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A PSICOLOGIA DE MCCLELLAND E A

ECONOMIA DE SCHUMPETER NO CAMPO DO


EMPREENDEDORISMO

Denise de Camargo1
Sieglind Kind da Cunha2
Yára Lúcia Mazziotti Bulgacov3

Resumo define an interdisciplinary field of cífico, não se caracteriza por um


Este trabalho busca os funda- research. Is made analysis of two se- paradigma dominante. São várias as
mentos da psicologia e da economia minal authors in this field: McClelland disciplinas que o informam e mui-
no campo do empreendedorismo, de (1972), from psychology, and Schum- tas são as perspectivas teóricas e
modo a definir uma linha de pesqui- peter (1982, 1984), from economy. metodológicas que coexistem. Con-
sa interdisciplinar. É feita uma aná- Assuming the importance that the siderando que tanto a psicologia,
lise de dois autores seminais nesse reflection about the fundaments of a como a economia, são duas discipli-
campo: McClelland (1972), da psi- field of research has, through a theo- nas presentes nesse campo, o presen-
cologia, e Schumpeter (1982, 1984), retical work we sought the concep- te trabalho reflete sobre os funda-
da economia. Assumindo a impor- tions of science and society that are mentos de suas abordagens.
tância da reflexão sobre os funda- implicit in these two authors’ approa- Dentre estudos do empreende-
mentos de um campo de pesquisa, ches, as well as their intersecting and dorismo, o enfoque econômico de
buscou-se por meio de um trabalho diverging aspects. As a result, it was Schumpeter recebe grande destaque
teórico, as concepções de sociedade demonstrated that despite the diffe- enquanto abordagem teórica (SOU-
e de ciência que estão implícitas nas rences of approach, both theoreticians ZA, 2005) e, por outro lado, no cam-
abordagens dos dois autores, assim share the same instrumental concep- po comportamental, McClelland é
como seus pontos de interseção e tion of society, marked by a positivity outro autor muito referenciado. Ao
divergência. Como resultado, fica that is characteristic of modern science se considerar que não existe A psi-
demonstrado que, apesar das dife- and modernity. To conclude and cologia, mas AS psicologias (JAPI-
renças de abordagem, ambos os teó- guide the fundaments of a line of ASSU, 1975) e que, segundo a histó-
ricos compartilham da mesma con- research that begins upon other ria e a etnografia, a economia é de
cepção instrumental de sociedade, fundaments and rationalities, an várias espécies (POLANYI,1980),
marcada por uma positividade que alternative to relate economy and pergunta-se: que psicologia e que
é própria da modernidade e da ci- psychology is presented. economia são essas? Quais suas ba-
ência moderna. Ao final, a título de ses comuns, quais as divergentes?
orientar a fundamentação de uma Key words: psychology, economy, Como caminho (método) optou-
linha de pesquisa que se inicia sobre entrepreneurship, social entrepre- se por um estudo meta-teórico. Par-
outros fundamentos e racionalida- neurship. te-se do pressuposto de que a refle-
des, aponta-se uma alternativa de JEL: L2, L26. xão sobre os pressupostos básicos de
relacionamento da economia com a um determinado campo permite que
psicologia. Introdução novos fenômenos sejam descobertos
O campo do empreendedorismo, e que definições existentes sejam re-
Palavras Chaves: psicologia, econo- compreendido como domínio espe- pensadas (KROGH e ROOS, 1995;
mia, empreendedorismo, empreen-
dedorismo social. 1
Doutora em Psicologia pela PUC_SP. Pesquisadora convidada do Programa de Pós-Graduação em Admi-
nistração- UFPR. Email: denisedecamargo@uol.com.br.
Abstract 2
Doutora em Economia pela Unicamp. Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Administração –
This work searches for the funda- UFPR. E-mail: skcunha@brturbo.com.
ments of psychology and of economy 3
Doutora em Educação pela UNESP. Pesquisadora do Programa de Pós-Gradução em Administração do
in the entrepreneurial field in order to UnicenP. E-mail: ybulgacov@terra.com.br.

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HEDBERG, 1994). Têm-se como ob- serem atomizados, os agentes de pro- Nesse contexto, o empreendedor
jeto de estudo as concepções dos dução (gerentes, empresários e admi- é apenas um coordenador da produ-
autores com relação ao empreende- nistradores) tomam decisões em con- ção e tem poucas escolhas a fazer. Na
dorismo, tentando, a partir delas dições de pleno conhecimento das ausência de progresso técnico, num
identificar seus pressupostos: con- informações e, portanto, com total ambiente praticamente sem incerte-
cepções de sociedade, concepções de racionalidade e sem correr riscos. zas e condicionado aos princípios de
ciência e racionalidades. Para tanto, equilíbrio, a figura do empreende-
primeiramente foi caracterizada a ... isto nos levou a um peso na ba- dor é identificada como a do propri-
abordagem do empreendedorismo lança em favor de uma psicologia etário e do coordenador dos meios
de mercado, pois, no período rela-
de Schumpeter, revelando alguns de de produção, recebendo uma remu-
tivamente curto dos últimos sécu-
seus fundamentos. A seguir, foi ca- los, tudo poderia ser considerado neração para esta atividade que se
racterizada a psicologia de McCLEL- como tendendo para o estabeleci- iguala à remuneração dos demais
LAND, seguida por um paralelo en- mento daquilo que foi eventual- empresários. O empreendedor é tra-
tre as duas abordagens, suas diver- mente estabelecido, e é um siste- tado como ator passivo, sem auto-
gências e convergências, o que pos- ma de mercado, a despeito de ou- nomia, cujas funções se resumem a
tras tendências que foram tempo-
sibilita apontar um caminho a seguir. transformar fatores em produtos e a
rariamente submersas (POLANYI,
2000, p.64). otimizar as diferentes variáveis de
A economia de Schumpeter. ação.
Qual o conceito de empreende- Também a teoria neoclássica não Em sua crítica à economia clássi-
dor nas teorias econômicas? Qual o se preocupava em explicar o papel ca e neoclássica, Kirzner (1979) des-
papel do empreendedor como agen- do empreendedor. A razão para isso taca que em uma economia de mer-
te indutor do processo de inovação reside nas suposições que ela adota cado, tudo que se faz necessário é a
nas organizações e nos sistemas ino- em relação à racionalidade dos agen- presença de um matemático para
vadores? tes econômicos quando tratam as realizar cálculos visando à maximi-
Os economistas fisiocratas fran- informações necessárias para a sua zação do lucro. Esse era um modelo
ceses Richard Cantillon, François tomada de decisão. No mundo da de equilíbrio baseado nos pressupos-
Quesnay e Jean Baptiste Say foram teoria neoclássica não há a necessi- tos da mecânica aplicados aos fenô-
os primeiros a utilizar a expressão dade da figura do empreendedor, menos sociais em seus níveis meto-
entrepreneur, retirada do termo fran- uma vez que as decisões são toma- dológico e heurístico. Embora apon-
cês entreprendre, que pode ser tradu- das sob condições de comportamen- tasse aspectos não lógicos e racionais
zido por “empreender”, de forma to racional e o denominador comum na conduta humana, Kirzner elabo-
similar a “conseguir fazer coisas”. das motivações humanas é a moeda. rou uma explicação do sistema social
Desde então, palavras relacionadas Seus pressupostos consideram que baseada na noção de equilíbrio como
àquela e que compartilham origem os agentes são homogêneos em suas uma ferramenta útil para entender
semântica comum, como empreen- relações de produção, eliminando-se a complexidade da vida social.
dedorismo, empreendedor, empre- das categorias de análise as caracte- Ainda que considerado neoclás-
sa e empreendimento, entraram no rísticas individuais que os diferen- sico, Frank Knight (1979) se contra-
cotidiano e passaram a ser usadas ciam no mercado. põe à visão da plena racionalidade
para denotar larga variedade de con- Os princípios da teoria neoclás- dos agentes e insere a figura do em-
ceitos, assuntos e situações (MAT- sica podem ser constatados nas se- presário que toma decisões em um
LAY, 2005). guintes premissas: mundo no qual as informações são
O conceito de empreendedor não incompletas e a racionalidade é limi-
aparece como categoria analítica da 1. Embora possa apresentar situa- tada. Para Knight, os empreendedo-
teoria clássica e da teoria econômica ções transitórias de desequilíbrio, res diferenciam-se dos demais indi-
convencional. Para Adam Smith, o o mercado tende a restabelecer as víduos por sua capacidade de previ-
sistema capitalista funcionava regido condições de concorrência e equi- são. O processo competitivo se encar-
pela mão invisível do mercado, eli- líbrio; regaria de fornecer aos insdivíduos
minando o poder e a atuação indivi- maior capacidade de previsão e o
dual dos agentes econômicos. Por 2. As tecnologias são de total conhe- poder de tomar decisões. Considera
cimento dos agentes e estão dis- que o lucro é a recompensa que o
poníveis no mercado, seja através empresário recebe por tomar decisões
de bens de capital ou do conheci-
“ o empreendedor
é apenas um coordenador
mento incorporado pelos traba-
lhadores;
em condições de risco (CASSON,
1991; MOSCHANDREAS, 1994). Na
visão de Knight, o empreendedor é
3. É assumida a racionalidade per- aquele indivíduo que busca o lucro
da produção e tem poucas feita dos agentes diante dos obje- como uma recompensa pelo risco de
tivos da empresa, que são o de tomar decisões em condições de in-
escolhas a fazer. certeza e com informações limitadas.
” maximizar os lucros.

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Considera a ação humana ao anali- realizá-las. Esses conceitos são a
sar o papel do empreendedor e ad-
mite que este percebe e aproveita
um tempo mais amplos e mais res-
tritos do que no uso comum. Mais
“ Empreendedores
oportunidades existentes no merca-
amplos, porque em primeiro lugar também não formam
chamamos ‘empreendedores’ não
do em detrimento dos demais geren- apenas aos homens de negócio ‘in- classe social. O indivíduo
tes, os quais persistem em sua inca- dependentes’ em uma economia de
pacidade de aprender com a experi- trocas (...) mas a todos que de fato passa a ser
ência. O empreendedor busca o co- preenchem a função pela qual de-
nhecimento necessário e o usa a seu finimos o conceito, mesmo que se- empreendedor no
jam (...) empregados ‘dependentes’
favor no ambiente competitivo. No
entanto, Knight não abandona, nos
de uma companhia, como gerentes, momento em que introduz
membros da diretoria, etc. (...) não
seus pressupostos, o ranço neoclás- é necessário que ele deva ser nova combinação,
sico de equilíbrio e também não in- conectado permanentemente com
troduz a inovação como variável uma firma individual” (SCHUM- podendo deixar de sê-lo
PETER, 1982, p.54).
fundamental de ruptura das condi-
ções econômicas e sociais. Nessa vi- a partir do instante em
são, o empresário ainda tem uma A ação empreendedora, ao mes- que se torna
atitude passiva, ficando à espera de mo tempo em que é responsável pela
oportunidades no mercado. geração de novas riquezas no siste- um mero administrador
ma capitalista, também destrói os
Schumpeter, embora formado no capitais obsoletos, as velhas estrutu- de rotinas.
contexto da lógica da escola neo-
clássica austríaca, é um dos primei-
ras e instituições, gerando desequilí-
brio no mercado (através de desajus-

ros teóricos críticos dos pressupos- tes na oferta, demanda e preços), inovação vinda da ação empreende-
tos neoclássicos. Buscou apoio nas dora.
idéias de Marx e Weber, rompen-
causando redistribuição de riqueza
e realocação de recursos. Ou seja, o ...a atividade inovadora envolve
do com premissas do equilíbrio e
conceito de empreendedor e da ação sempre o lidar com situações des-
da racionalidade ilimitada, intro-
conhecidas, incertas; aquilo que
duzindo o conceito de empreende- empreendedora se sustenta na força para todo indivíduo envolvido no
dor e da ação para análise do de- da destruição criadora, no conflito fluxo circular é dado familiar, roti-
senvolvimento econômico (GRA- entre velhos e novos capitais, nas neiro, torna-se para o inovador
NOVETTER e SWEDBERG, 1992,
p.81).
mudanças das estruturas sociais, uma incógnita. (...) o risco recai
culturais e político-institucionais. sobre o proprietário dos meios de
Fica claro que, para Schumpeter, produção ou do capital-dinheiro,
Para Schumpeter, o empreende- pago por eles, e nunca sobre o em-
dor é o agente essencial do processo o empreendedor não pode ser con- presário enquanto tal (...) Empre-
de desenvolvimento e sua ação con- fundido com o gerente, administra- sário nunca corre o risco (SCHUM-
siste em realizar algo que normal- dor, empresário ou capitalista. Ge- PETER, 1982, p.54; 92).
mente não é feito na trajetória co- renciar, tomar decisões de rotina,
mum da rotina dos negócios. Inova- fazer um negócio crescer de forma Empreendedores também não
ção é a chave para a criação de no- contínua não caracterizam uma ação formam classe social. O indivíduo
vas demandas por produtos e servi- empreendedora e sim a rotina de um passa a ser empreendedor no mo-
ços e o empreendedor é o agente que gerente ou administrador. A organi- mento em que introduz nova com-
inicia novos negócios para explorar zação de um novo negócio, utilizan- binação, podendo deixar de sê-lo a
essa inovação. O empreendedor é o do tecnologias e rotinas já existentes partir do instante em que se torna
“indivíduo” que destrói a ordem no mercado, é caracterizada como um mero administrador de rotinas.
econômica existente por meio da in- uma ação empresarial e não uma Esse não é um comportamento per-
trodução de novos produtos e servi- ação empreendedora. O investimen- manente e depende do indivíduo e
ços, criando novas formas organiza- to que um capitalista faz em um de suas condições ambientais, cultu-
cionais, abrindo novos mercados ou novo negócio, ou como acionista, rais, sociais e políticas. Nesse senti-
explorando novos materiais. também se distancia da ação empre- do a ação empreededora é o resulta-
A essência da posição de Schum- endedora. Ações de gerentes, empre- do da interação do empreendedor
peter sobre o empreendedor já esta- sários e capitalistas podem gerar um com agentes e instituições em seu
va definida, desde 1911, na Teoria do crescimento contínuo na economia, contexto social e em determinado
Desenvolvimento Econômico: mas jamais podem gerar ruptura es- contexto histórico.
pontânea e descontínua, perturbação Para analisar a inovação como
do equilíbrio e alterar para sempre elemento motor do desenvolvimen-
“Chamamos de ‘empreendimen-
tos’ à realização de combinações o estado de equilíbrio previamente to, o empreendedor e a ação empre-
novas; chamamos ‘empreendedo- existente na trajetória do desenvol- endedora aparecem como força para
res’ aos indivíduos cuja função é vimento. Ruptura que ocorre pela romper a trajetória normal de cres-

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decide introduzir algo novo. Segun- dedora com a ação social, a explica-
“ Um ponto do Schumpeter, é significativo o nú-
mero de pessoas que encaram essa
ção da ação empreendedora ainda se
sustenta em um conjunto de carac-
importante que reforça atitude com certo preconceito. Mui- terísticas comuns ou gerais do em-
a ação empreendedora tas pessoas afirmam que o empresá- preendedor, além de não dar conta
rio nada faz e, mesmo assim, obtém do motivo de a ação empreendedo-
como ação social diz vantagens no progresso tecnológico. ra ocorrer de forma diferente em di-
Outro aspecto importante diz respei- ferentes contextos sociais. Ou seja,
respeito à implantação to a obstáculos legais ou políticos, e na percepção de Schumpeter, o
de novas combinações a questões econômicas, principal- empreendedorismo continua sendo
mente por parte daqueles ameaça- abordado na perspectiva atomística
e à reação do ambiente dos pela mudança. e comportamental, na qual o empre-
Liderança também é fator funda- endedor e suas relações sociais estão
social perante aquele mental no empreendedor schumpe- subordinados à lógica do mercado.
teriano. Na economia empresarial, o O que destacamos é que a pro-
que decide introduzir empreendedor exerce o papel de lí- posição de Schumpeter, mesmo
algo novo. der; aquele que enfrenta preconcei- apontando inovações e prevendo al-

cimento através da força da criação


” tos supera resistências, educa consu-
midores para que aceitem novas
combinações e consegue concessão
terações na malha social, está clara-
mente vinculada a uma lógica de
mercado. Nesse ponto concordamos
e da destruição. Schumpeter (1982) de crédito junto aos capitalistas. com a crítica de Polanyi, ao contra-
concebe o empreendedor como Schumpeter (1984) admite, inclu- por-se a essa visão convencional da
“super-homem”. No entanto, essa sive, não apenas a ação individual sociedade, uma sociedade apenas
ação individual aparece como “mo- do empreendedor, mas igualmente como um acessório do mercado:
delo de agente” para explicar o fe- a da equipe:
nômeno da inovação e do desenvol- ... no modelo convencional, o con-
vimento. O empreendedorismo está se tor- trole do sistema econômico pelo
nando assunto de equipes de espe- mercado é conseqüência funda-
Contudo, leitura cuidadosa de
cialistas treinados que criam o que mental para toda a organização da
sua obra pioneira, aponta o empre- sociedade: significa, nada menos,
lhes é pedido e fazem-no funcio-
endedor, não como uma variável nar de maneira previsível. O ro- dirigir a sociedade como se fosse
única, mas como um agente envol- mance da antiga aventura comer- um acessório do mercado. Em vez
vido em uma rede de relações soci- cial rapidamente se desvanece, de a economia estar embutida nas
ais que lhe dá suporte. Assim, o sig- pois muitas das coisas que agora relações sociais, são as relações so-
podem ser estritamente calculadas ciais que estão embutidas no siste-
nificado da ação empreendedora é
tinham, antigamente, de ser visua- ma econômico. A importância vi-
mais bem apreendido enquanto tal do fator econômico para a exis-
lizadas num lampejo de gênio
ação social que descreve o empreen- (SCHUMPETER, 1984, p.174). tência da sociedade antecede qual-
dedor nas suas relações com capita- quer outro resultado. Desta vez, o
listas e gerentes, nas quais utiliza seu A mutação da ação individual do sistema econômico é organizado
carisma e liderança para convencer em instituições separadas, baseado
empreendedor também aparece em motivos específicos, conceden-
e introduzir no mercado os novos quando ele descreve o empreende- do um status especial. A sociedade
produtos e serviços. O que aqui se dorismo como um processo social: tem que ser modelada de maneira
destaca são as relações sociais dan- tal a permitir que o sistema funci-
do suporte à ação empreendedora, Estaria em operação um processo one de acordo com as suas própri-
ao mesmo tempo em que a inovação social que ‘solapa o papel e, junto as leis” (POLANYI, 2000, p.77).
vai provocar mudanças no ambien- com o papel, a posição social do
empresário capitalista’. A burgue-
te e nas relações sociais. Nessa pers- Na visão de uma economia subs-
sia depende do empresário. (...) a
pectiva, que envolve uma rede de unidade industrial gigante perfei- tantiva, Polanyi enfatiza sua crítica
relações voltadas para interesses uti- tamente burocratizada não apenas à sociedade de mercado, por ser uma
litários de mercado, Schumpeter, em desaloja a pequena e média firma, economia baseada no auto-interesse
sua obra Capitalismo, socialismo e de- mas ao final desaloja o empresário e não propriamente por se basear na
mocracia (1984), evidencia a ação e expropria a burguesia como clas- economia (POLANYI, 2000).
se que, no processo, deve perder
empreendedora como sendo coleti- O empreendedor de Schumpeter
não apenas a sua renda mas tam-
va e um processo social. bém, o que é infinitamente mais é o agente do desenvolvimento in-
Um ponto importante que refor- importante, sua função (SCHUM- serido no processo de mudança so-
ça a ação empreendedora como ação PETER, 1984, p.176). cial. Schumpeter não questiona a ló-
social diz respeito à implantação de gica do mercado, mas, ao contrário,
novas combinações e à reação do Mesmo encontrando em Schum- subentende o empreendedor como
ambiente social perante aquele que peter a analogia da ação empreen- o agente que mantém a lógica da eco-

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nomia de mercado com base no auto- do que media a intensidade da preo-
interesse e desvinculado de mecanis-
mos que garantam resultados cole-
cupação de uma pessoa com a realiza-
ção, o qual recebeu a denominação
“ Pessoas que
tivos. de n Realização (abreviatura de “ne- fixam os padrões de
cessidade de realização”). Poste- realização para si
A psicologia de riormente, essa medida foi reconhe-
McClelland (1972) cida e generalizada para outros mo- mesmas, ao invés de
McClelland (1972), no prefácio à tivos, não apenas de “necessidade de
obra A Sociedade Competitiva: realiza- realização”, mas necessidade de confiar em incentivos
ção e progresso social menciona sua afiliação, poder, etc. A utilização do
tentativa de isolar certos fatores psi- método experimental, diferente da
extrínsecos, procuram,
cológicos e demonstrar, por métodos lógica racional, teve a vantagem de com maior êxito,
rigorosamente quantitativos, que assegurar o desenvolvimento de
estes fatores são importantes no de- projetos de pesquisa que estabeleces- alcançar os padrões
senvolvimento econômico. Seu tra- sem a relação entre o desempenho e
balho consistiu em buscar provas o comportamento de indivíduos que estabeleceram
para comprovar a hipótese que o fa- com altas e baixas pontuações de n para si...
tor psicológico, a “necessidade de
realização” era responsável pelo de-
senvolvimento econômico.
Realização. Pessoas que fixam os pa-
drões de realização para si mesmas,
ao invés de confiar em incentivos histórico da psicologia social, iden-

Como McClelland (1972) explica- extrínsecos, procuram, com maior tificaram os autores paradigmáticos
va a energia necessária, a força êxito, alcançar os padrões que esta- das duas tendências: Floyd Allport
motivadora básica da “necessidade beleceram para si. Ao considerar o para o conservadorismo (individual e
de realização”? Para explicar a “ne- empresário como sendo o indivíduo experimental) e, por exemplo, John
cessidade de realização”, ele resga- que organiza a empresa e aumenta Dewey para visão progressista social.
ta em Freud o conceito de desejo, li- sua capacidade produtiva, e em bus- Situamos a psicologia de Mc-
gado à teoria da evolução, dos ca do homem realizador, McClelland Clelland entre os conservadores por
primórdios da psicologia científica, desenvolveu um conjunto de pesqui- entender que ela está fundada na
em meados do século XIX. O ho- sas interculturais à procura da cor- concepção de que as necessidades
mem, concebido como um animal relação entre uma sociedade com estão no próprio indivíduo. O indi-
empenhava-se numa luta com a na- elevada n Realização e seu desenvol- víduo nessa concepção é entendido
tureza, possuindo um desejo ou von- vimento econômico. como um elemento, uma entidade.
tade de sobrevivência. McClelland, Toda a pesquisa de McClelland Há claramente uma concepção dico-
biólogos e psicólogos compreende- foi norteada pela identificação do tômica: indivíduo-sociedade. Sua
ram que esse desejo, controlado me- homem ativo, realizador: aquele com visão de necessidade é organicista:
canicamente pelo organismo (as ne- alta necessidade de realização e que adota o conceito de necessidade (ní-
cessidades fisiológicas), acionava se esforça por superar metas indivi- vel fisiológico) e o transfere para o
certos sinais de perigo que irritariam duais, internamente dirigidas; ho- psiquismo (nível psicológico), sem
e perturbariam o organismo até que mem cujo trabalho lhe ofereça res- nenhuma mediação.
essas necessidades fossem satisfei- ponsabilidade pessoal, retorno e ris- Em McClelland, “quem é o em-
tas. O projeto de McClelland foi en- cos moderados (ROBBINS, 1998). preendedor”? A resposta está centra-
tender esses motivos como sociais e Que psicologia é essa? É uma psi- da no indivíduo “empreendedor”, o que
não apenas como necessidades bio- cologia em busca do traço de perso- não nos levará a compreender o fe-
lógicas. Propõe essa transposição (do nalidade e das características indivi- nômeno do empreendedorismo,
biológico para o social), por consta- duais, situada no conjunto das psi- como afirma Gartner (1988). Enten-
tar que na época não se considera- cologias que centram seus estudos de-se que esse é um modelo explica-
ram as diferenças individuais, quer no indivíduo, e que é diferente das tivo mecanicista/reducionista, no
por dotes biológicos, quer por expe- psicologias preocupadas com os con- qual predomina a idéia de que o
riências de aprendizagem. teúdos sociais e de grupo. Eviden- empreendedor possui característica
Em busca de novos motivos so- cia-se na história da psicologia uma estável de personalidade (alta neces-
ciais e reconhecendo a limitação do flutuação entre essas orientações, ou sidade de realização). Estas caracte-
método clínico ad hoc de Freud, o seja, mais social e de grupo nas épo- rísticas influenciam suas atitudes e
qual não garantia os princípios de cas de inquietação social, reforma reações levando empreendedoris-
uma psicologia científica, McCle- social ou progressista, e mais inter- mo. Essa abordagem de traços de
lland aproximou-se do método ex- na e individualista nos períodos con- personalidade pressupõe atributos
perimental para identificar, objetiva servadores. Collier, Minton e Rey- estáveis, mantendo os indivíduos
e quantitativamente, as diferenças nolds (1996), autores que chegaram prisioneiros de uma estrutura de
individuais. Desenvolveu um méto- a estas conclusões a partir do estudo personalidade e contrariando pes-

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psicologia que, ao operacionalizar o exclui países com fortes característi-
“ ... o modelo
evolucionista implica
impulso básico no fator n Realização,
aproxima-se do positivismo.
cas de evitação da incerteza) e uma
preocupação com o desempenho (o
Para o positivismo, a realidade é que se aplica a países com fortes ca-
na idéia de que a governada por leis racionais passí- racterísticas competitivas). Essa
veis de ser desvendadas pela obser- combinação, afirma, é encontrada
diferenciação entre vação dos fatos e deixando de lado em países anglo-americanos, como
as pessoas é uma os interesses e valores sociais. Na Estados Unidos e Canadá, e é prati-
psicologia, isso significou tratar o camente ausente em países como
questão natural e que fenômeno psicológico como natural Chile e Portugal. Tendo McClelland
e submetido a leis que não podem desenvolvido forte delineamento de
sobrevive quem é ser alteradas pela vontade humana, pesquisa intercultural, devemos res-
mas ser apenas conhecidas (BOCK, saltar, como ele mesmo afirma, que
mais apto. 2002). houve dificuldade no sentido de ob-
” A psicologia de McClelland é
uma psicologia individual. Psicolo-
ter um resultado conclusivo, dada a
complexidade do fenômeno.
quisas mais atuais que demonstram gia já iniciada por F. H. Allport, com Embora tenhamos a impressão
adaptação e flexibilidade do indiví- tendência a entender que os proces- inicial de que McClelland foge da
duo frente a ambientes diversos sos psicológicos são produzidos no psicologia individual, já que suas
(ROBBINS, 1998) indivíduo (FARR, 1998). Psicologia pesquisas consideram as questões
Pode-se observar que o próprio que, ao assumir uma representação ideológicas (educação, valores, cul-
McClelland reconhece a herança evo- social do indivíduo como um agen- tura), bem como o indivíduo inseri-
lucionista do conceito de necessida- te autônomo e único responsável por do na cultura, o caráter de sua obra
de de sobrevivência, um desejo con- seu sucesso ou seu fracasso, oculta o fica explícito quando ele sugere que
trolado mecanicamente pelo orga- jogo de interesses e valores sempre questões econômicas complexas fi-
nismo e que impulsiona o homem presente na construção do conheci- cam reduzidas às necessidades de
em direção à satisfação de suas ne- mento (BOCK, 2002,). Segundo Farr realização dos indivíduos. Um pro-
cessidades. Uma lei da natureza. Do (1998), as raízes do individualismo jeto ligado à modernidade, ao ideal
ponto de vista da sociedade, o mo- estão enterradas no solo de toda a iluminista e à orientação tecnocrática
delo evolucionista implica na idéia tradição intelectual do Ocidente, e sua engenharia social, como criti-
de que a diferenciação entre as pes- sendo seu florescimento um fenôme- ca Chanlat (1992).
soas é uma questão natural e que no norte-americano. No prefácio à sua obra, Mc-
sobrevive quem é mais apto. É o A psicologia de McClelland ao Clelland evidencia sua relação com
darwinismo social, como nos apon- naturalizar o fenômeno psicológico, a Fundação Ford, ao afirmar:
tou William Graham Summer (cita- ao atribuir às necessidades internas
do por INKELES, 1967, p.55). A idéia do individuo a explicação do fenô- “A Fundação Ford é na verdade a
evolucionista de sociedade encontra- meno do empreeendedorismo, per- responsável. Não só ofereceu os
se igualmente em Comte, que deli- de de vista que esses valores são pro- recursos financeiros, mas – o que é
neou três grandes estágios por meio dutos culturais de uma sociedade e mais importante – a necessária
perspectiva para o empreendimen-
dos quais as sociedades deveriam que conceitos e teorias são produtos to da pesquisa. Sua premissa bási-
passar em paralelo com o desenvol- culturais socialmente construídos e ca é a de que a grande necessidade
vimento do pensamento do homem: legitimados, assim favorecendo a de nosso tempo é o aperfeiçoamen-
do teleológico para o metafísico e, despolitização da disciplina (SPINK, to do comportamento humano.
finalmente, para o positivo. Assim, 1999). Para tanto (...) propõe programas
dentro de uma filosofia positivista, Robbins (1998) é outro autor que de trabalho (...) haveria uma Divi-
são de Ciências do Comportamen-
McClelland claramente opta por chama a atenção para esse aspecto. to Humano para promover o de-
buscar o fator psicológico, isolá-lo, A maioria das teorias da motivação, senvolvimento de conhecimentos
medi-lo, quantificá-lo. Há em Mc- afirma-nos, foi desenvolvida nos básicos do comportamento huma-
Clelland uma concepção evolucio- Estados Unidos por norte-america- no” (McCLELLAND, 1972, p.xiii).
nista de sociedade unilinear que, nos e para norte-americanos. Apon-
como afirma Inkeles (1967, p.60), foi ta que o conceito de “necessidade de O autor considera essa divisão
difícil de ser mantida e, portanto, foi realização” tem claramente uma em parte idealista, pois afirma que
abandonada por grande parte dos pressuposição norte-americana. A “as ciências do comportamento só
sociólogos. Do ponto de vista da psi- visão de que alta “necessidade de agora começam a acumular conhe-
cologia, a idéia do grande homem realização” age como um motivador cimentos de considerável utilidade
causador, determinante, agente in- interno pressupõe duas característi- social (...) tive a felicidade de estar
condicional, já foi igualmente aban- cas culturais: uma vontade de acei- ligado àquela Divisão em seus pri-
donada há muito tempo. Essa é uma tar grau moderado de risco (o que meiros dias e absorver um pouco do

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em conta, não somente as exigênci- gêneos na tomada de decisão e ha-
“ A critica [aqui]
é dirigida para a visão
as do mercado, mas as exigências
psicológicas. O autor denuncia que
via o pressuposto de que tinham as
mesmas informações e pleno conhe-
teorias como essas que separam fa- cimento do funcionamento do mer-
contaminada do tos de valor têm limitada funciona- cado. O denominador comum das
lidade: reproduzem a lógica do eco- motivações era a moeda. Como afir-
comportamento por nômico e não fazem jus à complexi- ma Polanyi, predominava a psicolo-
categorias econômicas, dade humana, à experiência huma- gia do “mercado”.
na, portanto com claras conotações Vimos que Schumpeter, membro
instrumentais com alto antiéticas e mecanicistas. Sua crítica da Escola Austríaca, aponta que os
da razão moderna visa ao desenvol- agentes econômicos têm racionalida-
grau de etnocentrismo e vimento de uma ciência da sociedade de limitada e que o empreendedor
e da organização, tendo como fun- decide em condições de incerteza,
ausência de consciência damento a racionalidade substantiva usando imaginação, julgamento e
histórica. na estruturação da vida humana associa- criatividade para perceber a oportu-


seu espírito de esperança e entusi-
da. Para ele, a teoria atual é incapaz
de oferecer diretrizes para a criação de
espaços sociais em que os indivíduos
nidade. A partir daí, tomando o em-
preendedor como agente essencial
do processo de desenvolvimento, ele
asmo pelo papel que o conhecimen- possam participar de relações interpes- destaca que a ação essencial do em-
to psicológico das motivações huma- soais verdadeiramente autogratificantes. preendedor é realizar algo, enquan-
nas poderia ter na compreensão de O lugar adequado à razão é a psique e é to mudança, enquanto inovação, di-
um fenômeno humano tão comple- ponto de referência, tanto para a orde- ferentemente do que é feito em uma
xo como o desenvolvimento huma- nação da vida social, quanto para a rotina normal de negócios (como faz
no e em ajudar o homem a controlar conceitualização da ciência. Ele acredi- o empresário). Essa conceituação de
o seu próprio destino” (McCLE- ta que uma teoria social deve suge- Schumpeter abre caminho a uma
LLAND, 1972, p. xiii). rir tanto valores econômicos quanto certa parceria com a psicologia de
Essa postura, que entendemos da humanos, como critérios para a or- McClelland no campo do empreen-
mesma forma que Chanlat (1992), denação das associações humanas. dedorismo. Que concepção de ho-
levou pesquisadores a concentrar Não é adepto de uma ciência (natu- mem traz a psicologia de McClelland
seus interesses e a reduzir seus es- ral) que separa valores de fatos, de para encarnar o agente empreende-
forços a simples técnicas de contro- uma ciência que toma os valores (in- dor imaginativo, criativo, inovador
le, evidenciando uma orientação dividualistas e tão-somente econô- de Schumpeter? Como ela explica
tecnocrática de curto prazo, com micos) de uma sociedade e os legiti- essa imaginação, essa criatividade
foco na eficácia, no desempenho e na ma ao tratá-los como algo objetivo, do “Grande Homem”? A psicologia
produtividade. Concordamos igual- natural e não construído socialmen- de McClelland traz o homem com alta
mente que essa perspectiva já apre- te pelo homem. Propõe o Paradigma n realização... McClelland busca nos
senta sinais de decadência, ou seja, Paraeconômico, voltado para os siste- países uma alta taxa de concentração
cada vez mais pesquisadores contes- mas sociais e para a nova ciência da de n realização apostando, então, em
tam esta concepção instrumental, organização. seu desenvolvimento econômico. A
adaptativa. A critica é dirigida para psicologia abre assim a possibilida-
a visão contaminada do comporta- Schumpeter e McClelland de de uma investigação científica
mento por categorias econômicas, O primeiro destaque que faze- concreta, teórico-empírica do fenô-
instrumentais com alto grau de mos é que a psicologia McClelland meno psicológico, naturaliza o fenô-
etnocentrismo e ausência de consci- vem ajudar a romper com a premis- meno psicológico - a “necessidade de
ência histórica. sa de racionalidade ilimitada, pre- realização”, objetiva e quantifica o
McClelland, ao buscar a explica- sente no cenário das formulações fenômeno psicológico e o coloca
ção do desenvolvimento econômico clássicas da economia. A escola como fator de desenvolvimento eco-
em uma teoria psicológica centrada racionalista de conhecimento afirma nômico. Adota o método da ciência
no indivíduo, adota a ciência que na- que a razão é a responsável pelo co- natural, próprio das práticas da
turaliza o fenômeno psicológico e se- nhecimento. A matemática e a lógi- modernidade. Ou seja, tanto Schum-
para fato de valor. Adota uma postu- ca são as linguagens utilizadas, sen- peter, como McClelland, focalizam
ra que legitima os valores da socie- do que as verdades são obtidas atra- no indivíduo a necessidade de reali-
dade na qual ele se insere, centran- vés da intuição e inferências racio- zação voltada “naturalmente” para
do-se em pressupostos de sociedade nais (GRAYLING, 2001). Tanto para a economia.
baseados tão-somente no mercado. os economistas clássicos (Smith, Entretanto, uma leitura mais
Acreditamos, como Ramos (1989), Ricardo), como para os neoclássicos atenta de Schumpeter vai ressaltar a
na necessidade de um modelo alter- (Pareto), a figura do empreendedor ação empreendedora, enquanto um
nativo de ciências sociais que leve não existia. Os agentes eram homo- processo, sustentada nas relações

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líbrio, mas um equilíbrio dinâmico. uma economia solidária (LAVILLE,
“ sintetizar
O que podemos
dessas
Ele apresenta o empreendedor como
o agente de mudanças, em constan-
1996, p.52).
Na “economia solidária”, o prin-
te busca por novas oportunidades, e cípio da reciprocidade aparece ao
constatações? Esperamos como o agente do desequilíbrio, em lado do mercado e da redistribuição,
um processo contínuo de destruição readquirindo o papel que tinha antes
que tenha ficado claro criadora. Contudo, embora dimen- de ter sido ofuscado pelos outros dois
que, tanto McClelland, sione a criação de novas riquezas, a princípios. Essa reciprocidade assu-
destruição de capitais obsoletos, ge- me forma por meio das iniciativas de
como Schumpeter, vêem rando desequilíbrio, redistribuição, desenvolvimento e da criação de
Schumpeter não abre mão da lógica emprego local, “esbatendo as frontei-
o empreendedor como do mercado e não prevê, como o faz ras entre o econômico e o social” e
Polanyi, outros critérios que não se- levando a economia de solidarieda-
um agente do jam a lógica linear da oferta e da pro- de a encontrar seu próprio espaço
desenvolvimento. cura. Ele não questiona a ordem entre o mercado, a solidariedade e o

sociais e institucionais e, portanto,


” socioeconômica da sociedade, nem
sua racionalidade.
Estado (LAVILLE, 1996, p.51).
Polanyi e Laville não negam as
condições de mercado como neces-
diferente da ênfase (exclusiva) no Uma economia e uma psicolo- sárias ao desenvolvimento, mas in-
indivíduo, em características apenas gia sobre outras bases e racio- cluem, além da estrutura produtiva,
individuais, de traços estáveis do nalidades elementos institucionais, por meio
indíviduo, como sustentadas e ope- da ação de regulação e distribuição
racionalizadas pelas pesquisas de Karl Polanyi, em sua obra A do Estado e dos componentes sócio-
McClelland. Grande Transformação (1980), distin- culturais.
O que podemos sintetizar dessas gue quatro princípios de integração Barquero (1999) também sinaliza
constatações? Esperamos que tenha econômica: o de mercado (oferta e para estas três dimensões do desen-
ficado claro que, tanto McClelland, procura de bens ou serviços), o de volvimento: uma econômica, carac-
como Schumpeter, vêem o empreen- redistribuição (organizada por uma terizada por sistemas específicos de
dedor como um agente do desenvol- entidade central), o de reciprocida- produção, outra sócio-cultural, em
vimento. Enquanto McClelland de (relação de distribuição entre as que os atores se integram com as ins-
(1972) se preocupa, como psicólogo, pessoas) e o da domesticidade (pro- tituições locais formando um siste-
em estudar a dimensão comporta- dução para consumo próprio). O ma denso de relações que incorpo-
mental da figura do empreendedor mercado é o espaço onde se dá o en- ram os valores da sociedade, e ou-
e sua relação com o desenvolvimen- contro entre a oferta e a procura de tra, política, que se instrumentaliza
to econômico, Schumpeter toma a bens e serviços, com a finalidade de nas iniciativas que permitem criar
figura do empreendedor como aque- troca. Na redistribuição, a produção um entorno propício à produção e
le que, na ação, empreende, inova e é dirigida a uma autoridade central, favorecendo o desenvolvimento sus-
impacta a economia. A concepção de sendo armazenada e posteriormen- tentável.
homem de McClelland – de homem te distribuída. A reciprocidade Mas serão os princípios da eco-
enquanto indivíduo, como agente corresponde ao ato da doação e da nomia solidária compatíveis com a
autônomo e o único responsável por contra-doação. Representa um com- concepção de empreendedorismo
seu sucesso ou fracasso – é claramen- portamento social, podendo assumir social e com a figura do empreende-
te uma perspectiva de adaptação o caráter particular (doação inter- dor schumpeteriano?
social, em uma sociedade com uma pessoal) ou geral (doação a uma co- Ao destacar Max Weber e recen-
economia de mercado que exalta as letividade). A domesticidade consis- tes contribuições da antropologia
pessoas que obtêm sucesso e censu- te na produção para consumo pró- social, Polanyi (2000) submete a eco-
ra as que fracassam. Para Polanyi, o prio: o princípio é a produção e o nomia do homem às suas relações
problema não é uma sociedade ba- armazenamento para satisfazer as sociais, ou seja, as motivações huma-
seada no mercado, mas uma econo- necessidades de determinado grupo nas se originam no contexto da vida
mia baseada no auto-interesse e que (POLANYI, 2000, p.60). social e garantem a ordem na pro-
não possui outros mecanismos que Laville (1996), a partir de Polanyi, dução e distribuição por meio dos
garantam o coletivo. Por outro lado, propõe novas relações entre os três princípios da reciprocidade e redis-
Schumpeter não conjuga com essa tipos de economia por ele conside- tribuição. É nesse contexto da vida
visão de sociedade essencialmente rados e destaca a necessidade de social que o empreendedorismo vin-
adaptadora e harmonizadora do ho- uma recomposição entre as esferas culado aos princípios da reciproci-
mem na sociedade. Sua concepção, econômica, social e política, visando dade e redistribuição se apresenta
como já foi colocado, traz implícita à criação de novas formas de empre- como alternativa de mudança social
a idéia de sociedade como um equi- go e favorecendo a emergência de e desenvolvimento. Nessa perspec-

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tiva, o empreendedor social, em uma logia que não concebe a “natureza mia, cujo modelo não questiona. Do
economia solidária, se aproximaria humana” como um mundo interno, ponto de vista da economia de
da visão do empreendedor schumpe- nem a realidade social econômica e Schumpeter, demonstramos que ela
teriano, mas submerso nas suas rela- cultural como algo exterior ao ho- se caracterizou por uma concepção
ções sociais, pois esse empreendedor mem, estranho ao mundo psicológi- menos estática, ou seja, por uma vi-
no qual as relações econômicas se ori- co, e que aparece como algo que o são social mais dinâmica, e por uma
ginam de um contexto social impede, o anula, o desvirtua. Ao concepção mais processual e com-
contrário, estamos falando de uma partilhada da ação empreendedora.
...não age desta forma para salva-
guardar seu interesse individual na
psicologia que não separa o psicoló- Contudo, também ficou demonstra-
posse de bens materiais[. E]le age gico do social e que entende o psico- do que, apesar das diferenças de
assim para salvaguardar sua situ- lógico como sendo constituído do abordagem do empreendedorismo,
ação social, suas exigências sociais, social. Uma psicologia que não se- ambos os teóricos compartilham da
seu patrimônio social. Ele valoriza para subjetividade de objetividade e mesma concepção instrumental de
os bens materiais na medida em na qual mundo externo e interno são sociedade, marcada por uma positi-
que eles servem a seus propósitos.
Nem o processo de produção, nem
aspectos do mesmo movimento. vidade que é própria da modernida-
o de distribuição está ligado a in- Uma psicologia que admite que o de e da ciência moderna: ambos le-
teresses econômicos específicos homem ao mesmo tempo em que em gitimam um modelo econômico es-
relativos à posse de bens. Cada age é modificado pelo mundo. Nes- sencialmente de mercado. Buscando
passo desse processo está atrelado sa perspectiva o fenômeno psicoló- sustentação teórica em pensadores
a um certo número de interesses gico é entendido na sua relação com (Ramos, 1989; Karl Polany, 2000) que
sociais, e são estes que asseguram
a necessidade daquele passo. É
o mundo material e social, nos quais entendem psicologia, economia e ci-
natural que esses interesses sejam se desenvolvem as possibilidades ência como sendo empreendimentos
muito diferentes numa pequena humanas. Uma psicologia que exige intrincados nas suas relações sociais,
comunidade de caçadores ou pes- a definição de uma ética e de uma optamos por uma posição ética no
cadores e numa sociedade despó- visão política sobre a realidade que tange à adoção de critérios orien-
tica, mas tanto numa como noutra (BOCK, 2002). Uma psicologia inclu- tadores para a associação humana,
o sistema econômico será dirigido
por motivações não-econômicas
ída em um paradigma que tem ne- com base, não apenas em valores de
(POLANYI, 2000, p.65). cessariamente uma dimensão valo- mercado, mas em valores humanos
rativa ética, a qual foi negada duran- e coletivos. Enquanto orientação
Albagli e Maciel (2002) defendem te vários séculos e que a moderni- para futuras pesquisas, adotaremos
que nessa perspectiva de economia dade tentou enfatizar que deveria ser uma concepção de empreendedo-
solidária, o empreendedorismo so- neutra. Uma psicologia que enfatiza rismo social coerente com a lógica
cial é um dos elementos fundamen- comportamentos e relações que nas- econômica que combina os princípi-
tais e condição necessária para o de- cem da partilha, solidariedade, co- os do mercado, da distribuição e da
senvolvimento, o combate à exclu- laboração, cooperação. Uma psico- reciprocidade. Uma perspectiva que
são e para a construção da democra- logia que entende que as relações esperamos possa vir a superar o
cia, de maneira integrada e sistêmi- devam se dar em nível simétrico e a conservadorismo presente no cam-
ca. O empreendedorismo social deve partir da ação e do diálogo comuni- po do empreendedorismo.
resultar de um esforço articulado cativo (PLONER, 2003).
entre o público e o privado, a socie- Referências
dade e o Estado. Por outro lado, o Considerações finais ALBAGLI, S.; MACIEL, M. L. Capital
empreendedorismo não é condição Nesse trabalho procuramos ca- social e empreendedorismo local. Redesist
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e as culturas em que ocorrem, não ção vigente de racionalismo ilimita- de, 1999.
podendo ser codificados como recei- do. Por outro lado, sob a égide da BOCK, A. M. et al. Psicologia Sócio- His-
tas passíveis de reprodução. ciência, natural, própria da moderni- tórica. São Paulo:Cortez, 2002.
Como alternativa para a psicolo- dade, e ao buscar explicações do CASSON, M. The entrepreneur: an
gia apontamos uma psicologia soci- comportamento em traços indivi- economic theory. 2.ed. Hampshire:
al histórica e cultural que se desta- duais descontextualizados das rela- Gregg Revivals, 1991.
ca, a partir dos anos sessenta e na ções sociais, demonstramos que ela COLLIER, G., MINTON, H., REY-
década de setenta, como reação ao acabou sendo vítima de um reducio- NOLDS, G. Escenarios y tendências de
paradigma dominante de fazer ciên- nismo, quando isola o fator humano la Psicología Social. Madrid:Editorial
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