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transformação morfológica dos tecidos históricos

EVOLUÇÃO DA PAISAGEM URBANA


Maria do Carmo Ribeiro
Professora Auxiliar do Departamento de História da
Universidade do Minho, Investigadora do CITCEM
e da Unidade de Arqueologia da Universidade do
Minho. Doutorada em Arqueologia, na especialidade

Evolução da
de Arqueologia da Paisagem e do Território, pela
Universidade do Minho. A sua investigação tem-se
centrado nas questões de urbanismo, morfologia

outros títulos de interesse: Evolução da paisagem urbana urbana, arqueologia da arquitectura


e história da construção.

História da Construção - Os Construtores


Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.)
paisagem urbana transformação morfológica Arnaldo Sousa Melo
transformação morfológica
História da Construção - Os Materiais dos tecidos históricos dos tecidos históricos Professor Auxiliar do Departamento de História da
Universidade do Minho, Investigador do CITCEM.
Arnaldo Sousa Melo e Maria do Carmo Ribeiro (coord.) Doutorado em História da Idade Média pela
Universidade do Minho e pela École des Hautes
Coord. Coord.

ARNALDO SOUSA MELO


MARIA DO CARMO RIBEIRO
Coord.
Construir, Habitar: A Casa Medieval Études en Sciences Sociales, Paris. O seu campo de
MARIA DO CARMO RIBEIRO MARIA DO CARMO RIBEIRO
Manuel Sílvio Alves Conde ARNALDO SOUSA MELO investigação incide sobre a sociedade, economia,
ARNALDO SOUSA MELO
poderes e organização do espaço urbano medieval, em
Evolução da Paisagem Urbana: Sociedade e Economia particular a organização do trabalho e da produção,
Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo (coord.) incluindo a história da construção.
Evolução da
paisagem urbana
transformação morfológica
dos tecidos históricos

Coord.
MARIA DO CARMO RIBEIRO
ARNALDO SOUSA MELO
FICHA TÉCNICA

Título: Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos


Coordenação: Maria do Carmo Ribeiro, Arnaldo Sousa Melo
Figura da capa: Detalhe do Mappa das Ruas de Braga, Ricardo Rocha, 1750, Arquivo Distrital de Braga.
Edição: CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória»
IEM – Instituto de Estudos Medievais (FCSH – Universidade Nova de Lisboa)
Design gráfico: Helena Lobo www.hldesign.pt
ISBN: 978-989-8612-05-2
Depósito Legal: 357874/13
Concepção gráfica: Sersilito­‑Empresa Gráfica, Lda. www.sersilito.pt
Braga, Abril 2013

O CITCEM é financiado por Fundos Nacionais através da FCT-Fundação para a Ciência e a Tecnologia no
âmbito do projecto PEst-OE/HIS/UI4059/2011
SUMÁRIO

Apresentação
Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

Em torno da Rua Verde. A evolução urbana de Braga na longa duração


Manuela Martins e Maria do Carmo Ribeiro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

O Processo Urbano de Évora. Séc. I a.C. – séc. XV


Gustavo Silva Val-Flores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

Tarraco. Morfología y trazado urbano.


Ricardo Mar y Joaquín Ruiz de Arbulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

La ciudad en las Partidas: edificaciones y apostura urbana


Juan A. Bonachía Hernando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

Operaciones de implantación de prestigio en la ciudad medieval en los siglos


XV y XVI en Valladolid, Salamanca y Segovia. Análisis de sus significados y
cambios urbanos producidos
José Miguel Remolina Seivane . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119

Urbanismo medieval asturiano a fines de la Edad Media. Financiación y gestión del


espacio público, entre la tradición medieval y la modernidad (Oviedo, siglos XV-XVI).
María Álvarez Fernández . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

Para o estudo do mercado imobiliário do Porto: o Tombo do Hospital de Rocamador


de 1498
Luís Miguel Duarte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

O papel dos sistemas defensivos na formação dos tecidos urbanos (Séculos XIII-XVII)
Maria do Carmo Ribeiro e Arnaldo Sousa Melo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Transformações no sistema defensivo medieval de Barcelos
António Pereira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223

‘Grant fortuna del mar’: construcciones portuarias y espíritu emprendedor en las


villas portuarias de la España atlántica en la Edad Media
Jesús Ángel Solórzano Telechea, Fernando Martín Pérez e Amaro Cayón Cagigas . . 245

A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo-medievo.


Helena Lopes Teixeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273

Indícios e evidências de integração morfo-funcional na paisagem urbana de Braga


(Sécs. XVI-XVIII)
Miguel Sopas de Melo Bandeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291

Ourense: permanencia e transformacións nunha cidade galega


Anselmo López Carreira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 315
A ação das estruturas portuárias na
urbanização do Porto tardo­‑medievo

Helena Lopes Teixeira1

Introdução
Acreditando que o rio Douro foi, entre o fim da Idade Média e o início da
Idade Moderna, um dos principais elementos de desenvolvimento económico e
comercial do Porto, queremos perceber como é que, neste contexto temporal, a
cidade pareceu crescer em função da sua zona portuária. Tentaremos fazer esse
exercício enquadrando o Porto no conceito mais amplo e integrador de cidade
portuária por oposição aos conceitos mais básicos de cidade, por um lado, e de
porto, por outro, focando­‑nos particularmente no modo como o espaço portuário
condicionou o desenvolvimento espacial da cidade envolvente.
Sendo já bem conhecida a lacuna da historiografia da cidade portuguesa no
que diz respeito ao seu urbanismo e evolução espacial, a verdade é que também
o estudo exaustivo das cidades portuárias medievais está quase por fazer2. Não
obstante esta temática se ter tornado nos últimos tempos uma área de grande
interesse historiográfico, o conhecimento acerca dos portos como espaços urbanos
é consideravelmente insuficiente entre investigadores3. Em Portugal, com a exceção
da obra de Amélia Andrade, que toca questões ligadas ao espaço urbano da cidade
portuária medieval, mas sobretudo para Lisboa, e da obra de Amândio Barros, que
aborda a organização espacial das estruturas portuárias, mas como parte do seu
interesse mais vasto da história social e económica, poucos autores focaram o tema

1
  Aluna de Doutoramento do Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade do Porto,
helenalopes.t@gmail.com
2
  Andrade 2005: 57­‑58.
3
  Segundo Amândio Barros, a historiografia portuguesa tem privilegiado a história económica e social,
negligenciando a importância de objectos­‑chave como a organização do espaço e das infra­‑estruturas
topográficas, nomeadamente as relacionadas com a cidade portuária. Barros 2007: 133.

273
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

em questão4. Do mesmo modo, uma parte significativa dos trabalhos existentes


limita­‑se a enfatizar determinados processos portuários (comerciais, mercantis,
geográficos, industriais ou militares, entre outros), descurando uma panorâmica
mais abrangente da situação portuária. Mais importante ainda, constata­‑se que,
na maioria dos casos, os autores falam de um porto ou de uma cidade, mas não
contemplam a cidade portuária como um elemento único, falhando na compreensão
desta temática de um ponto de vista mais integral e rigoroso.
Uma das razões pela qual é ainda desconhecido o estudo da influência dos
portos na urbanização da cidade, relaciona­‑se com a necessidade de uma inter-
disciplinaridade entre arqueologia, geografia, história e arquitetura, o que é ainda
praticamente inexistente5, sobretudo numa cidade como o Porto, de condições
geomorfológicas tão complexas que, numa primeira leitura, parecem ser adversas
à implantação e desenvolvimento de um aglomerado urbano. Na verdade, se jun-
tarmos à escarpada topografia a perigosa entrada na barra, custa­‑nos a acreditar
como o Porto subsistiu e triunfou enquanto cidade portuária.

Contextualização
A escolha do primitivo povoamento no alto rochoso e íngreme da Pena Ventosa
apenas se explica pela necessidade de defesa dos seus primeiros habitantes, ainda
no período castrejo. Também o facto de estar afastado seis quilómetros da linha de
costa, e resguardado por várias curvas do Douro, permitiu ao povoamento passar
despercebido a quem cruzasse a costa atlântica, diminuindo o risco de incursões ini-
migas. Deste modo, o mesmo determinismo geográfico que dotou a cidade de defesas
naturais, também permitiu a implantação de um porto natural relativamente acessível
à navegação veleira, tornando­‑se um elemento estruturante do seu desenvolvimento
comercial e marítimo6. Assim, parece ter sido o progresso da zona como porto e local
de tráfego que permitiu à povoação desenvolver­‑se. O facto de esta tomar o nome de
“Portu­‑cale (locum)”, do qual iria acabar por desaparecer o segundo elemento (cale),
mostra desde logo a “preponderância da função marítima” do povoado7.
4
  Podemos destacar aqui, contudo, o trabalho de Luísa Blot, que estuda as cidades portuárias num
contexto nacional e da longa duração, embora concentrando no tema da geomorfologia e da arqueologia,
e não do urbanismo. Blot 2003: 115.
5
  Barros 2007: 132­‑133, Polónia 2007: 36.
6
  Também a existência de duas praias frente a frente de cada lado do rio e num dos ponto de curta
distância entre margens, fazendo do sopé do morro da Penaventosa um dos melhores pontos de atraves-
samento do rio, contribuiu para a localização da urbe primitiva.
7
  Ribeiro 1989: 144. É significativo que os romanos tenham atribuído o topónimo “Portus” (entre-
posto de mercadorias, escala) a este povoado, reconhecendo­‑lhe portanto condições naturais que lhe
permitiram evoluir para um porto seguro. A conhecida ara votiva aos Lares Marinhos encontrada no

274
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

Imagem I. Barra do Douro em Finais da Idade Média.

Analisando as condições geográficas de implantação da zona portuária da


cidade, vemos que esta corresponde a um tipo de implantação dos Portos de estu-
ário, com posição geomorfológica insegura, de estuário de dimensões inferiores,
de barra incerta e porto fluvial incerto em situação de cheias8. Os seus condiciona-
lismos relativos ao regime de correntes, mostram um rio extremamente irregular,
com perdas acentuadas de caudal nos meses de Verão, e cheias torrenciais nos de
Inverno, o que levava a que apenas se conseguisse navegar, com alguma segurança,
sete a oito meses no ano. A barra constituía, também, um enorme obstáculo à
navegação, desde a língua de areia da banda Sul, que mudava constantemente de
configuração, aos inúmeros e perigosos rochedos, na sua maioria submersos e de
difícil deteção. Mas, com exceção destas condições, a sua localização era bastante
satisfatória, pois tratava­‑se de um local abrigado, junto a um rio navegável e com
profundidades aceitáveis para navios de modelo e calado variados, com areais em
diversos pontos, possibilitando o varadouro de embarcações e a sua construção9.
Quanto à sua envolvente, vemos que entre o povoamento inicial e a Foz exis-
tiam pequenos núcleos escassamente povoados e praias que definiam áreas de
acesso a terra, sendo esta últimas entrecortadas por elevações e penhascos que as

morro da Penaventosa parece confirmar as referidas condições marítimas e de abrigo que este porto
apresentava. Blot 2003: 115.
8
  Blot 2003: 115.
9
  Duarte L. Barros A. 1997: 77­‑118.

275
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Imagem II.
Confluência de
vias estratégicas

delimitavam. A restante paisagem terrestre mostra uma topografia acentuada que


se vai refletir nos futuros caminhos de curvas marcadas, de modo a estabelecer
uma cota estável, contornando o relevo da melhor forma possível.
Relativamente aos condicionalismos humanos existentes na área ribeirinha
portuense em fins do período medieval, não podemos deixar de referir a pequena
povoação (cais) no sopé do Morro da Penaventosa, como ponto de atravessamento
da importante via romana de ligação Porto­‑Lisboa. Haveria aqui um local adequado
para receber os barcos, um areal e um primeiro esboço de organização do espaço,
cujo centro seria a futura Praça da Ribeira. O facto de este lugar estar associado à
confluência de três grandes eixos de circulação: o marítimo (rotas marítimas entre
o mar Mediterrâneo e o Norte da Europa), o fluvial (sendo o rio Douro, com o Tejo,

276
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

uma das melhores vias de penetração na Península Ibérica) e o viário (antiga via
romana de ligação entre sul e Norte da Península), terá sido a circunstância que
seguramente mais estimulou o desenvolvimento da cidade portuária.
Mas a localização estratégica, em si, à qual se juntava a dificuldade de navegação,
não teria sido o suficiente para o desenvolvimento sólido e estável da cidade. Para
isso era necessário dispor de matéria prima e de produtos naturais comercializáveis,
que poderiam ser encontrados no território envolvente do Porto, o Entre­‑Douro­‑e­
‑Minho. Controlando desde cedo, e “pela força”, como refere Luís Miguel Duarte, o
monopólio destes produtos, o Porto torna­‑se plataforma comercial de referência do
Norte de Portugal10. Esta condição, aliada à precoce experiência marítima e naval
que a cidade tinha, pelo menos, desde o século XIII11, levou à mudança drástica da
paisagem da zona ribeirinha nos séculos posteriores, acelerada pela introdução de
novos equipamentos intimamente ligados com a atividade portuária: a “Alfândega
régia e o consequente cais do Ferreirinho em meados do século XIV, a Rua Nova
em finais do século XIV, e a posterior casa da bolsa dos mercadores, situada na
referida rua. Todos estes elementos representaram facetas de um ordenamento
urbano suscitado pelo movimento de navios, que tinha já significado profundo
na vida do Porto de Quatrocentos. Por esta altura, a circulação interna do burgo
estava intimamente ligada à atividade de embarque e desembarque dos navios,
que se concentrava na zona ribeirinha (a montante e jusante da praça da Ribeira)
e em Miragaia. Por conseguinte, os principais eixos de circulação passavam pelas
ligações entre estes dois grandes núcleos fluviais, a saída norte da cidade e, claro,
a zona alta. Como exemplo do primeiro eixo temos a rua Nova que, facilitando a
ligação entre a Ribeira e Miragaia, se tornou um dos principais pontos de conflu-
ência de gentes e mercadorias do Porto burguês e mercantil. O segundo eixo era
representado pela rua das Cangostas, que fazia a orientação do trafego ribeirinho
em direção a norte (principal direção da saída de mercadorias da cidade), sem
passar pelo burgo episcopal. Como exemplo de um terceiro eixo temos a rua dos
Mercadores, ligação antiga e vital com a parte alta e secular da cidade, e local de
residência por excelência da profissão que lhe deu nome. Importante notar que
estas duas últimas ruas implicavam uma circulação extremamente custosa devido
ao carácter íngreme da sua implantação12.

10
  Duarte 2012: 265. Sabemos que a partir de finais do século XIV, a oligarquia que governa o Porto
se apoia numa política económica em torno de dois produtos principais do comércio medieval: o sal e o
peixe. Esta política tinha como objectivo monopolizar o sal e o peixe das redondezas, impedindo­‑os de
saírem dos portos correspondentes, e obrigando­‑os a sair somente do porto da cidade. Duarte 2012: 253.
11
  Cruz 1960:7­‑10.
12
  Sobre a temática da evolução urbana do Porto na Idade Média consultar: Teixeira H.­‑L., Porto,
1114 – 1518 – A Construção da cidade medieval, Dissertação de Mestrado em História Medieval e do

277
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Imagem III.
Principais eixos de circulação
no século XV

Para finalizar esta contextualização, importa ter em conta que a Carta de sentença
de D. Dinis de 1316, primeira expressão conhecida de preocupação com o ordena-
mento do espaço urbano do Porto, surge precisamente para precaver e regulamentar
o acelerado e caótico crescimento da zona ribeirinha. Nela se reconhece a necessidade
de o domínio público prevalecer sobre o privado, a manutenção dos rossios como
terrenos de serventia pública, e o valor do alinhamento e da funcionalidade13.

As Estruturas portuárias na urbanização do


Porto tardo­‑medievo
Analisadas as condições geomorfológicas e humanas onde a área portuária da
cidade se implantou e consolidou, passemos ao estudo do seu desenvolvimento
urbanístico a partir do século XVI, tendo como base os elementos atrás referidos
e a conjuntura económico­‑social coeva.
Durante os últimos séculos da Idade Média o Porto desenvolveu uma importante
estrutura naval, traduzida na existência de uma frota mercante experimentada nos
circuitos do norte da Europa que, entre finais da Idade Média e início da época
Moderna, passou também a centrar­‑se nos destinos sul e centro­‑americanos. Uma

Renascimento, Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2010. Sobre a atividade portuária e
mercantil do Porto consultar Barros A., Porto: a construção de um espaço marítimo nos alvores dos tempos
modernos, Porto, Dissertação de doutoramento policopiada, 2004.
13
  Teixeira 2010: 49­‑52, Oliveira 1973: 222.

278
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

das condições para a prosperidade portuense deste período consistiu no investimento


da dinastia Filipina na cidade, permitindo­‑lhe atravessar uma das conjunturas
comerciais mais positivas da sua história. Interessava à rica coroa espanhola investir
no comércio Atlântico e, como tal, nas comunidades portuárias do Norte do país,
que haviam acumulado experiência marítima através de intercâmbios regulares,
circulação de gentes, mercadorias e capitais na zona do atlântico. Todavia, durante o
mesmo século XVI, assiste­‑se a uma certa estagnação comercial da antiga burguesia
mercantil por força da conjuntura vivida (redução da sua capacidade de interven-
ção comercial14 e afastamento deliberado dos mercadores portuenses do projeto
expansionista). Assim, embora a custo, este grupo vai acabar por dar lugar a uma
nova elite de negociantes (saída sobretudo de um meio de cristãos­‑novos), que vai
colocar o Porto na vanguarda do trato internacional e do negócio a larga escala15.
Face a estas circunstâncias, a crescente complexidade da vida portuária começava
a não se satisfazer com as estruturas rudimentares existentes, assentes sobretudo
no aproveitamento das condições naturais que eram na sua maior parte praias.
Factores como o aumento do tráfico e da volumetria de alguns navios, o alargar
da multiplicidade de operações logísticas e náuticas necessárias, assim como a
preocupação em transformar o ancoradouro num porto de interesse internacional16,
impunham melhores condições de recepção e funcionalidade da zona portuária.
Assim, é natural que entre meados do século XV e finais do século XVI, quer a
Vereação do Porto quer a Coroa, se tenham empenhado em dotar a cidade de
estruturas de acostagem convenientes ao desenvolvimento da navegação comercial,
e de serviços e estruturas capazes de prover o seu funcionamento mais eficaz. O
principal destaque vai para o investimento aplicado no cais, principal elemento de
recepção das embarcações e estrutura base de definição de espaços de atracagem.
Construir um cais neste período era bastante complicado devido à, ainda, grande
limitação técnica, assim como à enorme dificuldade em deslocar os recursos mate-
riais, humanos e financeiros necessários para uma obra desta envergadura. Ainda
assim, tendo em conta a sua importância crucial, a cidade aplicou nas suas zonas
de atracagem os seus maiores esforços, nomeadamente contratando os melhores

14
  Nas últimas décadas do século XV, a evolução comercial começou a inverter­‑se, devido a uma série
de factores: primeiro o conjunto de decisões aprovadas desde D. João II que tendem a reduzir a capacidade
de intervenção comercial dos tratantes do Porto; e devido ao afastamento deliberado dos mercadores
portuenses do projeto expansionista, que com negócios seguros e lucrativos nos mercados europeus não
se queriam arriscar numa aposta que julgavam incerta. , Mas a sua cristalização a nível comercial somente
vai ter lugar após atingirem a “aristocratização” dos seus quotidianos e valores, traduzida na posse de bens
fundiários e no exercício do poder autárquico. Barros 2006: 53.
15
  Barros 2006: 68.
16
  Barros 2004: 55

279
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Imagem IV.
Cais do Porto
em Finais da Idade Média

técnicos da época para levar a cabo esta obra. Para a sua construção aproveitaram­‑se
as condições naturais do espaço ribeirinho e a fisionomia do terreno, em função da
construção da muralha, investindo­‑se na concepção e construção de um primeiro
cais junto da Alfândega e, posteriormente, doutro lanço de acostagem, com cerca
de duas centenas de metros, entre a praça da Ribeira e os Guindais17. Pretendia­‑se,
com esta estrutura, criar uma plataforma de circulação que ganhasse espaço ao
rio, permitindo, ao mesmo tempo, fazer chegar até si navios de maior calado: “em
modo que se meta no rio o mais que se poder meter”18. Em 1593 temos informação
da intervenção de António da Costa, “engenheiro de sua Majestade”, na traça do
cais da Ribeira19, mostrando este acontecimento a importância que se continuava a
dar a esta obra e à vertente técnica da sua construção. Só o facto da documentação
mencionar a palavra “traça” demonstra, desde logo, que esta estrutura foi subme-
tida a um prévio planeamento, ainda mais, elaborado pelo próprio engenheiro do
rei. Os factores atrás descritos mostram não só o relevo dado a este espaço pelos
pares da cidade e pela coroa, mas também a importância que teve como factor de
estruturação viária e de ordenamento do espaço ribeirinho.
Área mercantil por excelência da cidade, a zona portuária teria também,
logicamente, de possuir uma série de edifícios (públicos e semipúblicos), desti-

  As gravuras do Porto de Setecentos parecem confirmar que as duas (ou três) secções não estiveram
17

unidas, permanecendo, com importante função económica, a praia da Ribeira. Barros 2004: 58
18
  Barros 2004: 58
19
  Barros 2004: 64

280
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

Imagem V. 
Localização aproximada dos
principais edifícios da zona
portuária em Finais da Idade
Média

nados ao melhor aviamento do trato marítimo. De entre os referidos, realçamos


a Alfandega Régia, que, embora anterior a esta época, continuava a ser um dos
principais elementos arquitectónicos organizadores e dinamizadores do porto, até
pela sua estrita relação com o cais do Terreirinho. Conjunto amplo de construções
e arruamentos, cujo traçado faz pressupor o seu deliberado planeamento, a ela se
foram juntando ao longo dos tempos uma série de importantes serviços e edifícios
administrativos. Originalmente formada por duas torres, com um pátio central, teria
do lado norte a parte administrativa e a habitação do Almoxarife, a sul, a zona de
armazenamento e do lado noroeste, a Casa da Contadoria. Junto à Alfândega Régia
foram também instalados outros elementos como a Casa dos Contos e a Casa da
Moeda que, juntamente com o conjunto existente, deram origem à atual Casa do
Infante. É importante ressaltar, neste ponto, que a Alfândega foi, juntamente com a
Câmara, o mais importante edifício de carácter público e civil da cidade medieval20.
Outros edifícios representantes do despacho mercantil seriam a instituição da
casa ou “loja do peso, situada num armazém anteriormente adstrito ao serviço das
taracenas régias, próximo da rua da Reboleira e do cais do Terreirinho, e a antiga
igreja de S. Nicolau, onde permanecia o mordomo da Igreja, exercendo funções
de fiscalização dos navios21.

20
  Real M.­‑L. Gomes, P. D. e Teixeira, R. J. 1990: 39­‑45
21
  Sendo o Porto, até aos primeiros anos do século XV, uma cidade de senhorio episcopal, seria lógico
a Igreja receber como fonte de receita os impostos cobrados sobre a atividade comercial. Esta, que era
feita, em grande medida, através do trato marítimo, tem também influência na criação, na parte baixa

281
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Os estaleiros, principais equipamentos de apoio e manutenção das embarcações,


seriam também elementos de relevo na área portuária. Denominados de taracenas
na época medieva, altura em que eram instalações cobertas onde se construíam,
reparavam e guardavam barcos e aprestos navais, distinguiam­‑se agora pela cons-
trução de naves feita a céu aberto, em terrenos preparados para o efeito. Sabemos
que as primeiras taracenas se localizaram provavelmente no atual Largo do Ter-
reiro. Mas, em meados do século XV, com a evolução da cidade para um centro
comercial marítimo do qual a Ribeira era o coração, deixa de haver lugar aqui para
as taracenas, que devido à sua centralidade deveriam ser ocupados por estruturas
complementares ao tráfico comercial. Assim, em finais do século XV, as taracenas
começam a ser transferidas para outros locais, dos quais se salienta Miragaia como
principal ponto de construção de navios, logo em frente à Porta Nova, ou Nobre22.
Como já foi dito, o coração da área portuária e, também, da cidade comercial,
era a praça da Ribeira. Inicialmente um espaço irregular e sobrelotado, recebeu,
após a sua parcial destruição no incêndio de 1491, redobrados cuidados por parte
do concelho, que aproveitou este desastre para lhe dar uma nova imagem de
funcionalidade e enobrecimento. Inserindo­‑se na típica malha urbana de carácter
orgânico e irregular do Porto medievo, refletiu, no seu desenho regular e orna-
mentado, a força do poder central na construção da cidade. A sua implantação
geométrica foi feita “per cordem e linha”, expropriando pardieiros e elementos
edificados que estivessem a impedir a sua regularidade espacial, e edificando casas
que preenchessem os espaços ainda ermos, colmatando a linha do edificado. Do
mesmo modo, nas fachadas desta praça se pretendeu uma imagem enobrecida e
regular, o que se conseguiu pela repetição da mesma traça arquitectónica (tipo-
logia das janelas e arcos), nas três frentes que a delimitavam. Neste espaço, agora
“enobrecido”, da praça, que será a primeira de carácter secular do burgo, vai ser
colocado o pelourinho, símbolo do poder municipal, deslocado de junto da Sé23.
Outros equipamentos importantes no espaço portuário eram as adegas e
armazéns. Estes concentrar­‑se­‑iam provavelmente nas ruas e zonas próximas da
Ribeira e em Miragaia, sendo também possível que algumas casas da Rua Nova e
dos Mercadores apresentassem uma loja subterrânea com funções de armazenagem.
Um dos mais importantes elementos definidores não só da cidade, mas tam-
bém do seu espaço portuário, era a muralha gótica. Construção de iniciativa régia
iniciada em meados do século XIV, crê­‑se que a sua implantação se terá iniciado

da cidade, da ermida de S. Nicolau, no século XIII. A construção desta igreja correspondeu assim tanto
à necessidade de promover a assistência religiosa à população que habitava a zona ribeirinha, como a
finalidade de garantir a vigilância do tráfego fluvial­‑ marítimo. Barros, 2004: 82­‑96.
22
  Barros 2004. p. 253­‑259.
23
  Machado 1997: 231­‑245.

282
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

Imagem VI. 
Praça da Ribeira depois da
sua requalificação urbana

precisamente junto ao rio e à Alfândega do Rei24. Tal não nos parece estranho, até
por razões de prioridade de defesa da então principal zona comercial da cidade,
onde o armazenamento dos bens e barcos se concentravam. Em termos físicos,
foi extremamente relevante a relação que esta muralha teve com a área portuária.
A sua implantação a sul, e junto ao rio, decalcou o recorte marginal, respeitando
contudo a necessidade de manter fora o espaço suficiente para o varadouro, exigido
pelas atividades de carga e descarga.
Das suas várias aberturas, a grande maioria estava precisamente localizada junto
ao rio, como resposta ao já então grande tráfego mercantil. Entre estas aberturas
estão duas das principais portas da cidade, a Porta Nova (ou Porta Nobre), por onde
entravam as figuras de destaque, e a Porta da Ribeira, cuja importância se ligava à
da própria praça para onde abria. Entre os postigos fluviais, alguns tinham nomes
significativos que podiam indicar uma relação com algum tipo de especialização: do
Peixe, da Madeira, dos Banhos, do Pelourinho e da Forca. No Postigo do Terreirinho
(ligado à Alfandega régia), estendia­‑se o areal onde varavam os barcos e baixéis. Para
oeste deste, estariam o postigo da Lingueta, que abria diretamente para o rio sem
qualquer varadouro, e o postigo dos Banhos, que estava incluído numa articulação
especial de muralha que contornava um pequeno areal e linha de água existente, dando
nome ao referido postigo25. Em frente às muralhas, cuja edificação terá apressado
a perda de importância das antigas taracenas da Ribeira, ao cortar­‑lhes um acesso
direto ao rio, atracavam os navios, sendo a maior parte da carga que transportavam

  Oliveira 1973: 228


24

  Oliveira 1973: 225­‑230


25

283
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Imagem VII.
Muralha gótica
e suas principais Portas

descarregada no cais ou nos areais, para ser depois distribuída por tendas, armazéns
ou compradores, naturais da cidade e de fora da urbe26.
Fora de muralhas, importa chamar a atenção para a zona de Miragaia, que,
sendo inicialmente uma pequena comunidade ligada à faina fluvial e marítima,
vai crescer imenso com o desenvolvimento mercantil do Porto. As suas condições
naturais estratégicas, ao situar­‑se na saída oeste da cidade e ao apresentar um
espaço e areal adequados à atividade naval, tornam­‑na o espaço lógico para o
crescimento da zona portuária e para a concentração do tipo de população ligada
à vida do mar: armadores, capitães de navios e marinheiros. Aliás, como vimos, foi
para aqui que as antigas taracenas se deslocaram quando deixaram de ter espaço
na Ribeira, em finais de quatrocentos.
As referidas circunstâncias levaram a um crescimento urbano tão rápido e, conse-
quentemente, caótico, desta zona que, em meados do século XVI, já a Câmara iniciava

  Barros 2004: 257


26

284
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

o seu processo de ordenamento. Por detrás desta tentativa de organização espacial do


lugar poderá estar também o processo de transferência da construção naval, que aqui
tinha lugar, para outra zona, tentando­‑se fazer de Miragaia, mais um local de carga
e descarga, do que propriamente de construção de navios27. A decisão do concelho,
unânime, foi a seguinte: “que se colocassem “ate a dieta porta e asi se nom consentise
se fazerem navios no dicto lugar porquanto pejavam a dieta saida da dieta Porta Nova
sendo hua das principaes quando a dieta cidade vem”28. Com o desenvolvimento espacial
da urbe a própria construção de barcos começa a ser encarada como um obstáculo
ao acrescido movimento citadino, que importa remover. Exemplo disso é a ocupação
da praia onde se encontravam os estaleiros pelo baluarte defensivo de S. Filipe, no
século XVI. Com esta obra, a construção naval passou a desenvolver­‑se no areal para
além da Fonte do Touro (antigo limite oeste dos estaleiros de Miragaia), podendo, em
certos casos, ter chegado a fazer­‑se episodicamente em qualquer lugar do areal até
Monchique29. Existiriam mais estaleiros (Massarelos, S. João da Foz ou Vila Nova), mas
não teriam o relevo dos acima mencionados.
Além do lançamento, orçamentação e execução de obras de engenharia por-
tuária, a cidade preocupou­‑se também em facilitar o trânsito marítimo pela barra
que, como vimos, era difícil e perigoso. Existiam duas formas de orientação de
um navio: as balizas, na água, assinalando um canal navegável definido previa-
mente, e as marcas, de orientação, postadas fora de água. Concentrando­‑nos nas
últimas, devido ao seu maior valor urbanístico, sabemos que eram construções
existentes nas margens, utilizadas como referência para uma navegação segura.
Na margem direita encontraríamos, no sentido da Foz para montante, a ermida
de Santa Catarina no Ouro e o Pinheiro da Marca (depois substituído pela Torre
da marca)30. A estes juntaram­‑se, no século XVI, o farol e a igreja de S. João da
Foz. Mandados construir por D. Miguel da Silva, Bispo de Viseu e senhor do Couto
beneditino da Foz, retiraram da experiência renascentista deste homem (grande
humanista que havia estado em Itália) uma imagem arquitectónica e cenográfica
que importa realçar. D. Miguel, tentou erguer na então pobre e humilde povoação
da Foz os novos preceitos duma arquitetura clássica que não havia chegado ainda
a Portugal. Utilizando a paisagem grandiosa e revolta da foz do rio, ergueu, com
o apoio de um arquiteto de formação italiana – mestre Francesco da Cremona,
um projeto urbanístico composto pela referida igreja e pela Capela e farol de São
Miguel­‑o­‑Anjo, utilizando na sua construção a depurada gramática clássica31. Não
27
  Barros, 2004: 274­‑275
28
  AHMP – Vereações, liv. 16, fis. 51v­‑52
29
  Barros, 2004: 268­‑270.
30
  Duarte L. Barros A., 1997: 79­‑80.
31
  Barroca 2001: 10­‑15

285
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Imagem VIII. Planta geográfica da Barra da Cidade do Porto. T.S. Maldonado, 1789, AHMP.

terá passado muito tempo para que outro equipamento de relevo começasse aqui a
ser construído, contribuindo amplamente para o desenvolvimento da foz da cidade.
As notícias de assaltos a navios e estabelecimentos atlânticos portugueses, durante
o século XVI, no contexto de uma forte concorrência marítima levada a efeito pelas
potências do Norte, conduziram à ativação de um programa de defesa da costa
portuguesa. Vem nessa sequência a construção da Fortaleza de São João da Foz,
implantada durante a dominação castelhana de Filipe II (1580­‑1640), que protege
o acesso fluvial à cidade. Mais perto da urbe foi também decidida a edificação de
uma segunda linha defensiva em 1589, o baluarte de S. Filipe, localizado no sector
poente da muralha, dominando o rio e dotado de algumas peças de artilharia32.
Para terminar, falta somente referir as principais vias de circulação que serviam a
zona portuária e contribuíam para o escoamento dos seus produtos. Embora seja um
estudo que queremos aprofundar no futuro, é tomado por aceite que a circulação do
Porto nesta época foi extremamente influenciada pela atividade portuária da Ribeira
e de Miragaia. Destas ruas destacamos as seguintes: a Rua Nova (1), como eixo de
ligação entre a zona baixa da cidade e Miragaia; a Rua dos Mercadores (2), como o
mais antigo eixo de circulação entre a zona alta e baixa do Porto; a rua da Ferraria

  Barros, 2004: 268­‑270.


32

286
A ação das estruturas portuárias na urbanização do Porto tardo­‑medievo

Imagem IX. 
Localização das principais
vias de circulação do Porto
no fim da Idade Média

(3), que começava junto à Porta Nova e se ligava ao Largo de S. Domingos; a nova
Rua das Flores (4), que reunindo o concorrido nó viário do Largo de São Domingos
à Porta de Carros a Norte, se vai tornar um dos mais importantes eixos de saída da
cidade deste período; a Rua de Belmonte (5), que ligava o Largo S. Domingos às pro-
ximidades da porta da Esperança; a Rua das Cangostas (3), que unia a Alfândega ao
Largo de S. Domingos; o Eixo de S. Miguel e Rua da Vitória (7), que reunia o Largo
S. Domingos e o Morro do Olival, e a rua da Ferraria de Bairro (8) que ligaria a Porta
Nova ao meio da Rua da Ferraria. Quanto aos principais núcleos viários, estes seriam
a Praça da Ribeira (A), a Alfândega (B) e o Largo de S. Domingos (C), o mais central
nó da cidade, onde as principais ruas se cruzavam33.

Conclusões finais
O Porto mostrou, desde cedo, vontade de constituir o seu espaço portuário.
Logo no século XIV se começaram a esboçar estruturas de atracagem devido ao
acrescido movimento que chegava à areia da Ribeira. Até finais da Idade Média, os
homens da vereação, por necessidade, e certamente informados de outras realidades
que conheciam nos ancoradouros que os seus navios frequentavam, conseguiram
dar um “cunho de certa modernidade”34 ao seu espaço portuário: preocuparam­‑se
em definir zonas de carga e descarga e separaram delas o estaleiro de construção

33
  Teixeira 2010: 80­‑85.
34
  Barros, 2004. p. 855.

287
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

naval propriamente dito. Deslocaram e substituíram continuamente as taracenas


existentes para mais longe, devido à incessante necessidade de novas áreas de
suporte comercial e naval, desde estaleiros a postos de controlo do tráfego e serviços
de despacho dos navios. Assim, no século XVI já se podia falar em “zoneamento
portuário” com locais distintos de acolhimento do tráfego fluvial e marítimo.
Embora os homens do concelho e os próprios comerciantes e mercadores muito
tenham investido no espaço portuário, os principais gestos que determinaram a
seu configuração urbanística advieram da Coroa, desde a construção da Alfândega,
da Rua Nova e da Muralha, até ao desejo de enobrecimento da praça da Ribeira.
Quanto ao Porto mercador, ele soube utilizar em seu proveito a localização estra-
tégica e o afastamento da capital, desenvolvendo a sua economia e política local,
mesmo num país onde a coroa foi precocemente centralizadora. A topografia
acidentada e as difíceis condições de navegabilidade do Douro não conseguiram
travar o crescimento da cidade.
A confluência que teve lugar nesta época, com uma coroa disposta a intervir
na cidade, um concelho municipal preocupado com o enobrecimento urbano, e um
corpo mercantil especializado e renovado composto sobretudo por cristão novos
com forte presença nos principais portos atlânticos, fez o Porto desenvolver­‑se
de uma maneira que até aí nunca tinha sido possível. E, claro, tal revelou­‑se na
construção física da cidade, inspirada em modelos arquitectónicos e urbanísticos
que seguiam os mais novos pressupostos do planeamento a nível nacional e, em
certos casos, internacional, ainda que sem esquecer a sua estruturação espacial em
função da atividade que lhe dava o principal sustento.

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289
Evolução da paisagem urbana: transformação morfológica dos tecidos históricos

Resumo: Acreditando que o rio Douro foi, entre o fim da Idade Média e o início da Idade
Moderna, um dos principais fundamentos de desenvolvimento económico e comercial
do Porto, queremos perceber como é que neste contexto temporal a cidade se pareceu
consertar para crescer de modo massivo e estruturado em função do seu porto. Aqui
tentaremos enquadrar o Porto no conceito mais amplo e integrador de cidade portu-
ária, por oposição aos conceitos mais básicos de cidade por um lado, e de porto, por
outro. Focar­‑nos­‑emos particularmente no modo como o seu espaço portuário condi-
cionou o desenvolvimento espacial da cidade envolvente.
Palavras Chave: Cidade portuária, Urbanismo, Porto Medieval, Evolução Urbana.

Abstract: Believing the Douro river was, between the late Middle Ages and early Modern Age, one
of the main foundations of economic and commercial development of Porto, we want
to understand how in this temporal context all the city seemed to grow massively and
structured in function of it’s harbor. Here we will try to frame Porto in the wider concept
of portuary cities, as opposed to the most basic concepts of the city on the one hand, and
port on the other. We will focus particularly on the way the port area conditioned the
spatial development of the surrounding city.
Key words – Portuary city, Urbanism, Medieval Porto, Urban Evolution.

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