície de um bem composto colorido,
apreciamos apenas a q u ilo que se nos apresenta intuitivam ente; proocu-
pados tão só com o concreto, encontramo-nos a li com o objeto da orta
concrota. Ao mosmo tem po quo atendemos ao concroto, como quo abs-

1-1 T do II,
200

li(ilm os do significado que poderia ter; por isso, sob um outro ponto
do vista, a arte concreta se tem denom inado também de abstrata. Ccrre-
tamonte entendido, arte abstrata, arte concreta, arte de apresentação,
coincidem. Dizemos arte concreta, cogitando no objeto; arte a b strata,
atendendo, já não ao objeto que é concreto, mas na abstração que o
concreto faz de um outro aspecto, o da significação,- fica, portanto, o
objeto a sua mesma e p ró p ria apresentação.
Mas, se, além de pormos nossa atenção no concreto que se
nos apresenta, ainda procuramos relações, êste objeto nos poderá exer­
cer a função de sig n ifica d o r de algo. De muitas maneiras se exerce o
poder de significar. Na obra artística a significação se exerce de duas
maneiras fundam entais: por semelhança p ró p ria e por convenção. Na
relação de semelhança p ró p ria , a im itação das côres produz a arte da
pintura; a im itação das linhas, o desenho; a im itação do movimento, o
dram a; a im itação dos volumes, a escultura. Embora falhem os termos,
o sentido fundam ental a que nos referimos agora, é o de que ocorre
um sub-gênero de artes em que o processo de expressão sensível usado
ó o de representar por meio das relações de semelhanças próprias.

Por convenção, a relação de semelhança, entre a obra de arte


o o objeto que exprim e, se exerce tã o só em virtude de uma prévia acor-
dância entre o autor da obra e o intérprete da mensagem de que a obra
6 portad ora . Dali procede a linguagem , tã o expontânea no homem; e
d a li nasceu tôda uma ordem de símbolos estabelecidos pelo homem na
oxercício de suas relações sociais.
A poesia é a com binação da representação por convenção (na
íase intuitiva) e da representação por semelhança p ró p ria (na fase ccr-
rospondente à im aginação). O fa to intuitivo (linguagem ) exprim e um
objeto, que na im aginação, por sua vez, representa a lg o por semelhança.

234. — Apresenta-se curiosa a discussão de onde se encontra


cj gênero superior da arte. De certo modo a questão alcança o belo,-
tambérn o belo tem sua m anifestação nos objetos que se apresentam
intuitivam ente e nos que se mostram apenas por representação. Contudo,,
o belo também se distende para os gêneros em geral do ser.
As artes por "a p re se n ta çã o ", por fôrça da intuição, anunciam.
.■;ou objeto de maneira mais intensa. Ganham pois em "com preensão"-
Mas perdem em "extensão".
209

As artes por "representação", em virtude da rolação do somo


lhança e de convenção com que operam , dirigem a atenção para íora
de si e desta maneira se distendem para muitos objetos. Ganham pois
em "extensão". E perdem em "com preensão".
A intuição, pela intensidade inigualável da presença dirota,
ganha necessàriamente pelo volume de ser apresentado. Mais poderosa,
obriga-nos a o p ta r em seu favor. Se por ventura estamos a ler, o su­
bitamente a nova página nos apresenta uma gravura, não a deixamos
em segundo lugar. Portanto, ao termos de optar, começamos por a ten­
der à arte intuitiva, à côr e ao som. Entretanto, em virtude de sua re d u ­
zida "exte nsã o", esgota-se mais depressa a novidade, razão porque logo
passamos à outra parte.

23ó. •— Novas subdivisões se podem mostrar nos objetos, o


p a rtir do modo como se apresentam às faculdades de conhecimento. No
plano dos sentidos, os objetos se dividem em "sensíveis próprios", quando
especificam form alm ente as respectivas faculdades; a côr o é para a vista,
o som para o ouvido. Outros, como o movimento e a linha, são apenas
"sensíveis comuns", enquanto perceptíveis para vários sentidos, em bora à
sua m aneira; com a côr, percebe a vista o movimento,- com o som conhe­
ce o ouvido a seqüência tem poral dos sons em movimento; com a tre p i­
dação do movimento percebe o ta to também a êste fenômeno. De m a­
neira sim iliar se conhecem a linha, a fig u ra , o volume.

É evidente que as artes de apresentação operam com mais


rendimento no plano dos sensíveis "p ró p rio s " que nos sensíveis "comuns".
Por isso, na flor, apreciamos primeiramente as côres e depois as suas
formas; nos edifícios observamos geralm ente em prim eiro lugar o sou
colorido, depois as linhas arquitetônicas, o que vale principalm ente em
tamanhos menores, como nas salas e nos móveis. Na música vale p ri­
meiramente a sonoridade e sòmente depois a seqüência rítmica tem poral.
No plano das artes de representação, tam bém ocorre uma sub­
divisão em função à maneira de se apresentar o objeto. Se a apresen­
tação é por semelhança p ró p ria , atua com mais poder do que por con­
venção. Por isso na opção começamos por atender à pintura e à os-
cultura, por último à linguagem.
Mas, ao quo parece, a côr e o som, mais intuitivos quo a quan
tldadn, a flfju ra o movimento, osgotam-so contudo mais depressa. I
210

üMlm também a escultura e a pintura se exaurem cedo. Por isso, da


pura côr passamos logo à linhas, formas e figuras; do puro som, ao ritm o;
das representações da pintura e da escultura à linguagem e por último
à poesia. Da terra subimos às nuvens.
O que afirm amos sôbre as prioridades no apreço às artes,
podo, entretanto, a d m itir alterações de comportamento, graças a ele­
mentos de interferição, de que tra ta a estética psicológica.

V álid o o princípio geral de uma ordem o bjetiva, como a esta­


belecemos, só a p a rtir desta disposição se processam as interferências de
comportamento.

237. — Apesar da primasia de umas artes sôbre outras e


apesar das prioridades belas de uns objetos diantes dos demais, o con­
junto faz a perfeição. A jerarquia das obras de arte, como também da
prim azia entre os gêneros de beleza, requer que os objetos sejam con­
siderados rigorosamente isolados. Côr e som unidos, operam mais po­
derosamente que apenas a côr. Assim também numa tela: a beleza
meramente form al das côres perde para a outra em que, além da be­
leza form al, ocorre ainda a da representação.
Há aquêles artistas que objetivam apenas a representação, ou­
tros apenas o fo rm a l; d a li vem as direções contrárias das escolas e cor­
rentes artísticas.
Certam ente que a conjunta operação de todos os objetos a r­
tisticamente elaborados se apresenta poderosa. O b a lle t o demonstra;
a tra i poderosamente a atenção em virtude da ação conjunta de movi­
mentos form ais e representativos, além das côres, da plástica, da música,
dos cenários. Igual ponderação se pode fa ze r em tôrno do teatro e p rin ­
cipalm ente do cinema; a capacidade técnica da projeção de luz e de
sons perm itiu ao cinema c ria r a maior reunião de artes já conhecida.
A conjunção das artes em uma só ação, em virtude dos inegáveis efeitos,
oxprim e pois a verdade de que o todo realiza a perfeição.

ESQUEMA DOS OBJETOS ER1GÍVEIS EM OBRA DE ARTE

238. — • A seguir lançamos em esquema os objetos capazes


do sorvir paru expressar sensivelmente uma idéia e que por conseguinte
se constituem como arte. N ão lançamos junto do objolo o nome da
respectiva arte porque os nomes admitem duplicidade de acopçüu:.. P c
ferimos então a denom inação direta, por exemplo "a rte da cô r", " a ilo
do sím bolo", etc.. Tendo a arte como gênero supremo, eis o quo po
deríamos denom inar a Árvore Porfiriana das artes:

I. ARTES DE APRESENTAÇÃO

A) O bjetos do sensível próprio:


a) A rte da côr.
b) A rte do som.
B) Objetos do sensível comum:
a) A rte da fig u ra em três dimensões.
b) A rte da fig u ra em duas dimensões
c) A rte do movimento.

II. ARTES DE REPRESENTAÇÃO

A) Objetos com relações de semelhança própria:

A -D semelhanças no sensível próprio:


a) Arte de representação em côr.
b) A rte de representação em som.
A-2) Semelhanças no sensível comum:
a) A rte de representação em fig u ra de três dimensões.
b) A rte de representação em fig u ra de duas dimensões.
c) A rte de representação em movimento.

B) Objetos com relações de semelhança convencional:

B -l) Símbolos no sensível próprio:


a) símbolos em côr
b) símbolos em som
B-2) Símbolos no sensível comum:
a) Símbolos em três dimensões.
b) Símbolos em duas dimensões.
c) Símbolos em movimento.

Muitos detalhes explicativos requer o esquema acima, quo e n ­


tretanto deixamos para a filo so fia da arte. Referimo-nos a questão dos
V I2

•('iitidos inferiores, ordinàriam ente excluídos do rol das artes; entretanto


não podemos negar que, como representação, q ualquer sentido inferior
podo servir. O perfume notoriam ente é sinal sensível de conhecimento
rovolador. O utro detalhe que se deveria levar até o fim é a subclassi-
ficação, de que o sím bolo sonoro constitui o melhor exem plo; o símbolo
om som ocorre na linguagem , no canto, na música intrum ental sugestiva.
Observa-se, portanto, que o esquema da re a lid a d e é notoriam ente com­
plexo e que d ali resulta um quadro orgânico de artes mui prolixo. Aliás,
não fôsse complexo, não seria a arte um gênero de ser íã o enigm ático;
não traria tanto volume de conhecimento e não despertaria tam anha cu­
riosidade.

239. — Há objetos mais dúcteis e por isso mais capacitados


no sentido de receberem em si expressões sensíveis da arte. Sobretudo
ocorre isto de uma outra arte para outra. Assim, parece-nos que o som
se capacita especialmente para exprim ir sentimentos metafísicos, estados
de alma profundos, a le g ria trepidante, ao mesmo tem po ainda que re­
cebe em si os conteúdos da poesia e as expressões do canto.

Em virtude desta funcionalidade, a música tem conquistado


notórias simpatias. Embora não alcance a precisão d idática da pintura,
a arte da música, compensando-se na sua fu ncionalidade muito específica,
se engrandece no meio das artes. Além disto, a circunstância de poder­
mos ouvir em qualquer posição em que estejamos, fa cu lta notória co­
m odidade e am plid ã o de possibilidades. A o invés, a pintura e a es­
cultura, objetos da vista, requerem uma visão direta; nosso ôlho, subordi­
nado a um eixo visual, não se exerce universalmente. Conclusão: as
artes visuais, em bora mais expressivas e de m aior poder de expressão,
se deixam superar em funções específicas por outras artes, como por exem­
plo a música. O corre ali a lei das compensações.

A d uctib ilid a d e d iferenciada ocorre também no círculo interno


cias artes que operam com "sensíveis comuns". O escultor sabe porque
ora prefere o mármore, ora o bronze. A representação meramente es-
cultural obtém sucessos muito específicos no palco e no cinema. Além
disto, a representação em três dimensões que o escultor apenas realiza
ostàticamente, o ser vivo consegue também com binar com o movimento,
como se verifica no ballet, no teatro, na pantom ina.
213

CONCLUSÃO DO TRATADO DO BELO

240. — • Esgotados os assuntos mais gerais sôbre o belo, termina


a estética geral neste setor. Já concluímos a estética psicológica gorai.
Resta-nos apenas, no plano da generalidade, a estética geral do artístico.
Depois, então, ingressaríamos nas estéticas especiais.

N ão se dividem as estéticas gerais como novas ciências; conti'


nuam simplesmente a mesma tarefa geral, em setores apenas m a te ria l­
mente distintos. Êstes setores poderiam ser divididos pelas formas do
belo e do artístico, e então estudaríamos como estética especial, o clás­
sico e o rom ântico, por exemplo, como temas de detalhe. Tambóm
poderiam tais setores dividir-se pela matéria em que o belo e o artístico
se apoiam,- resultariam, a começar dêste critério, as conhecidas estéticas
especiais da arquitetura, da pintura, da escultura, da música, da literatura,
etc..

241. — Em subdivisões sempre fáceis de fazer, até onde iría-


mcs na pulverização e na especialização das estéticas? Há um limite,
para além do qual as estéticas especiais se tornam estéticas especialíssi­
mas.
Como os interêsses dos indivíduos não coincidem e nem seguem
pu ra muito além de certa especialidade, podemos tom ar como critério
de divisão das estéticas especiais e das especialíssimas, o alcance da
capacidade comum do conhecer e do sentir. Todos os indivíduos normais,
atingem certos conceitos em cada setor especial, das letras, da música,
das artes plásticas e mesmo da poesia. O que se encontra nestas áreas,
constitui a estética especial nos respectivos setores; o que vai além, como
apreciado por minorias, se reduz à estética especialíssima. O que o
indivíduo notoriam ente culto deve saber, constitui a estética especial; a
c u tra é estética dos especialistas, como convém a um pintor profissional,
o um o rado r que crdinàriam ente deve fa la r ao público, ao musicista quo
se ocupa na arte dos sons, ao literato que se entrega às lides da im­
prensa, aos bailarinos que tiram efeito da plástica írepidante do movi
mento, ao cineasta que compõe a sucessão q u a lita tiva e quantitativa das
côres e das idéias da projeção.
Estéticas especialíssimas são, por exemplo, estudos de dota
lhes como sôbre "A s estruturas rítm icas", de Paul Fraisse, sôbre a "Rofó
214

rica ", do Aristóteles, sôbre a fle x â o das palavras no "M a n u a l de C a lifa -


sla", do Silveira Bueno, sôbre "Estética das proporções", de M a tila Gyca,
lomas nitidam ente especiais.

A hiper-especialização de certos setores da metafísica do belo


‘.o tom conduzido mesmo ao estudo do belo em Deus, na alm a, na
li');llca do pensamento, na virtude e na consciência moral. A propósito
da loi m oral, semelhante às estréias do céu, encontramos esta manifes­
tação literária belíssima de Kant, no fin a l de sua "C rítica da razão p rá ­
tica", que foi por êle vivida autênticam ente e por seus concidadãos de
Koonigsberg gravada sôbre a tum ba memorável do grande filósofo: "D uas
coisas enchem o ânimo de crescente adm iração e respeito, veneração sem-
pro renovada quanto com mais freqüência e aplicação delas se ocupa a
rofloxão: por sôbre mim o céu estrelado; em mim a lei m o ra l".

242. — N ão se reduzem à in u tilidade os últimos detalhes da


ostótica especialíssima; exatam ente no detalhe se encontra a perfeição
0 a totalizaçã o da beleza.

O belo é o preferido. Todos o procuramos, até mesmo na


monor de suas perfeições. N ão há quem só se contente com o bom; não
há quem se satisfaça na beleza comum, sabendo que existe algum a outra
mais perfeita. N ão im porta onde esteja o ouro; até lá vão os homens.
1 assim, mesmo que a flo r tenha subido a árvore, como g u irla n d a a fu g ir
das humanas mãos, sobe o homem às alturas; se se escondeu na mata,
Alo tam bém abre o caminho e a busca, aprecia e a dora. "Se um homem
oscreve um livro melhor que os demais, prega um sermão mais eloqüente,
ou fab rica uma ratoeira melhor que seu vizinho, ainda que haja e d ifica do
sua m orada em meio dos bosques, o mundo a b rirá um caminho até sua
p o rta " (Ralph W a ld o Emerson).

Embora cessem neste instante as nossas palavras sôbre o belo


om geral, não pára a aspiração de conhecer cada vez mais de perto a be-
loza. B rilhando como um todo, o brilho da beleza rebrilha particularm ente
nos detalhes. Êstes ficaram por ser tratados em estéticas especiais. Mesmo
(|U o não cheguemos a tanto, os detalhes existem na ordem concreta, de
ondo partim os; não chegamos ao belo senão a começar do belo das
coisas concretas, como das flôres, das estréias, das montanhas. Dali
subíramos para as elevadas considerações da metafísica. Mas sem nuncc
215

termos estado desatentos à realidade, agora sabemos ainda por onde des­
cer. Começamos pois a descida; doixamos o espaço metafísico, eis-nos de
volta a sentir o mundo das coisas concretas onde a beleza está efetiva.

Encontramo-nos novamente nos jardins, nas alamedas, nos cam­


pos, ao longo dos arvoredos, junto às colinas, à vista do mar. O utra
vez olhamos os céus; agora, porém, são espaços concretos que se apoiam
na beira dos horizontes. O azul é novamente o imenso a r azul, em que
navegam as nuvens e brilham os astros. Sentimos verdadeiram ente a
realidade do nosso mundo ao qual nos aplicamos a conhecer e no qual
nos alegramos.

M a s . . . "sem interêsse"! E' assim o nosso sentir nos instantes


mais felizes da contem plação estética. A a le g ria estética do nascer do
sol independe de eu ser rei ou mendigo. Q uer como príncipes, quer como
servidores, a a le g ria estética de um sol nascente nos é igual. O sol se
deixa contem plar do mesmo modo generoso a p a rtir das janelas de
nossa casa, que dos balcões dos ricos palácios. Por isso, mantemos a
convicção de que o belo possui estas duas propriedades incontestes: a
p re fe rib ilid a d e teorética e a esteticidade desinteressada. O belo nos
m aravilha e nos encanta no seu desfile cotidiano. Talvez não c en­
tendêssemos antes de nossa ascensão aos elevados cumes do ser. A gora
que retornamos desta excursão, o belo se apresenta mais brilhante e
mais cristalino.
Í N D I C E

INTRODUÇÃO ( 1 -1 2 ) ...................................................................................................... Pag- 7


Oa n o in e s (2 — 3 ) ............................................................................................................................ " 7
O v a lo r cJo T r a ta d o do B e lo ( 4 — 5) ....................................................................................... " 9
A p r o b le m a tiz a ç ã o ( 6 —7 ) ........................................................................................................................... " 10
O m é tc d o (8) .......................................................................................................................................... ................. " ^
D e s e n v o lv im e n to p r o g r e s s iv o d o t e m á r io ( 9 — 12) ...................................................... " 12

CAPÍTULO I - ESTÉTICA DE OBJETO E ESTÉTICA SEM OBJETO (1 3 -2 2 ) " 17

[> lé t ic a ir r a c ia n a lis ta (1 5 — 16) .................................................................................................. “ 18


l.s te lic a in te le t u a lis ta (1 7 — 2 2 ) .................................................................................................. " 19

CAPÍTULO II. - ESSÊNCIA DO BELO (2 2 -1 5 3 ) ......................................................... " 25

A u to n o m ia d 3 e s s ê n c ia (2 4 — 2 6 ) ............................................................................................ " 26
A u to n o m ia d o b e lo e d o a r tí s tic o ( 2 7 — 2 9 ) ...................................................................... " 29
AR T, 1.° — Da essência do belo como perfeição realçada (Em term os de
f ilo s o f ia a r is to té lic a ) (3 0 — 10 5 ) .............................................................................. " 31
5 1.° — Da essência do belo a partir das p ropriedades (33—52) ............ " 33
c) A t e o r e tic id a d e do b e lo (3 5 — 3 9 ) ................................................................................. " 34
A p r e f e r ib ilid a d e t e o r é tic a do b e lo (3 6 — 3 9 ) ................................................................. " 35
b) A e s te tic id a d e do b e lo (4 0 — 4 3 ) ................................................................................. " 39
A q u e s tã o d o d e s in te re s s e e o b e lo ( 4 4 — 4 5 ) ............................................................... " 42
A p o s iç ã o d e K a n t s ô b re o d e s in te re s s e ( 4 6 — 4 7 ) ...................................................... " 44
O e n tu s ia s m o e o d e l í r io e s té tic o (4 8 — 5 1 ) .................................................................... " 46
O u tra s p r o p r ie d a d e s do b e lo (5 2 — 5 4 ) ............................................................................ " 50
§ 2 . ° — Chegada à essência do belo (53) .......................................................... " 50
A) Do b e lo com o q u a lid a d e (5 4 — 7 7 ) ............................................................................ " 51
N oçno g e ra l de q u a lid a d e (5 5 — 6 0 ) .................................................................................... " 51
C lo s r iíic a ç ã o de q u a lid a d e (5 5 — 6 0 ) .................................................................................... " 57
O B e lo c o m o q u a lid a d e que d e t e r m in a " s im p lic ite r " a e s s ê n c ia (D o b e to
sem o b je t o e se m c o n c e ito ) (6 5 --Ó 9 ) ................................................................. '' 61
O b e lo com o q u a lid a d e e n t it a t iv a (7 0 ) ......................................................................... " 64
O b e lo c o rn o p e r f e iç ã o em re a lc e (7 1 — 7 7 ) .................................................................... " 65
B) Os nom es do b e lo (7 8 — 8 4 ) ....................................................................................... " 71
C) O b e lo c o m o v e r d a d e o n t o ló g ic a e m re a lc e í8 5 — 8 6 ) ...................................... " 76
O b o lo em fu n ç ã o a um e x e m p la r a r q u é t ip o (8 7 ) .................................................... " 77
O a r q u é t ip o s u p ,e m o (8 8 ) .......................................................................................................... '' 78
ín d o le in a b a lá v e l dos a r q u é t ip o s (S 9 —9 1 ) .................................................................... " 79
O b o lo e os tra n s c e n d e n ta is (9 2 — 9 3 ) ................................................................................. " 82
O b c lc no g ê n e ro da v e rd a d e >.94— 9 5 ) ......................................................................... " 85
O b o lo a p r e c ia d o com o bonum (9 6 — 9 8 ) ....................................................................... " 87
I. tre o v e -d a c íe iro e o b e lo '9 9 — 103 ) ............................................................................... " 89
C o n v e r s ib ilid a d e do b e lo e do se r (1 0 4 ) .................................................................... " 93
C o n c lu s ã o s ô b re a e s s ê n c ia do b e lo (1 0 5 ) .................................................................... " 94
ART. Il.° — A estética de Kant e de outros (106) ............................................ " 95
§ 1.° — A ostóti&3 de Kant (107) ............................................................................. " 96
K n n t o as p r o p r ie d a d e s do b e lo (1 0 8 — 11 2 ) ................................................................. " 97
217

K o n t a a e s s ê n c ia d o b e lo (1 1 3 — 1 1 7 ) .................................................................................
K a n t p r ó x im o à n o ç ã o a r is to té lic a d o t ra n s c e n d e n ta l ( 1 1 8 — 12 3 ) ............................. " 106
KanT e as d is tin ç õ e s e n tr e o b e lo e o b o n u m (1 2 4 ) ................................................................' 111
K a n t e os a r q u é t ip o s d o b e lo e da v e rd a d e o n to lo g ic a (1 2 5 12 7 ) .............. 112
K a n t e a ín d o le c o n s t it u t iv a d o s m o d o s tra n s c e n d e n ta is (128—129) . . . . " 116
§ 2.° — Outras estéticas (130—152) ..................................................................................... " 118
O b e lo n ã o é a lg o m a te ria l co m o p re te n d e o v u lg o (131 — 13 3 ) ................... ............... " 118
O b e lo n ã o é o s e n s ív e l e n e m o a r tí s tic o (a p r o p ó s ito d e B a u m g a rte n e
H e g e l) ( 1 3 4 - 1 4 2 ) .............................................................................................................................. " 120
O b e lo n ã o é a p r o je ç ã o s e n tim e n ta l (a p r o p ó s ito d e L ip p s e o u tr o s )
(1 4 3 -1 4 5 ) ..............................................................................................................................................." 129
O b e lo na f ilo s o f ia d o s v a lo r e s ( 1 4 6 — 151 ) ................................................................................... " 131
O b e lo n ã o é o b e m (1 5 2 ) ......................................................................................................................... " 136
C o n c lu in d o a e ta p a m e s tra do T r a ta d o do B e lo (1 5 3 ) ...................................... ................ " 137

CAPÍTULO II!. — O BELO NA ORDEM REAL (A quereia d e idealistas e


realistas) (1 5 4 -1 7 7 ) .......................................................................................... .............." 139
ART. 1.° — A estética realista: o belo como determ inação real (156—157) " 140
ART. 2 .° — Estéticas idealistas o outras (158—176) ........................................................ " 142
O c c n s t r u tiv is m o e s té tic o de K a n t (1 5 9 — 1 6 6 ) .............................................................. ................ " 142
O id e a lis m o e s té tic o de H e g e l ( 1 6 7 — 17 1 ) ...................................................................... ................ " 150
O id e a lis m o e s té tic o d e C ro c e ( 1 7 2 — 17 4 ) ...................................................................... ................ " 154
A in c o n s is tê n c ia dos v a lo re s na o rd e m re a l ( 1 7 5 — 176 ) ................................................. " 157

CAPÍTULO IV. - FORMAS E GÊNEROS ESTÉTICOS ( 1 7 8 - 2 3 9 ) ....................... .............. " 159


§ |.° — Classificação das form as belas e artísticas (179—204) ................... ................." 160
A) O b e lo o o f e io com o c o n tr á r io s ( 1 8 0 — 186 ) ......................................................................." 161
8) G ra u s d e b e le z a e d e e s t ilo (1 8 7 ) .............................................................................. ................." 165
O s g ra u s d e b e le z a p e io s seus n o m e s (1 8 8 ) .................................................................................. " 166
O e s t ilo (1 8 9 -1 9 4 ) ...................................................................................................................... ................." 167
A v a lia ç ã o dos g ra u s de b e le z a e de e s lilo s ( 1 9 5 — 198 ) ...................................... ................. " 173
A v a lia ç ã o s u b je tiv a e liis ló r ic a dos e s tilo s (1 9 9 — 2 0 1 ) ........................................... ................." 177
C) O b e lo e os se u s s im ila re s ( 2 0 2 —2 0 4 ) ................................................................... ................." 180
§ 2 .° — Clasíificação dos gêneros de beleza e de arte (2 0 5 — 2 3 9 ) .... " 183
O b e lo nas c a te g o r ia s (2 0 7 — 2 0 8 ) ...................................................................................... ................. " 185
O b e lo na s u b s tâ n c ia (2 0 9 ) ...................................................................................................... ................. " 187
O b e lo na q u a n tid a d e cu s e re s c o m p o s to s (2 1 0 —2 2 2 ) .........................................................." 188
A o rd e m (2 1 5 -2 1 7 ) ........................................................................................................................................ " 191
A proporção (2 1 8 -2 2 2 ) .............................................................................................................." 194
O b e lo na r e la ç ã o ( 2 2 3 ) ................................................................................................................. ................. " 197
O b e lo no te m p o (2 2 4 ) ................................................................................................................................ " 199
O b e lo 'nas ú ltim a s c a te g o r ia s (2 2 5 —227 ) ...................................................................... ................. " 200
A q u a lid a d e d o b e lo e as o u tra s q u a lid a d e s ( 2 2 8 — 2 3 0 ) ...................................... ................. " 202
A c o n v iv ê n c ia dos g ê n e ro s de b e le z a e a rte (2 3 1 — 2 3 7 ) ................................... .................." 205
E squem a d o s o b je to s e r ig í v e is e m o b ra d e a rte ( 2 3 8 —2 3 9 ) ................................................" 210

CONCLUSÃO DO TRATADO DO BELO ( 2 4 0 - 2 4 2 ) ........................................................ .................." 213

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