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MUTANTES EM AÇÃO
autor
KURT MAHR
Tradução
MARIA MADALENA WURTH TEIXEIRA
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
O Sistema Vega, a vinte e sete anos-luz da Terra, tornou-se
cenário duma tremenda guerra interestelar.
Tentando apurar as causas das deformações do hiperespaço
naquela zona, acusadas pelos sensores de deformação da
estrutura espacial da base em Plutão — deformações que só
poderiam ser provocadas pela transição de numerosas
espaçonaves — Perry Rhodan vê-se envolvido na luta.
A Good Hope, ex-nave auxiliar do cruzador arcônida
destruído, mostra-se muito superior às naves inimigas, tripuladas
pelos tópsidas, os homens-répteis. Porém, de repente, surge a
imensa nave de guerra arcônida, capturada por tópsidas, e a
pequena Good Hope é seriamente avariada.
A fim de sair daquela situação desesperada e regressar à
Terra, Rhodan só tem um recurso: pôr os Mutantes em Ação...
= = = = = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = = = = =
— Altura?
— Constante.
— Velocidade?
— Constante, mas miserável! — murmurou Bell, mal-humorado.
— Distância do objetivo?
— Quatro mil e cem.
— Curso?
— Em ordem.
— Muito bem! — suspirou Perry Rhodan, enxugando o suor da testa. A Good Hope
parecia ter trazido consigo boa parte do calor que calcinava a areia do Grande Deserto do
Sul, dois mil metros abaixo deles.
Fato nada estranhável, visto que o sistema de condicionamento de ar não estava em
funcionamento; toda a potência dos geradores ainda intactos fora concentrada no sistema de
propulsão. A pequena nave não passava dum veículo desarvorado, depois de ser atingida de
raspão pelo tiro energético da nave de guerra arcônida capturada pelos tópsidas.
Durante uma hora de intensa cogitação, Rhodan se debateu entre a alternativa de voar
para o forte do deserto, posto à sua disposição pelo Thort, pilotando a nave avariada; ou se
levaria apenas o armamento desmontado da Good Hope.
Acabara escolhendo a primeira opção, a despeito da oposição de Crest e Thora. Ambos
demonstravam evidente receio de voar naquelas condições; porém acabaram se submetendo
à vontade de Rhodan. Ou para não passarem por medrosos diante dos demais tripulantes,
segundo a opinião de Reginald Bell.
A automação da Good Hope falhara por completo. No momento, os recursos de
pilotagem não eram superiores aos possuídos pelos irmãos Wright em sua primeira máquina
voadora. Os reparos feitos, sem os recursos necessários, não mereciam grande confiança;
portanto, ninguém a bordo se sentia muito seguro.
Hecliar, no entanto, não parecia nem um pouco preocupado. Seus olhos escuros,
afundados nas órbitas, mantinham-se fixos na única tela ainda intacta, perscrutando a areia
vermelha do deserto.
Hecliar era o chefe técnico do forte do deserto, convocado de seu posto secreto pelo
Thort, com o único fim de mostrar o caminho à Good Hope. Sua estatura era baixa em
comparação com a dos seres terrestres, como a de todos os ferrônios. A pele azul
apresentava uma tonalidade puxada para o turquesa, coloração que Hecliar atribuía ao sol do
deserto. Em contraste com os vastos cabelos cor de cobre, isso dava um colorido alegre à
aparência do ferrônio, a despeito do traje cinzento.
O terceiro ocupante de cabina de comando era Reginald Bell, o ministro da segurança
da Terceira Potência. Porém o atarefado co-piloto nem de longe lembrava a aparência dum
ministro, e muito menos se sentia um. Toda sua atenção se concentrava em cuidar de sua
metade dos controles, e acompanhar continuamente as indicações dos instrumentos. Vez por
outra, lançava um rápido olhar para a tela. Na décima vez, constatando que a paisagem não
sofria a menor alteração, suspirou:
— Puxa! Deus devia estar zangado quando criou este mundo!
Rofus, o nono planeta de Vega, assemelhava-se bastante à Terra. Era uma colônia dos
ferrônios, que habitavam primordialmente o oitavo planeta do sistema Vega. Mas, ao
contrário dos contornos harmoniosos da superfície terrestre, Rofus parecia ser obra
abandonada em meio pelo Criador. O planeta apresentava dois imensos continentes, e dois
oceanos enormes. As montanhas eram mais altas do que as da Terra, as cordilheiras mais
maciças e extensas. E não existia no globo terrestre paralelo para aquele Grande Deserto do
Sul, com sua areia vermelha. Media, no diâmetro maior, quase seis mil quilômetros, e em
toda a área não se via uma planta, um animal, uma gota d’água.
O forte do deserto, cedido pelo Thort para abrigo da Good Hope, ficava no ponto mais
recôndito e inacessível do deserto. Segundo os mapas que lhe haviam mostrado, Rhodan
calculava que ele se ocultava debaixo da Cordilheira das Cobras.
Hecliar não contribuía com a menor informação. Treinado segundo o sistema ferrônio
de guardar segredo absoluto quando recebia ordem para tal, mantinha-se obstinadamente
fiel aos preceitos incutidos, mesmo quando não havia mais sentido nenhum para isso.
Com sua velocidade reduzida para menos de 1 mach, a Good Hope gastou sete horas
no percurso. Quando finalmente Hecliar indicou o ponto para o qual a nave devia ser
dirigida, Reginald Bell comentou, com um profundo suspiro:
— Ufa! Se tivesse que repetir essa viagem, eu preferia fazer todo o trajeto a pé, mas
nesse trambolho é que eu não ia embarcar mais!
A Cordilheira das Cobras estendia-se em direção noroeste-sudeste. Era tão árida e nua
quanto o deserto, porém oferecia aspecto imponente com seus picos de nove a dez mil
metros de altura.
Rhodan examinava com ar desconfiado o ponto indicado por Hecliar. Tratava-se de
uma depressão nas ondulantes colinas ao pé da cordilheira. Dificilmente o observador não
informado diferenciaria aquele ponto do resto da paisagem. Em resposta ao seu olhar de
indagação, Hecliar estendeu ambas as mãos para a frente, no gesto ferrônio de afirmação.
— Firme em frente! — ordenou Rhodan.
Bell resmungou algo ininteligível. A Cordilheira das Cobras desapareceu do campo de
visão na tela; agora ela estava tomada por um fundo desfiladeiro, o objetivo que Hecliar
indicara.
— Quinhentos metros! — anunciou Bell.
Rhodan sondou, com o olhar, o desfiladeiro. Nem a intensa claridade de Vega
conseguia penetrar até seu fundo; a sombra em seu interior era tão densa que não se
distinguia nada claramente.
— Trezentos! — continuou Bell.
A mão de Rhodan empunhou distraidamente o mecanismo de regulagem ótica, que
ampliava qualquer setor desejado na imagem vista na tela. Apertou o comutador, e escutou
um claque seco. Recordou-se então de que toda a energia disponível fora requisitada para
manter a nave em vôo, não sobrando nenhuma para as comodidades dispensáveis.
Quando a Good Hope iniciou a descida por entre as paredes do desfiladeiro, Rhodan
viu que não existia propriamente um fundo. A partir de determinado ponto, os paredões
irregulares se projetavam em superfícies planas, deixando uma larga abertura no meio, pela
qual penetrava a luz visível no nível inferior.
Rhodan não ocultou sua admiração pela gigantesca obra, capaz de acomodar
simultaneamente três naves do tamanho da Good Hope. Aproximadamente quadrado, com
duzentos metros de lado, o desfiladeiro alcançava uma profundidade de cerca de meio
quilômetro terra a dentro.
Hecliar percebeu o espanto de Rhodan, e seus olhos brilharam.
— Grande, não é? — indagou, com sua voz gutural.
— Grandioso seria o termo mais exato — respondeu Rhodan, sacudindo a cabeça.
O brilho nos olhos de Hecliar intensificou-se. Como todos os ferrônios, era
extremamente sensível a elogios. E a observação de Rhodan equivalia a um elogio pessoal,
pois fora o próprio Hecliar quem projetara e construíra aquelas instalações.
A Good Hope pousou num vasto recinto coberto, quinze metros abaixo da abertura
central.
— Operação aterrissagem concluída! — anunciou Bell.
Hecliar pareceu compreender o sentido daquelas palavras. Erguendo-se, disse, em
idioma ferrônio:
— Venha, Hopmar deve estar à nossa espera.
Rhodan nem imaginava quem era Hopmar, mas de modo algum queria fazê-lo esperar.
O Thort dera poucas explicações ao determinar o novo local para abrigar a Good Hope. A
Rhodan só restou o recurso de aguardar os acontecimentos, a fim de se inteirar dos detalhes.
Desembarcou com Hecliar, deixando Bell encarregado da nave. Crest recebeu o aviso
de que o comandante ia se entrevistar com alguém chamado Hopmar, provavelmente o
responsável pelo forte.
Seguindo Hecliar, Rhodan admirava as extraordinárias dimensões do recinto. As
paredes se perdiam na distância, e a luz uniformemente difusa contribuía para o efeito de
camuflagem. O teto era livre, proeza que ninguém na Terra se arriscaria a executar, sem
uma só coluna de sustentação. Havia lugar de sobra para acomodar toda uma frota bélica;
porém em vista das circunstâncias então reinantes em Rofus e em todo o sistema Vega, o
Thort já não dispunha de naves para serem guardadas e abrigadas.
O hangar estava vazio.
Hecliar parou diante de uma ranhura no chão, calcando-a com a ponta do pé. Segundos
após, ouviu-se um leve sussurro à esquerda; rápido como uma seta, surgiu um veículo
pequeno e baixo. Deteve-se exatamente no ponto calcado por Hecliar. Duas portas laterais
se abriram automaticamente, a fim de permitir o embarque. O carro tinha dois bancos, um
atrás do outro, com capacidade para quatro passageiros cada. O mecanismo de direção e
controle era de manejo simples, fácil de compreender. A ranhura fazia as vezes de trilho.
Rhodan percebeu que todo o piso do hangar era entrecruzado por ranhuras
semelhantes, correndo em todas as direções. Hecliar explicou que os cruzamentos podiam
ser usados como desvios.
Em poucos minutos o carro chegou à parede do hangar. Sempre mantendo a rápida
marcha, penetrou num largo corredor iluminado, com numerosas portas em ambos os lados.
— Salas de trabalho e laboratórios — explicou Hecliar.
Quase no fim do corredor, ele fez o carro parar. A última porta à esquerda trazia uma
inscrição bastante mais elaborada do que as demais; porém a pressa de Hecliar era tanta que
Rhodan não teve tempo de decifrá-la. A porta deslizou para o lado, revelando uma sala
ampla, ricamente decorada no estilo ferrônio. Diante de um móvel semelhante a uma
escrivaninha, sentava-se um homem troncudo, usando um uniforme bem mais vistoso que o
de Hecliar.
— Comandante, apresento-lhe o arcônida Rhodan! — disse Hecliar, com voz
respeitosa.
Erguendo-se, o comandante estendeu ambas as mãos para Rhodan, dizendo:
— Seja bem-vindo, Rhodan! Meu nome é Hopmar. Sou... isto é, eu era o comandante
deste forte.
Rhodan ouviu Hecliar sair, fechando silenciosamente a porta.
— Era? — disse Rhodan, intrigado. Hopmar acenou com a cabeça:
— Sim, era. Pois o Thort lhe conferiu plenos poderes, Rhodan. Pessoa alguma neste
forte lhe dará ordens.
Com aquilo Rhodan não contara. Sentiu ímpetos de xingar o Thort; não é que o velho
malandro tinha despachado sumariamente para o forte do deserto o capitão duma nave
avariada, sem lhe revelar que ia terminar a viagem investido da autoridade absoluta dum rei!
Tentou ler a expressão do rosto de Hopmar, porém o ferrônio nada revelava. Ao diabo com
aquela raça! Não havia quem os entendesse... A boca miúda mostrava uma leve distorção,
que poderia passar por sorriso; os olhos sombreados pelas órbitas profundas eram quase
invisíveis. Rhodan perguntava-se quais seriam os sentimentos do comandante diante do
intruso que vinha repentinamente tomar-lhe o posto.
— Saiba que não pedi isso! — explicou a Hopmar. — Tudo que solicitei ao Thort foi
uma base segura de onde pudesse operar, e ele me ofereceu este forte. Jamais me passou
pela cabeça a idéia de assumir o comando.
Hopmar interrompeu-o com um gesto.
— Ora, não se preocupe. Sei o que pensa: inveja e ciúme, não é? — suspirando,
continuou: — Sou um homem bastante idoso, a despeito da aparência em contrário. É com
satisfação que vejo aparecer alguém a quem possa transferir meu encargo.
Rhodan sorriu.
— Mais satisfeito me sinto eu por vê-lo pensar desta maneira. No entanto, prefiro
contar com a sua colaboração, em vez de simplesmente impor minhas opiniões. Hopmar
concordou.
— Sentemo-nos! Quais são seus planos?
Acomodados em duas confortáveis poltronas, os dois homens puseram-se a discutir a
situação.
— Como funciona sua estação transmissora?
Hopmar franziu a testa.
— Ora, como deveria funcionar? De vez em quando envio algumas pessoas lá para
fora, e de vez em quando chegam algumas aqui. Que mais poderia haver?
— Algum contato com Ferrol? Hopmar inclinou-se, perturbado, para a frente.
— Ferrol? Mas Ferrol está ocupado pelo inimigo.
— Ninguém sabe disso melhor do que eu — concordou Rhodan. — Porém os
transmissores representam nossa única possibilidade de chegar a Ferrol disfarçadamente.
— Primeiro seria preciso encontrar em Ferrol algum transmissor ainda não descoberto
e tomado pelo inimigo! — replicou Hopmar, sorrindo.
— E por que não? No Palácio Vermelho de Thorta existe um pequeno aparelho
secreto. Só por milagre os tópsidas dariam com ele.
Hopmar estendeu as mãos, com as palmas viradas para cima.
“Como seus gestos são parecidos com os nossos”, pensou Rhodan.
— Quer arriscar? — perguntou Hopmar.
— Caso não nos ocorra coisa melhor, temos que arriscar, sim! Quais eram seus
planos? Esperar de braços cruzados que os tópsidas viessem conquistar mais este mundo?
— Já vi que você é bem mais empreendedor do que eu, Rhodan! — disse Hopmar,
com um trejeito da boca que era nitidamente um largo sorriso. — O forte só pode se
beneficiar com a presença de um comandante tão impaciente.
Rhodan analisou intensamente o sentido daquelas palavras, porém não percebeu nelas
o menor traço de ironia ou amargura.
— Quantos transmissores há aqui? — perguntou.
— Vinte e cinco. Cada qual com a capacidade de cinco pessoas, pelo menos.
— E nunca chegou nada de Ferrol? Nem gente, nem matéria?
— Não, nunca. De onde deduzi que em Ferrol já não há ninguém na posse de um
transmissor, excetuando o inimigo.
O argumento pareceu pouco convincente a Rhodan. Os transmissores eram bastante
complicados. Não lhe custaria listar pelo menos dez razões pelas quais um ferrônio, mesmo
de posse de um transmissor, estaria impossibilitado de se comunicar com Rofus. Porém
preferiu adiar a discussão deste ponto. Na devida ocasião, agiria de acordo com suas
próprias convicções.
Passaram a tratar de assuntos mais imediatos. O forte possuía acomodações suficientes
para toda a tripulação da Good Hope. Aos visitantes era assegurada completa liberdade de
movimentos.
— Trago comigo algumas pessoas fora do comum, comandante — disse Rhodan,
sorrindo, ao despedir-se de Hopmar. — Portanto, não se assuste caso veja acontecer fatos
que sempre lhe pareceram impossíveis.
Hopmar retribuiu o sorriso.
— Já ouvi falar delas. Aguardo com curiosidade a primeira surpresa.
***
***
Hopmar mostrava uma excitação incomum. Devia ter vindo de seu gabinete às
carreiras, pois estava fora de fôlego. A primeira palavra saiu a custo:
— Os transmissores... Rhodan levantou-se num pulo. — ...emissão de Ferrol! —
completou Hopmar.
Rhodan passou por ele correndo. O tempo era precioso demais para esperar o próximo
carro. Em saltos ágeis, percorreu o corredor, dobrou à esquerda, novamente à esquerda,
alcançando a estação dos transmissores com cinqüenta metros de dianteira sobre Reginald
Bell, que corria ofegante atrás dele.
Rhodan viu imediatamente a mensagem. Era uma pequena cápsula metálica, com um
aro brilhante em cada extremidade. Fios delgados de arame ligavam os aros aos contatos de
emissão. A cápsula tremia ainda, como se acabasse de chegar.
Colado ao aramado da cabina, Rhodan decifrou a inscrição:
— Quequéler, Sic-Horum.
Bell postou-se ao seu lado, respirando apressado.
— Desliga! — pediu Rhodan.
Bell abaixou uma alavanca, cortando o fornecimento de energia para o transmissor.
Abrindo a porta da cabina, Rhodan retirou a cápsula. Bell não tirava os olhos dela,
cheio de curiosidade.
— Que quer dizer isso: Quequéler, Sic-Horum?
— Sic-Horum é a capital dos sichas, uma tribo das montanhas em Ferrol. Quequéler
deve ser o nome do remetente.
Numa das extremidades da cápsula havia uma espécie de tampa. Rhodan
desaparafusou-a, tirando de dentro uma delgada lâmina metálica, material que os ferrônios
usavam para escrever, em lugar do papel. A folha estava inteiramente recoberta de escrita.
Em caracteres nítidos e regulares, evidentemente traçados mecanicamente. Rhodan começou
a ler:
— Bem, o texto contém palavras heróicas aos montes — comentou Rhodan. — Mas o
heroísmo parece ser uma característica comum de montanheses. E quem mais, no seio de
um povo dominado por inimigos, se lembraria de procurar por maneiras de dificultar a vida
do opressor?
Crest acenou com a cabeça, concordando.
— Mas de que modo poderíamos ajudá-los? — perguntou, após curta reflexão.
— Eles precisam de informações, segundo depreendo desta carta — disse Rhodan. —
Os tópsidas impuseram uma espécie de limitação à locomoção lá em Ferrol. Cada habitante
está registrado em seu local de residência, de onde não pode distanciar-se mais de cinqüenta
quilômetros. Os sichas estão dispostos a infiltrar-se através do bloqueio, mas querem saber
em que rumo devem seguir. Afinal, a guerrilha subterrânea deve ser desencadeada nos
pontos mais indicados.
— Muito bem! — disse Thora, ironicamente. — Claro que você se encarregará de
obter essas informações, não é?
— Exatamente.
Rhodan sentou-se. Crest, Bell e Tako fitaram-no com ar de expectativa. Thora
empertigou-se, dando a entender com sua atitude desdenhosa que Rhodan planejava novas
tolices.
— De que é que os sichas precisam? Dados sobre movimentos de tropas,
concentrações militares, espaçoportos e demais detalhes técnicos sobre a frota tópsida. Não
me parece difícil conseguir isso para eles.
Inclinando-se para ele, Reginald Bell murmurou:
— Klein e Deringhouse, não é? Os caças espaciais?
— Certo — confirmou Rhodan, enquanto Crest suspirava profundamente.
— Não... não pode fazer isso! — protestou Thora, com veemência.
— Por que não?
— Pense no perigo!
A boca de Rhodan se contorceu num sorriso sarcástico.
— Acha por acaso que podemos decidir esta briga sem correr perigos?
Thora calou-se.
— Nossos caças possuem capacidade de aceleração muito superior à das naves
tópsidas — continuou Rhodan. — Pessoalmente, os pilotos correm um risco relativamente
pequeno, principalmente se levarmos em conta o proveito que sua atuação trará para os
nossos planos. Bell, vá chamar Klein e Deringhouse!
***
Um fato mais do que corriqueiro veio interromper a marcha de Deringhouse para o sul,
levando-o a se precipitar numa aventura das mais arriscadas. Não que lhe faltasse
discernimento — apenas o encadeamento das circunstâncias não lhe permitiu escolha.
É que o organismo humano, submetido a uma gravidade desacostumada, não pode
dispender mais do que determinada soma de esforço físico sem sentir feroz e violenta fome.
Deringhouse conhecia razoavelmente o idioma ferrônio, através dum rápido
hipnotreinamento. Também era capaz de diferenciar os diversos tipos étnicos existentes
entre os ferrônios. Portanto, tinha a certeza de que poderia personificar, mais ou menos
convincentemente, um nativo de Ferrol. Concebeu um plano e tratou de executá-lo sem
demora.
Um ferrônio incauto, passeando despreocupadamente, serviu-lhe de instrumento. Foi
abatido pelas costas, com uma pancada na cabeça; mais tarde, quando voltou a si, viu-se
inteiramente nu.
Deringhouse livrou-se do traje espacial. Ocultou a pistola de raios neutrônicos e as
demais armas que portava, nas amplas dobras da roupa do ferrônio, e tratou de afastar-se o
mais depressa possível da cidadezinha natal do assaltado. Depois de percorrer quinze
quilômetros, não suportando por mais tempo os protestos de seu estômago, dirigiu-se para a
primeira estrada ao seu alcance, com o firme e imutável propósito de conseguir alimento
dentro da próxima meia hora, a qualquer preço.
***
A recepção constituía um quadro quase grotesco. Diante das gaiolas dos transmissores,
onde iam chegando um a um, viram uma horda de homens altos e corpulentos, trajando
roupas coloridas, e com cara de quem se aprestava a aprisionar imediatamente os recém-
chegados.
Rhodan empurrou a porta da gaiola com a pistola de raios térmicos pronta para
disparar. Fitou demoradamente os sichas. Nenhum dos mal-encarados guerrilheiros se
moveu; sem arredar pé dos respectivos lugares, fitavam Rhodan em silêncio.
Ele aguardou pacientemente.
Reginald Bell foi o próximo a chegar:
— Ei, rapaz! Onde é que viemos parar? Dando com o grupo de guerrilheiros, abriu um
largo sorriso em direção deles. Não houve reação alguma.
Depois chegou Tako Kakuta, sorridente como sempre. Os sichas mostraram sinais
evidentes de surpresa. Certamente era a primeira vez em suas vidas que viam um ser de
rosto amarelado.
— Se esses caras demorarem a abrir a boca, volto já, já, para casa! — resmungou Bell.
Os transmissores trariam uma procissão contínua de gente. Ralf Marten abaixou-se a
fim de passar pela portinhola, seguido de perto pelo gordo Wuriu Sengu. Marshall saiu com
seu costumeiro ar sonhador. Depois veio Betty, a menina de olhos grandes e expressão
melancólica. Mas sorriu de leve diante do olhar encorajador de Rhodan.
O espanto dos sichas foi ainda maior ao verem surgir uma menina.
— Não liguemos para eles! — sugeriu Rhodan. — Aí fora, em algum lugar, deve ficar
a cidade. Vamos para lá!
A operação ainda não findara. Porém quem ia chegando, inclusive os robôs, não teria
dificuldade em seguir os demais.
Rhodan encaminhou-se para o grupo dos sichas. Como eles não se arredassem para
dar-lhe passagem, contornou-os. Antes de passar pelo último dos grandalhões, ouviu uma
voz grave dizer no idioma de unificação, empregado em Ferrol para o entendimento entre as
diversas tribos, cada qual com seu dialeto próprio:
— Sejam todos bem-vindos! Rhodan parou e voltou-se. Um sicha evidentemente
idoso, pois tinha cabelos brancos, destacara-se do grupo, vindo ao encontro de Rhodan.
Estendeu ambas as mãos, e, após ligeira hesitação, Rhodan imitou o gesto.
— Sou Rhodan — disse. — E você?
— Chamo-me Quequéler. Já deve ter ouvido falar de mim!
Rhodan fez um sinal afirmativo com a cabeça.
Neste momento, um silvo agudo do transmissor indicava o término da operação, com o
conseqüente corte de energia na estação transmissora. Rhodan inspecionou seu pequeno
grupo de combate, sendo imitado por Quequéler. Eram quarenta homens no total — desde
que se contasse a menina Betty como um homem — e quarenta e cinco robôs. Oitenta e
cinco valentes, dispostos a atormentar o inimigo e complicar-lhe a vida, a despeito de sua
flagrante superioridade.
— Seu povo deve ser muito corajoso! — disse Quequéler, com sua voz grave e
harmoniosa. — Senão, como se animaria a entrar em combate com tão poucos elementos...
— Bem — respondeu Rhodan, prontamente — esperamos poder contar com a sua
colaboração!
Julgava da maior importância deixar aquele ponto bem claro desde o início. Quequéler
acenou com a cabeça.
— É justamente esta a nossa intenção! — disse, com ar sério. — Porém dispomos de
poucas armas aproveitáveis. Não sei se nosso auxílio será valioso.
— Não se preocupe com armas — disse Rhodan, sorrindo. — Temos mais do que
bastante.
O rosto de Quequéler iluminou-se; parecia mais confiante agora.
— Pois então, nós lhe provaremos que somos, com efeito, um povo aguerrido! —
exclamou, com convicção.
***
***
A providência mais urgente era mandar vir os trajes voadores arcônidas. A gravidade
de Ferrol era apenas é 40% mais intensa do que a da Terra, diferença perfeitamente
suportável para pessoas robustas. Durante as primeiras horas pelo menos... Porém, com o
tempo, representava uma sobrecarga que Rhodan não fazia questão de impor aos seus
homens.
Quequéler conseguira arranjar acomodações para o grupo todo em Sic-Horum. Não
sem alguma dificuldade, pois a cidade contava com grande número de habitantes extras;
montanheses de toda a redondeza tinham vindo refugiar-se nela, por ser a única na região
ainda não controlada por um posto militar tópsida. Até o momento, Sich-Horum continuava
sendo a capital dos sichas, mas ninguém alimentava a esperança de que a situação se
mantivesse assim por muito tempo. Muito em breve os tópsidas, alertados, imporiam sua
presença.
Porém, por enquanto, o grupo de combate de Rhodan alojou-se despreocupadamente,
mesmo que seus integrantes humanos se vissem obrigados a repartir os quartos com quatro,
cinco ou até seis companheiros. Quanto aos robôs, a solução era mais simples: era só deixá-
los em qualquer canto, com a ordem de permanecerem ali parados até serem chamados.
Rhodan e Bell ficaram hospedados na casa de Quequéler. Não perderam tempo
instalando-se. Reunidos em conferência com Quequéler e seus conselheiros, trataram de
planejar sua ação dali por diante.
Quequéler demonstrou grande admiração pelo espírito de iniciativa de seus hóspedes.
— Acho que essa guerra teria tomado um curso bem diverso se meus compatriotas
fossem ativos como vocês! — comentou ele.
Rhodan foi direto ao ponto que o interessava primordialmente:
— A frota tópsida possui uma nave capturada, em operação de guerra, de outra raça
cósmica. Constitui a coluna dorsal de seu poderio bélico. Temos que nos apoderar dela, e a
guerra está terminada.
Quequéler fitou-o, pensativo.
— O plano me parece bom — continuou, judiciosamente. — Ouvimos falar dessa
espaçonave. É grande como uma montanha, equipada com armamento impressionante.
O problema maior era transportar de Sic-Horum para Thorta gente suficiente para
assegurar um mínimo de êxito ao empreendimento. Quequéler explicou que não seria difícil
contornar os dois primeiros postos militares de controle na estrada para Thorta. Porém as
chances de prosseguir sem serem percebidos diminuíam gradualmente dali por diante; a seu
ver, a possibilidade de chegar a Thorta era praticamente nula.
— Pois bem, então vamos multiplicar as circunstâncias a nosso favor, eliminando
alguns destes postos — decidiu Rhodan. — Queria apenas que me ajudasse a resolver uma
dúvida: de que maneira poderíamos impedir que os tópsidas identificassem seus atacantes?
Quequéler trouxe um mapa, que estendeu, aberto, sobre a mesa.
— Não será preciso destruir o posto todo — disse. — Veja: o primeiro posto fica em
Helacar, uma pequena cidade a cerca de cento e oitenta quilômetros daqui; ocupa mais ou
menos o centro de um quadrado com duzentos quilômetros de lado. Este quadrado é a área
de vigilância do posto ali localizado. E se subdivide em dezesseis outros quadrados, com
lados de cinqüenta quilômetros cada um; a função das patrulhas é cuidar para que ninguém
saia da área que lhe foi determinada. É nisso que consiste o controle da liberdade de
movimentação.
Quequéler tornou a dobrar e guardar o mapa, comentando:
— Portanto, tudo que precisamos fazer é aguardar a aproximação da primeira patrulha,
e dominá-la. Com as armas de que dispomos agora, é coisa de minutos.
Rhodan concordou.
— Certo! Sabe com que freqüência as patrulhas se comunicam com a central em
Helacar?
Quequéler sacudiu a cabeça.
— Não. Só sei o seguinte: Logo após a instalação do posto de controle em Helacar.
quando a primeira patrulha chegou a Sic-Horum, ainda éramos uma turma bem imprudente.
Nossa antipatia por aquelas lagartixas de cabeça achatada era imensa, e quando uma delas se
mostrou rude e grosseira demais para o nosso gosto, lhe aplicamos uma boa surra. Mais ou
menos uma hora depois apareceram as primeiras aeronaves sobre a cidade. Pareciam não
saber ao certo onde efetuar as buscas, pois voavam de um lado para outro, sem rumo
definido. Só duas horas depois do incidente é que desceram em Sic-Horum e deram com os
patrulheiros.
Com uma gargalhada, Quequéler concluiu:
— Safamo-nos com uma multa, e não se falou mais no caso.
Refletindo, Rhodan deduziu:
— Portanto, cada patrulheiro apresenta relatório de hora em hora em Helacar; caso o
comunicado não seja recebido no prazo devido, despacham um grupo de busca, que ruma
diretamente para a zona de onde veio o último relatório. Caso não tenham alterado a
sistemática de ação, acho que poderemos progredir razoavelmente depressa na direção de
Thorta.
Combinaram ainda testar a eficiência do posto militar em Helacar antes de rumar com
o grupo de combate completo para Thorta.
***
— Se for realmente o homem que esperávamos, não tem nada a temer — disse Teél,
de seu posto junto à porta.
— Pois sou obrigado a desapontá-los — disse Deringhouse, aborrecido. — Minha
presença nesta região é inteiramente acidental.
— O que não tem a menor significação. Não disse que foi enviado por Perclá?
— Sim, e daí?
— O que foi que ele lhe perguntou?
Deringhouse repetiu o diálogo mantido com o velho.
— Está certo! — disse Teél. — Mas então, de onde é que você veio realmente?
Chateado, Deringhouse resmungou, de cara fechada!
— Olhem aqui, gente, tanto faz saberem ou não, para mim não faz diferença nenhuma!
Venho de Árcon.
A resposta deixou Teél evidentemente confuso.
— De onde?
— De Árcon. Um mundo tão longínquo que nenhum de vocês sequer pode imaginar
onde fica!
Deringhouse começava a perder a paciência.
— Quer dizer que você não é ferrônio? — indagou Teél, incrédulo.
— Exato, não sou ferrônio.
— Mas... o que é então?
— Um arcônida.
Uma voz se ergueu entre os presentes:
— Pouco antes da ocupação de Thorta pelo inimigo, correu o boato de que uma
espaçonave desconhecida havia aterrissado em Rofus. Dizia-se que vinha dum sistema
planetário distante, e que havia sido avariada por uma das naves bélicas dos tópsidas.
Consta que fez uma aterrissagem forçada em Rofus, mas não se ouviu mais falar dela.
— Claro! — resmungou Deringhouse. — Estávamos muito bem escondidos.
Teél indagou:
— E você fazia parte da tripulação dessa nave?
— Adivinhou, amigão!
Teél ainda fez uma série de perguntas, bastante tolas na opinião de Deringhouse.
Irritado e impaciente, explodiu:
— Que diabo! Já chega! Quero saber duma vez em que espécie de embrulhada me
meti.
Os homens já haviam abandonado há algum tempo a rígida postura de alerta junto às
paredes, e formavam um círculo em torno de Deringhouse, com as armas abaixadas.
— Posso lhe explicar tudo — falou Teél, com entonação grave. — Somos um grupo
determinado a opor resistência aos invasores. A tarefa não é fácil, entende, e por isso
procuramos recrutar sempre novos elementos. No entanto, temos que examinar a fundo todo
novato, para que o inimigo não encontre facilidade demasiada em introduzir espiões no
nosso meio.
Deringhouse suspirou audivelmente.
— Ora, por que não disse logo? Sentando-se, relatou todos os episódios de sua
chegada a Ferrol. Como na cidade já se ouvira comentar os ataques inesperados desfechados
contra as naves tópsidas por um veículo equipado com recursos muito poderosos, ninguém
duvidou das palavras de Deringhouse.
— Já pensaram numa maneira de pôr em prática suas idéias — perguntou ele — ou
limitam-se a realizar regularmente sessões secretas destinadas a manter vivo o ódio contra
os tópsidas?
Teél abriu os braços num gesto de resignação.
— Que queria que fizéssemos? Não temos armas...
Deringhouse foi obrigado a lhe dar razão.
— E você? Que intenções tinha? — perguntou Teél.
— Eu pretendia juntar-me aos sichas.
— Por quê?
— Quando minha gente vier para Ferrol, vão descer na zona dos sichas.
Refletindo, Teél acabou por dizer:
— Não creio que conseguisse chegar até lá. Os sichas vivem no recesso das
montanhas, e até mesmo os tópsidas hesitam em enviar suas patrulhas para lá. É fácil
imaginar os obstáculos que um homem sozinho encontraria pelo caminho, ainda mais
quando é forçado a se esquivar dos postos de vigilância tópsidas.
— Tem alguma sugestão melhor? — indagou Deringhouse, fitando Teél.
— Para ser franco, não! — confessou este. — Mas já que veio parar entre nós por
acaso, que tal quebrarmos a cabeça juntos, tentando encontrar uma saída?
— Combinado! — exclamou Deringhouse, pondo-se de pé. — Eu topo!
***
***
Talico era uma moça extremamente atraente. Ligeiramente mais alta do que seu irmão
Teél, mas de constituição mais delicada. O rosto era belo, de linhas tão suaves que nem os
olhos ocultos nas órbitas fundas conseguiam quebrar a harmonia do conjunto.
Sua posição no grupo de conspiradores era importante, porque morava em Hopter,
cidade em que existia um posto de controle tópsida. Deringhouse ignorava a razão dela
viver longe da família; por ser casada, talvez. De qualquer forma, em Hopter tinha
freqüentes ocasiões de contato com os tópsidas, sendo até considerada pessoa de confiança
por eles. Fato raro, pois eles costumavam confiar apenas em si mesmos, sem recorrer à
ajuda de ninguém, principalmente de elementos do povo subjugado.
— Acho que eliminar sumariamente todos os integrantes do posto em Hopter causaria
uma alteração grande demais, não é? — perguntou Deringhouse.
— Sem dúvida — concordou Talico. — No entanto, os tópsidas reagiriam de maneira
muito peculiar. Primeiro viriam fazer um demorado interrogatório. Certos de que o autor do
atentado não tem meios para lhes escapar, não apressariam nem um pouco as investigações.
Sei lá se isso é complexo deles, ou estratégia deliberada, mas procuram sempre dar a
impressão de querer evitar a prática de injustiças. Só aplicam medidas punitivas quando
possuem, ou julgam possuir, provas concludentes. Enquanto se ocupam com o caso, temos
tempo suficiente para alcançar Thorta.
Pois durante a conferência realizada, chegara-se à conclusão unânime de que todo o
grupo de Teél devia ser transferido para Thorta, a despeito da vigilância tópsida. Com as
armas fornecidas por Deringhouse, encontrariam lá um campo de ação muito mais amplo do
que na cidadezinha isolada do interior.
Talico e Deringhouse constituiriam a vanguarda. Teél e os demais seguiriam a
intervalos apropriados. E estes se apresentariam forçosamente nas pausas entre o ataque a
uma patrulha tópsida excessivamente curiosa, e o declínio da excitação provocada pelo
incidente. Seriam os momentos propícios para avançar mais uma etapa no caminho para
Thorta.
Talico sabia, por fontes dignas de crédito, que em Thorta havia grupos de resistência
semelhantes ao organizado por Teél. Precisavam tentar obter contato com um deles, a fim
de solucionar o problema de se acomodar na cidade sem despertar suspeitas.
Porém Deringhouse não havia concordado com a sugestão de Talico de destruir
sumariamente o posto de controle em Hopter. Argumentou que isso provocaria agitação
desnecessária, e, como no trajeto até Thorta tivessem que atravessar o território de mais dois
postos, a medida só lhes traria obstáculos adicionais. Combinaram, em vez disso, passar ao
largo de Hopter, atacando o inimigo apenas no caso de serem detidos por uma das patrulhas.
— Podemos partir amanhã cedo — concluiu Deringhouse.
III
***
***
***
***
***
***
Deringhouse e Talico seguiram por rumos separados, pois individualmente seria mais
fácil se esgueirar por entre os postos de fiscalização. Apesar disso, chegaram quase juntos à
hospedaria Unicórnio Branco.
O ambiente em que entraram era sombrio, mas instalado com relativo conforto. O
serviço automático não funcionava. Deringhouse fez sinal para um homem que lhe pareceu
ser o atendente. Talico encarregou-se dos pedidos.
— Sou um verdadeiro fracasso como conspirador — disse Deringhouse, com um
sorriso irônico, depois de examinar os demais fregueses. — Que é que faço agora?
Perguntar ao acaso, a algum deles se também é contra os tópsidas?
— Ora, aguarde um pouco! — disse Talico, rindo. — Quem sabe o proprietário lhe dá
uma mãozinha...
Porém a situação se resolveu por si mesma. Mal provaram seus drinques, viram a porta
ser aberta com estrondo, dando passagem a um grupo de homens excitados.
— Liquidaram dois postos de fiscalização! — gritou um deles. — No cruzamento da
Rua 25 com a Rua da União!
Por instantes reinou silêncio no recinto. Depois os presentes manifestaram seu
contentamento com brados jubilosos.
— Quem? Quem foi? — queriam saber. Os recém-chegados estenderam as mãos:
— Não temos a menor idéia. Ninguém sabe dos detalhes. Mas, de qualquer maneira,
gostamos de ver os tópsidas levarem a pior, para variar!
Deringhouse piscou para Talico. Esperaram que os ânimos se acalmassem um pouco,
depois Deringhouse levantou-se e interpelou um dos homens que haviam trazido a boa
notícia.
— Gostaria de lhe falar por um instante — disse, baixinho. — Importa-se de vir à
minha mesa?
O homem concordou, dizendo:
— Meu nome é Vafal. Estou interessado em saber o que tem a dizer.
Tomou lugar à mesa de Talico. Deringhouse começou sem rodeios:
— Nós dois viemos do sul, isto é, eu venho de muito mais longe ainda. Atrás de nós
vem um grupo de homens dispostos a colaborar ativamente na tarefa de fazer com que os
tópsidas desapareçam de Thorta o mais depressa possível. Pode nos dar alguma sugestão?
Vafal examinou-o, pensativo.
— E quem me garante que você não é espião?
Deringhouse deu de ombros. Depois lembrou-se que aquele gesto não tinha
significação alguma em Ferrol; estendeu então a mão direita, com a palma para cima.
— Ninguém. Terá que pôr-me à prova. Mas tenho algo a lhe oferecer.
— O quê?
— Duas ou três armas que talvez nunca tenha visto.
Os olhos de Vafal se arregalaram; ele estava visivelmente interessado.
— Verdade? Mostre!
Deringhouse puxou a pequena pistola de raios térmicos. Apontando para o copo à sua
frente, pressionou levemente o gatilho. O vidro chiou, e surgiu um orifício por onde o
líquido escorreu, formando uma poça sobre a mesa. Virando a arma para a poça,
Deringhouse evaporou-a; porém teve o cuidado de balançar com a arma para um lado e
outro, a fim de não queimar a mesa.
Vafal testemunhou o processo boquiaberto.
Quando Deringhouse concluiu a demonstração e tornou a enfiar a arma debaixo da
túnica, Vafal disse:
— Venha comigo!
***
Rhodan examinou o cubículo junto à entrada principal do edifício postal; tinha sido,
evidentemente, o posto do porteiro em outros tempos. Agora estava ocupado por um
tópsida.
A tarde caía, com o sol quase se escondendo abaixo do horizonte.
— Adiante! — ordenou Rhodan. Acompanhado por Reginald Bell e Tako, atravessou
a rua, aproximando-se do cubículo. O tópsida seguia-os com o olhar.
Bell aprestou o psicoirradiador. Rhodan parou diante do tópsida.
— Que querer? — coaxou o reptilóide.
— Entrar! — respondeu Rhodan, secamente, indicando a larga porta dianteira.
O tópsida aprontou-se para falar, porém Bell acionou o contato do irradiador.
Prontamente, o reptilóide contorceu a bocarra e coaxou:
— Poder ir!
Rhodan acenou amistosamente para ele, e fez sinal a Tako para tomar a dianteira. Bell
seguiu-o, deixando o irradiador com Rhodan. O tópsida apertou o botão que comandava a
abertura da porta. Esta se abriu, e os dois homens entraram.
Rhodan encaminhou-se para a porta andando de costas. Chegando à soleira, disse:
— Agora esqueça isso tudo, meu velho, está bem?
— Sim, senhor! — respondeu o tópsida. Rhodan esperou que a porta se fechasse e
desligou o irradiador.
O prédio estava silencioso. Rhodan sabia que os tópsidas, inclusive os soldados,
tinham horários de trabalho rígidos. Àquela hora não devia haver mais de cem homens ao
todo no gigantesco complexo de salas.
Seguiram por um corredor amplo. Tako indicou uma série de portas na parede do lado
esquerdo.
— Elevadores — explicou. — Vamos descer.
O transmissor encontrava-se no subsolo. O elevador era manejado por meio de botões.
As dependências inferiores estavam claramente iluminadas. Os transmissores ficavam
numa pequena peça lateral, onde a poeira se acumulava. Pelo jeito, fazia tempo que
ninguém entrava ali.
A gaiola do transmissor media dois metros de altura, por um de largura. Rhodan e Bell
desfizeram apressadamente os contatos, e tentaram levantar o aparelho. Com seu peso
aproximado de duas toneladas, não seria fácil locomovê-lo, porém eles sabiam de antemão
que a empreitada não seria brincadeira.
— Suma, Tako! — disse Rhodan.
O diminuto japonês obedeceu imediatamente. Bell e Rhodan arrastaram seu fardo ao
longo do corredor, em direção aos elevadores. Suando, empurraram-no para a espaçosa
cabina, e subiram.
Ao saltar no pavimento térreo, perceberam sinais de violenta comoção nos andares
superiores. Uma algazarra infernal de berros, estouros e silvos estridentes vinha de lá; a
barulheira era tanta que devia ser percebida até do lado de fora, na rua.
Bell sorriu compreensivamente. Rhodan desejava fervorosamente que não houvesse lá
em cima nenhum tópsida suficientemente esperto para perceber que tudo aquilo não passava
de uma manobra de despistamento.
Sem serem perturbados, empurraram o transmissor para a porta de saída; esta podia ser
aberta por dentro. Ainda sob o efeito da ordem hipnótica, o tópsida no cubículo do porteiro
não os reconheceu. Viu-os passar com sua carga, sem esboçar um gesto; apenas o olhar
fascinado não os abandonava.
Tiamér aguardava, com seu caminhão de entregas estacionado junto ao meio-fio. Com
os esforços reunidos dos três homens, o transmissor foi colocado no veículo, e recoberto
com a lona de proteção. A seguir, embarcaram na cabina de direção.
Segundos após, o caminhão foi sacudido por um forte abalo. Da carroceria veio a voz
ofegante de Tako:
— Tudo em ordem! Cheguei! Tiamér deu a partida.
Era a hora do dia em que o sol já se pusera, mas a claridade ainda chegava para
iluminar as ruas; portanto a iluminação pública ainda não fora ligada. Na rua emparedada
por edifícios reinava um lusco-fusco cinzento. O tráfego era escasso, e Rhodan tinha certeza
de que ninguém os havia visto.
Alcançaram a hospedaria de Tiamér sem problemas. O transmissor foi descarregado e
levado para dentro.
Gloctor os aguardava. Já providenciara, com seus homens, a ligação clandestina à rede
de iluminação, e preparara os contatos necessários. Uma vez com o transmissor no subsolo,
levaram apenas minutos para conectá-lo.
— Supondo que isso funcione conforme deve — disse Rhodan — nossa próxima
tarefa será regular o transmissor do Palácio Vermelho, ajustando sua freqüência com a
nossa. Assim poderemos nos locomover livremente de cá para lá, e vice-versa. Tako, a
missão é sua! Pode me cobrar horas-extras — acrescentou ele, rindo.
Tako desapareceu, e Rhodan finalizou:
— Pensando bem, podemos nos dar por altamente satisfeitos com os êxitos obtidos até
agora.
***
Deringhouse jamais imaginara que seria tão simples penetrar no Palácio Vermelho. É
que os tópsidas tinham adotado atitude semelhante à de qualquer potência dominadora, em
qualquer parte do universo: empregavam para os trabalhos subalternos ferrônios que
consideravam dignos de confiança. Estes eram selecionados mediante processos bastante
rigorosos, e, além disso, havia controles diários; desta forma, os tópsidas julgavam-se
imunes a possíveis traições por parte dos empregados não-tópsidas.
Porém não haviam contado com Vafal, nem com pessoas imbuídas da mesma
animosidade. Os homens da resistência tinham dado com uma brecha para introduzir suas
alavancas. Com ar inocente e expressões virtuosas, submetiam-se ao processo de seleção; e
o problema dos controles diários era resolvido com a falsificação de passes. Em
conseqüência, dificilmente se encontraria no Palácio Vermelho um criado que não
pertencesse à resistência.
O mal era que Vafal e sua gente não sabiam o que fazer com a organização de que
dispunham. Haviam chegado a pensar num atentado contra o almirante-chefe da frota
tópsida; porém seu bom senso lhes disse que a morte do comandante em nada afetaria o
poder bélico de um exército bem estruturado. Apoderar-se da nave de guerra estacionada no
espaçoporto era coisa fora de cogitação, pois não saberiam manejá-la. Tudo indicava que
estavam justamente à espera de um homem como Deringhouse — alguém com objetivos
definidos em mente.
No momento, Deringhouse se encontrava num dos corredores do trigésimo oitavo
andar do enorme edifício, munido dum passe falso que tinha lhe possibilitado a entrada, e
esforçando-se por manusear uma máquina varredora cujo funcionamento não entendia.
Trazia suas armas consigo.
Enquanto percorria, pressuroso, o corredor, com a máquina ora sussurrante, ora
falhando, analisava mentalmente o plano concebido, procurando verificar se continha
alguma falha.
Pretendia se introduzir, na primeira oportunidade favorável, na sala secreta na qual o
Thort tinha preparado uma espécie de saída de emergência. A peça situava-se igualmente no
trigésimo oitavo andar, porém um pouco distante dali, na área de serviço de outro criado. E
Deringhouse não tinha meios para averiguar se era também um dos conspiradores.
A idéia era ajustar o transmissor com a freqüência de um dos existentes no forte do
deserto, em Rofus, e trazer reforços. Então não lhe seria difícil convencer o almirante-chefe
a entregar a supernave — principalmente porque disporia de um psicoirradiador para
reforçar sua exigência.
Tudo muito simples, porém continuava achando o plano bom.
Deringhouse estremeceu, percebendo um movimento repentino à sua frente.
Instintivamente, levou a mão à pistola térmica, largando a varredora à sua própria sorte.
Diante dele, saído do nada, estava um homem.
A face infantil sorria.
Era Tako Kakuta.
IV
— Quer dizer que pretendia fazer tudo sozinho, não é? — perguntou Reginald Bell,
cheio de contentamento, porém com uma ponta de sarcasmo na voz.
— Pois é — disse Deringhouse, modestamente. — Com o tempo eu atingiria o
objetivo proposto. Mas não tão depressa como vocês, claro!
— Bem que estava com um nariz de vantagem sobre nós — observou Rhodan,
sorridente.
A princípio, ninguém queria acreditar na notícia que Tako trouxera do Palácio
Vermelho. Julgavam impossível Deringhouse ter sobrevivido ã queda de seu caça; que
continuasse em liberdade era ainda mais improvável.
Mas à noite, encerrado o expediente de trabalho, Deringhouse viera pessoalmente.
Relatou sua atuação até o momento presente, e forneceu a Rhodan uma perspectiva geral da
atividade dos grupos subterrâneos de resistência.
A contribuição era valiosa. Rhodan pôde reformular seus planos de apoderar-se da
nave de guerra, simplificando-os acentuadamente. Vafal e seus homens, assim como o
grupo de Teél — caso chegassem a tempo — poderiam tratar de criar agitação na cidade
enquanto Rhodan dava seu golpe. E ainda havia a vantagem adicional de poder conservar
seus próprios homens reunidos.
O transmissor no subsolo da casa de Tiamér estava instalado, o do Palácio Vermelho
sintonizado na freqüência apropriada para a recepção.
Sabiam que o almirante-chefe da frota tópsida se chamava Crek-Orn, e que tinha seus
escritórios em alguma parte do trigésimo primeiro pavimento do Palácio Vermelho.
Portanto, o estado das coisas era aquele, e Rhodan aguardava apenas o momento de
agir. Este chegaria assim que Vafal, por intermédio de seu mensageiro Deringhouse,
mandasse dizer que seus homens estavam a postos.
***
Na ala leste do Palácio Vermelho, a atividade era febril a qualquer hora do dia. Crek-
Orn, o almirante-de-esquadra, era um homem que gastava o mínimo de tempo possível
dormindo; com a maior naturalidade, exigia dos oficiais de seu estado-maior a mesma
disposição para o trabalho.
O almirante não estava satisfeito com o atual estado das coisas. Se dependesse de sua
vontade, estaria de há muito instalado na nova base construída no Grande Istmo Oceânico.
No entanto, planetas conquistados precisavam ser administrados, e esta tarefa exigia uma
localização central; não poderia ser feita com eficiência de um distante posto de comando.
Rofus constituía sua maior preocupação. Enquanto não o tivesse sob controle,
reduziria ainda mais suas horas de sono; principalmente porque não conseguia dormir
sossegado sabendo que aquele homenzinho danado continuava a causar perturbação com
seu ridículo aviãozinho.
Crek-Orn se lançara àquela expedição porque em Topsid havia sido captado o pedido
de socorro de uma nave arcônida. Ora, devia existir uma nave no ponto de onde partiam os
sinais. E se clamava por socorro, é porque alguém a atacara: gente. E gente sempre
interessava aos tópsidas; seria mais um povo a subjugar, fazendo de seu planeta mais um
bastião tópsida. Quanto a isso, eram insaciáveis, pois quem ousa se opor ao onipotente
Grande Império, querendo tomar rumo próprio, necessita de bases. Quanto mais, melhor.
E estavam no bom caminho para estabelecer mais uma. Pois Crek-Orn calculava que
Rofus não resistiria por mais de dez dias aos ataques maciços de sua frota. O adversário
estava completamente desmoralizado.
Porém não conseguira encontrar o menor vestígio da nave arcônida que emitira os
pedidos de socorro. Pior ainda: todos os prisioneiros interrogados garantiram jamais ter
ouvido falar do aparecimento de uma nave arcônida por aquelas bandas.
Não que Crek-Orn lamentasse a sorte da espaçonave. Pois naves em pane já não
tinham utilidade como presa de guerra. Porém fazia questão de esclarecer o fato, o que só
poderia ocorrer caso encontrasse a nave.
Em conseqüência, além das preocupações administrativas, Crek-Orn vivia num mar de
dúvidas e desconfiança. Pessoalmente, gostaria de ver aquela guerra findar o quanto antes.
Pelo menos uma vez por dia o almirante repassava na mente todos aqueles fatos.
Encerrando o ciclo de cogitações por aquele dia, mandou entrar Verthan, que solicitara
audiência.
Verthan ocupava um posto mais ou menos correspondente ao de capitão-de-corveta.
Comissionado como ajudante-de-ordens de Crek-Orn, sua missão particular era a de
organizar um serviço secreto.
Cumprimentando com o respeito devido, Verthan aguardou que o chefe lhe dirigisse a
palavra.
— Então, o que há?
— Rebelião na cidade, almirante! — exclamou Verthan, sem conseguir esconder a
ansiedade.
Os olhos redondos de Crek-Orn dançaram nas órbitas.
— Isso mesmo, almirante! Atacaram uma das nossas viaturas, deixando-a emborcada,
com os ocupantes mortos.
— Que medidas tomou contra os atacantes?
— Nenhuma, senhor!
— Nenhuma?
As escamas de Verthan começaram a vibrar. Sentia-se amedrontado.
— Não conseguimos pegá-los! — tentou explicar. — Nenhuma outra viatura se
encontrava nas proximidades do local quando ocorreu o ataque. Só quando recebemos o
comunicado é que pudemos enviar uma patrulha. Ela encontrou o carro virado e os mortos,
e prendeu alguns espectadores. O interrogatório revelou que eles não sabiam de nada; nem
sequer tinham presenciado o incidente. Os conspiradores devem ter agido com a rapidez do
raio, e da mesma forma tornaram a desaparecer.
— Espero que compreenda claramente as implicâncias do acontecimento! — disse
Crek-Orn, com voz calma, porém severa. — Já que os atacantes puderam desaparecer sem
serem percebidos, não deve ter se tratado de ato espontâneo. O golpe foi planejado. Estou
impaciente por ver seu serviço secreto começar a funcionar de uma vez. Espero que não me
obrigue a constatar que é incapaz de executar a tarefa.
As escamas de Verthan ondularam nervosamente, chegando a produzir um sussurro
audível. Via seu posto e seu conceito em perigo. E nada de mais desonroso podia acontecer
a um oficial tópsida.
— Não, almirante! — respondeu, contrito. — Vou me esforçar mais ainda!
— Mantenha-me sempre informado. Verthan retirou-se de costas, prestando
continência ao atravessar o umbral da porta.
Assim que esta se fechou, Crek-Orn se comunicou com o oficial de ligação. Pediu
maiores detalhes sobre o ataque, marcando local e hora do acontecimento num imenso mapa
da cidade, que cobria toda uma parede da sala. Tinham tido o topete de atacar uma bem
armada viatura de patrulha a apenas quilômetro e meio do Palácio Vermelho!
Crek-Orn perguntava-se de onde aqueles insignificantes seres pelados tinham tirado de
repente tanta coragem.
***
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***
***
Rhodan estava bastante certo de que nem Gloctor, ou Teél e Vafal faziam questão de
embarcar com ele na nave. E nem pretendia iniciar ferrônio algum nos segredos de uma
nave de guerra arcônida. No entanto, conseguiu convencer os três homens a lhe ceder todos
os elementos dispensáveis na próxima incursão ao Palácio Vermelho, a fim de lhe servirem
de escolta na corrida para o espaçoporto.
Não lhe escapou o fato de que começava a se disseminar um clima de inquietude,
principalmente entre os homens de Vafal. Como este tivesse aludido por mais de uma vez à
sua dúvida quanto ao êxito do empreendimento, era provável que influenciara igualmente
seu grupo. Rhodan chamou Vafal de lado, apelando para sua consciência.
— Concordo, aparentemente somos os únicos a beneficiar-se desta operação. Pense,
porém, numa coisa: com a passagem da nave às nossas mãos, os tópsidas serão privados da
maior parte de seu poder ofensivo. E não nos considere ingratos! Faremos tudo que estiver
ao nosso alcance para expulsar os tópsidas deste sistema planetário!
Rhodan não sabia se tinha convencido Vafal, porém lhe faltava tempo para continuar
insistindo.
Gloctor foi mais compreensivo.
— Aguarde junto à doca — ordenou-lhe Rhodan. — Caso algo saia errado, aviso pelo
rádio.
Teél concordou em provocar com sua gente uma série de incidentes que colocassem
em polvorosa a cidade, e, sobretudo, os tópsidas.
Tiamér juntou-se a Gloctor. Representava o homem-chave, pois era o único a dispor
duma viatura na qual poderiam levar o transmissor, e sem este de nada valeria a Rhodan a
nave conquistada.
Rhodan conservou consigo Bell, Wuriu Sengu e Tako Kakuta. Marshall, Marten e
Betty Toufry foram considerados dispensáveis; sobretudo porque ele fazia questão de saber
Betty entre pessoas de confiança por ocasião da marcha para as docas.
Rhodan esperou que a hospedaria de Tiamér ficasse deserta. Combinara com Gloctor
que devia estar em seu posto nas docas o mais tardar até as dezoito horas, acompanhado de
todo o seu grupo.
Eram agora doze e quarenta. Não havia sentido em precipitar os acontecimentos.
Qualquer movimento prematuro seria perigoso.
Reginald Bell disse, pensativo:
— Quem me dera já estar algumas horas mais velho!
Porém Rhodan atalhou, secamente:
— Calma, rapaz! Com essa impaciência pode acabar no cemitério mais cedo do que
pensa!
Olhou para a rua, através da janela. Nada indicava que um punhado de gente se
dispunha a executar nas próximas horas o mais arrojado golpe daquela guerra.
Consultou o relógio. Mais meia hora...
***
— Mande retirar a ordem! — exclamou Crek-Orn, confuso. — Isto é... eu mesmo vou
revogá-la. Você tem razão: é totalmente absurda. Bem que eu gostaria de saber o que me
levou a dá-la, para começar!
Mas para Tequer-On o caso ainda não estava encerrado. Faltava descobrir o inimigo
oculto. Caso escapasse desta vez, atacaria numa segunda e numa terceira oportunidade.
Diante da habilidade demonstrada, facilmente obteria êxito em futuras maquinações.
No entanto, achou desaconselhável expor suas dúvidas ao almirante. Havia outras
maneiras de resolver o problema.
***
— Tática idêntica à usada anteriormente — avisou Rhodan, muito sério. — Tako,
apanhe o irradiador, e providencie para que o almirante mande nos buscar.
Encontravam-se na praça fronteira ao Palácio Vermelho. Não perto bastante para atrair
a atenção das sentinelas, nem tão longe que Tako não pudesse vencer a distância num único
salto teleportado.
— Vá! — ordenou Rhodan. Tako sumiu instantaneamente.
Tudo decorreu como da primeira vez. Tequer-On acabara de sair do gabinete do
almirante, o qual ficou imaginando o que o levara a dar uma ordem tão estapafúrdia.
Crek-Orn sobressaltou-se ao ver de repente surgir do nada o diminuto japonês.
Tentou fazer soar o alarma, porém Tako acionou o irradiador, e instantaneamente o
almirante sentiu renascer a mesma inexplicável cordialidade já experimentada na ocasião
anterior.
Tako lhe deu ordem de mandar buscar Rhodan, Sengu e Bell; o almirante convocou
sem tardança um soldado. Este atravessou com passo marcial a ampla praça diante da
residência do Thort, prestou continência diante de Rhodan e de seus acompanhantes,
falando algumas palavras que nenhum deles compreendeu. A seguir fez meia-volta,
marchando de volta para o palácio.
Rhodan e os companheiros o imitaram.
Por motivos que nem ele próprio saberia definir, Rhodan não se sentia muito confiante
desta vez. Disse a si mesmo que eram coisas da inteligência humana, naturalmente avessa a
acreditar em excesso de sorte, mas nem assim suas dúvidas se desvaneceram.
Os corredores do palácio estavam bastante movimentados. Grande número de tópsidas,
uns fardados, outros à paisana, circulavam atarefados de um lado para outro. Ninguém lhes
prestou a menor atenção.
Subiram num elevador elaboradamente ornamentado, e no corredor do trigésimo
primeiro andar Rhodan deparou pela primeira vez com um tópsida que lhes dispensou
atenção; e uma atenção por demais insistente.
— Olhe bem para aquela lagartixa! — cochichou para Bell.
Bell voltou-se discretamente.
— Certo. Por quê?
— Está interessada demais em nós. Guarde bem a fisionomia, sim?
— Pode deixar comigo!
***
Tequer-On não saberia explicar por que suspeitara dos estranhos à primeira vista.
Porque um deles era de estatura alta, talvez, muito mais alto do que a média das pessoas
daquele mundo.
Sentiu-se intrigado ao ver o trio entrar com o soldado na ante-sala de Crek-Orn.
Aguardou a volta do ordenança, e interrogou-o. A resposta não foi nada esclarecedora, e
Tequer-On decidiu esperar. Estava curioso por decifrar aquele mistério.
***
— Vai nos acompanhar! — disse Rhodan. — Chame uma viatura e venha conosco aos
estaleiros, no espaçoporto.
Crek-Orn não fez objeção. Claro, seria agradável sair daquela sala por alguns minutos.
— Mande a viatura se apressar! — insistiu Rhodan.
Crek-Orn manteve um breve diálogo no intercom; depois levantou-se, dizendo:
— Podemos ir.
Rhodan não entendeu as palavras, porém o gesto era óbvio.
— Um instante, apenas! — disse. Comunicou-se com Gloctor. — Como vão as coisas?
— Tudo em ordem.
— Ótimo. Vamos sair agora.
Fez um gesto na direção de Crek-Orn, que tomou a dianteira. Atravessando a ante-sala,
passaram ao corredor. Rhodan seguia o almirante de perto, segurando o psicoirradiador de
tal maneira que dificilmente seria percebido.
A primeira pessoa que encontraram era justamente o homem para o qual chamara a
atenção de Bell há alguns minutos. Estava em companhia dum grupo de oficiais
uniformizados, parados à esquerda do corredor. Tequer-On fitou o almirante com intensa
surpresa.
Crek-Orn avistara-o igualmente; deteve-se instintivamente, por uma fração de
segundo, e o tópsida aproveitou o momento para barrar o caminho de seu comandante. Até
Rhodan, que não sabia interpretar os gestos nem o jogo fisionômico daqueles lagartídeos,
percebeu a flagrante atitude de subserviência.
— Perdão, almirante — murmurou Tequer-On. — Permita-me uma pergunta, por
favor!
Crek-Orn fitou seu subordinado com indignação. Rhodan não o instigou a prosseguir,
receando despertar suspeitas. Raios, se ao menos pudesse compreender o que diziam!
— Fale! — acabou por resmungar o almirante.
— Senhor, esses desconhecidos têm algo a ver com a minha nave?
— Não vejo razão para discutir os propósitos de meus visitantes! — replicou Crek-
Orn, com superioridade.
Tequer-On inclinou-se para a frente:
— Por favor, almirante, responda-me! Talvez não saiba...
— Basta! — berrou Crek-Orn, irritado. — Guardas, prendam este homem e joguem-no
no cárcere!
Dois soldados vieram correndo, e tentaram segurar Tequer-On. Mas, vendo a jogada
perdida, o capitão reagiu com violência.
— Vamos andando? — murmurou Rhodan.
Crek-Orn retomou a caminhada. Seguia com passos rígidos, como um autômato.
Rhodan amaldiçoava sua posição desfavorável, que o obrigava a seguir o almirante tão de
perto, limitando a este a ação do irradiador. Seria brincadeira influenciar igualmente o
jovem oficial com ele, porém neste caso seria obrigado a liberar o almirante por alguns
momentos.
Ouvia os silvos e chiados de indignação do aprisionado às suas costas, sem entender o
significado das palavras. Porém Bell, virando-se, viu Tequer-On apontar para o irradiador.
— Acelerem, gente! Ele descobriu o irradiador!
Crek-Orn era um homem idoso, e não podiam fazê-lo percorrer o corredor a passo
acelerado sem causar estranheza. Rhodan transpirava. O espaço de tempo necessário para
chegar aos elevadores lhe pareceu intoleravelmente longo, e a curta viagem até o pavimento
térreo constituiu verdadeira agonia.
A viatura já aguardava. Quando embarcaram nela, arrancando a toda a velocidade, o
perigo maior parecia ter ficado para trás.
***
— Não perceberam que ele estava sob ameaça? — arquejou Tequer-On. — Puxa,
como vocês são imbecis! Ele vai entregar minha nave, a maior de nossa frota, só porque é
forçado a fazê-lo!
Os guardas hesitaram.
— Soltem-me de uma vez! — berrou Tequer-On. — Larguem-me e tratem de tomar
providências! Façam alguma coisa! Mandem levar a nave para outro lugar!
Suas vociferações acabaram convencendo os guardas. Afastaram-se correndo, para
executar as ordens recebidas. Afinal, também tinham visto a arma apontada pelo estranho
para as costas do almirante. Em breve, o alarma fora dado em toda a área do espaçoporto.
***
— Tem algo errado aí! — resmungou Ralf Marten. — Não estou gostando disso.
Diante deles via-se o vasto complexo do estaleiro norte, um agloramerado de hangares,
estandes de provas e docas secas para reparo das naves. Ainda há poucos momentos atrás
desenrolava-se por ali a atividade modorrenta de um estaleiro cuja única tarefa era tomar
conta da nave gigante. Porém de repente a área foi invadida por inúmeros soldados tópsidas,
fortemente armados, que cercaram por todos os lados o enorme globo.
Gloctor observava atentamente os acontecimentos.
— Avise Rhodan! — recomendou Marten.
O aviso foi feito sem demora. Gloctor acenou afirmativamente com a cabeça ao
receber a resposta. Desligando, disse a Marten:
— Ele nos mandou provocar agitação. Disse que estará aqui dentro de poucos minutos.
— E Teél, o que faz?
Gloctor recorreu novamente ao rádio.
— Encontra-se nos arredores do espaçoporto, meio longe daqui. Só sentiremos os
efeitos de sua atuação meia hora depois que ele começar a agir.
— E Vafal?
Nova comunicação. Ou seja, uma comunicação não completada. Vafal não respondia.
— Patife! — resmungou Marten. — Caiu fora!
De pé ao seu lado, a pequena Betty escutava tudo que diziam. Marten viu que ela
fitava intensamente um dos estandes de prova, com um leve sorriso nos lábios.
— Betty, o que... ?
Antes de terminar a pergunta, percebeu o que ela fazia. O estande de provas, que não
passava de uma armação de suportes metálicos arqueados por cima de uma plataforma
móvel, começava a oscilar. O sorriso de Betty desapareceu; seu rosto se contraiu como se
estivesse realizando violento esforço. Os suportes estalaram; um deles desprendeu-se das
juntas soldadas, projetando-se com estrépito ao solo. Os soldados tópsidas desfizeram as
fileiras. Em grupos, se aglomeraram diante do estande de provas, olhando espantados a viga
caída.
Betty descontraiu-se com um suspiro. Riu maliciosamente.
— Espero que o senhor Rhodan não demore a chegar... — murmurou em voz baixa.
***
Tequer-On dirigia a ação de dentro do Palácio Vermelho. Não julgou prudente ir até o
espaçoporto; talvez tudo já tivesse acabado antes que chegasse lá. A princípio, tudo pareceu
correr bem. Mas depois uma trave metálica se desprendera dos suportes num dos estandes
de prova, quase atingindo mortalmente alguns dos soldados. Logo após, um dos hangares
desmoronara sem causa visível. Um oficial fora jogado brutalmente contra uma pilastra por
mão invisível, perdendo os sentidos. A área do estaleiro não era muito ampla, e a notícia das
estranhas ocorrências se espalhou logo, provocando inquietação entre os soldados.
O próprio Tequer-On espantou-se diante dos aterrorizantes recursos de que o inimigo
dispunha. No entanto, nem pensava em desistir. Convocou dois batalhões de infantaria para
reforçar os efetivos destacados para as docas.
***
***
***
Quando atingiram o limite do espaçoporto, quase junto às docas, foram detidos. Crek-
Orn reclamou em altos brados da atitude dos guardas, porém estes evidentemente não
davam a menor importância aos protestos do almirante.
Estudando a situação, Rhodan viu que se defrontava apenas com um oficial e dois
soldados. O resto da tropa começava a se reorganizar, já refeita da comoção dos últimos
minutos, ocupando as posições indicadas junto à nave de guerra.
Bell estava alerta. A um sinal de Rhodan, liquidou o oficial e seus acompanhantes.
— Acelerar o passo! — ordenou Rhodan.
Deixando o almirante onde estava, correram. A intenção era levar Crek-Orn como
prisioneiro de guerra, porém, dadas as circunstâncias, a mobilidade valia muito mais do que
o maior figurão que pudessem capturar.
Tako desapareceu. Do lado oposto da nave houve tremenda balbúrdia. Sem o menor
aviso, surgiu no ar um homem de aparência indescritível, atirando feito doido a torto e a
direito. Em alguns segundos, colocou metade da companhia fora de combate, sumindo sem
que alguém chegasse a esboçar a menor reação.
Cercada por seus anjos de guarda, Betty não obstante ajudava a aumentar a confusão.
Armas caíam das mãos dos portadores e saíam voando; uniformes eram rasgados
misteriosamente; tiros partiam sem que ninguém apertasse o gatilho. O pânico dominou os
soldados. Atirando furiosamente a esmo, foram se recolhendo por trás da nave, enquanto
Rhodan avançava para ela com seus homens, abandonando a cobertura dos hangares.
Tako reapareceu de repente.
— Para a nave! — arquejou Rhodan. — Procure encontrar um posto de combate que
saiba manejar!
Alcançaram a nave bem a tempo. Do sul, pela pista do espaçoporto lisa e brilhante
como um espelho, aproximava-se uma fila de viaturas militares; e era pouco provável que
viessem com intenções amistosas.
A última tentativa de resistência dos soldados foi anulada quando um dos oficiais, sob
a ação do psicoirradiador lhes berrou:
— Tratem de se raspar daqui o mais depressa possível, entenderam?
Era, textualmente, o comando hipnótico que Rhodan lhe transmitira.
A linha de soldados recuou, perseguida pelo fogo cerrado dos homens de Rhodan,
agora organizados. Parou apenas a algumas centenas de metros mais adiante, detida pela
coluna motorizada que vinha em seu auxílio.
Rhodan valeu-se da pausa.
— Para a escotilha de entrada, rápido! — gritou para seu grupo. Confiando em que
obedeceriam sem discutir à ordem dada, correu para junto de Tiamér e de seu caminhão.
Gloctor ajudou a descer o transmissor. A escotilha da nave estava aberta, e não havia mais
sinal do pessoal de Rhodan.
Erguer o transmissor até a escotilha e empurrá-lo para dentro requereu violento esforço
por parte dos dois homens. Terminada a tarefa, ambos suspiraram.
— Não quer mesmo vir conosco? — perguntou Rhodan.
Gloctor sacudiu a cabeça.
— Não teria sentido. Vou é aproveitar a oportunidade para me safar discretamente
com minha gente. Pois esses caras ali — continuou, apontando para a coluna motorizada
que se aproximava — vão estar ocupados demais em tentar impedir sua decolagem para
olhar para o nosso lado.
— Obrigado por tudo! — disse Rhodan, estendendo a mão.
Gloctor apertou-a, porém protestou:
— Nós é que ficamos lhe devendo gratidão!
Rhodan alçou-se pela abertura da escotilha. Com um olhar de despedida para Gloctor,
acionou o mecanismo de fechamento, e foi se juntar aos seus homens. A situação era
verdadeiramente peculiar. Tinham conseguido subir a bordo da nave, na verdade; porém
junto com eles devia ter embarcado sem a menor dúvida um grupo de tópsidas. Coisa de
Tequer-On, quando se apercebera do que ocorria. Por via das dúvidas, mandara uma
patrulha para vigiar e defender a valiosa espaçonave.
Bem, a questão agora era decidir a quem caberia a posse da gigantesca esfera. Rhodan
confiava em que ele próprio e Bell, imbuídos dos conhecimentos arcônidas adquiridos
através da hipno-aprendizagem, saberiam tirar maior proveito dos recursos disponíveis a
bordo do que um bando de tópsidas escolhidos apressadamente ao acaso. Além disso,
contava com seus mutantes, e cada um deles valia pelo menos por dez tópsidas.
No entanto, a parada ainda estava para ser decidida. E evidentemente os dois batalhões
de reforço enviados por Tequer-On fariam sua parte para tentar fazer a balança se inclinar a
favor dos tópsidas. Portanto, Rhodan procurou chegar o mais depressa possível à cabina de
comando.
V
***
Tequer-On desperdiçou momentos preciosos debatendo consigo mesmo se tinha
autoridade suficiente para expedir a ordem mais dura e difícil. Comunicou-se nervosamente
com a nova base no Grande Istmo Oceânico. Demorou algum tempo antes que o pessoal de
lá compreendesse o que queria. Tequer-On viu-se obrigado a gastar mais alguns minutos
para provar que de forma alguma tinha perdido o juízo.
— O inimigo apossou-se da nave! — berrou descontrolado no microfone. — Segundo
me informaram, eliminaram nossos guardas! A nave está perdida para nós, metam isso nas
suas cabeças duras de uma vez! Despachem, portanto, um esquadrão de bombardeiros leves,
para começar, equipado com bombas táticas; digam aos pilotos que a nave deve ser
destruída a qualquer preço! E, se esse ataque falhar, o inimigo precisa ser interceptado no
espaço cósmico após a decolagem. Mandem subir três esquadrilhas de destróieres, que
deverão circular numa órbita distante em torno do planeta. E notem bem: o inimigo não
pode escapar com a nave! Senão a guerra acabou para nós, e o déspota se encarregará de nos
fazer sofrer o resto da vida, ocupando o mais ínfimo posto na hierarquia militar! Estamos
entendidos?
***
***
Tequer-On recebeu as más notícias sem a menor reação. Reunira em torno de si todo o
estado-maior da guarnição de Thorta, e lhe pareceu apropriado conservar a máscara de
otimismo; pelo menos enquanto existia um mínimo de razão para ter esperança.
— Nosso próximo passo é óbvio — disse, gravemente. — O inimigo evadiu-se com
nossa nave mais valiosa. Não sabemos para onde foi. É provável que tenha deixado este
sistema planetário o mais depressa possível. Mesmo neste caso, parece-me aconselhável
desfechar o ataque final contra Rofus. Temos que findar esta guerra o quanto antes! A
medida se torna ainda mais urgente no caso de a nave de guerra ainda continuar neste
sistema. Pois o adversário poderia nos infringir sérios danos com ela. Logo, precisamos
destruir suas bases e esconderijos antes que tenha tempo de se familiarizar com o uso da
nave de guerra.
Erguendo-se, Tequer-On concluiu:
— Avisem suas unidades para estarem prontas para decolar dentro de três horas!
***
Mesmo a imensa entrada para a pista de aterragem do forte era exígua demais para a
massa gigantesca da nave de guerra arcônida. Rhodan fê-la pousar num vale acima do
desfiladeiro, ajustando o transmissor na freqüência adequada para uso do Thort.
O homem que chegou pouco após era bem diferente do que Rhodan guardava na
memória. A altiva autoconfiança, exibida até na ocasião em que fora obrigado a fugir
precipitadamente de Ferrol, desaparecera. Nem o quadro da nave capturada teve o efeito de
alegrá-lo; apenas um débil sorriso. Trazia uma comitiva reduzida, conforme convinha a um
Thort vencido.
Rhodan descreveu, em palavras breves e incisivas, a situação.
— Calculo que os tópsidas atacarão dentro de vinte ou trinta horas. Duvido que
cheguem antes disso, mas, de qualquer maneira, ficaremos atentos. Lançarão contra Rofus
todo o seu poder ofensivo, pois é chegado o momento da decisão, quer queiram, quer não.
Sem dúvida, é vantajoso para nós termos forçado o inimigo a agir. Não prometo aniquilar a
frota tópsida num só golpe, mas posso lhes causar perdas significativas. Eles vão precisar de
bastante tempo para se refazerem desta derrota. O que nos dará tempo de regressar à nossa
base, a fim de completar a tripulação desta nave. Nós...
— Pretende nos entregar à nossa própria sorte? — perguntou o Thort, angustiado.
— Só por alguns dias — tranqüilizou Rhodan. — Esta nave pouco vale com a
tripulação desfalcada.
— Cedo-lhe meus homens! — exclamou o Thort.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Isto nos atrasaria ainda mais. Não estamos em condições de instruir seu pessoal
com a necessária presteza. Só para preparar os cartões de hipnotreinamento adequados aos
seus homens, levaríamos duas ou três semanas.
Observou cuidadosamente o Thort, a fim de verificar o efeito de suas palavras. Na
realidade, sua recusa tinha fundamento bem diverso: não queria estranhos enfronhados nos
segredos da nave. Pois em todos aqueles acontecimentos, não perdia de vista o objetivo
principal: guindar a Humanidade à posição de raça dominante na Galáxia. E os homens
precisavam se precaver, a fim de que seus segredos continuassem a permanecer
efetivamente segredos seus.
O Thort parecia não alimentar desconfianças. Pesou em silêncio sua situação, e disse:
— Seu regresso nos encherá de satisfação. Não creio que possamos resistir por muito
tempo sozinhos.
— Faremos o que nos for possível — assegurou Rhodan.
— Nossa dívida de gratidão já é imensa — continuou o Thort. — Não sei o que teria
sido de meu povo sem sua ajuda.
Com um sorriso melancólico prosseguiu:
— Veio a nós como um náufrago do espaço, e agora possui a mais potente nave de
guerra jamais aparecida neste sistema planetário. Não sei como lhe agradecer!...
Rhodan esperara por aquele momento. Já que o Thort não sabia como retribuir os
favores recebidos, apresentaria uma sugestão.
— Pois há alguma coisa que eu gostaria de lhe pedir — disse, quase com descaso.
— De que se trata? Diga!... — urgiu o Thort, pressuroso. — Eu não seria capaz de lhe
negar coisa alguma.
— Bem — disse Rhodan — é algo que não beneficiaria apenas a mim próprio. Penso
no curso futuro da guerra, numa maneira de levá-la ao término bem depressa, e sem grandes
baixas. Minha idéia é instalar uma série de novas estações transmissoras. Rhodan fitou o
Thort. A face deste revelava angústia.
— Farei o possível. Mas, lamentavelmente, nossa fabricação de transmissores não
passa dum subsetor industrial pouco desenvolvido. Não creio que possamos fornecer a
quantidade de transmissores necessários em tão curto espaço de tempo.
— Ora, isso não é problema — replicou Rhodan, com desenvoltura. — Meu mundo
estaria em condições de fabricar qualquer coisa, num mínimo de tempo, desde que tenhamos
à mão os respectivos planos. Tudo que precisaria fazer seria me obter um plano de
construção dos transmissores; então, nos cinco dias de que necessito para preparar meu
pessoal, eu poderia encomendar em meu mundo aparelhos suficientes para montar uma
dúzia de novas estações.
O Thort parecia dominado por profunda comoção. Era evidente que a proposta não lhe
agradava.
— Não sei — disse ele, hesitante — se seus homens seriam de fato capazes de fabricar
aparelhagem tão complexa, cujo próprio princípio de funcionamento é difícil de
compreender. Além disso, há o perigo de sua nave cair em mãos inimigas, e com ela os
esquemas de fabricação dos transmissores. Não lhe parece arriscado demais?
Rhodan sacudiu decididamente a cabeça.
— De maneira nenhuma. Adversário nenhum em todo o universo poderia se apossar
desta nave ilesa; duvido até que exista alguém em condições sequer de persegui-la. Quanto a
isso, pode ficar absolutamente tranqüilo. E pela capacidade técnica de meu povo eu garanto,
caso aceite minha palavra como válida.
O Thort interrogou com o olhar seus dois conselheiros; porém estes pareciam ter se
demitido da função. Por resposta, ambos estenderam as mãos, no familiar gesto de incerteza.
O Thort levou algum tempo para se decidir. Por fim disse, suspirando:
— Pois bem, façamos a experiência! Mas quero que saiba que se trata duma resolução
muito difícil. No entanto, a gratidão que lhe devo está muito acima do risco de revelar um
segredo técnico a inimigos.
Rhodan inclinou-se de leve. A custo conseguiu disfarçar a sensação de triunfo que o
dominava.
— Estou certo de que o segredo será igualmente usado em proveito de seu mundo! —
afirmou.
***
Os preparativos estavam todos tomados. Os esquemas de construção dos transmissores
se encontravam a bordo. Rhodan não sentia vergonha por ter praticamente extorquido os
planos do Thort. Pois os transmissores eram um tesouro inapreciável, e nestes casos era
permitido fechar os olhos a determinados conceitos, principalmente levando em conta que
serviriam em primeiro lugar a fins políticos. Rhodan estava disposto até a ameaçar o Thort
com a retirada total de seu apoio caso não lhe cedesse os planos dos transmissores. Porém,
felizmente, não se vira obrigado a ir a tal extremo.
Rhodan alimentava sérias dúvidas quanto à sua capacidade de poder manter a
promessa feita: regressar em poucos dias, trazendo transmissores recém-fabricados para
uma dúzia de novas estações. Mas por enquanto não se preocupava demais com isso. Quer
conseguisse, quer não, a Terra possuía agora um segredo técnico desconhecido até pelos
arcônidas; e seria fácil encontrar uma boa desculpa para a demora nas entregas, caso o novo
aparelho não pudesse ser fabricado com a necessária rapidez.
Thora e Crest tinham percebido os intuitos de Rhodan. Crest não fez comentário
algum, porém Thora, ao ver-se só com Rhodan na cabina de comando por alguns instantes,
comentou, numa estranha mistura de zombaria e admiração:
— Qualquer dia desses vou ficar com a impressão de que você poderia se tornar um
perigo até para Árcon; e nesse dia despejarei cicuta em seu vinho!
Rhodan sorriu, imaginando onde ela teria aprendido uma palavra tão fora de uso como
cicuta.
***
Poucas horas mais tarde foi difundida a notícia da aproximação da frota tópsida. A
nave de guerra decolou, com os remanescentes da frota ferrônia, escalonados por uma área
de cinco mil quilômetros, por escolta.
Rhodan pilotava pessoalmente o colosso, ao qual ainda não tinham dado nome.
Marten encarregara-se novamente dos detectores; era bom nisso.
Quando a nave chegou a oito milhões de quilômetros da frota tópsida em franco
avanço, Rhodan determinou a posição a ser ocupada por cada capitão ferrônio, e levou sua
nave para o hiperespaço, num salto de curta distância.
***
***
***
Num único salto, a nave chegou à órbita do vigésimo oitavo planeta de Vega, bem na
orla do sistema planetário. Os postos de combate encontravam-se desguarnecidos agora;
enquanto a nave executava sua estranha estratégia de saltos alternados, sua pilotagem
requererá poucos braços, e Rhodan mandara a maior parte dos tripulantes manejar a
artilharia. Passada a escaramuça, cada tripulante voltara a ocupar seu posto habitual.
Quanto aos tópsidas que haviam invadido aquele sistema planetário, Rhodan era de
opinião que nos próximos tempos estariam por demais ocupados consigo mesmos para
investigar o paradeiro da nave gigante tão ameaçadora.
Rhodan achou a ocasião favorável para estabelecer no sistema Vega uma base
provisória inteiramente desconhecida do inimigo. Escolheu para território a lua gelada
Iridul, que orbitava em torno do vigésimo oitavo planeta. O planeta propriamente dito não
entrava em consideração, pois tratava-se de um mundo envolvido por metano e amônia,
parecido com Júpiter. Sua única lua tinha o diâmetro de Plutão, e se assemelhava em todos
os sentidos ao mais afastado planeta do sistema solar terrestre. Sua força gravitacional
equivalia mais ou menos à da Terra. A tremenda energia de que a nave dispunha, somada ao
aparelhamento correspondente, tornou fácil a tarefa de escavar na região polar — já provida
duma funda cratera — um abrigo suficientemente largo e profundo para acomodar a
colossal massa da nave. Desta forma, não oferecia mais o menor ponto de referência a
possíveis adversários.
Rhodan mandou escavar uma caverna secundária menor, onde depositou uma série de
aparelhos; alguns eram desnecessários a bordo, outros serviriam como material de reposição
bastante útil a quem quer que necessitasse dele algum dia. Rhodan não esquecia, nem por
um segundo, que sua missão no sistema Vega ainda não chegara ao fim.
Durante os trabalhos de escavação, teve oportunidade de interrogar os prisioneiros
mantidos a bordo desde a estadia em Thorta. Tinham sido desarmados e encerrados num
compartimento de carga vazio.
O interrogatório foi inócuo, pois o mais graduado entre eles era apenas tenente; e no
rígido sistema disciplinar tópsida, os subalternos não chegavam a tomar conhecimento de
segredos importantes.
Algo, no entanto, despertou a atenção de Rhodan nas respostas do tenente, deixando-o
bastante preocupado. No entanto, só comentou o caso com Bell.
— Eles acreditavam de fato que a Terra ficava no sistema Vega. Isto é, captaram o
pedido de socorro da nave arcônida na Lua, pondo-se a caminho imediatamente. É evidente
que erraram os cálculos. Como Topsid fica a oitocentos e quinze anos-luz da Terra, um erro
de vinte e sete anos-luz, portanto, representa um desvio de apenas 3,4%. Por enquanto não
suspeitam que erraram o alvo. O tenente está certo de que algum dia ainda encontrarão neste
sistema os restos do cruzador que enviou os sinais.
Bell fitou-o impressionado.
— Até que ainda tivemos muita sorte — gemeu ele.
Rhodan concordou.
***
***
Vinte horas após a nave estava pronta para a decolagem. Rhodan estava certo de que
sua tripulação dispunha dos conhecimentos necessários para suportar uma transição de vinte
e sete anos-luz.
— Espero que cada um de vocês mantenha os olhos bem abertos — disse, com
gravidade. — Um só movimento em falso, e nunca mais sairemos do hiperespaço!
Voltou-se para Bell:
— Decolamos em 30 minutos!
Bell percorreu o imenso cenário do sistema Vega, com seus quarenta e dois planetas,
com um olhar quase carinhoso. Diante dele, os ponteiros luminosos do relógio
aproximavam-se do derradeiro minuto antes da decolagem.
— X menos sessenta segundos! — disse a voz seca de Rhodan.
— Um mundo bonito demais — murmurou Bell, pensativo — para ficar de presente
para as lagartixas! Nós voltaremos!
***
**
*