Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
O contexto do Golpe
No campo da burguesia, estava em curso uma disputa entre dois setores. De um lado, o setor
liderado pelo então presidente João Goulart (cujo apelido era Jango), herdeiro político de
Getúlio Vargas, praticava uma política nacional-desenvolvimentista, que procurava levar o Brasil
a ser uma potência capitalista, com algum grau de independência em relação ao imperialismo,
impulsionando a indústria nacional. O projeto nacional-desenvolvimentista incluía concessões
aos trabalhadores, aumentos salariais, direitos sociais, na crença de que isso ajudaria a
dinamizar a economia. O slogan do governo e dos movimentos sociais na época eram as
“reformas de base”, que incluíam a reforma agrária, a regulamentação das remessas de lucro
das transnacionais, reforma urbana, etc.
De outro lado, havia o setor conservador e abertamente pró-imperialista da burguesia,
composto por latifundiários e empresários diretamente associados ao capital estrangeiro, hostis
a qualquer concessão aos trabalhadores. Sua política era de manter o Brasil como país
subdesenvolvido, fornecedor de produtos primários e servil às transnacionais, que seguiriam
extraindo lucros exorbitantes do país e enviando tranquilamente suas remessas para as
matrizes. O discurso dos conservadores era de contenção da “ameaça comunista”. A luta
popular pelas reformas de base era tratada como parte do “perigo vermelho”, como se o
governo estivesse tomado por conspiradores e ateus demoníacos.
A maior parte da imprensa, os principais jornais, como o Globo, faziam oposição ao governo e
atacavam as lutas populares como sinal de “caos” e “baderna”. O grupo Globo seria
recompensado pelos serviços prestados ao golpe com a concessão de uma emissora de TV, que
seria fiel aliada da ditadura. A igreja católica também se somou à campanha contra o governo e
as lutas populares, organizando as “marchas da família com Deus pela liberdade”, com milhares
de donas de casa da classe média e beatos em geral indo às ruas das capitais contra o governo
e os comunistas.
O golpe e os primeiros anos da ditadura
O governo Jango foi instável desde o início. Como vice de Jânio Quadros, que havia renunciado
ainda no primeiro ano de governo, Jango só conseguiu tomar posse depois de passar por um
ano e meio de parlamentarismo, que limitava seus poderes, pois a direita não aceitava a volta
do programa getulista. Depois de um plebiscito e da volta do presidencialismo em 1963, o
crescimento das mobilizações populares levou o governo João Goulart mais à esquerda. O
presidente pronunciou um comício na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de março de
1964, que foi tomado como um claro sinal de radicalização. Diante disso, aceleraram-se os
preparativos para o golpe.
Em 31 de março a cúpula das forças armadas mobilizou as tropas e as ruas das capitais
amanheceram tomadas por tanques de guerra. Não houve resistência ao golpe. Jango deixou
Brasília e voltou para sua terra natal, o Rio Grande do Sul. O presidente da Câmara pronunciou
um discurso declarando vago o cargo de presidente da república, sendo que Jango ainda estava
em território nacional. Leonel Brizola, governador do RS e partidáro de Jango, defendia a
resistência, mas Jango decidiu não resistir, aceitou a tomada do poder pelos militares e partiu
para o exílio. A ditadura cassou mandatos parlamentares, fechou sindicatos, prendeu militantes,
aposentou intelectuais, exilou artistas. Apenas a UNE continuou funcionando por algum tempo,
até 1968.
Os primeiros anos do governo militar mantiveram uma expectativa de volta da democracia, com
novas eleições, em que os expoentes da direita e adversários de Jango esperavam voltar ao
poder pela via das eleições. No entanto, os generais se sucederam no cargo de presidente, o
que fariam até 1985, quando tomou posse um presidente civil, eleito pela via indireta. O
período de maior endurecimento da ditadura aconteceu a partir de 1968, quando foi
promulgado o ato institucional nº5, uma emenda constitucional que fechava o Congresso,
suspendia as garantias constitucionais, o direito de ir e vir, o habeas corpus, a liberdade de
expressão, e dava poder ao aparato repressivo para prender suspeitos sem mandato judicial.
A derrota da luta armada e o “milagre brasileiro”
Com o fim das mobilizações populares, parte das organizações de esquerda optou pela luta
armada, a partir de 1968. Sem apoio da população, as guerrilhas rurais e urbanas foram
derrotadas, apesar do heroísmo de figuras como Lamarca e Marighella. O ato mais espetacular
da luta armada foi o sequestro do embaixador estadunidense, em 1969, trocado pela liberdade
de dezenas de presos políticos Na perseguição aos opositores, a ditadura matou, prendeu e
torturou milhares de pessoas, estivessem ou não envolvidos na luta armada. Muitos opositores
estão até hoje desaparecidos. A repressão foi financiada por empresários, que ajudaram a
montar esquadrões da morte para perseguir militantes. Os crimes da repressão estão sem
julgamento até hoje. Ao contrário dos demais países da América Latina, que julgaram e
condenaram os agentes da ditadura, no Brasil os monstros continuam impunes. A Comissão da
Verdade, montada pelo governo Dilma, não terá a função de levar à punição dos agentes da
ditadura. A própria Dilma, que participou da luta armada contra os militares, é hoje uma agente
da burguesia, como outros integrantes de seu partido, José Dirceu e José Genoíno.
Sob o governo militar, o Brasil viveu um período de grande crescimento econômico, os anos do
chamado “milagre brasileiro”, principalmente entre 1968 e 1973, marcado por um aumento da
produção de automóveis e eletrodomésticos (aos quais, no entanto, a maioria da população não
tinha acesso), bens de consumo duráveis voltados para a burguesia e a classe média. Também
foram características da ditadura as chamadas “obras faraônicas”, como a rodovia
transamazônica, a hidrelétrica de Itaipu e a usina nuclear de Angra dos Reis, propagandeados
como símbolos do “Brasil potência”. No entanto, esse modelo de desenvolvimento, pela
estreiteza do mercado consumidor interno e pelo aumento da dívida do Estado (começou aí um
surto explosivo de endividamento, que atingiu níveis absurdos), não era sustentável e se
esvaziou ao longo da década de 1970, o que levaria ao fim da ditadura na década seguinte.
A maioria da população não viu os frutos desse “milagre”. Nas palavras de um dos generais-
presidentes, “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. A explicação do “czar” da economia, o
ministro Delfim Neto (ainda hoje um “guru” dos governos do PT) era de que “primeiro era
preciso esperar o bolo crescer para depois dividir”. Na verdade, o bolo nunca foi dividido. O
Brasil continuou e continua sendo um país de maioria pobre, com muita desigualdade e muita
riqueza sendo desviada para os mais ricos e para o capital estrangeiro. A ditadura militar foi
portanto uma grande derrota das forças populares que lutavam pelas reformas de base e por
melhorias em geral.
A importância da estratégia e da independência dos trabalhadores
Parte da responsabilidade dessa derrota cabe à principal organização política dos trabalhadores,
o Partido Comunista Brasileiro (PCB), que tinha grande influência nos sindicatos e dirigia a UNE.
A estratégia do PCB era de apoiar a fração nacionalista da burguesia nacional, contra o setor
mais reacionário e o imperialismo. O pressuposto dessa estratégia era de que o Brasil ainda
precisaria passar por uma revolução burguesa, antes de se pensar em transição ao socialismo.
Em função desse apoio, não havia a preocupação com a independência política dos
trabalhadores. Não foram desenvolvidos organismos capazes de lutar pelo poder, pois a
suposição é de que essa não era uma tarefa dos trabalhadores.
Desde o início do século XX, Trotsky já havia demonstrado, na teoria da Revolução Permanente,
que a burguesia dos países periféricos é incapaz de realizar as tarefas da revolução burguesa
(como a reforma agrária e outras) e essa tarefa caberia ao proletariado. Na luta para
concretizar essas tarefas, o proletariado precisaria impulsionar medidas de ruptura com o
capitalismo, como nacionalizações e expropriações, sendo seguido pelas classes populares,
avançando para uma revolução socialista. Sendo assim, a tarefa dos socialistas seria
desenvolver a consciência dos trabalhadores para a luta pelo poder, com total independência
em relação a líderes burgueses e pequenos burgueses. Ao contrário disso, o principal líder do
PCB na época do golpe, Luís Carlos Prestes, acreditava que o “dispositivo militar” de Jango,
composto por militares supostamente leais à constituição, iria deter o golpe, ao invés de
preparar os trabalhadores para a resistência.
As lições da derrota dos trabalhadores no golpe de 1964 são vitais para a construção de uma
estratégia revolucionária no século XXI. Não se pode confiar em lideranças burguesas e
burocráticas, cujos exemplos nos dias de hoje são figuras como Hugo Chávez, pois essas
lideranças, por mais radical que seja o seu discurso, nos momentos decisivos, abandonam a
luta e deixam o poder livre para a burguesia e o imperialismo. E as vítimas são os
trabalhadores, massacrados pela repressão. Não há outro atalho para a revolução que dispense
os socialistas da tarefa indispensável de organizar os trabalhadores de forma independente e
desenvolver sua consciência num rumo anticapitalista e socialista.
A repressão e os saudosistas da ditadura
Conforme dissemos, o Brasil é o único país que não julgou e condenou os autores dos crimes
da ditadura, as mortes e torturas de opositores. O fim do regime militar se deu por meio de um
acordo, que manteve o Estado sob controle dos mesmos setores da burguesia que se
beneficiaram da ditadura. Além de não condenar a cúpula do aparato militar, foi mantida uma
cultura repressiva e conservadora no judiciário e na polícia. O Brasil é um dos poucos países do
mundo que tem uma polícia militar, a PM, uma polícia aquartelada, sob comando dos governos
estaduais, criada na própria ditadura, como uma espécie de exército para combater um inimigo
interno, o próprio povo.
Os métodos desenvolvidos na época da ditadura para perseguir opositores políticos, os
esquadrões da morte e a tortura, são hoje aplicados diariamente pela polícia (militar e civil)
para se apropriar de uma parte da renda dos negócios criminosos. Sob o pretexto de reprimir o
crime, a polícia que atua nos bairros periféricos mata e tortura impunemente, especialmente
quando as vítimas são negros. A atuação dessa polícia violenta e corrupta é legitimada pelo
discurso da mídia, que cria um clima de medo e paranóia entre a população, nos programas de
TV mundo cão.
Essa polícia que se associa ao crime e age de forma criminosa também tem outra função,
reprimir grevistas e manifestantes. Em todos os governos pós-ditadura, e também nos do PT,
as lutas sociais são tratadas como caso de polícia. Militantes são mortos, presos, torturados, no
campo e na cidade, com a conivência do judiciário, que por sua vez proíbe greves, aplica
multas aos sindicatos, inocenta os patrões e condena os trabalhadores. Nos últimos anos, com
a crise mundial do capitalismo rondando o Brasil, o governo do PT e os governos locais dos
demais partidos estão todos determinados a empurrar os efeitos da crise para debaixo do
tapete. Não é permitido discordar do discurso que vem de todos os lados, do governo, da
mídia, das burocracias sindicais, etc., de que o país está progredindo. Quem ousa discordar, e
fazer alguma coisa a respeito, fazer greves, ocupações, manifestações, críticas, mostrando que
apesar de todo o discurso “o povo vai mal”, como no tempo da ditadura, precisa ser tratado
como uma ameaça à segurança nacional.
http://espacosocialista.org/portal/?p=1851