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acontece
Análise da
cadeia de valor
como estratégia
de inovação
por Lia Krucken
Quais são as melhores estratégias para inovar zações governamentais e não governamentais.
em produtos e serviços? A cadeia de valor é uma O processo de criação de valor se desenvolve a
das ferramentas estratégicas que ajudam a identi- partir das trocas de informação e conhecimento,
ficar oportunidades de inovação em diversos níveis de bens tangíveis e de capital, entre os indivíduos
– desde a agregação de valor às ofertas existentes e as organizações, e entre o sistema de produção
até o projeto de ofertas inéditas –, melhorando a e o de consumo.
performance do sistema. Essa análise é enrique- O termo “cadeia de valor” foi originalmente
cida pela perspectiva do design, que evidencia o adotado por Michael Porter na década de 80.
papel do consumidor na cadeia de valor, integran- Segundo o autor, “toda empresa é uma reunião
do os sistemas de produção e consumo de produ- de atividades que são executadas para projetar,
tos e serviços. produzir, comercializar, entregar e sustentar seu
A cadeia de valor é uma abordagem sistêmica produto” e “todas estas atividades podem ser
que permite visualizar o conjunto de atores que representadas, fazendo-se uso de uma cadeia de
integram seus conhecimentos e competências valores” (Porter, 1985). Esse modelo, baseado nas
para desenvolver produtos e serviços, interagindo atividades internas das empresas, é considerado
para “co-produzir” uma oferta. Ao analisarmos uma referência para análises de competitividade.
a sequência de atividades envolvidas na trans- A definição proposta pela Agência Alemã para
formação de matérias-primas em produtos finais, Cooperação Técnica GTZ (2007) diz que a cadeia
conseguimos identificar oportunidades e ameaças. de valor é “um sistema econômico que se organiza
Assim, é possível desenvolver soluções que pro- em torno de um produto”, conectando diferentes
movam a competitividade do sistema e construir atividades (produção, transformação, marketing,
relações benéficas para os atores da cadeia de etc.) necessárias para conceber e distribuir um
valor. produto ou serviço ao consumidor final. A coor-
denação dessas atividades, que envolvem as dife-
Um tipo de rede A cadeia de valor é um tipo de rentes fases de produção, distribuição e descarte
rede que, tradicionalmente, tem foco nos indiví- após o uso, é muito importante para garantir a
duos e nas empresas. Em uma visão ampliada, qualidade e a quantidade correta do produto final,
podemos considerar também os atores que dão considerando sua sustentabilidade econômica,
suporte ao desenvolvimento dessa rede, ou seja, ambiental e social.
as associações, institutos de pesquisa, organi-
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Co-produção de valor Na sociedade pós- os atores têm que atuar de forma coordenada.
industrial, a criação de valor é influenciada por um Os consumidores também são parceiros ativos na
conjunto de fenômenos, que sofrem e provocam produção de valor e considerados “co-produtores
rearranjos e progressos contínuos. As possibilida- de valor”.
des de conectividade da tecnologia da informação A realidade econômica atinge um nível tão alto
e da comunicação, a globalização dos mercados, de interconexão que muitos atores são envolvidos
as relações entre local-global e a crescente per- em relações de co-produção sem perceber que
cepção dos limites ambientais vêm influenciando estão trabalhando com outros atores. Desta forma,
a sociedade e provocando mudanças no modelo se a percepção do conjunto não for desenvolvida,
de produção industrial e nas formas de consumo. muitas oportunidades podem ser subestimadas.
Nesse contexto, o conhecimento é o recur- Em outras palavras, focalizar apenas a performan-
so básico. É a integração dos conhecimentos e ce individual das organizações pode ter pouco
competências de indivíduos e empresas que cria impacto se não for incorporada a uma visão inte-
valor. Para descrever as relações recíprocas entre grada e estratégica do setor. Assim, é necessário
atores, que caracterizam a economia de serviços, olhar além dos limites da empresa, situando-a
Normann e Ramírez (1995) introduziram o termo no conjunto de empresas e produtores da cadeia.
“co-produção de valor”. Segundo os autores, as Essas necessidades de conectividade e de interati-
empresas concorrem no mercado com ofertas vidade são as principais características da criação
(bens físicos, serviços e informações) e não com de valor na sociedade pós industrial, como pode-
produtos isolados. Para produzir essas ofertas, mos ver no Quadro 1.
Todos os valores gerenciados podem ser mensurados Alguns valores gerenciados não podem ser
em termos monetários mensurados ou monetarizados
Serviços são considerados atividades separadas Serviços são considerados estruturas básicas
Atores econômicos desempenham apenas um papel Atores econômicos desempenham vários diferentes
principal papéis simultaneamente
A empresa e as atividades são as unidades de análise As interações (ofertas) são as unidades de análise
Fonte: Adaptado de Ramírez (1999)
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É fundamental compreender as mudanças na conteúdo de conhecimento incorporado aos pro-
lógica de criação de valor e desenvolver uma visão cessos. Ao final, o consumidor recebe um produto
ampla desse processo. Não existe um modelo que é resultado do esforço e das competências de
único para a visualização do “cadeia de valor” ou todos os atores.
da “co-criação de valor”. Cada organização deve Nesse fluxo complexo, que envolve muitas
construir a melhor forma de representar o modo vezes diferentes regiões geográficas, ainda se inse-
como cria e gere valor. rem os atores comerciais, responsáveis pela inter-
mediação de mercadorias. Chamados de “agentes
Análise da cadeia de valor A cadeia de valor comerciais”, eles interferem significativamente no
é constituída por diversos tipos de atores (produ- fluxo de criação de valor, estimulando a demanda
tores, microempresas, médias e grande empresas), através do poder de barganha e controle dos preços
que se articulam em diversos níveis (Figura 1). (de compra e de venda).
Todos os atores desempenham funções na criação
de valor de uma oferta (bens físicos, serviços e Ilustração de uma cadeia de valor O fluxo
informações) e estabelecem uma rede. de adição de valor se inicia a partir das matérias-
Integram-se a esses atores primários, as asso- primas e se consolida no consumo, como represen-
ciações, instituições de formação e pesquisa e tado no exemplo da cadeia de valor de produtos da
organizações governamentais e não governamen- biodiversidade (Figura 2). Os produtos da biodiver-
tais. O valor agregado aumenta significativamente sidade incluem ingredientes naturais para setores
ao longo da cadeia, acompanhando o aumento do farmacêuticos e cosméticos (óleos essenciais,
Interfaces
Fonte: Krucken (2009). Obs: Os níveis podem ser desdobrados em subníveis, como no caso do Nível 3 - Transformação.
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pigmentos, látex, resinas, gomas e plantas medi- ta significativamente ao longo da cadeia e, ao mes-
cinais), e produtos finais, como madeiras, nozes, mo tempo, aumenta a distância entre produtores e
castanhas e frutos tropicais. consumidores.
Ao comprarmos e usarmos uma pasta de den- A cadeia de valor de produtos da biodiversi-
tes, xampu ou qualquer outro produto industrial à dade revela algumas diferenças entre o perfil das
base de matérias-primas vegetais, acionamos toda economias em desenvolvimento e as economias
a cadeia. industrialmente desenvolvidas. Grande parte dos
A análise dessa cadeia permite compreender recursos da biodiversidade do planeta se encontra
o conjunto de atividades que resulta num pro- em países em desenvolvimento. Cada vez mais,
duto e identificar o potencial de agregação de a produção agrícola vem se concentrando nesses
valor em cada um dos níveis. Atividades como países, devido ao baixo custo de mão-de-obra e
limpeza, secagem e seleção podem agregar valor, condições climáticas ideais. Considerando como
normalmente capturado por agentes comerciais base de análise a (Figura 1), observamos que a
que comercializam matéria-prima seca, em emba- atuação de muitos países ricos em recursos da
lagens industriais. O potencial de agregação de biodiversidade está concentrada somente nos pri-
valor, nessa segunda etapa, está na capacidade de meiros dois níveis da cadeia de valor, no qual um
entregar o produto dentro dos requisitos legais e baixo percentual de valor é agregado.
padrões de qualidade exigidos pelos compradores. Criar condições para que o potencial dos recur-
Em geral, agentes comerciais locais interagem sos da biodiversidade seja convertido em benefício
com outros agentes de atuação mais ampla e real e durável para a comunidade local, agregando
maiores dimensões, capazes de manusear, estocar efetivamente valor, é um desafio para as econo-
e transportar grandes volumes. O terceiro, quarto mias emergentes. Abordagens sistémicas, como a
e quinto nivel são responsáveis pela transformação cadeia, podem contribuir para o desenvolvimento
da matéria-prima em produto final, e o sexto faz a de uma visão compartilhada e o estabelecimento
distribuição. O valor comercial do produto aumen- de uma base de diálogo entre produtores e atores
Figura 2 | cadeia de valor genérica dos produtos industriais baseados em recusos de biodiversidade
Beneficiamento
Produtos Intermediários Indústrias de
produto beneficiado beneficiamento
Outros beneficiamentos
e padronização
Produtos Intermediários
produto beneficiado e padronizado
Processamento: Indústrias de
refinamento, misturas, etc processamento
em diversos níveis
Produtos Intermediários
produto transformado
Aplicação em
produtos finais
PRODUTOS FINAIS Consumidores e usuários
Fonte: Krucken (2007). Obs: para cada tipo de produto pode ser representada uma cadeia de valor específicA
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do meio empresarial, institucional e governamen- cializem os recursos do território, os atores
tal, que promova a valorização de produtos e servi- e as sinergias possíveis a partir do sistema
ços, dinamizando o território. existente
3. Na visualização de ofertas e soluções total-
A análise da cadeia de valor como apoio à mente inéditas, envolvendo formas alterna-
inovação A cadeia de valor pode ser abordada em tivas de distribuição e o fomento de novas
diferentes níveis – da empresa, indústria ou setor – relações.
com foco numa localização geográfica específica ou
considerando a sequência de atividades relacionadas O primeiro nível caracteriza-se como inovação
à criação de valor e realizadas em diferentes regiões. do tipo incremental, relacionada a processos ou
O mapeamento do processo de adição/criação produtos, enquanto o segundo e o terceiro consti-
de valor, do início ao fim, permite a identificação tuem inovações do tipo sistêmico.
de pontos capazes de capturar valor dentro da Ao analisarmos a cadeia de valor, podemos
componente nacional de uma cadeia global, a perceber que o design é uma importante ferra-
extensão da cadeia de valor dentro de um país e a menta para inovação, pois nos apoia no desenvol-
proposta de novas cadeias de valor, criando opor- vimento de novos produtos e serviços. A tendência
tunidades de inovação. do design se configurar como ferramenta para a
Os principais resultados obtidos ao analisar- competitividade vem se consolidando nos últimos
mos a cadeia de valor estão no (Quadro 2). anos, assim como a conscientização entre profis-
Resumindo, a análise da cadeia de valor é sionais (industriais, empresários, pesquisadores)
crucial para a identificação de oportunidades de da importância de se investir neste tema.
inovação em diversos níveis: O design é um elemento que se manifesta
quando o produto já se encontra na forma final de
1. N a agregação de valor às ofertas já existen- comercialização, nas últimas etapas apontadas na
tes, melhorando a performance do sistema cadeia de valor representada na (Figura 1). Mas,
2. No projeto de ofertas inovadoras, que poten- apesar de ser mais perceptível neste momento, ele
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resulta da visão e do planejamento que permeiam É importante lembrar que o consumidor é quem
todo o processo de agregação de valor, direcionando ativa a cadeia de valor e, ao comprar os produtos,
a conversão das matérias-primas em ofertas orien- incorpora ações relacionadas ao seu uso, reuso,
tadas aos usuários. reciclo e descarte. Ao promovermos transparência
O design também é um importante aliado na cadeia, permitimos ao consumidor perceber seu
no desenvolvimento de soluções sustentáveis, papel na “co-criação” de valor e escolher produtos
ao promover escolhas conscientes em diversos coerentes com seu estilo de vida.
níveis: desde a seleção de matérias-primas e dos
Lia Krucken é professora convidada da Fundação Dom Cabral e pesquisa-
processos de produção até os produtos finais. dora associada do Núcleo de Inovação da FDC. Doutora em Engenharia de
Produção pela UFSC, é professora convidada do Instituto de Competências
Empresariais da FIAT e Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG),
além de atuar em projetos de inovação em empresas.
Conclusão
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Análise da cadeia
de valor no setor mineral
por Jorge Raggi
A tradução literal de value chain é “cadeia de valor”, mas o conceito de chain pode ser melhor
entendido como um entrelaçamento, encadeamento ou corrente, em que a cada elo se justapõe o ante-
rior e o posterior, criando mais valor. Portanto, a cadeia de valor descreve uma relação dinâmica.
Neste artigo, a professora Lia Krucken analisa a valoração de produtos e serviços, ressaltando a par-
ticipação do consumidor como co-produtor – aquele que ativa a cadeia de valor. Na área de mineração
e indústria de transformação, em que atuo elaborando projetos, temos alguns exemplos que também
podem ilustrar o tema.
Numa visão macro, a mineração é o setor que extrai da terra (planeta) os recursos que utilizamos
para nossa vida: água, produtos energéticos, minerais metálicos e industriais. A água é minerada, pois
é captada quando superficial, e/ou extraída, quando subterrânea. Depois, é tratada e distribuída para
residências e indústrias. Também é utilizada na geração de energia elétrica, criando uma grande cadeia
de valor.
Perguntei uma vez a um tio-avô que viveu quase um século, qual era a maior invenção dos últimos
tempos e sua resposta foi imediata: “a água encanada”. Ele lembrava de como a vida era mais compli-
cada sem água disponível em todos os cantos. Isso demonstra a necessidade de planejarmos ações para
que o recurso água chegue aos seus consumidores como uma cadeia ou um ciclo.
Os produtos energéticos – petróleo, gás e carvão – envolvem diversos valores econômicos ao longo
de suas cadeias e, por esse motivo, são alvo de muitos estudos. A indústria do petróleo também aplica
milhões de dólares no seu planejamento. Já os minerais metálicos mais conhecidos são o cobre, o
chumbo, o alumínio, o zinco (exemplos dos industriais) e os denominados preciosos: ouro, prata, pla-
tina e paládio. Os minerais industriais constituem uma gama variada de produtos que utilizamos para
construir cidades, produzir cosméticos, produtos farmacêuticos e de limpeza.
Podemos utilizar a grafita para exemplificar a valoração mineral e ilustrar como a análise da cadeia
de valor é estratégia importante na geologia econômica. O mineral tem a mesma composição química do
diamante – o carbono – mas o arranjo molecular diferencia os dois produtos. A grafita é mais conhecida
pela sua utilização na fabricação dos lápis, uso até pouco significativo no seu processo de produção.
A pesquisa mineral utiliza suas finalidades para definir valor em três níveis: a) usos mais nobres – bate-
rias para computadores, telefones celulares e máquinas digitais; b) usos médios – aços especiais, tijolos
refratários, tintas, lubrificantes e fundição de peças; c) usos menos nobres – aplicações diversas como
retardante de fogo, peças sinterizadas e escovas de motores. Ao descobrir em campo uma ocorrência de
grafita, pode-se avaliar o seu valor identificando qual seria o uso preferencial, em função dos produtos
finais possíveis – pilhas? tintas?
Assim, após a descoberta, e antes mesmo de se montar a infraestrutura e investir nos estudos sobre
a quantidade e qualidade do mineral, é preciso analisar a matéria-prima já visualizando seu produto
final, ou seja, percebendo a cadeia de valor que poderá ser formada. Isso começa com a análise de
amostras em laboratório e testes pilotos de grandes volumes, da amostra bruta até o produto potencial,
passando por várias etapas no seu processo de transformação – britagem, moagem, flotação, filtragem,
secagem e lixiviação – para identificar as possibilidades de utilização e chegar aos produtos finais. Por
último, acrescentamos ao estudo o descarte, principalmente no caso das pilhas, pois é importante pla-
nejar sua reutilização e/ou reciclagem. Cada um dos produtos da grafita, por sua vez, terá outra cadeia
de valor, constituindo redes de valor. Os próprios descartes podem se transformar em novas matérias-
primas e, assim, surgirão novas cadeias.
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