Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA
Caminhos filosóficos:
o pitagorismo e seu trópos toû bíou
Brasília
2009
Jonatas Rafael Alvares
Caminhos filosóficos:
o pitagorismo como trópos toû bíou
Brasília
2009
2
Aos amigos que me apoiaram por todo
meu caminho, e à pessoa que amo,
dedico este trabalho, como pequena
retribuição pela grande ajuda e paciência
de todos. Meus sinceros agradecimentos.
3
SUMÁRIO
LISTA DE ABREVIAÇÕES ...................................................... 5
INTRODUÇÃO ........................................................................ 6
4
LISTA DE ABREVIAÇÕES
DK = Diels-Kranz.
Iambl. = Jâmblico.
Porph. = Porfírio.
5
INTRODUÇÃO
Neste sentido, Hadot nos presta um grande auxílio, quando nos deixa
mais claro algo que hoje não tem uma relação tão direta com a filosofia: o
modo de vida de um filósofo. Segundo ele:
6
pitagórico, são considerados ilustres entre os demais? (PLATÃO,
Resp. 600a-b).1
É deste trecho que se pode dizer que Pitágoras deixou como legado aos
pitagóricos um trópos toû bíou, um modo de vida. O objetivo deste trabalho é
demonstrar, dentro do pitagorismo, qual a importância deste modo de vida.
Para isto, começamos a construir a base do caminho a partir do qual se
permite falar algo sobre o pitagorismo.
1
Orig.: “Ἀλλὰ δὴ εἰ μὴ δημοσίᾳ, ἰδίᾳ τισὶν ἡγεμὼν παιδείας αὐτὸς ζῶν λέγεται Ὅμηρος
γενέσθαι, οἳ ἐκεῖνον ἠγάπων ἐπὶ συνουσίᾳ καὶ τοῖς ὑστέροις ὁδόν τινα παρέδοσαν βίου
Ὁμηρικήν, ὥσπερ Πυθαγόρας αὐτός τε διαφερόντως ἐπὶ τούτῳ ἠγαπήθη, καὶ οἱ ὕστεροι ἔτι
καὶ νῦν Πυθαγόρειον τρόπον ἐπονομάζοντες τοῦ βίου διαφανεῖς πῃ δοκοῦσιν εἶναι ἐν τοῖς
ἄλλοις;” PLATÂO, Resp. 600a-b. A tradução utilizada em todas as citações de Resp. é de
Eleazar Magalhães Teixeira.
7
1. O problema das fontes
2
Orig.: “Ἐπὶ πάσης μὲν φιλοσοφίας ὁρμῇ θεὸν δήπου παρακαλεῖν ἔθος ἅπασι τοῖς γε
σώφροσιν, ἐπὶ δὲ τῇ τοῦ θείου Πυθαγόρου δικαίως ἐπωνύμῳ νομιζομένῃ πολὺ δήπου
μᾶλλον ἁρμόττει τοῦτο ποιεῖν.” (Iambl. VP, 1, 1.1-1.3) Tradução própria, baseada na tradução
para o espanhol de Miguel Periago Lorente.
3
Tais referências podem ser encontradas em BURKERT 1972, 120 e em KAHN, 2001, 5.
8
isto, é necessário fazer uma escolha: a do modo a ser utilizado para abordar
estas fontes. Tal modo de validação, e consequentemente de determinação do
que podemos tirar delas, é chamado de “a questão pitagórica”.
4
Por conveniência, utilizo nas citações a tradução de Luís Carlos Borges, mas mantenho a
paginação da edição original de 2001.
5
Em português, Cultura e Ciência no Pitagorismo Antigo. O título citado é o da edição mais
utilizada, que é a tradução para o inglês da obra, que foi revisada pelo próprio autor.
6
BURKERT 1972, 97-109.
9
a Arquitas em sua maior parte dizem respeito à matemática e à
acústica (BURKERT 1972, 220).7
7
A tradução deste trecho é própria, baseada na tradução de 1972 feita por Edwin L. Minar Jr,
revisada pelo autor.
8
Orig.: “A Pythagorean is one who speaks about Number. Here we are faced with an obvious
petitio principii: that which itself is in need of being proved is taken as a starting premise”.
Tradução própria.
9
Em HUFFMAN 2008, 298, o autor aponta para incoerências temporais, como filósofos
anteriores a Pitágoras sendo colocados como pitagóricos, pessoas distantes da área de
influência política dos pitagóricos, e por aí segue.
10
de Aristóteles que lidavam com Pitágoras e o Pitagorismo (...), estes
também foram perdidos. (BURKERT, 1983, p. 12-13)10
10
Orig.: “We are left with literary elaborations mainly by Aristoxenus, who wrote about the time
of Alexander, and by Timaeus about one generation later. Both of them had excellent
information, coming from Magna Graecia themselves; (…)both are lost but for a few quotations
and re-elaborations in the surviving histories of Diodorus and of Pompeius Trogus/Iustinus and
in the biographies of Diogenes Laertius, Porphyry, and Iamblichus. There were also several
books of Aristotle dealing with Pythagoras and Pythagoreans, (…) they too are lost.” A tradução
é própria.
11
Original: “καί ποτέ μιν στυφελιζομένου σκύλακος παριόντα φασὶν ἐποικτῖραι καὶ τόδε
φάσθαι ἔπος· ’παῦσαι μηδὲ ῤάπιζ', ἐπεὶ ἦ φίλου ἀνέρος ἐστίν ψυχή, τὴν ἔγνων
φθεγξαμένης ἀίων”. XENÓFANES, DK 21 B 7, retirada de D. L., Vidas, VIII, 36. A tradução
em todas as citações de Vidas é de Mário da Gama Kury, Editora UnB, 2008.
12
Original: “Πυθαγόρης Μνησάρχου ἱστορίην ἤσκησεν ἀνθρώπων μάλιστα πάντων καὶ
ἐκλεξάμενος ταύτας τὰς συγγραφὰς ἐποιήσατο ἑαυτοῦ σοφίην, πολυμαθίην, κακοτεχνίην”.
HERÀCLITO, DK 22 B 129, retirada da mesma fonte acima citada, mas em VIII, 6, com
alterações na tradução.
11
O primeiro fragmento é tomado como a mais antiga referência da
doutrina da metempsýchosis, talvez uma das idéias mais associadas ao
pitagorismo desde seu começo.13
13
Este tema encontra outra referência em Porf. VP, 19. A aceitação da doutrina da
metempsýchosis pode ser encontrada em KAHN 2001, 12 e em BURKERT 1972, 120.
14
Novamente, trata-se de uma tradução própria baseada na tradução de 1972.
15
KINGSLEY 1994, 1.
12
em seus dois artigos 16 , conciliar os aspectos teórico-científicos com a
religiosidade órfico-pitagórica, mostrando que não devem haver incongruências
entre elas. Cito:
Ver o que há por trás das distorções das fontes do período helenístico envolve
o uso da lente historiográfica para conseguir, talvez, enxergar além das nuvens
de lendas e das distorções que cercam Pitágoras.
16
CORNFORD 1922 e CORNFORD 1923. Os dois artigos formam, em verdade, um único,
dividido em duas partes.
17
Orig.: “This philosophy seeks the satisfaction of faith and hope in the pursuit of
knowledge itself, in the 'love of wisdom.' To suppose that the firstfruits of this pursuit
will be a system of Nature flatly contradicting the religious premisses is to suppose an
absurdity. The earliest form of Pythagoreanism must have been a construction of the
'seen order' capable of providing for the needs of the unseen”. A tradução é própria.
18
Uma prova da efervescência destas discussões é a resenha de Huffman à obra de Riedweg,
encontrada em HUFFMAN 20081.
13
1.2. Platonismo e Pitagorismo
Com uma carta salvou Platão, que estava na iminência de ser morto
por Dioniso. (...) Platão escreveu-lhe duas cartas, porém Arquitas já
lhe havia dirigido antes uma carta (...) (D. L., Vidas, VIII, 79).19
19
Orig.: “οὗτός ἐστιν ὁ Πλάτωνα ῥυσάμενος δι' ἐπιστολῆς παρὰ Διονυσίου μέλλοντ'
ἀναιρεῖσθαι. (...) πρὸςτοῦτον καὶ Πλάτων γέγραφεν ἐπιστολὰς δύο, ἐπειδήπερ αὐτ
πρότερος ἐγεγράφει” D.L. Vidas, VIII, 79 = DK 47 A 1.
20
KAHN 2001, 39.
21
Orig.: “Κινδυνεύει, ἔφην, ὡς πρὸς ἀστρονομίαν ὄμματα πέπηγεν, ὣς πρὸς ἐναρμόνιον
φορὰν ὦτα παγῆναι, καὶ αὗται ἀλλήλων ἀδελφαί τινες αἱ ἐπιστῆμαι εἶναι, ὡς οἵ τε
Πυθαγόρειοί φασι καὶ ἡμεῖς, ὦ Γλαύκων, συγχωροῦμεν. ἢ πῶς ποιοῦμεν;”. PLATÃO, Resp.,
530d.
14
A outra relação direta que temos é a da compra de Platão dos livros de
Filolau, que também se encontra em Diógenes Laércio, nesta passagem:
“Filolau, pitagórico, nasceu em Cróton. Platão escreveu a Díon pedindo-lhe
para comprar seus livros pitagóricos” (D. L., Vidas, VIII, 84)22.
15
além das quatro escritas na Física. Portanto, mesmo que o termo se refira aos
pitagóricos, no sentido de que Aristóteles apresenta a história de forma linear,
sendo Platão a seqüência desta história, precedida pelos pitagóricos, ainda
pode-se considerar a afirmação de Aristóteles válida.
16
criador de mitos – provavelmente siciliano ou itálico”25. Ainda nesta passagem,
Platão diz que a alma de um não-iniciado26, na parte tocante às paixões, é
como um tonel furado, que nada consegue conter. Depois, em uma nova
comparação, retomadas da mesma escola, compara este não-iniciado como
alguém que tem um vaso cheio de líquidos preciosos, mas que sempre os
perde, pois o vaso está furado, portanto não pode parar de enchê-lo.
1.3. Conclusão
25
Orig.: “τις μυθολογῶν κομψὸς ἀνήρ, ἴσως Σικελός τις ἢ Ἰταλικός”. PLATÃO, Górgias, 493a.
Tradução de Carlos Alberto Nunes.
26
No original, ἀμυήτους.
27
O texto, originalmente em espanhol, está citado com tradução própria.
17
não são definitivos e certos, ainda assim constituem uma boa fonte para a
pesquisa, se os curarmos da “forma certa”. E, talvez, só se possa falar de uma
forma certa de lidar com os textos através das pesquisas contemporâneas, que
nos dão os pesos e as medidas para a leitura.
Por outro lado, também se pode concluir que a tarefa que realizamos
está fadada ao fracasso: não se conseguirá uma imagem nítida do pitagorismo.
Mas podemos conseguir alguma imagem, que mesmo sem foco, seja possível
se compreender, e nitidamente melhor que os fragmentos soltos que temos.
Também já fica neste trecho o alerta de que teremos que lidar com a
religiosidade como mais uma das lentes de nossa observação. Talvez essa
seja a mais problemática das partes, e será deixada para um momento mais
adiante, depois de lidarmos com o que as fontes nos dizem sobre o modo de
vida pitagórico.
28
Conforme BURKERT 1986, 13.
18
Sobre os trechos que se referem ao modo de vida pitagórico, estes se
encontram em três formas: a primeira delas são as referências diretas ao
cotidiano comum aos pitagóricos; a segunda, uma série de máximas, e a
terceira, uma série de sýmbola. Veremos por partes.
29
Antonio Diógenes, para evitar confusões, que viveu por volta de 100 a.e.c., conforme a nota
19 da edição de Vida de Pitágoras de Porfírio constante nas referências.
30
Encontra-se em BURKERT 1982, 16, um resumo do cotidiano apresentado em Jâmblico.
19
Alguns pontos são muito semelhantes ao cotidiano de Pitágoras
apresentado. Temos aqui também uma recomendação de poucas pessoas, e
passeios pelos mesmos tipos de lugares – em Porfírio, VP. 32 temos “Não fazia
seus passeios acompanhados de muitas pessoas (...) por santuários ou
bosques sagrados, escolhendo os lugares mais tranqüilos e belos”.32 Apesar
das semelhanças, não se trata de uma cópia ou mera alteração de textos, ou
ao menos não na íntegra. A semelhança dos trechos está apenas nos
“templos” – iera e ieroís, respectivamente – e “bosques” – alse e alsesin. Mas
tal semelhança é não só possível como esperada, pois o modo de vida dos
discípulos de Pitágoras seria baseado na vida do mesmo.
31
Orig.: “αὐτοῦ ὧδε ἔπρασσον οἱ ὑπ' αὐτοῦ ὁδηγούμενοι. τοὺς μὲν ἑωθινοὺς περιπάτους
ἐποιοῦντο οἱ ἄνδρες οὗτοι κατὰ μόνας τε καὶ εἰς τοιούτους τόπους, ἐν οἷς συνέβαινεν
ἠρεμίαν τε καὶ ἡσυχίαν εἶναι σύμμετρον, ὅπου τε ἱερὰ καὶ ἄλση καὶ ἄλλη τις θυμηδία.”
32
Orig.: “τοὺς δὲ περιπάτους οὐδ' αὐτὸς (...) ἐν ἱεροῖς ἢ ἄλσεσιν, ἐπιλεγόμενος τῶν χωρίων
τὰ ἡσυχαίτατα καὶ περικαλλέστατα.”
33
Orig.: “μετὰ δὲ τὸν ἑωθινὸν περίπατον τότε πρὸς ἀλλήλους ἐνετύγχανον, μάλιστα μὲν ἐν
ἱεροῖς, εἰ δὲ μή γε, ἐν ὁμοίοις τόποις. ἐχρῶντο δὲ τ καιρ τούτῳ πρός τε διδασκαλίας καὶ
μαθήσεις καὶ πρὸς τὴν τῶν ἠθῶν ἐπανόρθωσιν.”
34
Orig.: “καὶ ὀρχήσεις δέ τινας ὑπωρχεῖτο ὁπόσας εὐκινησίαν καὶ ὑγείαν τ σώματι
παρασκευάζειν ᾤετο.”
20
Mesmo com diferenças em pontos específicos, podemos ver as mesmas linhas
gerais.
Não danificar ou destruir uma planta que dê frutos, nem animais que
não causem dano à raça humana. E ter pensamentos benignos e
piedosos para com os deuses, os demônios e os heróis, para os pais
e os benfeitores, vir em socorro da lei e combater a ilegalidade.
(Iambl. VP, 99-100)35
35
Orig.: “ἥμερον φυτὸν καὶ ἔγκαρπον μήτε βλάπτειν μήτε φθείρειν, ὡσαύτως δὲ καὶ ζον, ὃ
μὴ πέφυκε βλαβερὸν τ ἀνθρωπίνῳ γένει, μήτε βλάπτειν μήτε φθείρειν. ἔτι πρὸς τούτοις
περί τε τοῦ θείου καὶ περὶ τοῦ δαιμονίου καὶ περὶ τοῦ ἡρωικοῦ γένους εὔφημόν τε καὶ
ἀγαθὴν ἔχειν διάνοιαν, ὡσαύτως δὲ καὶ περὶ γονέων τε καὶ εὐεργετῶν διανοεῖσθαι, νόμῳ
τε βοηθεῖν καὶ ἀνομίᾳ πολεμεῖν.”
36
Orig.: “τὰ μὲν οὖν ἐφ' ἡμέρᾳ ἑκάστῃ τ πλήθει τῶν ἀνδρῶν παραδιδόμενα εἴς τε τροφὴν
καὶ τὴν τοῦ βίου ἀναγωγὴν τοιαῦτα ἦν.”
21
– e isto deve pertecer às linhas gerais de Aristoxenus – estes
pitagóricos não são realmente „coenobites‟, eles têm suas próprias
casas e afazeres, se reúnem e separam; formam uma espécie de
clube ou academia, e isto pode bem ter sido o ideal de Aristoxenus.
(BURKERT 1982, 16)37
2.1.1. Dietética
37
Orig.: “The elements of this picture comes demonstrably from Aristoxenus. The similarity to a
monastic rule is nevertheless overwhelming; „reading‟ after dinner sounds especially strange
even for the time of Plato and Aristotle. Iamblichus must have retouched the picture heavily. Still
at closer inspection – and this must belong to the Aristoxenean outlines – these Pythagoreans
are not really „coenobites‟, they have their own houses and affairs to care for, they meet and
dissolve; they form a kind of club or rather academy, and this may well have been the ideal of
Aristoxenus.”
38
Em Porfírio, VP, 33, há uma passage falando do quanto Pitágoras valorizava a amizade,
colocando até mesmo a preocupação dos amigos em comum.
39
Esta anedota encontra-se em Porph. VP. 59-61.
40
Conforme BURKERT 1982, 17. Segundo ele, mesmo se tal anedota não passar de uma
invenção ainda nos dá uma melhor visão do Pitagorismo no século 4 a.e.c.
41
Orig.: “Παντὸς δὲ μᾶλλον ἀπηγόρευε μήτ' ἐρυθῖνον ἐσθίειν μήτε μελάνουρον, καρδίας τ'
ἀπέχεσθαι καὶ κυάμων· Ἀριστοτέλης δέ φησι καὶ μήτρας καὶ τρίγλης ἐνίοτε. αὐτὸν
22
Em Porfírio:
E, no texto de Jâmblico:
Uma das explicações que temos para a restrição de favas – uma das
mais famosas destas, citada até como piada pelo comediógrafo Luciano em
seu Diálogo dos Mortos - é que estas trariam flatulências e é melhor para o
estômago se não as comemos, conforme Diógenes Laércio, Vidas¸ VIII, 24.
Outros motivos, que teriam base em Aristóteles, trazem como explicação a
semelhança desta com órgãos genitais, ou com as portas de Hades, ou ainda
por “terem conexão com a aristocracia, pois são usadas para eleição mediante
sorteio” (DL, Vidas, VIII, 34).44 E há também outras explicações – distintas – em
δ'ἀρκεῖσθαι μέλιτι μόνῳ φασί τινες ἢ κηρίῳ ἢ ἄρτῳ, οἴνου δὲ μεθ' ἡμέραν μὴ γεύεσθαι· ὄψῳ
τε τὰ πολλὰ λαχάνοις ἑφθοῖς τε καὶ ὠμοῖς, τοῖς δὲ θαλαττίοις σπανίως.”
42
Orig.: “τῆς δὲ διαίτης τὸ μὲν ἄριστον ἦν κηρίον ἢ μέλι, δεῖπνον δ' ἄρτος ἐκ κέγχρων ἢ
μᾶζα καὶ λάχανα ἑφθὰ καὶ ὠμά, σπανίως δὲ κρέας ἱερείων θυσίμων καὶ τοῦτο οὐδ' ἐκ
παντὸς μέρους.”
43
Orig.: “χρῆσθαι δὲ καὶ οἴνῳ καὶ μάζῃ καὶ ἄρτῳ καὶ ὄψῳ καὶ λαχάνοις ἑφθοῖς τε καὶ ὠμοῖς.
παρατίθεσθαι δὲ κρέα ζῴων θυσίμων [ἱερείων], τῶν δὲ θαλασσίων ὄψων σπανίως
[χρῆσθαι]·”
44
Orig.: “ὅμοιον ἢ ὅτι ὀλιγαρχικόν· κληροῦνται γοῦν αὐτοῖς.”
23
Porfírio e em Jâmblico. Isto mostra que tais explicações, em grande parte, são
meras tentativas de adivinhações dos significados.
45
Orig.: “ἀιιήινηο ζ' ὁκηιεῖλ, ὡο ηνὺο κὲλ θίινπο ἐρζξνὺο κὴ πνηῆζαη, ηνὺο δ' ἐρζξνὺο θίινπο
ἐξγάζαζζαη. ἴδηόλ ηε κεδὲλ ἡγεῖζζαη. (...) αἰδ θαὶ εὐιάβεηαλ εἶλαη κήηε γέισηη θαηέρεζζαη κήηε
ζθπζξσπάδεηλ.”
24
Também não se trata de sýmbola, pois são diretos e carecem de pouca
elaboração para a compreensão de seu significado. Talvez, o que buscamos
como um modo de vida pitagórico esteja melhor representado por estas
máximas que pelas demais narrações.
2.3. Os sýmbola
Seus preceitos eram os seguintes: não atiçar o fogo com uma faca,
não forçar a balança, não sentar sobre a medida de grãos, não comer
o coração, ajudar a depor a carga e não agravá-la, ter sempre as
cobertas enroladas juntas, não pôr a imagem de um deus na placa de
um anel, não deixar a marca da panela nas cinzas, não esfregar um
vaso com uma tocha, não urinar voltado para o sol, não caminhar por
fora da estrada, não apertar mãos com facilidade, não ter andorinhas
sob o próprio teto, não criar animais com os artelhos aduncos, não
urinar nem pisar sobre unhas ou cabelos cortados, afastar de si as
facas afiadas, não voltar atrás na fronteira quando sair da pátria. (DL,
Vidas, VIII, 17)47
46
Além da citação de Diógenes Laércio a seguir, encontram-se os sýmbola em Porph. VP. 42,
e em Iambl. VP. 83, 84, 103, 105 e 227.
47
Orig.: “Ἦν δ' αὐτ τὰ σύμβολα τάδε· πῦρ μαχαίρᾳ μὴ σκαλεύειν, ζυγὸν μὴ ὑπερβαίνειν,
ἐπὶ χοίνικος μὴ καθίζειν, καρδίην μὴ ἐσθίειν, φορτίον συγκαθαιρεῖν καὶ μὴ συνεπιτιθέναι,
τὰ στρώματα ἀεὶ συνδεδεμένα ἔχειν, ἐν δακτυλίῳ εἰκόνα θεοῦ μὴ περιφέρειν, χύτρας ἴχνος
συγχεῖν ἐν τῇ τέφρᾳ, δᾳδίῳ εἰς θᾶκον μὴ ὀμόργνυσθαι, πρὸς ἥλιον τετραμμένον. μὴ
ὀμίχειν, ἐκτὸς λεωφόρου μὴ βαδίζειν, μὴ ῥᾳδίως δεξιὰν ἐμβάλλειν, ὁμωροφίους χελιδόνας
μὴ ἔχειν, γαμψώνυχα μὴ τρέφειν, ἀπονυχίσμασι καὶ κουραῖς μὴ ἐπουρεῖν μηδὲ ἐφίστασθαι,
ὀξεῖαν μάχαιραν ἀποστρέφειν, ἀποδημοῦντα ἐπὶ τοῖς ὅροις ἀνεπιστρεπτεῖν.”
25
Há, em Jâmblico, dois conselhos a respeito do que venham a ser os
sýmbola, e vale mais falar sobre estes do que delongar sobre a veracidade das
interpretações. São:
Com efeito, os que saíram desta escola (...) tanto em seus discursos,
conversas, recomendações, advertências, como em seus próprios
escritos e todos os legados, cuja maior parte se conservou até
nossos dias, não os fizeram compreensíveis aos seus ouvintes em
uma linguagem comum (...), porém, de acordo com a prescrição que
Pitágoras lhes impôs sobre o silêncio dos mistérios divinos,
empregaram modos secretos para os não-iniciados e encobriram com
símbolos suas conversas e escritos. (Iambl. VP. 104)48
2.4. Conclusão
48
Orig.: “θαὶ γὰξ νἱ ἐθ ηνῦ δηδαζθαιείνπ ηνύηνπ (...) ηάο ηε δηαιέμεηο θαὶ ηὰο πξὸο ἀιιήινπο
ὁκηιίαο θαὶ ηνὺο ὑπνκλεκαηηζκνύο ηε θαὶ ὑπνζεκεηώζεηο θαὶ αὐηὰ ἤδε ηὰ ζπγγξάκκαηα θαὶ
ἐθδόζεηο πάζαο, ὧλ ηὰ πιείνλα κέρξη θαὶ ηλ ἡκεηέξσλ ρξόλσλ δηαζῴδεηαη, νὐ ηῇ θνηλῇ θαὶ
δεκώδεη θαὶ δὴ θαὶ ηνῖο ἄιινηο ἅπαζηλ εἰσζπίᾳ ιέμεη ζπλεηὰ ἐπνηνῦλην ἐμ ἐπηδξνκῆο ηνῖο
ἀθνύνπζη (...) ἀιιὰ θαηὰ ηὴλ λελνκνζεηεκέλελ αὐηνῖο ὑπὸ Ππζαγόξνπ ἐρεκπζίαλ ζείσλ
κπζηεξίσλ θαὶ πξὸο ηνὺο ἀηειέζηνπο ἀπνξξήησλ ηξόπσλ ἥπηνλην θαὶ δηὰ ζπκβόισλ
ἐπέζθεπνλ ηὰο πξὸο ἀιιήινπο δηαιέμεηο ἢ ζπγγξαθάο.”
49
Orig.: “ἅπεξ ςηιῇ κὲλ ηῇ θξάζεη γξαώδεζηλ ὑπνζήθαηο ἔνηθε, δηαπηπζζόκελα δὲ ζαπκαζηήλ
ηηλα θαὶ ζεκλὴλ ὠθέιεηαλ παξέρεηαη ηνῖο κεηαιαβνῦζη.”
26
Tal preocupação ética se explica na conclusão de Jâmblico sobre o dia-
a-dia que este apresenta. Por mais que a exposição esteja problemática, é
compreensível que o objetivo de todas as sortes de máximas e sýmbola
apresentadas, bem como as referências dietéticas presentes, busquem um
meio de elevação de suas vidas.
Mas ainda falta para nós uma real motivação que torne todo o incômodo
de seguir um estilo de vida regrado e diferente dos demais algo útil, se não
necessária. Tal explicação, talvez, só se possa obter com o estudo do
Pitagorismo não apenas como doutrina, mas também como religião.
3. Pitagorismo e religiosidade
27
O principal motivo de tal problema é que temos neste grupo três religiões,
todas distintas da religião comum grega. Burkert diferencia as religiões,
inicialmente, pelas figuras que lhes dão os nomes:
3.2. Orfismo
50
Orig.: “The fact that Dionysus is a god, Orpheus a mythical singer and Pythagoras a historical
personality suggests that we are dealing with different dimensions that cannot be divided as
„ways of deviance‟ on a single plane”.
51
Orig.: “Orphic and Bacchic coincide in their concern for burial and the afterlife and probably
also in the special myth of Dionysos Zagreus, while Orphic and Pythagorean coincide in the
doctrine of metempsychosis and ascetism.”
52
Conforme BURKERT 1985, 296.
28
eles realizam seus sacrifícios; eles persuadem não apenas indivíduos
mas cidades inteiras (...) (PLATÃO Resp. 364b-365a)53
53
Não cito o original aqui por tratar-se, no caso, de citação de citação, com tradução baseada
em BURKERT 1985, 297.
54
Conforme BURKERT 1985, 297.
55
Orig.: “Zeus raped his mother Rhea-Demeter and sired Persephone; he raped Persephone in
the form of a snake and sired Dionysos. To the child Dionysos he hands over the rule of the
world, places him on a throne, and has him guarded by Korybantes. But Hera sends the Titans
who distract the child with toys, and while the child is looking into a mirror he is dragged from
the throne, killed, and torn to pieces, then boiled, roasted, and eaten. Zeus thereupon hurls his
thunderbold to burn the Titans, and from the rising soot there spring men, rebels against the
gods who nevertheless participate in the divine. From the remains that were rescued and
collected, Dionysos rises again.”
29
que nos serve de melhor evidência, por retornar o mito ao menos até o quinto
século a.e.c.56
Além de podermos inferir que Platão pode ter tido acesso a este
conhecimento através dos pitagóricos, este trecho ilustra bem algo que pode se
inferir do mito órfico: a origem do nosso corpo faz dele um cárcere da alma - e
mostra a importância que o Orfismo teria para a visão de alma de Platão.
56
Burkert lista o papiro de Derveni como uma evidência fundamental desde o início do capítulo
denominado “Orpheus and Pythagoras”, do livro “Greek Religions”. A referência é BURKERT
1985, 295.
57
Orig.: “θαὶ γὰξ <ζῆκά> ηηλέο θαζηλ αὐηὸ εἶλαη ηῆο ςπρῆο, ὡο ηεζακκέλεο ἐλ ηῶ λῦλ παξόληη·
θαὶ δηόηη αὖ ηνύηῳ <ζεκαίλεη> ἃ ἂλ ζεκαίλῃ ἡ ςπρή, θαὶ ηαύηῃ “ζῆκα” ὀξζο θαιεῖζζαη. δνθνῦζη
κέληνη κνη κάιηζηα ζέζζαη νἱ ἀκθὶ Ὀξθέα ηνῦην ηὸ ὄλνκα, ὡο δίθελ δηδνύζεο ηῆο ςπρῆο ὧλ δὴ
ἕλεθα δίδσζηλ, ηνῦηνλ δὲ πεξίβνινλ ἔρεηλ, ἵλα <ζῴδεηαη>, δεζκσηεξίνπ εἰθόλα· εἶλαη νὖλ ηῆο
ςπρῆο ηνῦην, ὥζπεξ αὐηὸ ὀλνκάδεηαη, ἕσο ἂλ ἐθηείζῃ ηὰ ὀθεηιόκελα, [ηὸ] “ζκα,” θαὶ νὐδὲλ
δεῖλ παξάγεηλ νὐδ' ἓλ γξάκκα.” Citado aqui na tradução de Carlos Alberto Nunes, com
alterações e ênfases.
30
3.3. Pitagorismo
58
Conforme HUFFMAN 2010; DL. Vidas VIII 42; BURKERT 1972, 114.
59
The mere idea of reincarnation was no novelty. What is new in transmigration is the moral
view that reincarnation expiates some original sin and that the individual soul persists, bearing
its load of inalienable responsibility, through a round of lives, till, purified by suffering, it escapes
for ever.
31
este seria um dos casos onde Pitágoras toma de empréstimo uma doutrina
órfica.
3.4. Conclusão
Parece óbvio alcançar este resultado após seguir Burkert, mas não é tão
simples: enquanto Burkert busca as bases sociológicas do conceito de seita, o
que fizemos neste trabalho é algo mais simples: relacionamos os principais
aspectos do Pitagorismo que podemos traçar a um modo de vida, e
relacionamos este e a doutrina da alma a uma religião, o que justifica o modo
de vida ascético apresentado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
a) Fontes primárias
32
Diógenes Laércio. Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres. Trad. Mário da
Gama Kury. Brasília, Editora UnB, 2008.
b) Fontes secundárias
33
Cornford, F M (1922). „Mysticism and Science in the Pythagorean Tradition‟.
The Classical Quarterly, vol. 16, n. 3/4, pp. 137-150.
34