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revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 1

2 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

david nobrega
davidnobrega.com.br :::editorial
Editor e escritor


Para nossos leitores de nossa versão on-line,
“Olá!”. Cá estamos novamente, com uma revista recheada de prosa,
verso, entrevistas e tudo mais a que vocês já estão acostumados.
Revista Cultural Porém, a partir desta edição, temos que nos apresentar a um novo
Novitas leitor que, como eu mesmo, adoram poder ter nas mãos o bom e velho
papel.
Esta edição é uma conquista. Pela primeira vez, a Revista
Cultural Novitas é impressa e distribuída além das fronteiras da
Ano II Nº VII internet. Assim conseguimos atingir a um número maior de leitores,
Novembro/Dezembro de 2010 fazendo com que nossa proposta primordial – a disseminação da
cultura – torne-se concreta. Aos novos leitores, nosso “Muito bem-
vindos!”. Desfrutem do potencial do escritor foco desta Editora, o
ainda desconhecido, o talento por trás do muro do vizinho que,
Esta é uma publicação escondido na calada da noite, versa a vida, proseia sobre a morte
ou simplesmente, tece memórias de coisas vividas por outros. Além
da Editora Novitas em disso, autores já tarimbados, músicos que por algum motivo deixaram
de receber a devida atenção da mídia, fotógrafos com olhar crítico,
periodicidade bimestral. pensadores oferecendo sua visão pessoal sobre o mundo que nos
cerca.
Todos os textos, imagens

ou qualquer outra forma de Chegou Dezembro e mais um final de ano que, querendo ou não,
crendo ou duvidando, sempre tem aquele cheiro bom de renovação.
manifestação aqui publicados Dias com cheiro de carro novo ou de bebê recém-nascido. Teremos
mudanças? Nossos representantes eleitos serão capazes de arcar com
foram devidamente solicitados a o peso moral, que os votos recebidos lhe cobram? Ficaremos todos
ricos na Mega Sena da Virada? Ninguém sabe, mas o que interessa é
seus autores, que autorizaram sua ter a vontade de virar a página e perseguir o bem maior. Ao colocar
seu real sob o prato de lentilha, na primeira refeição de 2011, una seus
utilização por meio de mensagem companheiros de mesa em um pedido simbólico (ou não): que todos
brasileiros sejam capazes de chegar ao próximo Reveillon melhores
eletrônica. que este ano, seja lá o grau de dificuldade que atravanque os caminhos
desse projeto de vida.
Imagens não creditadas

são de autoria de David Nobrega. Por falar em final de ano, há o Natal, época do ano em que
as trocas de presentes são o ápice dos relacionamentos, sejam
familiares, de trabalho ou de simples vizinhança. Posso dar uma dica?
Editores: Dê livros de presente. Sabe aquele amigo secreto de fim de ano do
escritório? Então... Vejam só que grande oportunidade de distribuir
Letícia Losekann Coelho conhecimento, criando as listinhas de autores ou temas preferidos e
estipulem valores. Se pensarem bem, só há o que ganhar, pois nem
David Nóbrega mesmo o risco de se ganhar meias e gravatas se correria mais.
Revisão: Como sempre, fica a disposição nosso endereço de e-mail:
contato@editoranovitas.com.br. Após lerem nossa Revista, sintam-se
Andrea Lucia Barros a vontade para nos enviar seus comentários e sugestões. Se preferir,
nosso endereço para correspondência é Caixa Postal 331, Santa Cruz
do Sul, CEP 96.810-970.
Imagem da capa: David Nobrega
Boa leitura e até a próxima!
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Leticia Wierzchowski é escritora e reside em


Porto Alegre com o marido e seus dois filhos. Sua
bibliografia já ultrapassou a casa dos dez livros
publicados, entre eles vários com edições em outros
países, como é o caso de Um Farol No Pampa, O
Pintor Que Escrevia e Uma Ponte Para Terebin, além
de A Casa Das Sete Mulheres que se tornou série
televisiva e é encontrado na Itália, Grécia, Alemanha,
Portugal, Sérvia e Montenegro, França, Espanha e
demais países de língua espanhola.
Letícia escreve uma coluna no jornal Zero
Hora e mantêm textos semanais em seu site www.
leticiawierzchowski.com.br, além do perfil no twitter:
@lwierzchowski
Lançou recentemente o livro Os Getka pela
editora Record e atualmente trabalha na finalização
do roteiro de uma obra baseada em O Tempo E O
Vento, de Erico Veríssimo.
crédito de imagem : Carin Mandelli

Editora Novitas: A partir de quando e do que a Letícia se


descobriu escritora? Ler – prerrogativa para escrever– é algo que
vem de berço?

Leticia Wierzchowski: Na minha casa, se lia muito pouco.


Eu fui a leitora inaugural da família, sempre gostei de livros, desde
pequena. Assim, os livros não foram um hábito herdado, mas
adquirido. Evidentemente, ler é prerrogativa de escrever. Isso e mais
o talento. Acredito no talento, na capacidade visceral. Eu comecei
a escrever por acaso – tinha feito muitas coisas já, entrado e saído
da Universidade, vários vestibulares… Montei uma confecção
feminina, pois eu gostava era de desenhar moda. Lá, um dia, por
acaso, comecei a ficcionar. Criei uma história, personagens, uma
casa. Virou mania, e a melhor parte do meu dia. Desde então, não
parei mais de escrever…

EN: Tu és uma autora de diversos livros. Em somente dois


livros ( A Casa Das Sete Mulheres e Um Farol No Pampa), escreveu sobre
literatura rio grandense. O rótulo ficou?

LW: O rótulo ficou por causa de A Casa Das Sete Mulheres.


Qualquer rótulo é sempre uma simplificação grosseira, mas cabe ao
artista lidar com isso, extrapolar isso – nem que seja pessoalmente.
Um sucesso como o de A Casa Das Sete Mulheres sempre traz coisas
boas e ruins, é preciso aprender a equilibrar a balança… Mas quem
me lê, quem se informa minimamente sobre meus livros, sabe que
escrevo sobre vários universos.

EN: O livro “Uma ponte para Terebin”, narra a história do teu avô
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polonês. Como foi escrever esse livro para


ti? É uma maneira de se descobrir raízes e
demonstrar afetos?

LW: Foi uma descoberta do passado


da minha família, que sempre foi nebuloso,
discreto. Isso foi, creio, uma vontade de meu
avô: a família sofreu muito na Polônia ocupada
pelos nazistas, ele botou uma pedra em cima
disso. Deixou para os filhos um futuro em
branco, pra eles preencherem ao seu gosto…
Mas o tempo passou, eu quis saber mais e
fui atrás. Hoje, gosto de saber que deixo para
os meus filhos e sobrinhos um olhar sobre a
história pregressa deles. A gente não pode
esquecer o passado.
Mas escrever Uma Ponte Para Terebin foi
também uma aventura narrativa pra mim.
Uma longa pesquisa, uma viagem histórica,
emocionante. Gosto muito do romance.

EN: Tu levastes o terceiro lugar no Prêmio


Jabuti com um livro infantil: Era Outra Vez Um
Gato Xadrez. Como é para ti a comunicação
com esse público?

Estar em outras infâncias hoje, alimentar fantasias –


nossa! –, é um privilégio.
LW: Criança é maravilhoso. Tenho dois amigos escritores. Hoje em dia, também, a
filhos pequenos. Não posso ver criança na rua maioria dos autores do Sul são publicados por
que já estou puxando assunto, brincando… editoras nacionais. Isso resolve a questão.
Nunca passo imune a elas. Assim, escrever
para os pequenos é uma coisa que faço EN: A crítica nem sempre é razoável
com leveza e alegria. E que vem trazendo e justa e algumas vezes ganha tons de
resultados super legais. O Jabuti é apenas um agressividade gratuita. Como tu lida com a
deles. A minha infância ainda é muito clara pra crítica negativa e com a agressividade?
mim (aliás, um artista é sempre uma criança,
creio…). Estar em outras infâncias hoje, LW: Falta de ética é um saco. Já tive
alimentar fantasias – nossa! –, é um privilégio. algumas experiências ruins, e lidei com elas de
várias formas. Mas existe uma regra básica:
EN: Qual a tua visão sobre o meio a parte pública é a minha obra, não a minha
literário gaúcho? Afinal, alguns nomes pessoa. Eu não me exponho, sou até mesmo
gaúchos despontam hoje entre os mais lidos tímida. O meu trabalho, portanto, pode ser
no Brasil e em alguns casos, com tiragens no julgado e criticado sempre. Críticas e ofensas
exterior como é teu caso, mas parece que o pessoais são outro assunto.
meio literário não é “misturado”. Porém, não costumo pensar nisso
quando estou escrevendo. Esse limite é
LW: Sinceramente, não penso muito sempre muito claro pra mim…
nisso... Em fronteiras físicas, em divisões.
Moro em Porto Alegre. Fisicamente, às vezes, EN: Recentemente os e-readers foram
isso complica: para dar uma entrevista pra lançados no Brasil. Tu acreditas que é mais
Globo, é preciso pegar um avião. Mas só uma ferramenta para aumentar o número
penso nisso nessa hora… Ademais, esse de leitores ou ainda é sonho distante para a
papo de meio literário não é comigo. Nunca maioria dos brasileiros?
escolhi meus amigos pela profissão que eles
exercem… Sucede que tenho, sim, alguns LW: Casualmente, acabamos de receber
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um e-reader aqui em casa hoje. Foi o presente Agora, sobre a leitura no Brasil? Quem
que o meu marido pediu. Mas ganhou me dera responder isso em duas páginas…
vários livros também. Acho que é mais uma São tantas coisas, tantas metas a serem
ferramenta de leitura, uma facilidade. alcançadas antes que o povo brasileiro tenha
vontade e capacidade de ler mais…
EN: Somos um País de escritores.
Hoje qualquer pessoa pode manter um blog EN: Conta-nos um pouco sobre teus novos
e escrever e ainda publicar seu livro, mas projetos.
de contra partida ainda não conseguimos
equilibrar o número de escritores com leitores. LW: Estou terminando o roteiro de um
Na tua opinião, existe uma solução para a longa-metragem baseado na obra do Erico
leitura aumentar no Brasil? Veríssimo, O Tempo e o Vento. Esse trabalho
eu comecei junto com o Tabajara Ruas, mas
LW: Não acho que somos um país de estou finalizando sozinha. É um longa que
escritores. Que qualquer um pode escrever, será dirigido pelo Jayme Monjardim, e vai ser
isso sim, graças a Deus. Mas você mistura rodado aqui no Sul.
as coisas – blogs e romances têm pouco em Acabei de lançar um romance também,
comum –, além do fato de usarem a palavra chama-se Os Getka, editora Record.
escrita. E isso não é uma crítica, é um fato.
Ademais, todo mundo navega na internet, e EN: Algum recado ou dica para os
80% desses internautas não leem livros. Isso autores iniciantes?
acontece no mundo, não apenas aqui no
Brasil. São assuntos e índices completamente LW: Se conselho fosse bom…
diferentes, e disassociados.
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álisson da hora
pontispopuli.blogspot.com :::opinião
Mestrando em Teoria Literária (UFPE), professor, poeta e escritor

O livro interpelante

Muitos pensadores contemporâneos - cito uma árdua batalha.


apenas o Zygmunt Bauman -, têm se debruçado Livros interpelantes não atendem a isso, à
sobre a questão da efemeridade, do quanto as encomenda do momento. Nascem e permanecem
coisas, das relações humanas aos produtos de por meio das perguntas que são capazes de
consumo, cada vez mais são feitas para atender suscitar, questões que não fenecem diante das
ao império do imediato. Mais agudo do que isso respostas fáceis. Daí, podemos nos perguntar,
é a tentativa, que muitas vezes alcança êxito, de tal qual Vera Aguiar e Maria da Glória Bordini em
anestesiar as pessoas, fazendo-as crer numa Literatura: formação do leitor por que livros como
suposta amenidade livrando-as do “incômodo” ato os de Hans Christian Andersen, Mark Twain,
de pensar. Poderia tecer longas considerações Robert Louis Stevenson, entre outros, não são
sobre os digestos - termo original da jurídica e que mais indicados para leituras em nossas escolas.
serviu por um bom tempo (a partir de autores como E livros como os de Monteiro Lobato, quem diria,
Muniz Sodré e Ecléa Bosi) para identificar por passam pelo crivo de “conselheiros” preocupados
essas bandas o que depois veio a ser classificado em atender a exigências até certo ponto louváveis,
como Best-sellers -,principalmente pela etimologia mas exagerando o cuidado e subestimando a
da palavra, que remete àquilo que é facilmente inteligência de professores e, pior, de alunos.
digerível, que não vai causar náuseas e enjoos. Ou seria, e me permitam um pouco de
Acho que a questão principal é quando os exercício de paranóia conspiratória, pelo fato de
livros considerados da “alta literatura” são esses livros realmente dizerem algo mais, pelo
jogados para um “nicho de mercado” e passam a caráter de inserirem no ser de quem os leu, algo
ser considerados “difíceis” ou “inacessíveis” ou que ficará sempre a se remexer, de provocar
porque “não contam histórias”. De fato, a questão nostalgia e ressignificar o
da narratividade, ao longo do século XX, cedeu mundo? Não lembro de algum Não lembro de
lugar a um intimismo e a um subjetivismo nem aluno meu guardar devoção de algum aluno meu
sempre palatáveis ao leitor médio que, obviamente, um personagem ou de um livro guardar devoção de
quer ler histórias. O que não significa que um (perdoem-me os leitores das um personagem ou
livro que conte uma história tão somente, não traga famosas sagas vampirescas, de um livro
em si questionamentos que nem sempre são mas duvido algum adulto contemporâneo
profundamente abordados em outros tipos de livros; futuramente guardar com
até porque, em sua maioria, a tônica é fugir deles. nostalgia personagens tão tacanhos, diferentemente
Marilena Chauí comentando em Experiência de um Pedrinho, de uma Narizinho, de um Oliver
Do Pensamento a obra do filósofo francês Maurice Twist, um Capitão Ahab...) contemporâneo, que são
Merleau-Ponty, especificamente La Prose Du adotados pelo Programa Nacional do Livro Didático
Monde, nos traz o conceito do livro interpelante ou os oferecidos às escolas particulares pelas
defendido por ele. O livro interpelante é uma editoras, trazendo “autores consagrados”.
máquina infernal, criadora de significações que A permanência desses significados, propor-
passam a fazer parte do mundo dos leitores a partir cionados pelos livros interpelantes, é o que faz a
da aproximação entre arte e filosofia, colocando- diferença no nosso trato com o mundo, o real e o
os no plano das reflexões que se inscrevem no literário. Eu não teria tido tanta desenvoltura ao ler
ser. Imagino que seja o objetivo de qualquer livro, a Odisséia ou alguns contos de Borges em que
mas alcançá-lo é outra história. Até porque, creio aparecem elementos mitológicos se não tivesse
que para iniciar tal empreendimento, o livro tem lido quando criança as obras de Lobato nas quais
de aguçar a capacidade imaginativa e fazer com ele trata de mitologia. A capacidade de sonhar
que ela se prolongue e não esmoreça ao cotidiano, e de imaginar fica mais aguçada, somos mais
principalmente este nosso, da formação em fartura, capazes de responder a quaisquer interpelações e,
em que o esquecimento e a memória travam sobretudo, ficamos mais aptos a interpelar.

Referências
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
BORDINI, Maria da Glória & AGUIAR, Vera Teixeira. Literatura: a formação do leitor – (alternativas metodológicas). 2. ed.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1993.
BOSI, Ecléa. Cultura de massa e cultura popular: leituras de operárias. 10.ed. Vozes: Rio de Janeiro, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Experiência do pensamento:ensaios sobre a obra de Merleau-Ponty. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SODRÉ, Muniz. A comunicação do grotesco: um ensaio sobre a cultura de massa. 10.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1985.
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Muitos críticos musicais dizem que a década de 1970 foi uma época perdida
para nossa música, principalmente no que diz respeito ao rock nacional. Na verdade,
vivíamos, então, uma transição de valores e de conceitos, fazendo com que muitas
bandas produzissem pouco; mas, mesmo assim, de forma definitiva. Com o advento
da música de discoteca e dos acordes simplistas do movimento punk, produzir
música de qualidade pode ser encarado como uma forma de heroísmo artístico.
Poucos foram aqueles que foram convidados a participar do “Globo de Ouro”
ou a gravarem clips para o “Fantástico”, mídias Globais dominantes à época.
Nesse contexto nebuloso algumas bandas – como Aero Blues, Bacamarte,
O Terço, Joelho de Porco, Moto Perpétuo, Casa das Máquinas, etc –, assim como
cantores – como Raul Seixas, Rita Lee, Tim Maia e tantos outros –, conseguiram
uma exposição maior e muitos de seus membros ainda fazem parte da música, seja
sobre, sob ou atrás do palco.
Um dos nomes mais marcantes dessa época é, sem dúvida alguma, o ex-
integrante de bandas como Casa das Máquinas, Tutti-Frutti, Raíces de América
(além de outras de menor duração) e dono de um vocal fantástico, o Simbas.
Por e-mail e telefone, ele mostra que a atitude e disposição de antes
permanecem intactas, incluindo a promessa de “bebermos” uma entrevista
futura em um bar qualquer. E essa, Simbas, eu vou cobrar!

O início de tua carreira foi com bandas de descendente de índio, passava por mestiço. Era
cover, tocando em bailes e festas. Mas e antes? muito engraçado, todo final de semana lá estava
De onde veio Simbas? eu cantando nas colônias japonesas... Foi legal
e gratificante. Nessa época, por eu ser muito
Na verdade comecei a cantar aos 10 anos atrapalhado e brincalhão, fui apelidado pelo
de idade na escola, brincadeira de criança. Nardo(um amigo da Zona Leste de “Simbad, o
Mas tomei gosto pela música e aí participei da Marujo Trapalhão” (antiga revista em quadrinhos
formação de um grupo musical da rua onde eu da década de 1960 – nota da Editora) . Daí
morava, que se chamava Os Adolecentes. Fui nasceu o Simbas, que depois entrou numa
mandado embora deste grupo por inveja dos banda chamada The Rolling Fevers, mas logo fui
outros componentes – eu já agradava muito, para o Grupo C.A.P.O.P. (Cagando e Andando
cantando, por onde o grupo se apresentava Para a Opinião Pública), e na sequência a Som
–, mas como eu não tinha instrumento para Positivo, que virou a Banda Mountry, fazendo
tocar e naquela época todos que participavam covers em bailes. Finalmente cheguei ao Casa
de uma banda tinham que possuir seu próprio das Máquinas e, na sequência, passei pela
instrumento, eles me mandaram embora. Eu era Tutti Frutti, Intelligence, Raíces de América,
muito pobre e meu pai não tinha como ajudar. A.A+1Dose, Dr. Fritz.
Fiquei tão triste e humilhado que, chorando, Por falar na Intelligence, tem até uma
prometi à minha mãe e a mim mesmo que eu história legal, sobre minha participação nessa
seria alguém no meio musical. banda. Logo após o fim da Tutti-Frutti comecei
Lutei muito e acho que consegui contribuir a prestar serviços a uma casa de eventos
com uma pequena fagulha dentro do Rock fazendo a sonorização. Um dia me pediram para
Nacional. Me sinto realizado e feliz pelo carinho preparar o som para uma banda dos Estados
recebido ao longo da minha carreira. Unidos, que estava vindo para cá para mostrar
Voltando à pergunta, depois d´Os o trabalho deles para um produtor brasileiro.
Adolescentes, entrei numa banda da Zona Estava na mesa de som quando os caras
Leste de Sampa; só tinha japonês e como sou chegaram, acompanhados pela Mônica, que
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havia sido uma amiga da época da Tutti-Frutti, Não se ouve ou não se faz mais músicas ou se
que estava casada com um dos músicos dessa formam bandas tais como O Terço, Mutantes,
banda. Ela me apresentou à banda e meia hora Casa Das Máquinas, Made In Brazil, O Peso,
e meia dúzia de cervejas depois me pediram Som Nosso de Cada Dia, Tutti Frutti, Mamonas,
uma canja na passagem de som. Foi uma Titãs, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana,
brincadeira, comigo cantando músicas do Led, Barão Vermelho, Blitz e tantas outras que eu
do Deep Purple... Eu lá, cantando com os caras curtia e ouvia até uns anos atrás. Depois disso
e um sujeito sentado quieto, eu sem saber quem só chegaram coisas que não me agradam, não
era. Terminamos nossa brincadeira e a banda me motivam e não me emocionam. Nas rádios é
fez o que tinha ido fazer, se apresentar para o dificil ouvir esse tipo de música, ou bandas que
tal produtor brasileiro que, na realidade, era o nos Influenciaram como Led Zeppelin, Deep
sujeito ali da platéia. Depois que eles fizeram a Purple, Kansas, Stones, Grand Funk Railroad,
apresentação foram conversar com o produtor Edgar Winter, Steppenwolf, Credence, Blue The
que me apontou algumas vezes. Me chamaram Rock, Emerson Lake & Palmer, Yes, Humble
para a conversa: o produtor só trabalharia com Pie, Gentle Giant, Chicago, Blood Sweet and
a banda se eu fizesse os vocais. Depois disso Tears, Tree Dog Night, Procol Harum... Enfim,
fiz a versão de 80% das músicas dos caras e uma infinidade de maravilhosas bandas que
rodamos pelo Brasil – chegando até à Argentina marcaram época, por suas músicas belíssimas,
– durante mais de dois anos. Obra do acaso ou muito bem arranjadas e estruturadas, tocadas

Simbas, do “Casa das Máquinas” ao “Raíces de América


fatalidade essas coisas acontecem, ainda bem! com todo o vigor nescessário, ou executadas
No presente momento faço apenas com a suavidade que as canções exigiam.
participações especiais em shows de bandas Letras profundas e inteligentes, motivadoras
amigas, ou me apresento em reuniões de fãs e de mudanças de costumes e hábitos... É meu
amigos, na companhia do guitarrista Kadú, que amigo, faz muito tempo que isto acabou!!!
também canta e toca gaita.
Bom, daí para frente acho que vocês Do rock às raízes: Como foi para um
já sabem do resto ou não, porque para falar até então roqueiro participar de um projeto de
de toda minha vida seria necessário uma latinidade, como o Raíces de América?
entrevista de horas e horas para falar sem
tempo para terminar “Deve ser aquelas bandas com um monte
de caras com poncho nas costas, tocando flautas
O rock nacional dos anos 70 tem o nome de bambu, choramingando as misérias da
Simbas marcado a ferro e fogo na memória. América Latina...” Me f***! Não era nada disso!
Seja por teu vocal ou pela presença de palco, Me deparei com uma grande banda onde todos
é impossível dissociar “Casa das Máquinas” tinham uma importância vital na apresentação
por exemplo, de seu nome. Isso o faz uma do show, desde a ótima cantora Nacha Moreto –
boa referência sobre a realidade musical de com quem tive a oportunidade de me apresentar
nosso país. A pergunta é simples: O nosso rock por todo o Brasil e também de gravar –, até os
brasileiro, muitas vezes debochado quando não excelentes músicos que faziam parte da banda,
crítico, morreu? como o excepcional Maestro Willie Verdaguer,
que cuidava dos arranjos vocais e instrumentais.
Até onde eu sei, faz tempo, ou melhor, Cada encrenca musical, amigo, que você nem
muitos anos que o rock desapareceu, acabou. faz idéia! Se permita ver um dia para ver do
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que estou falando. Foi muito rico e gratificante. de vitrine para novos trabalhos. Mas há que
Aprendi muito e sou extremamente agradecido se tomar muito cuidado, pois os jovens já não
a todos eles escrevem mais, tudo está ali, mastigado e
pronto. Meu relacionamento com a internet é de
Vamos às atualidades. Quais os atuais e uso pessoal e restrito a somente o realmente
próximos projetos? necessário. Tem que se tomar muito cuidado!
Em algumas ocasiões, faço
Como já disse, faço shows com amigos, uma brincadeira com minhas filhas em casa.
me apresento com o Kadú em eventos que Coloco tipo mil reais em cima da mesa e faço
considero especiais e dirijo minha firma de dez perguntas, cada uma valendo cem reais.
projetos e instalações de home theater, locação Sabe quanto eu perco a cada vez que isso
de equipamentos de som e luz para shows. acontece? Em torno de cem, duzentos reais.
Estou trabalhando para a realização de uma A internet está emburrecendo nossos
turnê pela Europa e, em breve, muito breve, no jovens. A leitura ficou fácil demais, com resumos
lançamento de um CD com músicas inéditas de demais. Isso quer dizer que todo mundo acaba
minha autoria e com outros parceiros, músicas sabendo um pouco de muita coisa inútil. Se o
que não foram gravadas lá pelos anos 70 e 80, rock era contestação, é porque a gente estudava
mas merecem registro, pois eu as considero o que queria contestar. Hoje ninguém mais quer
especiais. saber de sentar e ler um livro – ler de verdade,

www.simbasvocal.com
Simbas em 1978 Simbas em 2008

Uma pergunta que sempre fazemos a entendendo o que um autor quer dizer.
nossos entrevistados: A internet tem o lado Outra coisa era a dificuldade que a gente
pirata, agressivo, chato. Mas também tem o tinha de conseguir saber o que os ídolos musicais
bom, com a disseminação da cultura e servindo estavam aprontando por aí. Era comum um cara
de vitrine para novos trabalhos. Como é seu receber visita em casa porque ele tinha um LP
relacionamento com essa ferramenta? importado. Atualmente é comum gente ir para
o bar e ficar no MSN pelo celular, enquanto a
Você já respondeu por mim! Tem o seu lado cerveja esquenta na mesa.
pirata, agressivo, chato, mas também tem o seu Amigos rockeiros, tem é que ler e escrever
lado bom, com muita informação, disseminação mais, mas muuuuito maaaaaiiisssss!!!
da cultura entre os povos. O Mundo servindo Beijos a todos!
As imagens que ilustram esta matéria são do acervo pessoal do entrevistado.

:::lançamento
Está saindo do forno mais uma Coletânea Scriptus, a terceira da série, desta vez chamada de Palavração.
Visite editoranovitas.com.br e fique por dentro de nossos lançamentos
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eduardo c. braga
braziledubraga@gmail.com :::opinião
Graduação em Educação Artística, graduação em Filosofia, mestrado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo. Doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP.
Professor do Centro Universitário SENAC. É natural da Vila Madalena, São Paulo, Brasil
E:mail: duar.braga@gmail.com

A arte como revelação do mundo e da liberdade


“O mundo é inseparável do sujeito, mas de um sujeito que só é projeto do mundo, e o sujeito
é inseparável do mundo, mas de um mundo que ele mesmo projeta”.
(Merleau-Ponty, 1971, p. 443).
“Liberdade é o que você faz com o aquilo que aconteceu com você.”
(Jean-Paul Sartre)
Um dos principais aspectos metafísicos unidade de espírito à diversidade da coisa, tenho
da fenomenologia em geral, e da filosofia a consciência de produzi-los, vale dizer, sinto-me
existencialista em particular, é a superação da essencial em relação à minha criação.” (Sartre,
oposição epistemológica entre sujeito e objeto. 1989, p. 34)
Para a fenomenologia e o existencialismo, desde
sempre o sujeito está no mundo e guarda relações Assim, o primeiro aspecto do prazer estético
com este. São essas relações que definem tanto é a dupla alegria de “desvelar” o mundo e tornar-
um como o outro, ou seja, sujeito e objeto são nos conscientes para o exercício de nossa radical
determinados por uma relação fundamental liberdade. Trata-se de um aspecto estético
existente entre eles. Cabe à arte revelar esse ato metafísico, pois ele nasce de nossa fundamental
originário de desvelar um sujeito e um mundo por relação com o mundo. O alcance metafísico
meio dessa relação. da liberdade humana consiste no fato de que a
Na própria filosofia de Sartre existe uma tentativa de revelar uma parte ou um aspecto do
implicação estética em sua tese fundamental mundo implica em revelar a “totalidade” dos seres
de que o mundo depende de nossos e conseqüentemente desse próprio
atos de consciência. Assim, o objetivo Assim, vivências mundo. Assim, vivências fragmentadas
fundamental do trabalho de arte é, de fragmentadas e sem sentido tornam-se significativas
forma deliberada e consistente, exercer e sem sentido quando desveladas na totalidade,
esse ato, essencialmente humano, tornam-se ganhando uma dimensão universal.
de introduzir ordem e regularidade significativas O subjetivo e o objetivo se entrelaçam
significativas para o mundo. Em nossa quando numa dança significativa, superando as
“atitude natural” este ato de consciência, desveladas na parcialidades e atingindo um todo com
que organiza o mundo, acontece totalidade, sentido.
inconscientemente na forma de nossas ganhando Como Husserl (2000) em sua
percepções e conhecimentos práticos. uma dimensão fenomenologia já havia insistido, a
Entretanto, na expressão artística, a universal. percepção mais parcial ou fragmentária
ordem, regularidades, perspectivas e sempre implica em uma referência
relações de sentido com o mundo são formalizadas, a um horizonte mais amplo das
enfatizadas, sistematizadas e intencionalmente percepções futuras dadas por uma expectativa
organizadas. Com isso, o artista pode revelar de sentido. Muitos escritores existencialistas
as características significativas do mundo e enfatizaram essa função primordial, metafísica
compreender-se como um ser originário com a da obra de arte, ou seja, como uma percepção
capacidade de revelar o mundo e manifestá-lo. parcial, mas que pretende desvelar a totalidade
Esse ato de consciência, que se relaciona com o do Ser. Esta idéia é, por exemplo, defendida
mundo e o revela por meio dessa relação, desvela por Simone Beauvoir (2008) em suas reflexões
e intensifica nosso senso de liberdade. Como diz sobre o romance metafísico. Essa profunda
Sartre: ligação entre a metafísica e a arte acrescenta
uma certa dimensão filosófica para os escritores
“Um dos principais motivos da criação e artistas existencialistas. Ela está presente
artística é certamente a necessidade de nos muito fortemente em Camus, Sartre e Beauvoir.
sentirmos essenciais em relação ao mundo. Este Segundo eles, não existem diferenças reais entre
aspecto dos campos ou do mar, este ar de um metafísica e prática artística, pois ambas são
rosto, por mim desvendados, se o fixo numa tela formas de revelar aos seres humanos a sua própria
ou num texto, estreitando as relações, introduzindo liberdade e a responsabilidade acarretada por ela.
ordem onde não havia nenhuma, impondo a As dimensões metafísicas e éticas da liberdade
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humana estão intimamente relacionadas. Os carregada. Sartre chama essa atitude perante a
existencialistas compreendem que o poder de vida de “má-fé”.
revelar o mundo para os seres humanos aponta A relação originária entre homem e mundo
para as formas que uma pessoa tem para dirigir revela a liberdade humana em sua possibilidade
sua vida e seus valores. O conceito de existência de construir sua subjetividade. Assim se explica a
designa precisamente esta dimensão ética da vida definição de Sartre da obra literária, que pode se
humana. Os existencialistas sustentam que, entre aplicar para todas as obras de arte:
todos os seres existentes no mundo, o homem é o
único que pode determinar o que deverá ou poderá “E uma vez que leitores e autor só
ser. Na verdade, ele é forçado permanentemente reconhecem essa liberdade para exigir que ela
em sua vida a fazê-lo, dado que o homem não se manifeste, a obra pode se definir como uma
possui nenhum caráter fixo. Segundo Sartre, o apresentação imaginária do mundo na medida
homem é um projeto, ou seja, algo que não é, mas em que exige a liberdade humana.” (grifo nosso).
deve ser construído por toda a sua vida, deixando (Sartre, 1989, p. 51).
de se construir somente com a morte. O espaço
entre a vida atual e a morte deve ser preenchido A arte assim tem como propósito nos fazer
na existência segundo uma idéia de liberdade sentir essenciais em relação ao mundo. A obra de
que responsabiliza o projeto de cada um. Isso é arte revela a totalidade do mundo e a possibilidade
claramente expresso na paradoxal frase de Sartre: de construção da subjetividade humana, por meio
“o homem está condenado a ser livre”. Liberdade da revelação de uma relação essencial entre
não deve ser entendida então como independência, homem e mundo.
mas como a capacidade de determinar o que o Em sua prática artística e filosófica, os
sujeito deve ser, a capacidade de decidir a forma existencialistas interpretam a missão da arte
de sua subjetividade, seus atos e valores na vida. como revelação da totalidade do mundo e
Nietzsche já apontava essa dimensão existencial da construção do sujeito em relação a essa
ao propor a construção de uma vida, ou de uma totalidade, sujeito tanto individual como coletivo.
subjetividade, como se fosse uma obra de arte, na Nesse sentido, enfatizam a representação, se
qual o aleatório e acaso são afirmados como tal, colocando em contraposição às tendências mais
tornando-se assim significativos e necessários. abstratas, puristas e formalistas da modernidade.
Trata-se do “amor fati” nietzschiano, ou seja, amor São céticos em relação à concepção da arte
ao próprio destino. como independente e apenas responsável por
Essa dimensão ética da liberdade suas próprias regras formais. Essa insistência na
como o poder de autodeterminação, o qual dimensão representativa da arte pode parecer
implica sempre a dimensão do dever, explica antiquada pela perspectiva moderna, mas
a importância da noção de “engajamento” na podemos constatar sua permanência e recorrência
estética existencialista. Assim, o engajamento em diversos movimentos pós-existencialismo.
não se refere somente a necessidade de escolher A literatura beat recupera essa dimensão
em situações particulares, mas, principalmente, existencialista e representacional da arte.
refere-se à posição fundamental do ser humano, Representar significa tomar o mundo fragmentado
cujo verdadeiro ser consiste em fazer uso e recuperá-lo numa totalidade significativa, na qual
de sua liberdade. Para os existencialistas, a o homem e o mundo se revelam mutuamente. Na
única característica verdadeiramente humana relação fundante entre homem e mundo se revela
é a responsabilidade para com os outros e, a dimensão da liberdade ou da capacidade de
principalmente, para com si mesmo. Muitos construir sua subjetividade como uma obra de arte.
seres humanos fogem dessa responsabilidade Essa dimensão nos torna responsáveis de nossos
ontológica, considerando-a um enorme peso. Eles destinos, acrescentando uma dimensão ética para
aceitam papéis predeterminados e vivem suas a arte e uma necessidade de engajamento na
vidas em torno deles. Eles entendem o destino vida. Sob esse aspecto, Big Sur de Jack Kerouac
como algo imposto, uma cruz que deve ser é paradigmático.

Referências
HUSSERL, Edmund. A ideia da fenomenologia. Tradução de Arthur Mourão. Lisboa: Edições 70, 2000.
KEROUAC, Jack, Big Sur. Tradução de Guilherme da Silva Braga. Porto Alegre: L&PM, 2009.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Trad. de Reginaldo de Pietro. São Paulo: Freitas Bastos, 1971.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a literatura? Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Editora Ática, 1989.
BEAUVOIR, Simone de, L’Existentialisme et la Sagesse des Nations, Paris: Gallimard, 2008.

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12 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

:::poesias
Do fruto da vida Doce solidez

Talita Prates Carol Freitas


historiadaminhaalma.blogspot.com tigelacollorida.blogspot.com

adeus dará Porque eu era aquele sonho derivado do


ao costume quase ritual pesadelo
do esforço mínimo e, dos princípios,
de apenas só me interessavam os meios.
orar-a-ação, Porque eu era grande em qualquer tamanho
prescindindo da vida e maior ainda com o coração cheio.
face à esperança
da promessa Porque eu era a voz aguda
do porvir? daquela tarde cinza e muda
e era a guerra terminada naqueles tempos de
a deus dará paz.
o paterno fortúnio
de já gozar a vida Porque eu era a vontade profana
– e vida em abundância que vagava em sussurros
no reino nos lençóis sobre a cama.
que já é desse mundo,
pois que, onipotente, Porque eu era a vertigem nascida no alto
também é dele e o querer forte e cego
o reino das terras? dos toques roubados da massagem no ego.

ao deus-dará, Porque eu era da noite, companheira fiel


caminha sobre prados e zombava do escuro dos dias soturnos
ora verdejantes, ora secos; ouvindo em som alto Ravel
serve-se das águas
ora tranquilas, ora revoltas. Porque eu era o peso daquele ar rarefeito
tem o maior presente que dançava por dentro
dentro de si: e rasgava meu peito.
o sopro de vida
– e o fado da liberdade. Porque eu era o sabor do fruto bendito
e a vingança bailando
oxalá ouvísseis a voz do deus: no rosto gentil do inimigo.
e porque estreita é a porta,
e apertado o caminho que leva à vida, Porque eu era o escudo que protegia sozinho
e poucos há que a encontrem*. o outro lado do muro
e era a sede doída de uma garganta sem nó
*Mt 7,14 que engolia calada
desaforos cobertos de pó.

Porque eu era detenta de uma vil liberdade


e era a morada eterna de estranhas verdades.

Porque eu era o destino


escrito a fogo em suas mãos
e era a enigmática profecia
de uma mente louca e sem razão.

Porque eu era a parte indecifrável


de uma vida morna e crua
que era equilibrada pela leveza e a claridade
da parte doce que era sua.
revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 13

Maria Bonita e o galope do


pistoleiro
Glória Diógenes
linhasaovento.blogspot.com

rédeas soltas
tamanho sem beira
silêncio na ponta da língua
olho certeiro de cangaceiro
compondo a retina
CHEIRO DE INFÂNCIA
o alvo se esgueira
Lucia Helena O. Cavichioli
retratosemdegrade.blogspot.com mãos ao alto
corpo sem fronteira
Embaixo do pé de laranja sussurro sobre ombros
eu vivi os melhores anos de minha vida. desejo armado da presa
Sentávamos, aproveitando a sombra, furando vereda
nossa cúmplice, que ouvia nossas histórias,
nossas piadas e brincadeiras. estampido grito do vaqueiro

Éramos crianças, e como tal,


despreocupadas com o resto do mundo. pernas livres de esporas
Porque para nós, o mundo também era criança. cavalo sem cela
E nossas pieguices, permitiam rir e sorrir galope de dois em desatino
brincar e sonhar no quintal de terra vermelha dedos molhados da pequena morte
fuçando no toco das árvores, lavando os pés invadindo a fera
no riacho.
cheiro de fêmea não tem cancela
Lembro da gritaria quando soava o chamado
para o almoço
via-se o alvoroço dos cães farejando
o aroma do feijão com linguiça e louro...
Das batatinhas fritas na hora...

No fogão fumegando, as panelas recheadas


da melhor comida que comi em toda a minha
vida.
No pomar, encontro com a sobremesa
fruta do pé, doces em compotas. Mara
A tarde passava, e com ela as pipas, Cristiano Melo
o esconde-esconde, a amarelinha... cristianooliveirademelo.blogspot.com
Ah, o cheiro de sonho com creme...
Que saudades! Desde o dia em que Mara despencou
- “Olha a revoada” - gritava vovô. Da janela escura e funda de dentro
Pra o chão puído e pálido cimento
Eram as andorinhas que pintavam o céu de azul Sua fantasiosa vida empacou.
matizado pelas cores quentes do por do sol
mais bonito que já pude contemplar. Fustigada na luz dura do espaço
Violentada, terás verdades nuas
E no alpendre as vozes alegres trazidas pela Cega e surda pelas camadas cruas
brisa. Momento inusitado no percalço.
Vozes que hoje já não ouço mais
perderam-se no tempo, no espaço, Mara escorria um qualquer sonho
no infinito... débil
Vozes veladas e amadas Por entre belas e pasmas liláceas
de pessoas queridas que fizeram parte da Iluminada com o ventre infértil.
minha história.
Das minhas tardes, Asas brotam das costas violáceas
das tardes da minha infância Quimera do fadado mito infantil
embaixo do pé de laranja. Alma revigorada das terráqueas.
14 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

Silêncios
Flávia Braun
fbbraun.blogspot.com

Sou feita de silêncios...


Que me acompanham com a marcante presença
De palavras não ditas, não ouvidas...
Mas o não falado é mais forte
O não escutado, se torna retumbante
Nesse coração tão sofrido...

Sou movida a silêncios...


Que me perseguem tal qual vendaval
Ecoam em meus tímpanos...
Com músicas de força brutal...
( sim... na maioria das vezes, suave como só...)

E o silêncio me cai bem... Resiliência da Alma


O observar, me atrai..
O mundo passando à minha frente Simone Mascarenhas
Como um filme assim... cinema mudo masquerade-sissym-blog.blogspot.com

O silêncio muito que vale Acho que eu preciso lembrar


Tal qual ouro bruto de como é bom poder dançar
Quando insiste o velho peito de como é bom saber sorrir
A sentir a saudade desse mundo... de como é bom voltar a amar

Meu silêncio me acalenta A minha porta está encostada


Me protege, me ampara a janela deixei apenas passar
Das armadilhas dessa vida a melodia da musica preferida
Dos amores que me dóem... raios de sol insistem iluminar...

Mas, no final, o silêncio se vai Os recôncavos da minha mente


Dando lugar à música que vem d’alma - hoje silenciosa e introspectiva,
E me percorre todo corpo clamam diária-incessantemente
Me faz flutuar com o vento.. manifestos de atitude assertiva

Nas lembranças e delícias de você... Lembranças...

Conjunto bem ordenado, um todo


profundo desejo de fazer algo mais
Feitiço de porcelana de ser musa e inspiração no período
vigente... antes de ser tarde demais
Madalena Barranco
flordemorango.blogspot.com Calo-me, entrego-me à resiliência...
a minha alma é como um passarinho
Na janela: que precisa ser livre da ignorância,
sempre-vivas porém presa ao seu único destino:
amarelas.
Apaixonar...
Na varanda:
sempre atentas Então, eu simplesmente existi!
ao tempo.

Na casa de boneca:
porcelana
trincada sobre a cama.

No rosto da mulher:
o matiz da feiticeira.
revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 15

Letras Poéticas
Giselle Zamboni
serescoletivos.com

Imagino seu sorriso, por detrás da tela fina….busca eterna de menina,


colhendo girassóis…

Arquiteto suas mãos, desenhos de muitas pontas….são de entrega, palmas


estendidas…desejos de mulher, colhendo raízes…

Esquadrinho seu peito, fortaleza de menino…guarda os segredos coronários do


mundo…

Tateio sua face, beleza cerâmica…construção de barro e água…força da


natureza, chovendo em mim…

Encontro você…inteireza de sim…memórias de mim…um só ponto, tua linha reta


nas minhas arestas curvas…enfim.

Ventríloquo
Simone Brichta
subindoemarvores.blogspot.com

Vem o vento que vi ventríloquo. Vai que move o pé,


a boca, e a mão do boneco.

Desmiolado, o fantoche refém do ventríloquo, que é sem ser


ninguém.
E quantos ventam no ar que outros movem,
sem saber, quem são?

Que continuam, apenas querendo, ser aquele que o


movimenta?
Os seus membros moles, e sem pensar
quem manda

e mexe o fio que comanda o poder. É tão louco, sem sentido.


E os comandados, pelo ventríloquo, sem emoção própria
são sombras do comando.

Cada um tem um coração que bate na cara


M.M.Soriano
oescrevivente.blogspot.com

As lavadeiras têm coração de bater roupa.


As fofoqueiras têm coração de bater boca.
Os fotógrafos têm coração de bater retratos.
Os sambistas têm coração de bater caixas-de-fósforos.
Os compadres têm coração de bater papo.
Os construtores têm coração de bater pregos.
Os operários têm coração de bater ponto.
As cozinheiras têm coração de bater claras em neve.
O mar tem coração de bater contra as rochas.
Os teimosos têm coração de bater na mesma tecla.
Os escritores tinham coração de bater a máquina.
16 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

letícia losekann coelho


leticiacoelho.com.br :::opinião
Pedagoga, editora e escritora

Leia no banheiro!

Fiz uma pesquisa rápida no blog Umas das respostas mais sinceras
da Editora e sessenta e quatro pessoas que recebi sobre a pergunta que faço
responderam. É um número pequeno, com frequência (Você lê poesia?), foi a
levando-se em consideração a quantidade da secretária de minha ginecologista.
de leitores usuais do blog. Mas eu Ela perguntou o que era poesia... Assim
precisava de resultados da pesquisa para na cara! Penso que quando a gente
fazer este texto e pelo sim, pelo não, aí trabalha com educação não se espanta
vai... tanto com as perguntas, logo levei um
Pegando esse gancho da pesquisa, livro meu de presente e ela comentou:
faço aqui considerações gerais: Perguntei “Ah, poesia é isso? Livro bom de ler no
se as pessoas compravam livros de banheiro!” Emendei: “É mesmo!”, pois
autores novos, como as pessoas não existe nada melhor que ter leitura
costumavam comprar livros, se liam boa no banheiro. Quem nunca leu uma
e-book, quanto investiam por mês e embalagem de pasta de dente? Ou o
qual leitura preferiam. verso do shampoo por falta de leitura boa?
Umas das respostas Para minha surpresa, Poesia é livro de banheiro, de bolsa, de
mais sinceras que a maioria esmagadora cabeceira, de fila em banco, de sala de
recebi sobre a respondeu que espera em médico. Por sinal, eu gostaria
pergunta que faço comprava livros de que as salas de espera dos médicos
com frequência, autores novos. tivessem livros de poesias invés das
foi a da secretária Livrarias físicas, revistas que nos ensinam em 100 passos
de minha sites e portais literários a ser mais bonita ou sexy.
ginecologista. Ela empataram na compra Sou leitora de poesias! Leio Hilda
perguntou o que por livros. A maioria das Hist, Álisson da Hora, Augusto dos
era poesia... Assim pessoas não lê e-book, Anjos, David Nobrega, Mario Quintana,
na cara! grande parte investe Lú Cavichioli, Monica Saraiva, Camila
mais de R$ 45,00 por Passatuto, Van Luchiari, Emily Dickinson,
mês em livros e uma Cristiano Melo, Flávia Braun, Caroline
pequena parcela dos entrevistados lê Freitas, Florbela Espanca, Andrea Lucia
poesia, sendo que a maioria prefere os Barros, Drummond e mais uma montanha
outros gêneros literários – entre eles livros de vivos e mortos, sejam eles em blogs
técnicos. que tenho prazer em seguir ou em livros
Alguma novidade até aqui? Penso adquiridos e que estão presentes no meu
que não, pois boa parte das pessoas que dia a dia, me presenteando com poesia de
conheço em papos sobre livros pensam ótima qualidade!
dessa maneira. A diferença é que todos A pesquisa mostrou, por enquanto,
que conheço fazem a leitura de poesias... que poesia é lida por poucos. Talvez a
Vendo o resultado dessa pesquisa poesia tenha-se reduzido à pressa, aos
rápida, creio que declararam gostar de cento e quarenta caracteres ou mesmo a
poesia porque me conhecem e sabem que dois ou três poetas já finados.
escrevo poesia. Será? Deve bater aquele Alguns devem achar difícil de
constrangimento na hora que falo que entender... Quem sabe, por não saber
escrevo poesia e pergunto se a pessoa que poesia carece de explicação ou
lê algo. As respostas são sempre muito entendimento. Não precisa ser doutor
parecidas: “Leio, sim! Li mês passado um ou mesmo professor para ler, pode ser
livro lindo da Clarice, vou ler semana que entretenimento e – por quê não? –, leitura
vem um do Mario Quintana.” de sala de espera e de banheiro.
revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 17

julian marques
julian@julianmarques.com :::fotografia
Fotógrafo

O poder do B
Diante de qualquer situação na vida Isto para o bem, e para o mal.
há escolhas. Estas escolhas são individuais Já parou pra pensar? Pensar e não julgar
e intransferíveis, não adianta correr ou não dói. Pois julgamos a todo instante: isto nos fará
escolher. Não escolher, por si só, representa bem, isto não nos fará bem, isto é um mal, isto é
também uma escolha. um bem, ele é isto, ela é aquilo, e etc. E diante do
É assim em casa, na família, com os momento único, o clique que nunca mais voltará,
amigos, nos negócios, na espiritualidade (ou o peso de tanto julgamento, esta bagagem
em sua falta), enfim, estas escolhas em última desnecessária, é o que geralmente nos faz dizer,
forma refletem uma grande figura, um mosaico no futuro: “puxa, hoje olhando esta foto, eu faria
complexo que é a persona, o ser, o conjunto de tudo diferente”....
experiências e aprendizados, sua naturalidade Faço deste artigo um convite ao
e modo de vida, sua composição ideológica e pensamento. Reflita rapidamente sobre o que
vivências, ou em outras palavras, o que se é, na você é e o que é que você transfere para a sua
cara, de fato. fotografia. No final, compare com a letra A da
Você está lendo este artigo pensando em equação em destaque. Viu quanta diferença?
fotografia, certo? Esta parte, a letra B, é o seu foco de
Mas de nada adianta pensar na fotografia atenção nas próximas semanas. Aproveite bem.
diretamente se o antes não está construído. Até a próxima edição!
Ham? É necessário compreender o ponto de
partida das coisas, porque elas existem, o porquê
disto assim, de onde as coisas vêm e como elas
reagem conosco.
Produtores de informação e opinião,
fotógrafos são o que são e não tem papo. Seja
num estúdio, num evento empresarial, numa
reunião de família, batizado, casamento, debate
político, funeral de artista ou evento de multi-
celebridades. A fórmula não muda:

a = “O que você vê diante sua câmera”


b = “o seu conjunto de crenças, experiências”
– a persona

Equivale-se dizer, então:

Sua foto = a+b

Studium / Punctum
Roland Barthes, no clássico Câmera
Clara, ilustraria que punctum nesta foto?
E o studium da mensagem? Na dúvida,
pedi para que Luana Piovani mostrasse a
tatuagem e deixei o All-Star de propósito
onde está. Todos os demais elementos são
denotativos. Mas a flecha que trespassa
o óbvio está lá, colocada num canto, para
quem a perceber.
Crédito da Foto: Julian Marques/Folhapress
18 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

:::contos
Noite imensa, com ares de interminável. Chovia lá dentro. Mas só lá dentro. Do lado
de fora, apenas a ventania da tal primavera que não colore essas cercanias e cujas flores
enfeitam somente a poesia que gravita. Vento, muito vento a remexer as ideias, a testar feito
quebra-cabeças a peça correta no lugar ideal e formar alguma imagem, alguma paisagem,
quem sabe de um campo de flores. Mas o vento voltava e a tudo desorganizava, como
Monica Saraiva / blogdamoni.blogspot.com

quem desdenha do desejo lírico de encontrar a verdade, os por quês, as saídas.


Junto com o sol, apenas uma resposta veio clarear: o motivo dos seus braços tão
cansados. De olhos fechados pôde ver que nadara demais. Foram dias, horas, estações,
folhas de calendários vividas em mar aberto, com braçadas que apontavam para qualquer
O nado e o nada

lugar que não fosse o que estava. Era preciso tomar distância em grandes goles,
embebedando o corpo com a ilusão de que havia calmaria no cais. De que haveria calmaria.
De que haveria cais. De que haveria.
Houve erro de direção, houve tormenta e houve descoberta. Sem bússola, sem
astrolábio, sem Sagres e sem intenção. Sem cais e sem calmaria também. Nadara
praticamente uma vida e sem qualquer esforço, seus pés tocavam o chão. Sim, o tempo,
a distância, as braçadas não levaram à profundidade. Tantas noites de céu com menos
estrelas que o comum e a permanência no raso, no superficial, no epidérmico. A pele
ressecada, o gosto de sal compartilhado entre o mar e os olhos e a praia como única
certeza, a terra: o lugar menos firme que já pôde conhecer.
Não se sabe onde o rumo foi perdido. Ou talvez a consciência tenha partido de uma
rajada de vento, de uma onda mais violenta. A disposição de chegar à profundidade incluía
a possibilidade de afogamento e isso era sabido. O que não sabia, é que ainda estava
completamente submersa e talvez não sobrevivesse a mais uma imersão sem garantia,
num espaço de tempo incontável, que não cabe em si nem no mar.
Há fortes possibilidades de não ter sido em vão.

Siga meu conselho. Procure um terapeuta. E um que seja, de preferência, recém-


formado. Que tenha fome de ouvir e procurar nó em chifre de cavalo. Entende? Eu encontrei
o meu. É homem. Faz dois anos que frequento sessões quinzenais que muito me ajudam a
viver a semana inteira esperando por outra sessão. É perfeito. Não tomo medicação alguma
porque, segundo meu terapeuta, não preciso. Estou bem. Ele ainda não me diagnosticou,
mas já arriscou alguns palpites e, sempre que arrisca, volta atrás e diz que precisamos
caminhar mais e buscar mais respostas. Por mim está tudo maravilhoso. Adoro caminhar.
E, ao lado daquele homem, subo até escadaria da Penha. Não que ele que seja bonito.
Letícia Palmeira / leticiapalmeira.blogspot.com

Não é. Mas botei na cabeça que ele me ajuda e pronto. Minha cabeça é feita de tudo que
acredito. E eu engano o terapeuta bonitinho. Há dias em que invento de chorar porque digo
estar me sentindo traída. Ele me passa uns lenços e eu choro de me deitar no sofá e fico
feliz com aquele homem olhando para mim com seus olhos semicerrados e sua expressão
de Freud Explica. No início pensei que as sessões seriam gravadas como nos filmes. Mas
não. Ele sempre anotou tudo. Em papel mesmo. Eu falo e, vez por outra, ele anota e diz que
Terapêutica

entende muito bem. Ele é tudo. Homem de armadura que fatura de mim 150 reais a cada
15 dias. O consultório dele era localizado na Rua General Osório quando comecei a me
tratar. Agora ele atende em um belíssimo prédio empresarial na Avenida Edson Ramalho
a dois passinhos do mar. Que alegria é sair de casa, ver o azul do mar, o sol tostando os
pobres miseráveis que transitam pelas ruas e entrar no edifício onde darei de cara comigo
em uma sessão de terapia. Sento na sala de espera e vejo que a recepcionista usa sapatos
apertados que lhe causam inchaço nos tornozelos. Mas nada digo. Cumprimento a mulher
com um breve sorriso, sirvo-me de água e sento a ler Marie Claire. Assim deve ser o céu.
Música ambiente, aroma de lavanda, poltronas confortáveis e muitos loucos que entram e
saem do consultório do meu terapeuta. A janela tem uma bela vista de toda a via litorânea.
Posso até ver a África se eu fizer pensamento positivo. E o dia está lindo perolado de
um sol forte e nuvens distantes. O mar murmura suas ondas de forma angelical. Como
estou feliz por ser maluca e poder fazer terapia com este homem que veste calças muito
justas e deixam as partes íntimas muito espremidas e bem volumosas. Tento não olhar,
mas é impossível. Ele fica como aqueles bailarinos e suas roupas apertadas. Ele deveria
esconder mais aquele troço para que eu não o veja. E olha que não sou a paciente mais
louca. Há outras. Devem agarrá-lo. Provavelmente algo mais deve ocorrer. Mas não me
importo. Entro em sua sala, respondo que estou bem e sento no aconchegante sofá que me
revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 19

espera. Já fiz de tudo neste sofá. Hipnose, exercícios de respiração, preenchi questionários
e minto minha vida a cada quinze dias. Hoje decidi dizer a verdade. Só por hoje falarei a
Letícia Palmeira / leticiapalmeira.blogspot.com verdade feito um bêbado evitando o primeiro gole. Conto de meus relacionamentos. Mas
ele já sabe. Já falamos muito a respeito de tudo e do homem com o qual me deitei algumas
vezes. Meu terapeuta não pode dar opiniões. Não diretamente. Mas sempre faz uso da
famosa psicologia reversa. Ele me questiona por que ainda me deixo guiar por tal homem
quando eu bem poderia ter muitos cavalos mais rápidos e velozes. Por que se envolve com
alguém de tão baixa estirpe? Por que ainda se deixa fazer parte da vida de uma pessoa
Terapêutica

que simplesmente não tem vida? Por que se importa com um tolo que mal consegue sair
do lugar? Por que fica a se punir se envolvendo com um mundo inferior ao seu? E por
que se preocupa com coisas tão ínfimas quando o mundo é imenso e cheio de outras
possibilidades? Você chora sem motivos, mulher. Sacudo a cabeça confusa. Não entendo a
fala do interlocutor. Como pode um terapeuta falar com uma paciente dessa forma? Desde
quando ele passou a falar comigo assim? Estranho o comportamento do homem a quem
sempre menti uma verdade e agora ele me fala como se me conhecesse. Você não me
conhece, eu digo. Ele me olha de forma feroz e me manda sair. Sua hora acabou. Pego
você às nove. E esteja pronta. E não me venha dizer que não acha certo o que fazemos.
Ele então beija minha boca com força e eu saio do consultório congestionada e confusa
feito uma girafa em uma manada de elefantes. Mas sinto-me bem. Ao menos hoje ele me
tratou de forma diferenciada. Hoje, finalmente, meu terapeuta não me deixou mentir e falou
a língua que eu precisava ouvir.

O corcunda que sabe como deita.


Ditado popular

Estava amarrando um cadarço como gostava de fazer, corpo curvado meio escondido
atrás do balcão. Procurava um original que deixaram na semana anterior. Gostava de
fazer porque dava pra limpar as impressões digitais das fotos três por quatro com alguma
pontinha do jaleco que estivesse menos manchada de tinta. Quase bateu a cabeça no
balcão quando a voz que o chamou era a mesma do telefone, ou seja, a voz que não
condizia com a figura que sonhara. A mulher não era a mesma, não obstante. Ao que parece,
todas as duas ou três mulheres que reincidiam em ser sonhadas por ele tinham jeito de ter
a mesma voz e sotaque. Essa tinha essa voz, esse sotaque e pastas de documentos que
Hugo Crema / calopsitaescapista.blogspot.com

queria fotocopiados para aquela tarde. Tanto o terninho ajustado ao corpo, quanto o tom
pomposo com que parecia querer afavelmente mandar sugeriam advocacia, mas ele sabia
que quem tirava cópias dos documentos nas repartições públicas eram estagiários, o que
os rebaixava a ser menos que operadores de fotocopiadoras. Apesar de o patrão não estar
na loja, prontamente atendeu. Limpando os dedos no jaleco, não escondeu o bocejo com
Dez centavos

a mão em frente à boca. A boca dela crispou-se visivelmente contrariada e largou de altura
considerável o montante das pastas sobre a madeira do balcão. O estalo o fez acordar de
vez.
O que deseja?
Preciso disso. Três vias encadernadas, às três da tarde – na pressa ela percebeu
que os documentos estavam fora da ordem, começa a espalhá-los ao longo do balcão;
conforme identifica o número do requerimento e data de expedição forma uma pilha à
esquerda. Ele mexe quase imperceptivelmente nos cartões postais que o patrão posicionou
no balcão pra alavancar as vendas.
Ele já decorou todas as paisagens e até as mensagens que escreveria em cada
cartão postal, mas ainda assim: sempre é bom por o dedo em lugares a que o salário não
lhe permitiria chegar – eu passo aqui pra recolher.
Tudo bem. Pagamento agora ou na hora da entrega?
Na entrega. Quero também revelar uma foto. Fica pronto até a hora de buscar as
cópias?
Enquanto confirma que é possível sim entregar os serviços no prazo que ela impôs,
ele pensou nas esparsas cópias que entraram até aquela hora do dia.
Uma certidão de óbito, um atestado médico, uma carteira de motorista e um passaporte
de um bigodudo que pediu duas vias. Tudo mixaria que mesmo assim é provável que
alguém se interessasse em roubar. Se a boca banguela do caixa registrava vinte e três
reais ganhos em quatro horas e meia de funcionamento, a culpa era do homem de boina
que pedira para ele fotocopiar cento e vinte vezes um mesmo pedaço de papel de jornal
20 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

rasgado de qualquer jeito. Sem foto, o papel tinha um número de telefone rabiscado com
caneta grossa. Uma notícia com intenção de direcionar a uma provável reportagem maior
dentro do jornal, que contava em poucas palavras a história de um homem que sabia de
um irmão gêmeo seu que morrera durante o parto. O que esse homem, órfão de pai e
mãe desde que nascera, não sabia é de que na verdade a mãe carregara três meninos na
barriga. A mãe frustrou-se com a morte de um deles e resolveu manter só um, dois seriam
uma recordação amarga demais da morte do terceiro. Por isso, entregara um dos bebês
que sobreviveu às freiras para adoção. O bebê que deixou compulsoriamente a divisão
de proteção ao menor da Santa Casa aos dezoito anos era o homem que as cento e vinte
cópias noticiariam aos quatro cantos da cidade. O homem de boina afirmou veemente que
devia ser ele o irmão que havia sido criado por pais, que era seu dever por ser cidadão
encontrar o seu irmão gêmeo que fora abandonado no mundo. Embora os pais o tivessem
criado muito bem, nunca mencionaram nada a respeito desse irmão dado à adoção. O
homem da boina acreditava piamente em que esconderam a verdade em prol de preservar
a formação de sua identidade.
Ao ouvir do homem da boina que quer as cópias rápido, ele apenas assente com
a cabeça. Justo ele assente e justo nele não dói ouvir aquela história, por mais que não
guardasse boas recordações do orfanato. Lá dentro era proibido usar essa palavra, por
isso ele a repetia com tanto gosto. Bater não batiam, mas o abuso sexual entre internos era
frequente e respeitador de uma hierarquia clara, ligada à força e ao desenvolvimento físico
do menor enclausurado. O rateio da comida escassa também respeitava essa hierarquia.
Brinquedos só chegavam a ele já sem um olho, com uma roda empenada. A melhor parte
era quando no meio da noite, sob a sua cama de aço, se escondia acompanhado de seu
Hugo Crema / calopsitaescapista.blogspot.com

lençol. Com um espelhinho de maquiagem roubado de uma das mães que quase o levara
dali, canaliza a luz da lua para uns recortes de jornal que encontrava vasculhando o lixo.
Com cuidado tentava recortar com os dedos os rostos nas fotos; os equiparava, viessem
eles da coluna social ou do caderno da polícia. Quem sabe um sorriso estampado ou mãos
algemadas em cima de uma cabeça não encerravam uma resposta? Ficou feliz de ficar
Dez centavos

velho ao descobrir que a estadia ali tinha prazo de validade. Ao sair de lá no dia do seu
décimo oitavo aniversário, expulso por exceder o limite de idade de permanência, sua sorte
grande foi um velho com cara de safado que lhe oferecera esse emprego no cubículo em
que agora trabalhava. Ainda bem que até agora o patrão tentara nada. A bem da verdade,
nunca entendeu as razões de ter nascido já confinado e sem pais. E não atentaria para elas
até depois que o homem de boina recolheu o pedido. A ordem do patrão no caso de grandes
pedidos de cópias era sempre entregar dez por cento a menos, ninguém contaria mesmo.
O homem colocou as cento e dez folhas de papel sob o braço e depois de um suspiro curto
admitiu que colaria cada cópia daquelas em um poste, quem sabe alguém se prontificasse
a ser seu irmão. Saiu da loja num passo pesado de quem talvez se incomodasse com uma
verdade improvável.
Obrigado.
Volte sempre e boa sorte, saiba o que faz – poucas certezas sobre se ele disfarçava
ou não ter entendido a extensa lengalenga do revolucionário de jaqueta.
Tenho certeza de que é meu irmão e de que as forças do produtivas impetraram mais
uma injustiça que deve ser reparada.
Ele aproveitou a saída do homem e o vazio da papelaria/loja de fotografia/fotocopiadora
em que trabalhava para sentar-se em um banquinho baixo e amarrar um cadarço. A altura
do banquinho só deixava à mostra o topo da cabeça dele por trás do balcão. Esfregou o
polegar no dedo médio, limpando a tinta na borda do jaleco. Procurando em vão por serviço
deixado para trás, viu a ponta de um papel em uma das prateleiras sob o balcão que usava
para acumular o serviço. Ao perceber que esquecera uma cópia das do homem de boina,
chegou a pensar em sair da loja, deixando-a ainda mais vazia para ir devolver, mas a
indolência venceu. Reordenou algumas fotos, as deixava em uma dessas prateleiras sob
o balcão para depois guardá-las em uma caixa de sapato em casa. Caixa esta abarrotada
de caras anônimas que ele gostava de imaginar que sorriam para ele. Pela primeira vez
indagou por que não tirar uma foto sua para por ali, tinha a máquina fotográfica da loja à sua
disposição. Depois talvez fizesse isso.
Sentou de novo no banquinho, só ao começar a ler pela terceira vez que percebeu.
Leu tantas vezes que quase chegou ao ponto de corromper os sentidos das frases da
notícia; decorou tudo que estava escrito no papel após três passadas de vista e três leituras
em que forçou a atenção. Para e pensa nas possibilidades que a notícia acarreta, sem
imaginar que seria meio difícil que escrevessem uma notícia sobre ele sem consultá-lo ou
avisá-lo. E ainda mais difícil porque as feições dele e do homem da boina não coincidem,
revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 21

um dos dois deveria estar errado. Hesitou em voltar a seu apartamento; um cubículo cuja
janela ficava colada ao muro do cemitério, erguido de tal maneira que só era possível ver
calopsitaescapista.blogspot.com os rostos das pessoas que andavam entre as lápides. Os rostos e um ou outro pássaro,
que pousava nas flores que levavam para depositar. Hesitou em deixar ali o que faltava no
Dez centavos

fim do salário do mês. Num ímpeto de ousadia vai ao cúmulo de largar sobre o balcão todo
Hugo Crema

o dinheiro que tem no bolso, uma moeda de dez centavos que fez girar com um peteleco
melancólico dos dedos. Desejou a sua foto três por quatro ampliada numa capa de revista,
a oportunidade de ouro. E viu a chance de, ao sair da loja, ao virar celebridade, outros
o copiarem. Contudo, para sermos sinceros, só dá pra dizer que depois de desfazer a
expressão de idiota que reteve no rosto durante quase três segundos, ele ouviu o sininho
que anunciava que alguém entrou na loja. E ficou satisfeito por conseguir mais serviço
naquele dia tão magro – não mais que os outros – de dinheiro. Entrou a pessoa que pediu
o atestado de óbito.

contos que ninguém conta


de David Nobrega

Adquira já o seu!

Nas entrelinhas daquilo que nunca foi dito, estava lá quieta e recolhida ,a necessidade
de pintar as unhas de Pink melancia para me libertar da minha própria prisão. Tudo intacto,
tudo como todos os dias, desde o primeiro.
As horas no relógio da cozinha, passando na calma do nosso tempo e, o tempo do
mundo, a gente jogou no esgoto para ele ter que prender a respiração e parar uns poucos.
Mil minutos slow down recheados de restos mortais e emocionais, misturados no monte de
roupa no canto quase sujo do quarto. A minha urgência contamina o corpo tranqüilo dele.
No meio de mil convicções e valores intocáveis encontrava-se a certeza de que tudo é
isso mesmo que a gente refaz a cada bom dia, que a gente arranca junto com a sua camisa
que passa pela cabeça, mesmo com os botões fechados.
Tudo para ontem e para sempre e só para mim.
Nos instantes definitivos das entrelinhas que só os grandes amores trazem, é tudo
Tati Cavalcanti / taticavalcanti.com.br

muito transparente. Eu não sei, eu não quero saber nunca. Viver sem a gente vai me dar
uma insônia tão mortal que eu acabo morrendo antes da hora.
Compra-Se Entrelinhas

Mesmo que, às vezes, o destino insista em colocar tudo em xeque e a direção na


frente da rotatória fique bem confusa. Precisa de bem pouco, pode acreditar.
É só isso que a gente vive sem explicar, mesmo sem lógica, que se teoriza na prática e
se pratica com tanto charme. E uma dose incrível de selvageria para ficar menos constante,
por favor.
No barulho da chave virando a segurança da volta. Quando todo o resto é aula de artes
no jardim da infância, é tão, tão fácil. A gente volta para nós sempre.
Eu só aprendo na dor e tem que doer muito, senão é capaz da incapaz aqui nem notar.
Quando dói chacoalha, percebe. Já viu louco em surto? Toma um tapa na cara que para com
o escândalo. Tudo que chacoalha assim restaura meu sistema do ponto em que deu pau.
Nos silêncios atormentados de quem não tem o que dizer por total falta de argumento,
aprender que a sabedoria é ter o controle dos impulsos parece maduro. Só que eu não quero
ser mais madura. Eu quero só uns minutos de uns dias para fingir que sou irresponsável para
não precisar justificar todas as coisas.
Eu travo e ele flui, eu quero morrer e ele me ressuscita no abraço que parece massagem
para o meu corpo não parar e acabar dragado pela minha própria consciência. Ele me ergue
nos ombros fortes da segurança para ver se, de cima, o mundo fica mais fácil e eu fico
menos pesada para ele.
Só nas entrelinhas, porque no grosso mesmo isso nunca vai ser diferente. No frigir dos
ovos, o amor nada mais é do que um bicho que a gente tem que alimentar de entrelinhas. O
problema é que elas são para poucos e bons entendedores. O resto, no máximo, vive algo
parecido com o amor.
22 revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010

Sempre que se avistava o vulto,


A serpentear na coxilha no lombo do cavalo,
Duas Sombras Distintas Na Varanda Do Tempo A Observar A Terra

gritava-se para a vizinhança e para os de casa:


– Lá vem o homem!
Aviso de respeito, não de temor.
Era negro forte, na aparecência do que se via,
Contava-se pelos bolichos e galpões das estâncias que fora um bravo e mui leal
combatente,
Denison Mendes / bahrboletras.blogspot.com

Peleou na guerra farrapa ao lado do major Teixeira Nunes,


Que comandava os mitológicos Lanceiros Negros.
Não havia vivalma que não conhecesse as histórias daqueles centauros,
seres de olhar destemido de quem sublima uma missão,
Plissada De Chuva

Liberdade...
Este campo tão vasto que os olhos não abraçam e que chega a doer dentro da gente.
Ele chegava, apeava do cebruno e sentava em torno do fogo de chão.
Falava em silêncios,
Sorvia uns três ou quatro matezitos com a peonada, ouvia atento algumas histórias,
ele mesmo personagem, e partia,
Apenas dizendo:
– Gracias pela companhia, até mais ver.
Todos se olhavam, um sinal com as mãos e viam aquela grandeza de existência ir
embora.
Sina de quem foi feito para ser solto na vida, amaldiçoado vento-homem, sem identidade
nem fronteira...
– Mas meu avô, isso é lenda, é mito. Jamais se soube de onde veio e para onde foi.
Não tinha nome nem prole. É apenas uma prece na boca dos crentes.
E com lágrimas nos olhos, o velho que tem a sabedoria das lonjuras, sentenciou:
– Meu neto, somos causos contados ao redor do fogo, que nos embelezam e justificam
o mundaréu que nos rodeia. O rio segue seu curso, sem se importar de onde veio nem para
onde vai, ele sabe que é rio.

Corre a tarde e o vento aqui neste pedaço do mundo, enquanto seu Altair passa pela
janela montado em seu burrico, levando um balaio de pasto e, a tiracolo, uma bolsa de couro
que de certo carrega a pistola.
Penso que a montaria leva sua própria alimentação e me ocorre que não venho
fazendo o mesmo. Verduras compro de dona Virginha, solteirona do fim da rua, ou ganho
da filha de seu Dimas, a Vanderléia, atirada que só. Grãos mando comprar no armazém
de seu Coutinho, junto com os vinhos e a aguardente. De Atajiba vem as guloseimas e as
Dan Porto / danporto.blogspot.com

especiarias. De mim mesmo só produzo as goiabas que, uma vez por ano, colho no fundo
do quintal, depois do riachinho.
De guarda-chuva muito grande e vestida até o pescoço, dona Lira me desconcentra
de minhas divagações:
A Tarde

- Bas tardes seu Timóteo, como lhe vai a família? – Passa com o passo curto e ligeiro,
mas me dando o tempo de resposta. Vai à igreja confessar com Pe. Antônio. Nunca vi pessoa
para ser temente a Deus como dona Lira! Dizem que no passado tomou erva “braba” e tirou
um menino, mas isso é coisa que o povo fala no armazém à beira da caninha. De verdade,
é uma mulher religiosa, viúva, não gosta de fofocas e está sempre pronta a ajudar qualquer
um.
Quando a filha do prefeito foi atacada à noite na rua, foi ela que abrigou a menina
enquanto o pai corria atrás do meliante. Sua casa na esquina da Ilhéus com a Santa Marta
é a mais imponente da cidade, mas nem por isso dona Lira se sente superior, fala com todo
mundo, oferece suas louças para o chá beneficente da Igreja e, uma vez, até emprestou
dinheiro a seu Antenor, um sujeito tido como vagabundo e mau pagador.
Grito para a negra, dentro, para me preparar o banho, tenho que estar pronto para
a missa. E digo que me acompanhe, e ela ri, eu a aperto pela cintura e vamos os dois à
cozinha ver a água no fogão de barro.

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revista cultural novitas n‘ 8 – novembro/dezembro de 2010 23

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