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Capítulo 1

Imperativos metodológicos

A proposta da obra O que é a filosofia antiga? de Pierre Hadot é a de, justamente, dar
conta da questão que dá título a obra. Trata-se, então, de investigar o que tenha sido um
fenômeno bastante específico (a “filosofia”) e também bastante delimitado no tempo (da
“antiguidade”). Como será possível observar no presente trabalho, tal investigação deverá
iniciar, necessariamente, no segundo termo do fenômeno em questão. Compreender o que
tenha sido a “filosofia antiga” exige, antes, que se compreenda o que tenha sido a
“antiguidade” – grosso modo, para apreendê-la (a “filosofia antiga”) adequadamente, então,
será preciso possuir certo “senso histórico”. Ora, conhece-se tal, de modo geral,
exclusivamente em função de registros escritos que nos chegaram daquele momento. Nosso
acesso à “antiguidade”, então, dá-se pelos “textos antigos” – são eles que, de certo modo, nos
contam o que tenha sido a “filosofia antiga” e, portanto, a “antiguidade” em que tal “filosofia”
se deu. Mas aí é preciso tomar cuidado: como se disse, o propósito de Hadot é estudar a
“filosofia antiga” e não os “textos da filosofia antiga” – estes apenas deixarão entrever ao
nosso autor um fenômeno que ultrapassa os limites estreitos dos “textos”, um fenômeno
complexo, profundo e vivo que, justamente, produziu tais escritos, mas que não se reduz a
eles, estes que são apenas frutos desse evento maior.

Trata-se, então, de estudar propriamente, nos termos do autor, a “história da filosofia”


e não, tal como correntemente se faz1, a “história das filosofias”(HADOT,oq é a filo p. 16) –
abordagens bastante distintas uma da outra. A segunda, segundo Hadot, pode ser
compreendida segundo aquilo que, no presente, geralmente desenvolve-se nos cursos
universitários de filosofia: em resumo, apresenta-se aos estudantes um itinerário histórico dos
“textos” de diferentes filósofos da antiguidade, sublinhando os sistemas ou doutrinas
filosóficas supostamente presentes em tais e apontando os aparentes problemas ou
indefinições conceituais, incorreções, divergências e afins neles localizados. Neste caso, o
objeto de estudo são os “textos da filosofia antiga”, mas não a “filosofia antiga”. Tal
procedimento, observa o autor, no máximo possibilita que se tenha uma “ideia” do que seja
tal fenômeno (p. 16, O que é a filo), mas o aborda apenas muito indiretamente. Para dar conta
daquilo que ele se propõe, então, será preciso realizar um estudo mais amplo e mais profundo,
a saber, uma reconstituição da “história da filosofia”, para além da “história das filosofias”.

Mas, dado que a fonte de investigação para tal empreendimento é a mesma daqueles
que reconstroem apenas a “história das filosofias”, perguntar-se-á: o que possibilitaria que,
mesmo debruçando-se sobre os mesmos “textos”, fosse-se além daquilo que alcançam tais
historiadores? Segundo Hadot, trata-se aí de uma questão de método. Deve-se ler os “textos
antigos” respeitando certos “imperativos metodológicos”. Em resumo, é preciso “aprender a

1
Hadot critica os historiadores contemporâneos da filosofia antiga de um modo geral, por abordarem,
de forma limitada, exclusivamente o que ele chama de “história das filosofias antigas” e não a “história
da filosofia”. (localizar onde ele faz essa crítica)
ler” corretamente (HADOT, Exercícios Espirituais e filo antiga, p. 66) – ideia capital para a
presente pesquisa, como se verá.

Apesar de o autor não apresentá-los de maneira sistematizada e sim de forma difusa,


de modo que cada um parece sempre traduzir-se no outro indistintamente em O que é a
filosofia antiga?, parece-nos que se pode enumerar tais “imperativos”, resumidamente, em 3
regras gerais: (i) considerar a conjuntura histórica e antropológica em que os filósofos que
produziram tais textos estavam envolvidos; (ii) considerar a intenção do autor ao redigi-los; e
(iii) considerar à quem o texto dirige-se. (p. 384 – 386, O que é a filo.) Em resumo, como se
constatará na sequência, atentar à (i) significará não desconsiderar o contextuo geral da Grécia
Antiga em que o sentido de tais textos está imerso (especialmente, como se verá, no que diz
respeito à educação grega da época e, portanto, ao contexto escolar em que tais textos
geralmente brotam). Em relação à (ii) significará assumir que o “texto antigo”,
invariavelmente, possui, como se verá, um propósito de natureza sempre “formativa”
(intimamente ligado, inclusive, ao contexto escolar antes mencionado). Assumir (iii), por seu
turno, implicará em atentar para o fato de que o “texto antigo” sempre supõe um leitor ou
ouvinte bastante específico - o autor antigo dirige-se sempre ou a um destinatário em
particular ou a um “público alvo” predeterminado (o que implica, como se verá, que a forma e
mesmo o conteúdo do texto observam aspectos como, por exemplo, as capacidades
intelectuais daquele à que se dirige). Nota-se, então, que todos esses princípios exigem que,
basicamente, não se tome o “texto pelo texto”, mas que, em resumo, considere-se as
circunstâncias concretas, o “ambiente vivo” em que foi produzido e os objetivos daquele que o
produziu.2

Inicialmente, então, será preciso, mesmo que de forma bastante breve, reconstituir o
que tenha sido a “antiguidade” da “filosofia” donde os “textos antigos” emanam, afim de,
tanto quanto possível, satisfazer os “imperativos metodológicos” aqui mencionados –
procedimento este que, como se verá, revelará ao nosso autor a “história da filosofia” e o que
tenha sido o fenômeno da “filosofia antiga”.

Panorama geral

Uma abordagem completa do que tenha sido o “antigo” da “filosofia antiga” segundo
o que se indicou acima e que obedecesse rigorosamente àqueles “imperativos metodológicos”

2
Hadot não fundamenta, de forma propriamente dita, tal “método” em O que é a filosofia antiga?. Não
obstante, pode-se compreendê-la, de um lado, segundo o fato de que, para além de filósofo, o autor
possui formação nas disciplinas de história e de filologia – fato que, segundo Almeida, possibilita que o
filósofo, mediante uma abordagem histórica e filológica, compreenda o “texto antigo” para além de sua
“superfície” (ALMEIDA, p. 101, 2011); e, de outro, segundo o que o próprio Hadot menciona, por
exemplo, em seu artigo Jogos de linguagem e filosofia: “[...] retomada em uma perspectiva histórica
que, aliás, Wittgenstein desconhece totalmente, a noção de jogos de linguagem permite à filosofia
compreender aspectos da sua própria história e, por conseguinte, compreender melhor a si mesma.”
(HADOT, p. 76, 2014) – indicando justamente o uso da noção de “jogos de linguagem”, elaborada nas
Investigações Filosóficas de Wittgenstein, como recurso metodológico, de modo a, groso modo,
apreender os “textos” filosóficos segundo o contexto, as circunstâncias e na práxis donde brotaram.
exige, é claro, um levantamento exaustivo de elementos históricos em todos os níveis do
contexto antigo (que considerariam, entre tantas outras, dimensões como de sua conjuntura
política, cultural, socioeconômica, religiosa e etc.). No entanto, por ordem dos limites que a
presente pesquisa se impõe, apesar de pressupô-lo, passar-se-á ao largo de tal levantamento e
direcionar-se-á a atenção (e, ainda assim, apenas de modo muito breve) exclusivamente ao
elemento que, parece-nos, é mais decisivo para a compreensão da “história da filosofia”, a
saber, a história da noção grega philosophia esta que, por seu turno, depende antes da
compreensão da constituição da noção de sophia na Antiguidade e que, à partir de um certo
ponto, mostra-se profundamente atrelada à “figura de Sócrates”. Tal estudo filológico (que
supõe, vale repetir, um estudo histórico) revelará o que tenha sido a “filosofia” da “filosofia
antiga”. Para tanto se mencionará resumidamente, neste momento, os aspectos mais
relevantes desta investigação tal como apresentados em O que é a filosofia antiga?, para que
depois explore-se mais especialmente a definição de philosophia que Platão apresenta no
diálogo O Banquete e a caracterização da “figura de Sócrates”, elementos estes que, se verá,
definem, mesmo que de forma geral, o que seja o fenômeno da “filosofia antiga”.

Deve-se notar, já de antemão, que Hadot localiza, num certo sentido, como ponto de
partida da “filosofia antiga” a “figura de Sócrates” (especialmente a que se descreve nos
diálogos de Platão, mas também em outros autores antigos, como, por exemplo, nas
Memoráveis de Xenofonte (HADOT, O que é a filo., p. 48)) – figura esta que, como se verá,
“personifica” a noção de philosophia acima mencionada. No entanto, seria equivocado pensar
que tal figura posicione-se pontualmente entre àquilo que, neste caso, seria a “Grécia antes da
figura de Sócrates” (momento em que a “filosofia antiga” seria ausente) e a “Grécia a partir da
figura de Sócrates” (marcada pela presença da “filosofia antiga”). Não se trata de uma ruptura
radical que se realiza com o advento de tal figura. O fenômeno da “filosofia antiga” é, antes,
resultado de um percurso bastante complexo que não se resume nesses termos e que,
portanto, deve ser compreendido justamente como fruto de um processo histórico marcado
por uma sorte de diferentes causas, influências e motivações. Daí a necessidade de uma breve
exposição dos aspectos que compuseram o fenômeno que aqui se aborda. No entanto, com o
intuito de não desviar-se demasiadamente do objetivo proposto, mencionar-se-á por alto
apenas três elementos que refletem tal contexto, a saber, a paideia grega, o movimento
sofístico e o uso da noção de sophia, para depois apresentar a definição de philosophia
presente no Banquete de Platão e uma descrição geral da “figura de Sócrates”. Espera-se que
com tal exposição seja possível apreender, nos termos de Hadot, “o fenômeno em sua
origem”. (HADOT, O que é a filo., p. 16)

Em resumo, a paideia grega é uma “corrente de pensamento”, uma “mentalidade


comum”, uma “tradição”, portanto, que, grosso modo, atenta para a necessidade da educação
e da formação dos sujeitos. (HADOT, O que é a filo., p. 30) Na Grécia homérica, por exemplo,
há, em resumo, a preocupação aristocrática pela formação do “guerreiro-herói”: inspirado em
seus “ancestrais divinos”, o sujeito desenvolve-se nos atributos, por exemplo, do corpo forte,
da coragem e dos sensos de dever e de honra. (devo enriquecer esse contexto “formativo”
com a Paideia do Jaeger) A partir do século V a.C., por sua vez, na Atenas democrática, intenta-
se formar um “cidadão”, um sujeito que tenha participação ativa na vida pública da polis.
Diferente da formação da era homérica, esta dar-se-á, por exemplo, na ginástica, na música e
na retórica. Este último, cabe dizer, diretamente vinculado ao contexto político de então e ao
movimento sofístico que se inicia neste mesmo século. (HADOT, O que é a filo., p. 31)

A chegada dos sofistas à Atenas democrática do século V a.C. coincide, então, com o
interesse corrente, intimamente vinculado à paideia, pela formação dos jovens para sua
participação nos assuntos políticos da cidade. (HADOT, O que é a filo., p. 34) Para tal estes
jovens precisariam dominar, especialmente, a habilidade do discurso. Ora, além de vasta
erudição, o sofistas assumem possuir justamente este “saber-fazer” da retórica, necessário
para a realização da formação política grega. Fazem-se estes, então, profissionais do ensino
que propõe-se a transmitir seu saber. Desde que os jovens se apliquem na formação que
proposta por estes educadores, alcançar-se-á a nova aretê grega, a saber, a excelência no
campo de disputa político (marcado, agora, não pela força ou pela nobreza, como outrora, mas
pelo uso excelente da palavra). (HADOT, O que é a filo., p. 34)

Há aí, deve-se notar, um “pano de fundo” que será capital para nossa compreensão do
que tenha sido a “filosofia antiga”, a saber, a ênfase por parte dos gregos da Antiguidade dada
à educação, ao cuidado com a formação e com o aprimoramento dos sujeitos, cujo objetivo
principal é o de, em resumo, garantir que a excelência ou, mais propriamente, a aretê
realizasse entre eles.

É neste contexto, marcado ainda por um intenso desenvolvimento cultural, intelectual


e científico, que aparecem as primeiras menções à noção de philosophia, segundo Hadot3.
Tratam-se, no entanto, de menções com conteúdo ainda indefinido. Vale citar junto com o
autor, por exemplo, Tucídides, em sua Oração Fúnebre: “Somos amantes da beleza
[philokalein] sem extravagância e filosofamos [philosophein] sem indolência.” (HADOT, O que é
a filo., p. 38). Segundo o autor, Tucídides lança mão do presente verbo (philosophein) no
contexto da efervescência intelectual e cultural da Atenas do século V, sugerindo que o
historiador estivesse usando “filosofar” para referir-se à atenção que se dá a toda a miríade de
atividades intelectuais que aí se desenvolvem, desde os debates públicos e o teatro até a
astronomia e a geometria, por exemplo. (HADOT, O que é a filo., p. 38). Trata-se, então, de
uma antecipação apenas muito difusa daquilo que será estabelecido, depois, no Banquete de
Platão. Antes de abordar este ponto vale insistir ainda em alguns aspectos gerais do conteúdo
de philosophia.

A noção de philosophia4 supõe outra, anterior a esta, a de sophia. Mais uma vez,
mediante um levantamento histórico e filológico sobre os textos antigos, o autor localiza usos
diversos para tal noção. Vale apresentar algumas ocasiões em que Hadot verifica o uso da
mesma, afim de indicar de modo geral o conteúdo que possuía antas da definição de Platão e
da “figura de Sócrates”. Já em Homero, por exemplo, na Ilíada, seu uso é frequente, no
entanto sempre em contextos diversos e com sentidos diferentes – o que impossibilita precisar

3
Apesar de nosso autor assumir o posicionamento de que noções como philosophos, philosophein e
philosophia fizeram-se presentes apenas a partir da Atenas do século V (em princípio provavelmente
com Heródoto, em suas Histórias), ele o faz com hesitação. De fato, segundo Hadot trata-se de uma
questão com opiniões divergentes e, portanto, ainda em aberto. (HADOT, O que é a filo. p. 35 – 36)
44
Segundo Hadot, “[...] as palavras compostas em philo- serviam para designar a disposição de alguém
que encontra seu interesse, seu prazer, sua razão de viver, na dedicação a essa ou àquela atividade.”
(HADOT, O que é a filo., p. 37)
uma única definição para a noção neste autor. Ainda assim, Hadot arrisca a possibilidade de
compreendê-la aqui com um significado amplo, a saber, como, grosso modo, habilidades que
se submetem a certas medidas e regras, que supõe aprendizagem e, ainda, cujo domínio
depende dos deuses (quase que como uma “graça divina”) (HADOT, O que é a filo, p. 40). Não
muito distante a tal significado, nas Elegias de Sólon ela aparece atrelada a uma atividade
poética, esta possível, a um só tempo, pelo treinamento, que garante uma habilidade, e pela
inspiração das Musas (HADOT, O que é a filo., p. 40). Também em Hesíodo sugere-se uma
aproximação ao que disse-se acerca do uso mencionado em Sólon. Em sua Teogonia o poeta
refere-se a uma “sabedoria poética” que é própria tanto dos reis como dos poetas. Se
inspirados pelas Musas, os primeiros decidem e falam com justiça, enquanto que os segundos
fazem aqueles que os ouvem esquecer suas dores e aflições. (HADOT, O que é a filo., p. 41)
Finalmente, vale considerar também uma menção de Teógnis em seus Poemas elegíacos, em
que a noção aparece com um sentido próximo ao de uma “habilidade de persuasão” – como
uma capacidade de conduzir outrem e que não está distante de significar uma poder de
“dissimulação”. (HADOT, O que é a filo., p. 42) Para os propósitos deste trabalho, bastam, por
ora, tais menções gerais – mais adiante voltaremos à este ponto, mas em outro contexto.
(PRECISO MELHORAR ISSO... EXPOR ESSA QUESTÃO DA SOPHIA DE MODO QUE, NA PARTE DE
SÓCRATES, POSSA DIZER QUE ELE ESTÁ INCORPORANDO INDIRETAMENTE TAL CONTEÚDO
(SUA SABEDORIA É NÃO SABER – O QUE SIGNIFICA QUE ELE APENAS INTERROGA, VISTO NÃO
TER NADA A DIZER: ESTA É SUA “IRONIA”, UMA HABILIDADE INSPIRADA POR SEU DAIMON,
QUE NÃO ESTÁ DISTANTE DA DISSIMULAÇÃO E QUE “CURA” DA ILUSÃO DE SE POSSUIR
“SOPHIA”).

Apesar das menções diversas que Hadot localiza, o autor assume que poder-se-ia
resumi-las, de modo bastante geral, em um sentido básico. Segundo ele, sophia aparece,
grosso modo, sempre vinculada à um “saber-fazer” – em resumo, como um tipo de
conhecimento ou erudição que está atrelado ao domínio de uma técnica ou habilidade.
Segundo ele, no entanto, alguns intérpretes encontram aquela noção ainda noutro sentido, a
saber, como um tipo de “sabedoria” de cunho existencial – grosso modo, como um tipo de
“saber conduzir-se na vida”. (HADOT, O que é a filo., p. 39). Como se verá nesta pesquisa,
apesar de a “figura de Sócrates” operar uma redefinição do conteúdo desta noção, ambos os
sentidos estarão imbricados no fenômeno da “filosofia antiga” e serão capitais para
compreender o que tal tenha sido.5

Sócrates e a definição de “filósofo” no Banquete

Feita esta brevíssima exposição do contexto geral em que a “filosofia antiga” nasce,
passa-se agora à definição de “filósofo” que Platão desenvolve no diálogo O Banquete,
definição esta que determinará o conteúdo do que seja philosophia (que, como se mencionou,
até aqui estava ainda indefinida) e expressará, como se verá, os aspectos gerais do que tenha

5
Adianta-nos Hadot: “[...][na “filosofia antiga”] o verdadeiro saber é, finalmente, um saber-fazer, e o
verdadeiro saber-fazer é um saber-fazer o bem.” (HADOT, O que é a filo., p. 39)
sido a própria “filosofia antiga”. Após a reconstrução do percurso do Banquete, apresentar-se-
á uma descrição geral da “figura de Socrátes” – que será o modelo paradigmático de “filósofo”
na “filosofia antiga” e, por sua vez, personificará o que tenha sido tal fenômeno.

Segundo Hadot, O Banquete é um diálogo dedicado especialmente a, a um só tempo,


enaltecer a “figura de Sócrates” e definir o que seja um “filósofo”. Trata-se principalmente de,
de um lado, expor idealmente as principais características de Sócrates – em resumo, os traços
peculiares de sua personalidade e comportamento (sua vida, pode-se dizer) – e, de outro,
identificar tal figura ao que seja um “filósofo” – de modo que a “figura de Sócrates” apresente-
se como “modelo de filósofo”. (HADOT, O que é a filo., p. 70) Noutros termos, sugere-se no
Banquete que um filósofo por excelência é aquele que se porta e é tal como a “figura de
Sócrates”. Chama a atenção de Hadot (HADOT, O que é a filo., p. 70) o fato de que, não
obstante exista no texto a intenção de estabelecer uma definição, não há no mesmo uma
concatenação de conceitos que, mediante uma articulação rigorosa dos mesmos, ao cabo
daria conta de seu objetivo. Platão apenas elabora a descrição de uma “figura” e, depois, deixa
entrever que este seja o “filósofo”. Não bastasse isso, procede-se tal descrição segundo uma
identificação alegórica de Sócrates a uma figura mítica, a saber, Eros – um recurso
marcadamente literário, portanto. Tais elementos, como se verá no próximo capítulo, já
apontam, mesmo que implicitamente, para o que seja a “filosofia antiga” (abordarei isso no
capitulo dois).

Tal como um típico “diálogo socrático”, a conversação reproduzida no Banquete dar-


se-á de modo que a personagem Sócrates não assuma posicionamento algum, mas, sim, que
exorte seus interlocutores a falar, interrogando-lhes acerca de suas respectivas posições.
Basicamente, o tema dos discursos é o “Amor”, este identificado à figura de Eros. Entre os
discursos dos convidados, Sócrates atem-se mais especialmente ao de Diotima, em que se
narra miticamente o nascimento de Eros. Em resumo: visto ter nascido no dia do nascimento
da deusa Afrodite, Eros deseja a Beleza (esta que, como se verá, identifica-se àquilo que,
grosso modo, há de “melhor” e mais perfeito); além disso, enquanto filho de Penia, Eros é
pobre e tudo lhe falta; por outro lado, enquanto filho de Poros, é engenhoso e perspicaz.
Diotima o descreve:

Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a
maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro,
deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe,
sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é
belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer
maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida,
terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal [...] assim
como também está no meio da sabedoria e da ignorância. (PLATÃO, p. 41, O Banquete)

Eros, vê-se, não é um deus, visto que é marcado, diferentemente destes, pela falta,
mas também não é um homem, visto que “compensa” tal condição com sua habilidade, o que
o aproxima da Beleza divina. (HADOT, O que é a filo. p. 75). Ele transita, então, entre os
imortais (associado àquilo que há de mais excelente) e os mortais (o oposto daquilo) sem que,
no entanto, permaneça em nenhum destes extremos. Assume, assim, uma posição de
“mediador”: não se identifica com nenhum dos polos e também não se lhes opõe em absoluto,
mas como que transita em ambos. Por não ser nem deus e nem homem, mas ser um
intermediário destes, ele é um daímon. (HADOT, O que é a fil., p. 75) E ele é também
“filósofo”: “ávido de sabedoria” ele “filosofa”, de modo que põe-se a meio caminho entre a
sabedoria (sophía)6 e o oposto desta, a ignorância. (HADOT, O que é a fil., p. 75) Poder-se-ia
construir um quadro comparativo, então, entre os dois extremos entre os quais este Eros-
filósofo posiciona-se. De um lado a ignorância, a mortalidade, a imperfeição, a falta, a fealdade
e afins (identificados, em resumo, ao que seja propriamente do homem). E de outro, a
sabedoria, a imortalidade, a perfeição, a abundância, a beleza e afins (em resumo, aquilo que é
próprio dos deuses).

Diz-nos Hadot que, mediante o que é exposto no Banquete – mas também


considerando outras obras, como, por exemplo, as Memoráveis de Xenofonte, As Nuvens de
Aristófanes e a Vida dos Filósofos de Diógenes de Laércio –, há uma identificação explícita
entre este Eros descrito por Diotima e a descrição que comumente se dá a “figura de
Sócrates”. (HADOT, O que é a filo., p. 75) Ambos possuem as mesmas qualidades e identificam-
se na posição de “filósofos”. Um e outro são “caçadores miseráveis”: feios, grosseiros e
pobres, mas também destemidos, ousados e desejosos pelo que é belo e bom, sempre
buscando isto com toda sua habilidade, afim de distanciarem-se da ignorância e aproximarem-
se da sabedoria. Sócrates é filósofo, tal como Eros, justamente em razão desta sua condição. É
preciso esmiuçar alguns aspectos do que seja o “filósofo” neste contexto.

Ora, se o “filósofo” o é na medida em que está entre aqueles extremos, a saber, os


deuses e os homens (identificados, respectivamente, à sabedoria e à ignorância), deve-se
assumir que estes polos (que, em certo sentido, “repelem” o “filósofo”, visto que se nalgum
deles ele enfim estabelecesse-se deixaria de ser tal e se tornaria ou homem ou deus) não
“filosofam”. Isto porque “filosofar” é a atividade daquele que “deseja” algo que sabe não
possuir, a saber, a sophía: os deuses a possuem, portanto não existe neles tal desejo e, por
isso, eles não filosofam; os ignorantes, por sua vez, não sabem, visto que ignorantes, que esta
lhes falta e, assim, também não lhes existe tal desejo, de modo que também não filosofam.
“Filosofar”, portanto, é próprio daquele que não é nem “sábio” e nem “ignorante”: o
“filósofo”. Neste ponto Hadot chama a atenção para o fato de que “[...] os filósofos são
intermediários entre os sábios e os ignorantes, na medida em que são não sábios conscientes
de sua não sabedoria.” (HADOT, O que é a filo., p. 78) Isto significa que, na medida em que é
“não-sábio”, o filósofo é também ignorante, de modo que a única coisa que o permite não sê-
lo em absoluto é a consciência de sua condição. Vê-se, então, que a condição de ignorância
permite, grosso modo, um tipo de “gradação” entre (i) aquele que é ignorante mas não o sabe
e (ii) aquele que é ignorante e sabe que o é. O filósofo é, nesse sentido, o ignorante do tipo (ii).
O sábio, por outro lado, não admite variação como esta: ou se está na sabedoria e é-se sábio
ou não se está e é-se “não-sábio” (ignorante, portanto). (HADOT, O que é a filo., p. 82). É

6
É preciso considerar que não há no Banquete uma definição da noção de sophía. (HADOT, O que é a
filo., p. 75) Não obstante isso, vê-se no contexto da caracterização de Eros que trata-se de uma condição
identificada ao polo do que seja divino, em oposição, como se mencionou, a ignorância, esta própria do
que seja humano.
nestes termos que deve-se caracterizar Sócrates como “filósofo”: em resumo, ele não é sábio
e, portanto, é ignorante, no entanto ele sabe disso; não obstante a sabedoria ser-lhe ausente,
visto que ignorante, consciente de sua falta ele a deseja.

Ao cabo, mediante a definição de “filósofo”, define-se no Banquete a própria noção de


philosophia e, por seu turno, do que seja “filosofar”. Basicamente, determina-se que
philosophia seja o “desejo pela sabedoria”. O “filósofo”, como se mostrou, é aquele que, tal
como Eros e Sócrates, deseja-a. E “filosofar”, por seu turno, é justamente a atividade mesma
de buscá-la – “buscar a sabedoria” é “filosofar”. Segundo Hadot, o Banquete expressa, enfim, o
“programa” de toda a “filosofia antiga”: “[...] de maneira geral a sabedoria será como um ideal
que guia e atrai o filósofo e, sobretudo, a filosofia será considerada um exercício de sabedoria,
prática de um modo de vida.” (HADOT, O que é a filo., 79)

Mostrou-se, então, que a sabedoria é àquilo que o filósofo busca – esta será seu
“ideal” – e que “filosofar” é justamente empreender tal busca. Deve-se agora apresentar de
que modo isto se realiza. Noutros termos, é preciso compreender o que significa para o
filósofo antigo “buscar a sabedoria”. Isto nos fará descobrir o “filosofar” na Antiguidade como
“a prática de um modo de vida”, tal como mencionado por Hadot. Para tanto, deve-se insistir
na identificação da “figura de Sócrates” como sendo o modelo de “filósofo”.

O “desejo” pela sabedoria, como se indicou, só é possível na medida em que se sabe


que ela não é possuída. O filósofo apenas deseja a sophia porque ele sabe-se ignorante. Se
fosse o caso de não sabê-lo, não a desejaria. É justamente nestes termos, a propósito, que
desenvolve-se a paradoxal definição de sophía na Defesa de Sócrates, outro diálogo platônico
que, de modo semelhante ao Banquete, tem também por função apresentar a “figura de
Sócrates”. Convém abordá-lo, mesmo que bastante por alto e, assim, apresentar os traços
gerais desta figura que, como se verá, personifica a “filosofia antiga”.

Em resumo, o diálogo em questão reproduz o discurso de defesa de Sócrates na


ocasião de sua condenação. Em certo ponto, o filósofo considera investigar a razão de o
oráculo de Delfos, segundo o relato de Querefonte, tê-lo indicado como sendo o homem mais
sábio (sophós) (PLATÃO, Defesa, p. 8, 21a-c). Para tanto ele procede a uma apuração acerca de
todos àqueles que supostamente possuiriam a sabedoria (sophia). Ao cabo, descobre-se que
todos os supostos sábios, em verdade, não possuem a possuem, apesar de acreditarem possuí-
la – é que eles não sabem que não a possuem. Ao contrário destes, Sócrates sabe. Só pode ser
aí, então, que repousa a sabedoria que o oráculo lhe atribui: em saber-se não-sábio. (PLATÃO,
Defesa, p. 9, 21d) Justamente esta a definição que caracteriza o “filósofo” no Banquete. Em
certo sentido, enquanto “filósofo”, Sócrates deseja a sabedoria que, enquanto “sábio”, ele
sabe não a possuir.7 Deve-se notar que tanto num caso como no outro está suposta uma
“tomada de consciência”, um reconhecimento da própria condição, neste caso, a descoberta
por parte de Sócrates em ser ignorante. Tal como mencionado acima, não fosse esse o caso,
Sócrates não seria nem “filósofo” e nem “sábio”. Evidencia-se aí um dos elementos

7
Esbarra-se aí em um problema na definição dos conceitos: afinal, Sócrates é “filósofo” (o que
significaria ser “não-sábio”) ou “sábio” (o que, como se viu no Banquete, significaria não ser “filósofo”)?
Tal questão, faz notar Hadot, é, de fato, insolúvel: a “figura socrática” é, paradoxalmente, as duas coisas
(HADOT, Exercícios Espirituais e Filo Antg., p. 91 – 92). Diante disso, nosso estudo, tal como faz nosso
autor, assume a “figura de Sócrates” ambiguamente.
fundamentais da “filosofia antiga”, a saber, a “tomada de consciência” que engendra a busca
pela sabedoria.

Ora, se “filosofar” é buscar àquilo que não se possui e se, para tanto, é preciso estar
consciente de que isto não é possuído, esta “tomada de consciência” está no gérmen de tal
atividade. Trata-se justamente de uma “percepção” acerca da condição em que se está,
experiência esta que, grosso modo, revela aquilo que se é e, noutra via, o que não se é –
“tomar consciência” de si, neste caso, é, se for o caso de se ser ignorante, descobrir-se
ignorante. Compreenderemos melhor o que seja tal se considerarmos aquilo que os
interlocutores de Sócrates experimentam quando abordados por este, a saber, a sensação de
“não ser o que se deveria ser” (HADOT, O que é a filo., p. 56). Em resumo, quando em
conversação com o filósofo, seu interlocutor, que no início do diálogo sabe-se “sábio” nalgum
assunto, é obrigado a prestar contas de si. No andamento do diálogo, no entanto, este como
que se vê embaraçado com as questões que Sócrates lhe coloca, de modo que, ao cabo, é
levado a assumir que, em verdade, não sabe o que supunha saber. (HADOT, O que é a filo., p.
55 – 56) Perplexo, o interlocutor de Sócrates precisa admitir que não é o que pensava ser e,
assim, experimenta como que um “desconforto”, um “desconcerto” diante do filósofo.
Basicamente, o interlocutor do filósofo “toma consciência” de sua condição. Esta é a
“experiência fundamental” que está no início do “filosofar” na Antiguidade.8 Grosso modo,
“filosofar” supõe, então, “experimentar” a própria “miséria” ( “saber-se filho de Penia”, para
aproveitar da figura do Banquete). Note-se, ainda, que, nestes termos, o início de tal atividade
caracteriza-se não como uma constatação de ordem teórica ou proposicional (como, por
exemplo, a exigência de assentimento que uma necessidade lógica invoca), mas sim como uma
“sensação”. Não é desacertado dizer, assim, que a “filosofia antiga” começa de um “mal-estar”
por estar em certa condição.

Na Defesa, inclusive, Sócrates diz que o oráculo de Delfos atribui-lhe como missão
justamente garantir que seus concidadãos “experimentassem” esta “tomada de consciência”,
que reconhecessem sua ignorância. (PLATÃO, Defesa, p. 9, 21e) Diz-nos Hadot que, neste
empreendimento, o filósofo “[...] agirá como quem nada sabe, isto é, com ingenuidade. É a
famosa ironia socrática: a ignorância dissimulada, o ar cândido com o qual, por exemplo, ele
investigou para saber se havia alguém mais sábio que ele.” (HADOT, O que é a filo., p. 51)

A “ironia socrática” aparece aí intimamente vinculada à peculiar sophía de Sócrates. A


“sabedoria do não-saber” do filósofo traduz-se, então, como que em um “instrumento” que
lhe possibilitará dar cabo da missão que o oráculo lhe confiou. Atestando ignorância, o filósofo
assume um único posicionamento, a saber, o de não posicionar-se, de modo que ele apenas
interroga seus interlocutores.9 Em verdade, ele nada diz, porque nada tem a dizer – afinal,
enquanto filósofo, ele não passa de um ignorante que quer saber. Então ele pergunta e exige
que seus interlocutores lhe digam o que assumem saber. É, inclusive, especialmente a estes

8
Hadot cita acerca da “tomada de consciência” um trecho de Conversações de Epiteto: “O ponto de
partida da filosofia [...] é a consciência [pelo sujeito] de sua própria fragilidade.” (HADOT, O que é a filo.
p. 285)
9
Hadot cita um trecho da República de Platão: “Ei-la a habitual ironia de Sócrates! Eu já sabia e
predissera a esses jovens que não quererias responder, que simularias ignorância, que tudo farias para
não responder às perguntas que te fossem apresentadas!” (HADOT, O que é a filo, p. 51)
que Sócrates dirige-se, a saber, àqueles que estão convencidos de saber algo. Pense-se aqui,
especialmente, nos sofistas – estes que, como se disse acima, assumindo-se possuidores da
aretê, estavam dispostos a ensiná-la. Sócrates, por seu turno, diz não ter nada a ensinar.
Portanto, ele não responde, apenas pergunta. E perguntando, ao cabo, faz com que seu
interlocutor perceba que seu pretenso saber é, em verdade, ilegítimo. Não bastasse isso, o
filósofo não sugere nenhuma alternativa ao saber que revelou infundado. Perguntando,
apenas instaura a “aporia, a impossibilidade de concluir e de formular um saber” (HADOT, O
que é a filo., p. 54). E isto justamente sendo “irônico”, “simulando” ignorância. Note-se, no
entanto, que esta “dissimulação” de Sócrates não se traduz num tipo de “falsidade”, como se
ele assumisse conscientemente a postura de um “mentiroso”, mas sim como uma postura
marcada pelo “humor” que reconhece toda a pretensa “sabedoria humana” como coisa
“desprovida do mínimo valor” 10. (HADOT, O que é a filo., p. 52) É que, tal como se viu, o
“verdadeiro saber”, a sophía, é impossível de ser possuída pelos homens (dado que ela
pertence apenas aos deuses) e, se esse é o caso, a suposta sabedoria dos homens não merece
atenção – sendo irônico e, portanto, tomando partido do humor, o filósofo lhe furta qualquer
pretensa seriedade.

Conduzindo seu interlocutor a “tomar consciência” de sua ignorância e, por seu turno,
fazendo-o constatar que a sophía é impossível aos homens, Sócrates promove uma reviravolta
na conversação, de modo que a atenção do diálogo passe do tema que pôs o mesmo em
marcha para o próprio interlocutor. “Dito de outro modo, no diálogo “socrático”, a verdadeira
questão que está em jogo não é isso de que se fala, mas aquele que fala [...].” (HADOT, O que é
a filo., p. 54 [grifos do autor])

Em última instância, o esforço de Sócrates é o de fazer com que seu interlocutor,


grosso modo, “ponha-se em suspenso”, que faça o próprio “eu” objeto de atenção.
Abandonando a pretensão de alcançar algum saber, então, Sócrates convoca-o a “tomar
cuidado consigo mesmo”, de modo que “examine-se”. (HADOT, O que é a filo., p. 55) É o que
atesta, por exemplo, Nícias no diálogo Laques de Platão, citado por Hadot:

“Não sabes que aquele que se aproxima muito perto de Sócrates e entra em diálogo
com ele, mesmo que tenha começado, no início, a falar com ele de outra coisa, ele não
se constrange em ser conduzido em círculo por esse discurso, até que seja necessário
dar razão de si mesmo tanto quanto da maneira pela qual se vive [...].” (HADOT, O que
é a filo., p. 54)

Depois de intimar o outro, primeiro, a dar razão de seus discursos e de sua suposta
sabedoria, Sócrates, assumindo outra via, o conduz a “dar razão de si” e da “maneira pela qual
se vive”. Ao cabo, tal como no primeiro caso, quando “toma consciência” da ilegitimidade de

10
É o que diz o filósofo na Defesa: “O provável, senhores, é que, na realidade, o sábio seja o deus e
queira dizer, no seu oráculo, que pouco valor ou nenhum tem a sabedoria humana [...] como se [o
oráculo] dissesse: ‘O mais sábio dentre vós, homens, é quem, como Sócrates, compreendeu que sua
sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor’.” (PLATÃO, Defesa, p. 10, 23a-b)
seu saber e, portanto de sua ignorância, no segundo “toma consciência” de que sua vida é, em
certo sentido, também ilegítima, na medida em que seja marcada por contradições,
incorreções, desvios, inconstâncias e afins – em resumo, uma “vida inautêntica”. (HADOT,
Exercícios espirituais, p. 22) Hadot localiza aí um “apelo ao ‘ser’” do sujeito (HADOT, O que é a
filo., p. 56) – apelo este que marcará de uma ponta a outra a “filosofia antiga”, como se verá.
No final das contas, o que está em jogo na missão de Sócrates (e, portanto, em sua sabedoria),
poder-se-ia dizer, não é, então, “o que se sabe”, mas “o que se é”. A questão é o próprio “ser”
do sujeito: grosso modo, o modo como ele pensa, decide, sente, age e, de modo mais geral,
vive. Questão esta que é da mais alta importância para o homem. É isto o que o filósofo diz na
Defesa, quando declara que, tendo abandonado as coisas de que “cuida toda a gente”,
dedicou-se àquilo que é “o maior dos benefícios”, a saber, “persuadir” seus concidadãos a
“cuidar menos do que é seu que de si próprio para vir a ser quanto melhor e mais sensato [...]”
(PLATÃO, Defesa, p. 21, 36c).

O “filosofar”, então, definido no Banquete como a “busca pela sabedoria”, possível


pela “tomada de consciência” da própria ignorância, vê-se, transmuta-se aqui numa atividade
que direciona-se não ao “saber”, mas ao “eu”. O objetivo da filosofia é, então, “tornar-se
melhor”: para o filósofo a verdadeira sabedoria é “ser melhor”. E o “melhor” não é algo que se
“sabe”, mas algo que se “é”. Trata-se, grosso modo, da busca por uma sabedoria prática,
voltada para a vida. O “saber” que se deseja, então, é um “saber conduzir-se na vida”. Isto que
é possível, é preciso lembrar, somente se dá-se atenção a si mesmo. Em resumo: tal como
exposto, a filosofia aparece como o esforço por tornar-se melhor. Hadot, enquanto de sua
leitura dos “textos antigos”, localizará esta “filosofia” em toda a Antiguidade a partir da “figura
de Sócrates”. Antes de abordar este ponto, no entanto, é preciso considerar ainda um último
aspecto.

Não é descabido assumir que, não obstante sua ignorância, há um “ensino” na “figura
de Sócrates”, a saber, um ensino para a vida, noutros termos, para o modo como se a conduz.
Trata-se de aprender com ele, tal como o próprio declarou em sua defesa, a ser “melhor e
mais sensato”. Conta-nos Hadot que um texto escrito por Ésquines de Esfestos (discípulo de
Platão) diz que se Sócrates “não é capaz de ensinar algo de útil a Alcebíades [...]”, visto que ele
é ignorante, “[...] ele crê ao menos poder torná-lo melhor [...]” (HADOT, O que é a filo., p. 58).
O que o filósofo sabe, então, é que é preciso “melhorar”. Perguntar-se-ia, no entanto: de onde
brota tal necessidade e, noutra via, o que é este “melhor” que pretende-se ser? Para tal
questão, no entanto, Sócrates não nos dá resposta – e nem o poderia, visto ser ele ignorante.
Enquanto Sócrates nada sabe, ele não sabe nem o que fundamenta sua missão de tornar os
outros “melhores” e, ainda, nem o que seja este “melhor”. (HADOT, O que é a filo., p. 62) E,
não obstante, diz-nos ele na Defesa, que sabe “[...] que é mau e vergonhoso praticar o mal
[...]” e que não fugirá do que não sabe “[...] se será um bem.” (PLATÃO, Defesa, 29a-b)

O filósofo sabe que é mau praticar o “mal” e, portanto, que é bom praticar o “bem”,
sem que, no entanto, saiba o que seja o “bem” e o “mal”. Hadot nos explica que “[...] o que
interessa Sócrates não é definir o que pode ser o conteúdo teórico e objetivo da moralidade: é
necessário saber se se quer real e concretamente fazer o que se considera justo e bom: como
se deve agir.” (HADOT, O que é a filo. p. 64) Trata-se, segundo o autor, de um “saber-valor”
(HADOT, O que é a filo., p. 62) – noutros termos, saber o valor que a ação e a intenção moral
possuem por si mesmas. Este que, por sua vez, traduz-se em um “saber-viver” (HADOT, O que
é a filo., p. 62): se é mau praticar o “mal” é preciso conduzir a vida de um modo tal que não se
o pratique. Este “saber-viver”, no entanto, supõe antes uma escolha, a saber, a que se deve
fazer entre dois valores, entre aquilo que é “bom” e aquilo que é “mal”.

O “saber-valor” (que traduz-se num “saber-viver”) de Sócrates, não é de natureza,


grosso modo, “teórica” ou “proposicional”, mas sim “prática”. É um “saber-que-é-necessário-
escolher”. (HADOT, O que é a filo., p. 62) O que se sabe é que é preciso escolher,
necessariamente, entre os dois valores (“bem” e “mal”) e, feita tal escolha, respeitá-la
irrestritamente, orientando-se em absoluto segundo ela, visto que a inobservância da escolha
que se fez caracterizará um “mal”, enquanto que o contrário será, justamente, um “bem”.
Nota-se que, antes desta escolha, o “valor” (o “bem”, por exemplo), grosso modo, não possui
um estatuto tal que o defina por si mesmo como sendo o “melhor” em relação a outro (neste
caso, o “mal”). O que determina o valor do “valor”, então, é a “escolha”: se o sujeito escolher o
“bem”, por exemplo, este será identificado com o que seja o “melhor”. Pode-se perguntar,
ainda: o que condiciona que escolha-se um valor e não outro? Em resumo, uma “experiência”,
como se viu acima: ao cabo da conversação com Sócrates, por exemplo, “experimenta-se” que
a “ignorância” não é o “melhor” e, por isso, escolhe-se seu contrário, a “sabedoria”. Poder-se-
ia pensar, talvez, que tal “experiência” possui tal conteúdo porque o “mal” é intrinsecamente
um “mau” (e que a ignorância é intrinsecamente “pior” que a sabedoria) e que, portanto, seria
impossível “experimentar” o mal como sendo o “melhor”. Não é isto que se passa, no entanto.
Como se verá no próximo capítulo, tal conteúdo é, grosso modo, como que “maleável”, no
sentido de que está aberta a possibilidade de se experimentar o “mal” como um “bem”. No
caso de Sócrates a “sabedoria” é “melhor” que a “ignorância” porque foi isto que ele escolheu
– se sua escolha fosse outra, também o seria a “experiência” de seu interlocutor.11

Feita a “escolha”, então, aquilo que se escolheu como sendo o “melhor” recebe um
valor absoluto (HADOT, O que é a filo., p. 63), de modo que, à partir desta decisão, o sujeito
que à fez deverá orientar-se rigorosamente segundo ela, sob a pena de, não a observando,
estar cometendo um “mal”. E, vale ressaltar, que trata-se de um “valor absoluto” no sentido
mais forte possível, à ponto de que, se necessário, será preciso dar cabo a própria vida para
garantir que a escolha seja respeitada. Em resumo, o “filosofar” que a “figura de Sócrates”
inaugura é o esforço sem limites por sua parte em conformar-se tanto mais quanto possível
àquilo que tenha escolhido como sendo o “melhor”. Conclui-se, então, que, com a “figura de
Sócrates”, grosso modo, a “filosofia” é a atividade da busca pela realização do “melhor” (este
que possui um caráter marcadamente prático, vinculado ao modo como se vive, como se viu).
Poder-se-ia, talvez, resumir a atividade filosófica, nesses termos, como fruto de uma
“experiência”, de uma “escolha” e de uma “busca”.

Segundo Hadot, “[...] em toda a Antiguidade, Sócrates permanecerá o modelo de


filósofo ideal, cuja obra filosófica é justamente sua vida e sua morte.” (HADOT, O que é a filo.,

11
Pode-se pensar, sobre isto, no movimento dos sofistas: em resumo, sua competência retórica repousa
na capacidade de sustentar com o mesmo rigor posicionamentos completamente díspares, de modo
que, se assim o desejarem, um “bem” poderá parecer àqueles que os ouvem discursar um “mal”. É que,
diferente de Sócrates, eles não “escolheram” um valor e não se orientam segundo ele (não é atoa que o
filósofo critique especialmente estes).(localizar onde aparece que Sócrates critica os sofistas)
p. 68). A “figura de Sócrates”, enquanto “filósofo” por excelência, influenciará, direta ou
indiretamente, toda a tradição antiga da filosofia, esta que inicia-se na Grécia Antiga
(justamente com “a figura de Sócrates” – mas que, como se mencionou, é resultado de um
processo histórico mais amplo) e estende-se até o final do Império Romano, mantendo ainda
certos resquícios até mesmo na contemporaneidade. Como mencionado no início deste
capítulo, o que garante que Hadot assuma que, de fato, toda a “filosofia antiga” tenha se
apresentado nestes termos é seu estudo histórico e filológico sobre os “textos antigos” –
grosso modo, lendo os textos segundo àqueles “imperativos metodológicos”, Hadot verifica
que estes atestam este fato. Um trabalho completo, portanto, exigiria que se reproduzisse o
levantamento que o autor desenvolve. Isto, no entanto, extrapola em muito as pretensões da
presente pesquisa. Em vista disso, de forma modesta, apresentaremos apenas o caráter mais
geral da “filosofia” como busca pelo “melhor” que Hadot localiza na Antiguidade. Como se
verá na sequência, a filosofia é aí um “modo de vida”, este marcado pela prática do que ele
chama de “exercícios espirituais”.

Exercícios espirituais

Para que se possa compreender melhor o que tenha sido concretamente esta
“filosofia” que busca o “melhor”, apresentada anteriormente, será útil extrapolar a “figura de
Sócrates” e atentar para as escolas filosóficas da Antiguidade12, pois, segundo Hadot, é nestas
“[...] que o fenômeno é mais fácil de observar.” (HADOT, Exercícios espirituais, p. 22)

Diz-nos nosso autor que “[...] reivindiquem ou não a herança socrática, todas as
filosofias helenísticas [leia-se: escolas helenísticas e romanas de filosofia] admitem, com
Sócrates, que os homens estão submersos na miséria, na angústia e no mal, porquanto estão
na ignorância.” (HADOT,O que é a filo. Antiga, p. 154). Para tais escolas, portanto, tal como o
era para Sócrates, como vimos, o homem, na medida em que opõe-se radicalmente aos
deuses, é marcado pela ignorância e, ainda, pela ausência de consciência desta condição. Visto
que ele não “examina a si mesmo”, tal como exige o filósofo que o faça quando lhe aborda, é-
lhe impossível “tomar consciência” de si e, assim, saber-se ignorante. Esta vida, para Sócrates,
não é digna de ser vivida. (PLATÃO, Defesa, 38a, p. 22) Neste contexto, Hadot caracteriza uma
vida que é vivida nestes termos, a saber, “obscurecida pela inconsciência”, como uma “vida
inautêntica” (HADOT, Exercícios espirituais, p. 22). A “filosofia”, neste caso, é, como se
mostrou acima, justamente a escolha e a busca por superar tal condição. Trata-se, então, do
esforço em viver uma “vida autêntica”.

Tal como Sócrates, cuja única coisa que poderia ensinar a seu discípulo Alcibíades era
“tornar-se melhor”13, assim também o será o ensino das escolas filosóficas da antiguidade.

12
Pense-se, especialmente, na Academia de Platão, no Liceu de Aristóteles, no Jardim de Epicuro e na
Stoa de Zenão. Além dessas, há, também, “correntes filosóficas” que, tal como o cinismo e o ceticismo
de Pirro, não institucionalizaram-se, de fato, em escolas (isto não afeta a proposta da presente pesquisa,
que abordará todas, indistintamente, como “escolas filosóficas”).
13
Cf. pg. 14 (conferir depois se é essa mesmo)
Aquele que, por ter-se percebido ignorante, ou infeliz, ou miserável e etc., decidir ingressar
nesta instituição, estará “escolhendo”, então, empenhar-se em “tornar-se melhor”, em buscar
o “ideal” da escola em que ingressou14. Segundo Hadot, esse esforço em “operar uma
transformação do eu” está presente em todas as escolas da Antiguidade, de um modo ou de
outro, às vezes menos explicitamente e às vezes mais (mas, ainda assim, sempre presente).
Este esforço em aprimorar-se, por seu turno, dá-se sempre pelo engajamento em práticas que
o autor chama de “exercícios espirituais” (HADOT, O que é a filo., p. 259): o conjunto de
práticas presentes naquelas escolas cujo exercício possibilitará que aquele que nelas aplique-
se opere em si uma “transformação” segundo o “melhor” – mudança esta que incidiria sobre o
“ser” do sujeito num sentido bastante amplo, em que inclui-se, como se verá, todas e cada
uma das dimensões de sua vida (moral, física, emocional, intelectual e etc.). (HADOT, O que é a
filo., p. 21) “Filosofar”, assim, é praticar “exercícios espirituais” 15.

Para explicitar o que sejam os “exercícios espirituais”, Hadot propõe, no início de seu
artigo Exercícios Espirituais, que, como um “estudo de caso”, considere-se a escola estoica.
Vale reproduzir este ponto, mesmo que de forma bastante resumidamente. No estoicismo, de
modo bastante geral, a “infelicidade” (ou, ainda, o sofrimento, ou mesmo a ignorância) dá-se,
grosso modo, em razão de se desejar ou temer o que não está exclusivamente sob o próprio
domínio. (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 23) Em resumo, na medida em que se deseja o que,
talvez, não se pode possuir e teme-se o que, talvez, não se pode evitar, é se infeliz. A
superação de tal condição de infelicidade dar-se-á somente quando o sujeito instalar-se em
um estado oposto a este, portanto. Aquele que engajar-se na escola estoica, então, propor-se-
á a desligar-se de tais desejos e temores, de modo que, portanto, não deseje e não tema nada
que não seja absolutamente passível de ser possuído ou evitado: ora, o que pode ser possuído
ou evitado em absoluto é somente aquilo que depende exclusivamente do próprio sujeito (o
que, grosso modo, está em seu poder decisão e de ação – o que ele escolhe e o que ele faz), a
saber, o “bem moral” e o “mal moral”. (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 23) No estado de
“felicidade”, portanto, o único objeto de desejo do sujeito será o “bem moral” e a única coisa
que ele procurará evitar é o “mal moral”.

Segundo o autor, promove-se, neste caso, “[...] uma inversão total da maneira habitual
de ver as coisas. Passa-se de uma visão “humana” da realidade [...] para uma visão “natural”
das coisas, que coloca cada acontecimento na perspectiva da natureza universal.” (HADOT,
Exercícios Espirituais, p.23 – 24) A condição de “felicidade”, neste caso, é um estado que
resulta de uma “inversão” do modo “habitual de ver as coisas”16. Alcançá-la, então, supõe uma

14
É importante notar que, para as diferentes escolas, diferente será o conteúdo deste “ideal” a ser
buscado. Não cabe no escopo da presente pesquisa, no entanto, investigar e especificar tais distinções,
mas apenas identificar este pano de fundo comum.
15
A escolha de Hadot por este termo justifica-se em função de que, segundo ele, apenas tal poderia
abarcar o sentido amplo que tais práticas possuíam na Antiguidade. “Espiritual”, então, porque refere-se
à integralidade do sujeito que à pratica (o que não poderia ser apreendido por, por exemplo, “exercícios
éticos”, “intelectuais”, “da alma” ou semelhantes, estes que seriam demasiadamente restritivos).
(HADOT, Exercícios Espirituais, p. 20)
16
Isto não está muito distante da postura de Sócrates que, abandonando as coisas de que “[...] cuida
toda a gente [...]”, dedica-se àquilo que lhe parece mais importante, a saber, “[...] cuidar de si próprio
[...]” para ser “[...] melhor e mais sensato [...]”.(PLATÃO, Defesa, p. 21, 36c) Cf. acima 11 (arrumar pg
quando estiver pronto. Hadot distingue, neste ponto, a “vida filosófica” da “vida não-filosófica” (a vida
”transformação” – de forma radical, um posicionamento é substituído por outro. No exemplo,
tal mudança será caracterizada pelo autor como a passagem de um ponto de vista “humano”,
em que se deseja e se teme o que as “paixões” ditam (estas que condicionam os valores do
sujeito e, portanto, também suas decisões e ações), para um ponto de vista “natural”, em que
não se deseja e nem se teme nada que não seja aquilo que depende exclusivamente do sujeito
(o bem e o mal moral). (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 24)

A passagem de um ponto de vista a outro, no entanto, não depende apenas de querer


realizá-la. Exige, além da decisão para tal, esforço e aplicação constantes e sempre atualizados.
A efetivação de tal processo depende de certo “treinamento”, a saber, justamente da prática
dos “exercícios espirituais”. É, então, somente pelo engajamento do sujeito nestes que o
processo de busca pelo “melhor” será possível17. (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 24) É
preciso perguntar, então: qual a natureza destas práticas?

Hadot reconhece que o conhecimento de tais “exercícios espirituais” depende, quase


que exclusivamente, de menções implícitas e indiretas presentes em nalguns “textos antigos”.
(HADOT, O que é a filo., p. 271) Não se conhece, diz-nos o autor, nenhum esforço por parte
dos filósofos do período em sistematizá-los, enumerá-los, classificá-los ou algo dessa natureza.
(HADOT, O que é a filo., p. 271) Não sabe-se de sua existência porque um filósofo nos tenha
legado uma dissertação à seu respeito, então. Mas, se tais práticas são decisivas no que seja a
“filosofia antiga”, tal como nosso autor está defendendo, deve-se perguntar: qual a razão
desse aparente “silêncio” nos textos?

Segundo Hadot, enquanto que estritamente vinculados à dimensão prática da filosofia,


tratavam-se de elementos que eram transmitidos e ensinados quase que exclusivamente de
forma oral18, na relação concreta e imediata que se estabelecia entre mestres e discípulos no
cotidiano da vida escolar em que eram praticados – nesse caso o registro escrito dos mesmos
fazia-se dispensável. (HADOT, O que é a filo., p. 271) Como se verá no próximo capítulo, os
“textos antigos” (aquilo que, para além do ensino oral, foi escrito, portanto) possuem uma
função bastante específica neste contexto, o que ajudará a explicar a ausência de menções a
tais práticas nos mesmos. Por outro lado, não se pode deixar de considerar o fato de que o
desconhecimento de sistematizações deste tipo não implica que não tenham existido – não se
pode descartar a possibilidade de que tenham sido elaboradas descrições dos “exercícios
espirituais” sem que, no entanto, nos tenham chegado.

Não obstante esta aparente ausência de menções explícitas, em O que é a filosofia


aniga? Hadot localiza nos “textos antigos” uma sorte de referências indiretas do que tenham
sido os “exercícios espirituais” na Antiguidade. Segundo ele, apesar de muitas vezes diferentes

dos “filósofos” em oposição à vida dos “não-filósofos”): a primeira, marcada pela busca do “melhor”, é
“autêntica”, enquanto que a segunda, marcada, em resumo, pela inconsciência e pela império das
paixões, é inautêntica. (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 58)
17
Vale aproveitar a figura de Eros mais uma vez: tal como este, Sócrates, sabendo-se “miserável”, faz-se
“caçadores” do que é “bom”, de modo que, lançando mão de certos “recursos”, “filosofa” a vida toda.
Cf. acima citação de Diotima.
18
O que está de acordo, inclusive, com o fato de que, à época, tal como indica o autor em seu
levantamento histórico, o ensino era marcadamente oral. (HADOT, A filosofia como maneira de viver –
entrevista, p. 75 – 77)
em forma e conteúdo, pode-se classificá-los, basicamente, em dois tipos, a saber, os exercícios
de “concentração” (que implicam, grosso modo, um “voltar-se para si” pelo sujeito que os
pratica) e os de “dilatação” (que, ao contrário, grosso modo, referem-se à um “ir para além de
si”). (HADOT, O que é a filo., pg. 273) Mas, apesar de serem fundamentalmente distintos, cada
um destes tipos de prática é complementar ao outro, diz-nos Hadot. (HADOT, O que é a filo.,
pg. 273) Isto porque, mesmo que opostos, tratam-se ambos de “movimentos de tomada de
consciência de si” (HADOT, O que é a filo., p. 273): num caso um movimento “para dentro” e
noutro “para fora”, como se verá.

Na sequência apresentaremos, de acordo com o que é indicado em O que é a filosofia


antiga?, uma breve exposição, primeiro, dos exercícios de “concentração” – práticas que,
como se disse, envolvem e direcionam-se a si mesmo e sugerem como que um “recolhimento”
do o eu sobre si – e, depois, dos de “dilatação” – que, de certa forma, envolvem a relação
daquele que os pratica com o que lhe é externo e implicam num tipo de “extrapolação”,
“superação” e, poder-se-ia dizer, “abandono” do eu.

Primeiro, diz-nos o autor que quase “[...] todas as escolas propõem exercícios de
ascese [...] e de domínio de si. [...] Todas elas supõem um desdobramento, pelo qual o eu
recusa confundir-se com seus desejos e apetites.” (HADOT, O que é a filo. p. 273) Tais práticas
(de “ascese” e de “domínio de si”) confundem-se umas nas outras. Isto porque se tratam de
“exercícios espirituais” em que se busca garantir um “auto-controle” e, assim, como que se
possa “superar” a si mesmo, dirigindo-se, grosso modo, à uma condição mais elevada. Deve-se
notar, então, que neste caso “ascese” é usada por Hadot de um modo ambíguo, visto que faz
referência, ao mesmo tempo, à “ascetismo” (no sentido de uma “recusa” ou “privação” sobre
si – de modo que o “domínio de si” é um “dizer não à si”) e à “ascensão” (no sentido de
“progride-se” de um ponto à outro mediante, justamente, àquele o “ascetismo”). “Ascetismo”,
então, porque todos os “exercícios espirituais” deste tipo, faz notar Hadot, convocam um
esforço por “silenciar” os apelos e exigências do que seja “humano” e do “corpo” (HADOT, O
que é a filo. p. 273): pode-se pensar aqui, por exemplo, nos apetites dos sentidos (o desejo
sexual, por exemplo), mas, num sentido mais amplo, às coisas de que toda a gente se ocupa (a
honra, a fama, a riqueza, o luxo e etc.), da qual falava Sócrates19. Grosso modo, trata-se do
esforço por “desligar-se”, tanto quanto possível, destes. “Ascensão”, por seu turno, porque,
mediante a supressão do que seja do “corpo” e do que é “humano”, eleva-se a uma condição
superior, do “espírito” e “divina” – em resumo, por este esforço distancia-se da “ignorância” e
do “homem” e aproxima-se da “sabedoria” e dos “deuses”.

Vale citar, a título de exemplo, os regimes alimentares, os jejuns e as vigílias que Hadot
localiza na escola platônica (HADOT, O que é a filo., p. 106) – grosso modo, como que para
“enfraquecer” o corpo e fortalecer o espírito; ou a rejeição de todo tipo de conforto e, de
modo mais geral, de tudo que faça referência à “civilização” (como costumes e convenções,
em resumo), na escola cínica (HADOT, O que é a filo., p. 162 – 164) – isto para que, grosso
modo, suporte-se todo tipo de intempérie, torne-se resistente e, finalmente, ascenda-se à

19
Cf. acima p. 11. verifiacar
“ataraxia” (em resumo, a ausência de perturbações) e a “autarquia” (basicamente, um tipo de
independência interior). (HADOT, O que é a filo., p. 164)20

Encontram-se nos “textos antigos” também menções a exercícios de “pensamento da


morte” e de “atenção ao presente” – exercícios distintos, mas que relacionam-se intimamente.
Acerca do primeiro, Hadot menciona que, apesar de presente, de um modo ou de outro, em
quase todas as escolas da Antiguidade, é marcadamente explícito em Platão e em Marco
Aurélio (HADOT, O que é a filo. p. 274 – 275). Segundo o autor, Platão, inclusive, define a
filosofia como um “exercício para a morte” – filosofar, em resumo, é para este “aprender a
morrer” (HADOT, Exercícios Espirituais, p. 46). No filósofo, de fato, tal prática assume
contornos complexos e, por vezes, diversos. (HADOT, O que é a filo., p. 105 – 107) Basta-nos,
no entanto, compreendê-los, grosso modo, como um esforço por “desligar-se” de tudo o que
seja do “corpo”, este que, em Platão, é o “pior”, afim de “ligar-se” ao que seja do “espírito”,
àquilo que, no filósofo, é o “melhor” – “morrer”, portanto.21

Tal exercício “da morte” também está presente em Marco Aurélio, como mencionado.
É por ele, inclusive, que se alcança o outro, a saber, o exercício de “atenção ao presente”:
refletindo sobre a “morte” (grosso modo, “separando-se de si mesmo”) (HADOT, O que é a
filo., p. 275) o sujeito depara-se com o “valor absoluto do instante” e, por seu turno, vive
plenamente no “presente”. (HADOT, O que é a filo., p. 275) Na última ponta deste processo
goza-se de um estado de “tranquilidade e serenidade”. (HADOT, O que é a filo.,p. 275) Isto é
possível, também, pelo exercício de “atenção ao presente” em que, em resumo, esforça-se
para assumir integralmente o fato de que apenas o “agora”, de fato, é “vivido”; de que o
passado é o que já o foi e, portanto, não o é mais; e de que ao futuro pertence apenas o que se
viverá, ainda incerto e, portanto, não passível de ser já vivido. Constata-se assim que, grosso
modo, é exclusivamente o “presente” que está sob o poder do sujeito – só agora se pode
escolher e agir. (HADOT, O que é a filo., p. 275) Vê-se aí, mais uma vez, a distinção estoica,
antes mencionada22, entre o que depende do sujeito e o que não depende – esta que, na
medida em que incorporada integralmente, possibilita, ao cabo, alcançar a “felicidade”.

Do mesmo modo que entre “[...] os estoicos, o exercício espiritual fundamental


consiste, para os epicuristas, em concentrar-se no presente e em evitar projetar seus desejos
sobre o futuro. O presente basta para a felicidade, pois permite satisfazer os desejos mais
simples e mais necessários, aqueles que proporcionam um prazer estável.” (HADOT, O que é a
filo., p. 281) Isto porque a “tomada de consciência” na escola epicurista se dá quando o sujeito
nota-se “sentindo”, possibilitada pelo exercício de “atenção ao presente”. (HADOT, O que é a
filo., p. 279) Ou seja, quando, atento a si mesmo no presente, ele percebe que “sente”. Mas
não se trata de simplesmente “sentir”, e sim, grosso modo, de “sentir que se sente”. Em

20
Hadot chama a atenção, inclusive, para o fato de que reconhecem-se tais práticas tanto na
personagem Sócrates de Platão quanto na figura mais preponderante do cinismo, Diógenes: “E se, como
vimos, a figura de Sócrates se confundo no Banquete com a de Eros mendigando, Diógenes, vagando
sem eira nem beira com seu próprio alforje [em que carregava apenas o estritamente necessário para
sobreviver], não é ele outro Sócrates [...]?” (HADOT, O que é a filo., p. 165)
21
Resumindo o diálogo Defesa, de Platão, Hadot faz lembrar que “Sócrates se expôs à morte pela
virtude. Preferiu antes morrer a renunciar as exigências de sua consciência.” (HADOT, Exercícios
Espirituais, p. 44)
22
Cf. acima verificar página que menciono o estudo de caso acerca do estoicismo.
resumo, tal experiência é, no epicurismo de um modo geral, um “prazer”. Mas não um prazer
como qualquer um dos prazeres do corpo (o da satisfação sexual, por exemplo) e sim um
prazer, em certo sentido, do tipo “intelectual”23, a saber, o “puro prazer de existir”. (HADOT, O
que é a filo., p. 279)

Para que a experiência deste prazer seja possível, no entanto, é necessária, antes,
também uma “ascese dos desejos” – esta outro “exercício espiritual”. (HADOT, Exercícios
espirituais., p. 32) Tal como mencionado anteriormente, “ascese” aqui deve ser compreendida
no sentido de “negação” – ou seja, um tipo de “dizer não aos desejos”. Cabe ressaltar, no
entanto, que não se trata de reprimir todo e qualquer desejo. Mais propriamente, poder-se-ia
dize que se trata de aprender a “desejar corretamente” (HADOT, O que é a filo., p. 173 -174)
Alguns permanecem, a saber, àqueles “da carne”: os desejos (ditos “naturais e necessários”)
de satisfazer a fome, a sede e o frio. (HADOT, Exercícios espirituais., p. 32)

Aqui a “atenção ao presente” é, a um só tempo, um “exercício espiritual” que


possibilita atentar exclusivamente aos apelos “da carne” (dado que, em certo sentido, todos os
demais desejos, direta ou indiretamente, fazem referência sempre ou ao passado ou ao
futuro) e, noutra via, resultado da “ascese dos desejos”, visto que que na medida em que não
se deseja nada para além daquilo que a “carne” exige, o sujeito prende-se exclusivamente ao
presente. Em resumo, a “atenção ao presente” possibilita a “ascese dos desejos” e esta
possibilita a “atenção do presente”.

Vale notar, ainda, que, segundo Hadot, a “tomada de consciência” que caracteriza os
“exercícios espirituais” de “concentração” do eu possui, com frequência, um caráter
marcadamente moral. (HADOT, O que é a filo., p. 285) Tomar consciência de si, neste caso,
significa também reconhecer o próprio “estado moral”: é reconhecer as faltas e desvios morais
que se praticou, mas, num outro sentido, também os acertos. Isto é possível, em resumo,
mediante uma avaliação moral do eu sobre si mesmo. Esta que é, também, um “exercício
espiritual”, a saber, o “exame de consciência”. (HADOT, O que é a filo., p. 285) Em seu sentido
geral, pode-se identificar tal prática como expressão da exigência de Sócrates, antes
mencionada, para que seus interlocutores atentassem para si mesmos. (HADOT, O que é a
filo., p. 55) No entanto, aparece na Antiguidade de diferentes formas. Considere-se, a título de
informação, tal exercício como um exame do conteúdo dos sonhos (presente, por exemplo,
em Platão (HADOT, O que é a filo., p. 104), mas também, tal como atestado por Plutarco, em
Zenão (HADOT, O que é a filo., p. 285)), a confissão e a correção entre amigos (presente na
escola epicurista (HADOT, O que é a filo., p. 183) ou, ainda, o levantamento e avaliação, antes
de dormir, do que se fez no decorrer do dia (presente, por exemplo, em Epiteto e Sêneca
(HADOT, O que é a filo., p. 287)).

Há, é claro, além dos “exercícios espirituais” aqui mencionados, um sem número de
outras práticas dessa natureza correntes na “filosofia antiga”, tal como apresentado
exaustivamente em O que é a filosofia antiga? por Hadot. Para que não nos desviemos de
nosso propósito, no entanto, bastam-nos as indicações feitas. Vale considerar, por último,
mesmo que bastante superficialmente, ainda as práticas de “expansão” do eu. Diferentemente
dos os exercícios de “concentração”, que visam a possibilitar a “tomada de consciência” e, por

23
Hadot não hesita em usar “espiritual” ou, ainda, “prazer filosófico”. (HADOT, O que é a filo., p. 279)
seu turno, a “melhora” do sujeito mediante um “ir de encontro a si”, as práticas de
“expansão”, por sua vez, promoverão tal por meio de um “ir além de si”. Destas, Hadot
menciona, por exemplo, o “exercício espiritual” de “expansão do eu nos cosmos”:

“Em todas as escolas que o praticam, esse exercício de pensamento e de imaginação


consiste, finalmente, para o filósofo, em tomar consciência de seu ser no Todo, como
ponto minúsculo e de frágil duração, mas capaz de dilatar-se no campo imenso do
espaço infinito, e de conhecer em uma única intuição a totalidade da realidade.”
(HADOT, O que é a filo., p. 294, [grifo nosso])

Trata-se, faz notar Hadot, de uma prática de caráter, grosso modo, “intelectual”, dado
que concorrem para exercitá-la as faculdades do “pensamento” e da “imaginação”. Estas,
agindo em conjunto no sujeito, processam um esforço de “ver” o “cosmos” em sua
“totalidade”: uma ação intelectiva que pensa e imagina tudo o que há (o “cosmos”) como uma
unidade, possibilitando ao sujeito apreender tal intuitivamente num único movimento do
intelecto como se o “visse”. Grosso modo, por esse exercício (que é, justamente, o esforço de
“ver” o “cosmos” nestes termos) possibilita-se uma experiência, poder-se-ia dizer, metafísica
de apreensão do real enquanto um Todo único – de modo que, inclusive, o próprio sujeito
confunde-se em tal, visto ser, justamente, nele integrante. Para explicitar tal exercício e o
conteúdo da intuição que ela engendra Hadot pronuncia-se metaforicamente por meio de uma
série de citações escolhidas de diferentes “textos antigos”: recorrendo aos diálogos platônicos,
por exemplo, ele fala em “abraçar, em seu conjunto e sua totalidade, as coisas divinas e
humanas” (HADOT, O que é a filo., p. 290); dado tal “abraço”, “a alma se estende, de alguma
maneira, para a imensidão”, “caminha pelo espaço e governa todo o universo”, aqui “o
pensamento [...] paira acima de tudo” (HADOT, O que é a filo., p. 290 – 291); no que concerne
ao epicurismo, diz que, como resultado, tal exercício “proporciona a volúpia de mergulhar no
infinito” (HADOT, O que é a filo., p. 290) e um “frêmito de prazer divino” (HADOT, O que é a
filo., p. 292); já entre os estoicos, diz-se que “a alma atinge a plenitude e o acabamento da
felicidade [...] quando ganha as alturas e chega ao interior do seio da natureza.” (HADOT, O
que é a filo., p. 293).24

Trata-se, em resumo, de uma prática (do pensamento e da imaginação) de, grosso


modo, “elevar-se” (mas também “expandir-se”) ao “alto”, a um plano “divino”, em que, de um
lado, experimenta-se algo muito peculiar25 e, de outro, possibilita-se “ver” as coisas de um
ponto de vista privilegiado. Ao cabo, tal procedimento faz do sujeito, simultaneamente,
“pequeno” (enquanto sujeito, em relação à “infinitude” do “cosmos”) e “grande” (enquanto
“dilatado” no “cosmos” e confundido com este, em relação ao sujeito). (HADOT, O que é a
filo., p. 294)

24
Deve-se considerar que não é do interesse da presente pesquisa discutir e, menos ainda, esgotar tal
ponto (como também não é o de Hadot em sua obra), mas apenas, junto com autor, identificar a
presença deste “exercício espiritual” na Antiguidade.
25
Note-se que Hadot não hesita em aproximar tal a uma experiência de natureza “mística”,
recuperando, por exemplo, a noção de “sentimento oceânico” de Michel Hulin, delineada na obra La
Mystique Sauvaga. (HADOT, A filosofia como maneira de vier, entrevista, p. 104)
É justamente este o esforço do filósofo, tal como indicado por Platão no Banquete, a
saber, um esforço de “distanciar-se”, “desligar-se” daquilo que é, grosso modo, do homem e
do corpo para ascender àquilo que é divino e do espírito. Segundo Hadot, o primeiro polo
corresponde a uma perspectiva marcada pela “parcialidade” e “subjetividade”, enquanto que
o segundo, na medida em que há, em certo sentido, uma “superação do eu”, trata-se de um
posicionamento “imparcial” e “objetivo”. Isto porque tal exercício conduz, ainda, a outro, a
saber, a prática nomeada por Hadot como “olhar do alto”. (HADOT, O que é a filo., p. 295)

“Do alto”, ou seja, de uma perspectiva, em resumo, total, imparcial e objetiva, o


filósofo apreende, avalia e julga o que está “em baixo”, a saber, aquilo que é próprio do
homem e tudo o que lhe diz respeito. Desta perspectiva atribui-se àquilo, que é “baixo” e
“pequeno”, o valor que lhe é compatível deste ponto de vista recuado e desinteressado: “do
alto” as coisas humanas (leia-se, de modo geral, as paixões, as riquezas, as posições políticas e
sociais, enfim, àquilo de que “cuida toda a gente” (PLATÃO, Defesa, p. 21, 36c)) parecem
sempre pequenas e de pouca importância. (HADOT, O que é a filo., p. 295 – 296) Nestes
termos, em uma “vida filosófica” que conduz-se segundo o “melhor”, deve haver o esforço em
sempre “olhar do alto” as coisas de “baixo”. Note-se que se trata aqui de uma mudança de
perspectiva e de posicionamento, uma “transformação” do sujeito, portanto, que, por seu
turno, culmina em uma mudança de julgamento, numa reforma dos valores e, ao cabo,
também de atitudes.26

Haveriam ainda muitos outros “exercícios espirituais” à serem citados. Este, no


entanto, não é o objetivo do presente trabalho, de modo que nos resignamos à apenas
mencionar por alto algumas destas práticas. Isto, no entanto, nos parece já suficiente para
posicionar alguns dos elementos mais relevantes do que tenha sido o fenômeno da “filosofia
antiga”. À partir do exposto pode-se, então, será possível abordar àquilo que será discutido à
partir do próximo capítulo, a saber, a presença e a função do “discurso filosófico” no que
tenha sido esta “filosofia” da “filosofia antiga”.

26
Vale reproduzir um trecho de Cícero, citado por Hadot: “A observação e a contemplação da natureza
são uma espécie de alimento natural para as almas e os espíritos. Nós nos corrigimos, ampliamos,
olhamos do alto as coisas humanas e, contemplando as coisas superiores e celestes, desprezamos
nossas coisas humanas, como mesquinhas e estreitas.” (HADOT, O que é a filo., p. 299)
Capítulo 2

Apresentar o contexto da relação do filósofo com o outro, relação mestre/discípulo, direção


espiritual.

Inserir o “discurso filosófico” como meio para “dirigir espiritualmente” e aí discorrer que é
nesse contexto que os “textos antigos” brotam (de modo que, obedecendo os imperativos
metodológicos, deve-se necessariamente lê-los nesses termos).

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