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POÉTICA

Se de repente
um espelho surgir
das palavras,
não é do poema o reflexo.

O poema não se acha


agachando letras
numa página qualquer.

O poema não se cumpre


no estômago de um papel
que se possa rasgar.

O poema é um paladar
que se serve de gente,
da vida que a todos afeta,

é voz que convoca


os destroços carnais
que lhe deram origem.

Todo poema está para ser.


O que vai à página
somos nós mesmos,
não o corpo inteiro,
apenas o que nos semeia:
um eriçar de pelos,
alho nos olhos,
a borra do café
esculpindo a noite,
elementos em fúria
se fundindo na lixeira,
enquanto o cão
vira a lata
da Via Láctea.

Um poema lido é holocausto aceso:


consome o vocábulo
e abre estábulos.
(Quem sabe de repente
sopre a tarde uma folha seca
pela fresta da porta da cozinha,
e um clarão lhe segue.)

A folha diz da árvore


o quanto nela
a árvore está.

Assim o homem que


de sua árvore
deixa cair um poema.

Não como fruta


que apodrece
sob nossos pés,

mas como o pecado


de não comê-la.

Poema concebido
como folhas
no paladar do vento:

um poema
que alimente o tempo.

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