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29/01/2020
Número: 0704662-13.2018.8.07.0018
Classe: AÇÃO POPULAR
Órgão julgador: Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF
Última distribuição : 22/05/2018
Valor da causa: R$ 200.000,00
Assuntos: Liminar, Interdição
Segredo de justiça? NÃO
Justiça gratuita? SIM
Pedido de liminar ou antecipação de tutela? SIM
Partes Advogados
CAROLINA MOURAO ALBUQUERQUE (AUTOR)
JOSE DA SILVA MOURA NETO (ADVOGADO)
GUILHERME DE MORAIS FALEIRO (ADVOGADO)
DISTRITO FEDERAL (RÉU)
DISTRITO FEDERAL SECRETARIA DE SAUDE (RÉU)
INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
HIDRICOS DO DISTRITO FEDERAL - IBRAM (RÉU)
SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE (RÉU)
DIRETORIA DE VIGILANCIA AMBIENTAL (RÉU)
Outros participantes
INSTITUTO DO CANCER INFANTIL E PEDIATRIA
ESPECIALIZADA - ICIPE (INTERESSADO)
LILLIAN CALLAFANGE DOS REIS (ADVOGADO)
MINISTERIO PUBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITORIOS (FISCAL DA LEI)
ADRA GABRIELA ALI BENTO NAVES (INTERESSADO)
JOSE DA SILVA MOURA NETO (ADVOGADO)
ANA CLAUDIA CURY MAGNI (INTERESSADO)
JOSE DA SILVA MOURA NETO (ADVOGADO)
PAULO CESAR RODRIGUES TABANEZ (INTERESSADO)
JOSE DA SILVA MOURA NETO (ADVOGADO)
Documentos
Id. Data da Documento Tipo
Assinatura
54823931 29/01/2020 Sentença Sentença
18:44
Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS
TERRITÓRIOS
SENTENÇA
Revogo o despacho precedente (id. 48879254), posto que a prioridade na tramitação das ações
coletivas e o princípio da duração razoável dos feitos impõem a imediata decisão sobre a presente
demanda já madura para sentença.
Cuida-se de ação popular movida por Carolina Mourão Albuquerque em face do Distrito Federal,
Secretaria de Estado da Saúde, Diretoria de Vigilância Ambiental - DIVAL, Instituto Brasília Ambientam
– IBRAM e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do DF – SEMA. Alegou a
autora que o Distrito Federal descarta lixo biológico e material infectante diretamente no solo do Centro
de Zoonoses do Distrito Federal; que tal descarte ocorre a menos de 150m do Hospital da Criança de
Brasília, e atrai insetos vetores de doenças; que o Centro de Zoonoses destina-se precipuamente ao
combate de doenças infecciosas transmissíveis de animais para seres humanos, tais como leichmaniose,
raiva, dengue, zika e outras; que a coexistência entre o ambiente da DIVAL e do HCB é inconcebível
paradoxo, pondo em risco a vida das crianças que se tratam de câncer; que a situação configura risco de
contaminação biológica por agentes classe de risco nível 4, conforme classificação da Resolução n.
358/2005/CONAMA; que o princípio da prevenção impõe a imediata interdição do Centro de Zoonoses.
Pediu liminar para a decretação da interdição do Centro de Zoonoses do DF e a determinação de
destinação adequada dos animais que estejam no referido centro. Como tutela definitiva, a cominação de
demolição do Centro de Zoonoses, com a transferência do DIVAL para algum dos módulos que se
encontram ociosos ao lado do Hospital Público Veterinário, bem como a condenação do DF ao
pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 200.000,00.
O Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada – ICIPE (responsável pela gestão do Hospital da
Criança de Brasília) informou que promove rigoroso controle de pragas e insetos e adota todas as medidas
necessárias ao combate de vetores transmissores de doenças; que em seis anos de funcionamento não
identificou qualquer ocorrência que denote nexo de causalidade com a situação denunciada na demanda;
que não é possível afirmar que a conduta da DIVAL tenha relação com surgimento ou agravamento do
estado de saúde de seus pacientes; que utiliza apenas água fornecida pela CAESB, sendo que a água de
um poço artesiano local é utilizada apenas em serviços de jardinagem; que mesmo esta água do poço
artesiano não apresenta indícios de contaminação.
Em informações prévias (id. 18069023), o Distrito Federal ponderou que a remoção e transporte
desnecessários de animais infectados implicaria ampliação do risco de contágio, inclusive territorial; que
a assistente indicada pela autora não teria como desempenhar integralmente as funções técnico-sanitárias
que são atualmente exercidas por agentes do Estado, causando piora à situação dos animais e exposição
da comunidade lindeira; que o direito brasileiro não reconhece a figura do “funcionário de fato”; que a
Zoonoses estava estabelecida naquele local antes da instalação do Hospital da Criança; que não há prova
de danos efetivos pela coexistência entre os institutos. Pediu o indeferimento da tutela de urgência.
Após a manifestação pelo DF e MP, os pedidos de admissão de assistentes (Adra Gabriela Ali Bento
Naves, Ana Claudia Cury Magni e Paulo Cesar Rodrigues Tabanez) foi deferido (id. 21642415).
Novo pedido de tutela provisória, indeferido conforme decisão retratada no id. 27413941.
É o relatório. Decido.
A inspeção judicial realizada após insistência do próprio Distrito Federal constatou situação de
extrema precariedade. O prédio do Centro de Zoonoses apresenta uma série de problemas estruturais. Há
um único servidor com habilitação em Medicina Veterinária, que desempenha tal função em evidente
desvio, posto que alocado em cargo distinto do de Médico Veterinário. Os animais sob controle
permanecem em situação de evidente desconforto, aprisionados em jaulas de tamanho reduzido e
mantidos sob chão de cimento batido. Se o centro ainda funciona, não pode haver dúvidas de que isso é
resultado exclusivo do ingente esforço de seu quadro de pessoal, a despeito da evidente negligência pelo
governo, para com a instituição.
Um ponto que deve ser destacado, de início, é o seguinte: embora não seja um centro de bem-estar
animal, como se chegou a dizer por ocasião da inspeção nas instalações da DIVAL, não se pode
desconsiderar que os animais submetidos ao confinamento e mesmo ao abate no centro de zoonoses
também são merecedores da proteção conferida à fauna, no art. 225, VII, da Constituição Federal.
Logo, devem ser preservados de crueldade e maus-tratos e, mesmo na necessidade de abate, submetidos a
procedimento que os poupe ao máximo de dor e sofrimento.
É fato que talvez por sorte, ausência de informações ou eficácia das medidas de prevenção adotadas
pelo Hospital da Criança, não há ainda notícia de danos concretos sofridos pelos pacientes daquele
hospital. Contudo, não se pode simplesmente desprezar o fato evidente de que o grave risco obviamente
existe, pois não se pode reputar como adequado manter-se um centro de recolhimento e abate de animais
severamente doentes ao lado de um hospital para tratamento de crianças que têm a fragilidade natural de
seus organismos em desenvolvimento acentuada pela imunodepressão ocasionada pela terrível moléstia
do câncer, além dos demais casos tratados no HCB, instituição consagrada como referência indiscutível
para os tratamentos a que se propõe.
As informações prestadas pelo gestor do hospital não refutam o evidente risco de contaminação;
apenas indicam que ali são adotados esforços para se evitar as contaminações, os quais aparentemente têm
sido eficazes. Contudo, reitero, não se pode deduzir, das informações prestadas, que a vizinhança do
centro de zoonoses não represente qualquer risco à incolumidade dos pacientes do hospital. Não se pode
conceber como adequado que se proteja a incolumidade dos pequenos pacientes do hospital apenas
Não é necessário ser especialista para saber que zoonoses definitivamente não são algo que se deva
menosprezar; muito pelo contrário, são problema seríssimo, que exige cuidadosa atenção. Apenas para
ilustrar, vale lembrar que o mundo inteiro hoje compartilha o terror de uma grave ameaça à Humanidade:
o risco de proliferação das moléstias advindas da infecção pelo “coronavirus”, que é exatamente uma
dentre inúmeras zoonoses altamente perigosas também para o ser humano.
Como bem enfatizou a Dra. Bárbara França Teixeira no elucidativo ofício de id. 18596605, “A
Saúde Única consiste na atuação integrada entre a medicina veterinária, a medicina humana e outros
profissionais de saúde, visando a saúde e o bem-estar de pessoas, animais e meio ambiente minimizando
os riscos de endemia e epidemia”. Repita-se, à luz desse esclarecimento: simplesmente não é possível
desconsiderar o grave risco representado pela vizinhança entre os equipamentos de saúde mencionados na
demanda.
Mais: não se pode desconsiderar também que, tamanho o sucesso do HCB no desempenho de suas
funções institucionais, que o governo vem anunciando o projeto de edificar, naquelas mesmas imediações,
um outro estabelecimento de referência para o tratamento de câncer em adultos, o que reforça ainda mais
a vocação da região para a instalação de equipamento de medicina humana e, por conseguinte, a
inadequação da preservação de um centro de zoonoses perigosamente próximo a tais equipamentos.
O fato de o DIVAL estar instalado na região bem antes do HCB é absolutamente irrelevante, posto que
em nada muda a situação de risco que a presente demanda visa arrostar. Não é por ser mais antigo que o
funcionamento do DIVAL deixará de pôr em risco os pacientes do hospital já estabelecido e dos que
possivelmente virão a ser estabelecidos na região, sendo evidentemente mais sensato e razoável que o
centro de zoonoses, que já funciona precariamente, seja transferido para localidade mais adequada,
mormente quando se recorda que o Distrito Federal dispõe de hospital veterinário nestas condições (ou
seja, em local que não represente riscos severos a crianças debilitadas).
“Primo non nocere”: o atávico princípio de Medicina se conjuga neste caso concreto com o princípio da
precaução, basilar no direito ambiental, e estão francamente violados com a assunção consciente dos
riscos inerentes à perigosíssima proximidade entre o centro de zoonoses e o hospital de acolhimento de
crianças que padecem de moléstias gravíssimas.
É bem verdade que não compete ao Judiciário intrometer-se nas opções de discricionariedade técnica do
administrador. Contudo, o que está em pauta na presente demanda não é meramente um leque de opções
técnicas administrativas, mas a evidente lesão a pelo menos três interesses que têm especial tutela de
índole constitucional, a saber: a proteção integral à infância e juventude, a atenção prevalente para com a
saúde pública e a proteção à natureza, incluída a preservação da fauna, em seu sentido mais amplo, de
crueldade ou maus tratos.
Neste descortino, afigura-se parcialmente procedente a pretensão principal, apenas para certificar a
obrigação jurídica de transferência das instalações da DIVAL para local adequado e distante do HCB,
segundo os critérios de discricionariedade técnica do administrador, em prazo razoável.
Em face do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos autorais, para cominar ao Distrito Federal
a obrigação de transferir as instalações da DIVAL para local adequado e distante do Hospital da Criança
de Brasília no prazo de um ano, com termo a quo da data da prolação da presente sentença, sob pena de
multa no valor de R$ 50.000,00 por dia de atraso, limitada ao montante global de R$ 5.000.000,00, tudo
sem prejuízo da responsabilidade pessoal das autoridades competentes, inclusive dos Srs. Governador do
Distrito Federal e Secretário de Estado da Saúde, pela improbidade administrativa relativamente à
manutenção do estado de risco à saúde pública e pelo descumprimento da obrigação imposta
judicialmente. A reinstalação do DIVAL deverá ser precedida de estudo e fiscalização pelo IBRAM, de
modo a se verificar a adequação ambiental do local a ser oportunamente escolhido pelas autoridades
competentes.
Submeto a presente sentença ao reexame necessário. Após o transcurso dos prazos e formalidades para a
impugnação voluntária, os autos devem ser remetidos ao TJDFT.
Juiz de Direito