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08182015 913
Abstract The scope of this study was to analyze Resumo O objetivo do estudo foi analisar a con-
the concept and principles of Ongoing Health cepção e os fundamentos da Educação Permanen-
Education (OHE) – the Brazilian acronym is te em Saúde (EPS) constante da Política Nacional
PNEPS. The methodology was based on the anal- de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) no
ysis of documents from the Ministry of Health and Brasil. A metodologia baseou-se na análise de
related scientific articles. It was revealed that the documentos do Ministério da Saúde e de artigos
concept of OHE transcends its pedagogical signif- científicos relacionados. Constatou-se que a con-
icance and is undergoing a service restructuring cepção da EPS na PNEPS transcende um signi-
process in the face of the new demands of the mod- ficado pedagógico, respondendo a um processo de
el. Precisely at the time in which jobs are increas- reestruturação dos serviços diante das novas de-
ingly unstable and precarious, the Ministry of mandas do modelo. Justamente no momento em
Health engages in discourse regarding innovative que o trabalho se encontra cada vez mais instável
management, focusing on the issue of OHE. The e precarizado, o Ministério da Saúde apresenta
idea is not one of ongoing education, but of on- um discurso sobre uma gestão inovadora, dan-
going management. Rather than being an instru- do centralidade à questão da EPS. A ideia não é
ment for radical transformation, OHE becomes de educação permanente, mas de gerenciamento
an attractive ideology due to its appearance as a permanente. Ao contrário de um instrumento de
pedagogical novelty. transformação radical, a EPS converte-se em uma
Key words Education in health, Human resourc- ideologia que seduz pela sua aparência de novida-
es in healthcare, Healthcare policies de pedagógica.
Palavras-chave Educação em saúde, Recursos
humanos em saúde, Políticas de saúde
1
Instituto de Ciências
Biológicas, Universidade
Federal de Goiás. Campus
Samambaia. 74001-970
Goiania GO Brasil.
professoracristi@gmail.com
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Lemos CLS
liados permanentemente, a manter seus conhe- como participantes de uma operação conjunta em
cimentos atualizados. Kuenzer35 assevera os tra- que todos usufruem o protagonismo e a produção
balhadores deste setor não se diferenciam dos coletiva20.
demais, no tocante a sua superexploração, em A curta existência e as dificuldades de traba-
face da valorização do capital que o submete a lho democrático nos PEPS26, todavia demons-
mais sofrimento. O avanço da terceirização das tram a tensão real da roda viva, pois o discurso
instituições do SUS, a extinção dos concursos da igualdade não suprime a desigualdade real
públicos e a criação de contratos seletivos que que existe no período histórico do capital. Há de
ampliam a precarização do trabalhado têm sido reconhecer que até mesmo nos jogos de crianças
um dos sintomas mais recentes do avanço do existem dificuldades de reconhecer o mesmo di-
neoliberalismo. reito de voz.
Ao valorizar a subjetividade, o cotidiano, a Se não houver uma direção política para uma
construção e desconstrução de territórios, a mi- mudança efetiva da sociedade, corre-se o risco
cropolítica do trabalho vivo coloca-se na lógica da roda girar sobre o próprio eixo. Mobiliza-se,
pós-moderna, chegando a considerar que nes- desta maneira, trabalhador e usuários para mu-
tes processos. “não há um sujeito, mas singula- danças circunstanciais ao trabalho, ou às deman-
ridades, algo parecido com a ideia de que ‘um’ das locais, sem se considerar a luta mais ampla
são ‘vários’”36. Nesse sentido, pode-se chegar à de transformação, não só dos serviços como da
compreensão de que, ao invés de construção de sociedade9.
autonomia, corre-se o risco de cair num relativis- Diante das supostas ideias de igualdade fren-
mo, que dilui a história e mantém o capitalismo te a um mundo de base desigual cabe lembrar
como sistema societal inquestionável, pois sem que “Não é a consciência que determina a vida,
sujeitos históricos também não há razão para mas a vida que determina a consciência”33. Não
pensar a exploração do capital e os processos de se pode criar uma intencionalidade flutuante de
luta para sua superação! igualdade, pois é a materialidade do capital e a
Eis uma contradição na micropolítica do tra- mercantilização das relações sociais que são reais,
balho vivo: efetuar uma reestruturação produtiva enquanto a alienação do trabalho e a desigualda-
no trabalho do SUS em consonância com o in- de se impõem como referência na realidade.
teresse dos usuários, porém não antagônica aos Não se pode negar, entretanto, que, em seu
interesses do capital. Sem sujeitos, sem história, componente contraditório, as rodas podem
de alguma forma há uma perda de sentido e tam- constituir mecanismos contra hegemônicos e
bém de luta pela saúde, fato favorável à consoli- servir como elemento de luta para a emancipação
dação do capital10. dos trabalhadores.
Como acontece na tese da micropolítica do Na lógica da PNEPS, é na criação de uma
trabalho vivo, o método da roda valoriza a cons- nova subjetividade para o trabalho vivo que a
trução subjetiva da liberdade, ou seja, estrutura- problematização pode contribuir para educar os
se com base na possibilidade de expressão dos sujeitos para assumir um compromisso ético-po-
desejos, interesses e valores particulares ou sin- lítico e tornar-se capaz de atuar criticamente nos
gulares e se articula para a criação de espaços de micro espaços da saúde. Percebe-se também a in-
diálogo e confrontos para manifestação destes. fluência da noção de aprendizagem significativa
Contrapondo aos projetos tradicionais de gestão, de Ausubel nos documentos ministeriais, pois a
organizados verticalmente por especialistas, bus- aprendizagem significativa na PNEPS refere-se a
cou-se na PNEPS um método mais solidário, com uma pedagogia que concebe um papel mais ativo
interesses e valores diferentes e uso de conven- do aluno/trabalhador, que precisa ter disposição
cimento e de negociação como instrumento37,38. para aprender, pois confronta-se com a tradição
Com base na interação comunicacional como da memorização do conteúdo como acontece
mecanismo para eliminar as supostas diferenças nos modelos tradicionais ou da educação conti-
e hierarquia entre os ocupantes da roda, pauta-se nuada.
por uma suposta igualdade de condições entre os Para que a aprendizagem seja significativa, há
componentes do quadrilátero para fazer reflexões que se trabalhar com uma pedagogia diferenciada,
e procurar soluções para os problemas da EPS. que considere cada aprendiz com seus potenciais e
Nessa relação entre ensino e sistema de saú- dificuldades e que esteja voltada à construção de
de, sai a arquitetura do organograma para entrar sentidos, abrindo, assim, caminhos para a trans-
a dinâmica da roda. A noção de gestão colegiada, formação e não para a reprodução acrítica da re-
como nas rodas dos jogos infantis, coloca a todos alidade social16.
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lhores condições de trabalho no SUS percebe-se para a construção de uma nova ordem que bus-
que a precarização tem se ampliado desde então. que alterar a realidade da alienação humana. Nes-
Destacando recentemente, nos primeiros meses te estudo defende-se que contrariamente a uma
de 2015, a aprovação do Projeto de Lei (PL) 4.330 educação para o cotidiano e pragmatista, cumpre
na Câmara dos Deputados, ainda tramitando no apostar numa educação que favoreça a articula-
Senado Federal que “dispõe sobre os contratos de ção dos princípios epistemológicos, científicos,
terceirização e as relações de trabalho deles de- estéticos e tecnológicos para além da lógica da
correntes”43 e a validação pelo Supremo Tribunal sociedade atual e capaz de potencializar rupturas
Superior da prestação de serviços públicos não com os mecanismos de exploração vigentes.
exclusivos por organizações sociais em parceria Neste sentido essa educação intelectualmente
com o poder público44. ampliada faz sintonia, muitas vezes com a trans-
À guisa de conclusão é possível constatar que missão de conteúdos/conhecimentos elaborados
é justamente no momento em que o trabalho com base na real história do homem em relações
se encontra cada vez mais instável e precariza- de reciprocidade com outros, que tenham orien-
do que o Ministério da Saúde aposta na gestão tação universal, desvelando a opacidade do real
inovadora, dando centralidade à questão da EPS. e abrindo os horizontes culturais/humanitários
Por meio da descentralização da gestão da EPS, dos trabalhadores. Não consideremos apenas os
rodas são estimuladas a pensar permanentemente métodos ditos problematizadores como possibli-
em soluções criativas para a superação da inefici- dade de uma formação diferenciada.
ência dos serviços baseados na gestão do traba- Deste modo devemos resgatar uma EPS que
lho. Considera-se assim que a micropolítica do de fato articule a “utopia” da “saúde como direi-
trabalho vivo, as rodas de gestão e os referenciais to de todos”, como possibilidade de qualidade de
da problematização vem colaborar para ideia do vida, para usuários e trabalhadores, que em tem-
gerenciamento permanente. pos do fortalecimento do neoliberalismo no país
Como formar um sujeito comprometido a se faz extremamente necessária. A luta deve se dar
gerir problemas da realidade do trabalho frente não apenas no cotidiano, mas nos espaços políti-
às dificuldades estruturais do SUS? Se, por um cos, nas articulações coletivas que fortaleçam o
lado, apontamos a impossibilidade da educação movimento da reforma sanitária e a concretiza-
para alterar os limites estruturais do capital, por ção do SUS constitucional.
outro, consideramos que a educação é crucial
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