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Medicina

Perioperatória
Editor - Autor
Ismar Lima Cavalcanti

Medicina
Perioperatória

SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia

Rio de Janeiro
2005
Copyright © 2005 by Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Todos os direitos reservados à SBA
Responsável
Roberto Bastos da Serra Freire
Editor - Autor
Ismar Lima Cavalcanti
Editoração Eletrônica
Ito Oliveira Lopes
Wellington Luís Rocha Lopes
Capa
Marcelo Marinho
Rodrigo Matos
Mercedes Azevedo
José Bredariol Jr
Revisão
Gleris Suhett Fontella

Ficha catalográfica

M489 Medicina Perioperatória


Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA,
2005.
344 p. ; 21cm. ; ilust.

ISBN 85-98632-02-3
Vários colaboradores.

1. Medicina Perioperatória. 2. Anestesia. I. Sociedade Brasileira


de Anestesiologia. II. Cavalcanti, Ismar Lima.
CDD - 617-96

Sociedade Brasileira de Anestesiologia


Rua Professor Alfredo Gomes, 36 - Botafogo - Rio de Janeiro - RJ
CEP 22251-080
Tel. (21) 2537-8100 – www.sba.com.br – e-mail: sba2000@openlink.com.br
Sociedade Brasileira
de Anestesiologia

DIRETORIA

Presidente
Dr. Roberto Bastos da Serra Freire

Vice-Presidente
Dr. João Aurílio Rodrigues Estrela

Secretária Geral
Dr. Luiz Bomfim Pereira da Cunha

Tesoureiro
Dr. Sérgio Luiz do Logar Mattos

Diretor do Depto Científico


Dr. Ismar Lima Cavalvanti

Diretor do Depto Administrativo


Dr. Luiz Antônio Vane

Diretor do Depto Defesa Profissional


Dr. Jurandir Coan Turazzi
EDITOR
ISMAR LIMA CAVALCANTI, TSA/SBA

Doutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP


Responsável pelo CET-SBA do Hospital Geral de Nova Iguaçu
Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia - SBA
Certificado de Área de Atuação em Dor pela SBA/AMB
COLABORADORES
Álvaro Antônio Guaratini, TSA/SBA Fernando de Assumpção Fernandes
Doutor em Medicina pela FMUSP Cirurgião Geral da Secretaria Estadual de Saúde do
Co-responsável do CET da Santa Casa de São Paulo Estado do Rio de Janeiro. Especialista em Cirurgia
Geral pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Membro
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira, TSA/SBA Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica.
Anestesiologista do HC-1 / INCa e H. M. Miguel Ex-Chefe do Centro de Tratamento de Queimados do
Couto Responsável pelo Laboratório de Medicina Hospital Central do Corpo de Bombeiros (CBMERJ)
Perioperatória do HC-1 / INCa
Franklin Sarmento da Silva Braga
Ana Maria Menezes Caetano, TSA/SBA Professor Doutor do Departamento de
Responsável pelo CET/SBA do Instituto Materno Anestesiologia da FCM - UNICAMP.
Infantil de Pernambuco (IMIP). Mestre em Saúde
Materna Infantil Geraldo Augusto de Mello Silva, TSA/SBA
Prof. Adjunto de Anestesiologia do Depto de
Angélica de Assunção Braga, TSA/SBA Cirurgia Geral da FCM – UERJ. Co-Responsável
Professora Associada do Departamento de pelo CET do Hospital Universitário Pedro Ernesto.
Anestesiologia da FCM - UNICAMP. Mestre em Farmacologia Básica e Clínica pela UFRJ.
Doutor em Ciências pela UERJ
Antônio Bedin, TSA
Instrutor Co-Responsável no CET do Serviço de Glória Maria Braga Potério, TSA/SBA
Anestesiologia de Joinville Professora Associada do Departamento de
Anestesiologia FCM - UNICAMP.
Carlos Eduardo Claro dos Santos, TSA/SBA
Anestesiologista Assistente do Serviço de Ismar Lima Cavalcanti, TSA/SBA
Anestesiologia Clínica do Maranhão. Doutor em Anestesiologia pela Escola Paulista de
Medicina – UNIFESP. Diretor do Departamento
Cláudia Regina Fernandes, TSA/SBA Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia.
Responsável pela Residência do Hospital das Coordenador de Pesquisa em Anestesia e Dor do
Clínicas Walter Cantidio – UFCE Instituto Nacional de Câncer -HC1

Clóvis Marcelo Corso João Batista Santos Garcia, TSA/SBA


Anestesiologista Hospital Vita; Membro diretoria Prof. Adjunto Doutor da Disciplina de
SPA Anestesiologia da UFMA. Responsável pelo
Ambulatório de Dor do Hospital Universitário –
Cremilda Pinheiro Dias, TSA/SBA UFMA e pelo Serviço de Terapia Anti-álgica do
Membro da Academia Amazonense de Medicina. Instituto Maranhense de Oncologia.
Professora da UFAM. Coordenadora do CET Hospital
Universitário Josenília Maria Alves Gomes, TSA/SBA
Getúlio Vargas-Manaus-AM. Doutorado em Dor. Anestesiologista do Hospital
das Clínicas Walter Cantidio – UFCE
Cristina Barreto Campello Roichman
Professora Assistente do Departamento de Cirurgia Jurandi Coan Turazzi, TSA/SBA
da UFPE. Presidente da SAEPE Membro da Coordenador do Serviço de nestesiologia de
Comissão de Saúde Ocupacional da SBA Joinville. Instrutor Co-Responsável no CET do
Serviço de Anestesiologia de Joinville Diretor do
Danielle Maria H. Dumaresq, TSA/SBA Departamento de Defesa Profissional da SBA
Responsável pela Residência do CET do Instituto
Dr. José Frota. Chefe do Serviço de Anestesia do Ligia Andrade da Silva Telles Mathias, TSA/SBA
Instituto Dr. José Frota Anestesiologista do Responsável pelo CET da Santa Casa de Misericórdia
Hospital das Clínicas Walter Cantidio – UFCE de São Paulo. Chefe do Serviço e da Disciplina de
Anestesiologia da Santa Casa de Misericórdia de São
Fábio Maurício Topolski, TSA/SBA Paulo. Professora Adjunta da Disciplina de
Anestesiologista Hospital Vita; Membro diretoria Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas da
SPA Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Secretária
da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
Luciana Cavalcanti Lima Pedro Thadeu Galvão Vianna, TSA/SBA
Mestra em Saúde Materno Infantil pelo Instituto Professor Titular do Departamento de
Materno Infantil de Pernambuco (IMIP). Anestesiologia da Faculdade de Medicina da UNESP,
Anestesiologista do Instituto Materno Infantil de campus de Botucatu. Responsável pelo CET/SBA do
Pernambuco (IMIP). Tesoureira da SAEPE Departamento de Anestesiologia da Faculdade de
Medicina da UNESP, campus e Botucatu.
Luciana Moraes dos Santos, TSA/SBA
Pós-graduanda, nível doutorado, do Programa de Renato Almeida Couto de Castro, TSA/SBA
Programa de Pós-graduação em Anestesiologia da Responsável pelo CET do Serviço de
Faculdade de Medicina da USP. Médica Assistente Anestesiologia de Joinville
do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva
Cirúrgica do Instituto do Coração do Hospital das Rildo Guilherme de Oliveira Gomes
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Presidente da SAEAM-2004/2006.
. Professor da disciplina Anestesiologia da Uni
Marcelo Lacava Pagnocca, TSA/SBA Nilton Lins-Manaus-AM.
Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo Co-responsável Roberto Bastos da Serra Freire, TSA/SBA
do CET da Santa Casa de São Paulo Presidente da SBA/2005
Conselheiro do CRM/PR
Marcelo Neves Silva, TSA/SBA
Anestesiologista do Instituto Materno Infantil de Rosa Inêz Costa Pereira, TSA/SBA
Pernambuco (IMIP) Professora Doutora do Departamento de
Anestesiologia da FCM - UNICAMP.
Marcelo Vechi Macuco, TSA/SBA
Instrutor Co-Responsável no CET do Serviço de Rossana Sant’Anna de Melo Lins, TSA/SBA
Anestesiologia de Joinville Co-responsável pelo CET do HC-UFPE
Anestesiologista do HC-UFPE
Maria Aparecida de Almeida Tanaka Secretária da SAEPE
Anestesiologista Hospital de Clínicas da UFPR
Ruy Correa Vieira
Maria José Carvalho Carmona, TSA/SBA Membro correspondente da ASPRS (American
Professora Associada da Faculdade de Medicina da Society of Plastic and Reconstructive Surgery)
USP. Diretora da Divisão de Membro do ISAPS (International Society of
Anestesia do Instituto Central do Hospital das Aesthetic Plastic Surgery) Membro Titular da
Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Vice- Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Membro
Coordenadora do Programa de Associado do Colégio Brasileiro de Cirur-giões Ex-
Pós-Graduação em Anestesiologia da Faculdade de Chefe da Seção de Cirurgia Plástica do INCa
Medicina da USP.
Ruy Leite de Melo Lins Filho, TSA/SBA
Marilde Albuquerque Piccioni, TSA/SBA Mestre em Fisiologia pela UFPE
Mestre e Doutora em Ciências pela Faculdade de Co-responsável pelo CET do HC-UFPE
Medicina da USP. Médica Vice-presidente da SAEPE
Assistente do Serviço de Anestesiologia e Terapia
Intensiva Cirúrgica do Instituto do Coração do Sérgio Luiz do Logar Mattos, TSA/SBA
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Co-Responsável pelo CET do Hospital Universitário
USP. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Pedro Ernesto – UERJ
Anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP. Médico Anestesiologista do Hospital Universitário
Pedro Ernesto – UERJ
Nádia Maria C. Duarte, TSA/SBA Médico Anestesiologista do Hospital do Andaraí –
Co-responsável pelo CET/SBA do Instituto Materno MS – RJ
Infantil de Pernambuco (IMIP) Presidente da
Comissão de Educação Continuada da SBA Sílvia Helena Baima Alvares
Presidente do Comitê de Reanimação e Atendimento Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia
ao Politraumatizado da SBA Plástica Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do
Hosptial Mário Kroeff
Pedro Paulo Tanaka, TSA/SBA
Professor Adjunto da Disciplina de Anestesiologia Túlio César A. Alves, TSA/SBA
da UFPR; Anestesiologista Hospital Vita Professor titular da disciplina de farmacologia da
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública
Responsável pelo CET da Associação Obras Sociais
Irmã Dulce
PREFÁCIO
Desde a mais remota antigüidade, a dor, sabemos, acompanha-nos
do nascimento à morte. Não obstante ser considerada inerente à natureza
humana, jamais nos conformamos com esta mais que incômoda convivência.
Na história do Homem encontrar-se-á constante referência a tentativas
obstinadas de controlar a dor. Tendo-o logrado, não haverá, portanto, quem
possa questionar incluir a Anestesia entre as nossas maiores conquistas.
É certo também que, antes do diagnóstico e da cura, procuram-nos
os pacientes para lhes aliviarmos o sofrimento. Atingir destarte este
desiderato satisfaz-nos a vocação do médico e completa-nos como homens.
Mas um obstáculo, uma vez ultrapassado, dá lugar a outros não menos
formidáveis. A conquista das grandes montanhas só enseja descortinar novos
e mais amplos horizontes e estimula enfrentar novos desafios.
Pois é este o momento que vivemos em nossa Especialidade.
Considerado, no passado, técnico do dormir e do despertar, hoje o
Anestesiologista, é o Médico do “perioperatório”. Ele, abraça a Medicina em
sua plenitude, ocupando-se, além do divino mister da supressão da dor, em
zelar pelo restabelecimento da homeostasia do paciente cirúrgico. Agredido
pela doença cirúrgica ou afecções médicas associadas, o doente se apresenta
aos nossos cuidados desde a avaliação e preparo pré-operatório, aos cuidados
pós-anestésicos, encerrados apenas, quando ele volta recuperado às suas
atividades habituais. Transferimos com êxito a vasta e sólida experiência
acumulada nas salas de operação para o atendimento pré-hospitalar, e para a
otimização das funções orgânicas, garantindo proteção à agressão e melhor
prognóstico. Transferimos ainda o conhecimento e as habilidades técnicas no
controle da dor para o alívio dos que padecem de síndromes álgicas, dedicando-
nos a eles nas clínicas de dor ou de cuidados paliativos.
Assim, seja na assistência médica direta, como consultores, apoiando
outros especialistas, voltam os anestesiologistas à cena, desta feita como
médicos do perioperatório. Vêm ocupar vasto campo de conhecimento e
atividade clínica, cuja ilimitada potencialidade se apresenta em nossas mãos,
à disposição da humanidade.
São estes os novos tempos que temos o privilégio de viver.

Dr. José Luiz Gomes do Amaral


Presidente da Associação Médica Brasileira, 2005/2008
ÍNDICE
Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia ........................... 13
Ética em Medicina Perioperatória .......................................................... 25

Medicina Perioperatória - A Visão do Cirurgião ..................................... 29


Variáveis Prognósticas Relacionadas à Anestesia e aos Cuidados
Perioperatórios ................................................................................... 39
Clínica de Avaliação Pré-Operatória ...................................................... 49
Visita e Medicação Pré-Anestésica ....................................................... 71
Exames Complementares Pré-Operatórios ...........................................113

Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral ........................................ 133


Avaliação da Função e Proteção Renal ................................................ 155
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas ..... 175
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata .............................. 193

Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata ............................ 239


Avaliação Pré-Anestésica do Paciente Pediátrico ............................... 259
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico ................................. 269

Transporte de Oxigênio ......................................................................... 287


Recuperação Pós-Anestésica ............................................................... 305
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória .............. 327
Medicina Perioperatória - O Futuro
da Anestesiologia
Ismar Lima Cavalcanti, TSA/SBA*

A Medicina perioperatória é a prática médica relacionada a todos os


cuidados ao paciente, desde o momento da indicação de tratamento cirúrgico
até a alta hospitalar, após a cirurgia.
A proposta da transformação da anestesiologia em medicina
perioperatória se dá porque é nesse novo paradigma que a especialidade
oferece as melhores oportunidades para sobreviver e prosperar.

A Evolução para um Novo Paradigma na Anestesiologia

A anestesiologia tem se expandido para além dos cuidados intra-


operatórios. A participação do anestesiologista nas unidades de tratamento
intensivo é fato histórico. Atualmente, sua atuação em unidades de cuidados
pós-operatórios está em voga. O anestesiologista, por ser um perito em via
aérea, manuseio de ventiladores e monitorização invasiva, está credenciado
para, após treinamento específico, atuar como responsável por essas unidades.

* Doutor em Anestesiologia pela Escola Paulista de Medicina – UNIFESP


Diretor do Departamento Científico da Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Coordenador de Pesquisa em Anestesia e Dor do Instituto Nacional de Câncer -HC1
Medicina Perioperatória

A dor aguda e crônica tornou-se uma parte integral da


especialidade. Já faz parte do programa de ensino da especialidade os
aspectos teóricos da dor ,assim como o treinamento nas técnicas de
diagnóstico e terapêutica.
A expansão das ciências básicas resultou em ampliação dos
fundamentos científicos da anestesia e isso tem atraído novos médicos para
o exercício da anestesiologia. Esses novos conhecimentos e a nova geração
de anestesiologistas têm promovido um rearranjo da especialidade,
sinalizando a importância da ampliação do campo de atuação do
anestesiologista.
O que antes se considerava uma anestesia segura se restringia ao
manuseio eficiente da via aérea, ao êxito da intubação traqueal, a uma
manutenção de anestesia estável e a uma recuperação pós anestésica
adequada. Entretanto, com a evolução dos fármacos anestésicos e dos
monitores e do conhecimento científico acerca da anestesia, há uma
ampliação nesse conceito, incluindo fatores que interferem no risco
perioperatório, desde o preparo pré-operatório e avaliação das condições
clínicas até o efeito das técnicas anestésicas sobre a morbi-mortalidade.
Há indícios de que os cuidados contínuos realizados por uma mesma equipe
integrada, durante todo o período perioperatório, podem minimizar esses
riscos. O anestesiologista é um dos principais candidatos a exercer o papel
de líder desse processo de cuidados aos doentes.
Há, ainda, a possibilidade de o anestesiologista passar a ser um
consultor para doentes, cirurgiões e outros especialistas, nas questões
referentes aos cuidados operatórios, especialmente nas questões dos riscos
e benefícios dos procedimentos médicos propostos. Para se habilitar a essa
função, é necessário ter conhecimentos concernentes ao estado clínico e
cirúrgico dos doentes, assim como das condições de segurança das técnicas
e procedimentos aplicados nos cuidados críticos pós-operatórios, incluindo
aí procedimentos médicos não cirúrgicos.

O Anestesiologista fora da Sala de Cirurgia

A demanda por procedimentos médicos diagnósticos e terapêuticos


fora do centro cirúrgico tem aumentado consideravelmente, forçando o

14
Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia

anestesiologista a atuar em novos ambientes e a se adaptar a eles, sem


abrir mão da segurança dos pacientes. Não resta dúvida de que é o
anestesiologista o profissional mais capacitado para realizar sedação,
analgesia e manuseio da via aérea, especialmente em ambientes fora do
centro cirúrgico. A freqüência de procedimentos ambulatoriais, em
praticamente todas as especialidades cirúrgicas, tem aumentado em
progressão geométrica e essa demanda precisa ser bem administrada pelos
anestesiologistas.

A Prática Clínica da Medicina Perioperatória

Clinicamente, o que é a medicina perioperatória? É a aplicação das


mais fortes evidências científicas referentes ao desfecho do tratamento
realizado no paciente, relacionadas ao preparo, à conduta e ao subseqüente
resultado dos cuidados, após a administração da anestesia, tratamento
intensivo e manuseio da dor.
O tratamento da dor tem ganhado destaque na maioria dos
departamentos de anestesia. Os anestesiologistas têm implementado o
tratamento da dor aguda e freqüentemente têm assumido a liderança dos
serviços de dor crônica, o que envolve abordagem multidisciplinar por
neurologistas, neurocirurgiões, fisiatras e psiquiatras, dentre outros. Tem
sido comum a presença de anestesiologistas em unidades de tratamento
intensivo pediátrico e adulto.
Nas unidades de avaliação pré-operatória, o anestesiologista tem
assumido papéis antes reservados a outros especialistas. A avaliação do
risco pré-operatório, antes, privilégio dos clínicos e cardiologistas, é agora
aceita como parte da prática anestésica. A ecocardiografia, antes, utilizada
exclusivamente por cardiologistas, é hoje uma modalidade de monitorização
crítica no período operatório. A avaliação da função neuromuscular tem
sido prática da anestesiologia por anos. A monitorização neuroele-
trofisiológica sofisticada, antes, utilizada por apenas neurologistas, é utilizada
como modalidade de monitorização intra-operatória. Os anestesiologistas
são os pioneiros na utilização de monitores hemodinâmicos invasivos e não-
invasivos, tais como, oximetria, capnografia e monitores de pressão arterial
automáticos.

15
Medicina Perioperatória

O futuro da medicina é a medicina perioperatória. Peter Rock afirma


que a anestesiologia é a própria medicina perioperatória. Para alguns
anestesiologistas, essa afirmação nada mais é do que o retrato da prática
diária da especialidade. No entanto, para outros, esse conceito não é real e
essa visão é uma extensão desnecessária da especialidade, que deve
permanecer confinada aos cuidados intra-operatórios.
A extensão da anestesiologia para a medicina perioperatória traria
consigo algumas conseqüências imediatas, tais como, um maior
conhecimento por parte do público a respeito dos serviços prestados pelo
anestesiologista e uma re-engenharia nos cuidados em saúde, incluindo
aspectos de financiamento do sistema, mudanças no perfil dos médicos
anestesiologistas e nas rotinas de trabalho.
O desconhecimento geral acerca dos serviços de anestesiologia é
grande. Pelas características das condições de trabalho, até hoje, os
anestesiologistas não puderam ser vigorosos e pró-ativos em tornar pública a
sua contribuição nos cuidados aos pacientes. A prática da anestesiologia, sob
a ótica da medicina perioperatória, colocaria o médico, seu paciente e familiares
em maior contato e por mais tempo. No escopo de trabalho da medicina
perioperatória, estaria a prática clínica e o esclarecimento ao público a respeito
das contribuições da anestesiologia para a segurança da cirurgia, cuidados
intensivos, tratamento de diversas síndromes dolorosas agudas e crônicas e
cuidados de saúde em geral, tais como reanimação e primeiros socorros.
Outra razão para o surgimento da medicina perioperatória é uma
pressão de toda a sociedade para que se garanta um bom resultado da
cirurgia com redução de custos no atendimento. O anestesiologista, por
estar familiarizado com o processo cirúrgico, em todos os seus momentos,
estaria naturalmente preparado para liderar a implantação desse processo.
Um primeiro passo seria a instituição de programas de ensino, para
capacitar plenamente os profissionais para a atuação nos diversos postos
abertos pela medicina perioperatória. Evidentemente, talento e aptidão
psíquica vão influenciar em que papel o anestesiologista pode melhor atuar,
ficando o atendimento perioperatório nas mãos de um time de
anestesiologistas de alta performance, potencializando os talentos
individuais e permitindo que os anestesiologistas estejam envolvidos em
todos os momentos do atendimento operatório.

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Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia

O anestesiologista, confinado na sala de operações, permanece com


limites de atuação estreitos. Ficam invisíveis aos olhos da sociedade e,
sobretudo, aos olhos dos que financiam o sistema de saúde.
Atualmente, a boa prática médica, eticamente embasada, baseia-se
no direito dos doentes à informação. A informação contínua é um valor
tanto para os médicos quanto para o paciente. É dever do médico informar
ao doente e aos seus familiares todas as informações acerca da doença e
dos tratamentos instituídos. Para o médico, a disseminação vigorosa e efetiva
da informação a respeito de sua atuação e da relevância dos serviços
prestados pelo anestesiologista na manutenção da saúde e promoção do
bem estar da sociedade trará um maior reconhecimento aos profissionais
que praticam a especialidade.
No futuro, haverá uma crescente competição entre as especialidades
médicas,0 pelos recursos que financiam o sistema de saúde e terá maior
parcela de remuneração aqueles que estiverem mais estruturados e com
maior campo de atuação garantidos. Ocupar todas as oportunidades de
área de atuação que estão abertas na medicina é uma maneira de
desenvolver a especialidade.

Desafios

O principal desafio para a implantação dos serviços de medicina


perioperatória é a falta de incentivos financeiros, tendo em vista que não
estão destinados recursos específicos nem tão pouco há departamentos
estruturados. A grande maioria de atos médicos englobados na proposta
da medicina perioperatória já são realizados por anestesiologistas. Se inclui
aí o consultório pré e pós-operatório, perpassando pelos cuidados
anestésicos próprios do período operatório, recuperação pós-anestésica,
unidades de tratamento intensivo pós-operatória e tratamento da dor.
Entretanto, urge a necessidade de um rearranjo organizacional, no sentido
de se criar a estrutura administrativa básica, o treinamento e o consenso
nas condutas a serem adotadas, a negociação de tudo o que pode ser
remunerado e a necessidade de negociação do novo paradigma com os
demais médicos e gestores das instituições de saúde e dos formuladores
de políticas públicas.

17
Medicina Perioperatória

Cada vez mais o anestesiologista é o agente de decisão, no que se


refere ao custo dos serviços prestados, notadamente àquelas referentes à
seleção de drogas, à eficiência na utilização das salas de cirurgia e aos
fatores que interferem no desfecho clínico do doente. Esse enfoque incorpora
o papel da pesquisa clínica orientada para o benefício ao doente, da utilização
de determinadas drogas e o impacto das diversas técnicas no desfecho
clínico-cirúrgico final. Esse tipo de pesquisa é mais um campo de atuação
da medicina perioperatória. Somente decisões tomadas a partir das
evidências científicas resultantes dessas pesquisas poderão romper as
barreiras interpostas pelo sistema de saúde que, cada vez mais, limita as
condições de atendimento aos orçamentos, sobrevalorizando os custos sobre
os benefícios. Esse pode ser o caminho para justificar o custo de novas
drogas e a incorporação de novas tecnologias.

Mão de Obra

O crescimento da oferta de anestesiologistas no mercado de trabalho


tem promovido um rearranjo no campo de atuação dos especialistas.
A diversificação do campo de prática profissional tem demonstrado
ser atrativa aos estudantes de medicina e pode melhorar a qualidade dos
ingressantes nas residências médicas. A proposta da medicina perioperatória
engloba a mudança da imagem do anestesiologista, passando daquela de
um técnico restrito à sala de operações para um médico fundamentalmente
clínico, atuando para além da sala de cirurgia, em consultório e unidade de
cuidados pós-operatórios.
Tradicionalmente, o perfil psicológico do anestesiologista exprime o
médico que não quer atuar por períodos prolongados com o mesmo paciente,
e que prefere um ritmo de trabalho mais rápido e dinâmico.
A medicina perioperatória pode acomodar tanto os médicos com o
perfil tradicional quanto outros com interesse em medicina de urgência,
assim como aqueles que preferem a relação médico-paciente mais
prolongada. Existe uma tendência dos novos médicos ao interesse por uma
especialidade que lhes permita ter um estilo de vida amigável, em que a
qualidade seja garantida. Os melhores estudantes optam por uma
especialidade que ofereça esse tipo de situação profissional.

18
Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia

Além disso, cada vez mais, o espaço deixado pelos médicos, nos
setores relacionados à medicina perioperatória, tem sido ocupado por outros
profissionais da área da saúde. É preciso atentar para que determinados
passos são irreversíveis e o campo de trabalho perdido para outra profissão
raramente retorna à situação original.

Alterações nos Padrões da Prática Médica

Os epidemiologistas e especialistas em saúde pública sempre


questionam o valor da medicina hospitalocêntrica, sugerindo que a medicina
pública, especialmente nos países em desenvolvimento, deva se concentrar
pesadamente na medicina primária. Os recursos humanos para esses
programas recaem sobre os médicos generalistas e médicos de família e
muitas vezes a utilização de não médicos como agentes de saúde. Esse
mesmo raciocínio se aplica aos níveis secundário e terciário de atendimento
à saúde e o avanço de profissionais não médicos, praticando atos antes
exclusivamente médicos, é cada vez maior.
O sistema de saúde, em geral, e a própria legislação, atualmente,
aceitam os agentes de saúde como parte da solução para suprir eficazmente
áreas não servidas por médico. Enquanto os anestesiologistas não ocuparem
plenamente o espaço de trabalho pré e pós-operatório, assim como o
tratamento da dor aguda e crônica, há possibilidade de perderem essas
áreas de atuação, para outros especialistas e até para outras profissões
não-médicas. A medicina perioperatória formaliza a atuação do
anestesiologista para além da sala de operações.

Pesquisa

O conhecimento científico que embasa a medicina perioperatória


engloba, desde temas relacionados à biologia molecular até epidemiológicos,
perpassando pelos temas básicos e clínicos.
Cada vez mais há a sinalização de que a pesquisa se tornará forte, nos
aspectos ligados ao período perioperatório. Ainda há questões ainda não
completamente respondidas, do ponto de vista científico, como, por exemplo,
podemos citar aspectos referentes ao transporte de oxigênio e à reposição

19
Medicina Perioperatória

volêmica e sangüínea, aos fenômenos inflamatórios sistêmicos e à transição da


dor agida para a dor crônica. Todos esses fenômenos interferem no desfecho
clínico e se relacionam com os custos hospitalares e o período de internação.
Soma-se a isto a necessidade de aperfeiçoamento de agentes anestésicos e de
técnicas de administração, assim como os mecanismos de ação moleculares
dos anestésicos em órgãos e sistemas; pesquisas epidemiológicas referentes
aos principais indicadores de segurança e prevenção de risco, assim como a
formação de um banco de dados perioperatórios regional e nacional. Há espaço
para pesquisas sobre o papel da anestesia como variável prognóstica, no sentido
de responder se as intervenções anestésicas influenciam o desfecho clínico-
cirúrgico. Não se pode deixar de fora estudos sobre os custos, assim como o
financiamento e a economia dos cuidados de saúde.
Outro resultado decorrente das pesquisas é a criação de diretrizes
clínicas baseadas em evidências científicas que sinalizarão as condutas
adotadas pelos grupos que adotaram os princípios da medicina perioperatória.
Os anestesiologistas, por terem sido os pioneiros em iniciativas para
melhorar a segurança dos pacientes no período operatório, se colocam numa
posição de destaque, na discussão dos aspectos de melhoria da segurança
no tratamento de doentes em geral, estendendo os conceitos de segurança,
já praticados na sala operatória, para o período pós-operatório.
No sentido de aumentar a segurança, cada vez mais se torna indicado
o uso contínuo de simuladores na educação. Pesquisas em técnicas para
reduzir o erro humano se tornarão cada vez mais em voga.

Implantação de um Serviço de Medicina Perioperatória

Pelo que já foi descrito, o anestesiologista é o médico mais capacitado


para o exercício da medicina perioperatória. Caso ele não assuma essa
posição, outros especialistas o farão.
Em decorrência de seu treinamento em anestesia, urgência,
recuperação pós-anestésica, ventilação mecânica, monitorização, hidratação
e reposição volêmica, terapias moduladoras do sistema nervoso, tratamento
da dor, além da experiência administrativa e econômica de grandes serviços
de saúde, os anestesiologistas estão melhor posicionados para a prática da
medicina perioperatória.

20
Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia

A medicina perioperatória é uma extensão natural da anestesiologia,


mais do que poderia ser para clínicos e cirurgiões.
Na medicina, todo espaço disponível é rapidamente explorado, daí não se
poder perder tempo nessa empreitada. A competitividade cada vez maior entre
as especialidades médicas, por campo de trabalho, e o avanço de outras profissões
na prática de atos antes exclusivos dos médicos expõem a relevância dessa questão.
Soma-se ainda a possibilidade de se auferir mais recursos, com a ampliação dos
postos de trabalho e procedimentos médicos passíveis de remuneração específica.
Nem todos os anestesiologistas precisam se dedicar integralmente a
todas as áreas da medicina perioperatória, haverá espaço para que os talentos
em áreas específicas possam se subespecializar, resgatando a tendência de
médicos que se dedicam exclusivamente à dor, ao ambulatório de clínica
pré-operatória, ou permitir àqueles com inteligências múltiplas poderem
transitar integralmente em todas as áreas da medicina perioperatória.
A conseqüência imediata dessa mudança de paradigma é o redesenho
da especialidade, com mudanças, na prática clínica e nos programas de
treinamento. Atenção especial deve ser dada ao relacionamento ético com
os outros especialistas e outros profissionais da área da saúde, na
implantação dos serviços da medicina perioperatória pelos anestesiologistas.
A implantação de um departamento de medicina perioperatória
acarretará custos adicionais com recursos humanos. A ampliação dos
serviços prestados demandará mais profissionais para a sua execução.
Também, numa fase inicial, algum tempo da carga horária de trabalho dos
médicos será dedicada ao treinamento e a reuniões administrativas e de
discussão de condutas. Há de se calcular o impacto dos gastos adicionais e
as conseqüências financeiras da mudança. O planejamento do serviço de
medicina perioperatória é uma fase preliminar indispensável.
O treinamento dos profissionais que vão ocupar os novos postos de
trabalho é condição preliminar obrigatória.
Os líderes dos grupos e chefes de serviço deverão dedicar muito
tempo para planejar, reorganizar, redesenhar e proceder às mudanças
necessárias. Isso requer um enorme investimento de tempo para as equipes
e seus chefes. Numa primeira etapa, haverá um excesso de trabalho, uma
vez que se deve manter a missão tradicional, ao mesmo tempo em que as
novas tarefas já estarão sendo executadas.

21
Medicina Perioperatória

O principal fator da mudança da anestesiologia para medicina


perioperatória é a cultura. Todas as mudanças geram resistências. Convencer
os bem sucedidos de que eles devem mudar sua rotina de trabalho, visando
ao fortalecimento da especialidade, nem sempre é um argumento
suficientemente forte.

Mudança no Treinamento dos Residentes

É necessário criação de um projeto pedagógico específico para a


residência médica, em medicina perioperatória, diferente dos programas de
residência em anestesiologia, baseados na sala de operação. O novo
paradigma é centrado no doente, em todas as fases do seu tratamento, com
ênfase nos cuidados contínuos. O desafio está em criar um novo projeto
pedagógico sem aumentar o período de treinamento e sem aumentar os
custos de formação. O treinamento deve contemplar o ensino de temas
ligados às outras especialidades médicas, tais como: medicina interna,
cardiologia e pneumologia.

Conclusão

Adotando o princípio filosófico de que a única coisa permanente é a


mudança, a medicina perioperatória é, no momento, a grande oportunidade
de transformar a prática da anestesiologia. Há espaço para a convivência
desse novo paradigma, como o modelo tradicional, e cada serviço poderá
adotar medidas parciais, no sentido da ampliação da atuação dos
anestesiologistas, nas áreas de atuação da medicina perioperatória. A
anestesiologia sempre esteve na vanguarda da medicina brasileira e a
medicina perioperatória é uma das grandes oportunidades para o crescimento
e o fortalecimento da especialidade.

Referências Bibliográficas

1 - Rock P – The future of anesthesiology is perioperative medicine. Anesthesiol


Clin North Am 2000; 18:495-513
2 - Myles PS – Improving quality of recovery: what anaesthetic techniques make

22
Medicina Perioperatória - O Futuro da Anestesiologia

a difference? Best Pract Res Clin Anaesthesiol, 2001; 15:621-631


3 - Lee A – What outcomes should be measured after anaesthesia? Best Pract
Res Clin Anaesthesiol, 2001; 15:531-540
4 - Walder B, Tramer MR – Evidence-based practice in peri-operative medicine.
Best Pract Res Clin Anaesthesiol, 2001; 15:519-529
5 - Robertson KM, Gan TJ - Clinical research and good clinical practice. Best
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6 - Hilditch WG, Asbury AJ, Crawford JM – Pre-operative screening: criteria for
referring to anaesthetists. Anaesthesia, 2003; 58(2): 117-124
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preoperative period? Int Anesthesiol Clin, 2002; 40(2): 1-16.
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12 - Bland-Jouvan M, Mercatello A, Long D et al – Intérêt de la consultation d’
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department of anesthesiology changes its name. Anesthesiology, 1996 84:
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16 - Smith G – Research in anaesthesia: The key to the future. Br J Anaesth, 1995,
75: 383-386

23
Ética em Medicina Perioperatória
Roberto Bastos da Serra Freire, TSA/SBA*

A medicina perioperatória, em verdade, envolve mais ainda o


anestesiologista na atenção ao paciente. Pergunta-se se o tradicional habitat
desse especialista, circunscrito aos limites do centro cirúrgico, evidentemente
que sem considerar suas atividades na clínica de dor e consultório de
anestesia, hoje já consagradas, poderá trazer implicações éticas
consideráveis. É sobre isso que pretendemos discutir neste capítulo.
A ética, filosoficamente, pode ser definida como um conjunto de
regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um
grupo social ou de uma sociedade. Relativo à Medicina, é concebida
como um conjunto de regras de conduta moral, deontológica e
científica dos profissionais de saúde, com relação aos pacientes.
O balizamento da ação do médico é dado pelo Código de Ética Médica
(e Resoluções do Conselho Federal de Medicina) que, em seu Capítulo I,
artigo segundo, preceitua: o alvo de toda a atenção do médico é a saúde
do ser humano, em benefício da qual deve agir com o máximo zelo e o
melhor de sua capacidade profissional. O nosso diploma legal, baseado

* Presidente da SBA / 2005


Conselheiro do CRM/PR
Medicina Perioperatória

em princípios hipocráticos, ganhou o reforço, nas últimas décadas da Bioética,


que trouxe a esse embasamento conceitos filosóficos à luz da atualização e
da constante evolução das ciências da saúde.
Caso tivéssemos apenas uma frase a dizer quanto a Ética em medicina
perioperatória, qual deveria ser? Reforço da relação médico-paciente.
O anestesiologista, ao participar mais globalmente do atendimento
ao paciente, necessitará reforçar essa relação, esse contato humano. A
Medicina cada vez mais tecnicista, com aparelhos que em segundos revelam
diagnósticos, evidentemente, distanciou o médico daquele que deveria ser o
seu principal alvo: o paciente.
Não nos cabe, nesse momento, analisar os motivos dessa deterioração,
nem muito menos discorrer sobre os aspectos psicosomáticos das doenças,
cuja evolução pode ser muito positiva com atenção, carinho, ou seja
humanização do atendimento.
Interessa-nos, sim, enfatizar que o anestesiologista, nessa nova forma
de exercer sua especialidade, qual seja, tendo participação mais efetiva na
atenção ao paciente, precisará reforçar algo que já é feito, mas que, acima
de tudo, precisa ser aprofundado: a informação ao paciente.
Hoje, quase que rotineiramente, colhemos assinatura do paciente no
Termo de Consentimento à realização de determinado procedimento, o que
nos faz deduzir que todo o necessário foi livremente discutido e entendido.
Isso, por si só, já foi um grande avanço. Mas, fora do centro cirúrgico,
acompanhando clinicamente a evolução do paciente, quer pré, quanto pós
operatoriamente, será preciso, a cada passo manter o paciente e família
cientes do que está acontecendo e registrar em prontuário as informações
colhidas.
Necessário também será o trabalho que deverá ser feito junto à
Direção Técnica e Clínica da instituição hospitalar, já que, com esse maior
leque de atividades e ações do anestesiologista, possíveis mal entendidos
poderão ocorrer.
Na nossa prática habitual, quando consultamos o paciente no pré-
anestésico, temos a chance de requisitar (ou não) exames complementares
e não raro solicitamos a avaliação/parecer de outros especialistas. Isso,
sem dúvida alguma, onera o procedimento, não importando qual a fonte
pagadora, se o próprio paciente ou uma operadora de saúde.

26
Ética em Medicina Perioperatória

Na possibilidade de formarmos nossos especialistas ou nos


capacitarmos para um atendimento mais amplo, mais clínico, nas fases pré
e pós-operatória, estaremos, por um lado, criando um vínculo mais forte
com o paciente, que sempre foi nossa intenção.
No entanto, é justamente nesse ponto que poderemos gerar uma
questão ética, que é justamente dar a impressão a outro colega de que, ao
agirmos dessa forma, estaremos “tomando” seu paciente, ou, em outra
situação, “tirando” seus proventos, já que aquele encaminhamento ao
especialista acabou por não acontecer.
A condução dessa matéria deverá ser feita dentro da maior clareza,
sempre deixando explicitado que o objetivo é apenas um - o bem estar do
paciente. A Direção Médica de uma instituição deve entender que, em local
que se age dessa forma, o resultado global da atenção é muito melhor.
O Artigo 82 do Código de Ética Médica preconiza que é vedado ao
médico deixar de encaminhar de volta ao médico assistente paciente
que lhe foi enviado para procedimento especializado, devendo, na
ocasião, fornecer-lhe as devidas informações sobre o ocorrido no
período em que se especializou pelo paciente.
É sabido que toda mudança gera polêmica. É necessário apenas ter
a paciência e a sabedoria devidas, para conduzir a questão da forma o mais
íntegra possível. Isso só depende de nós.

Referências Bibliográficas

1 - Houaiss A, Villar MS, Franco FMM – Dicionário da língua portuguesa, 1ª Ed,


Rio de Janeiro, Objetiva, 2001
2 - Conselho Federal de Medicina (Brasil) – Resolução CFM nº 1246/88. Código
de Ética Médica, Brasília, CFM, 1996

27
A Medicina Perioperatória - A Visão
do Cirurgião
Fernando de Assumpção Fernandes*
Ruy Correa Vieira**
Sílvia Helena Baima Alvares***

A medicina perioperatória, como tratada atualmente, já é foco de


atenção dos cirurgiões desde longa data.
O alvo central de atenção dos cirurgiões, nas suas diversas especialida-
des, é o paciente de um modo integral e não apenas uma patologia ou síndrome
a ser tratada. Para nós, cirurgiões, o paciente deve ser visto como um todo, na
sua integridade física e psicológica, às quais devem ser respeitadas.

* Cirurgião Geral da Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro


Especialista em Cirurgia Geral pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Ex-Chefe do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Central do Corpo de
Bombeiros (CBMERJ)
** Membro correspondente da ASPRS (American Society of Plastic and Reconstructive Surgery)
Membro do ISAPS (International Society of Aesthetic Plastic Surgery)
Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Membro Associado do Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Ex-Chefe da Seção de Cirurgia Plástica do Instituto Nacional do Câncer (INCa)
*** Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hosptial Mário Kroeff
Medicina Perioperatória

A compreensão de que o paciente é o escopo central da atenção da


equipe, e não o cirurgião ou o anestesiologista, facilita, sobremaneira, o
procedimento e o tratamento daquele, o relacionamento interpessoal da
equipe e desta com o paciente.
Ao ser submetido a qualquer procedimento invasivo, sabemos que
este desencadeia alterações endócrinas e metabólicas que devem ser bem
estudadas e compreendidas pela equipe, a fim de que possam ser usados
todos os meios disponíveis para minimizá-las. Todos os esforços devem ser
envidados, no sentido de se conduzir essa agressão de maneira não traumá-
tica, evitando-se um quadro inflamatório extenso e danoso.
Devemos executar bem e de maneira eficiente os procedimentos
pré-peratórios, buscando identificar e corrigir todas as alterações possíveis,
principalmente aquelas que possam prejudicar a boa recuperação ou, prin-
cipalmente, representar qualquer ameaça ao paciente, durante o transcor-
rer do ato anestésico-cirúrgico ou no período imediatamente após.
A cirurgia deve ser executada de maneira segura, num ambiente
adequado, confortável, com boa iluminação, e com todos os recursos ne-
cessários a sua execução e à adequada monitorização do paciente. O pro-
cedimento deve transcorrer de maneira tranqüila, sem correrias, mas sem
perda tempo, sem repetições, a não ser que indispensáveis. Aqui, o aforismo
“anestesia não é vitamina” é totalmente válido, se encarado com o objetivo
de não prolongar o ato desnecessariamente.
Cirurgias combinadas e prolongadas estão associadas a uma maior
taxa de complicações, incluindo aí as tromboembólicas. Quando se fizer
necessária a realização de cirurgia de longa duração, deve-se planejá-la
mais cuidadosamente que o habitual e prover os meios para prevenir as
possíveis complicações, as quais serão discutidas adiante.
Ao término da cirurgia, o paciente deve ter um despertar tranqüilo,
caso não fora mantido acordado durante o procedimento. Deve ser acom-
panhado ao seu quarto ou enfermaria ou conduzido à unidade de tratamen-
to intensivo ou unidade intermediária, quando assim se fizer necessário e
houver indicação.
Adequada analgesia e aquecimento ao paciente devem ser provi-
denciados, além de posição confortável no leito e adequada à recuperação,
para não tracionar retalhos e assim diminuir os riscos de necrose destes;

30
Medicina Perioperatória - A Visão do Cirurgião

além de promover um melhor retorno venoso e, assim, evitar a formação de


edema ou, pelos menos, minorá-lo.
O sucesso de uma cirurgia começa no correto diagnóstico da patolo-
gia ou problema a ser tratado, seguido do adequado preparo e manuseio do
paciente, na execução perfeita do ato anestésico-cirúrgico e na condução
favorável e confortável, após a cirurgia.
Ao se tratar de assunto tão amplo e abrangente, não se pode ter uma
visão simplista; faz-se, pois, necessária uma abordagem didática. Nesta
perspectiva, pode-se dividir essa apresentação por diversas variáveis, como:
idade do paciente; patologia; doenças sistêmicas associadas; possibilidade
de a etiologia ser inflamatória, neoplásica, maligna ou benigna etc.
O paciente de cirurgia eletiva é diferente daquele agudamente en-
fermo, seja por trauma, seja devido a um processo inflamatório ou até mes-
mo ocasionado por uma neoplasia com complicação aguda (exemplo : obs-
trução intestinal devido a um tumor de cólon esquerdo ou perfuração de um
tumor com conseqüente peritonite aguda). Dentre essas variáveis, a que
mais mobiliza o cirurgião trata-se da natureza do evento ou da patologia, se
aguda ou crônica.
Para o cirurgião, na sala de emergência, o paciente agudo ou critica-
mente enfermo representa um desafio a ser superado. Os meios diagnósti-
cos e o tratamento se confundem.
No paciente vítima de trauma, executamos simultaneamete a avalia-
ção diagnóstica e as manobras de ressuscitação cárdio-respiratórias, pro-
curando estabilizá-lo. Na dependência da gravidade deste, muitas vezes
somos forçados a levar o paciente, de imediato, ao centro cirúrgico, para
proceder ao ato cirúrgico, como uma manobra para estabilizá-lo, como ocorre
nas grandes hemorragias.
O aumento da violência e o uso, no meio urbano, de armamento de
uso exclusivo das forças armadas, em conflitos, fez surgir uma nova espe-
cialidade cirúrgica que é a do especialista em medicina de guerra, devido ao
poder de destruição desse armamento.
Quando lidamos com cirurgia oncológica, também devemos ter em
mente o conceito de cirurgia curativa e paliativa. O desenvolvimento dos
métodos diagnósticos de imagem tem contribuído para se prevenirem sur-
presas no planejamento cirúrgico, evitando operar pacientes que não pode-

31
Medicina Perioperatória

riam se beneficiar do procedimento e nos quais não há indicação para uma


ação de caráter paliativa.
Por outro lado, também encaramos de maneira diferente um pacien-
te oncológico, com taxas hematimétricas baixas, como hematócrito em tor-
no de 25% ou hemoglobina em torno de 7 à 8 (g/dl), com um tumor sangrante,
não como contra-indicação para o procedimento cirúrgico (exemplo :
gastrectomia), mas por entender que não se conseguirá estabilizar esses
índices, caso não seja removido o tumor, que é o foco de sangramento e a
causa da anemia.
Os métodos minimamente invasivos, como as punções-biópsias, tam-
bém têm contribuído para se evitarem procedimentos cirúrgicos apenas
para diagnóstico, auxiliando a planejar a terapêutica adequada ao paciente.
A radiologia intervencionista também, com suas punções-drenagem,
ou realizando embolização de tumores sangrantes, tem permitido a estabili-
zação de pacientes para um preparo adequado, com uma melhor condição
hemodinâmica para a realização da cirurgia ou aliviando um quadro sépti-
co, ao instalar cateteres de drenagem.
A endoscopia, com os métodos de esclerose de varizes de esôfago ou
a realização de Colangioduodenopancreatografia retrógada e papilotomia
endoscópica, com drenagem das vias biliares, em casos de colangite aguda
supurativa, é considerada de grande valor, na abordagem desses pacientes,
seja como método de diagnóstico, preparo, ou mesmo tratamento definitivo.
Todos esses métodos descritos acima são vistos por nós, cirurgiões,
como de grande valor, no auxílio ao adequado manejo desses pacientes, e
têm nossa aprovação e indicação.

Cirurgia Vídeo-Endoscópica

O advento dessa técnica beneficiou o paciente sobremaneira, por


permitir a realização de cirurgias com incisões mínimas, com uma
recuperação mais rápida e mais confortável e por proporcionar melhores
resultados estéticos.
Entretanto, exige um treinamento especializado por parte do cirurgião
e de toda a equipe, além de uma criteriosa e adequada monitorização gasosa
por parte do anestesiologista.

32
Medicina Perioperatória - A Visão do Cirurgião

Pacientes Hepatopatas

Os pacientes com função hepática comprometida devem ser


cuidadosamente avaliados quanto à necessidade do procedimento cirúrgico
e a sua indicação. Devemos observar atentamente seus testes hematológicos
e avaliar a necessidade da reposição de fatores de coagulação. Deve-se
também estar atento aos níveis protéicos séricos e a avaliação nutricional,
como uma formas de se predizer a capacidade de caracterização desses
pacientes.
Especial atenção dedicamos àqueles pacientes ictéricos, procurando
manter uma hidratação adequada ou uma leve hiper-hidratação, visando a
prevenir uma lesão renal .
Devemos discutir o caso com o anestesiologista, que deverá decidir
qual a melhor técnica anestésica; a que melhor se adeqüe ao paciente, em
tese; e a contra-indicação ao uso deste ou daquele agente anestésico ou
agente bloqueador muscular.

Pacientes com Insuficiência Renal

A principal preocupação dos cirurgiões com os pacientes portadores


de insuficiência renal é quanto à hiper-hidratação destes, com conseqüente
hipervolemia e possível descompensação cardiovascular, podendo traduzir-
se por um edema periférico ou até mesmo por congestão pulmonar e edema
agudo de pulmão.
Outra preocupação que temos é quanto ao uso de medicamentos
de eliminação renal, como antibióticos, e quanto ao reajuste das
doses.
Sabemos também que esses pacientes têm anemia crônica e que a
suportam bem,mas ficamos mais atentos à reposição sangüínea, nos
pacientes com insuficiência renal aguda e que necessitam de um
procedimento cirúrgico de urgência. Naqueles pacientes que necessitam
de diálise, a heparinização regional é a solução no período pós-operatório
imediato.
Novamente, a escolha da técnica anestésica é do especialista.

33
Medicina Perioperatória

Pacientes Pneumopatas

Os pacientes portadores de problemas respiratórios são alvo de


cuidadosa atenção dos cirurgiões. Procuramos identificar os problemas e
tentar compensá-los durante o preparo pré-operatório.
Os pacientes submetidos a cirurgia de andar superior do abdômen
são melhor manejados atualmente, com melhor analgesia pós-operatória,
por meio de instalação de cateteres, no espaço peridural; e causam-nos
menos preocupações do que no passado, quanto ao desenvolvimento de
insuficiência respiratória tipo restritiva. Por outro lado, ainda são alvo de
atenção aquelas técnicas de correção de grandes hérnias, com o cuidado
do uso de telas, para se evitar um fechamento sob tensão, tentando devolver
ao abdômen o seu conteúdo que tenha perdido o domicílio.
Provas funcionais respiratórias são realizadas no estudo e preparo
daqueles pacientes candidatos a cirurgias torácicas, principalmente aqueles
que serão submetidos à ressecção pulmonar. É obvia a associação de doença
pulmonar obstrutiva crônica e tumores pulmonares, devido ao tabagismo.

Pacientes com Alterações Endócrinas

Os pacientes com alterações endócrinas normalmente são


preparados para os procedimentos cirúrgicos, seja em outro órgão, seja
naquele responsável por essa disfunção. Nas situações de emergência, nas
quais não há tempo para esse preparo ou naquelas em que o diagnóstico
passa despercebido, reside aí a preocupação dos cirurgiões; por exemplo:
um paciente vítima de um trauma, portador de um hipotiroidismo que possa
desencadear um coma mixedematoso. Como outro exemplo, um paciente
com insuficiência córtico supra-renal crônico, por uso de corticoesteróides
ou, o mais frequentemente visto, uma descompensação diabética, naqueles
pacientes com quadros agudos.

Pacientes Cardiopatas

A presença de cardiopatia não representa, per se, uma contra-indicação


absoluta para a realização de uma cirurgia. Entretanto, a função cardiovascular

34
Medicina Perioperatória - A Visão do Cirurgião

de todos os pacientes deve ser avaliada, desde a realização de uma anamnese


e exame físico até o uso de testes invasivos. quando indicados.
As alterações devem ser identificadas e tratadas. Recomenda-se,
vigorosamente, aos pacientes que não suspendam o uso de seus
medicamentos, exceto os antiadesivos plaquetários ou anticoagulantes, sendo
instituída uma heparina de baixo peso molecular, quando assim indicado,
desde que não interfira na técnica anestésica, por exemplo, na anestesia de
bloqueio peridural.

Idade

A idade avançada também não constitui contra-indicação para a


realização de cirurgias. Um paciente idoso, mas com boas condições clínicas,
incluindo uma boa reserva cardíaca, é considerado apto para cirurgia;
cercando-se, obviamente, dos cuidados inerentes à técnica e de toda
assistência perioperatória.
Por outro lado, as crianças, principalmente lactentes e recém-natos,
são bastante sensíveis à hipotermia, obrigando-nos ao uso de colchões e
mantas especiais, para aquecimento. Outrossim, atualmente, recomendamos
o uso de mantas térmicas, para todos os pacientes, por acreditarmos ser
mais confortáveis e proporcionar-lhes um despertar mais tranqüilo, sendo,
entretanto, mandatório o controle térmico, nas crianças.

Conforto Perioperatório

Acreditamos ser muito importante, tanto para a equipe quanto para o


paciente, um ambiente confortável.
Boa iluminação, temperatura ambiente agradável e posição
confortável são condições fundamentais para o bom desempenho da equipe.
Por esse mesmo motivo, recomendamos o uso das mantas térmicas nos
pacientes. Cateteres são usados somente quando indispensáveis, diminuindo,
assim, o desconforto e o risco de infecções. Evitamos também posições
desconfortáveis ou que dificultem a ventilação do paciente.
Usamos curativos eficientes, com drenos de sucção em sistema
fechado, sempre que indicados. Evitamos o uso de bandagens apertadas.

35
Medicina Perioperatória

São preferíveis os curativos que facilitem o fácil exame da ferida ou dos


retalhos e que não comprometam sua circulação.
A dieta deve ser começada precocemente, de acordo com cada
caso, restringindo o período de jejum ao indispensável, dentro dos limites de
segurança.

Prevenção de Complicações

Procuramos sempre nos cercar de todos os cuidados, na realização


das cirurgias, para alcançarmos o sucesso proposto e, principalmente,
evitarem-se as complicações.
A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar
(TEP) têm estado no foco das atenções de todos os cirurgiões. Temos
adotado como rotina, visando à profilaxia das mesmas:

1. Evitar sempre que possível a associação de cirurgias;


2. Deambulação precoce dos pacientes, sendo aí de grande valia,
em nossa experiência, a analgesia eficaz no pós-operatório,
principalmente com o concurso do anestesiologista, realizando
analgesia no espaço peridural;
3. Recomendamos o uso de compressão pneumática, nas cirurgias
com risco moderado de desenvolvimento TVP e TEP;
4. Compressão pneumática e o uso de heparinas de baixo peso
molecular são indicados nas cirurgias com alto risco de
tromboembolismo.

O uso dessas heparinas é sempre discutido e decidido junto com


o anestesiologista, levando em consideração o momento do início da
droga e a escolha da técnica anestésica, se inclui bloqueios espinhais ou
não.

Antibióticoprofilaxia

O uso profilático de antibióticos já está bem estabelecido na


prática médica. Em nosso meio, as Comissões de Controle de Infecção

36
Medicina Perioperatória - A Visão do Cirurgião

Hospitalar normatizam essa prática, quanto às indicações, doses, tempo


de uso e os antibióticos empregados. De modo geral, eles são em-
pregados naquelas situações de risco para o desenvolvimento de
infecção.
Iniciamos o antibiótico imediatamente, antes do início do procedi-
mento, e repetimos a sua aplicação, cerca de 2 horas após a primeira
dose. A manutenção do antibiótico não deve exceder de 6 a 24 horas de
uso, pois já está comprovado que a utilização, além deste período, não
traz benefícios ao paciente e ainda pode ser prejudicial.
Nas cirurgias consideradas limpas e de curta duração, não está
indicado o seu uso. Por outro lado, ainda que consideradas limpas,
todas aquelas nas quais se usa um implante, como uma valva cardíaca,
órtese de joelho, endoprótese vascular e outras, está fortemente
indicado o uso profilático de antibióticos, sempre orientados pelos
estudos que mostram a incidência maior do germe envolvido na
contaminação.

Anestesia Ideal

A decisão final da técnica anestésica e dos agentes empregados é de


total responsabilidade do profissional anestesiologista.
Quando se trabalha com uma equipe entrosada, como na clínica
privada, facilita-se a escolha da técnica a ser empregada. Os profis-
sionais acumulam experiências comuns; podem avaliar as dificuldades
e buscar juntos a técnica que mais se adéqüe à equipe, para a cirurgia
proposta.
No atendimento institucional, com variação dos membros das equipes,
nem sempre é possível alcançar tal nível de entrosamento. Devemos sempre
discutir a técnica a ser empregada, cabendo sempre a decisão definitiva ao
especialista, visando àquela mais segura para o paciente.
Acreditamos também que o acompanhamento e avaliação do paciente,
após o procedimento pelo anestesiologista, sejam extremamemte importantes
e valiosos para seconhecer sua condição, as manifestações gerais e os
sintomas apresentados, pela metabolização e eleminação dos agentes
anestésicos.

37
Medicina Perioperatória

Conclusão

A medicina perioperatória desde longa data tem sido alvo de nossa


atenção. Acreditamos que o espírito de equipe deva prevalecer sobre todo
e qualquer interesse, visando ao objetivo final que é a pronta recuperação
do paciente, devolvendo-o as suas atividades habituais e profisionais, bem
como, promovendo seu retorno ao convívio familiar e social o mais breve
possível.

Referências Bibliográficas

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5 - Schwartz, Shires, Spences - Princípios de Cirurgia. 6ª ed. 1995.

38
Variáveis Prognósticas Relacionadas
à Anestesia e aos Cuidados
Perioperatórios
Pedro Paulo Tanaka, TSA/SBA*
Maria Aparecida de Almeida Tanaka**
Clóvis Marcelo Corso***
Fábio Maurício Topolski, TSA/SBA****

Introdução

Pelas peculiaridades que envolvem a sua realização, a anestesia


está sujeita a um sem número de implicações. Desde os seus primórdios,
a prática da anestesiologia sempre demonstrou ser uma situação marcada
pela vulnerabilidade. O sucesso do resultado, costumeiramente, caminhou
em paralelo à complicação caminhou em paralelo à complicação. E enga-
na-se quem possa imaginar que os riscos possíveis estão próximos de se
esgotarem.

* Professor Adjunto da Disciplina de Anestesiologia da Universidade Federal do Paraná;


Anestesiologista Hospital Vita
** Anestesiologista Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
*** Anestesiologista Hospital Vita; Membro diretoria SPA
**** Anestesiologista Hospital Vita; Membro diretoria SPA
Medicina Perioperatória

A tecnologia cada vez mais presente na medicina e que possibilita


um avanço contínuo nas técnicas cirúrgicas; o interesse científico e
econômico que move as pesquisas relacionadas às áreas da anestesia e das
clínicas cirúrgicas; a constante busca por melhores condições de saúde
para a humanidade, entre outros fatores, impulsionam o aumento, tanto no
número quanto na complexidade das cirurgias e, por conseguinte, das
anestesias, o que nos leva a vislumbrar um estado permanente de vigilância.
O gerenciamento do prognóstico constitui um aspecto importante da
prática diária. Para tanto, deve-se levar em consideração o estado do
paciente, a cirurgia a que será submetido e as condições anestésicas para a
realização do procedimento proposto. O objetivo principal de uma análise
mais ampla de cada situação, em particular, baseia-se no fato de que, apesar
de estarmos sempre sujeitos ao imprevisto, as condições adversas podem
ser antecipadas e, se possível, otimizadas, quer estejam elas relacionadas
ao paciente, à administração da anestesia propriamente dita, ao ato cirúrgico
ou então, de um modo global e mais fidedigno, aos três fatores concomitantes
que, na realidade, são inseparáveis, ou seja, ao paciente que é submetido à
anestesia, para ser operado.

Mortalidade Relecionada à Anestesia

Vários estudos1-3 conduzidos antes de 1980 traziam a realidade


de uma instituição ou de um grupo de hospitais. A despeito dos problemas
relacionados à metodologia desses estudos, a mortalidade, em anestesia,
girava em torno de 0,22, para cada 1000 anestesias. As principais causas
etiológicas aparentes eram: hipovolemia, complicações da intubação
traqueal, inadequada supervisão pós-operatória e manutenção inadequada
da ventilação, quando do uso de relaxante muscular. Dois outros
estudos 4,5 abordaram a mortalidade de causa anestésica que ocorreu
até 24 horas após a cirurgia. Seus principais achados foram relacionados
ao preparo inadequado do paciente, no pré-operatório, com conseqüente
escolha errônea da técnica anestésica, dificuldade de manejo nas
situações de crise e cuidados na recuperação. A depressão respiratória
foi responsável pelo maior número de mortes e coma totalmente atribuídos
à anestesia. Lunn e colaboradores 6, em estudo envolvendo cerca de 1

40
Variáveis Prognósticas Relacionadas à Anestesia e aos Cuidados Perioperatórios

milhão de casos, relataram que a anestesia foi considerada como causa


única de morte, na taxa de 1, em 185.000, e contribui, em outros 410 de
casos. Estabeleceu que, tanto fatores relacionados à anestesia quanto
à cirurgia contribuem para a mortalidade, no período de até 30 dias após
o procedimento cirúrgico. Em cirurgias ambulatoriais, as taxas de
morbidade e mortalidade são muito baixas, semelhantes à sobrevida
desses pacientes, sem o ato cirúrgico 7. Dados mais recentes8 sugerem
que a mortalidade relacionada à anestesia tem-se mantido estável, na
última década, em torno de 1 a 13.000, a despeito da melhora da mo-
nitorização, do desenvolvimento e da adoção de protocolos e ações
sistemáticas para redução de erros.
Com o fim de aumentar a base de dados e facilitar o estudo de risco
anestésico, foi utilizado o método de estudos dos incidentes críticos9. Como
instrumento de coleta de dados, utilizou-se um questionário pré-determinado,
aplicado em dois momentos (anos de 1990 e 2000). Definiu-se como incidente
crítico: a situação que induziu óbito; seqüelas; internação não prevista em
terapia intensiva; internação mais prolongada; e ainda, ocorrência que,
presumivelmente, levaria a alguma dessas conseqüências, mas que foi
descoberta e corrigida em tempo hábil. Houve uma redução dos fenômenos
respiratórios, com aumento significativo de incidentes críticos, na recuperação
(tabela 1).

Tabela 1 – Comparação dos resultados

Incidentes Críticos - 1990 1990 Incidentes Críticos - 2000 2000


(%) (%)

Intubação traqueal difícil 7 Intubação traqueal difícil 7

Disritmias cardíacas 6 Disritmias cardíacas 6

Laringoespasmo 5 Broncoespasmo 6

Broncoespasmo 4 Crise hipertensiva 5

Mau funcionamento do 4 Mau funcionamento do 4


laringoscópio laringoscópio

41
Medicina Perioperatória

A recuperação anestésica já foi objeto de estudo 10 entre nós,


embora haja uma preocupação, por parte dos anestesiologistas
brasileiros, com a segurança dos pacientes. Nesses sentido, algumas
rotinas de monitorização precisam ser implementadas, de acordo com
as novas diretrizes de cuidados pós-anestésicos e os novos critérios
de alta para pacientes ambulatoriais.

Riscos Relacionados aos Pacientes

Há um aumento da morbidade e a mortalidade perioperatória, com o


aumento das co-morbidades dos pacientes. Um simples exemplo dessa
correlação está na classificação de estado físico proposta pela Sociedade
Americana de Anestesiologia. Essa relação foi comprovada por meio de
estudo11, cujo objetivo consistia em determinar a incidência e as causas de
mortalidade associadas à anestesia e à cirurgia; identificar fatores importantes
associados à mortalidade hospitalar e estimar o risco de mortalidade
associada à cirurgia e anestesia, quando da combinação dos fatores de
risco presentes. No modelo apresentado, foram inclusas 5 variáveis
preditivas: idade, pacientes com doença cardíaca crônica e renal, cirurgia
de emergência e tipo de operação.
A doença cardiovascular foi estudada, extensivamente, com o
objetivo de identificar pacientes com maior risco a apresentar infarto do
miocárdio. Goldman e colegas12 demonstraram fatores clínicos associados
ao aumento da morbi-mortalidade, os quais foram convertidos em pontos.
Quanto maior o número de pontos, maior é a morbidade cardíaca. Na
tentativa de validar o índice de Goldman, alguns autores 13 estudaram,
prospectivamente, 1140 pacientes, encontrando correlação; entretanto,
o número de complicações, no grupo de maior risco, foi menor. A validade
do índice de risco cardíaco, em pacientes vasculares, é controversa 14,
sendo que, em um grande percentual de pacientes de baixo risco, houve
complicações cardíacas. As variáveis de risco podem ser modificadas
ao longo do tempo. Como exemplo, o infarto recente do miocárdio, abaixo
de meses, era sinônimo de risco de reinfarto. Na era dos trombolíticos,
angioplastia e estratificação de risco, isso não se tornou mais válido. O
Colégio Americano de Cardiologia15 propôs que pacientes vítimas de

42
Variáveis Prognósticas Relacionadas à Anestesia e aos Cuidados Perioperatórios

infarto do miocárdio a menos de 30 dias deveriam ser considerados


como grupo de maior risco. Após esse período e estratificação de risco,
esta deverá ser baseada na gravidade da doença e na tolerância ao
exercício. Em trabalho de revisão, Ramos e colaboradores 16 concluem
que pacientes coronariopatas candidatos à cirurgia não-cardíaca devem
ser rigorosamente avaliados. Os identificados como de alto risco
necessitam de eficaz controle clínico. Nos candidatos clinicamente
estáveis, considerados de risco intermediário, testes funcionais não-
invasivos são recomendados. Em todos, o uso de beta-bloqueador deve
ser considerado.
Os efeitos do tabaco são conhecidos, no entanto, só recentemente,
seus riscos foram demonstrados, em pacientes cirúrgicos 17 . Nos
pacientes submetidos a cirurgia ortopédica, a incidência de complicações
cardiovasculares foi duas vezes maior nos fumantes do que em não-
fumantes, e infecção ocorreu três vezes mais freqüentemente nesta
população. A abstinência por 6 a 8 semanas prévias à cirurgia é eficaz,
na redução das complicações cirúrgicas. O uso freqüente de bebida
alcoólica também está relacionado a maior incidência de infecções e
complicações cárdio-pulmonares, bem como a episódios de sangramento.
A cicatrização é comprometida, resultando em deiscência de suturas e
anastomoses 18 .

Risco na Paciente Obstétrica

A mortalidade materna é pouco freqüente, sendo, sua incidência, de


0,11, em relação a 1000 nascimentos19. Um dos principais achados, neste
estudo, foi a constatação de que a pouca experiência do anestesiologista,
em obstetrícia, constitui o fator mais importante relacionado à mortalidade
materna. Segundo Hawkins e colaboradores20 a anestesia regional constitui
o fator responsável pela diminuição nas taxas de mortalidade materna. Na
anestesia geral, em 73% dos óbitos, houve problemas relacionados às vias
aéreas. Os diagnósticos associados mais comuns à mortalidade, durante a
permanência hospitalar, foram a pré-eclâmpsia ou eclâmpsia, hemorragia
pós-parto, complicações pulmonares, embolia amniótica e relacionadas à
anestesia21.

43
Medicina Perioperatória

Risco no Paciente Pediátrico

Um grupo de anestesiologistas de Baltimore relatou22 335 óbitos


intra-operatórios, na população pediátrica. Isso equivale a 3,3 mortes, para
cada 10.000 cirurgias. A principal causa apontada foi de origem respiratória,
em sua maior parte, proveniente de cirurgias de amígdala. Em 1994, foi
formado um banco de dados, com a finalidade de se determinarem os
fatores clínicos e as conseqüências associadas à parada cardíaca, em
crianças 23. Esse grupo concluiu que a parada cardíaca ocorre, mais
freqüentemente, em crianças com idade abaixo de 1 ano, corroborando
achado anterior 24 , e com doença grave concomitante. Outro fato
apresentado foi que, no grupo de pacientes ASA I e II, houve relação
com os medicamentos utilizados na anestesia, grande parte associados ao
halotano ou a este sozinho.

Risco no Paciente Geriátrico

O paciente idoso representa uma dificuldade de manejo para o


anestesiologista, embora velhice não seja sinônimo de doença25. Um grupo
de autores26 ligados à universidade de Harvard relatou ser a classificação
de estado físico um fator preditivo de mortalidade, sendo que o infarto do
miocárdio foi a principal causa de morte, nessa população. Esses achados
foram corroborados em outro estudo o qual conclui que o fator de risco é a
doença coexistente, e não a idade per se27.

Risco Relacionado à Cirurgia

A escala de Goldman já prevê que pacientes submetidos a cirurgias


torácicas ou abdominais representam maior risco12, bem como aqueles
submetidos à cirurgia de emergência. Eagle e colaboradores, estudando a
influência da doença coronariana, em pacientes submetidos à cirurgia não
cardíaca, concluíram que estes apresentam maior risco cardíaco, quando
submetidos à cirurgia de grandes vasos, torácicas, cabeça e pescoço ou
abdominais28. O risco cardíaco refere-se à incidência combinada de óbito
ou infarto do miocárdio não fatal (tabela 2)15.

44
Variáveis Prognósticas Relacionadas à Anestesia e aos Cuidados Perioperatórios

Tabela 2 – Estratificação do risco cardíaco em cirurgia não cardíaca

Alto (> 5%) Intermediário Baixo


(usualmente < 5%) (usualmente < 1%)

Cirurgia de Endarterectomia Procedimentos


emergência (idosos) de carótida endoscópicos

Cirurgia vascular Cirurgia de cabeça Procedimentos


de grande porte e pescoço superficiais

Cirurgia vascular Cirugia ortopédica Catarata


periférica

Cirurgia longas Prostectomia Cirurgia em mama


com perda de
volume importante

Cirurgia abdominal ou
torácica

Comunicação Sobre o Risco

A discussão, com o paciente, sobre os risco anestésicos é essencial,


durante a avaliação pré-anestésica; sendo aquela um dos objetivos desta 29.
Cabe ao anestesiologista determinar quais riscos e se estes podem ser
categorizados em maiores ou menores.
A maneira mais simples e óbvia de expressar as probabilidades é
pelo uso da palavra. No entanto, expressões tais como “existe uma chance
de” ou “não podemos descartar a possibilidade de” são imprecisas para o
entendimento de um grupo de pacientes. Há graduação dos efeitos colaterais
e dos riscos, em categorias simples, como, por exemplo, comuns, pouco
comuns e raras podem ser suficientes para o conhecimento da freqüência
com que ocorrem esses fenômenos 30. O entendimento de conceitos
numéricos é variável, na população em geral, e muitos médicos têm
dificuldades com estatísticas. Uma alternativa descrita para resolver esse
problema é a utilização de métodos visuais, correlacionando com fatos comuns
(Ex; incidência de hematoma espinhal semelhante à chance de morte por

45
Medicina Perioperatória

acidente de trabalho)31. Deve-se lembrar que qualquer mensagem depende


criticamente de confiança e que devemos informar, o quanto for necessário,
acerca dos riscos envolvidos no procedimento a ser realizado.

O Futuro

O estabelecimento de indicadores de segurança e qualidade, na


anestesia, contribuirá sobremaneira para o estabelecimento de protocolos
de atendimento, culminando na sistematização da atuação profissional, com
melhora mensurável na qualidade do ato anestésico32,33.

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Medicina Perioperatória

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48
Clínica de Avaliação Pré-Operatória
Jurandi Coan Turazzi, TSA/SBA*
Renato Almeida Couto de Castro, TSA/SBA**
Antônio Bedin, TSA***
Marcelo Vechi Macuco, TSA/SBA ****

Introdução

Apesar da falta de evidências científicas conclusivas que comprovem


o real benefício da avaliação pré-anestésica realizada anteriormente à data
da cirurgia, em relação àquelas realizadas poucos minutos antes do
procedimento anestésico, a experiência vivida por aqueles que a realizam
ou a ela se submetem leva a concluir que o investimento em um espaço
específico para avaliação traz inúmeros benefícios, como veremos adiante.
Em quase todas as atividades humanas, é bom analisar adequada e
mais profundamente possível o escopo do trabalho a ser desenvolvido:
situação atual, melhores opções de desenvolvimento de cada processo,

* Coordenador do Serviço de Anestesiologia de Joinville.


Instrutor Co-Responsável no CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville
Diretor do Departamento de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de
Anestesiologia
** Responsável pelo CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville
*** Instrutor Co-Responsável no CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville
**** Instrutor Co-Responsável no CET do Serviço de Anestesiologia de Joinville
Medicina Perioperatória

perspectivas de resultados e de riscos. No procedimento anestésico, isso


não é diferente; quanto melhor preparado estiver o paciente, maior a chance
de bom resultado.
O conceito de uma clínica para avaliação pré-anestésica foi proposto
por Lee, em 19491. Klopfenstein, em 2000, demonstrou que a avaliação
pré-anestésica, em uma clínica para avaliação de pacientes externos, reduz
a ansiedade pré-operatória, quando comparada à avaliação na tarde anterior
à cirurgia2.
No Brasil, temos assistido à abertura de inúmeras clínicas ou
ambulatórios de avaliação pré-anestésica, porém, ainda há carência de um
número expressivo desse serviço. Espera-se, com este capítulo, estimular
os colegas que ainda estejam em dúvida sobre os reais benefícios de uma
clínica ou consultório de avaliação a tomarem a iniciativa de sua criação.

Objetivos

Os objetivos da avaliação pré-anestésica são reduzir a morbidade do


ato anestésico-cirúrgico, melhorar a qualidade, reduzir custos dos cuidados
perioperatórios e o retorno do paciente a um estado funcional desejável, o
mais rápido possível3. Portanto, inclui obter informações sobre a história
clínica e a condição física e mental do paciente, determinando, então, se
exames complementares e interconsultas serão necessários.
Escolher um plano de cuidados anestésicos a ser seguido, orientar o
paciente sobre anestesia, tratamento da dor e cuidados perioperatórios, ajudarão
a reduzir a ansiedade e facilitar a recuperação. Obter o consentimento
informado e um cuidado perioperatório mais eficiente e menos dispendioso são
objetivos almejados4. O anestesiologista responsável deverá verificar que todos
os itens foram cumpridos adequadamente e registrados em formulários próprios5.
Certos problemas médicos, tais como fatores preditivos para intubação
traqueal difícil, asma, diabetes, drogas ilícitas, refluxo gastroesofágico (hérnia
de hiato), risco para endocardite bacteriana, história familiar ou pessoal de
hipertermia maligna, uso de inibidores da monoaminoxidase, neuropatia
motora periférica, gravidez, tuberculose pulmonar, insuficiência renal, entre
outros3-5, podem ser encontrados na avaliação pré-anestésica e podem
influenciar nos cuidados com o paciente no intra-operatório.

50
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Esta é a oportunidade para otimização do preparo pré-operatório:


obter valores basais pré-cirúrgicos e estabelecer um planejamento para o
pós-operatório imediato. Se, em uso de medicação, determinarem-se quais
devam ser continuadas, recomenda-se avaliar a necessidade de utilização
de fármacos, para prevenção de eventos adversos, como, por exemplo, o
uso de beta bloqueador.
Certos eventos, tais como o risco anestésico-cirúrgico, insônia pré-
operatória, medicação pré-anestésica, duração da cirurgia, sala de recu-
peração pós-anestésica, dor pós-operatória e previsão de alta hospitalar 3-5,
devem ser discutidos com o paciente, no pré-operatório.

Benefícios

A avaliação pré-anestésica realizada com antecedência leva a uma


diminuição de custos associados com exames pré-operatórios. Em pacientes
semelhantes, um número maior de exames é pedido durante uma avaliação,
em pacientes internados, e estes testes podem custar quatro vezes mais do
que os solicitados ambulatorialmente6.
Apenas 43% de pacientes vistos, em uma clínica de avaliação pré-
operatória, necessitaram de coleta de amostra de sangue, para exames antes
da cirurgia7. Este e outros trabalhos evidenciam claramente que o número de
exames pode ser diminuído,sem afetar a qualidade do tratamento oferecido8-12.
A manutenção da responsabilidade da preparação pré-operatória pelo
cirurgião resulta em um número maior de exames, consultas especializadas
desnecessárias, adiamentos e cancelamento de cirurgias13-16. Aliado a essas
considerações, soma-se o aspecto que há uma tendência de o paciente ser
preparado inadequadamente para a anestesia. Sabidamente, o anestesista é o
profissional com maior conhecimento das alterações que podem ocorrer durante
o ato anestésico, fazendo com que sua avaliação seja direcionada para aspectos
clínicos que possam levar a alterações no transcorrer do procedimento. Eventos
cardiológicos adversos intra-operatórios foram mais freqüentes, quando o
cirurgião foi o responsável pelo preparo pré-operatório do paciente17.
Existe pouca evidência de que haja melhora no prognóstico, nos casos
em que pacientes cujo procedimento cirúrgico seja adiado por clínico de
outra especialidade, contrastando, contrastando com menor morbidade e

51
Medicina Perioperatória

mortalidade, quando as recomendações do anestesiologista são seguidas no


perioperatório18. Quando a responsabilidade de solicitação de consulta com
outro especialista foi do anestesiologista, baseado em uma avaliação clínica
criteriosa, houve queda de 73% de solicitação dessas avaliações13.
A solicitação racional de exames, bem como de consultas
especializadas, é associada com diminuição do cancelamento de cirurgias,
levando à otimização do uso de salas de cirurgias com conseqüente melhor
resultado financeiro13,19.
A avaliação pré-anestésica realizada com antecedência permite a
internação no dia da cirurgia, em grande número de pacientes. Isso leva à
diminuição do tempo de internação e conseqüente redução de custos7,13.
Adicionalmente, existe um melhor fluxo de pacientes cirúrgicos e
conseqüente aumento no volume de cirurgias20.
Pacientes vistos com antecedência, ambulatorialmente, tiveram menor
tempo de internação do que pacientes semelhantes, porém avaliados já
internados21.
Outro aspecto positivo, na avaliação em clínica de avaliação pré-
operatória, é relacionado ao melhor registro dos dados relevantes, em ficha
apropriada e à possibilidade maior de valoração desses dados pelo
anestesiologista, que irá realizar o procedimento. Vale ressaltar que todos
os documentos gerados na clínica deverão ser anexados ao prontuário
médico, para uma segura realização do ato anestésico.
Benefícios adicionais são citados na literatura, incluindo: diminuição de
eventos cardíacos transoperatórios, queda do número de infecções de incisão
cirúrgica; redução de dias de ausência ao trabalho e diminuição da ansiedade
pré-operatória; seguidas da elevação do grau de satisfação do paciente2,17,22.

Aspectos Éticos

A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1363/93, de


12 de março de 1993, cita a avaliação pré-anestésica como indispensável:
“Antes da realização de qualquer anestesia é indispensável conhecer,
com devida antecedência, as condições clínicas do paciente a ser
submetido à mesma, cabendo ao anestesista decidir da conveniência
ou não da prática do ato anestésico, de modo soberano e

52
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

intransferível.” Apesar de a resolução não estabelecer a necessidade de


a avaliação ser realizada em consultório, pelo já exposto, não resta dúvida
de que, sempre que houver possibilidade, a avaliação deverá ser realizada
com antecedência, em ambiente tranqüilo e reservado.
A Resolução do CFM 1409/94, de 08 de junho de 1994, também cita
a avaliação pré-anestésica: “Regulamenta a prática da anestesia
ambulatorial, dos procedimentos endoscópicos e quaisquer outros
procedimentos invasivos fora da unidade hospitalar, com a utilização
de anestesia geral (venosa intramuscular ou inalatória). Reiterando a
necessidade da realização da consulta pré-anestésica”.
O Parecer do CFM 56/99, de 29 de setembro de 1999, estabelece o
aspecto ético da remuneração da avaliação pré-anestésica quando realizada
em consultório: “A avaliação pré-anestésica é direito do paciente e dever
do Médico Anestesiologista. As consultas anestesiológicas realizadas
em consultórios e/ou ambulatórios devem ser remuneradas, mantendo
tratamento isonômico com os demais médicos; o que não elide a avaliação
feita imediatamente antes do ato (visita pré-anestésica), esta já
remunerada como parte integrante do procedimento. A consulta pré-
anestésica resgata a saudável relação médico-paciente, devendo ser
colocada a disposição da sociedade de forma usual” .
A Conselheira Maria Lúcia Bomfim Arbex, na Consulta Nº 100.090/
03, do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia, esclarece a
situação em que um anestesiologista avalia e outro administra a anestesia:
“Não constitui ilícito a realização, por profissionais distintos, da
consulta pré-anestésica e do ato anestésico, sendo necessário que o
paciente consinta com o propost.”23.

Implantação

O passo inicial para a implantação de uma clínica de avaliação


pré-anestésica consiste em determinar qual a melhor forma de
operacionalizá-la, levando em consideração a forma de trabalho do
anestesiologista.
Para aqueles anestesiologistas que trabalham em sistema de grupo,
entendemos ser vantajosa a criação de uma clínica própria, que deverá ser

53
Medicina Perioperatória

adequada ao movimento previsto. Além da realização das consultas pré-


anestésicas, essa clínica poderá funcionar como central administrativa, local
para reuniões, centro de estudos etc.
Os custos da clínica serão rateados entre todos os sócios. Poderá
ser estabelecida uma escala para atendimento das avaliações, as quais
deverão ser marcadas com uma antecedência que permita ao anestesiologista
solicitar os exames necessários e também as consultas especializadas, para
pareceres.
Para aqueles que trabalham individualmente, devem ser estudadas
alternativas. A manutenção de um consultório individualmente é onerosa.
A incidência de impostos, pagamento de taxas, luz, água, telefone,
secretária, limpeza e condomínio torna praticamente inviável sua
manutenção por um único anestesiologista. Hoje, sabemos que um
consultório atinge o seu ponto de equilíbrio financeiro ao redor de 80 a
100 consultas mês.
A criação de um ambulatório dentro do hospital, com maior atuação do
anestesiologista, tem sido a mais freqüente forma de viabilizar a avaliação
pré-anestésica com antecedência. Para o hospital, representa economia, devido
a diminuição do cancelamento de cirurgias e melhor aproveitamento das salas
cirúrgicas, aliado ao menor tempo dispensado para avaliação do paciente
imediatamente antes do ato anestésico. Outro fator importante poderá ser a
melhor utilização dos recursos de laboratório e de imagens do hospital13,24.
Alternativamente, anestesiologistas que trabalham individualmente
poderão estabelecer sociedade com outros colegas, anestesiologistas ou
não, para manutenção de um consultório.
Através das cooperativas de anestesiologistas, também poderá ser
viável a criação de uma clínica para avaliação pré-anestésica, nos mesmos
moldes das clínicas de serviços privados.
Historicamente existe um certo grau de resistência por parte dos
cirurgiões, os quais temem perder o poder de decisão sobre a condução do
tratamento. É importante ser estabelecida uma relação de confiança,
garantindo que todo paciente avaliado, encontrando-se em condições clínicas
adequadas, terá seguimento para cirurgia, sem postergação ou cancela-
mentos indesejáveis.
Deverão ser ressaltadas as vantagens já enumeradas anteriormente,

54
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

aliadas a outras, também relevantes, tais como: melhor planejamento do


caso; direcionamento para anestesiologistas mais familiarizados com o
procedimento e a equipe cirúrgica; marketing do cirurgião; diminuição do
tempo dispensado pelo cirurgião, em sua avaliação; divisão de
responsabilidades; diminuição da necessidade de retornos para avaliação
de exames pré-operatórios e relatórios de pareceres. Como se pode
observar, não é difícil convencer os colegas cirurgiões acerca dos benefícios
da instituição da avaliação pré-anestésica com antecedência.

Aspectos Estruturais e Arquitetônicos de uma Clínica de


Avaliação Pré-Operatória

Para que se escolha a localização de uma clínica para avaliação


pré-anestésica, deve ser pensada a proximidade do hospital a um terminal
de transporte urbano e a um estacionamento que comporte o fluxo de
veículos.
O consultório deve ter uma sala de espera com tamanho adequado e
confortável, para que os pacientes aguardem a consulta. Nessa sala, poderá
ser aberta a ficha de cadastro, com os dados iniciais. (figura 1).

Figura 1 - Recepção de uma clínica de anestesiologia

55
Medicina Perioperatória

Uma sala para pré-consulta, individual, é conveniente para cadastrar


o tipo de cirurgia e dados antropométricos. (figura 2).
O número de consultórios deve ser adequado ao fluxo de pacientes e
ao número de anestesiologistas que ali trabalham. Em nossa experiência, um
consultório possibilita atender aproximadamente 20-25 pacientes por turno.
A clínica de avaliação pré-operatória pode ser o centro administrativo
de uma equipe de anestesiologia. Nesse caso, é conveniente incluir no projeto
um espaço para área administrativa, biblioteca, sala de reuniões e lazer.
(figuras 3 e 4).

Formulários

Quando se trabalha em uma equipe ou departamento de anestesiologia,


é muito útil que seja estabelecida uma rotina de exames e uma rotina para
o jejum pré-operatório. Essas rotinas podem ser distribuídas aos colegas
anestesiologistas e cirurgiões. A rotina de exames pré-operatórios, para
pacientes assintomáticos, em nossa clínica, consta de ECG, para homens

Figura 2 - Sala de pré-consulta

56
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Figura 3 - Setor administrativo de uma clínica de avaliaçao pré-operatória

Figura 4 - Biblioteca

57
Medicina Perioperatória

acima dos 40 anos e mulheres acima dos 50anos. Outros exames


complementares somente devem ser solicitados, se forem baseados na
avaliação clínica e no procedimento proposto. É conveniente reencaminhar,
anualmente, os exames de rotina para os cirurgiões, pois existe uma
tendência entre estes de, em poucos meses após o recebimento deles, o
colega voltar a solicitá-los de forma inadequada. Deve-se solicitar que o
paciente seja encaminhado para avaliação, no período de sete a quatorze
dias antes do procedimento.
Para facilitar o encaminhamento dos pacientes, uma ficha com o
endereço da clínica de avaliação pré-anestésica pode ser distribuída aos
cirurgiões. Nessa ficha deverá constar o nome do paciente, nome do cirurgião,

Figuras 5 e 6 - Ficha de encaminhamento à Clínica de


Avaliação Pré-operatória. Frente e verso

58
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

código da cirurgia, clínica ou hospital onde será realizado o procedimento,


convênio, data e horário proposto. (figuras 5 e 6).
Um manual com explicações e orientações ao paciente sobre o
preparo pré-operatório e a anestesia, distribuído na sala de espera, pode
diminuir o tempo da consulta, por facilitar o entendimento das explicações
que serão fornecidas pelo anestesiologista, no transcorrer da avaliação.
(figura 7).
A ficha para registro dos dados básicos e da consulta pré-anestésica
pode ser desenvolvida de maneira aberta, com espaço específico para
anamnese, exame físico, resultados de exames, avaliações, prescrição de
medicação pré-anestésica, orientações sobre jejum e outras observações.
(figura 8)
Alguns serviços adotam ficha com informações dirigidas, para auxiliar
a anamnese. Em nosso programa, logo após o anestesiologista classificar o
paciente, pela escala de Mallampati, em três ou quatro, uma ficha de
avaliação de via aérea completa é aberta (figura 9).

59
Medicina Perioperatória

Figura 7- Manual de orientações ao paciente

60
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Figura 8 - Folha de avaliação pré-anestésica

Ao final da consulta, um termo de consentimento informado livre e


espontâneo é apresentado ao paciente ou ao seu responsável. Esse termo
deve ser de fácil entendimento ao paciente leigo. (figura 10).
Para os pacientes que necessitam de justificativa para o trabalho ou
escola, de que compareceram à consulta pré-anestésica, poderá ser entregue
uma declaração padrão constando data e horário em que foi realizada a
avaliação.

61
Medicina Perioperatória

Figura 9 - Fatores preditivos para intubação traqueal difícil

Para pacientes particulares, em que há necessidade de acerto de


honorários, sugerimos que essa função seja delegada a apenas uma pessoa,
de preferência alguém do setor de administração da clínica, não médico.
Nós, médicos, na grande maioria das vezes, sentimo-nos constrangidos em
estabelecer o valor de nossos honorários junto ao paciente. Além do mais,
passar de uma relação profissional de empatia para uma relação comercial
pode ser desagradável. Um contrato de prestação de serviço deverá ser
formalizado junto aos pacientes particulares. (figura 11).

62
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Figura 10 - Termo de consentimento informado

Para os pacientes ambulatoriais, uma folha com orientações sobre o


pós-operatório deve ser impressa em acordo à Resolução 1409/94. (figura
12)
Visando ao aperfeiçoamento e à manutenção da qualidade do
atendimento da clínica de avaliação pré-operatória, é útil que se avalie a
qualidade de serviços prestados por ela, em intervalos regulares, através de
uma ficha simples, conforme modelo contido na figura 13.

63
Medicina Perioperatória

Figura 11 - Contrato de prestação de serviços

64
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Figura 12 - Instruções para pacientes ambulatoriais

65
Medicina Perioperatória

Figura 13 - Avaliação de qualidade de serviços prestados

66
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

Conclusão

Macuco e colaboradores, em 1999, levantaram a opinião dos pacientes


que passaram por uma clínica de avaliação pré-operatória e concluíram
que: a) o medo do desconhecido foi a resposta presente, em 34,8%, para
justificar a apreensão relacionada ao ato anestésico; b) a função do
anestesiologista é cuidar/confortar/observar ou preparar/informar/avaliar o
paciente, para 37,4% dos entrevistados; c) a formação do anestesiologista
é em medicina foi a resposta de 96% dos pacientes 25.
Clínicas de avaliação pré-operatória estão sendo implantadas em
muitas instituições acadêmicas e privadas nos últimos anos. Uma clínica de
avaliação pré-operatória é um investimento para a equipe de anestesiologia
e para o hospital. Essa clínica reduz os custos perioperatórios, melhora a
eficiência dos serviços clínicos e aumenta a satisfação dos pacientes e dos
cirurgiões em relação aos serviços perioperatórios prestados3, 4.
A clínica de avaliação pré-operatória freqüentemente é o primeiro contato
do paciente com o serviço de anestesia e com o hospital. É um investimento
positivo para o serviço de anestesiologia e tem sido reconhecida como um
centro para diminuir os custos perioperatórios, melhorar a eficiência do serviço
prestado, implementar protocolos e instituir programas educacionais26.
Aos anestesiologistas, o estabelecimento de uma clínica de avaliação
pré-operatória pode vir a ser um novo mercado a ser explorado27.

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Medicina Perioperatória

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68
Clínica de Avaliação Pré-Operatória

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Comparação entre o sexo masculino e feminino. Rev Bras Anestesiol, 1999; 49:
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uma clínica de avaliação pré-operatória em indicadores de desempenho. Rev
Bras Anestesiol, 2005; 55:175 – 187.
27 - Longnecker D. Planning the future of anesthesiology. Anesthesiology,
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69
Visita e Medicação Pré-Anestésica
Glória Maria Braga Potério, TSA/SBA*
Angélica de Assunção Braga, TSA/SBA**
Franklin Sarmento da Silva Braga***
Rosa Inêz Costa Pereira, TSA/SBA****

1. Visita pré-anestésica

A avaliação pré-anestésica, por definição, consiste na obtenção de


múltiplas informações do paciente, durante um processo que inclui a visita
pré-anestésica, a revisão do prontuário médico, o exame físico e a
complementação com exames laboratoriais. O anestesiologista também
pode indicar interconsultas com especialistas, para avaliações específicas.
De posse desses resultados, é possível determinar a condição física dos
pacientes e estimar o risco anestésico cirúrgico, bem como fazer a escolha
da técnica anestésica a ser empregada, que são alguns dos objetivos dessa
avaliação.1

* Professora Associada do Departamento de Anestesiologia FCM - UNICAMP.


** Professora Associada do Departamento de Anestesiologia da FCM - UNICAMP.
*** Professor Doutor do Departamento de Anestesiologia da FCM - UNICAMP.
**** Professora Doutora do Departamento de Anestesiologia da FCM - UNICAMP.
Medicina Perioperatória

A avaliação feita no pré-operatório é usada para coletar dados que


contribuam para a eficácia dos cuidados no perioperatório, inclusive para o
tratamento da dor pós-operatória. Também é oportuna para um processo
educativo, para a transmissão de conhecimentos sobre a doença do paciente,
o transcorrer do ato anestésico-cirúrgico e a atuação do anestesista como
um médico perioperatório. Essas informações contribuem para tornar o
paciente confiante e menos ansioso, atingindo assim, um outro objetivo da
visita pré-anestésica.
A eficácia da visita pré-anestésica, quanto à redução da ansiedade
dos pacientes, foi bem comprovada há cerca de 30 anos, com o trabalho de
Egbert e colaboradores.2 Eles avaliaram cerca de 500 pacientes, adolescentes
e adultos, que receberam visita pré-anestésica, distribuídos em 3 grupos. O
primeiro recebeu barbitúrico como pré-anestésico; o segundo, somente a
visita pré-anestésica e o terceiro, as duas intervenções. Em relação à
ansiedade e à percepção dos pacientes, quanto ao seu próprio grau de
nervosismo, o grupo que recebeu apenas visita pré-anestésica teve um melhor
desempenho, evidenciado por menor grau de ansiedade e de nervosismo,
do que o grupo medicado com barbitúrico,
O maior benefício da informação pré-operatória resulta da
possibilidade de o paciente entender o que irá acontecer no transcorrer
de sua internação.3 Em pacientes candidatos à cirurgia cardíaca, Anderson
constatou que, embora seja muito importante que o paciente esteja
informado sobre sua anestesia/cirurgia, a redução da ansiedade é maior,
quando essas informações contribuem para que ele se sinta seguro. O
aspecto de bem estar psicológico advindo da interação anestesiologista/
paciente, durante a visita pré-anestésica, também repercutiu na menor
ocorrência de hipertensão arterial, no pós-operatório imediato, mas não
alterou o consumo de drogas para controle da dor pós-operatória e o
período de internação.
Alguns itens que podem facilitar ou interferir negativamente na
desejada interação anestesiologista/paciente foram bem avaliados. Entre
eles, a percepção, por parte dos pacientes, da importância do trabalho médico,
a partir da análise da maneira de se vestir do anestesiologista. Embora os
pacientes tivessem demonstrado preferência pelas vestimentas mais
clássicas, quando comparadas ao uso do jeans e camisetas, esse aspecto

72
Visita e Medicação Pré-Anestésica

não influenciou no grau de satisfação dos pacientes, com a visita pré-


anestésica nem com o anestesista em si. Vale salientar, entretanto, que,
nesses estudos, houve uma clara preferência dos pacientes pelo uso do
avental branco, identificado com o nome do médico. A provável explicação
é a possibilidade de fácil identificação dos indivíduos.4, 5
Durante a visita pré-anestésica, é interessante tentar identificar
quais informações são mais importantes para os pacientes. Estudos bem
delineados mostraram que, para os pacientes, a prioridade maior é
conhecer o seu anestesiologista, antes da cirurgia. Em alguns desses
trabalhos, a importância dada às informações sobre a técnica anestésica,
seus riscos, e a necessidade de drenos e de punções no pós-operatório
tiveram pouca relevância, enquanto foram informações consideradas
importantes, em outros. Há evidências de que não há correlação entre a
complexidade ou o volume de informações fornecidas aos pacientes e o
nível de ansiedade, mas há co-relação entre o grau de satisfação do
paciente e as informações. Dessa forma, é necessário que o aneste-
siologista esteja alerta, para fornecer somente aquelas informações que
o paciente deseja receber. 5-8
Em alguns serviços, a consulta com o anestesiologista é precedida
ou é complementada pela leitura de material didático, que pode ser
apresentado sob a forma de vídeo, cartilhas, brochuras e outras. A principal
vantagem desse material é tornar menos enfadonho o trabalho do
anestesiologista. Sem esse tipo de complementação, o anestesiologista teria
de repetir várias vezes por dia a mesma orientação. Por outro lado, torna
mais fácil para o paciente identificar suas dúvidas e apreensões e, assim,
otimizar seu questionamento ao anestesiologista.9-12.
Do ponto de vista do crescimento da anestesiologia, enquanto
especialidade, a visita pré-anestésica é valiosa. Ela deve ser entendida
como parte de um processo educativo que leva o paciente e seus familiares
a perceberem o real papel do anestesiologista, como o médico que irá
atendê-los no período perioperatório. Esse processo educativo pode
repercutir no futuro, na medida que o paciente satisfeito é formador de
opinião junto aos planos de saúde e aos demais especialistas, influenciando
na garantia de assistência de qualidade no intra-operatório e no tratamento
da dor aguda.

73
Medicina Perioperatória

2. Exame físico

O exame físico é sempre precedido da leitura criteriosa do prontuário


do paciente ou do relatório do médico que fez o encaminhamento, incluindo
os exames já realizados. Quando a visita pré-anestésica é feita durante o
período de internação, geralmente na véspera da cirurgia, esse procedimento
fica facilitado. Quando se trata de pacientes ambulatoriais, a avaliação feita
imediatamente antes do procedimento não é adequada. Assim, a critério de
cada serviço, pode ser adotada uma, dentre as seguintes formas de avaliação:
a) visita ao hospital, previamente à cirurgia; b) consultório de anestesia,
considerado o método mais adequado; c) entrevista pelo telefone; d)
questionário escrito.13-15
Após a leitura do prontuário, é possível fazer o exame físico de forma
mais dirigida, priorizando aspectos relacionados à doença de base e/ou a
doenças coexistentes e seus fatores de risco.

3. Seleção dos Pacientes

A classificação mais adotada, para descrever o estado geral dos


paciente,s é a recomendada pela Sociedade Americana de Anestesiologia
(ASA). Anteriormente, essa classificação padronizou o estado físico em
classes de 1 até 6, precedidas da sigla ASA. (tabela 1). Em recente revisão,
ficou padronizada a substituição dessa sigla pela letra P (maiúscula) seguida
de números, para caracterizar os diferentes graus de comprometimento do
estado físico.16-17

4. Previsão de intubação difícil

A avaliação do grau de dificuldade à intubação deve ser feita em


todos os pacientes, independentemente da indicação, ou não, de anestesia
geral. Alguns achados do exame físico sinalizam para maior dificuldade
durante as manobras de laringoscopia e intubação, como: boca pequena
e/ou com restrição à abertura, mandíbula retraída, pescoço curto e
musculoso, presença de tumoração no orofaringe, anomalias da língua,
seqüelas de queimaduras com restrição da movimentação do pescoço ou

74
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Tabela 1 – Classificação de estado físico de acordo com a Sociedade


Americana de Anestesiologia (ASA).16-17
Estado Físico
Mortalidade H
Anterior Atual Descrição Perioperatória

ASA 1 P1 Sadio, sem nenhuma alteração orgânica 6–8

ASA 2 P2 Presença de distúrbio sistêmico leve ou 27 40


moderado, causado por doença sistêmica ou pela
própria doença cirúrgica

ASA 3 P3 Presença de grave distúrbio sistêmico, de qualquer 180 – 430


causa com limitação de atividade, mas não
incapacitante

ASA 4 P4 Paciente com doença sistêmica grave que 780 – 2 300


representa risco de vida

ASA 5 P5 Moribundo, cuja expectativa de vida é 940 – 5 100


representada pela cirurgia

ASA 6 P6 Paciente com morte cerebral, anestesiado para


doação de órgãos

E a adição da sigla E, a qualquer item, indica a condição de emergência

H - indicador correspondente a 1: 10 000 pacientes anestesiados

da abertura da boca. Em cirurgias de urgência, devm-se considerar, como


fator de risco, os traumatismos de cabeça e pescoço com sangramento
de face.
No entanto, a ausência destes indicativos não exclui o risco de
dificuldades à intubação. Para melhor definição das condições de realizá-
la, recomenda-se que sejam feitos testes, dentre os quais, o mais aceito é o
proposto por Mallampati,18 que deve ser realizado com o paciente sentado,
com o observador posicionado de tal forma que seus olhos estejam no mesmo
nível dos do paciente (tabela 2).

75
Medicina Perioperatória

Tabela 2 - Classificação do resultado do teste de Mallampati,18 para avaliação


das condições de intubação orotraqueal, de acordo com Samsoon & Young19

Classe Descrição Diculdade á intubação

1 palato mole, fauce, úvula e pilares visíveis; presumivelmente fácil

2 palato mole, fauce e úvula visíveis;


dificuldade esperada
3 palato mole, e base de úvula visíveis;

4 palato mole não visível, totalmente; muito difícil

5. Exames pré-operatórios

A solicitação de exames durante a avaliação pré-operatória depende


de fatores ligados ao paciente (idade, obesidade, etc), à doença de base e
outras coexistentes e ao tipo de cirurgia. Os exames complementares podem
ser úteis também na detecção de doenças ainda em fase incipiente, e
permitirem o planejameto adequado do ato anestésico cirúrgico.
Os exames complementares de pacientes sem doença crônica
degenerativa podem ter validade ampliada e não é necessária a repetição
de exames realizados há dois meses cujo resultado tenha sido normal.

6. Uso prévio de medicamentos

Uma grande parte dos pacientes candidatos à cirurgia faz uso de um


ou mais medicamentos, o que representa risco de interação com os fármacos
usados na anestesia. A ocorrência dessas interações depende de fatores
como: o tempo de uso do medicamento, a idade e o peso do paciente, a
concomitância com indução enzimática, entre outros.20 Anteriormente, a
prevenção dessas intercorrências era feita com a suspensão, no pré-
operatório, da medicação usada pelo paciente. O critério atual prevê a
manutenção da medicação, com exceção de inibidores da MAO, hipo-
glicemiantes orais, inibidores do apetite, anticoagulantes, fibrinolíticos e alguns
fitoterápicos com ação na coagulação.

76
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Os medicamentos mais freqüentemente usados pela população em


geral e seus efeitos, que podem representar risco anestésico-cirúrgico,
constam da tabela 3.

Tabela 3 - Drogas de uso freqüente pelos pacientes e seus efeitos,


que representam fator de risco durante anestesias.
(construída com dados das ref 21, 22 e 23)

Droga Mecanismo de ação Fator de risco

Reserpina i depósito de “ ação de vasopressores de ação indireta


catecolamina “ sensibilidade a vasopressores de ação direta
” CAM de anestésicos inalatórios
“ irritabilidade miocárdica em associação c/
alfentanil

Metildopa produz falso ” ação de vasopressores de ação indireta


neurotransmissor resposta hipertensiva em associação com o
propranolol

Inibidores da instabilidade hemodinâmica na indução da


ECA anestesia
captopril ’ hipercalemia moderada

Bloqueadores de ” FC, ” alteram a ação de: lidocaína, bupivacaína,


canal Ca++ contratilidade, ” diazepam, disopiramida, propranolol;
condução A-V, ” potenciam BNM competitivos.
CmO2 p/ miocárdio, “ depressão miocárdica com halogenados
dilata arteríolas BAV total em associação c/ digital ou β-
cerebrais, coronárias e bloqueadores
sistêmicas verapamil em associação c/ bupivacaína = ”PA,
ligam-se a proteínas ”FC
plasmáticas diltiazem prolonga ação – midazolam,
alfentanil

α-bloqueadores ”a resposta ” depressão cardiovascular c/agentes anestésicos;


vasoconstictora a “ os efeitos β de catecolaminas endógenas e
hipovolemia exógenas

β-bloqueadores ” a reserva cardíaca “ depressão miocárdica c/ halogenados e ag. venosos


e bloqueadores de canal de cálcio
propranolol ’ “ hipercalemia após succinilcolina,
”clearance pulmonar do alfentanil, ” dose de
nitroprussiato de sódio;
timolol ’ broncoespasmo;

Vasodilatadores relaxam musculatura “ efeitos hipotensores dos anestésicos;


lisa dos vasos nitroprussiato e nitroglicerina ’ “ duração
do bloqueio neuromuscular

77
Medicina Perioperatória

diuréticos , hipovolemia, hipocalemia e alcalose


respiratória ’ arritmias cardícas;
cloro e hidroclorotiazida ’“ toxicidade de
digitáli-cos; “ duração dos BNMs competitivos;
ácido etacrínico e furosemida ’“ duração dos
BNM competitivos, nefrotoxicidade de
aminoglícosídeoes e cefalosporinas;
espironolactona ’ hiperpotassemia;

antiarrítmicos quinidina ’ deprime niocárdio, “ duração dos


BNM despolarizantes e competitivos;
amiodarona ’ bradiarritmias, ” PA e baixo
débito durante anestesia

ganglioplégicos altera fluxo “ duração dos BNM despolarizantes e


sanguineo muscular, competitivos;
inibe
pseudocolinesterase,
”sensibilidade da
membrana pós-
juncional

corticoesteróides hipofunção da
suprarenal (até
6m.após)

isoniazida “ fração metabolizada do isoflurano

Inibidores da interfere com o “ PA, “ da TC, “ sudorese, hemorragia


MAO metabolismo da subaracnóidea em associação c/
serotonina e simpatomiméticos;
norepinefrina vasopressores de ação indireta e opióides
(MAO-A), e da (meperidina em especial) ’“ PA, grave;
feniletiamina e “ PA ou ” PA grave, coma e morte durante
tiramina (MAO-B) anestesias

Antidepressivos bloqueiam “ resposta aos vasopressores de ação indireta;


tricíclicos recaptação de “ risco de arritmias c/ halogenados;
noradrenalina “ efeitos centrais dos anticolinérgicos
“ efeitos adrenérgicos da cetamina e do
pancurônio

levodopa “ estoques de ” PA, arritmias cardíacas e rigidez torácica,


dopamina nos durante anestesias em idosos;
gânglios basais de sintomas extrapiramidais em associação a
parkinsonianos (a fenotia zínicos e butirofenonas;
interrupção da
terapia p/ 6h ou
mais ’rigidez
muscular)
potencializa BNM competitivos e
carbonato de ” liberação de despolarizantes;
lítio acetilcolina ” necessidade de anestésicos

78
Visita e Medicação Pré-Anestésica

fenotiazínicos potencializam opiódes e barbitúricos;


têm propriedades antianalgésicas;
prometazina – interfere c/ a tipagem sanguinea
clorpromazina - “ o bloqueio da
succinilcolina;

anticonvulsivantes provocam indução “ biotransformação e a toxicidade dos anestésicos


(barbitúricos) enzimática inalatórios;
“ metabolismo de: warfarin, fenitoína,
fenilbutazona prednisona, hidrocortisana,
digoxina;

anticonvulsivantes “ resistência aos BNM competitivos


(fenitoina -
difenilhidantoína)

anticonvulsivantes “ resistência aos BNM competitivos;


(carbamazepina) ” menor duração do atracúrio;
“ risco de hepatotoxicidade aos halogenados

zoplicona potencializa BNM competitivos e despolarizantes


(imovane) potencializa depressores do sistema nervoso
central;

hipoglicemiantes risco de acidose lática no peri-operatório


orais agravado por insuficiência renal ou choque;

bambuterol broncodilatador, “ duração da succinilcolina podendo levar a


”atividade da bloqueio de fase II
colines-terase
plasmática

sulfato de ” liberação de potencializa BNM competitivos e


magnésio acetilcolina despolarizantes

colchicina potencializa BNM competitivos


maior grau de fasciculação c/ a succinilcolina

quimioterápicos ciclofosfamida - inibe a pseudocolinesterase;


bleomicina – toxicidade pulmonar até 10 dias
após a anestesia; doxorrubina ’
miocardiopatia; metotrexato - “ efeitos tóxicos
de óxido nitroso

imunossupressores

protamina exposição prévia á insulina NPH ’ reações graves


reações alérgicas em pacientes vasectomizados;

agonistas de inibem recaptação altas doses ou associação a IMAO ou meperidina


serotonina ’ agitação, “TC, “ sudorese, hipereflexia;
antagonistas de
serotonina

79
Medicina Perioperatória

7. Medicação pré-anestésica

A medicação pré-anestésica ideal deve proporcionar diminuição da


apreensão e da ansiedade, tornando o paciente capaz de enfrentar o estresse
anestésico cirúrgico com calma e confiança. Também deve reduzir a
atividade reflexa e produzir amnésia, para que a recuperação seja suave e
sem lembranças desagradáveis. Outros dois aspectos são igualmente
importantes: o primeiro é a potencialização das drogas usadas na anestesia,
permitindo o uso de menores doses, conseqüentemente, aumentando a
margem de segurança quanto aos efeitos colaterais indesejáveis; o segund,
é a diminuição das secreções salivar e da árvore respiratória. O aumento
de secreções nas vias aéreas superiores dificulta a laringoscopia e a
intubação traqueal. Durante as cirurgias, a presença de secreções na árvore
traqueobrônquica representa fator de risco de hipoventilação e dificuldade
na manutenção da anestesia inalatória, porque pode provocar obstrução
mecânica, de graus variáveis. Também contribui para a maior morbidade
pós-operatória, em virtude da eventual formação de áreas atelectásicas.
A indicação de medicação pré-anestésica pode ser opcional, porém,
uma vez indicada, deve ser utilizada de forma criteriosa, em função do
estado físico do paciente, do procedimento a ser realizado e das
características farmacológicas das drogas. 24
Uma das principais finalidades da medicação pré-anestésica é a
diminuição do metabolismo basal e, secundariamente, a diminuição do
consumo de drogas no intra-operatório.
O metabolismo basal é responsável pela produção da energia
necessária ao funcionamento dos sistemas respiratório, cardiocirculatório,
endócrino e outros, e a sua atividade depende de vários fatores, como idade,
sexo, temperatura e estresse. Em relação à idade, é baixo, ao nascimento;
atinge o primeiro pico, entre os 6 e 18 meses; decresce e volta a níveis
progressivamente mais elevados, alcançando um segundo pico, aos 12 anos.
Estabiliza-se, a partir da adolescência e nos adultos jovens; voltando a
diminuir, na velhice. Nas mulheres, é menor, cerca de 10%, do que nos
homens. A elevação da temperatura provoca aumento de metabolismo basal,
cerca de 10% para cada grau. Ao contrário, a diminuição de temperatura
provoca estado de menor metabolismo.

80
Visita e Medicação Pré-Anestésica

As condições que levam à maior liberação de catecolaminas


endógenas, como, por exemplo, a apreensão e a dor, provocam aumento do
metabolismo basal (aproximadamente 20%). Esses dois fatores, geralmente
presentes no período pré-anestésico, justificam a utilização de medicação
pré-anestésica. A dor, quando presente no pré-operatório, contribui para
um estado de maior agitação e ansiedade. Nessas condiçõe, a medicação
deve incluir fármacos com potência analgésica e os benzodiazepínicos devem
ser evitados.
A redução de secreções é obtida com a inclusão de drogas anti-
sialagogas. Deve ser levada em conta, também, a eventualidade de aumento
da secreção gástrica e/ou de retardo no esvaziamento gástrico, como ocorre
frente às condições de estresse, nas gestantes, nos diabéticos, nos pacientes
com hérnia de hiato ou refluxo gastroesofágico e nos obesos. Nessas
condições, é importante a indicação de antiácidos, de antagonistas de H 2 e/
ou de drogas gastrocinéticas.
Na medicação pré-anestésica de pacientes candidatos a cirurgias
que aumentam o risco de náuseas e vômitos pós-operatórios, é imprescindível
a associação de drogas com efeito antiemético. Dentre essas cirurgias,
incluem-se laparoscopias, ginecológicas ou não, cirurgias de ouvido e
oftalmológicas; especialmente, as de correção de estrabismo. Um fator
que contribui para a ocorrência de náuseas e vômito, no pós-operatorio, é o
uso de anestesia inalatória. Neste caso, representam fatores preditivos:
pacientes do sexo feminino, com história de labirintose ou vômitos pós-
operatórios, não fumantes e candidatos ao uso de opióides, no pós-operatório.
A presença de, pelo menos, dois desses fatores justifica o uso de antieméticos,
na medicação pré-operatória. Essa prática está sendo substituída pelo uso
de antieméticos, por via venosa, administrados pouco antes do término das
cirurgias. 21-22, 25

7.1 Barbituratos

Os barbituratos usados como medicação pré-anestésica, o


secobarbital e o pentobarbital, têm como principal vantagem o efeito sedativo,
sem efeitos significativos sobre a respiração e o sistema cardiocirculatório.
O mecanismo de ação é a interação com o ácido gama-amino-butírico

81
Medicina Perioperatória

(GABA). A ativação dos receptores GABA leva ao aumento da condutância


ao cloro e à hiperpolarização da membrana pós-sináptica. 21- 22
Uma restrição ao uso de barbituratos é o risco de agitação psicomotora,
que ocorre na vigência de episódios de dor. A explicação para essa manifestação
paradoxal é que a sedação, com pequenas doses de barbituratos, diminui o
limiar para a dor, mimetizando um efeito anti-analgésico. Os barbituratos são
contra-indicados em pacientes com porfiria intermitente aguda, porque podem
precipitar crises de agudização da doença. 21-22
Preferencialmente, são administrados por via oral e, quando
administrados por esta via, não provocam náuseas ou vômitos. A sonolência
que se segue à administração, por via oral, de uma dose hipnótica, permanece
por curto período de tempo, mas o efeito residual sobre o sistema nervoso
central, exteriorizado como ressaca, permanece por algumas horas. Esse
fato contra-indica ou limita o uso de barbituratos como medicação pré-
anestésica, em pacientes ambulatoriais.
O secobarbital é mais indicado para adultos e a dose oral varia entre
50 e 200mg. O início de ação ocorre em cerca de 60 a 90 minutos e o efeito
sedativo permanece por 4 horas. A recuperação da integridade da função
cerebral ocorre após período superior a 10-22 horas.
O pentobarbital pode ser usado por via oral ou parenteral. A meia
vida de eliminação é de 50 horas, sendo contra-indicando o seu uso, como
pré-anestésico, para procedimentos de curta duração ou ambulatoriais. A
dose para uso oral, recomendada para adultos, é de 50-200mg. Stoeltin.
Para as crianças, o pentobarbital pode ser oferecido diluído em refrigerante
do tipo cola, para atenuar o sabor desagradável e permitir sua melhor
aceitação. O volume total deve ser restrito a, no máximo, 5ml. 26
Em nosso meio, a eficácia do pentobarbital foi avaliada em crianças.
Na dose de 2,5mg/kg, por via oral, essa droga foi eficaz na proteção, quanto
ao sofrimento da separação dos pais e da indução de anestesia. Como
inconveniente, prolongou o tempo de permanência na recuperação pós-
anestésica sem, no entanto, alterar o tempo de permanência hospitalar. 26
Como os barbituratos não têm especificidade de ação no sistema
nervoso central e seu índice terapêutico é mais baixo do que o dos
benzodiazepínicos, na prática, eles foram substituídos, com vantagens, pelos
benzodiazepínicos.

82
Visita e Medicação Pré-Anestésica

7.2 Benzodiazepínicos

Os benzodiazepínicos representam o grupo farmacológico atualmente


mais utilizado como medicação pré-anestésica. Eles diminuem a ansiedade,
produzem amnésia anterógrada e sedação. Os benzodiazepínicos também
são anticonvulsivantes e miorrelaxantes, propriedades essas que não são
úteis na medicação pré-anestésica.
O mecanismo de ação, para se explicar esses efeitos, é a facilitação
de ação do ácido gama-amino-butírico, o principal neurotransmissor com
efeitos inibitórios do sistema nervoso central, a partir da ligação do
benzodiazepínico com sítios específicos dos receptores gabaérgicos. Como
resultante dessa interação, os canais de cloro permanecem abertos por um
tempo mais prolongado, levando à maior condutância ao cloro e, em
conseqüência, à hiperpolarização das membranas das células pós-sinápticas.
Essas alterações diminuem o limiar de excitação dos neurônios pós-
sinápticos. A ocupação de cerca de 20% dos receptores produz diminuição
da ansiedade; de 30 a 60%, produz sedação e, acima de 60%, produz
inconsciência.
Dentre os benzodiazepínicos disponíveis para uso clínico, o lorazepam,
o oxazepam e o temazepam são inativados, por glicuronidização, e não
formam metabólitos ativos, enquanto os que são metabolizados por oxidação
pelo sistema microssomal hepático, como o diazepam, podem formar
metabólitos ativos. Este último não é indicado para pacientes idosos que,
intrinsecamente, já são mais sensíveis aos benzodiazepínicos. Embora os
benzodiazepínicos sejam metabolizados pelo sistema microssomal hepático,
eles não provocam indução enzimática. O midazolam e o diazepam são os
mais empregados como medicação pré-anestésica. 21-22, 25

7.2.1 Diazepam

O diazepam é considerado o padrão, para a comparação com os


demais benzodiazepínicos. É altamente lipossolúvel, com duração de ação
mais prolongada do que o midazolam. Por ser pouco solúvel em água, a
preparação comercial de diazepam contém solventes orgânicos,
propilenoglicol e benzoato de sódio, que provocam dor à injeção intramuscular

83
Medicina Perioperatória

ou intravenosa. A diluição com água ou solução salina causa turvação mas


não altera a potência da droga.21-22, 24, 25
O diazepam é absorvido rapidamente através da mucosa intestinal.
Após a administração oral, o tempo para atingir a concentração máxima no
plasma varia com a idade. Nos adulto, ocorre em cerca de 1 hora e, nas
crianças, em 15 a 30 minutos. O diazepam alcança rapidamente o cérebro
mas, na seqüência, a exemplo do que ocorre com o midazolam, a sua
concentração diminui, em função da redistribuição para outros tecidos. A
duração de ação depende, fundamentalmente, da velocidade de
metabolização e da eliminação.
A metabolização do diazepam ocorre principalmente no fígado. O
sistema microssomal hepático atua, promovendo n-desmetilação e dando
origem a dois metabólitos: o desmetildiazepam e o oxazepam. O primeiro
sofre metabolização mais lenta e é discretamente menos potente do que o
diazepam. Ambos podem ser responsáveis pelo novo pico de sonolência que
ocorre tardiamente, cerca de 6 a 8 horas após a administração do midazolam.
Também, a recirculação êntero-hépatica pode contribuir para a recurrência
da sonolência. 22 A meia vida de eliminação (cerca de 21 a 37 horas) está
prolongada, nos pacientes com cirrose hepática, nos renais crônicos e nos
idosos. Um dos mecanismos que explicam o aumento da meia vida nos
hepatopatas e que também explicam o que ocorre nos renais crônicos é a
menor taxa de ligação à albumina, em função dos níveis baixos de proteínas
plasmáticas. O outro é a diminuição do fluxo sangüíneo hepático que se
acompanha da diminuição do clearence de diazepam. Nos idosos, a explicação
pode ser o aumento do tecido adiposo que ocorre com a idade e que contribui
para o aumento do volume de distribuição. O desmetildiazepam, o metabólito
mais ativo do diazepam, tem uma meia vida de eliminação de maior duração
do que o diazepam (48 a 96 horas). Assim, pode ocorrer sonolência prolongada,
após o uso de altas doses ou após a descontinuação do uso crônico de diazepam.
O volume de distribuição do diazepam é grande (tabela 4),
considerando-se a grande solubilidade em gorduras e o fácil “up-take”
pelos tecidos. Assim, o volume de distribuição é maior, nas mulheres, nos
idosos e nos obesos. O diazepam atravessa a placenta e os níveis sangüíneos
fetais atingem rapidamente níveis próximos ou até mesmo maiores do que
os níveis maternos. 27.

84
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Tabela 4 - Benzodiazepínicos – características farmacocinéticas22

Droga Volume de Clearence T½ beta (horas)


distribuição (l/kg) (ml/min/kg)

Diazepam1,0-1,5 0,2-0,5 21-37

Midazolam 1,0-1,5 6-8 1-4

Quando usado como droga única, em doses menores do que 0,2mg/


kg, por via intravenosa, os efeitos do midazolam sobre os sistemas respiratório
e circulatório são mínimos. Com essa dose pode ocorrer queda da ventilação,
com discreto aumento dos níveis de PaCO2. A associação do diazepam
com outros depressores do sistema nervoso central, inclusive com o álcool,
pode ocasionar depressão respiratória grave. Os pacientes com doença
pulmonar obstrutiva crônica também são susceptíveis a desenvolverem
depressão respiratória prolongada. O diazepam não tem efeito no sistema
nervoso autônomo e não causa hipotensão ortostática.

7.2.1.1 Medicação pré-anestésica

A dor à injeção intramuscular e a não previsibilidade da absorção do


diazepam, por esta via de administração, tornam a via oral a preferencial
para a medicação pré-anestésica. O diazepam não produz amnésia
retrógrada e o seu efeito, quanto a esse tipo de amnésia, é de menor
intensidade do que a produzida pelo lorazepam. Esse efeito pode ser
amplificado pelo uso concomitante de escopolamina.

7.2.2. Midazolam

O midazolam é um benzodiazepínico solúvel em água, duas a três vezes


mais potente do que o diazepam e com maior afinidade pelos receptores
benzodiazepínicos, cerca de duas vezes a afinidade do diazepam. Produz amnésia
anterógrada e sedação relacionadas à dose utilizada. O período de amnésia,
após dose única de 5mg, pode perdurar por 20 a 30 minutos. A recuperação da
função mental normalmente ocorre dentro de 4 horas, mas pode ser postergada,

85
Medicina Perioperatória

após o uso de doses intramusculares. Nesse período, pacientes ambulatoriais


podem ter dificuldade em guardar as orientações médicas para o pós-operatório,
transmitidas no momento da alta hospitalar. 21-22, 24, 25
Em virtude da alta solubilidade em água, a preparação comercializada
é livre de agentes que facilitam a solubilização, como o propilenoglicol, que
é irritante do leito venoso e interfere com a absorção por via intramuscular.
A formulação de midazolam, para uso intravenoso, é compatível com o
Ringer lactato e outras drogas, inclusive com opióides e anticolinérgicos.
A absorção do midazolam através da membrana intestinal e sua
passagem pela barreira hematoencefálica são consideradas rápidas. Apenas
cerca de 50% da dose administrada por via oral atinge a circulação sistêmica,
em função de uma primeira passagem pelo fígado.
A curta duração de ação de uma dose única de midazolam se deve à
sua alta solubilidade em lipídios, levando à rápida redistribuição do cérebro
para outros tecidos e também em função do clearence hepático. A meia
vida de eliminação é de 1 a 4 horas, mas é duplicada, em idosos, em virtude
da diminuição do fluxo sangüíneo hepático e da atividade enzimática que
acompanha o envelhecimento. O volume de distribuição é semelhante ao
do diazepam (tabela 4) e está aumentado, nos idosos e nos obesos. O
clearence do midazolam é mais rápido do que o do diazepam e, portanto,
seus efeitos no sistema nervoso central são mais fugazes do que os do
diazepam. 21-22, 24, 25
A metabolização do midazolam ocorre no fígado, por hidroxilação,
formando metabólitos solúveis em água, que são excretados na urina, sob a
forma de compostos glucuronidicos. A potência e a contribuição desses
metabólito, para a duração do efeito do midazolam, são desconhecidas.
Uma pequena fração da dose empregada é eliminada pelos rins, de forma
inalterada.
O midazolam produz depressão respiratória de forma dose-
dependente, mais intensa nos pacientes com doença pulmonar obstrutiva e
nos obesos. Quando usado como droga única, nas doses recomendadas
para medicação pré-anestésica, não tem efeitos sobre a respiração, mas a
associação com um opióide e as injeções rápidas de altas doses (>0,15mg/
kg, por via intravenosa) podem levar à apnéia. Quando usado nas doses
recomendadas para a indução da anestesia (0,2mg/kg), produz diminuição

86
Visita e Medicação Pré-Anestésica

da resistência vascular periférica, que se exterioriza por diminuição da


pressão arterial sistêmica e aumento da freqüência cardíaca. O débito
cardíaco não se altera e, por isso, o midazolam pode ser indicado em
pacientes com doença cardíaca congestiva. 22, 25

7.2.2.1. Medicação pré-anestésica

O midazolam pode ser empregado por via oral, por via parenteral e,
ainda, através das mucosas nasal e sublingual. 28-32 Para o uso parental, a
forma mais eficaz de administração, são recomendadas doses que variam
entre 0,05 a 0,10mg/kg, por via intramuscular. As demais vias ficam
reservadas para as crianças que não aceitam a via parenteral, e as doses
variam de acordo com a via de administração (tabela 5). Quando usado por
via oral, recomenda-se a dose de 0,5mg/kg.

Tabela 5 - Midazolam – doses e vias de administração


Via de
Administração Dose Recomendações Referências

Oral 0,5mg/kg 28, 35

Oral 20mg Adolescentes 30

Sublingual 0,2-0,5mg/kg Até no máximo 10mg 36, 37

Intranasal 0,2 e 0,3mg/kg 35, 36, 38, 39

Retal 0,5mg/kg 35

Doses maiores (0,75 ou 1mg/kg) devem ser evitadas porque não


oferecem vantagens, em relação às menores doses, e provocam efeitos
colaterais, como visão turva e dificuldade em sustentar a cabeça 28. Quando
administrado por via sublingual (0,2mg/kg), os efeitos são semelhantes aos
obtidos com a mesma dose administrada por via nasal. A via sublingual tem
como vantagem ser menos desagradável do que a via intranasal.
A absorção sublingual também é mais eficaz do que a via oral, inclusive
em pacientes adultos. O midazolam, na forma de tabletes, para uso sublingual,

87
Medicina Perioperatória

foi testado, quanto ao seu efeito sedativo, em pacientes ginecológicas. O


grau de sedação, avaliado pela escala de Ramsey, foi maior do que o obtido
com o midazolam administrado por via oral, na mesma formulação e dose
29
. A via oral também pode ser útil para a medicação pré-anestésica, em
adolescentes que, eventualmente, tenham repulsa por injeções
intramusculares. Nessa faixa etária (10 a 18 anos), o midazolam, empregado
na dose de 20mg, por via oral, promove boa sedação e não interfere no
tempo de recuperação da anestesia. 30 Em idosos, o midazolam, por via
oral, nas doses de 7,5mg/kg e de 15mg/kg, produz depressão respiratória,
sem alteração da freqüência respiratória e, por isso, é recomendada a
monitorização contínua, com oxímetro de pulso. 31
Como alternativa para as injeções intramusculares, existem dispositivos
automáticos que usam mecanismos com ar comprimido, em substituição às
agulhas, cuja vantagem é abolir o desconforto psicológico e a dor à injeção.
Dessa forma, o midazolam, na dose de 0,1 a 0,15mg/kg, produz sedação
adequada 32. Com esses dispositivos, o midazolam pode ser empregado,
também, por via subcutânea (na dose de 0,2mg/kg). Quando administrado
por via intramuscular, na mesma dose, a sedação obtida é de maior
intensidade do que a administrada por via subcutânea ou a via oral.33-34

7.2.2.2. Sedação

O midazolam pode ser usado para sedação, em procedimentos de


curta duração ou durante bloqueios espinhais. Nesses casos, é usado por
via intravenosa, na dose de 1,0 a 2,5mg/kg. A dor no local da injeção é de
menor intensidade do que a provocada pela injeção de diazepam.

7. 3. Butirofenonas

O droperidol é um neuroléptico, representante do grupo das


butirofenonas, mais freqüentemente utilizado como medicação pré-
anestésica, cuja a principal vantagem de seu uso é a prevenção da ocorrência
de vômitos no período per-operatório. Os neurolépticos têm efeito sedativo
e seu uso continuado é indicado em pacientes com distúrbio do sono.
Interagem de forma sinérgica com os barbitúricos e com os narcóticos e o

88
Visita e Medicação Pré-Anestésica

resultado dessa interação é o menor consumo dos agentes empregados na


indução anestésica. 21-22, 24-25
O droperidol é um tranquilizante maior, que tem efeito depressor do
humor, levando a um estado de depressão cognitiva, e, nos quimioreceptores
da zona do gatilho da região retrobulbar, diminuindo os vômitos. Esse efeito
é de relevância, principalmente, no preparo de pacientes candidatos a cirurgia
de estrabismo e de outras cirurgias que levam a maior incidência de vômitos.
Um fator limitante ao uso do droperidol é o risco de provocar ansiedade
e agitação, quando administrado como agente único. Alguns pacientes, nesse
estado de disforia, referem um grande medo de morrer e, em alguns casos,
é necessário suspender a cirurgia. Um outro efeito colateral, indesejável,
advém de sua ação nos receptores dopaminérgicos do sistema nervoso
central e/ou do sistema límbico. O bloqueio desses receptores leva ao
aparecimento de sinais de liberação extrapiramidal, em cerca de 1% dos
pacientes, independentemente da presença de doença neurológica. O quadro
de liberação extrapiramidal inclui rigidez muscular generalizada, que pode
ser de maior intensidade, nos músculos torácicos, dificultando a ventilação
desses pacientes. Podem-se incluir também espasmos musculares e agitação.
No tratamento dessa intercorrência, pode ser utilizado um benzodiazepínico
e/ou atropina. 22, 40
Ainda, em função do bloqueio dopaminérgico, podem ocorrer
hipotermia e vasodilatação periférica. Esses efeitos levam ao agravamento
da hipotermia, que se instala durante cirurgias de grande porte e também
durante bloqueios espinhais.
O bloqueio dos receptores dopaminérgicos se contrapõe ao efeito
inibidor da dopamina no corpo carotídeo e, em conseqüência, mantém a
resposta ventilatória à hipóxia. Por essa razão, o droperidol pode ser útil
como medicação pré-anestésica de pacientes que dependam do estímulo
ventilatório hipóxico, como aqueles com doença pulmonar obstrutiva
crônica.22, 24
As butirofenonas têm efeito alfa bloqueador. Embora discreto, esse
efeito pode causar hipotensão arterial, especialmente, em pacientes
hipovolêmicos.
Como medicação pré-anestésica, o droperidol pode ser usado por
via intravenosa e intramuscular. Quando usada a via intramuscular,

89
Medicina Perioperatória

recomenda-se a dose, para adultos, de 5,0mg, e que a injeção seja feita


cerca de duas horas antes da cirurgia. Por via intravenosa, pode ser usado
na dose de 1,25mg. Essa dose também é preconizada para uso, ao final das
cirurgias, buscando-se otimizar o efeito antiemético no período pós-
operatório. Nesse caso, deve ser feita cerca de 5 minutos antes do término
da cirurgia. O principal inconveniente dessa técnica é o prolongamento do
despertar da anestesia e a ocorrência de tonturas no pós-operatório.

7.4. Cetamina

A cetamina é um derivado da fenciclidina. Produz anestesia


dissociativa que se caracteriza por profunda analgesia e amnésia, sem,
necessariamente, levar à abolição da consciência. Produz analgesia até
mesmo com concentrações sub-anestésicas. No entanto, o tempo de
recuperação é mais prolongado do que com os outros agentes de uso
intravenoso e se acompanha de sonhos desagradáveis e alucinações.
A apresentação farmacêutica inicialmente em uso continha isômeros
levógiros (S+) e dextrógiros (R-) em iguais proporções, associados aos
conservantes benzetônio e clorbutanol. Atualmente, há, no comércio, uma
outra apresentação que contém somente isômeros (S+), que são duas vezes
mais potentes do que os isômeros (R-). Comparada com a mistura racêmica
inicial, a atual apresentação produz analgesia com menor tempo de latência
e tempo de recuperação mais curto. Como a S(+)-cetamina é cerca de
duas vezes mais potente, as doses necessárias para produzir hipnose e
analgesia são menores e isso repercute na recuperação. Quanto aos efeitos
adversos, como náuseas, vômitos, distúrbios do estado de vigília, alucinações
e pesadelos, para alguns autores, eles ocorrem com menor freqüência e,
para outros, de forma semelhante.21-22, 25, 41-43
A analgesia produzida pela cetamina resulta de inibição, não-
competitiva, dos receptores n-metil-d-aspartato (NMDA). Resulta também
da ação nos receptores opióides, preferencialmente, nos receptores µ. Os
efeitos psicomiméticos indesejáveis resultam da ação nos receptores σ. 22
A fração da dose empregada que se liga às proteínas plasmáticas é
pequena, cerca de 12%. Algumas características da farmacocinética da
cetamina, em adultos e em crianças, constam da tabela 6

90
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Tabela 6 - Cetamina – características farmacocíneticas41

Cetamina Vol. de distribuição Clearence Meia vida plasmática


(l/kg) (ml/kg/min) (min)

Adultos 2,3 ± 0,4 12,6 ± 2,2 153 ± 27

Crianças 1,9 ± 0,6 16,8 ±3,3 100 ± 19

A metabolização da cetamina ocorre no fígado, pelo sistema citocromo


P450, com formação de norcetamina, um metabólito cuja potência analgésica
é cerca de um terço da potência da cetamina. Esse metabólito pode ser
responsável pelo prolongamento da analgesia especialmente quando do uso
em infusão contínua. A eliminação é por via renal. 22
A cetamina aumenta discretamente a freqüência cardíaca e a pressão
arterial sistêmica. Esses efeitos resultam da ação central, estimulante do
sistema simpático, que é contrabalançada pelo efeito inotrópico negativo
sobre o coração. Eventualmente, a cetamina pode provocar aumento da
pressão de artéria pulmonar e da resistência vascular pulmonar, e esses
efeitos limitam seu uso, em pacientes com doença coronariana e naqueles
com insuficiência cardíaca direita. A ausência de efeitos depressores sobre
o sistema cardiovascular faz com que a cetamina seja muito usada como
pré-anestésico ou para sedação de crianças com cardiopatia congênita.
A cetamina, em doses anestésicas, provoca depressão respiratória.
O tônus da parede torácica é mantido e, em conseqüência, capacidade
residual funcional não se altera. O tônus dos músculos respiratórios superiores
também está mantido, mas não há garantia de integridade dos reflexos
protetores das vias áreas, quanto ao risco de aspiração de conteúdo gástrico.
A cetamina tem ação sobre a musculatura lisa dos brônquios,
provocando broncodilatação e, por isso, é indicada, em crianças asmáticas.
No entanto, o aumento das secreções nas vias aéreas, que ocorre
paralelamente, pode representar restrição ao uso, nessas crianças.
Como resultado de sua ação vasodilatadora cerebral, com
diminuição da resistência vascular e aumento do fluxo sangüíneo cerebral,
a cetamina aumenta a pressão intracraniana. Assim sendo, não deve ser
utilizada em pacientes com pressão intracraniana aumentada ou com

91
Medicina Perioperatória

alterações do fluxo sangüíneo cerebral. Vale salientar que a cetamina


pode ter um efeito protetor cerebral que pode ser explicado por múltiplos
mecanismos. O primeiro deles é a inibição dos receptores NMDA,
diminuindo a sobrecarga glutamato/cálcio típica dos estados de isquemia;
o segundo, uma ação via mecanismos anti-apoptóticos; e o terceiro, a
supressão de citocinas pró-inflamatórias; todos levando à redução de morte
celular. No entanto, esse efeito protetor cerebral ainda não está
devidamente comprovado. 41, 43

7.4.1 Medicação pré-anestésica

A cetamina pode ser empregada como medicação pré-anestésica,


para adultos e crianças, sendo que, para as crianças e os lactentes, pode
ser administrada por diferentes vias. A via intramuscular é dolorosa e quase
nunca é empregada, enquanto as vias oral, nasal, sublingual e retal têm
melhor aceitação.

Tabela 7 - Cetamina – doses e vias de administração


Droga Dose Dose máxima Via de Referências
administração

Cetamina 3 a 8mg/kg Oral 44, 45 , 46

5-6mg/kg sublingual 47

(S+)-cetamina 1,5mg/kg Retal 48

1-2mg/kg 50mg Nasal 39

Quando usada por via nasal, na dose de 2mg/kg, a S(+)-cetamina,


produz boa proteção, quanto ao sofrimento da separação dos pais, sem
aumento da freqüência cardíaca. Em pré-escolares, para diminuir a
ocorrência de sonhos desagradáveis e de alucinações, pode ser empregada
em associação com o midazolam (0,2mg/kg), também por via intranasal,
embora essa associação não proporcione vantagens quanto à sedação e ao
grau de cooperação das crianças. 39, 49-52

92
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Uma restrição ao uso da via intranasal, para a aplicação da cetamina,


é o risco de maior absorção através da lâmina crivosa do esfenóide, que
também está presente quando do uso do midazolam. A absorção por essa
via pode levar a altos níveis da droga no sistema nervoso central. Felizmente,
essa complicação é muito rara. Como a sedação se instala muito rapidamente,
recomenda-se a monitorização com oxímetro de pulso e a observação
contínua, após a medicação pré-anestésica. 39
Como a cetamina aumenta a secreção salivar, para a prevenção de
laringoespasmo e de tosse, recomenda-se a inclusão de um antisialogogo,
atropina ou glicopirrolato, na medicação pré-anestésica.
A exemplo do que acontece com a indicação para o tratamento da
dor crônica, em que a cetamina é considerada droga de terceira escolha,
em função dos efeitos colaterais, sua indicação, como medicação pré-
anestésica, fica restrita a algumas condições específicas, como a crianças
com cardiopatia congênita.

7.5. Agonistas alfa2-adrenérgicos – clonidina e dexmedetomidina

Uma opção, para medicação pré-anestésica, é representada pelos


agonistas alfa2-adrenérgicos, geralmente utilizados como anti-hipertensivos,
em pacientes cuja hipertensão é renina-dependente. Estão incluídas nesse
grupo a clonidina e a dexmedetomidina. A tabela 8 contém algumas
características farmacocinéticas das duas drogas.
Os receptores alfa2-adrenérgicos contêm, na sua constituição, uma proteína
excitável, a proteína G; atravessam a membrana neuronal e reagem, seletivamente,
com mediadores endógenos e com drogas. Estão presentes nos sistemas nervoso
central e periférico, nos gânglios autonômicos, nas regiões pré e pós-sinápticas. A
ação na proteína G aumenta a condutância dos canais de potássio aos íons potássio,
tornando a membrana celular hiperpolarizada, um mecanismo que explica a
sedação e a analgesia obtidas com o uso de drogas alfa2-agonistas. 22, 53-54
No sistema nervoso central, as drogas alfa2-adrenérgicas atuam,
inibindo os neurônios do centro vasomotor medular e provocam diminuição
do fluxo de estímulos simpáticos para os tecidos periféricos. A inibição do
sistema simpático manifesta-se clinicamente por hipotensão arterial,
bradicardia e diminuição do débito cardíaco 22

93
Medicina Perioperatória

7.5.1. Clonidina

A clonidina, além das indicações conhecidas, relativas ao período


peri-operatório, foi bastante utilizada como descongestionante nasal e como
anti-hipertensivo de ação central. Tem ação estimulante de receptores alfa2-
adrenérgicos e apresenta afinidade por receptores imidazólicos que estão
associados aos efeitos cardiovasculares, como hipotensão arterial e/ou efeitos
anti-arritmogênicos. 22, 55
A clonidina tem especificidade alfa2/alfa1 da ordem de 220:1 e a
potência relativa aos receptores imidazólicos é cerca de 16 vezes menor do
que em relação aos receptores alfa2. Em virtude de sua alta solubilidade,
atravessa facilmente barreiras biológicas e, após a administração por via
oral, atinge pico plasmático, em cerca de 60 minutos.
A metabolização ocorre no fígado e os compostos intermediários são
inativos, A fração não metabolizada, aproximadamente 50% da dose
empregada, é eliminada na urina, de forma inalterada. 55

Tabela 8 - Clonidina e dexmedetomidina – características


farmacocinéticas53, 56.

Droga Volume de distribuição Clearence T½ beta


(l/kg) (ml/min/kg) (horas)

Clonidina 1,7-2,5 1,9-4,3 6-23

Dexmedetomidina 200 0,5 2-3

7.5.1.1. Medicação pré-anestésica

A clonidina tem efeitos sedativo e ansiolítico e pode ser empregada


como medicação pré-anestésica, para adultos e crianças. Na dose
preconizada para medicação pré-anestésica (5µg/kg por via oral), protege
da taquicardia reflexa que acompanha as manobras de laringoscopia e
intubação traqueal. Também diminui a concentração plasmática de
catecolaminas e promove estabilidade da pressão arterial e da freqüência
cardíaca ,durante as cirurgias. Em função do seu efeito pronunciado de

94
Visita e Medicação Pré-Anestésica

inibição do sistema nervoso simpático, a resposta cardiovascular a episódios


de hipotensão arterial pode estar atenuada. Para alguns autores, essa resposta
está mantida. 55, 57-58 Em adultos e crianças, a clonidina (4µg/kg por via
oral) atenua os efeitos da atropina. Dessa forma, são necessárias maiores
doses de atropina (>20µg/kg), para provocar aumento da freqüência
cardíaca, em 20 batimentos por minuto. 59
Quando usada no pré-anestésico de anestesias gerais, a clonidina
diminui o consumo de anestésicos venosos e inalatórios. Quando usada
no pré-anestésico de anestesia espinhal, prolonga a duração do bloqueio
sensitivo e da analgesia pós-operatória produzida pela morfina,
administrada na raque. 55, 60 Em pacientes coronariopatas, doses menores,
cerca de 2g/kg, diminuem a incidência de isquemia miocárdica no período
perioperatório. Em crianças, pode ser usada por via oral (2µg/kg – 60
minutos antes da cirurgia) e por via retal (2,5µg/kg – 20 minutos antes
da cirurgia).

7.5.2. Dexmedetomidina

A dexmedetomidina foi introduzida na prática clínica em 1999 e é um


isômero dextrógiro da metedomidina, um anestésico de uso veterinário.
Embora os alfa2-agonistas também atuem nos receptores imidazólicos, a
especificidade da dexmedetomidina, por esses receptores, é de 1:32, em
relação à especificidade pelos receptores alfa2. Quanto à afinidade pelos
receptores alfa2, é cerca de oito vezes maior do que a da clonidina, com
especificidade alfa2/alfa1 da ordem de 1:1620. 53-54, 59
A hipnose e a analgesia produzidas pela dexmedetomidina são típicas
e dose- dependentes. O paciente permanece tranqüilo, mas desperta
prontamente e interage, quando estimulado. 54 Apesar do efeito sedativo
dose-dependente, os efeitos depressores sobre a respiração são discretos.
O grau de amnésia ou a possibilidade de a dexmedetomidina ter efeito
amnesiante ainda não foram bem estabelecidos.
A dexmedetomidina se liga muito às proteínas plasmáticas, em
especial, à albumina. É metabolizada no fígado, levando à formação de
conjugados metil e glicurônicos. A eliminação dos metabólitos e da fração
não metabolizada da droga (5%) ocorre por via renal. 22

95
Medicina Perioperatória

7.5.2.1 Medicação pré-anestésica

Como medicação pré-anestésica, a dexmedetomidina pode ser usada


por via intramuscular, na dose de 2µg/kg. 55, 61-64 Nessa dose, atenua as
respostas hemodinâmicas da intubação traqueal, diminui a concentração de
catecolaminas plasmáticas durante a cirurgia, diminui a necessidade de
anestésicos inalatórios e de opóides, no intra-operatório, e de analgésicos,
no pós-operatório imediato.

7.6. Hidrato de cloral

O hidrato de cloral é uma substância hipnótica relativamente segura


e eficaz, cuja ação terapêutica deve-se ao seu metabólito ativo, cuja meia
vida pode superar 9 horas. Em doses clínicas, é livre de efeitos indesejáveis,
respiratórios e cardiocirculatórios. No entanto, esses efeitos podem estar
presentes, quando é utilizado em dose excessiva, podendo resultar em
insuficiência respiratória grave.
O hidrato de cloral pode causar excitação do sistema nervoso central,
com desorientação e comportamento paranóide. Seu efeito máximo ocorre
em cerca de uma hora. O efeito sedativo pode durar de duas a várias
horas.
Efeitos colaterais, como vômitos, podem estar presentes em 15%
dos pacientes. Também podem ser observados delírio, bradipnéia, e obstrução
da via aérea.
A administração por via oral é indicada na dose de 50 a 100mg/kg.
Na ausência de efeitos, nos 30 minutos após a administração, pode ser feita
nova dose, equivalente à metade da dose inicial. Quando usado por via oral,
tem o inconveniente de ocasionar paladar desagradável e irritação gástrica
e a alternativa é a via retal, na apresentação em forma de supositórios. 65

7.7. Opióides

Os alcalóides do ópio podem ser divididos em duas classes:


fenantrenos e benzilisoquinoleínicos. Os principais representantes dos
fenantrenos são a morfina, a codeína e a tebaína. Os benzilisoquinoleínicos

96
Visita e Medicação Pré-Anestésica

não têm atividade opióide, e o principal representante desse grupo é a


papaverina. Os opióides semisintéticos, como a codeína e a heroína,
resultaram de modificações na molécula da morfina, mas os sintéticos, que
também contêm o núcleo da morfina, são resultantes de processo de síntese.
Meperidina, fentanil, sufentanil, alfentanil e remifentanil são exemplos de
opióides sintéticos, pertencentes ao grupo de derivados piperidínicos. Eles
têm peso molecular e pKs semelhantes aos dos anestésicos locais do tipo
amida. 21-22
Os opióides atuam em receptores específicos, localizados em regiões
pré e pós-sinápticas, na substância cinzenta periaquedutal do tronco cerebral,
nas amigdalas, no corpo estriado e no hipotálamo. Também localizam-se na
substância gelatinosa da medula espinhal e em tecidos periféricos, fora do
sistema nervoso central. Esses receptores são ativados por peptídeos
endógenos (encefalina, endorfina e dimorfina) e estão envolvidos na
percepção dos impulsos dolorosos, na integração desses impulsos e na
modulação da resposta à dor. A ligação dos peptídeos endógenos aos
receptores impede a liberação de neurotransmissores excitatórios das
terminações nervosas, responsáveis pela transmissão de impulsos
nociceptivos. Em conseqüência, os neurônios tornam-se hiperpolarizados, o
que suprime as respostas espontânea e evocada. Os opióides sintéticos
atuam, mimemitizando as ações desses peptídeos, o que resulta na ativação
do sistema modulador da dor. 22
Há três tipos de receptores opióides: mu, kapa e delta. A morfina e
os opióides sintéticos, que são agonistas desses receptores, ligam-se,
preferencialmente, aos receptores mu, que, por isso mesmo, são chamados
de morfina-preferencial. Há duas famílias de receptores do tipo um: mu1, e
mu2. Os primeiros são responsáveis pela analgesia e discreta euforia,
enquanto a ativação dos receptores mu2 resulta em efeitos indesejáveis,
como hipoventilação, bradicardia e dependência física. A nalbufina e a
nalorfina, que são agonista-antagonistas, também chamados agonistas
parciais, ligam-se, preferencialmente, aos receptores kapa. A estimlação
de receptores kapa produz analgesia e efeitos colaterais de menor intensidade
do que a ativação dos receptores mu. 66
A morfina é o protótipo dos opióides agonistas, com o qual os demais
são comparados. É bem absorvida por via intramuscular, seus efeitos iniciam-

97
Medicina Perioperatória

se em 15 a 30 minutos, e atingem o pico máximo dentro de 45 minutos. A


duração de ação é de 4 horas. Após injeção intravenosa de morfina, o
tempo necessário para atingir o pico máximo é de 15 a 30 minutos, sendo,
portanto, maior do que para o fentanil e o alfentanil. A tabela 9 contém
características farmacocinéticas dos opióides usados como medicação pré-
anestésica.

Tabela 9 - Opióides – características farmacocinéticas22

Droga Volume de distribuição Clearence T½ beta


(l/kg) (ml/min) (horas)

Morfina 224 1 050 1,7 – 3,3

Meperidina 305 1 020 3-5

Fentanil 335 1 530 3,1 – 6,6

Sufentanil 123 900 2,2 – 4,6

A metabolização da morfina é hepática, por processo de conjugação


com o ácido glicurônico. Outras vias alternativas, extra-hepáticas, estão
envolvidas na metabolização, como a via renal. Os seus metabólitos são
eliminados pelos rins e somente cerca de 7% a 10% sofrem excreção biliar.
Dentre os metabólitos da morfina, a morfina-6-glicuronídeo tem atividade
analgésica de maior intensidade e duração do que a da morfina,
provavelmente por ação nos receptores mu. Também produz depressão
respiratória. É possível que grande parte do efeito analgésico da morfina
seja decorrente da presença desse metabólito no plasma.
A meperidina, que foi, durante anos, a droga de escolha como
medicação pré-anestésica, é 10 vezes menos potente do que a morfina.
Aproximadamente, 80-100mg de meperidina equivalem a 10mg de morfina.
É bem absorvida por via oral e tem menor duração do que a morfina. Em
doses equipotentes, quanto à analgesia, a meperidina produz sedação e
euforia de menor intensidade do que a morfina. Os efeitos colaterais,
depressão respiratória, náuseas e vômitos também são de menor intensidade.
Nos idosos,a ligação da meperidina às proteínas plasmáticas está diminuída,

98
Visita e Medicação Pré-Anestésica

aumentando a fração livre da droga,o que implica o uso de menores doses,


nessa faixa etária. 22
A metabolização é hepática, por desmetilação e hidrólise, levando a
ácido meperidínico. Os metabólitos são menos potentes do que a meperidina
e são eliminados pelos rins. A acidificação da urina pode favorecer, enquanto
a diminuição da função renal prolonga o tempo de eliminação.
O fentanil é considerado cerca de 100 vezes mais potente do que a
morfina. O início de ação é rápido, em função da sua maior solubilidade em
lipídeos. Após injeção intravenosa, o pico plasmático ocorre dentro de 6-7
minutos. A duração de ação é curta, em função da redistribuição para os
pulmões, tecido adiposo e músculo esquelético. A metabolização é hepática,
por demetilação, resultando na formação de metabólito menos potente. A
eliminação é renal. Nos idosos, a eliminação está prolongada, pela diminuição
do clearance. 21-22, 25
A potência analgésica do sufentanil é cerca de 10 vezes maior do
que a do fentanil, em função de sua maior afinidade pelos receptores. A
metabolização é hepática, por processo de dealquilação, e um dos seus
metabólitos tem cerca de 10% da potência do sufentanil. Como o sufentanil
é muito solúvel em lipídios, a reabsorção tubular da droga livre é maior,
como também é maior o acesso ao sistema microssomal hepático. Em
conseqüência, sua eliminação é mais sensível às variações de fluxo sangüíneo
hepático do que as alterações na capacidade de metabolização do fígado. A
eliminação dos metabólitos se dá por via renal e através das fezes, em igual
proporção. 22

7.7.1. Medicação pré-anestésica

As doses e as vias de administração dos opióides empregados como


medicação pré-anestésica constam da tabela 10.
O uso de opióides, como medicação pré-anestésica, vem sendo
substituído, progressivamente, pelo uso intravenoso, antes do início das
cirurgias. Atualmente, são indicados, quando é necessária analgesia no
período pré-operatório. Nesse caso, a analgesia é acompanhada de euforia,
um estado particularmente agradável aos pacientes. Nos pacientes sem
dor, os opóides podem causar disforia, exteriorizada por ansiedade e medo.

99
Medicina Perioperatória

A inclusão de opíoides na medicação pré-anestésica também está indicada,


quando se prevê que a monitorização invasiva seja instalada antes da indução
da anestesia. Sob efeito de um opióide, os pacientes não percebem o
desconforto e a dor da passagem de cateteres, para a monitorização da
pressão arterial e das pressões venosa central e pulmonares. 25
O fator que mais contribuiu para essa mudança de conduta é a grande
ocorrência de efeitos colaterais, após o uso de opióides. Um efeito bastante
desagradável é a hipotensão postural. Os opióides alteram a resposta de
constrição da musculatura lisa dos vasos, às variações de pressão sistêmica,
decorrentes das mudanças de decúbito. Em conseqüência, podem ocorrer
episódios de hipotensão ortostática, que se acompanham de sudorese,
náuseas e vômitos.
Embora o componente vestibular da ação emética dos opióides seja
importante, outros mecanismos estão envolvidos. Há estimulação de
quimioreceptores da zona de gatilho localizados no assoalho do quarto
ventrículo. Esse mecanismo depende da interação dos opióides com os
receptores dopaminérgicos, uma ação de agonista parcial. Esse mecanismo
justifica o uso das butirofenonas, em associação ao opióide, para a prevenção
de náuseas e vômitos.

Tabela 10 - Opióides usados para medicação pré-anestésica –


doses e vias de administração

Vias de Administração
Droga
Intravenosa Intramuscular Transmucosa Oral
Morfina - 0,1-0,2mg/kg - -

Meperidina - 1-2mg/kg - 3mg/kg

1-2µg/kg - 5-10µg/kg -
Fentanil (sublingual
ou nasal)

Sufentanil 15µg - 2µg/kg -


(adultos) (nasal)
Construída com dados das referencias - 21, 25, 37, 67 a70

100
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Os opióides, até mesmo em baixas doses, diminuem o limiar de resposta


do centro respiratório medular às variações de CO2 e diminuem a resposta do
corpo carotídeo à hipoxia, deixando os pacientes vulneráveis à hipoventilação. A
depressão ventilatória se instala rapidamente e persiste por várias horas. É dose-
dependente, podendo resultar em apnéia. Nessa condição, o paciente mantém a
consciência e se mantém apto a respirar, quando solicitado. A retenção de CO2,
que acompanha a hipoventilação, pode aumentar o fluxo sangüíneo cerebral e a
pressão intracraniana. Por essa razão, os opióides são contra-indicados em
pacientes com traumatismo craniano ou com hipertensão intracraniana. 22
Os opióides causam espasmo da musculatura lisa do trato gastrointestinal,
levando a retardo no esvaziamento gástrico, um fator de risco para aspiração, e
a episódios de cólica biliar. O aumento do tônus do esfíncter de Oddi é responsável
pela hipertensão biliar que ocorre quando a vesícula se contrai.

8. Drogas adjuvantes

8.1. Anticolinérgicos

Com o advento dos novos anestésicos inalatórios, que não são irritantes
das vias aéreas, o uso dos anticolinérgicos, como adjuvantes da medicação
pré-anestésica, na prevenção do aumento de secreções, ficou bastante
restrito. O efeito anti-sialagogo é útil, nos procedimentos que necessitam de
anestesia tópica da orofaringe, porque previne o efeito dilucional das
secreções em contato com o anestésico local. Também é útil, nas cirurgias
intra-orais ou nos procedimentos de instrumentação das vias aéreas, como
broncoscopias e laringoscopias diagnósticas. No entanto, a principal indicação
dos anticolinérgicos é bas, na prevenção de bradicardia reflexa, durante
cirurgias que manipulam áreas reflexógenas. Nas cirurgias de estrabismo,
por exemplo, o manuseio dos músculos extraoculares provoca episódios de
bradicardia. Outros exemplos são as cirurgias de carótida, em virtude do
manuseio do seio carotídeo, e as cirurgias abdominais com tração de
vísceras. No caso das cirurgias de carótida, considerando a alta incidência
de doença coronariana grave, nesses pacientes, o uso de um vagolítico
deve ser avaliado, frente ao risco de taquicardias e aumento do consumo de
oxigênio pelo miocárdio. 21-23, 25

101
Medicina Perioperatória

Para a obtenção do bloqueio vagal, a atropina, em dose alta (1mg em


indivíduos com peso >20kg), é a droga de escolh, por ser mais potente do
que a escopolamina e do que o glicopirrolato. Quando indicada, a melhor
opção é a injeção por via venosa, imediatamente antes da estimulação vagal.
A atropina também pode ser indicada para a profilaxia de bradiarritmias
que ocorrem durante o uso de doses repetidas de succinilcolina. Pequenas
doses e/ou a injeção lenta de atropina produzem bradiarritmias. Em crianças,
a dose preconizada é 0,012mg/kg, administrada por via oral ou parenteral, 1
hora antes da cirurgia. O glicopirrolato pode ser usado em doses semelhantes.

8.1.1. Efeitos adversos

Em função do bloqueio vagal, os anticolinérgicos provocam


broncodilatação e, em conseqüência, aumento do espaço morto respiratório.
Esse aumento é dependente do tônus da musculatura lisa brônquica e
pode atingir um percentual de até 30%. Paralelamente, torna as secreções
mais viscosas, o que dificulta a aspiração e a higiene da árvore
traqueobrônquica. A presença dessas secreções aumenta a resistência
nas vias aéreas,que se torna significativa, nas crianças menores e naquelas
com doença pulmonar. 21-22
Ainda, em conseqüência do bloqueio colinérgico, ocorre diminuição da
produção de suor. Embora sejam comandadas pelo sistema simpático, nas
glândulas sudoríparas, o mediador é a acetilcolina. Dessa forma, o uso de
anticolinérgicos altera a produção de suor e provoca elevação da temperatura
corporal, um efeito indesejável, especialmente em crianças febris.
Os anticolinérgicos relaxam o esfincter esofagiano inferior, e seu uso
é considerado de risco, em pacientes que apresentam maior probabilidade
de aspiraão pulmonar de conteúdo gástrico.
Os efeitos dos anticolinérgicos no sistema nervoso central exteriorizam-
se por agitação psicomotora, delírio, confusão mental ou obnubilação. Esses
sintomas fazem parte da chamada síndrome anticolinérgica central, que ocorre
após altas doses de atropina e de escopolamina. As crianças menores, os
idosos e os pacientes com dor são os mais susceptíveis. Os anticolinesterásicos
provocam midríase e aumento da pressão intra-ocular e, por isso, são contra-
indicados, em pacientes com glaucoma.

102
Visita e Medicação Pré-Anestésica

8.2. Drogas antieméticas e gastrocinéticas

Embora a ocorrência de pneumonite aspirativa seja rara, no pós-operatório


de cirurgias eletivas, a gravidade dessa complicação justifica a preocupação
com a queda do conteúdo e do pH gástricos. A aspiração de pequenos volumes
de líquido gástrico com pH <2,5 pode causar lesões pulmonares graves. A
aspiração de partículas sólidas é ainda de maior gravidade. A medida profilática
mais confiável é a exigência de jejum pré-operatório, para a qual já existe
regulamentação, aplicável a indivíduos hígidos, portanto, considerados sem risco
de aspiração e candidatos a cirurgias eletivas. (Tabela 11)
De acordo com dados da literatura, em voluntários sadios, cerca de
duas a três horas após a ingestão de 240ml de água, café ou suco de laranja
sem a polpa, o volume do conteúdo gástrico é de, aproximadamente, 25ml,
com discreta diminuição do pH. Há estudos, com resultados semelhantes,
em crianças de 2 a 12 anos de idade. Nessa faixa de idade, a ingestão de
líquidos claros, até 3 horas antes da cirurgia, não aumenta o conteúdo
gástrico. Nas crianças, o menor tempo de jejum pré-operatório diminui o
desconforto da sede e da fome e previne episódios de hipovolemia e de
hipoglicemia.

Tabela 11 - Recomendações quanto ao tempo de jejum pré-operatório

Alimento Período mínimo Tipo


(horas)

Líquido sem resíduo 2 Água, suco de frutas (sem a polpa),


sólido chá sem resíduo, café preto, bebidas
carbonatadas

Leite materno 4

Fórmula infantil 6

Leite 6
(não humano)

Alimentação leve 6 Item 1 + torradas

Modificado da ref 72

103
Medicina Perioperatória

O cuidado com o tempo de jejum pode ser complementado com o


uso de antiácidos, antagonistas de histamina do tipo H2 e antieméticos, entre
outros. Vale salientar que o uso dessas medidas, isoladamente ou associadas,
não abole o risco de aspiração e seqüelas pulmonares. Portanto, os cuidados
para a manutenção da via aérea, no período que antecede a intubação
traqueal e na recuperação da anestesia, são indispensáveis, em quaisquer
circunstâncias.

8.2.1. Metoclopramida

A metoclopramida é um antagonista dopaminérgico que tem duplo


efeito; atua, facilitando o esvaziamento gástrico e tem ação antiemética.
A metoclopramida estimula a motilidade do trato gastrointestinal superior,
aumenta o tônus do esfíncter gastroesofágico e relaxa o tônus do piloro e
do duodeno. Esses efeitos podem estar ausentes, quando do uso
concomitante de atropina, do uso prévio de opióide e ainda, quando
associada ao citrato de sódio. Estão facilitados, pelo uso associado de
anti-histamínicos.
Como medicação pré-anestésica, pode ser usada na dose de 5 a
20mg, por via parenteral, aplicada 15 a 30 minutos antes da indução da
anestesia. Por via intravenosa, deve ser administrada em injeção lenta (3 a
5 minutos), para se evitarem episódios de cólicas intestinais. Em crianças,
recomenda-se o uso de 0,12 a 0,15mg/kg, por via intravenosa

8.2.2. Cisaprida

A cisaprida é uma droga gastrocinética que estimula o esvaziamento


gástrico, aumenta o tônus do esfíncter esofageano inferior e a motilidade
intestinal. O mecanismo de ação é diferente da metoclopramida, que é um
antagonista de receptores dopaminícos. A cisaprida aumenta a liberação de
acetilcolina nas terminações do plexo mioentérico da mucosa gastrointestinal.
Como acontece com a metoclopramida, a cisaprida não altera o pH e nem
o volume do conteúdo gástrico.
Quando usada na medicação pré-anestésica, na dose de 10mg,
por via intramuscular, é útil também para prevenir náuseas e vômitos.

104
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Também previne a estase gástrica que decorre do uso de opióides e que


representa fator de risco para maior ocorrência de náuseas e vômitos
pós-operatórios.

8.2.3. Ondansetron

O ondansetron é um antagonista de receptor de serotonina do subtipo-


3, cujo uso fica limitado a situações especiais, em virtude do alto custo.
Usado por via endovenosa, antes da indução da anestesia, é eficaz, no
controle de náuseas e vômitos pós-operatórios. A dose recomendada é de 4
a 8mg.

8.3. Antiácidos

Os antiácidos são usados para abaixar o pH gástrico e atuam


prontamente, uma característica que os diferencia dos antagonistas de H 2,
que têm período de latência. Para uso como adjuvante da medicação pré-
anestésica, as apresentações coloidais são mais adequadas do que as
apresentações particuladas.
A primeira vantagem dos coloidais, em relação aos particulados, é a
maior eficiência na elevação do pH. O início de ação é mais imediato porque
prescindem do período de dissolução das partículas e formam misturas mais
homogêneas, com o suco gástrico. Outra vantagem é que, na eventualidade
de aspiração pulmonar, não causam reação de corpo estranho, como ocorre
no caso dos antiácidos particulados. Nesse caso, a presença de partículas
no conteúdo aspirado pode causar lesões pulmonares mais graves, resultando
em edema pulmonar e hipoxemia.
A duração do efeito do antiácido é dependente do tempo de
esvaziamento gástrico e, portanto, pode sofrer a interferência de drogas
usadas concomitantemente. Por exemplo, os opióides aumentam o
tempo de esvaziamento gástrico e prolongam a duração dos efeitos
dos antiácidos. Nas gestantes, cujo tempo de esvaziamento gástrico
está aumentado, e que também podem ter recebido opióides, para
analgesia, o uso de doses repetidas de antiácidos pode levar ao aumento
significativo do volume de líquido intragástrico. Dessa forma, a

105
Medicina Perioperatória

recomendação é que seja utilizada dose única, cerca de 30 minutos


antes da cirurgia.

8.4. Antagonistas de receptores de histamina – H2

Os representantes desse grupo, mais utilizados como adjuvantes da


medicação pré-anestésica, são a cimetidina e a ranitidina. Eles atuam nos
receptores H2, de forma competitiva, e impedem a histamina de estimular a
secreção de íons hidrogênio pelas células parietais do estômago. Em
conseqüência, o pH gástrico se eleva, um efeito que se prolonga por 6 horas,
no caso da cimetidina, e por 10 horas, após o uso de ranitidina, famotidina e
nizatidina. Essas drogas não alteram o volume de secreção nem o tempo de
esvaziamento gástrico nem a função do esfincter esofagiano.
A absorção dos antagonistas de H2, após administração por via oral,
é rápida e o pico máximo plasmático é atingido em 1 a 3 horas. Parte da
dose empregada se liga às proteínas plasmáticas. A cimetidina é menos
potente do que as demais, quanto ao efeito sobre a acidez gástrica e a
famotidina, é a mais potente. As doses recomendadas, para uso adjuvante
da medicação pré-anestésica, constam da tabela 12.

Tabela 12 - Antagonistas de receptores H2 – doses (DM – dose


máxima), vias de administração e intervalo ideal
antes da indução da anestesia.

Intervalo Intervalo
Via oral até a cirurgia Via parenteral até a cirurgia

Cimetidina 3-4mg/kg 1,5 – 2horas 300mg 2 horas antes


(DM - 300mg)

Ranitidina 2mg/kg - 1mg/kg 1 hora antes


(DM - 200mg (DM - 100mg)

Famotidina 40 mg Na tarde e na - -
manhã seguinte

Nizatidina 150 – 300mg 2 horas antes - -

106
Visita e Medicação Pré-Anestésica

Quando usada por via intravenosa, a cimetidina pode desencadear


bradicardia e hipotensão arterial, especialmente em idosos e pacientes com
estado geral comprometido. Recomenda-se que a injeção seja feita
lentamente, por mais ou menos 15 a 30 minutos.
Os antagonistas de H2 são indicados no preparo de pacientes com
história de alergia, candidatos a procedimentos de risco de reações alérgicas.
Para a profilaxia dessas complicações, recomenda-se, além do tratamento
com corticosteróides e antagonistas de H1, o uso de cimetidina (4mg/kg),
de 6/6 horas, por via oral, durante as 12/24 horas que antecedem a cirurgia.
A cimetidina prolonga a duração de ação de drogas cujas taxas de
extração hepática são altas, como o propranolol e o diazepam. Esse efeito
se faz presente a partir das primeiras 24 horas de uso. e depende da ligação
da cimetidina ao sistema citocromo P-450 oxidase. 21, 71 A cimetidina diminui
a taxa de metabolização da lidocaína, aumentando o risco de toxicidade. O
grau de ligação ao citocromo P-450 da ranitidina, da famatidina e da nizatidina
é menor do que o da cimetidina, e assim, elas têm potencial limitado para
alterar a metabolização oxidativa de outras drogas.

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Visita e Medicação Pré-Anestésica

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111
Exames Complementares
Pré-Operatórios
Ligia Andrade da Silva Telles Mathias, TSA/SBA*
Marcelo Lacava Pagnocca, TSA/SBA**
Álvaro Antônio Guaratini, TSA/SBA***

Introdução

A realização de exames pré-operatórios tem a finalidade de identificar


e/ou diagnosticar doenças e disfunções que possam comprometer os cuidados
do período peri-operatório; avaliar o comprometimento funcional causado por
doenças já diagnosticadas e em tratamento e, ainda, auxiliar na formulação
de planos específicos e/ou alternativos para o cuidado anestésico1.

* Responsável pelo CET da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo


Chefe do Serviço e da Disciplina de Anestesiologia da Santa Casa de Misericórdia de
São Paulo
Professora Adjunta da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Secretária da Comissão de Ensino e Treinamento da SBA
** Doutor em Medicina pela FMUSP
Co-responsável do CET da Santa Casa de São Paulo
*** Mestre em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Co-responsável do CET da Santa Casa de São Paulo
Medicina Perioperatória

Na determinação dos exames pré-operatórios, devem-se considerar


os itens2:
1. relevância – algumas doenças (por exemplo, doenças cardíacas e
respiratórias) podem interferir na escolha da técnica anestésica e na evolução
do paciente, enquanto outras não.
2. prevalência – determinadas doenças, em pacientes assintomáticos,
mostram a pouca utilidade do exame, na diminuição da morbidade.
3. sensibilidade e especificidade – exames com baixa sensibilidade
podem levar a resultados falso-negativos com maior freqüência e, com isso,
pacientes com risco para morbidades específicas, avaliadas por esses exames,
são encaminhados para cirurgia, sem o devido cuidado pré-operatório.
Exames com baixa especificidade, por outro lado, apresentam maior
freqüência de resultados falso-positivos, o que leva à realização de novos
exames e conseqüente aumento da morbidade e de custos 3.
A tendência atual é a solicitação de exames pré-operatórios, de acordo
com os seguintes critérios2, 4:

• dados sugestivos encontrados na história clínica e/ou no exame


físico de possíveis alterações a serem confirmadas nos exames
complementares;
• necessidade dos cirurgiões ou clínicos que acompanhem o paciente;
• monitorização de exames que podem sofrer alterações durante a
cirurgia ou em procedimentos associados;

Histórico

Nas décadas de 60 a 80, os exames de laboratório eram considerados o


método ideal de triagem de doenças pré-existentes associadas e/ou ainda não
diagnosticadas no momento da avaliação pré-operatória. Realizava-se uma
“bateria” de exames complementares para, praticamente, todos os pacientes a
serem submetidos a procedimentos cirúrgicos, independente da idade, estado
físico ou tipo de procedimento, até mesmo para os mais simples5,6. Havia um
conceito disseminado entre os anestesiologistas de que, se uma condição clínica
fosse descoberta por meio de exames de laboratório, tanto mais rápida, efetiva
e econômica seria a realização do procedimento proposto, cirúrgico ou não.

114
Exames Complementares Pré-Operatórios

Assim, nessa época, era usual iniciar-se o atendimento aos pacientes,


com a solicitação de um conjunto de exames de laboratório e outros
subsidiários.
A partir da década de 90, surgiu a preocupação em limitar o número
de exames àqueles realmente indicados, de acordo com a história e exame
físico dos pacientes, por causa do custo excessivo 7-10.
Análises criteriosas da relação custo-benefício mostraram que esse
não era o melhor método de avaliação dos pacientes9,11, além de várias
pesquisas evidenciarem que poucos testes beneficiavam ou alteravam, de
fato, o cuidado aos pacientes cirúrgicos12-18.
Dados da literatura demonstram que, na década de 90, nos Estados
Unidos, acima de 1,8 bilhões de dólares eram gastos anualmente na realização
de exames pré-operatórios inúteis19. Quando se considera a história e o
exame físico como determinantes primordiais dos exames pré-operatórios,
60 a 70% dos testes laboratoriais realizados não são realmente necessários20.
Para reduzir a solicitação excessiva de exames, foi preciso demonstrar aos
anestesiologistas e aos cirurgiões que a realização era desnecessária21. Com
isso, alguns centros conseguiram comprovar que determinados pacientes
não necessitam dos exames pré-operatórios solicitados como rotina, para a
realização de suas cirurgias15.
Estima-se que, dos 30 bilhões de dólares gastos anualmente nos EUA
com exames de laboratório, pelo menos 10% sejam destinados a exames
pré-operatórios2.
Após a definição de padrões mínimos de exames laboratoriais, obteve-
se redução dos gastos hospitalares, sem prejuízo na qualidade da avaliação
pré-operatória dos pacientes22,23.
Quando os exames de laboratório são requisitados por clínicas de
avaliação pré-anestésica ou de avaliação pré-operatória ambulatorial, estudos
têm demonstrado redução do custo hospitalar de 28,6% a 55%24-31.

Revisão da literatura

Pesquisa bibliográfica realizada desde 1961 mostra um número grande


de publicações sobre o tema, no entanto, três foram selecionadas como
fontes principais para análise do assunto, pela abrangência, extensão e

115
Medicina Perioperatória

capacidade de análise inferencial executadas em cada uma delas 1 . Essas


publicações foram:

1. Revisão sistemática (Systematic review) publicada por Munro


et al (1997) da Health Tecnology Assessment (HTA), divisão da
National Health Service (NHS), órgão inglês equivalente ao
ministério da saúde, que abrangeu toda evidência disponível, de
1966 a 199632;

2. Recomendações práticas para avaliação pré-anestésica


(Practice Advisory for Preanesthesia Evaluation) da Força-
tarefa (FT) da American Society of Anesthesiologists (ASA)
(2002)33. A FT da ASA realizou revisão ampla da literatura (não
denominada de revisão sistemática), seguida de pesquisa de
opinião entre grupo de anestesiologistas da ASA, especialistas
em avaliação pré-anestésica (APA), para criação de texto
específico sobre o assunto (consenso) e sua posterior discussão
em fóruns abertos nos eventos nacionais da especialidade de
maior importância. Todas essas informações constituíram o
consenso final;

3. Guia de orientações de exames pré-operatórios (Evidence,


methods & guidance) da referida HTA-NHS (2003)34. Foi feita
atualização da revisão sistemática de 1997 (1997-2002) e
realização de consensos informal e formal (de acordo com técnicas
padronizadas), com formulação e entrega de questionário
específico para grupos de debatedores (médicos de várias
especialidades, além da anestesiologia, enfermeira anestesista e
paciente), discussão em fóruns fechados sobre os resultados do
questionário e construção de consenso final.

A Tabela 1 apresenta as principais características e diferenças entre


as três publicações.
1
* Em relação aos exames de radiografia de tórax (RX) de tórax pré-operatório há mais uma
revisão sistemática, publicada em 2005.

116
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 1 - Características principais das publicações da


HTA/NHS e da FT da ASA

HTA /NHS - 1997 32 FT ASA - 200233 HTA /NHS - 2003 34


Objetivos Acessar todas as evidências Acessar todas as Acessar todas as
relevantes disponíveis, evidências disponíveis evidências relevantes
sobre o valor dos exames sobre os benefícios dos disponíveis sobre o
pré-operatórios de rotina. exames pré-operatórios. valor dos exames pré-
operatórios.
Método Revisão sistemática Revisão não sistemática + Revisão sistemática +
consenso com consenso com médicos de
especialistas em APA + várias especialidades e
fóruns nacionais não médicos, em fóruns
fechados
Não especificadas as
Pesquisa eletrônica fontes utilizadas
Biblioteca Cochrane + ? +

MedLine + ? +

Embase + ? +
Science Citation Index + ? +

Intervalo de tempo da 1966 - 1996 Não especificada 1966 – 2002


pesquisa

População estudada Adultos ASA I Não discriminada Adultos ASA I – III


Crianças ASA I Crianças ASA I

caráter do rocedimento eletivo(a) eletivo(a) eletivo(a)


ou cirurgia

Critérios de exclusão Estudos incluindo Não discriminados Estudos incluindo


apenas grupos específicos apenas grupos
de pacientes ou de específicos de pacientes
cirurgias ou de cirurgias

Testes avaliados
eletrocardiograma + + +

RX tórax + + +

testes de função pulm. - + +


hemoglobina e hematócrito + + +

testes de coagulação + + +

bioquímica angüínea: + + +
eletrólitos (NA + e K+)
uréia e creatinina
glicose
urina tipo I + + +

teste de gravidez - + +

117
Medicina Perioperatória

Tabela 2 - Tipos de evidências consideradas relevantes nas revisões


sistemáticas de exames pré-operatórios complementares

Tipo de evidência / Tipo Descrição Avaliação da evolução


de estudo

Eficácia dos testes Comparação analítica da Medidas da razão ou


Estudos controlados evolução (eventos da diferença da
aleatórios ou não adversos, mudanças de magnitude do efeito.
aleatórios, estudos de conduta, evolução da
coorte, estudos com condição clínica) entre
grupo controle pacientes submetidos a
exames pré-operatórios e
pacientes sem exames.

Acurácia diagnóstica Acurácia diagnóstica do Sensibilidade e


dos testes exame pré-operatório, especificidade, valores
isto é, a habilidade de preditivos positivos e
predizer mudanças de negativos e
conduta, eventos probabilidade.
adversos ou
complicações.

Avaliação da força dos Estudos descrevendo a Avaliação da


testes proporção de pacientes freqüência de
Estudos de série de cirúrgicos que resultados alterados,
casos prospectivos ou apresentam resultado mudanças de conduta,
retrospectivos alterado de exame pré- eventos adversos ou
operatório e que estão complicações.
sujeitos a mudança de
conduta ou que
apresentam evento
adverso/ complicação.

Na realização das revisões sistemáticas, foram utilizados


critérios para escolha de evidências relevantes, que constam da
Tabela 2 32,34 .
Nas revisões realizadas pela FT-ASA e HTA-NHS, foi observado
que as publicações realizadas com o objetivo de se verificarem os

118
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 3 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre eletrocardiograma (ECG),
no período pré-operatório.

Exame HTA /NHS - 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos


Tipo de exame** Apenas rotina Apenas rotina# Rotina e indicado

nº estudos 16 12 29
avaliados

Resultados 4,6% – 31,7% 7,0% - 42,7% 0 – 91,4%


alterados

Mudança de 0 – 2,2% 9,1% (1 estudo) 0 – 37,4%


conduta
condicionada aos
resultados

Fator de ⇑ / ⇓ das ⇑ com idade e piora Não avaliado Não avaliado


alterações do estado físico

Possível benefício < 2,0% pacientes Não avaliado Não avaliado


Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências
que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina

* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados


** = exames de rotina – exames solicitados em pacientes aparentemente saudáveis (ASA 1)
exames indicados – exames solicitados por indicação clínica
#
= o estudo da FT da ASA analisou separadamente os resultados dos exames de rotina e indicados

possíveis efeitos da realização dos exames pré-operatórios, constituídas


por estudos de série de casos, consideraram como desfecho principal a
mudança de conduta, a qual foi avaliada, na maioria dos estudos,
utilizando-se as variáveis cancelamento ou adiamento da cirurgia. As
publicações não analisaram variáveis importantes como alterações da
técnica anestésica, do tipo de anestésico ou seleção de aneste-
siologista mais experiente para realizar a anestesia. Também não

119
Medicina Perioperatória

realizaram estudos controlados prospectivos, analisando eventos adversos


no intra e pós-operatório32-34.
Munro et al realizaram revisão sistemática da literatura disponível
até 1996 sobre as evidências encontradas areferentes a exames pré-
operatórios, quando solicitados como “rotina” (Tabelas 3 a 9)32. Os autores
definiram como exames “de rotina” aqueles solicitados com a finalidade de
identificar condições não detectadas pela história clínica e exame físico, em
pacientes assintomáticos, aparentemente saudáveis (ASA 1) e na ausência
de qualquer indicação clínica.

Tabela 4 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre radiografia de tórax (RX),
no período pré-operatório.

Exame HTA /NHS - 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003


Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos 28 20 39
valiados

Resultados 2,5% - 37,0% 2,5% - 60,1% 0,3% - 65,7%


alterados

Mudança de 0 – 2,1 0 – 51% 0 – 13,3%


conduta
condicionada aos
resultados
Fator de ⇑ / ⇓ ⇑ com idade e piora Não avaliado Não avaliado
das alterações do estado físico ?
Possível benefício Não encontrado? Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências


que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

120
Exames Complementares Pré-Operatórios

A FT da ASA33 e a HTA-NHS34 realizaram revisão de literatura,


considerando os exames também por eles denominados de “rotina” e aqueles
“indicados”, que seriam solicitados a partir de indicação clínica (Tabelas 3 a 12).
Joo et al publicaram, em 200535, revisão sistemática sobre o valor da
realização de RX no período pré-operatório, com finalidade diagnóstica. Realizaram
revisão da literatura de 1966 a 2004, encontrando 14 publicações que satisfaziam
os critérios de inclusão, sendo que todas tratavam-se de estudos não controlados
e não aleatórios. As alterações chegaram a 65% dos exames solicitados, mas

Tabela 5 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre Hb/Ht ,
no período pré-operatório.

Exame HTA /NHS – 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos 23 7 29
avaliados

Resultados <
_ 5,0% – Hb: 0,5% – 43,8% 0,4% - 32,2%
alterados considerando Ht: 0,2% – 38,9%
Hb < 10,5g.dl-1
Raramente –
considerando
Hb < 9,0 g.dl-1

Mudança de conduta 0,1% - 2,7% Hb: 0 – 28,6% 0% - 6,5%


condicionada aos (todos com Hb > Ht: 0 -100% (3
resultados 8,0g.dl-1) estudos)

Fator de ⇑ / ⇓ das Não encontrado Não avaliado Não avaliado


alterações

Possível benefício < 3,0% pacientes Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências


que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina

* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados


Hb = hemoglobina – Ht = hematócrito

121
Medicina Perioperatória

Tabela 6 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre testes de coagulação,
no período pré-operatório.
Exame HTA /NHS - 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos 23 15 29
valiados

Resultados TS <_ 3,8% - TP <


_ Coagulograma: TP e TTPA = 0,4% -
alterados 4,8% 0,8% - 22,0% 45,9%
TTPA<_ 15,6%
Plaquetas <1,1%

Mudança de Raramente 1,1% - 4,0% 0% - 7,3%


conduta
condicionada aos
resultados

Fator de ⇑ / ⇓ das Não encontrado? Não avaliado Não avaliado


alterações

Possível benefício < 1,0% pacientes Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências


que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina

* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados


TS = tempo de sangramento – TP = tempo de protrombina - TTPA = tempo de tromboplastina
parcial ativada

mudanças de conduta foram observadas, no máximo, em 6% dos pacientes.


Concluíram que o número de alterações observadas nos RX tórax aumenta com
a idade e com os fatores de risco e que a maioria dessas alterações não promoveu
mudança de cuidado perioperatório nem afetou a evolução pós-operatória.
A FT da ASA33 e a HTA-NHS34 realizaram, também, consensos
sobre os exames pré-operatórios de rotina e indicados.

122
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 7 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre testes de bioquímica
sangüínea (dosagem sérica de sódio, potássio, uréia, creatinina e
glicose), no período pré-operatório.

Exame HTA /NHS – 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos 7 3 9
avaliados

Resultados Na+ / K+ <_ 1,4% K+: 1,5% - 12,8% Na+ / K+ 0,4% -


alterados uréia / glicose 5,4% - 81,3%
creatinina <_ 2,5% 13,8% uréia /creatinina
_ 5,2%
glicose < 0,2% – 27,0%
glicose 0,4% -
71,5%

Mudança de raramente 0 Na+ / K+ 0 – 10,5%


conduta uréia / creatinina
condicionada aos 0 – 5,5%
resultados glicose 0 – 2,1%

Possível benefício < 1,0% pacientes Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências


que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina

* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

A FT da ASA33 considerou que alguns itens devem ser levados em


consideração, no momento da decisão de solicitar os exames pré-operatórios,
quais sejam:
1. Eletrocardiograma:
• doença cardiovascular e respiratória e porte cirúrgico;

123
Medicina Perioperatória

Tabela 8 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisões sistemáticas de 1997 e 2003 sobre testes de urina tipo I,
no período pré-operatório.

Exame HTA /NHS - 1997 FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos 11 9 15
avaliados

Resultados 1,0 – 34,1% 0,7% - 38,0% 0,8% - 34,1%


alterados

Mudança de Leucocitúria: 2,3% - 100% 0 – 13,3%


conduta 0,1% - 2,8%
condicionada aos
resultados

Fator de ⇑ / ⇓ das Não encontrado? Não avaliado Não avaliado


alterações

Possível benefício < 3,0% pacientes Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências Sem evidências Sem evidências


que confirmem a que confirmem a que confirmem a
necessidade do necessidade do necessidade do
uso de rotina uso de rotina uso de rotina
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

• não houve consenso sobre a idade mínima, para obtenção do ECG e


sobre se a idade,como fator isolado, é critério para solicitação do exame.

2. RX de tórax:
• tabagismo, infecção respiratória recente, doença pulmonar
obstrutiva crônica e doença cardíaca;
• não houve consenso sobre os itens acima e extremos de idade
como critérios isolados, para solicitação do exame.

124
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 9 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisão sistemática de 2003 sobre provas de função pulmonar, no
período pré-operatório.

Exame FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos avaliados 3 10

Resultados alterados 15,0% - 51,7% VEF – 3,5% - 12,0%


CV – 2,4% - 15,4%
VEF/CV = 6,1% - 33,3%

Mudança de conduta 0 Não avaliado


condicionada aos
resultados

Fator de ⇑ / ⇓ das Não avaliado Não avaliado


alterações

Possível benefício Não avaliado Não avaliado

Conclusões: Sem evidências que Sem evidências que


confirmem a necessidade confirmem a necessidade
do uso de rotina do uso de rotina
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados
VEF = volume expiratório forçado – CV = capacidade vital

3. Hemoglobina e hematócrito:
• tipo e porte cirúrgico;
• doença hepática, extremos de idade, história de anemia,
sangramento e outras doenças hematológicas.

4. Testes de coagulação:
• alterações da coagulação, doença renal e hepática;
• tipo e porte cirúrgico;

125
Medicina Perioperatória

Tabela 10 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002 e


revisão sistemática de 2003 sobre teste de gravidez,
no período pré-operatório.

Exame FT ASA - 2002 HTA /NHS - 2003

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos

Tipo de exame Apenas rotina Rotina e indicado

nº estudos avaliados 5 7

Resultados alterados 0,3% - 2,2% 0 – 2,2%

Mudança de conduta 100% 85,6%


condicionada aos
resultados

Fator de ⇑ / ⇓ das Não avaliado Não avaliado


alterações

Possível benefício Não avaliado Não avaliado

Conclusões: História clínica e exame Sem evidências que


físico podem ser confirmem a necessidade
insuficientes para do uso de rotina.
identificação de gravidez Todos estudos mostraram
inicial. O teste de gravidez que teste + implicou
deve ser considerado adiamento/cancelamento
para todas mulheres da cirurgia ou em óbito
em idade fértil. fetal quando a cirurgia
foi realizada.
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

• uso de medicação anticoagulante.

5. Bioquímica sangüínea:
• doenças endócrinas, risco de doença renal e hepática;
• uso de terapias perioperatórias, certas medicações e terapias
alternativas.

126
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 11 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002


sobre exames complementares pré-operatórios com indicação clínica
(ECG, raio-X de tórax, Hb/Ht).

Exame ECG RX tórax Hb/Ht

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

nº estudos 17 18 3
avaliados

Resultados 4,8% - 78,8% 7,7% - 65,4% Hb 38,8% - 62,0%


alterados Ht 0,4% - 5,0%

Mudança de 2,0% - 20,0% 0,5% - 74,30% 0


conduta
condicionada aos
resultados

Conclusões: realização de realização de realização de


acordo com acordo com acordo com
indicação clínica indicação clínica indicação clínica
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

6. Urina tipo I:
• infecção urinária presente e procedimentos urológicos específicos.

7. Teste de Gravidez:
• todas mulheres em idade fértil, história duvidosa de gravidez.

A HTA-NHS 34 considerou, no consenso, idade, estado físico de acordo


com a classificação da ASA e porte cirúrgico, numa escala de 1 a 4, sendo
exemplos de porte 1 excisão de lesão de pele ou drenagem de abcesso e
porte 4, cirurgia cardíaca e neurocirurgia.
As conclusões, em relação aos pacientes ASA 1, encontram-se nas
Tabelas 13 a 17. As conclusões, em relação aos pacientes com estado
físico 2 a 5, devem ser consideradas nos capítulos referentes aos pacientes
com co-morbidades.

127
Medicina Perioperatória

Tabela 12 - Resumo dos resultados dos estudos da FT da ASA-2002


sobre exames complementares pré-operatórios com indicação clínica
(testes de coagulação, bioquímica sangüínea e urina tipo I).

Exame Testes de Bioquímica Urina tipo I


coagulação sangüínea

Tipo de estudo* Série de casos Série de casos Série de casos

nº estudos 4 Na+ / K+ - 4 4
avaliados

Resultados 3,4% - 29,1% Na+ / K+ 1,0% - 4,6% - 42,0%


alterados 29,5%

Mudança de Não citado Não citado 0 – 23,1%


conduta
condicionada aos
resultados

Conclusões: realização de realização de realização de


acordo com acordo com acordo com
indicação clínica indicação clínica indicação clínica
* = não foram encontrados estudos controlados, para os exames analisados

Tabela 13 - Resumo do Guia de orientações da HTA-NHS (2003) sobre


exames complementares pré-operatórios, em crianças de 0 a 16 anos –
estado físico ASA 1.
Exame Porte 1 Porte 2 Porte 3 Porte 4 c.cvascular ncirurgia
ECG – – – – + –
RX tórax – – – – + –
Hb/Ht – – ? ? + ?
Teste de
coagulação – – – – ? ?
Bioquímica
sangüínea – – ? ? + +
Exame de
urina I – – ? ? ? ?
? = não houve consenso – c.cvascular = cirurgia cardiovascular – ncirurgia = neurocirurgia

128
Exames Complementares Pré-Operatórios

Tabela 14 - Resumo do Guia de orientações da HTA-NHS (2003) sobre


exames complementares pré-operatórios, em adultos de 17 a 40 anos –
estado físico ASA 1.
Exame Porte 1 Porte 2 Porte 3 Porte 4 c.cvascular ncirurgia
ECG – – – – + –
RX tórax – – – – + ?
Hb/Ht – – + + + ?
Teste de
coagulação – – – ? – ?
Bioquímica
sangüínea – – ? + + +
Exame de
urina I ? ? ? ? ? ?

Tabela 15 - Resumo do Guia de orientações da HTA-NHS (2003) sobre


exames complementares pré-operatórios, em adultos de 41 a 60 anos –
estado físico ASA 1.
Exame Porte 1 Porte 2 Porte 3 Porte 4 c.cvascular ncirurgia
ECG ? ? ? ? + –
RX tórax – – – – + ?
Hb/Ht – ? + + + ?
Teste de
coagulação – – – – ? ?
Bioquímica
sangüínea – ? ? + + +
Exame de
urina I ? ? ? ? ? ?

Tabela 16 - Resumo do Guia de orientações da HTA-NHS (2003) sobre


exames complementares pré-operatórios, em adultos de 61 a 80
anos – estado físico ASA 1.
Exame Porte 1 Porte 2 Porte 3 Porte 4 c.cvascular ncirurgia
ECG ? ? ? ? + –
RX tórax – – + + + ?
Hb/Ht – + + + + ?
Teste de
coagulação – – – ? ? ?
Bioquímica
sangüínea ? ? + + + +
Exame de
urina I ? ? ? ? ? ?

129
Medicina Perioperatória

Tabela 17 - Resumo do Guia de orientações da HTA-NHS (2003) sobre


exames complementares pré-operatórios, em adultos > 80 anos –
estado físico ASA 1.
Exame Porte 1 Porte 2 Porte 3 Porte 4 c.cvascular ncirurgia
ECG + + + + + +
RX tórax – – ? ? + ?
Hb/Ht ? + + + + +
Teste de
coagulação – – – ? ?
Bioquímica
sangüínea ? ? + + + +
Exame de
urina I ? ? ? ? ? ?

Conclusões

Munro et al32 concluíram que a realização de exames pré-operatórios


“de rotina” promoveu pouco ou nenhum benefício, em pacientes
aparentemente saudáveis. No entanto, ponderaram que permanece a dúvida
se há ou não benefício na solicitação de exames “de rotina”, para uma
população de pacientes assintomáticos, porém, de maior risco para
complicações intra-operatórias, como, por exemplo, para os pacientes idosos.
Esses autores concluíram também que, embora existam evidências
mostrando que aumenta, com a idade, a incidência de alterações nos exames pré-
operatórios, pelo menos até aquele momento (1997), essas evidências disponíveis
não eram rigorosas o suficiente para responderem à questão principal: se aumenta,
com a idade, a porcentagem de alterações não esperadas e encontradas nos
resultados e que implicam mudança de conduta anestésica, aumenta com a idade.
A FT da ASA33 e a HTA-NHS34 concluíram, segundo texto original
da primeira, que: “... a literatura científica disponível não contém
informações suficientemente rigorosas sobre exames pré-operatórios
de rotina, que permitam recomendações que não sejam ambíguas.”
Assim, propõem que os exames pré-operatórios não devam ser
solicitados de rotina mas, sim, de acordo com o propósito básico de guiar e
otimizar o cuidado perioperatório e que a indicação dos exames pré-
operatórios deve ser baseada nas informações obtidas no prontuário do
paciente, história clínica, exame físico, tipo e porte do procedimento cirúrgico.

130
Exames Complementares Pré-Operatórios

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132
Avaliação Neurológica e
Proteção Cerebral
Cremilda Pinheiro Dias, TSA/SBA*
Rildo Guilherme de Oliveira Gomes**

Introdução

Na avaliação perioperatória, as doenças neurológicas vasculares e


convulsivas são geralmente relatadas, possibilitando a elas uma abordagem
adequada, no entanto, existe uma grande gama de doenças neurológicas
não referidas, principalmente as degenerativas, mais comuns nos idosos,
que podem passar despercebidas e que precisam ser identificadas, a fim de
que possamos conduzi-las com segurança.
O anestesiologista deve ter noções básicas dos principais distúrbios
neurológicos e psiquiátricos, suas características clínicas, evolução e
terapêuticas usadas para evitar possíveis interações medicamentosas e
fatores de risco desencadeantes de complicações no intra e pós-operatórios.

* Membro da Academia Amazonense de Medicina.


Professora da Universidade Federal do Amazonas.
Coordenadora do CET Hospital Universitário Getúlio Vargas-Manaus-AM.
** Presidente da Sociedade de Anestesiologia do Estado do Amazonas-2004/2006.
Professor da disciplina Anestesiologia da Uni Nilton Lins-Manaus-AM.
Medicina Perioperatória

De uma maneira geral, podemos classificar esses pacientes em três


grupos principais:

1) Pacientes com distúrbios neurológicos diagnosticados e tratados


adequadamente;
2) Pacientes com distúrbios neurológicos diagnosticados, porém
tratados de forma inadequada;
3) Pacientes com distúrbios neurológicos não diagnosticados,
principalmente os idosos, portadores de doenças degenerativas
em fase inicial.

As principais doenças neurológicas que exigem cuidados especiais


são: as vasculares cerebrais; as neuromusculares; as convulsivas; as
desmielinizantes e/ou degenerativas .

Doenças Vasculares Cerebrais

A Doenças Vasculares Cerebrais têm incidência desconhecida,


aumentam com a idade e podem se apresentar com crises isquêmicas
transitórias típicas (TIAs) ou AVC. A maioria merece uma investigação
criteriosa no pré – operatório, pela freqüente associação com outras
patologias sistêmicas, como hipertensão, coronariopatia, diabetes,
comprometimento renal, doenças vasculares periféricas etc.
Pacientes com TIAs têm história de crises transitórias, sem seqüelas
ocasionadas por êmbolos em vasos extracranianos.
Na presença de doença carotídea, os sintomas principais são: afasia,
comprometimento visual unilateral e dormência ou fraqueza em um membro.
No caso de doença vertebrobasilar, há comprometimento visual bilateral,
vertigem, amnésia, ataxia, disartria, e fraqueza bilateral. Esses pacientes
devem ser criteriosamente avaliados, para se definir a necessidade, ou não,
de endarterectomia prévia.
Os AVC hemorrágicos geralmente estão associados a picos
hipertensivos, ruptura de aneurismas ou malformações arteriovenosas.
Uma análise neurológica e cardiovascular detalhada e o controle
rigoroso de PA, angina, ICC, glicemia e coagulação, assim como

134
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

monitorização invasiva e não invasiva, inclusive cerebral, são necessários


para manter a estabilidade cardiovascular no intra-operatório e evitarem-se
maiores complicações.
Qualquer técnica anestésica pode ser usada, desde de que seja
mantida a auto-regulação cerebral e as alternativas recomendadas para
proteção cerebral. É bom lembrar que vasopressores em excesso podem
causar isquemia miocárdica, enquanto vasodilatadores e bloqueadores
adrenérgicos podem ser necessários nos períodos de estimulação intensa,
sobretudo no despertar.
Os riscos são maiores, em pacientes idosos e nos submetidos a
cirurgias cardíacas, principalmente as valvulares, pela possibilidade de
deslocamento de êmbolos.

Miastenia Gravis

A Miastenia Gravis prevalece, em mulheres, entre 20 – 30 anos, e,


nos homens, entre 50 – 60 anos, e sua fisiopatologia está ligada à formação
de anticorpos anti-Acetilcolina, neurotransmissor indispensável para a
contração muscular. Segundo a classificação de Osseman, pode ser ocular,
generalizada, aguda fulminante e tardia grave.
Manifesta-se como uma fragilidade flutuante que piora com
exercícios, estresse e no final do dia. A forma ocular compromete os
músculos oculares extrínsecos, causando ptose e diplopia. O
comprometimento de outros músculos da face, faringe e laringe causa
disfagia, disartria, disfonia e paralisia facial. O comprometimento dos
membros se caracteriza por fraqueza muscular geralmente proximal.
O diagnóstico pode ser definido por meio do teste com Prostigmina
ou Edrofônio, pesquisa de anticorpos e eletromiografia.
O tratamento sintomático é feito com anticolinesterásicos, e o
cirúrgico, com timectomia, na presença de timoma.
Duas situações especiais devem sempre ser lembradas:

1) Crise miastênica é uma piora progressiva significativa que envolve


os músculos respiratórios, necessitando de suporte ventilatório.
Geralmente ocorre por infecção ou após cirurgia.

135
Medicina Perioperatória

2) Crise colinérgica é decorrente do excesso de anticolinesterásicos,


e se caracteriza pela adição de outros sintomas como diarréia,
bradicardia e sialorréia intensa.

No pré-operatório, é fundamental uma avaliação rigorosa da função


respiratória, com Rx, para se detectarem infecções ou atelectasias, e
provas de função pulmonar, para definir o grau de comprometimento da
função ventilatória (ideal, quando a Capacidade vital e o Fluxo expiratório
máximo correspondam a 80% do normal). A plasmafese prévia diminui o
número de anticorpos e melhora o quadro, porém, deve-se lembrar que ela
interfere nos fatores da coagulação, daí a necessidade de se fazer um
coagulograma e corrigir eventuais alterações de cálcio.
No perioperatório, devem-se evitar drogas que possam piorar os
sintomas e dificultar o desmame no pós-operatório. Além de BNM, devemos
evitar Aminoglicosídios, Colistina, Tetraciclina, Timolol, Propranolol,
Procainamida, Fenotiazinas, Lítio, Quinidina, Magnésio e Fenitoína.
Os anticolinesterásicos devem ser mantidos no pós-operatório, exceto
nos casos de pacientes com crise miastênica, para se evitar o risco de
infecções e atelectasias, e devem ser reiniciados logo que as complicações
sejam contornadas (14 – 24 horas). Nos casos de insuficiência grave, fazer
Plasmafese e Imunoglobulinas EV.
Os pacientes operados sem as condições ideais necessitam de suporte
ventilatório e têm dificuldades no desmame.

Miopatias

Esse grupo inclui uma grande variedade de distúrbios caracterizados


por fraqueza muscular proximal e simétrica, com ou sem atrofia muscular
progressiva e alterações nos valores de CPK.
Pode ser genética, inflamatória, tóxica, infecciosa, metabólica e
endócrina. Dentre as principais, citamos:

a) Distúrbio muscular de Duchenne: mutações no gene da distrofina,


no cromossomo X; acúmulo de tecido adiposo e conjuntivo, nos
músculos; fraqueza muscular progressiva que aparece antes dos

136
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

5 anos, com óbito na adolescência por insuficiência respiratória;


arritmias ou ICC;
b) Distúrbio de Becker: semelhante à descrição anterior, porém, mais
tardia e mais branda;
c) Distrofias miotônicas: mutações no cromossoma 19, caracterizadas
por dificuldade de relaxamento após contração dos músculos da
mímica, mastigatórios e distal, nos membros. Pode haver
comprometimento cognitivo e sistêmico (catarata, diabetes,
cardiopatias e outras);
d) Miopatias inflamatórias (pólio ou dermatomiosite): pode afetar a
musculatura do orofaringe, esôfago distal e respiratória, além de
comprometimento sistêmico (fibrose, miocardiopatia, artrite,
alterações cutâneas etc).

Para essas patologias não há tratamento específico. Dependendo da


etiologia, imunossupressores podem ser úteis.
ECG, Rx de tórax, ECCO, Gasometria, Provas de função pulmonar e
avaliação clínica detalhada são recomendados no pré-operatório.
Foco especial deve ser dado às alterações respiratórias que podem
ser evidenciadas por ortopnéia e respiração paradoxal. No início, pode haver
alternância entre músculos fatigados e acessórios, levando à taquipnéia, a
aumento do tempo inspiratório e da relação Vt / Vc, à diminuição da resposta
ao aumento do CO2, à hipoxia e à capacidade de tossir. Tudo se agrava,
quando o paciente é submetido a uma cirurgia pelo risco de pneumonia e
aspiração. Alguns podem desenvolver quadro similar ao da Hipertermia
maligna. e devemos estar preparados para tratá-los adequadamente. Pela
dificuldade de deglutição e falta de apetite, há desnutrição que exige suporte
nutricional.

Síndrome de Guillain – Barré

Reação auto-imune contra bainha de mielina dos nervos periféricos


e neurônios motores inferiores, que surge após síndromes paraneoplásicas,
complicações de imunodeficiência (HIV), infecções virais respiratórias ou
gastrintestinais.

137
Medicina Perioperatória

Caracteriza-se por paralisia ascendente motora, arreflexia


ascendente, parestesias variáveis, tetraplegia ou tetraparesia flácida. Pode
haver paralisia dos nervos cranianos, alterações autonômicas, sensibilidade
normal ou pouco alterada e paralisia respiratória por comprometimento
bulbar.
O diagnóstico baseia-se no exame clínico, na eletroneurografia e no
exame do LCR (dissociação proteinocitológica).
O tratamento inclui Plasmaferese e Imunoglobulinas EV, além de
cuidados gerais, como profilaxia da trombose e escaras, fisioterapia e, nos
casos graves, suporte ventilatório.
No intra-operatório, devemos evitar BNM, principalmente
Succinilcolina, fazer monitorização rigorosa e ficar atentos para alterações
hemodinâmicas, pela disfunção autonômica, além da possibilidade de se
necessitar de suporte ventilatório por tempo prolongado.

Doenças Convulsivas

Atividade convulsiva paroxística recorrente sincronizada, por


alterações do SNC, distúrbios sistêmicos ou idiopática.
Do ponto de vista fisiopatológico, há perda da atividade inibitória do
GABA ou aumento da atividade excitatória de aminoácidos excitatórios,
como o Glutamato.
A epilepsia é um dos distúrbios mais conhecidos e pode ser classificada
como:

a) Focais = simples, complexas ou evoluírem para generalizadas.


Sintomas motores, sensoriais, autonômicos e psíquicos. As mais
complexas associam-se a alterações da consciência;
b) Generalizadas = atividade elétrica simétrica, bilateral com ou sem
perda da consciência, podendo se apresentar como:

• Pequeno mal: lapsos isolados ou transitórios de perda de


consciência;
• Grande mal: perda da consciência seguida de atividade motora
clônica e depois tônica.

138
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

c) De acordo com o tipo de atividade motora: tônica, mioclônica,


acinética, estado epiléptico.

Na avaliação pré-operatória, devemos enfatizar o tipo de atividade


convulsiva (convulsões isoladas não recorrentes não caracterizam epilepsia),
sua etiologia e tratamento.
Nas crianças, mais comumente, são idiopáticas, enquanto, nos adultos,
estão relacionadas a lesões cerebrais (TCE, TU, AVC) ou a alterações
metabólicas por uremia, insuficiência hepática, intoxicações ou abstinência
de drogas.
No caso de convulsões no intra-operatório, o tratamento deve ser
agressivo, visando evitarem-se lesões músculo-esqueléticas, hipoxemia e
aspiração.
Nos pacientes em uso de drogas anticonvulsivantes, deve-se procurar
efeitos colaterais; verificar a eficácia dessas drogas e sua toxicidade, por
meio de exame clínico e dosagem dos níveis plasmático das drogas usadas.
As drogas mais usadas são: Fenitoína, Carbamazepina, Fenobarbital,
Ácido valpróico, Etossuximida, Clonazepam e Trimetadiona. Todas têm meia-
vida longa. Carbamazepina, Ácido valpróico e Trimetadiona causam
depressão da medula óssea e hepatotoxicidade. Em níveis tóxicos, ataxia,
vertigem, confusão e sedação.
No intra-operatório, devem-se evitar substâncias potencialmente
epileptogênicas, tais como Cetamina, Enflurano, Atracúrio e Meperidina.
As duas últimas por seus metabólitos, respectivamente, Laudanosina e Nor-
meperidina. Como o Fenobarbital é indutor enzimático, aumenta a necessidade
de drogas venosas e o potencial efeito hepatotóxico do Halotano. Fenitoína
e Carbamazepina aumentam as necessidades BNM não despolarizantes.

Doença de Parkinson

Doença degenerativa que acomete paciente > 50 anos, por perda


progressiva da DOPA nos gânglios de base (inibitórios), com aumento das
influências colinérgicas (excitatórias) sobre o sistema extrapiramidal. Quadro
similar pode ocorrer após encefalite, intoxicação por CO, AVC, intoxicação
por metais ou medicações antipsicóticas.

139
Medicina Perioperatória

Apresenta-se sob a forma de rigidez em roda denteada, tremor em


repouso, expressão facial fixa, marcha festinante e incapacidade física, com
função intelectual mantida no início.
Os casos leves são tratados com Anticolinérgicos e os moderados a
graves, com Levodopa, a qual, diferentemente da DOPA, atravessa a barreira
hematoencefálica. Seus efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos,
discinesias, irritabilidade cardíaca por depleção de catecolaminas e
hipovolemia (efeito natriurétrico). Esses efeitos colaterais podem ser
minimizados com uso de Carbidopa (Levodopa + inibidores da Dopa-
descarboxilase), Bromocriptina e Pergolide (agonistas DOPA) e Selegilina
(inibidores seletivos da MAO-B). A medicação deve ser mantida no
perioperatório.
Algumas drogas, como Fenotiazídicos, Butirofenonas e Metoclo-
pramida, devem ser evitadas, por apresentarem ação antiDOPA.
Os anti-histamínicos podem ser usados como medicação pré-
anestésica e sedação intra-operatória, nos pacientes com tremores. Juntos
com anticolinérgicos, são de escolha, nos casos de exacerbação do quadro.
Na indução, podem ocorrer alterações da PA, por hipovolemia relativa,
diminuição ou sensibilidade às catecolaminas e instabilidade autonômica.
As quedas de PA podem ser tratadas com pequenas doses de vasopressores.
Devemos evitar Succinilcolina, pela possibilidade de causar
hiperpotassemia, assim como Cetamina, Halotano e Epinefrina, por
precipitarem arritmias. Só extubar, quando os reflexos e a ventilação
estiverem adequados.

Doença de Alzheimer

Essa patologia implica o comprometimento da transmissão colinérgica,


por deficiência de Colinoacetiltransferase, e se manifesta por um lento declínio
da função intelectual, com perda de memória recente, depressão, labilidade
emocional, no início; depois, com sinais extrapiramidais, afasia, acentuada
atrofia cortical, com placas neuríticas e alterações fibrilares.
Acomete pacientes > 60 anos e tem como tratamento de suporte
inicial a Fisostigmina. No perioperatório, recomenda-se evitar pré-
medicação. Os bloqueios podem ser dificultados pela falta de cooperação.

140
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

Esses pacientes aceitam bem anestesia inalatória. Havendo necessidade


do uso de anticolinérgicos, deve-se preferir o Glicopirrolato, porque não
atravessa a barreira hematoencefálica.

Disfunções Autonômicas

Disfunção generalizada ou segmentar do SNC ou periférico, gerando


sintomas generalizados, segmentares ou focais; podendo ser congênita,
familiar ou adquirida.
Os casos congênitos ou familiares são mais comuns em crianças
judias (S. de Riley-Day) e se caracterizam por perda da sensibilidade e
labilidade emocional. As crises podem ser deflagradas por estresse, com
hipertensão importante, taquicardia, dor abdominal, diaforese e vômitos.
A administração de Benzodiazepínicos pode reverter ou minimizar o
quadro.
Suas manifestações mais comuns são: impotência, disfunção vesical
e gastrintestinal, regulação anormal dos líquidos corporais com B da sudorese,
B do lacrimejamento, B da salivação e hipotensão ortostática; e pode ser:
Isolada (insuficiência autonômica pura);
Parte de um processo degenerativo generalizado (S. de Shy-Drager,
D. de Parkinson, Atrofia oligopontecerebelar);
Parte de um distúrbio neurológico segmentar (Esclerose múltipla,
Seringomielia, Lesão raquimedular ou Distrofia simpática reflexa);
Manifestação de distúrbios que afetam os nervos periféricos (S.
Guillain-Barré, Diabetes, Alcoolismo, Amiloidose, Porfiria).
O tratamento inclui ingesta de sal, deitar em posição de Trendelenburg,
para controle da diurese e hipotensão ortostática e uso de drogas como
Mineralocorticóides, inibidores das Prostaglandinas, Bloqueadores beta
adrenérgicos, Antagonistas da DOPA, análogos da Vasopressina e da
Somatostatina.
No intra-operatório, por serem pacientes cronicamente hipovolêmicos,
bloqueios no neuroeixo e drogas vasodilatadoras, assim como perda
sangüínea e hipertermia podem agravar o quadro. Recomenda-se lembrar
que há aumento da sensibilidade aos vasopressores. Conduzir a anestesia
de forma a se evitarem essas complicações.

141
Medicina Perioperatória

Esclerose Múltipla

Doença que se caracteriza por desmielinização ao acaso, em múltiplos


locais do cérebro e medula. Pode ser genética, auto-imune ou desencadeada
por fatores ambientais. Atinge mais as mulheres entre 20 -40 anos, com
crises e remissões freqüentes, depois progressivas e incapacitantes.
Clinicamente, manifesta-se com distúrbios visuais, fraqueza, disfunção
autonômica e parestesias. Os surtos podem ser precipitados por estresse
ou cirurgia. O diagnóstico definitivo pode ser feito por meio de ressonância
eletromagnética.
As alterações na transmissão axônica podem ser exacerbadas por
hipertermia. Aumento de 0,5?C na temperatura pode bloquear totalmente
condução.
O tratamento é sintomático: Diazepam, Baclofen ou Dantrolene, para
espasticidade e hipertermia; Betanecol, para retenção urinária;
Corticosteróides, Carbamazepina, Fenitoína ou Antidepressivos, para
discinesias dolorosas; Azatriopina, Ciclofosfamida e Interferon, para tentar
impedir a progressão da doença.
No intra e pós-operatórios, devem-se evitar hipertermia e alterações
cardiovasculares, não esquecendo as disfunções desencadeadas por
algumas drogas usadas rotineiramente no tratamento, tais como: hipertensão,
diabetes, úlceras, retenção hídrica e hipopotassemia, pelo uso de
corticosteróides; dificuldade de cicatrização e infecções pelos imunos-
supressores e leucopenia, aumento das transaminases e hipoglicemia pelo
interferon.
O efeito dos anestésicos sobre esses pacientes é imprevisível. As
drogas devem ser escolhidas com critério e suas doses tateadas. A
desmielinização diminui o limiar para toxicidade dos anestésicos locais.
Assim, devem-se evitar bloqueios, anticolinesterásicos e succinilcolina e
corrigir alterações hemodinâmicas e elevações de temperatura.

Seringomielia

Doença caracterizada por cavitações na medula, por anormalidade


vertebrobasilares (S. Arnold-Chiari) e/ou obstrução ao efluxo do LCR no

142
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

4ºventrículo, levando à formação de dilatações e divertículos, mais na coluna


cervical, com aumento da pressão liquórica, escoliose torácica e déficits
sensitivos nos membros superiores, podendo necessitar de cirurgia
descompressiva (DVP).
Cuidados especiais devem visar à função respiratória, tanto na
avaliação pré-operatória quanto no intra e pós-operatórios. Evitar uso de
BNM, principalmente a Succinilcolina, e de drogas que causem aumento
da PIC.

Esclerose Lateral Amiotrópica

Patologia mais comum dos neurônios motores. Atinge, mais


freqüentemente, pessoas >50 anos, sob forma de fraqueza muscular rápida
e progressiva, atrofias, fasciculações e espasticidade. Envolve a musculatura
respiratória, evoluindo para insuficiência respiratória e risco de aspiração.
No perioperatório, cuidados especiais são dirigidos ao sistema respiratório.
Recomenda-se evitar uso de BNM e drogas depressoras da respiração,
tentar IOT, com o paciente acordado, e estar preparado para um desmame
difícil.

Lesão Raquimedular

Geralmente, por fratura ou luxação traumática, com secção parcial


ou total da medula. As alterações vão depender da altura da lesão;

Acima de T1 = tetraplegia;
Acima de T4 = paraplegia;
Coluna torácica baixa e lombar = síndrome da cauda eqüina.
A interrupção dos impulsos inibitórios descendentes gera
hipereatividade autonômica, de forma que estímulos cutâneos ou viscerais
abaixo da lesão podem desencadear reflexos intensos, com alterações
hemodinâmicas importantes, por vasodilatação acima da lesão.
Nos casos agudos, recomenda-se cuidado com a hipereflexia
autonômica, ao mobilizar o paciente, assim como com a possibilidade de
aumentar a extensão da lesão. Geralmente, esses pacientes estão em uso

143
Medicina Perioperatória

de Corticosteróides, têm diminuição dos reflexos das vias aéreas,


hipotensão e bradicardia. Devem-se evitar movimentos bruscos; fazer
IOT, preferentemente, com fibroscopia; se necessário, manter a função
cardíaca com vasopressores em bomba de infusão, hidratação adequada,
eevitar vasodilatadores. Succinilcolina pode ser usada nas primeiras 24
horas.
Nas lesões crônicas, acima de T6, há hipereflexia, podendo necessitar
de anestesia mais profunda. Com bloqueios, podemos ter hipotensão ou
hipertensão. A proliferação de receptores extrajuncionais possibilita uma
grande liberação de potássio, após uso de Succinilcolina, e conseqüente
risco de PCR. Recomenda-se evitar uso de vasodilatadores, bloqueadores
beta adrenérgicos e hipotermia, assim como cuidados especiais com a função
renal, para se evitar insuficiência renal no pós-operatório.

Proteção Cerebral

Introdução

A cada dia, milhões de pessoas, em todo o mundo, são acometidas


por lesões que atingem direta ou indiretamente o encéfalo. Muitos outros
morrem ou sofrem algum tipo de dano cerebral, após procedimentos que
induzem a um risco de isquemia, com ou sem hipóxia encefálica associada.
O encéfalo é um órgão peculiar, por possuir elevada atividade
metabólica e intensa vascularização. Estima-se que ele receba cerca de
15% do débito cardíaco, 20% do consumo de oxigênio e 25% da glicose
sejam consumidos em condições de repouso.
O metabolismo celular aeróbico é totalmente dependente desses
substratos, sem acúmulo de glicogênio. A maior parte da energia é utilizada
para a geração e propagação de potenciais de membrana necessários à
função sináptica. Pelo fato de trabalhar com reservas funcionais limitadas,
o encéfalo torna-se um órgão vulnerável a agressões isquêmicas. O
anestesiologista, ciente dessa realidade, precisa estar a par dos
mecanismos básicos de agressão encefálica, para que possa traçar
estratégias de proteção aos pacientes que lhe são confiados. Este é o
objeto de estudo desta revisão.

144
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

Fisiopatologia

Há muito se sabe que a mitocôndria é a estrutura celular alvo da


agressão encefálica por isquemia.. Até há pouco se acreditava que sua
participação se limitava à manutenção de níveis de ATP necessários para
evitar a morte celular. Hoje se sabe que sua participação é muito mais
importante,destacando-se a liberação de substâncias que culminam em morte
celular. Em geral, mesmo a disfunção mitocôndria leve pode levar à apoptose
de células cerebrais.

Figura 1

INJÚRIA
ENCEFÁLICA

SISTÊMICA: INTRACRANIANA:
• Hipotensão • Hipertensão
• Hipoxemia intracraniana
• Hipo/Hipercapnia • Convulsões
• Hipertermia • Vasoespasmo
• Hiperglicemia • Infecção
• Hiponatremia

A NÍVEL CELULAR:
• Isquemia
• Edema
• Depleção ATP
• Inflamação
• Cascata neuronal-morte celular

Após a agressão inicial (isquemia), a célula hipoteca sofre uma


alteração em seu metabolismo celular (para anaerobiose), rápida queda nos
estoques de ATP disponíveis, disfunção da bomba sódio-potássio ATPase, e

145
Medicina Perioperatória

conseqüente acúmulo de sódio intracelular. Isso leva à ativação de canais


iônicos voltagem - dependentes de Na+ e Ca+2, resultando em acúmulo
intracelular destes. Leva, ainda, à liberação de neurotransmissores
excitatórios (glutamato e aspartato), com ativação de receptores NMDA,
AMPA e Kainato, resultando em aumento adicional do cálcio intracelular e
ativação de sistemas enzimáticos que produzem dano isquêmico e morte
neuronal..
Com a reperfusão, aumenta a oferta de oxigênio; e a maior oferta de
elétrons, pela mitocôndria, leva à formação de espécies reativas de oxigênio
(estresse oxidativo). O receptor NMDA é um canal que modula o influxo
de sódio e sofre inativação que pode vir a ser permanente. As concentrações
elevadas de cálcio passam a ter ação lesiva.
Enquanto as alterações se limitarem aos lipídeos da membrana, estas
serão passíveis de reversão. A partir do momento em que essas alterações
comprometerem a síntese protéica ou alterarem as cadeias do DNA, ter-
se-á, então, morte celular.
O resultado final é o aumento da permeabilidade da membrana
celular, levando ao edema e ao aumento adicional de cálcio
intracelular, com disfunção da membrana interna. Esse fenômeno é
conhecido como “Permeabilidade de Transição da Membrana
Mitocondrial”. Esse fenômeno é potencializado por acúmulo de cálcio,
pelo stress oxidativo.
As concentrações de glicose, no momento da isquemia, contribuem
para piora da lesão celular por isquemia. A oferta de glicose, em encéfalos,
sem oferta adequada de oxigêni, resulta em conversão do metabolismo
aeróbico em anaeróbico, com aumento da produção local de lactato e redução
do pH.
Na prática clínica, neuroproteção diz respeito a toda e qualquer
intervenção farmacológica ou não, de prevenção à morte celular. Em
contraste, neuroressuscitação significa tratamento iniciado após o insulto
isquêmico, com o objetivo de reduzir danos a células sob ameaça de
morte..
Mecanismos citoprotetores são alvo de pesquisa em todo o
mundo, e alguns estão ao alcance do médico. Esses mecanismos
incluem:

146
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

Redução do metabolismo encefálico.

Aumento do fluxo sangüíneo encefálico.

Hipotermia leve.

Prevenção da hipertermia.

Manutenção da normoglicemia.

Inibição da liberação de neurotransmissores excitatórios.

Aumento da liberação de neurotransmissores inibitórios.

Bloqueio do influxo de cálcio.

Remoção de radicais livres, e bloqueio da formação de radicais livres.

Redução da formação de óxido nítrico.

Intervenções Farmacológicas

BARBITÚRICOS: A teoria clássica de proteção cerebral se baseia


no conceito de que a redução do metabolismo cerebral protegeria o encéfalo,
em períodos de indequação do fluxo sangüíneo. Essa teoria fornece suporte
ao uso de drogas que provocam redução do metabolismo encefálico. O
primeiro grupo de fármacos utilizados com essa finalidade foram os
barbitúricos. Desde a década de 70, postulava-se que os barbitúricos reduziam
a atividade metabólica, de modo dose-dependente, com uma redução
progressiva da atividade eletroencefalográfica, até se tornar isoelétrico.
Quando o EEG encontra-se isoelétrico, a atividade metabólica se reduz a
50% do original. Após o EEG tornar-se isoelétrico, o acréscimo de doses
não proverá depressão metabólica adicional.
ETOMIDATO: É semelhante aos barbitúricos, em sua ação sobre a
redução do metabolismo cerebral, até o EEG se tornar isoelétrico. Tem a
vantagem de prover maior estabilidade cardiovascular que os barbitúricos.
Tem sido estudado em diversos modelos experimentais, mas sem resultados

147
Medicina Perioperatória

universalmente aceitos. Deve ser lembrado que o etomidato produz


supressão da adrenal, através da inibição da 11 ß-hidroxilase, em particular,
após administração, em infusão contínua, por mais de 24 horas. Outros
mecanismos de proteção, associados ao etomidato, parecem estar
relacionados ao potencial antioxidante e ao antagonismo de glutamato, em
receptores NMDA.
PROPOFOL: Tem mecanismo de ação semelhante aos outros já
citados e leva ao traçado isoelétrico, em doses clínicas relevantes. Sua
popularidade deve-se ao fato de permitir rápida indução e recuperação
anestésicas e permitir avaliação neurológica precoce, após o despertar.
Vários estudos têm apontado resultados animadores quanto à eficácia em
proteção cerebral, mas estudos clínicos comparativos, em relação ao uso
de thiopental, não foram realizados até a presente data.
É importante ressaltar que seu efeito inotrópico negativo, associado
à ação vasodilatadora, pode produzir redução da pressão de perfusão
cerebral, quando administrado em infusão, em curto período de tempo. A
velocidade de injeção parece ser um fator de importância, na gênese desse
efeito.
BENZODIAZEPÍNICOS: Produzem redução do metabolismo
cerebral dose-dependente, mas de menor magnitude que os barbitúricos, e
não produzem EEG isoelétrico. Por esse motivo, não são drogas consideradas
eficazes na proteção cerebral.
KETAMINA: É sabido que a ketamina produz aumento do
metabolismo e fluxo sangüíneo cerebral e, por este ponto de vista, não seria
considerada medida neuroprotetora. Estudos experimentais mostraram,
porém, que a ketamina poderia exercer ação neuroprotetora, pelo fato de
produzir antagonismo de receptores NMDA, que sofre ativação em
quantidades crescentes durante isquemia. Evidências de que a ketamina
produz aumento da pressão intracraniana, nos pacientes em ventilação
espontânea, foi eliminada, após a demonstração de não aumento dessa droga,
em pacientes anestesiados e ventilados. A Ketamina ainda é alvo de debate,
como droga neuroprotetora.
ÓXIDO NITROSO: Tem sido usado em neuroanestesia por muitos
anos, mas possui algumas características indesejáveis: aumenta o fluxo
sangüíneo cerebral em até 37% e, quanto ao metabolismo, quando em

148
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

associação com outro anestésico inalatório, o aumento persiste, mas em


grau menor. Isso pode gerar problemas, em pacientes com pressão
intracraniana elevada. Estudos em animais mostraram resultados distintos:
enquanto, em alguns estudos, os dados mostraram uma piora do prognóstico,
em outros, não se detectou alteração de nenhum tipo. Jevtovic-Todorovic e
co-autores mostraram que o óxido nitroso poderia converter uma dose não
tóxica de ketamina em uma dose tóxica, em ratos de laboratório. Estudos
clínicos não conseguiram estabelecer se o óxido nitroso tem ação prejudicial
ANESTÉSICOS INALATÓRIOS: Quase todos os anestésicos
inalatórios agem de modo similar, em relação aos barbitúricos, em produzir
depressão do EEG dose-dependente, até obter silêncio isoelétrico(em torno
de 1,5 a 2,0 CAM). O metabolismo pode ser reduzido em até 50%, quando
o EEG torna-se isoelétrico. Em função desses fatores, o uso de inalatórios
tem sido preconizado para proteção cerebral, com as vantagens adicionais
de serem menos depressores do miocárdio e poderem ser mais prontamente
eliminados, ao final do procedimento cirúrgico.
Exceções à regra são o halotano e o enflurano. Halotano requer
doses de até 4 CAM, para produzir padrão isoelétrico. A vasodilatação
induzida por ele produz aumento da pressão intracraniana, a menos que a
hiperventilação seja instituída previamente. O enflurano produz atividade
eletroencefalográfica semelhante à convulsiva, que é intensificada pela
hiperventilação.
Uma questão que chama atenção está relacionada às diferenças entre
os inalatórios, no que tange à neuroproteção. Um estudo recente, em ratos,
mostrou a capacidade do isoflurano em modular a liberação de
neurotransmissores excitatórios e retardar a apoptose, sem, entretanto,
preveni-la..
MANUTENÇÃO DA GLICEMIA: As concentrações de glicose no
momento da isquemia contribuem para piora da lesão celular por isquemia.
A oferta de glicose em encéfalos, sem oferta adequada de oxigênio, resulta
em conversão do metabolismo aeróbico em anaeróbico, com aumento da
produção local de lactato e redução do pH.
Um estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a eficácia do
tratamento com insulina, para manutenção de níveis de glicemia abaixo de
110 mg%. O grupo que recebeu insulina obteve melhor prognóstico

149
Medicina Perioperatória

neurológico quanto à lesão isquêmica; menor incidência de polineuropatia,


fato que se correlaciona com ocorrência de desmame mais precoce de
ventilação mecânica, menor incidência de diabetes insipidus e menor
necessidade de uso de aminas vasoativas.
ERITROPOIETINA: Sabia-se que a eritropoietina é uma
substância endógena, produzida nos astrócitos de neurônios, na área de
penumbra. A interação com receptores, na área de penumbra, seria a
responsável pela ativação de proteínas de reparo, redução da inflamação
e da exocitose neuronal, inibição da apoptose e estímulo da angiogênese
e neurogênese.
Ehrenreich e cols. avaliaram a eficácia do uso de eritropoietina
recombinante humana, em pacientes com AVE isquêmico tratados nas 8
primeiras horas de evolução, durante 3 dias. Obtiveram uma redução
significativa dos níveis de S100ß, (marcador glial de injúria cerebral), redução
da área de infarto e melhor recuperação neurológica.

Intervenções Não-Farmacológicas

HIPOTERMIA LEVE: A hipotermia é relatada como medida


protetora, desde a década de 50, realizada, inicialmente, em pacientes
candidatos a cirurgia cardíaca. Pouco tempo após, começaram os ensaios
em pacientes com variadas condições neurológicas patológicas. Estima-se
que, para cada grau centígrado de temperatura corporal reduzida, o
metabolismo cerebral se reduz em 5 a 7%. Estudos em ratos com isquemia
cerebral, submetidos à hipotermia, mostraram redução da injúria da ordem
de 20%, com temperaturas em torno de 34 graus e nenhum grau de redução
adicional, com temperatura abaixo de 33 graus. Os dados expostos permitem
concluir que a hiportemia profunda não exerce efeito neuroprotetor.
O efeito protetor da hipotermia explica-se não somente pela redução
no metabolismo cerebral. Outros mecanismos propostos são: supressão da
liberação de glutamato (o aumento da temperatura corporal leva a aumento
da liberação de glutamato); inibição da produção de óxido nítrico, que está
associada à liberação de radicais livres de oxigênio e ácidos graxos livres;
redução do influxo de cálcio e aumento da liberação de GABA, nas sinapses,
durante isquemia.

150
Avaliação Neurológica e Proteção Cerebral

Há, infelizmente, dificuldades ao método. A temperatura cerebral


não é uma aferição realizada de rotina. Os métodos de aferição usuais de
temperatura podem não refletir. com segurança, a temperatura cerebral,
sendo a temperatura timpânica o método mais comumente usado. E a
temperatura cerebral varia de acordo com as diferentes regiões do cérebro.
Apesar dos resultados do “Intraoperative Hypothermia for
Intracranial Aneurysm Surgery Trial II” (IHAST II), que foram apre-
sentados e sumarizados em 2004, muitos centros preconizam a indução de
hipotermia leve, em pacientes neurocirúrgicos com alto risco de isquemia
cerebral. O método mais utilizado é o do resfriamento convectivo, mas
outros métodos têm sido descritos, como o de infusão de soluções geladas
a 4 graus. Steinberg et cols. realizaram hipotermia, utilizando um instrumental
de resfriamento endovascular posicionado na veia cava inferior. Relataram
como vantagem a obtenção de hipotermia, em uma velocidade até 5 vezes
maior do que a alcançada por outros métodos (35 minutos versus 204
minutos).
Os estudos apontam que a hipotermia, nos modelos experimentais,
quando induzida dentro dos primeiros 60 minutos, mostra efeito protetor.
Porém, se induzida após 90 minutos após trauma craniano, não mostrou tal
efeito. Outro estudo mostrou, recentemente, que a administração de
hipotermia tardia, em pacientes traumatizados, é eficaz, para a redução da
pressão intracraniana, mas sem, não conferia qualquer melhora no
prognóstico neurológico, a longo prazo. Os dados alertam para a estreita
janela temporal, para se adotarem medidas de proteção, em pacientes
traumatizados.
Os modelos de isquemia, porém, mostram que a administração de
hipotermia tardia, em pacientes com lesão cerebral isquêmica focal ou difusa,
pode ser de algum benefício, no sentido de reduzir a lesão celular, o edema
e a área do infarto, se a hipotermia for mantida por períodos prolongados
(acima de 48 h).
Muita atenção deve ser dispensada ao reaquecimento, uma vez que
já se observou hipertensão intracraniana de rebote, em pacientes que são
reaquecidos rapidamente. O reaquecimento lento está associado à
manutenção da reatividade arteriolar ao CO 2. , e à manutenção do
acoplamento metabólico cerebral.

151
Medicina Perioperatória

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153
Avaliação da Função
e Proteção Renal
Pedro Thadeu Galvão Vianna, TSA/SBA*

Introdução

Embora nas últimas décadas tenha havido significativo avanço no cuidado


do paciente submetido a grande procedimento cirúrgico, tais como enxerto
aortofemoral, cirurgia cardíaca e o realizado em politraumatizado, a ocorrência
de insuficiência renal aguda(IRA), no perioperatório, persiste elevada. A
magnitude desse problema é substancial, pois a ocorrência de IRA é associada
ao aumento da morbidade e da mortalidade. A proposta deste capítulo é discutir
a monitorização da função renal, para avaliação precoce da IRA, e as principais
técnicas empregadas para a proteção renal durante a anestesia.

Definição e incidência de IRA

Dependendo da definição utilizada e da população, a insuficiência


renal aguda tem incidência variável entre 0.15 – 25 %. Estudos recentes

* Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Unesp,


campus de Botucatu. Responsável pelo CET/SBA do Departamento de Anestesiologia da
Faculdade de Medicina da Unesp, campus e Botucatu.
Medicina Perioperatória

mostram que, em pacientes gravemente enfermos, a incidência de IRA é


de 4 a 8 %. Infelizmente, o índice de mortalidade tem se mantido elevado
(em torno de 60 %), por cerca de três décadas. A IRA é geralmente
definida como o rápido declínio da função renal, com acúmulo de
metabólitos, eletrólitos, uréia e creatinina. A incidência de necrose tubular
aguda (NTA) é de 50%; a causada por insuficiência pré-renal, de 35 %;
e a por obstrução, 10 %.A etiologia da IRA pré-renal seria a diminuição
da perfusão do órgão.

Avaliação da função renal

Dentre as funções renais, a mais importante é o ritmo de filtração


glomerular (RFG). Felizmente, a sua medida é uma das mais fáceis de
serem realizadas clinicamente. O RFG, no homem adulto, é cerca de 125
ml-1.min-1 por 1,73 m2 de superfície corporal, sendo 15% inferior, na
mulher. No recém-nascido, esse valor está reduzido proporcionalmente à
metade. Já, na gestante, o RFG está 30% acima daquele do homem adulto.
A idade também influencia o RFG, reduzindo-o cerca de 1%, para cada
ano vivido além dos 40 anos. O RFG pode ser avaliado, na prática clínica,
pelo “clearance” de creatinina, a qual é subproduto do metabolismo
energético e constituinte do plasma. Esse método dá resultados próximos
ao normal, porém sempre maiores que os do “clearance” de inulina. A
diferença entre esses “clearances” aumenta, quando o RFG é inferior a
15 ml. Por isso, Lavender & Hilton1 sugeriram a correção desta diferença,
usando, simultaneamente, os “clearances” de creatinina e uréia, porque,
em relação ao “clearance” de inulina, um é superestimado (“clearance”
de creatinina) e o outro é proporcionalmente subestimado. Desse modo, a
média dos dois “clearances” (“clearances” de uréia + creatinina ) fica
próxima ao de inulina (o coeficiente de correlação entre ambos é r2 =
0,993).
A fórmula do “clearance” é a seguinte:

Cx = Ux . V
Px

156
Avaliação da Função e Proteção Renal

Cx = “clearance” da substância x (ml *min)-1


Ux = concentração urinária da substância x (mg*100 ml)-1
Px = concentração plasmática da substância x (mg*100ml)-1
V = fluxo urinário (ml*min)-1

Na avaliação pré-operatória, os exames mais comuns são a uréia e a


creatinina plasmáticas. A primeira sofre a influência de desidratação, ingestão
de proteínas, sangramento gastrintestinal e catabolismo, avaliando melhor o
grau da uremia. A função renal é mais fidedignamente avaliada através da
creatinina plasmática, que é mais estável, sofrendo apenas a influência da
idade e da massa muscular esquelética. O grande problema é a pouca
sensibilidade da dosagem de creatinina, quando relacionada ao RFG. Com a
redução de 50% no RFG, a creatinina irá duplicar-se, porém, mesmo assim,
estará nos limites da normalidade.
Providencialmente, surgiram fórmulas capazes de transformar a
creatinina plasmática em RFG. A mais utilizada é denominada de “clearance”
estimado de creatinina. Esta foi desenvolvida por Cockcroft & Gault2 e,
segundo a publicação dos autores, exibiu coeficiente de correlação de 0,83
entre o seu valor e o do real “clearance” de creatinina. A equação é expressa
por:

(140 - idade) x peso (kg)


“Clearance” Estimado de Creatinina = -1
72* creatinina plasmática (mg100 ml)

*Para mulheres, substituir 72 por 85.

Em nosso meio, Nachtigall e col(3) testaram a correlação entre o


“clearance” estimado por essa equação e o real “clearance” de creatinina
obtido no período pré-operatório de pacientes hígidos e de peso corporal
normal. O resultado da correlação foi maior que o dos autores, r2 = 0,87.
Pode ser que o resultado encontrado tenha sido melhor porque se trabalhou
com um grupo de peso corpóreo mais uniforme.
O “clearance” estimado de creatinina não deve ser empregado em
pacientes com função renal instável, obesos, edemaciados, idosos, debilitados

157
Medicina Perioperatória

e caquéticos. Um dos motivos é que a creatinina plasmática depende do


catabolismo protéico, sendo um subproduto do metabolismo muscular e,
portanto, não influenciada pelo tecido gorduroso. Recentemente, Roberts e
col4 sugeriram, em pacientes debilitados, a substituição do peso corporal
real pelo ideal. Este pode ser obtido, baseando-se em um peso inicial acrescido
de 900 gramas para cada cm além de 152 de altura. O peso inicial para os
homens é de 50 kg e para as mulheres, 45,5 kg. Então, a equação ficaria
a seguinte:

Homens
(140 - idade) x (50* +(altura (cm) - 152) 0,9
“Clearance” Estimado de Creatinina = -1
72** x Creatinina Plasmática (mg*100 ml )

Mulheres: substituir * por 45,5 e ** por 85

Com essas modificações, os autores conseguiram boa correlação


entre o “clearance” estimado de creatinina e o “clearance” de inulina
(r2=0,81; p=0,0001).
Na azotemia pré-renal, os exames bioquímicos urinários refletem a
resposta normal dos túbulos à hipoperfusão renal5,6. Há ávida retenção de
sódio e água, com baixa concentração urinária de sódio e altos níveis de
uréia, creatinina e osmolaridade que, nessa síndrome,está acima de 500
mOsm. l-1.
Como medida clínica, para se avaliar a função renal, costuma-se
medir o débito urinário, porém este é de pouco valor propedêutico, se não
for acompanhado da medida da carga osmolar ou, em outras palavras, da
concentração da urina. Isso é particularmente verdadeiro, durante cirurgia
da aorta abdominal, quando essa medida não forneceu qualquer parâmetro
para avaliação da função renal. A concentração urinária pode ser avaliada
pela densidade específica ou pela osmolaridade. A osmolaridade é a medida
do número de partículas, independentemente do tamanho, por kg de solvente,
e pode ser obtida através do índice de refração. A densidade específica
mede a relação entre a parte sólida (soluto) e a parte líquida (solvente). A
refração é o método de escolha para a medida da concentração urinária,
em sala de operação, porque se utiliza um equipamento portátil que, para

158
Avaliação da Função e Proteção Renal

funcionamento, necessita apenas de uma gota de urina. O refratômetro


determina o ângulo em que a luz sofre refração, quando passa através de
uma solução. A quantidade total de solutos, em uma solução, por sua vez, é
proporcional ao peso desses solutos, o que vem a ser a medida da densidade
específica. Esta densidade também pode ser avaliada através do método
da fita, porém é um método mais dispendioso do que o da refratometria, que
tem apenas o custo inicial da compra de um equipamento barato - o
refratômetro. A principal vantagem do método da fita seria a concomitante
avaliação de outros componentes da urina, tais como proteínas, glicose,
hemácias, etc.
Em estudo sobre o assunto, Vianna e col7 verificaram existir, em
amostras de urina de 300 pacientes submetidos ao ato anestésico-cirúrgico,
forte correlação (r2=0.99) entre as densidades obtidas pelo método da
refratometria e da fita; ambos, porém, não se correlacionaram com as
medidas de osmolaridade urinária. Observou-se, também, que as medidas
de glicose e proteínas, obtidas com o método da fita, não são fidedignas,
pois ocorreu elevado índice de falso positivo, verificado pela análise
laboratorial da glicose e das proteínas.
Existem, também, índices, derivados da excreção de sódio, que são a
excreção fracionária de sódio (EFNa) e o índice de insuficiência renal (IIR).
Em procedimentos agudos, a excreção fracionária pode ser simplificada,
para a relação sódio/creatinina urinários. Esses índices têm sido utilizados
para distinguir a insuficiência pré-renal (quando a imediata correção da
perfusão sistêmica restaurará a função) da doença renal intrínseca. Nesta,
a lesão tubular é presumivelmente responsável pelo alto sódio urinário. Do
mesmo modo, a função renal não é imediatamente restaurada pela melhora
da perfusão sistêmica. Infelizmente, nem a distinção em si e nem a
especificidade dos testes são absolutas. Em certos casos, a perfusão renal
não pode ser facilmente corrigida pela restauração do volume circulatório e
do débito cardíaco, apesar da baixa concentração de sódio na urina e dos
pequenos índices da EFNa e do IIR. Isso é bem reconhecido na doença
renal, septicemia e em grandes queimados.
A atenção de muitos pesquisadores tem se voltado para o estudo da
excreção urinária das enzimas urinárias, NAG (N-acetil-β-D-
glucosaminidase)8 e a α e π-glutationa S-transferase (α e π- GST) que

159
Medicina Perioperatória

fornece a indicação precoce da disfunção tubular, resultante de doença renal


ou de lesões nefrotóxicas e isquemicas. Esse fato tem sido observado, em
pacientes que fazem uso de antibióticos nefrotóxicos, como é o caso da
gentamicina. As possibilidades futuras da utilização generalizada desse método
de diagnóstico aumentam, pelo desenvolvimento tecnológico da dosagem desta
enzima, inclusive através do método da fita. Este último método deverá ser
de fácil emprego, em unidades de terapia intensiva e salas de cirurgias. Outras
enzimas de custo barato têm sido estudadas, como, por exemplo, a fosfatase
alcalina e γ glutamil transpeptidase (γ GT) e a fosfatase alcalina.
Recentemente, as pesquisas têm-se voltado para a cistatina C9, para a
rápida avaliação do ritmo de filtração glomerular, sem a necessidade do uso
do método de depuração ou “clearance”. Essa molécula de baixo peso
molecular (13. 000 M) é encontrada nas células nucleadas do organismo.
Uma vez na corrente sangüínea, é rapidamente filtrada pelo glomérulo e depois
é totalmente metabolizada no próprio tecido renal. A concentração plasmática
dessa substância não sofre a influência da idade acima de um ano, do sexo,
do peso, da superfície corporal e da dieta. A diferença da sua concentração,
na população adulta, é de, aproximadamente, 3 desvios padrão, enquanto,
nessa mesma população, a diferença dos níveis plasmáticos de creatinina é
de 13 desvios padrão. A creatinina foi descrita, para uso na clínica, há,
aproximadamente, 80 anos e tem sido utilizada para avaliação da função
renal. Entretanto, a sua sensibilidade e especificidade, para diagnóstico da
disfunção renal, só é obtida, quando já existe grande comprometimento renal.
Indaga-se, portanto, será que, em futuro próximo a cistatina C poderá ser o
substituto da creatinina, nas avaliações perioperatórias?

Insuficiência Renal Aguda

Fatores Hemodinâmicos

O maior paradoxo do conhecimento clássico da resposta renal à


isquemia é o fato de que a grave lesão inicial por hipoperfusão ocorre em um
rim relativamente bem oxigenado − o órgão é acentuadamente bem irrigado
e, em condições de repouso, recebe aproximadamente 20 por cento do débito
cardíaco, enquanto contém apenas cerca de 0,5% da massa corporal humana.

160
Avaliação da Função e Proteção Renal

A taxa de fluxo sangüíneo é de 400 ml .100 g-1 de parênquima renal, por


minuto. Outros leitos vasculares considerados bem perfundidos, tais como o
cardíaco, o hepático e o cerebral, possuem menor circulação sangüínea.

Relação Demanda/Consumo de Oxigênio

Do enorme fluxo sangüíneo recebido − cerca de 1 litro por minuto −


é formada somente a pequena quantidade de 1 ml de urina, por minuto.
Desde que a necessidade energética metabólica da produção de urina seja
alta (em torno de 10 % do consumo de oxigênio basal), a diferença
arteriovenosa de oxigênio é muito maior que no resto do organismo. Esse
estado de alto fluxo é necessário para assegurar ótima depuração a todos
os metabólitos e drogas. A disponibilidade de oxigênio nas diversas regiões
do rim é muito heterogênea, fato muito importante para que se possa entender
a fisiopatologia da hipoperfusão em um órgão tão bem irrigado5,6. Assim,
em condições normais, o gradiente da região corticomedular atinge os baixos
10 mmHg, tornando as células medulares vulneráveis à hipóxia, apesar do
alto fluxo sangüíneo renal. Esse gradiente de PO2 é devido à disposição
anatômica dos vasos sangüíneos denominados vasa recta que possuem a
forma de pinça, muito semelhante à alça de Henle. Em resumo, a
suscetibilidade à lesão hipóxica seria tanto conseqüência do estado de
hipoperfusão quanto do aumento da reabsorção de NaCl e da subseqüente
elevação do consumo de oxigênio.

Lesões Isquêmicas

A hipoperfusão renal é a mais comum agressão causadora de


insuficiência renal aguda e freqüentemente acompanha os grandes traumas,
as cirurgias, as hemorragias e as desidratações. Mesmo na ausência de
acentuada hipotensão sistêmica, pode-se ter diminuição no fluxo sangüíneo
renal e ritmo de filtração glomerular (azotemia pré-renal) ou grave lesão
isquêmica (tabela 1). Deste modo, podem-se considerar as lesões isquêmicas
renais como uma única síndrome, porém, com gradações diferentes, sendo
a intensidade da agressão inversamente proporcional ao potencial de
recuperação (tabela 1).

161
Medicina Perioperatória

Tabela 1 - Síndrome de hipoperfusão renal


Avaliações Urinárias
Mecanismo Síndrome Volume Concentração EFNa RFG Reversibilidade
ou IIR

Hipoperfusão Azotemia >500 mOsm | 100-40 Imediata


cortical pré-renal |

Hipoperfusão S.intermediária 20-60 1-3 dias


medular | | |

Isquemia Necrose
medular tubular aguda

a)não oligúrica > 400ml/24h isostenúria variável 2-25 1-3 semanas

b) oligúrica < 400ml/24h isostenúria > 1% 0-20 2-3 semanas

Isquemia Anúria < 100ml/24h Remota


cortical

EFNa = UNa . PCr . 100 IIR = UNa . UCr


PNa . UCr PCr

EFNa=Excreção fracionária de sódio


IIR=Índice de insuficiência renal
UNa=Sódio urinário
PCr=Creatinina plasmática
UCr=Creatinina urinária

A diminuição da pressão arteriolar aferente resulta no aumento da


produção de angiotensina II, via sistema renina-angiotensina (SRA). A
angiotensina II é um poderoso vasoconstritor e determina aumento da
resistência da arteríola eferente e redução do fluxo sangüíneo renal. Essa
redução não provoca diminuição do RFG porque o aumento da resistência
arteriolar eferente compensa o fluxo reduzido, mantendo a pressão capilar
glomerular; preservando o ritmo de filtração glomerular. A renina é produzida
no aparelho justaglomerular; produção estimulada, tanto pela diminuição da

162
Avaliação da Função e Proteção Renal

pressão arteriolar quanto pela concentração de sódio na alça ascendente


espessa, sensibilizando a mácula densa. Quando a pressão de perfusão
está muito reduzida, o reflexo miogênico, responsável pela diminuição da
resistência, não é suficiente para a manutenção do fluxo plasmático
glomerular, resultando na diminuição da pressão capilar glomerular e
diminuição subseqüente e profunda do RFG. A isquemia resulta na redução
do potencial elétrico da membrana e aumento associado da permeabilidade
celular, determinando influxo do cálcio para a célula, com inúmeros
transtornos intracelulares que contribuem para a morte celular. O cálcio
ativa as fosfolipases, que degradam as camadas lipídicas da membrana
celular e produzem alterações na respiração mitocondrial. A combinação
da falta de energia e do aumento da produção de radicais livres também é
responsável pela destruição celular.
Os eicosanóides, metabólitos do ácido aracdônico, desempenham
grande papel na isquemia renal. Quando a enzima ciclo-oxigenase atua no
ácido aracdônico, são produzidos os endoperóxidos. As prostaglandinas são
responsáveis pela regulação do fluxo sangüíneo renal e do RFG, nas
situações de vasoconstrição renal, tais como baixo débito cardíaco, depleção
sódica, anestesia e todas as situações em que os sistemas renina-angiotensina
e arginina-vasopressina são acionados. Em síntese, os dois sistemas, o da
renina-angiotensina e o dos eicosanóides, trabalham em concerto, um
afetando a ação do outro. Deve ser lembrado que os inibidores da síntese
das prostaglandinas, como os analgésicos antiinflamatórios não esteróides,
são responsabilizados pela deterioração aguda do fluxo sangüíneo renal e
do RFG, em pacientes com redução do volume sangüíneo efetivo ou doença
renovascular.
As pesquisas também têm-se voltado para um grupo de substâncias
liberadas pelo endotélio dos vasos e chamadas de endotelinas. A endotelina
é o mais poderoso vasoconstritor conhecido. Em doses baixas, determina
vasoconstrição renal e, em doses maiores, vasoconstrição sistêmica. Através
do trabalho de Kon e col10, ficou evidente o papel dessa substância no
desenvolvimento da IRA pós-isquêmica. Nesse estudo, a infusão de anticorpo
antiendotelina, realizada 2 dias após o episódio isquêmico, conseguiu
significativo aumento do RFG. Durante o clampeamento infra-renal da aorta
abdominal, concluiu-se que a produção de endotelinas está elevada; o efeito

163
Medicina Perioperatória

vasoconstritor desta substância foi parcialmente inibido pela infusão de


nifedipina (0.1-0.7 µg.kg-1 min-1). O mesmo sucesso não foi obtido pela
infusão de dopamina (2 µg.kg-1 min-1)11. Fukuda e col12 comprovaram o
aumento da endotelina-1 (E-1) venosa, após a liberação do “clampeamento”
arterial, durante cirurgia para correção de aneurisma da aorta abdominal.

Lesões nefrotóxicas

Devido à peculiaridade de serem excretores de metabólitos e drogas


e, ao mesmo tempo, de conservarem substâncias necessárias ao organismo,
os rins estão expostos a grandes fluxos e a altas concentrações de
substâncias contidas no sangue. Desse modo, as células do túbulo renal
são, freqüentemente, as primeiras a serem atingidas, tanto por substâncias
endógenas quanto exógenas. A possibilidade de uma substância determinar
nefrotoxicidade é multifatorial, pois depende, tanto de sua concentração e
duração de efeito quanto do grau de hidratação do organismo, da perfusão
renal de outros agentes nefrotóxicos e de doenças associadas.

Antibióticos

Os aminoglicosídeos estreptomicina, gentamicina, tobramicina,


kanamicina e amicacina determinam elevada incidência de nefrotoxicidade
(entre os mais tóxicos, essa porcentagem varia de 10% a 26 %). O
mecanismo de toxicidade ainda se mantém em especulação, porém, em
concentrações elevadas, os aminoglicosídeos inibem a fosfolipase A2 e,
portanto, podem reduzir a formação de prostaglandinas.

Anestésicos halogenados

O radical fluoreto é incluído na molécula de todos os anestésicos


inalatórios, com a finalidade de reduzir a inflamabilidade e, por esse motivo,
todos são potencialmente nefrotóxicos. Apesar disso, o único anestésico
com comprovado efeito nefrotóxico é o metoxiflurano, assim mesmo, após
utilização prolongada. Nesta situação, no pós-operatório, provoca
insuficiência renal poliúrica. A etiologia dessa complicação é a liberação de

164
Avaliação da Função e Proteção Renal

íons fluoretos, produto do metabolismo desses anestésicos, que afetam


preferencialmente as células do segmento ascendente da alça de Henle.
Há, também, acentuada oxalúria e a precipitação intratubular de cristais de
oxalato de cálcio, que podem atuar como um grande mecanismo de lesão.
A poliúria leva à hiponatremia e à hiposmolaridade sérica. O limiar de
toxicidade do íon fluoreto sérico, para que se atinja a nefrotoxicidade, situa-
se entre 40 e 57 µM. O sevoflurano também possui a capacidade de liberar
o metabólito fluoreto, que pode atingir concentração sérica acima de 50
µM13. Até o presente momento, não foi observada insuficiência renal, em
paciente anestesiado pelo sevoflurano.

Contrastes radiológicos

As substâncias diatrizoatos, iotalamatos e iodohipuratos são


consideradas nefrotóxicas. A incidência da nefrotoxicidade depende de vários
fatores, tais como desidratação, doença renal, baixo débito cardíaco,
nefropatia diabética, grande carga de contrastes ou múltiplas exposições.
Ainda não está esclarecida a causa dessa nefrotoxicidade, mas é possível
que seja por toxicidade celular direta associada à obstrução tubular e a
modificações na hemodinâmica renal. A melhor conduta profilática contra
essa nefrotoxicidade é a hidratação prévia dos pacientes, a melhor possível,
evitando-se, ao máximo, estudos radiológicos contrastados naqueles
considerados de alto risco, já citados anteriormente. Em estudo de meta-
análise, Brick e col14 demonstraram evidência de redução da IRA, após
contraste, em pacientes que receberam a N-acetilcisteína (NAC).

Nefrotoxinas endógenas

São elas: mioglobina, hemoglobina, metahemoglobina e bilirrubina. A


síndrome do esmagamento, estudada durante a IIª guerra mundial, mostrou a
relação entre rabdomiólise, mioglobinúria e IRA. De lá para cá, surgiram
outras causas de rabdomiólise, como abuso de bebidas alcoólicas, compressão
muscular, convulsões, alterações metabólicas, drogas e infecções. O
mecanismo da nefrotoxicidade pela mioglobina é desconhecido, porém a
hipovolemia e a acidificação urinária parecem ser os dois fatores cruciais na

165
Medicina Perioperatória

precipitação da IRA, pela rabdomiólise. O ferrihemato, que se dissocia da


mioglobina ou hemoglobina a um pH de 5.4, deprime o transporte tubular, sem
diminuir a utilização de oxigênio. Desse modo, a lesão tubular poderia ser
determinada pelo desequilíbrio entre o suprimento de O2 (diminuído pela
vasoconstrição) e a demanda de O2 por transporte tubular ineficiente. A
obstrução tubular também desempenharia algum papel no aparecimento de
IRA. A profilaxia recomendada é a hidratação vigorosa e precoce e a
alcalinização urinária, mantendo-se diurese acima de 2 ml kg-1 min-1 e pH
urinário acima de 6,0. Quanto à metahemoglobinemia e à bilirrubinemia
(icterícia obstrutiva), estas têm sido associadas à IRA, porém não está claro
se os pigmentos são diretamente tóxicos para os rins. Entretanto, na vigência
das mesmas, é recomendável manter-se o paciente generosamente hidratado.

Outras drogas

São nefrotóxicos os quimioterápicos e a ciclosporina utilizada como


droga imunossupressora nos transplantes de órgãos. A nefrotoxicidade desta
última é dependente da dose e a biópsia renal revela quadro compatível
com necrose tubular aguda; várias observações sugerem que o alvo da
lesão é o endotélio vascular, em lugar do parênquima renal.

Peculiaridades da IRA na cirurgia da aorta abdominal

A IRA tem sido freqüentemente registrada após os procedimentos


para correção de aneurismas aórticos infra-renais; apesar da evolução nas
técnicas anestésicas e cirúrgicas, persiste incidência de 5% dessa
complicação, podendo chegar a 17%, nas cirurgias da aorta supra-renal, e
a 51%, nos procedimentos realizados na aorta torácica. Apesar de se
empregar tratamento agressivo, o índice de mortalidade, para essa
insuficiência renal, é de 25%.
Os estudos experimentais e clínicos dos efeitos do clampeamento da
aorta infra-renal são inconclusivos15, porém, em geral, o insulto renal é
causado por um dos três mecanismos: (1) estado de baixo fluxo da hipotensão
arterial ou hipovolemia; (2) embolização de material advindo das placas de
ateroma e (3) aumento da resistência vascular renal.

166
Avaliação da Função e Proteção Renal

O clampeamento da aorta infra-renal é associado a grande aumento


da resistência vascular renal e diminuição de 30% no fluxo sanguíneo renal,
que persiste após o desclampeamento da aorta e mantém-se reduzido seis
meses depois da cirurgia. Esta diminuição do fluxo sanguíneo renal pode ser
de 85 a 94%, acompanhada de acentuada redução do RFG e débito urinário
nos clampeamentos da aorta torácica. A má distribuição do fluxo sanguíneo
intra-renal persiste por cerca de 60 minutos após o desclampeamento. Ou-
tra característica desta diminuição do fluxo sanguíneo renal é não estar
relacionada com as alterações do débito cardíaco, da pressão arterial média
ou da diurese.
O endotélio produz o vasodilatador óxido nítrico. Há evidências
sugestivas de que a produção de óxido nítrico renal está diminuída após o
episódio isquêmico. Estudos em animais mostram que o fornecimento de
óxido nítrico ao rim, quando se infunde o doador de óxido nítrico L-arginina,
aumenta o RFG. Também, a mioglobina liberada da isquemia dos membros
inferiores pode interferir com a formação de óxido nítrico intra-renal,
determinando vasoconstrição e redução do fluxo sangüíneo renal.
Outro mecanismo da patogênese das alteraçõesna hemodinâmica
renal, durante o clampeamento da aorta, envolve o sistema renina-
angiotensina-aldosterona. O tratamento prévio com inibidores da enzima
conversora da angiotensina (ACE) associou-se, após o desclampeamento,
ao completo retorno do fluxo sangüíneo renal e do RFG aos valores basais.

Peculiaridades da insuficiência renal após a cirurgia cardíaca

A circulação extracorpórea (CEC), com fluxo não pulsátil, causa


vasoconstrição renal, com diminuição do fluxo sangüíneo do órgão. Isso é
determinado pela hipotensão arterial, com aumento dos níveis de
catecolaminas e liberação do SRA. Outros fatores vasoconstritores podem
contribuir para essa redução do fluxo sangüíneo renal, como a tromboxana,
liberada de plaquetas ativadas, e as endotelinas, liberadas pelo endotélio.
Ficou demonstrado que a CEC é associada a alterações importantes da
função renal. Essas alterações foram detectadas através do aumento da
excreção fracionária de sódio, da microalbuminúria e da N-acetyl-β-D-
glucosamidase urinária (NAG) − enzima com grande atividade no lisossoma

167
Medicina Perioperatória

da célula tubular e cujo aumento de excreção é considerado como teste


sensível de lesão tubular. Pesquisas mostram que essa disfunção renal é
mais relacionada ao valor do débito cardíaco do que ao tipo de CEC.
Zanardo e col16 realizaram estudo em 775 pacientes submetidos à
CEC e identificaram, como fatores de risco para o aparecimento de
insuficiência renal pós-operatória, as seguintes condições intra-operatórias:
uso de balão intra-aórtico; hipotermia profunda com parada circulatória;
síndrome de baixo débito cardíaco; cirurgia de emergência; idade avançada
e baixo débito urinário durante a CEC. Pacientes com prévia disfunção
renal apresentam maior possibilidade de ter essa disfunção renal após a
cirurgia cardíaca. Contraste administrado, para estudo radiológico no pré-
operatório e a hemólise durante a CEC, podem contribuir, também, para a
insuficiência renal após a cirurgia cardíaca.

Proteção Renal

Para a prevenção e o tratamento da IRA isquêmica, podem ser


utilizados diversos esquemas:

Manitol

Tem sido demonstrado, em modelos experimentais, que esse diurético


osmótico possui efeito protetor renal, por suas propriedades de ser “varredor”
dos radicais livres hidroxil, de evitar o edema celular e a obstrução tubular,
de preservar o fluxo sangüíneo renal e de interromper o processo de acúmulo
de cálcio mitocondrial.

Furosemida

O efeito protetor renal dessa droga ainda não está firmemente


estabelecido, mas estudos sugerem o efeito sinérgico entre ela e a dopamina,
em pacientes com oligúria. A diurese e a excreção urinária estão aumentadas,
transformando-se a IRA oligúrica em não oligúrica, que se acredita ser de
mais fácil tratamento. Quando o sistema cardiovascular não permite a
administração de líquidos, a furosemida pode ser infundida (0,25 a 0,75

168
Avaliação da Função e Proteção Renal

mg.kg-1.h-1), para reduzir o trabalho das células medulares, mas a perda de


líquidos promovida pelo diurético deve ser cuidadosamente reposta, para se
evitar-se a depleção de volume. Deve ser lembrada a possibilidade de
ototoxicidade, quando grandes doses desse diurético são utilizadas. E,
finalmente, há estudo desencorajando o uso de diuréticos, em pacientes
graves e com insuficiência renal aguda, por provocarem aumento da
mortalidade e a irreversibilidade da função renal, nesses pacientes17.

Dopamina

A administração de dopamina não previne a insuficiência renal, em


paciente gravemente enfermo; aliás, o seu uso é, atualmente, muito
contestado. Ela foi sintetizada no início do século passado e, em 1964, foi
demonstrado que esse fármaco, em doses baixas, aumentava o fluxo
sangüíneo renal, o RFG e a excreção urinária de sódio. De lá para cá, a
dopamina tem sido administrada no tratamento do estado de choque e da
insuficiência cardíaca congestiva e nos estados de oligúria. A ativação de
uma grande variedade de receptores é a base para o uso da dopamina, em
clínica. A dopamina ativa esses receptores, de maneira dependente da dose.
Quando é infundida, de 0,5 a 2 µg.kg-1.min-1, irá ativar os receptores
dopaminérgicos. Nas doses de 1 a 3 µg. kg-1.min-1, possui efeito vasodilatador
renal. Em doses maiores (2 a 5 µg.kg-1.min-1), atua nos receptores beta
adrenérgicos e, acima de 5µg.kg-1.min-1, são ativados os receptores alfa
adrenérgicos. É duvidoso o efeito da dopamina como droga protetora renal.
Em modelos animais com IRA, a dopamina não parece ser mais eficaz que
a solução salina, na preservação da função renal. O uso da infusão de
dopamina, em pacientes com IRA, não mostrou evidências de preservação
ou melhora da função renal. Trabalho realizado em Bristol, Inglaterra, que
contou com a nossa participação, mostrou que, em pacientes com restrição
líquida pré-operatória, a resposta diurética e natriurética de doses baixas de
dopamina (2,5 µg.kg-1.min-1) não ocorreu, quando comparada com a de
pacientes hidratados18.
O fenoldopam é um análago da dopamina, com atividade específica
nos receptores dopaminérgicos-1. Esse fármaco não possui qualquer atividade
dopaminérgica–2 e nem estimula os receptores alfa ou beta adrenérgicos. Os

169
Medicina Perioperatória

efeitos do fenoldopam são dependentes da dose. Quando se utilizam pequenas


doses (0,02 a 0,05 µg.kg-1.min-1)), ocorre vasodilatação do leito renal e, em
doses superiores a 0,5 µg.kg-1.min-1, generalizada vasodilatação periférica.
Os pacientes com insuficiência renal crônica respondem favoravelmente ao
fenoldopam, mostrando significativo aumento do “clearance” de creatinina,
da diurese e da natriurese. O fenoldopam reverte a redução do fluxo sangüíneo
renal e do RFG de pacientes submetidos à ventilação com pressão positiva19.
Em resumo, são necessários estudos clínicos para avaliação da eficácia desse
medicamento na proteção renal.

Infusão salina

Pesquisas experimentais demonstram que o uso prolongado de dieta


hipersódica previne, parcialmente, a IRA, induzida tanto por lesões isquêmicas
como por agressões nefrotóxicas. A hidratação, ao mesmo tempo que reduz
o trabalho da concentração urinária, estimula o sistema protetor renal,
caracterizado pela produção de prostaglandinas vasodilatadoras e dopamina
endógena; a infusão de líquidos e sais é ótima conduta profilática contra a
lesão hipóxica da região medular renal. A hidratação salina é a melhor proteção
contra a insuficiência renal provocada pela hipoperfusão renal, por uso de
contrastes radiológicos, de cisplatina, de anfotericina B e de droga analgésica
antiinflamatória não esteróide, por rabdomiólise ou por mieloma múltiplo.
Registros clínicos indicam que a expansão de volume pode induzir aumento
da porcentagem de formas não oligúricas de IRA, especialmente nos casos
de queimados, politraumatizados e síndrome de choque. A reposição volêmica,
avaliada através de rigorosa monitorização, é obrigatória, em pacientes
submetidos a cirurgias extensas, tais como cardíacas, de enxerto da aorta
abdominal, de transplantes de órgãos, etc, principalmente em pacientes idosos,
diabéticos, ictéricos, nefropatas e que, concomitantemente, estejam fazendo
uso de agentes nefrotóxicos.

Outras drogas

Uma variedade de agentes farmacológicos20 tem sido utilizada para


proteção renal, sendo citada na tabela 2.

170
Avaliação da Função e Proteção Renal

Tabela 2 - Drogas utilizadas na redução das lesões renais por isquemia,


mas que não comprovaram eficácia na IRA
Hormônios tireóideos -Triiodotironina (T3) e Tiroxina (T4)

Inibidores da xantina oxidase (alopurinol)

Varredores de radicais livres (radicais superóxidos - superóxido dismutase, radicais


hidroxil - dimetil-uréia, manitol)

Bloqueadores do canal de cálcio (verapamil, nifedipina, diltiazem) e bloqueadores β


adrenérgicos (metropolol)20

Prostaglandinas (prostaciclina PGI2, PGE1, PGE2)

Inibidores da tromboxana sintetase

Análagos do peptídio atrial (Peptídeo natriurético atrial, anaritida, urodilatina)

Recente interesse surgiu quanto ao uso do peptídeo natriurético atrial


como droga protetora renal, por possuir tanto efeitos vasodilatadores quanto
efeitos nos túbulos, aumentando a excreção de sódio e água.
Em suma, todos os fármacos supracitados não possuem, ainda,
eficácia comprovada na evolução da IRA. A exceção parece ser a N-
acetilcisteina (NAC).
Que recomendação clínica pode ser feita quanto aos pacientes com
o risco de necrose tubular aguda? A primeira delas e a mais importante é
manter esses pacientes em ótimo estado de hidratação e nas melhores
condições hemodinâmicas possíveis. Evitar o uso ou reduzir a quantidade
de fármacos potencialmente nefrotóxicos, como, por exemplo, os
aminoglicosídeos e a anfotericina B. Em pacientes de alto risco, empregar
agentes de contraste não-iônicos, para procedimentos radiológicos.
Há prenúncio da possibilidade do uso da técnica do pré-
condicionamento, na proteção cardíaca e renal. O conceito de pré-
condicionamento é o emprego de uma lesão (por exemplo, isquemia) por
curto período, seguido da reperfusão que, temporariamente, causa aumento
da resistência celular, quando, subseqüentemente, for agredida por episódio

171
Medicina Perioperatória

isquêmico mais prolongado. O fenômeno foi primeiro descrito no coração do


cão. Mas o pré-condicionamento isquêmico ocorre em diversos órgãos, tais
como cérebro, medula espinhal, fígado e rim. Este fenômeno é um processo
multifatorial, requerendo a interação com múltiplos sinais, segundo mensageiro,
mecanismos efetores e receptores opióides. O mecanismo que parece muito
importante é a facilitação da ativação dos canais mitocondriais KATP.
Vários agentes farmacológicos, entre eles os anestésicos inalatórios
(sevoflurano e o isoflurano) e os opióides (fentanil e remifentanil), são
capazes de potencializar esse pré-condicionamento.
O pré-condicionamento anestésico possui grande perspectiva de
proteção de diversos órgãos, e, entre eles, inclui-se o rim. Entretanto, para
que os seus benefícios sejam incorporados à prática clínica, são necessários
exaustivos estudos clínicos e experimentais.

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Avaliação da Função e Proteção Renal

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173
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças
Endócrinas e Metabólicas
Túlio César A. Alves, TSA/SBA*

Diabetes Mellitus

Definido como um distúrbio do metabolismo intermediário,


principalmente dos carboidratos, o diabetes acarreta elevados níveis de
glicose que geram complicações agudas potencialmente fatais, bem como
uma série de complicações crônicas sistêmicas. O Metabolismo intermediário
é definido como síntese e degradação de moléculas orgânicas classificadas
em: proteínas, carboidrato e lipídios. O anabolismo é a síntese de
macromoléculas (proteínas, glicogênio, triglicerídeos), enquanto o catabolismo
é a degradação de macromoléculas em unidades moleculares (aminoácidos,
glicose, ácidos graxos e glicerol)1.
A fisiologia do metabolismo intermediário depende de diversos
hormônios: insulina, glucagon, adrenalina, cortisol e, em menor grau, o GH.
A ação metabólica da insulina é de oposição aos efeitos do glucagon,
adrenalina e cortisol, por isso chamados de hormônios contra-reguladores.

* Professor titular da disciplina de farmacologia da Escola Bahiana de Medicina e Saúde


Pública
Responsável pelo CET da Associação Obras Sociais Irmã Dulce
Medicina Perioperatória

De uma forma geral, o organismo mantém um equilíbrio entre catabolismo


e anabolismo, dependendo da disponibilidade de nutrientes. No período pós-
prandial, predominam as reações de anabolismo promovidas pela insulina,
enquanto que, no estado de jejum, as reações de catabolismo são promovidas
pela queda dos níveis de insulina e aumento dos hormônios contra-
reguladores, especialmente o glucagon1,2.
A insulina é um hormônio peptídico, secretado pelas células beta das
ilhotas de Langherans do pâncreas. O principal estímulo para síntese e
liberação do hormônio pelo pâncreas é o aumento dos níveis séricos de
glicose. A produção de insulina, em um indivíduo normal, varia entre 18 e 40
U/dia ou cerca de 0,2 - 0,5 U/kg/dia. Metade dessa quantidade é secretada
no estado basal e a outra metade, em resposta às refeições. Já o glucagon
é um outro hormônio peptídico sintetizado pelas células alfa das ilhotas de
Langherans, em resposta à hipoglicemia, aminoacidemia e peptídios
intestinais.
As reações de anabolismo, comuns no estado pós-prandial, são
representadas pela síntese de glicogênio pelo fígado e músculo estriado
(glicogenogênese) e utilização da glicose pela via glicolítica, para produção
de energia (glicólise)1,2,3.
No estado de jejum, o meio hormonal torna-se propício para o
catabolismo de carboidratos (glicogenólise) e lipídios (lipólise). Como os
estoques de glicogênio acabam entre 24-48h de jejum, a glicemia é mantida
através da gliconeogênese, que utiliza substratos a partir de outros tecidos:
lactato do músculo, glicerol do tecido adiposo e glutamina da proteólise
celular. Também nessa fase, os ácidos graxos serão o principal substrato
energético, exceto para os neurônios e hemáceas, e parte deles serão
aproveitados pelos hepatócitos, para produção de corpos cetônicos1,2,3.

Classificação atual do Diabetes Mellitus


Diabetes Mellitus tipo1: (5 a 10% dos casos)

Caracterizado por hipoinsulinismo absoluto, devido à destruição das


ilhotas de Langherans por mecanismo auto-imune (DM tipo1A) ou
desconhecido (DM tipo1B). Esses pacientes dependem da reposição
exógena de insulina, para sua sobrevivência em curto prazo. Apesar de ser

176
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

uma doença que se inicia, caracteristicamente, na infância e adolescência,


30% dos casos de DM tipo1 abrem os sintomas após os 35 anos, algumas
vezes com instalação insidiosa, recebendo a denominação de LADA (Latent
Autoimune Diabetes in Adults).
Diabetes Melitus tipo 2: (80-90% dos casos)
Caracterizado por hipoinsulinismo relativo, isto é, a presença de insulina
em níveis séricos significativos, às vezes elevados, porém menores que o
necessário para um controle metabólico adequado, por conta da resistência
dos tecidos à ação da insulina.
Outros tipos de diabetes que possuem etiologia específica e conhecida:
pancreatite crônica; fibrose cística; Síndrome de Cushing; acromegalia,
feocromocitoma; drogas (corticóides, tiazídicos, pentamidina, GH); defeitos
genéticos (MODY- Maturity Onset Diabetes of the Young- doença
autossômica dominante, que se comporta como um DM tipo2 manifestando-
se antes dos 25 anos de idade)4,5.

Critérios diagnósticos do Diabetes Mellitus- ADA 1997


Qualquer um dos abaixo:

1- Glicemia (colhida de forma aleatória) > ou igual a 200mg/dl,


associada a sinais e sintomas compatíveis com DM;
2- Glicemia de jejum > ou igual a 126 mg/dl, em mais de uma
ocasião;
3- Glicemia 2h pós-prandial ou pós 75g de glicoseVO> ou
igual200mg/dl, em mais de uma ocasião.

Avaliação Pré-Operatória

Uma investigação pré-operatória sobre as possíveis complicações


diabéticas, em órgãos alvos, deve ser efetuada. Além da história e exame
físico completo, podem ser solicitados: ECG, uréia, creatinina, glicemia,
potássio e o sumário de urina.

177
Medicina Perioperatória

A complicação aguda mais séria é a cetoacidose, porém, outras


complicações tardias são muito freqüentes e podem ser decorrentes da
macroangiopatia (doença da artéria coronária, doença cerebrovascular, doença
vascular periférica), microangiopatia (retinopatia, nefropatia) e desordens do
sistema nervoso (neuropatia autonômica e neuropatia periférica). A causa
mais comum de morbidade intra-operatória, no paciente diabético, é a doença
isquêmica do coração. O ECG e a pesquisa de proteinúria podem fornecer
informações úteis no DMID. A aterosclerose se desenvolve silenciosamente,
em pacientes diabéticos, com manifestações em artérias coronárias, vascular
periférica, renovascular e cerebral. A neuropatia autonômica aumenta o risco
de hipotensão, exigindo suporte vasopressor, e influencia o esvaziamento
gástrico, elevando o risco de aspiração durante a indução anestésica; neste
caso, a metaclopramida tem sido útil1,3.

Sinais clínicos de neuropatia diabética: hipertensão, hipotensão


ortostática, resposta reduzida à atropina e propranolol, isquemia
miocárdica indolor, taquicardia em repouso, saciedade precoce,
impotência, bexiga neurogênica.

A laringoscopia pode ser difícil entre 30 a 40 % dos diabéticos, por


conta da rigidez articular que diminui a mobilidade da articulação
atlantoocciptal. É importante, na avaliação pré-operatória, observar o “sinal
da prece” (incapacidade de aproximar as superfícies palmares das
articulações interfalângicas) que pode predizer uma intubação difícil. Isso
acontece porque a hiperglicemia crônica pode glicosilar proteínas teciduais
e levar à síndrome de limitação da mobilidade articular.
Os exames de urina podem revelar albuminúria que precede um
declínio importante da função renal. Pode haver um sério comprometimento
renal, em diabéticos tipo 1, em torno dos 30 anos de idade3.

Controle glicêmico:

O principal objetivo é evitar a hipoglicemia, entretanto, níveis de


glicose sangüínea acima de 250mg/dL estão associados à hiperosmolaridade

178
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

e a infecções, e podem agravar o quadro neurológico, após uma isquemia


cerebral.
O controle mais rígido já mostra melhores resultados, em pacientes
que sofrem circulação extracorpórea e em pacientes grávidas. Existem
vários regimes de controle de glicemia sangüínea; no mais comum, o paciente
recebe uma fração, geralmente a metade, da insulina de ação intermediária
(ex: NPH subcutânea ou intramuscular), pela manhã, juntamente com uma
infusão de solução de glicose (1,5ml/Kg/h). Deve-se avaliar a glicemia e
suplementar glicose, se o paciente tiver níveis de glicose < 100mg/dL ou
insulina, se os níveis forem> 200mg/dL. É interessante notar que uma unidade
de insulina administrada intravenosamente pode diminuir a glicose plasmática
em 25-30mg/dL, exceto em pacientes hipercatabólicos (ex:sepse)3,4,5,6.
Um método alternativo, entretanto, que oferece um controle mais
apurado é a infusão de insulina de ação curta (ex: insulina regular). Podem
ser utilizados 05 a 08 UI de insulina regular adicionada a 500mL de solução
de glicose a 5% e infundidos a uma velocidade de 1-1,5mL/Kg/h (1/UI/h/
70Kg). A administração na mesma linha venosa garante que o paciente não
vá receber mais insulina do que glicose, no entanto, em linhas venosas
separadas, propicia maior ajuste.

O ajuste pode ser feito pela seguinte fórmula:


Unidade/h = Glicose plasmática (mg/dL)/ 150

Os níveis de glicose podem ser mantidos entre 120-180 mg/dL, no


intra-operatório, e níveis mais ajustados podem ser preferíveis, nos diabéticos
tipo1. Acrescentar 30mEq de KCl a cada litro de glicose pode ser prudente,
já que a insulina desloca o potássio para o intracelular.
Quando o paciente está recebendo um agente hipoglicemiante oral,
esta droga pode ser omitida no dia da cirurgia, e um esquema de insulina
pode ser uma alternativa. Geralmente esses pacientes ainda produzem
insulina e não são propensos a hipoglicemia, por isso, insulina de demanda
pode ser utilizada.

179
Medicina Perioperatória

Na verdade, o sucesso de qualquer regime de controle está nas


avaliações da glicemia e nos ajustes individuais. Os pacientes com diabetes
tipo 1 podem necessitar de medições a cada hora, enquanto, nos diabéticos
tipo 2, medições a cada 2 horas são suficientes. Além da variação individual,
a requisição de insulina varia com o estresse do procedimento cirúrgico. É
prudente levar em consideração a ocorrência de hipoglicemia mais freqüente
em pacientes que serão submetidos à cirurgia no turno vespertino, mesmo
fazendo-se uso de solução glicosada.
Nas cirurgias com uso de heparina e reversão por protamina (ex:
bypass da artéria coronária), os pacientes em uso da NPH e de insulina
protamina zíncica estão mais propensos a reações anafiláticas, por reações
alérgicas ao sulfato de protamina e devem ser submetidos a uma pequena
dose teste de protamina 1-5 mg, 10 minutos antes da dose de reversão
plena3,4,5,6.

Tireóide

A tireóide é a maior glândula do corpo e produz os hormônios T3


(triiodotironina), T4 (tetraiodotironina) e a calcitonina. Histologicamente, é
formada por uma infinidade de folículos esféricos, formados por epitélio
cubóide, especializado em produzir hormônios tireoidianos. No interior de
cada folículo existe um colóide e entre esses folículos existem outras células
(parafoliculares ou células C) secretores de calcitonina.
Os hormônios tireoidianos T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina ou
tetraiodotironina) são formados pela iodação de resíduos de tirosina de uma
glicoproteína chamada tireoglobulina. A tireoglobulina é iodada e armazenada
no colóide e os hormônios são liberados a partir da proteólise da tireoglo-
bulina7,8.
A tireóide libera mais T4 que T3 na proporção de 20:1. No entanto, o
T3 é o maior responsável pela atividade fisiológica nos tecidos periféricos.
Podemos considerar o T4 um pró-hormônio que é convertido nos órgãos
alvos em T37,8,9.
Os neurônios hipotalâmicos sintetizam e liberam TRH que estimula a
síntese e liberação do TSH e, conseqüentemente, dos hormônios tireoidianos.
Existe um alça de retro-alimentação (feedback negativo) na qual o T3 tem

180
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

a capacidade de inibir a liberação hipotalâmica de TRH e a secreção


hipofisária de TSH.
O hormônio tireoidiano aumenta o metabolismo de carboidratos e
lipídios, por ativar o sistema da adenilciclase. Ele é um fator importante na
taxa de metabolismo e crescimento. Um aumento na taxa metabólica é
acompanhado de elevação do consumo de O2 e aumento da produção de
CO2. Assim, há um aumento da ventilação por minuto, da freqüência e
contratilidade cardíacas7,8,9.

Hipertireoidismo

O hipertireoidismo resulta de uma exposição excessiva aos hormônios


tireoidianos. A causa mais comum é o bócio multinodular difuso da doença
de Graves, comum entre mulheres entre 20-40 anos. Outras causas são:
adenoma de tireóide, tireoidite subaguda e, ocasionalmente, a tireoidite de
Hasimoto pode abrir um quadro de hipertireoidismo.
Pode ocorre tireotoxicose: em pacientes grávidas; exposições a iodo
(fenômeno de Basedow); carcinoma de tireóide; tumores trofoblásticos e
adenomas hipofisários secretores de TSH 8,9,11,12.
As principais manifestações de hipertireoidismo são: perda de peso,
diarréia, fraqueza e rigidez de músculo esquelético, pele úmida e quente,
intolerância ao calor e nervosismo. As manifestações cardiovasculares
incluem aumento da contratilidade ventricular esquerda, fração de ejeção,
taquicardia, pressão arterial sistólica aumentada e diastólica diminuída.
Hipercalcemia, anemia branda e trombocitopenia podem estar presentes.
Podem ocorrer insuficiência cardíaca e arritmias (principalmente fibrilação
atrial), nos pacientes idosos11, 12.

Considerações Pré-Anestésicas

O objetivo primordial, ao tratar o paciente hipertiróideo, é torná-lo


eutiróideo, antes do procedimento cirúrgico, se possível. As drogas mais
utilizadas, nesse controle, são o propotiouracil e metimazol. Como a tireóide
tem um estoque de hormônios, é improvável que, mesmo com as drogas, se
atinja o estado eutiróideo em menos de 6-8 semanas. As reações tóxicas

181
Medicina Perioperatória

são raras e incluem: erupção cutânea; náusea; agranulocitose; hepatite e


síndrome lupóide. Iodeto pode ser usado na preparação cirúrgica e é eficaz
para reduzir o tamanho da glândula hiperplásica11.
Antagonismo â-adrenérgico também é efetivo, para atenuar a
atividade simpática e inibir a conversão periférica do hormônio T4 em T3.
A prepação pré- operatória, geralmente, leva de 7 a 10 dias. Se o paciente
for submetido a uma cirurgia de emergência, beta-bloqueadores devem ser
usados. Glicocorticóide, como dexametasona (8-12 mg/dia), são úteis, em
pacientes com tireotoxicose, porque reduzem a secreção do hormônio
tireóideo, como também sua conversão periférica11,12.
Todas as medicações antitireóideas devem ser continuadas na
manhã da cirurgia. O manejo intra-operatório deve alcançar uma
profundidade de anestesia, de modo a evitar atividade simpática intensa
ou drogas que estimulem o sistema simpático. Deve-se evitar o uso da
cetamina, mesmo em pacientes eutiróideos. Hipotensão deve ser tratada
com vassopressores diretos, para evitar liberação de catecolaminas. Em
relação a relaxantes musculares, são preferíveis aqueles que
proporcionam maior estabilidade cardiovascular (vecurônio, atracúrio).
Como é importante a incidência de miastenia gravis nesses pacientes, é
sensato diminuir a dose de relaxante e monitorar a contração muscular,
com as doses subseqüentes8,9,11,12.
Tempestade tireóidea pode se desenvolver em pacientes
hipertireóideos e naqueles não diagnosticados, desencadeada em virtude
do estresse da cirurgia. Esse estado pode ser confundido com hipertermia
maligna, feocromocitoma e anestesia leve. As concentrações de T4
estarão elevadas, mas nenhum teste é diagnóstico. As manifestações
incluem taquicardia, arritmia, hipertermia, agitação e confusão mental.
O tratamento é baseado em medidas de suporte e altas doses de
propiltiouracil11,12.
Obstrução de via aérea é um problema potencial, em pacientes com
bócio subesternal, problema raro em bócios localizados exclusivamente no
pescoço12.
As complicações após tiroidectomia subtotal incluem lesão de nervo
laríngeo recorrente, compressão traqueal secundária a hematoma ou
traqueomalácia e hipoparatireoidismo8,9,10, 11,12.

182
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

Hipotireoidismo

Doença resultante de concentrações insuficientes de T3, T4 ou ambos.


Há redução generalizada da atividade metabólica, resultando em letargia,
funcionamento mental lento, intolerância ao frio e movimentos lentos,
bradicardia e contratilidade miocárdica deprimida10.
As concentrações de cortisol estão normais, exceto em pacientes
com doença de longa duração, nos quais pode ocorrer insuficiência adrenal,
em resposta ao estresse8,9.

Considerações Pré- Anestésicas

Embora existam poucos estudos para avaliar a sensibilidade dos


hipotireóideos às drogas anestésicas, parece lógico recomendar a restauração
do estado eutireóideo, antes da cirurgia. Não foram encontradas alterações
importantes, em pacientes hipotireóideos submetidos à anestesia geral, embora
tenham-se observado maior incidência de hipotensão, complicações gastro-
intestinais e neuropsiquiátricas. Parece haver poucas razões em adiar cirurgia
eletiva, entretanto, reposição hormonal deve ser considerada, em pacientes
com hipotireoidismo grave, coma mixedematoso e pacientes grávidas.
Vários agentes anestésicos podem ser usados, embora a cetamina
tenha sido apontada como agente ideal de indução. O monitoramento é
conduzido, a fim de se reconhecer precocemente hipotensão, insuficiência
cardíaca congestiva e hipotermia. Anestesia regional pode ser uma
alternativa, mantendo-se o volume intravascular constante.
O coma mixedematoso representa uma forma grave de hipoti-
reoidismo, caracterizada por estupor, coma, hipoventilação, hipotermia,
hipoventilação e hiponatremia. É uma emergência médica, com alta taxa de
mortalidade. Se a cirurgia for aventada, altas reposições hormonais deverão
ser feitas e há uma probabilidade maior de isquemia miocárdica8,9,10.

Paratireóide

O hormônio paratireóideo (PTH) é o principal regulador da


homeostase do cálcio. Aumenta os níveis do cálcio, promovendo a

183
Medicina Perioperatória

reabsorção óssea, limitando a excreção renal e aumenta a absorção


intestinal através da vitamina D. De outra forma, o hormônio
paratireóideo diminui os níveis de fosfato, por aumentar a excreção
renal. A calcitonina, excretada pela tireóide, contrabalança esses
efeitos. Noventa por cento do cálcio do corpo se encontram no
esqueleto, sendo que 50% estão na forma ionizada, que é ativa
fisiologicamente12.
A forma ionizada do cálcio estabelece uma relação de feedback
negativo com o PTH, que também é influenciada por concentrações de
fosfato (indiretamente), magnésio e catecolaminas12.
A vitamina D (colecalciferol) é produzida por meio de hidroxilações
do calciferol no fígado e rins, até a principal forma circulante: 24,25-
diidroxicolecalciferol e 1,25-diidroxicolecalciferol. Hipocalcemia e
hipofosfatemia causam produção aumentada de 1,25(OH)2D, que estimula
a absorção de cálcio e fosfato pelo osso, rins e intestino. Deficiência de
vitamina D pode causar hiperparatireoidismo secundário 12.

Hiperparatireoidismo

A forma primária é, mais comumente, devido a adenoma (90% dos


casos), porém, outras formas são a hiperplasia da paratireóide e, mais
raramente, o carcinoma. Hiperparatireoidismo primário também pode estar
associado à síndrome neoplásica endócrina múltipla (NEM). Embora alguns
dos pacientes acometidos por hiperparatireoidismo sejam hipercalcêmicos,
a maioria está assintomática ao diagnóstico. Os sintomas mais comuns são:
nefrolitíase, poliúria e polidipsia, por conta do excesso de cálcio. Os pacientes
podem cursar com fraqueza, fadiga e sintomas psiquiátricos, como depressão
e confusão mental. Entre 20 a 50 % deles são hipertensos e podem apresentar
um intervalo QT curto.
Hipercalcemia pode ser resultante de produção ectópica de PTH ou
de substância símile (malignidades de pulmão, mama, genitourinário e
linfoproliferativas).
Hiperparatireoidismo secundário resulta de hipocalcemia e
hiperfosfatemia, estimulando a função das paratireóides (ex: doença renal
crônica com excreção diminuída de fosfato).12

184
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

Considerações Pré-Anestésicas

A cirurgia geralmente é o tratamento de escolha, especialmente no


paciente sintomático. O preparo pré-operatório deve focalizar as correções
eletrolíticas e de volume. A correção da hipercalcemia acontece, quando os
níveis de cálcio excedem 15 mgdL, e é realizada através de expansão do volume
intravascular e diurese do sódio. Isto é, administração intravasular de soro
fisiológico e furosemida. A hidratação dilui o cálcio sérico e a diurese do sódio
promove excreção do íon. Outro elemento da correção da hipercalcemia é a
correção do hipofosfatemia; níveis de fosfato baixos estimulam a degradação
óssea e a absorção de cálcio no trato gastrointestinal. Hipofosfatemia também
leva a fraqueza, insuficiência cardíaca e disfunção plaquetária12.
Outras medicações usadas no controle da hipercalcemia são os
bifosfonatos e os glicocorticóides. Os bifosfonatos são drogas que inibem a
ação osteoclástica e são medicamentos de escolha nas hipercalcemias
graves, podem levar a hipofosfatemia e febre, como reações adversas 12.
Os glicocorticóides são eficazes em baixar a concentração de cálcio,
em várias situações (sarcoidose, malignidades, intoxicação por vitaminaD),
através da inibição osteoclástica , absorção gastrointestinal e excreção de
cálcio urinário; entretanto, os glicocorticóides não trazem muito benefício
no tratamento de hipercalcemia primária. Pode haver necessidade de
hemodiálise, como última alternativa para hipercalcemia resistente12 .

Hipoparatireoidismo

O hipoparatireoidismo deve-se, em geral, à deficiência do hormônio


paratireóideo, após cirurgia de paratireóide ou tireoidectomia. As
manifestações clínicas resultam de hipocalcemia, hipotensão, insuficiência
cardíaca, fraqueza muscular, câimbras, parestesia perioral, instabilidade
neuromuscular e alterações mentais. A hipoalbuminemia diminui o cálcio
sérico total, mas a parte ionizada (forma ativa) permanece inalterada 13.
A irritabilidade neuromuscular pode ser confirmada pelo sinal de
Chvostek (contratura dolorosa após estimulação do nervo facial), e Trousseau
(espasmo carpopedal após insuflação de torniquete acima da pressão arterial
sistólica por 3 minutos).

185
Medicina Perioperatória

O tratamento de hipocalcemia sintomática é a administração de


gluconato de cálcio IV (10- 20 mLde solução a 10%), injetado ao longo de
vários minutos, seguida de infusão contínua (1-2mg /Kg/ h) de cálcio elementar.

Considerações Pré- Anestésicas

O cálcio sérico deve ser normalizado, em qualquer paciente com


manifestações cardíacas de hipocalcemia. Anestésicos que deprimem o
miocárdio devem ser evitados. Hiperventilação, levando alcalose e
bicarbonato de sódio, diminuirá ainda mais o cálcio ionizado. Embora os
produtos sangüíneos portadores de citrato não diminuam o cálcio de maneira
significativa, eles devem ser ministrados com cautela e lentamente, naqueles
pacientes já hipocalcêmicos13.
Pode ocorrer coagulopatia e sensibilidade aos relaxantes musculares
não-despolarizantes.

Glândula Supra-renal

A glândula supre-renal é dividida em duas partes: o córtex, que secreta


os andrógenos, mineralocorticóides (aldosterona) e glicocorticóides (cortisol);
e a medula, que produz catecolaminas (epinefrina, norepinefrina, dopamina).
Os andrógenos não têm relevância para o manuseio anestésico e serão
desconsiderados14, 15.
A aldosterona está relacionada basicamente ao equilíbrio
hidroeletrolítico. A secreção de aldosterona faz com que o sódio seja
reabsorvido no túbulo renal distal, em troca por íons de hidrogênio ou potássio.
O efeito é de expansão do volume extracelular, provocado por retenção de
líquido, uma diminuição do potássio plasmático e alcalose metabólica. A
secreção de aldosterona é estimulada pela angiotensina II, ACTH hipofisário
e hipercalcemia. A hipovolemia, hipotensão, insuficiência cardíaca congestiva
e cirurgia resultam em elevação de aldosterona14,15,16.
Os glicocorticóides são essenciais para a vida e apresentam
múltiplos efeitos fisiológicos. As ações metabólicas incluem gliconeogê-
nese aumentada e inibição da utilização periférica de glicose. Esses
efeitos antiinsulínicos tendem a aumentar a glicemia e agravar o controle

186
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

do diabetes. Os glicocorticóides são necessários para a síntese adrenal


de catecolaminas, propiciando uma resposta constrictora efetiva da
musculatura lisa vascular. Como esses hormônios são estruturalmente
semelhantes à aldosterona, eles tendem a promover retenção de sódio e
excreção de potássio (efeito mineralocorticóide). O ACTH originado na
hipófise anterior é o principal regulador da secreção de glicocorticóides.
Essa secreção exibe ritmo diurno, é estimulada por estresse e inibida
por glicocorticóides circulantes 14,15.
Oitenta por cento das catecolaminas produzidas pela supra-renal estão
na forma de epinefrinas. A liberação é controlada, principalmente, pelas
fibras pré-ganglionares colinérgicas do sistema nervoso simpático. Os
estímulos para liberação incluem a hipotensão, hipotermia, hipoglicemia,
hipercapnia, hipoxemia, dor e medo14,15, 16.

1 - Excesso de Mineralocorticóide

Hipersecreção intrínseca de aldosterona (aldosteronismo primário


ou síndrome de Conn) pode ser provocada por um adenoma unilateral,
hiperplasia bilateral ou carcinoma de glândula supra-renal. Algumas
doenças podem estimular a secreção de aldosterona, por ativação do
sistema renina-angiotensina. Por exemplo: cirrose, insuficiência
cardíaca congestiva, síndrome nefrótica e algumas formas de
hipertensão podem gerar hiperaldosteronismo secundário. O excesso
de mineralocorticóide pode provocar hipertensão arterial, hipervolemia,
hipocalcemia, fraqueza muscular e alcalose metabólica. A alcalose pode
reduzir os níveis de cálcio e provocar tetania. O sódio sérico está
comumente normal 14,15.

Considerações Pré-Anestésicas

Os distúrbios eletrolíticos podem ser corrigidos com potássio


suplementar e espironolactona. O volume intravascular pode ser avaliado
por testes para hipotensão ortostática e pressões de enchimento cardíaco.
Complicação usual, como hipertensão crônica, necessita ser ava-
liada 14,15,16 .

187
Medicina Perioperatória

2 - Deficiência de mineralocorticóide

Atrofia ou destruição de ambas as glândulas supra-renais resultam


em uma deficiência combinada de mineralocorticóide e glicocorticóide.
Apesar disso, a adrenalectomia unilateral, diabetes e terapia com heparina
podem provocar hipoaldosteonismo isolado. Nesses casos, os pacientes são
hipercalêmicos, acidóticos, e, em geral, hipotensos (oposto do excesso de
mineralocorticóide). A preparação pré-anestésica inclui a reposição de
mineralocorticóide exógeno (ex: fludrocortisona).

3 - Excesso de Glicocorticóide

Manifestações Clínicas

O excesso de glicocorticóide pode ser provocado por administração


exógena, hiperfunção intrínseca de córtex de supra-renal, produção de
ACTH, por tumor não hipofisário (síndrome do ACTH ectópico) ou
hipersecreção de adenoma hipofisário (doença de Cushing). O excesso de
glicocorticóide produz a síndrome de Cushing, caracterizada por fraqueza,
osteoporose, obesidade central, estrias abdominais, intolerância à glicose,
hipertensão e alterações do estado mental.

Considerações Pré-Anestésicas

As considerações gerais são direcionadas para o controle do diabetes,


hipertensão e normalização do volume intravascular e das concentrações
de eletrólitos. Espironolactona pode ajudar a normalizar a concentração de
potássio. Quando é planejada adrenalectomia unilateral ou bilateral, a terapia
de reposição de glicocorticóide deve considerar o momento de estresse
cirúrgico.
A posologia é reduzida em 50%, por dia, até ser atingida a dose de
manutensão diária (20-30 mg/dia). Mineralocorticóide geralmente não é
necessário no perioperatório. Após a adrenalectomia bilateral, muitos
pacientes necessitam de fludocortisona (0,005-0,1 mg/dia). Doses
ligeiramente maiores de predinisona podem ser necessárias, para manutenção

188
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

da atividade mineralocorticóide. Se a adrenalectomia for unilateral, o


tratamento deve ser individualizado14,15,16.

4 - Deficiência de Glicocorticóide

A secreção inapropriada de glicocorticóides pode ser resultado de


uma incapacidede primária da glândula ou de uma produção deficiente de
ACTH.
Clinicamente, a insuficiência só é percebida, quando mais de 90% do
córtex da glândula foi destruída. A causa predominante é idiopática,
secundária à destruição auto-imune. Algumas outras doenças podem
acompanhar o quadro de doença de Addison, como a tireoidite de Hashimoto.
Outras causas de destruição da glândula são: infecções fúngicas e
bacterianas, tumor, ablação cirúrgica ou radioterápica.

Manifestações Clínicas

Os principais sintomas da síndrome de Addison idiopática incluem:


perda de peso, anorexia, náusea, vômito, diarréia, constipação e
hipotesão. Pode haver hiperpigmentação da pele, por conta do ACTH.
Deficiência mineralocorticóide está presente, por isso redução das
reservas de sódio e resposta diminuída às catecolaminas circulantes
podem ocorrer.
Os pacientes podem cursar com insuficiência supra-renal secundária
à terapia com esteróides exógenos. Sabendo que os pacientes que receberam
glicocorticóides nos últimos 12 meses podem apresentar supressão
hipofisária-supra-renal, eles devem receber terapia complementar, com
glicocorticóide, durante períodos de estresse aumentado.

Considerações Pré- Anestésicas

Um esquema de reposição basal de glicocorticóides deve ser instituído,


os mais utilizados são: predinisona (5 mg pela manhã e 2,5 mg a noite) ou
hidrocortisona (20mg pela manhã e 10mg a noite). Os pacientes com doença
de Addison geralmente são instruídos a aumentar a dose, em situações de

189
Medicina Perioperatória

estresse. A reposição de mineralocorticóide é necessária, mas deve ser


feita com cautela, por conta de hpopotassemia grave.
A insuficiência supra-renal pode ser desencadeada por sepse, trauma
e estresse cirúrgico. Nos pacientes criticamente doentes, a insuficiência
pode mimetizar sepse, sem uma fonte de infecção. Um alto grau de suspeição
deve ser mantido, se o paciente cursar com insuficiência cardiovascular,
sem etiologia definida.
A terapia inicial se baseia em reposição de volume e de glicocorticóide.
Hidrocortisona é administrada (100 mg) e é continuada com 100mg/6-6
horas. Quando o paciente estiver estável, o desmame do glicocorticóide é
começado no segundo dia14,15,16.

Feocromocitoma

Tumor secretor de catecolaminas, o feocromocitoma é originado de


células da crista neural e contribui com 0,1% de todos os casos de hipertensão
arterial. Embora o tumor seja, em geral, benigno e localizado em uma única
glândula adrenal, 20-30% são malignos, bilaterais ou extra-adrenais. As
manifestações clínicas são cefaléia paradoxal, hipertensão, sudorese e
palpitações. Pode fazer parte de uma herança autossômica familiar. Nesses
casos, fazem parte da NEM (neoplasia endócrina múltipla) tipo IIA ou
IIB 17,18,19.
Pode ocorrer alta taxa de mortalidade, nos pacientes não diagnos-
ticados, submetidos à procedimentos cirúrgicos. A maioria das mortes é
decorrente de causas cardiovasculares. Por isso, drogas como o halotano e
fármacos liberadores de histamina podem exacerbar os efeitos ameaçadores
das catecolaminas secretadas por esses tumores17,18.

Considerações Pré-Anestésicas

A avaliação pré-operatória deve focalizar o bloqueio adrenérgico e a


reposição de volume. Deve ser investigada a possibilidade de hipotensão
ortostática, assim como a avaliação da pressão arterial, freqüência cardíaca
em repouso, ectopias ventriculares e evidência eletrocardiográfica de
isquemia17,18.

190
Avaliação Pré-Operatória nas Doenças Endócrinas e Metabólicas

Após diagnosticado, o bloqueio alfa-adrenérgico deve ser iniciado.


Utiliza-se a fenoxibenzamina, um bloqueador não-competitivo dos receptores
α2 pré-sinápticos e α1 pós-sináptico de longa duração(24 – 48 horas), em
doses de 10mg a cada 8 horas. A maioria dos pacientes necessita de 80-
200mg/dia, para controle da pressão arterial e desaparecimento dos
paroxismos. A prazosina, bloqueador competitivo e seletivo dos receptores
α1 pós-sinápticos, de meia vida mais curta, também tem sido efetiva. Existem
relatos de 10-14 dias de início da terapia α bloqueadora antes da cirurgia,
assim como relatos de 3-5 dias. Durante esse tempo, o hematócrito, o volume
intravascular contraído e a pressão arterial deverão ser estabilizados17,18,19.
Bloqueadores β adrenérgico podem ser adicionados após o
estabelecimento do bloqueio alfa adrenérgico. Essa associação deve ser
considerada, em paciente com taquicardias e arritmias persistentes
exacerbadas por bloqueio alfa. Vale ressaltar que os beta-bloqueadores
não devem ser administrados até que um bloqueio alfa se estabeleça; conduta
que previne a vasoconstricção alfa mediada sem oposição. Embora não
haja vantagens de um β-bloqueador sobre outro, o esmolol propicia um
melhor controle da freqüência cardíaca e arritmias, em função da sua curta
meia-vida17,18.
Crises hipertensivas agudas podem ser tratadas com nitroprussiato
de sódio ou fentolamina.
Variações da pressão, com risco de vida, principalmente, durante a
indução e manipulação do tumor, indicam a necessidade de monitorização
direta da pressão arterial. Pacientes jovens provavelmente necessitem de
apenas pressão venosa central, embora pacientes com evidência de
miocardiopatia poderão se beneficiar de cateterização da artéria pulmonar
17,18,19
.

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Avaliação Pré-Operatória do
Paciente Cardiopata
Maria José Carvalho Carmona, TSA/SBA*
Marilde Albuquerque Piccioni, TSA/SBA**
Luciana Moraes dos Santos, TSA/SBA ***

As complicações cardiovasculares são importantes causas de


aumento da morbi-mortalidade no período perioperatório. A alta inci-
dência de eventos cardiovasculares reflete a prevalência da doença
coronariana subjacente na população 1. Adequada avaliação pré-ope-
ratória, visando quantificar os riscos cardíacos e não cardíacos deve

* Professora Associada da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Direto-


ra da Divisão de Anestesia do Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo. Vice-Coordenadora do Programa de Pós-
Graduação em Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
** Mestre e Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo. Médica Assistente do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica
do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Orientadora do Programa de Pós-Graduação em
Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
*** Pós-graduanda, nível doutorado, do Programa de Programa de Pós-graduação em
Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Médica Assis-
tente do Serviço de Anestesiologia e Terapia Intensiva Cirúrgica do Instituto do Cora-
ção do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Medicina Perioperatória

fornecer substrato para análise do risco-benefício do procedimento


cirúrgico.
As complicações cardíacas perioperatórias são geralmente causa-
das por isquemia miocárdica prolongada ou oclusão coronariana aguda, a
qual pode ser decorrente de ativação leucocitária, resposta inflamatória,
hipercoagulabilidade ou ruptura de placa arterial coronariana2. A isquemia
miocárdica prolongada no perioperatório pode ser causada por aumento da
demanda ou redução da oferta miocárdica de oxigênio. Fatores que au-
mentam a demanda miocárdica são taquicardia e hipertensão causadas pelo
estresse cirúrgico, dor pós-operatória, interrupção do uso de beta-
bloqueadores e uso de fármacos simpaticomiméticos. Redução da oferta
de oxigênio pode ser conseqüência de hipotensão, vasoespasmo, anemia,
hipóxia e ruptura da placa coronariana. Estratégias objetivando minimizar a
incidência de ruptura de placa coronariana e o desequilíbrio da relação en-
tre oferta e demanda de oxigênio terão implicações significativas na redu-
ção das complicações cardíacas pós-operatórias.
O objetivo da avaliação pré-operatória do risco cardiovascular é de-
tectar a presença e extensão da doença arterial coronariana e de fatores de
risco como doença cerebrovascular, doença renal e diabetes melito que
determinarão a evolução perioperatória destes pacientes1.

1 - Avaliação cardiovascular para cirurgia não cardíaca

1.1 - Escores de risco pré-operatório

Diversos escores de risco como Índice Cardíaco de Goldman, Índice


da Sociedade Americana de Anestesiologia, Índice da Sociedade
Cardiovascular Canadense e Índice de Detsky modificado multifatorial sur-
giram com o objetivo de estimar o risco cardiovascular perioperatório. Com
base nesses escores de risco os pacientes eram estratificados em pacien-
tes de baixo, intermediário e alto risco para complicações cardíacas no
perioperatório. Estudos mostraram que nenhum índice foi superior na pre-
dição do risco pré-operatório em 2035 pacientes submetidos à cirurgia eletiva
ou de urgência não cardíaca3 no entanto a modificação do Índice Cardíaco
de Goldman aumentou seu valor preditivo positivo4. Lee TH, et al.4 revisou

194
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

diversos índices de risco cardíaco e detectou seis fatores identificados como


fatores de risco de complicações cardíacas perioperatórias: cirurgia de alto
risco, doença cardíaca isquêmica, doença cerebrovascular, diabetes melito
e falência renal. Baseado na presença de 0, 1, 2, 3 ou mais fatores a
morbidade estimada foi de respectivamente 0,4%, 0,9%, 7% e 11%., no
entanto nesta análise de risco incluiu pacientes submetidos à cirurgia eletiva
e apenas uma pequena amostra havia sido submetida à cirurgia vascular de
grande porte.
Para identificar fatores pré-operatórios associados com o desenvol-
vimento de complicação cardíaca, em 1977, Goldman et al.5 estudaram
1001 pacientes com mais de 40 anos de idade, identificaram correlações
independentemente significativas de risco de vida e complicações cardía-
cas fatais formando uma escala para previsão do risco perioperatório. Em
1986, Detsky et al6 publicaram a modificação deste índice para predizer o
risco cardíaco e o valor preditivo foi melhor entre os pacientes de alto risco
(Tabelas 1 e 2).

1.2 - Diretrizes atuais de avaliação pré-operatória

Atualmente a avaliação pré-operatória recomendada pela literatura


é a proposta em 2002 pelo American College of Cardiology and American
Heart Association8 no entanto poucos estudos prospectivos randomizados
foram realizados para avaliar a performance deste guideline. Estudos
mostraram que o algoritmo proposto pelo American College of Cardiology
and American Heart Association permitiu excelentes resultados clínicos
sendo a morbidade cardíaca atribuídas às categorias de baixo, intermediá-
rio e alto risco de 9%, 14% e 24% respectivamente9.
Têm sido realizados consensos pelo American College of Cardiology
(ACC), American Heart Association (AHA) e American College of
Physicians com o objetivo de organizar uma força tarefa para desenvolver
um algoritmo ou esquemas apropriados para avaliar o risco perioperatório
das doenças cardiovasculares25.
Foi estratificado o risco cardiovascular para cirurgias não-cardíacas
(Quadro 1), fatores relativos ao estado físico do paciente (Quadro 2), e
preditores clínicos de aumento de risco cardiovascular perioperatório como

195
Medicina Perioperatória

Tabela 1- Índice de Detsky modificado para avaliação de cardiopatas


submetidos à cirurgia não cardíaca7.

Avaliação Achado Clínico Pontos

Idade > 70 anos 5

Doença Cardíaca Há menos de 6 meses 10


Isquêmica Há mais de 6 meses 5
Classe III 10
Classe IV 20

Insuficiência Edema Pulmonar < 1 semana 10


Cardíaca Edema Pulmonar > 1 semana 5
Congestiva

Ritmo Cardíaco Outro que não sinusal ou extrassístoles 5


no último ECG
> 5 extrasístoles/minuto antes da cirurgia 5

Doença Valvar Estenose aórtica crítica 20

Estado Geral PO2 < 60mmHg


PCO2 > 60mm
K < 3,0
HCO3 <20 5
Uréia > 50; creatinina >3,0
TGO anormal ou sinais de doença hepática
crônica

Tipo de Cirurgia Emergência 10

Tabela 2 - Categoria de Risco no Escore de Detsky

Classe Pontos Probabilidade pós teste

I 0-15 5%

II 20-30 27%

III >30 60%

196
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca congestiva (ICC)


e óbito (Quadro 3).

Quado 1 - Estratificação de risco cardiovascular* para


cirurgias não-cardíacas

Elevado Intermediário Baixo


(risco >5%) (risco <5%) (risco < 1%)**

Cirurgias emergenciais Endarterectomia carotídea Procedimentos


extensas, especialmente Cirurgia de cabeça e pescoço endoscópicos
no idoso

Cirurgias de aorta e Cirurgia intraperitoneal e Procedimentos


outras vasculares intratorácica superficiais
extensas

Cirurgias vasculares Cirurgia ortopédica Cirurgia de catarata


periféricas

Cirurgias prolongadas Cirurgia de próstata Cirurgia de mama


com a grande mobilização
de líquidos e/ou perda
sangüíneas
*Incidência combinada de morte cardiovascular e infarto do miocárdio não-fatal
** Geralmente, não necessitam de exames cardiovasculares específicos pré-operatórios

Quadro 2 - Estado funcional quanto à atividade física


(Equivalente metabólico - MET)*
Equivalente metabólico (MET) Tipo de atividade

Excelente (> 7 MET) Pratica futebol, natação, tênis


Moderado (4-7 MET) Corridas de curtas distâncias
Ruim (< 4 MET) Caminhadas com velocidades 6,4km/h
Pouca atividade
Caminhadas curtas (2 quarteirões) com
velocidade de no máximo 4,8kg/h
*MET = O consumo de oxigênio (VO2) de um homem de 40 anos, com 70kg e em repouso
é de 3,5ml/kg ou correspondente a 1 MET

197
Medicina Perioperatória

Quadro 3 - Preditores clínicos de aumento de risco cardiovascular


perioperatório (IAM, ICC e Morte)

Maiores Intermediários Menores

IAM < 7 dias ou recente Angina de peito leve Idade avançada (>70 anos)
(ente 7 e 30 dias), com (Classe I e II,
evidências de alto risco, classificação
sintomas e testes não canadense)
invasivo
Angina grave ou instável
(classe III ou IV,
classificação canadense)

Insuficiência Cardíaca Infarto antigo do HVE, BRE, Alterações de ST


descompensada miocárdio (história ou
Valvopatias graves onda Q patológica)

BAV de alto grau. Insuficiência cardíaca Ritmo cardíaco diferente de


Arritmias ventriculares prévia ou compensada sinusal, como fibrilação
sintomáticas com atrial
cardiopatia subjacente.
Diabetes melito Baixa capacidade
Arritmias (particularmente funcional
supraventriculares com insulino-dependente)
freqüência ventricular
não controlada Insuficiência renal História de acidente
vascular cerebral

Doença vascular Hipertensão arterial


periférica sistêmica não controlada

1.3 - Risco cirúrgico-específico

O risco de eventos cardiovasculares perioperatórios é resultante do


contexto em que a cirurgia é realizada, sendo as complicações
cardiovasculares 2 a 5 vezes mais freqüentes que em cirurgias de urgência,
dos fatores dependentes do procedimento cirúrgico (duração, mobilização
de fluidos, estresse, perda sangüínea) e das co-morbidades associadas como

198
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

cardiopatia, capacidade funcional, doença sistêmica associada e da doença


de base.
Para entender o algoritmo de estratificação pré-operatória devemos
conhecer a classificação das cirurgias de acordo com seu risco cardíaco,
ou seja, o risco específico da cirurgia, sendo classificadas em cirurgias de
alto, intermediário e baixo risco cardíaco que seria o risco de incidência
combinada de morte de causa cardíaca e infarto do miocárdio não fatal
(Tabela 1). Esta divisão baseia-se no tipo de cirurgia e na intensidade do
stress hemodinâmico associado que seria um preditor do stress miocárdico
e coronariano sendo útil na estimativa do risco de eventos cardíacos
perioperatórios.
A seqüência de etapas para avaliação cardiovascular pré-operatória
deve incluir (fluxograma 1)8:

1.3.1 - ETAPA 1: Qual é a urgência da cirurgia não cardíaca?

Urgência (aneurisma de aorta sintomático, perfuração de víscera,


trauma e outras): risco > 5% de desenvolvimento de desenvolver complica-
ções cardiovasculares. A cirurgia deve ser realizada, com controle dos fa-
tores de risco, prevenção e tratamento pós-operatório.

1.3.2 - ETAPA 2: Revascularização coronariana recente?

Sim: Ausência de alterações dos sintomas ou paciente


assintomático está indicada à cirurgia. Quando o paciente foi subme-
tido à cirurgia de revascularização do miocárdio nos últimos cinco anos
ou angioplastia coronariana entre 6 meses e 5 anos, sem sintomas ou
sinais sugestivos de isquemia recorrente, a probabilidade de eventos
graves no período perioperatório é extremamente baixa, de modo que
exames adicionais geralmente não são necessários antes do procedi-
mento cirúrgico. Se há sintomas ou sinais recorrentes de isquemia
miocárdica, a cirurgia deve ser postergada e segue-se a avaliação
cardiológica.

Não: passar para a ETAPA 3

199
Medicina Perioperatória

1.3.3 - ETAPA 3: Avaliação coronariana recente (nos últimos 2 anos)?

Sim: Cateterismo ou teste de stress recente com resultados negativos


pode-se liberar a cirurgia.
Não: Coronariografia ou teste de estresse recente com resultados
desfavoráveis ou mudança de sintomas, etapa 5.

1.3.4 - ETAPA 4 :Identificar preditores maiores

- Adiamento da cirurgia e cinecoronariografia para instituir medidas


de tratamento clínico e modificação do risco cardíaco.

1.3.5 - ETAPAS 5 e 6: Identificar preditores intermediários, avaliar


capacidade funcional e risco cirúrgico

Para pacientes com fatores intermediários deve-se primeiramente


avaliar a capacidade funcional, sendo esta < que 4 METS não importa o
risco cirúrgico, deverá ser realizado um teste não evasivo (TNI). Sendo
este de baixo risco o paciente está liberado para cirurgia. Sendo de alto
risco considerar cateterismo.
Se a capacidade funcional for > 4METS deve-se avaliar o risco
específico da cirurgia. Se cirurgia de alto risco deve-se realizar um TNI.
Se cirurgia de risco intermediário ou menor o paciente está liberado
para cirurgia. Sempre que o TNI for de alto risco procede-se ao catete-
rismo.

1.3.6 - ETAPA 7 e 8: Identificar preditores menores

Em pacientes capacidade funcional baixa e procedimento de alto


risco devem-se realizar TNI. Se negativo pode ser indicada à cirurgia, se
for positivo considerar cinecoronariografia e cuidados subjacentes dependem
do resultado do tratamento. Se o procedimento for de risco intermediário ou
baixo pode-se liberar o paciente para cirurgia. Capacidade funcional
moderada ou excelente pode ser indicada a cirurgia, estratificando o risco
pós-operatório e controle dos fatores de risco.

200
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Fluxograma 1 - Estratificação pré-operatória e abordagem


clinica - AHA/ACC, 2002 8

201
Medicina Perioperatória

1.4 - Doenças cardiovasculares e risco cirúrgico

O risco cardiovascular perioperatório é modificado por condições


clínicas que se detectadas e controladas no pré-operatório podem modifi-
car a ocorrência de complicações cardiovasculares. As considerações são
as mesmas para pacientes cardiopatas submetidos a cirurgia cardíaca. As
particularidades associadas a cirurgia cardíaca serão descrias na segunda
parte do capítulo.

1.4.1 - Hipertensão Arterial

Hipertensão está associada com aumento da morbi-mortalidade em


pacientes submetidos a cirurgia. Altos níveis pressóricos estão associados a
aumento da pré-carga e do trabalho cardíaco e consequentemente de isquemia
e infarto do miocárdio principalmente na presença de doença arterial
coronariana e hipertrofia ventricular. A principal característica Hemodinâmica
da hipertensão essencial é o aumento da resistência vascular periférica. Nos
estágios iniciais a resistência vascular sistêmica aumentada ocorre devido a
atividade neurogênica posteriormente a hipertrofia arteriolar é a principal causa
da resistência vascular sistêmica elevada. A vasodilatação repentina, induzida
por barbitúricos ou a grande concentração de anestésico inalatórios pode
causar grave hipotensão e isquemia miocárdica e cerebral.
O VII Joint Nacional Commitee on Prevention, Detection, Evaluation
and Treatment os High Blood Pressure (VII JNC)10 estabeleceu, em 2003,
novos valores de referência (Tabela 4): indivíduos com pressão sistólica entre
120 e 139mmHg ou diastólica entre 80 e 89mmHg são considerados pré-
hipertensos, uma categoria inédita de risco (Tabela 3) visto que com níveis de
175/99 já existe aumento do risco cardiovascular. De acordo com as Diretri-
zes Brasileiras de Hipertensão10, o tratamento medicamentoso deve ser ins-
tituído com pacientes com PA entre 140/90mmHg e 159/99mmHg com lesão
em órgão-alvo (coração-cérebro), doença cardiovascular clinicamente
identificável e/ou diabetes melito. Os pacientes com PA = 160/110mmHg
com fatores de risco associados, mesmo sem lesão de órgãos-alvo, devem
iniciar imediatamente tratamento com medicamento. Níveis de pressão arte-
rial sistólica maior que 180 mmHg está associado a maior risco de morte.

202
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Uma meta-análise e revisão sistemática de 30 estudos observacionais


demonstrou associação entre hipertensão e evolução perioperatória
(OR=1,35). Existe pouca evidência de que uma pressão sistólica menor
que 180 mmHg e diastólica menor 110mmHg esteja associada a complica-
ções perioperatórias. No entanto, acima desses níveis há aumento da inci-
dência de arritmias, isquemia perioperatória e labilidade cardiovascular. A
recomendação de adiar a cirurgia para controle dos níveis pressóricos não
é apoiada por dados consistentes relativos a este grupo de pacientes exigin-
do ainda um melhor esclarecimento futuro em relação a estabelecer um
tratamento agudo ou a médio prazo11. Não existem estudos que mostrem
que adiar a cirurgia reduza o risco cardiovascular perioperatório no entanto
sabe-se que reduzir agudamente a pressão está associado a maior labilidade
cardiovascular perioperatória.
As recomendações da American College of Cardiology 8incluem em
evitar controle agudo da pressão arterial (< que 10 dias), porque podem ocorrer
oscilações pressóricas danosas no período operatório, tanto para hipertensão
como hipotensão, e estas oscilações podem estar associadas a eventos
cardiovasculares. O algoritmo do AHA/ACC de avaliação pré-operatória su-
gere que a hipertensão arterial no estágio 3, sendo sistólica maior que 180 e
diastólica maior que 110mmHg deve ser tratada antes da cirurgia e que abaixo
desses níveis a pressão arterial não representaria um fator de risco cardiovascular
independente, sendo importante a continuação no pós-operatório do tratamento
clínico da hipertensão. O uso de beta bloqueador é sugerido como primeira
escolha em pacientes sem contra-indicação8 devido associação com redução
de isquemia perioperatória em pacientes de alto risco.

Tabela 3 - Classificação da pressão arterial


(adultos com idade acima de 18 anos 10

CLASSIFICAÇÃO PAS (mmHg) PAD (mmHg)


Normal <120 e <80
Pré-hipertenso 120-139 ou 80-89
Hipertensão estágio 1 140-159 ou 90-99
Hipertensão estágio 2 > 160 ou > 100

203
Medicina Perioperatória

1.4.2 - Doença Arterial Coronariana

O sintoma mais característico da DAC é angina, podendo ser angina


estável típica, atípica ou isquemia silenciosa evidenciada apenas por altera-
ções eletrocardiográficas. A angina é classificada pela New York Heart
association em classe I, angina sem limitações funcionais de atividade físi-
ca, classe II, com leves alterações fadiga, palpitação, dispnéia, dor anginosa
durante atividade física leve, classe II, quando os sintomas ocorrem com
mínimos esforços, classe IV quando os sintomas ocorrem no repouso. Esta
classificação é útil no prognóstico pois o risco de morte ou infarto do miocárdio
aumenta com a classe.
No paciente com angina estável com depressão do segmento ST,
hipertensão, infarto prévio, limitação marcante da atividade física a morta-
lidade é maior. A angina instável está associada com alta incidência de
infarto miocárdico perioperatório, disrritmias e distúrbios de condução.
É fundamental a revisão do último eletrocardiograma e suas altera-
ções como presença de supra ou infra-desnivaleamento, bloqueios cardía-
cos e arritmias servindo como base para a interpretação do ECG intra e
pós-operatório. A isquemia silenciosa está associada com a diminuição do
fluxo sangüíneo coronariano e depressão ST assintomática.
Estudos prévios indicam que em pacientes cirúrgicos não-cardíacos
que sofreram infarto do miocárdio antes da cirurgia, a incidência de reinfarto
do peri-operatório diminui com o tempo. A taxa de reinfarto é mais alta
durante os 3 primeiros meses.
O infarto do miocárdio prévio deve ser documentado pelo aumento
das enzimas cardíacas e eletrocardiograficamente pela presença da onda
Q, se o infarto é transmural, ou elevação ST persistente, se o infarto é
subendocárdico.
A síndrome coronariana aguda envolve a angina instável e o infarto
agudo do miocárdio (IAM) com ou sem supradesnivelamento de ST. Em
geral a angina instável e o IAM são clinicamente semelhantes e são distin-
guidos com marcadores bioquímicos. Na angina instável o ECG deve ser
realizado como marcador de gravidade e não como diagnóstico de isquemia
coronariana, pois em 40% dos casos este pode ser normal12. Cerca de 50%
destes pacientes apresentam depressão de ST > 0,05mv, elevação transitó-

204
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

ria (<20min) do segmento ST >0,1mv ou inversão da onda T >0,3mv. No


estudo TIMI IIIb13 a presença de depressão reversível no segmento ST foi
associada ao aumento de 3 a 6 vezes do risco de morte e IM. Nos pacien-
tes com quadro sugestivo de síndromes coronarianas agudas é estabelecido
o diagnóstico pela presença de marcadores bioquímicos de necrose
miocárdica, CPK-MB e troponinas. Na presença de troponina positiva existe
a tendência de se separar dois níveis de corte, um corte diagnóstico de
IAM (troponina T 3a geração > 0,1ng/ml) e um corte prognóstico que defi-
ne o paciente com angina instável de pior prognóstico (troponina T 3a gera-
ção entre 0,01ng/ml e 0,1ng/ml). As troponinas são detectáveis no sangue
periférico cerca de 8-12 horas após o início da dor, sendo recomendadas
dosagens na admissão e por cerca de 8 a 12 horas. A CK-MB é a forma
predominante no coração (15% a 40% no coração e 1% a 4% no músculo
esquelético) que se eleva entre 4 a 12 horas após o início da dor, com pico
em 24 horas e retorno ao normal em 48 a 72 horas. O valor normal da CK-
MB depende do método utilizado oscilando entre 10U/L a 70U/L; para os
testes imunológicos que medem a massa (CKMB-massa) o normal é de 5
a 10 ng/ml. A escala de risco TIMI (TIMI “risk score”)14 é uma forma
simples de se avaliar o risco de pacientes com síndromes coronarianas
agudas. São analisadas três variáveis: idade >65 anos, desvio de ST >0,05mv
e aumento de marcadores bioquímicos (CK total 2x o normal, CK-MB >
que o normal ou troponina T ou I > que o normal). São considerados de
baixo risco pacientes com nenhum ou um critério, risco intermediário dois
critérios e risco alto três critérios.

1.4.3 - Insuficiência Cardíaca

A insuficiência cardíaca está associada a pior prognóstico quan-


do é indicada uma cirurgia não cardíaca, tanto na escala de Goldman 5
quanto na modificada de Destky 5, especialmente quando associada ao
edema agudo de pulmão. O tratamento requer a otimização do quadro
clínico para compensar a ICC, se possível antes da intervenção cirúrgi-
ca. É importante a identificação das variáveis clínicas e laboratoriais
descritas como marcadores da gravidade, e relacionadas a menor
sobrevida6: função ventricular (VE <30%,VD <35%); classe funcional

205
Medicina Perioperatória

IV; andar < 300m no teste de caminhada de 6 minutos; cardiomegalia,


sódio sérico < 134mEq/L, nível sérico de norepinefrina > 600pg/ml, do-
sagem de peptídeo natriurético atrial > 125pg/ml; idade >70 anos, sexo
feminino.

1.4.4 - Doença Valvar Cardíaca

A doença valvar nas várias formas não é incomum, especialmente


em pacientes idosos que vão ser submetidos à cirurgia não cardíaca, po-
dendo estar associada ao aumento de risco perioperatório15.
A presença de estenose aórtica tem sido motivo de diversos es-
tudos, visto que o paciente com esta doença valvar possui uma impor-
tante limitação ao aumento do débito cardíaco imposta pelo
estreitamento do orifício de saída do ventrículo esquerdo, intolerando
a hipotensão decorrente da vasodilatação da anestesia. Zahid et al,
realizou um estudo em 5.149 pacientes com estenose aórtica submeti-
dos à cirurgia não cardíaca incluindo 30% de pacientes com ICC e
concluiu que a presença de estenose aórtica associada a um maior
risco de infarto perioperatório mas não a maior mortalidade. Quando
sintomática, geralmente a cirurgia eletiva deve ser adiada até a reali-
zação da cirurgia para tratamento valvar cirúrgico. Na regurgitação
valvar aórtica são importantes o controle da volemia e pós-carga
ventricular. Nos pacientes com próteses valvares é necessário profi-
laxia para endocardite infecciosa.
Nos pacientes com estenose mitral é importante o controle da fre-
qüência cardíaca no período perioperatório, bem como o controle rigoroso16
da volemia.
A administração de heparina perioperatória é indicada quando o ris-
co de sangramento relacionado ao anticoagulante oral e o risco de
tromboembolismo na ausência de anticoagulação são elevados (prótese
mecânica em posição mitral, prótese de Bjork-Shiley, tromboembolismo
recente ou três ou mais fatores de risco: fibrilação atrial, êmbolo prévio,
hipercoagulabilidade, prótese mecânica ou fração de ejeção < 30%). Sem-
pre que houver sintomatologia importante, tratamento cirúrgico valvar deve
preceder a cirurgia eletiva.

206
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

1.4.5 - Arritmias Cardíacas e Distúrbios de Condução Atrioventricular

A presença de arritmias ou distúrbios de condução atrioventricular pode


indicar doença subjacente, toxicidade de drogas ou distúrbios metabólicos.
Na ausência de doença de base é bem provável que arritmias observadas nos
período perioperatório tenham prognóstico benigno. Por outro lado, a presen-
ça de distúrbios de condução atrioventricular como o bloqueio atrioventricular
completo é indicação de marca-passo antes do procedimento cirúrgico. Paci-
entes com bloqueios atrioventriculares de menor grau sem história prévia de
bloqueios mais avançados ou baixo débito cardíaco raramente evoluem para
um bloqueio atrioventricular completo no período perioperatório.

1.5 - Condições associadas a doenças cardiovasculares

1.5.1 - Idade

A idade fisiológica é um melhor indicador do risco que a idade crono-


lógica, contudo, a idade avançada está associada a maior morbimortalidade.
Os pacientes mais idosos fazem uso de várias medicações pré-ope-
ratórias para tratamento de enfermidades preexistentes, as quais podem
interagir com os anestésicos. Devido a maior incidência de complicações
neurológicas e a alta morbidade desses pacientes, normalmente permane-
cem por tempo prolongado em unidades de cuidado intensivo no pós-cirúr-
gico

1.5.2 - Doenças pulmonares

A presença da DPOC é um fator de aumento do risco perioperatório.


Outros preditores são: idade maior que 65 anos, história de tabagismo maior
que 40 anos, asma, intolerância ao exercício, tosse produtiva, tipo de
cirurgia{Henzler, 2003 #85;Henzler, 2003 #85}. Entre os fatores de risco, a
cirurgia em abdômen superior ou torácica é o melhor parâmetro preditivo
de complicação pulmonar no pós-operatório. Nenhum ajuste de risco foi
feito para DPOC até o momento para saber a influencia desta doença
como fator de risco independente.{Henzler, 2003 #85}.

207
Medicina Perioperatória

Em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica a


hipercarbia, hipóxia e atelectasia pré-operatórias são comuns poden-
do comprometer ainda mais a função cardíaca. A avaliação pré-ope-
ratória de pacientes com doença pulmonar inclui radiografia do tórax,
gasometria arterial, e se necessários estudos da função pulmonar in-
cluindo espirometria antes e após a administração de um bronco-
dilatador. Estes pacientes podem requerer ventilação mecânica pro-
longada no pós-operatório, predispondo estes pacientes a infecções e
prolongando o tempo de internação hospitalar. Com a melhora das
técnicas anestésicas a contraindicação cirúrgica baseada em
parâmetros de mecânica pulmonar está em desuso. A espirometria e
análise arterial de gases não foram identificadas como preditoras de
risco no paciente DPOC o que justifica sua subutilização na prática
clínica{Henzler, 2003 #85}.
Para o diagnóstico de doença pulmonar grave pode ser necessá-
rio o teste de capacidade pulmonar funcional, resposta aos
broncodilatadores, gasometria arterial para avaliar hipercapnia. Haven-
do evidências de infecção é necessário o tratamento com antibióticos e
adiamento da cirurgia. Esteróides e broncodilatadores podem estar indi-
cados, apesar do risco de arritmia ou isquemia do miocárdio pelos beta-
agonistas.

1.5.3 - Diabetes melito

Diabetes Melito foi identificado como um preditor maior de morte


pós operatória sendo a doença mais comum das várias doenças meta-
bólicas que podem acompanhar as doenças cardíacas 17. No exame des-
tes pacientes, especial atenção com cardiopatia, vasculopatia, neuropatia,
nefropatia ou retinopatia diabética. Nos pacientes diabéticos há mais de
10 anos e com idade superior a 50 anos recomenda-se um teste de ECG
até seis meses antes da cirurgia. Se o teste for positivo e a glicemia for
maior que 300mg/dl torna-se necessário acompanhamento
endocrinológico para otimização da glicemia e hemoglobina glicolisada
(HbA 1c). Se a glicemia for menor que 300mg/dl e HbA 1c < 10% o
paciente pode ser submetido ao procedimento cirúrgico, não devendo

208
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

ser administrado hipoglicemiante oral ou insulina na manhã da cirurgia.


Entretanto, se HbA 1c > 10% deve ser otimizado o tratamento antes da
cirurgia 17.

1.5.4 - Insuficiência renal

A nefroesclerose, a hialinização de arteríolas e espessamento


fibroplástico da camada íntima de pequenas artérias, encontrada em paci-
entes hipertensos está associada a aterosclerose de grandes artérias. Em
pacientes com doença arterial coronariana a nefrosclerose é mais intensa.
Existe discussão se a piora da função renal é extensão da doença arterial
coronariana e cerebral avançada ou se ela contribui para agravar o risco e
aumento da incidência de eventos adversos18.
A existência de insuficiência renal crônica é fator de aumento
de morbimortalidade perioperátoria. Nestes pacientes quando a
creatinina é maior que 2,5mg/dl apresentam maior risco de diálise no
pós-operatório e maior tempo de permanência no hospital 19. Utilizan-
do o escore do APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health
Evaluation II) modificado por presença ou ausência de diurese, o tem-
po de início de diálise para pacientes com insuficiência renal aguda
mostrou ser estatisticamente preditor de sobrevida e recuperação da
função renal 20.
O VII Joint Commitee determinou que a presença de
microalbuminúria e ritmo de filtração glomerular menor que 60 ml/min um
fator maior de risco cardiovascular 18.
Pacientes com disfunção renal principalmente aqueles com
hemodiálise crônica têm risco maior de morbidade e mortalidade em cirur-
gia cardíaca. A insuficiência renal crônica está associada com anemia, do-
ença cerebro-vascular, diabetes, flutuações no volume sangüíneo circulante
e hipertensão, que complicam a hemodinâmica do paciente durante a anestesia
e cirurgia.
Pacientes mais idosos e aqueles com disfunção ventricular
freqüentemente exibem disfunção renal por baixo débito. Níveis de creatinina
sérico de 1,6 a 1,8 mq/dl são indicativos de risco moderado, e níveis acima
de 1,9 mq/dl são indicativos de alto risco.

209
Medicina Perioperatória

1.6 - Recomendações pré operatórias para exames complementares

1.6.1 - Eletrocardiograma de 12 derivações

O ECG não identifica risco perioperatório aumentado em pacientes


submetidos à cirurgia de baixo risco mas algumas alterações são preditores
clínicos em pacientes com preditores intermediários ou de maiores.
Classe I : Episódio recente de dor torácica ou equivalente isquêmico
em pacientes de risco intermediário ou alto para procedimentos de risco
intermediário ou alto risco.
Classe Ia: Diabéticos assintomáticos
Classe II.: - Revascularização prévia
- Homem assintomático com mais de 45 anos ou mulher com mais
de 55 com 2 ou mais fatores de risco.
- Admissões hospitalares de causas cardíacas
Classe III: Assintomáticos para cirurgia de baixo risco

1.6.2 - Avaliação da função ventricular esquerda no repouso

A função ventricular no repouso não se mostrou ser um preditor


consistente de eventos isquêmicos perioperatórios21
Classe I: - ICC descompensada ou mal controlada.
Classe IIa: - Dispnéia de causa não definida ou ICC prévia
Classe III: Rotina em pacientes sem ICC.

1.6.3 - Teste de esforço no exercício ou farmacológico

Classe I: - Diagnóstico de adultos com probabilidade intermediária


pré-teste de doença arterial coronariana (DAC)
- Avaliação prognostica de pacientes com suspeita de DAC ou alte-
rações clínicas
- Demonstração de prova com isquemia miocárdica antes da
revascularização coronariana
- Avaliação de adequação de terapia médica, avaliação prognostica
após síndrome coronariana aguda.
210
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Classe IIa: - Avaliação da capacidade funcional quando esta não é


possível com avaliação subjetiva
Classe IIb: - Diagnóstico de DAC em pacientes com baixa ou alta
probabilidade pré-teste, depressão do ST repouso menor que 1 mm, uso de
terapia com digital, critérios de hipertrofia ventricular no ECG
- Detecção de reestenose em pacientes assintomáticos de alto risco
nos meses iniciais após Angioplastia percutânea (APC)
Classe III: - Teste de esforço, diagnóstico de pacientes com anor-
malidades no ECG que impedem uma avaliação adequada: síndrome de
pré-excitação, ritmo de marcapasso, depressão de ST maior que 1 mm,
bloqueio de ramo ECG.
- Co-morbidade que limite a expectativa de vida ou candidato a
revascularização
- Screnning de rotina para homens e mulheres assintomáticos
- Investigação de batimentos ectópicos variados em pacientes jovens

1.6.4 - Angiografia coronariana

Classe I: Pacientes com DAC suspeita ou conhecida


- Evidência de alto risco para evolução adversa em testes não
invasivo.
- Angina que não responde adequadamente ao tratamento clínico
- Angina instável, especialmente quando a cirurgia não cardíaca é
de risco intermediário ou elevado
- Testes não-invasivos mostrando resultados controversos em paci-
entes candidatos a cirurgia de risco intermediário e elevado
Classe IIa: Múltiplos marcadores de risco clínico intermediário e
cirurgia vascular
- Testes não-invasivos mostrando área de isquemia moderada ou
extensa, sem caracterizar alto risco, em pacientes com fração de ejeção
ventricular esquerda reduzida
- Testes não-invasivos inconclusivos em pacientes com fatores de
risco intermediários, candidatos a procedimentos de alto risco
- Cirurgias de urgência em pacientes que convalescem de infarto
agudo do miocárdio.

211
Medicina Perioperatória

Classe IIb: IAM perioperatório


- Angina classe II ou IV e cirurgia de baixo
Classe III: Candidatos a cirurgia de baixo risco com doença
coronariana conhecida, sem preditores de alto risco nos testes não-invasivos
ou clinicamente estabilizados;
- Pacientes assintomáticos após revascularização coronariana apre-
sentando excelente capacidade física (=7 EM);
- Angina estável de grau leve, com boa função ventricular e sem
marcadores de alto risco nos testes não-invasivos;
- Pacientes que não são candidatos a revascularização coronariana
diante da doença sistêmica grave concomitante, fração de ejeção < 20%,
ou recusa do paciente;
- Candidatos a transplantes (fígado, rim, pulmão) com mais de 40
anos de idade, sem preditores de alto risco para testes não-invasivos.
- Pacientes com múltiplos fatores de risco intermediários, candida-
tos a cirurgia vascular nos quais os testes não-invasivos não podem ser
realizados;

1.6.5 - Testes não invasivos pré-operatórios: qual utilizar?

Conforme o algoritmo do ACC/AHA, 2002 os testes não invasivos


devem ser considerados em pacientes com risco aumentado de complica-
ções cardíacas baseado no perfil de risco, capacidade funcional e tipo de
cirurgia8.
O teste de esforço é o exame não invasivo de menor custo para
detecção de isquemia miocárdica com sensibilidade de 74% e especificidade
de 69% para predição de morte cardíaca e infarto do miocárdio em pacien-
tes submetidos à cirurgia vascular de grande porte22. Até 40% dos pacien-
tes vasculopatas tem alterações eletrocardiográficas que exigem avaliação
do segmento ST.
A cintilografia de perfusão com dipiridamol combinado com o risco
clínico estimado é exame mais extensamente estudado para estratificação
cardíaca e promove informações além das obtidas com avaliação clínica e
teste de esforço.23 com sensibilidade de 83% e especificidade de 49% para
predição de morte de causa cardíaca e infarto do miocárdio, no entanto

212
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

podem ocorrer falso-positivos devido à presença de artefatos como tecido


mamário e diafragma podendo simular defeitos de perfusão.
O Ecocardiograma de stress com dobutamina também foi avaliado para
estratificação de risco. Este exame fornece informações sobre a presença de
doença valvar co-existente e minimiza a variabilidade interobservador. Clinica-
mente pacientes de baixo risco e pacientes com 2 ou mais fatores de risco em
uso de beta bloqueador tem risco baixo para complicação cardiovascular não
necessitando deste exame. Em paciente com 3 ou mais fatores de risco o
Ecocardiograma de stress com dobutamina auxiliou a identificação de pacien-
tes de moderado e alto risco para complicações cardiovasculares24.
Diversos estudos compararam os testes não invasivos na predição
de morte de causa cardíaca e infarto do miocárdio. O Ecocardiograma de
stress com dobutamina possui maior valor prognóstico que a cintigrafia com
dipiridamol25. Ambos os exames devem ser considerados8, no entanto o
ecocardiograma de stress com dobutamina tem sensibilidade similar à
cintigrafia de perfusão com especificidade maior e melhor capacidade
preditiva em meta-análises e estudos publicados até o momento, devendo
ser considerado primeiramente com a vantagem de fornecer informações
adicionais em relação à função valvar e ventricular22.

2 - Avaliação cardiovascular para cirurgia cardíaca

A avaliação do paciente cardiopata a ser submetido a cirurgia cardí-


aca passa pelas mesmas etapas do pacientes não cardiopatas e por isso
não existem recomendações específicas por parte do ACC/AHA para es-
tes pacientes e as peculiaridades serão discutidas abaixo.

2.1 - Estimativa de risco pré-operatório

O escore de risco é útil na avaliação pré-operatória para o conheci-


mento do risco cirúrgico do paciente para facilitar o esclarecimento deste e
de seus familiares na visita pré anestésica.
A mortalidade é o fator indicador de performance mais importante
em cirurgia cardíaca, sendo o parâmetro mais presente nos escores de
risco26. Diversos escores de risco são utilizados atualmente e entre eles

213
Medicina Perioperatória

destacam-se o Parsonnet e Euroscore (Tabelas 4 a 7). Entre estes o


Euroescore foi o que envolveu maior número de centros (132) com maior
número de pacientes para sua elaboração. Em um estudo comparativo de 6
escores, o Parsonnet foi associado com superestimativa de mortalidade e
todos os escores avaliados tiveram uma boa relação com mortalidade e por
isso um bom valor preditivo posivito27. A vantagem da utilização do escore
de risco é eliminar a avaliação subjetiva, no entanto determinar parâmetros
objetivos é difícil. Os fatores que aumentam o risco de cirurgia cardíaca
são: angina instável ou infarto recente, disfunção ventricular, evidência de
falência cardíaca, obesidade (IMC > 20), cirurgia de emergência, reoperação.

2.2 - Principais fatores de risco pré-operatórios em cirurgia cardíaca

2.2.1 - Revascularização ou troca valvar prévia

As reoperações são tecnicamente mais difíceis pela fibrose e distorção


da anatomia o que torna o procedimento mais prolongado. A reoperação
aumenta o sangramento no pós-operatório com necessidade de transfusões
sangüíneas. Sendo um fator de aumento dos escores de risco cirúrgico com
aumento de mortalidade e morbidade
Foi demonstrado que paciente submetidos à ciurgia valvar, os fatores
associados com aumento do risco cirúrgico foram idade, sexo feminino,
reoperações de emergência, disfunção ventricular importante, ICC, classe
funcional NYHA IV, endocardite tardia, reoperação valvar mitral, associ-
ação com doença arterial coronariana28.
Paciente com válvulas cardíacas metálicas utilizam anticoagulantes
por longo períodos o que pode aumentar o risco de sangramento intra opera-
tório. Pacientes com válvulas cardíacas devem receber profilaxia antibiótica
para procedimentos cirúrgicos potencialmente complicados por bacteremias.

2.2.2 - Cardiomiopatia hipertrófica

Paciente com cardiomiopatia hipertrófica são intolerantes à


hipovolemia com necessidade de menor pré carga para manter o débito
cardíaco e aumento da obstrução ao trato de saída ventricular.

214
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Tabela 4 - EuroSCORE

Critério Definição Pontos

Idade Por 5 anos ou parte a partir de 60 anos 1

Sexo Feminino 1

Doença pulmonar Uso prolongado de broncodilatadores e esteróides 1


crônica por doença pulmonar

Arteriopatia Um ou mais de: claudicação, oclusão da carótida 2


extracardíaca ou estenose >50%, cirurgia de aorta abdominal,
artérias dos membros ou carótidas, prévia ou
planejada

Alteração neurológica Doença que afeta gravemente a deambulação ou 2


função do dia-a-dia

Cirurgia cardíaca Necessita abertura do pericárdio 3


prévia

Creatinina sérica > 200µmol/l no pré-operatório 2

Endocardite ativa Paciente em uso de antibiótico por endocardite 3

Estado crítico no pré- Um ou mais de: TV/FV, morte súbita, massagem 3


operatório cardíaca prévia, em intubação pré-operatória, uso
de inotrópicos, balão intraaórtico, ou
insuficiência renal pré-opreatória (oligúria ml/h
ou anúria)

Angina instável Angina em repouso que necessita de nitratos 2


endovenoso da chegada à cirurgia

Disfunção de FE 30-50% 1
ventrículo FE < 30% 3
esquerdo(FE)

Infarto recente do < 90 dias 2


miocárdio

Hipertensão pulmonar PA sistólica > 60mmHg 2

Emergência Executado como proposto antes do início do 2


próximo dia útil

Outro além de Cirurgia cardíaca de grande porte que não RM ou 2


revascularização do adicional à RM
miocárdio (RM)

Cirurgia em aorta Cirurgia de aorta ascendente, arco ou descendente 3


torácica

Ruptura do septo pós- 4


infarto

215
Medicina Perioperatória

Tabela 5 - Categoria de Risco no Euroscore


Categoria no Euroscore Risco

Baixo Risco (0-2) 2%

Médio Risco (3-5) 5%

Alto Risco (>6) 10%

Tabela 6 - Índice de risco de Bernstein e Parsonnet


Fator de risco Definição Escore
Sexo feminino 6
Idade 70-75 2,5
76-79 7
+80 11
Insuficiência cardíaca 2,5
congestiva

DPOC grave 6
Diabetes 3
Fração de ejeção 30-49% 6,5
< 30% 8
Hipertensão Em torno de 140/90 ou história de 3
hipertensão ou em uso de antihipertensivo
Doença do ramo esquerdo Estenose do principal ramo esquerdo > 50% 2,5
Obesidade mórbida Em torno de 1,5 vezes o peso ideal 1
Balão intraaórtico pré- Uso de balão intraaórtico à chegada a cirurgia 4
operatório

Reoperação Primeira reoperação 10


Segunda ou mais reoperações 20
Uma valva, aórtica Cirurgia proposta 0
Uma valva, mitral Cirurgia proposta 4,5
Valva + RM Combinação valva + RM proposta 6
Condições especiais Ver na próxima página

216
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Tabela 7 - Valores para condições especiais no índice de risco


de Bernstein e Parsonnet

Cardíacas Pontos Hepato-Renal Pontos

Choque Cardiogênico 12 Cirrose 12,5


(Débito urinário < 10ml/h)

Endocardite, ativa 6,5 Diálise 13,5

Endocardite, tratada 0 Falência Renal, aguda ou 3,5


crônica

Ressecção de aneurisma de VE 1,5 Vascular

Procedimento proposto: uma 5 Aneurisma de Aorta, 0,5


válvula, tricúspide assintomático

Dependência de Marcapasso 0 Doença carotídea (bilateral 2


ou 100% unilateral oclusão)

IAM transmural < 48hrs 4 Doença Vascular Periférica, 3,5


grave

CIV aguda 12

TV/FV, Morte Súbita abortada 1

Pulmonares Miscelânea

Asma 1 Recusa em aceitar 11


transfusão sangüínea

Intubação preoperatória 4 Doença Neurológica grave 5


(AVC antiga, paraplegia,
distrofia muscular,
hemiparesia)

Púrpura Trombocitopênica 12 PTCA ou falência de 5,5


Idiopática cateterização

Hipertensão Pulmonar 11 Abuso de substâncias 4,5


(> 30mmHg)

217
Medicina Perioperatória

A soma dos valores deve ser inserida no gráfico abaixo26.

2.2.3 - Insuficiência cardíaca congestiva

Insuficiência cardíaca congestiva é um fator de risco de aumento de


morbidade em todos os escores de risco cirúrgico podendo ser evidenciada
pela história clínica e cálculo da fração de ejeção. Disfunção ventricular
esquerda é caracterizada pela fração de ejeção ventricular esquerda < 55%
e severa quando menor que 35%. A disfunção ventricular esquerda aumen-
ta a necessidade para terapia inotrópica e vasoativa, anti-arrítmicos e uso
de balão intra-aórtico prolongando a permanência na unidade de cuidado
intensivo.
Insuficiência cardíaca congestiva pode complicar infarto miocárdio,
doença valvular e doença cardíaca congênita. Congestão pulmonar pode
ocorrer com sinais de insuficiência ventricular direita ou disfunção diastólica,
nesta última a fração de ejeção pode ser normal no ecocardiograma.

2.2.4 - Diabetes melito

A associação de Diabetes com evolução pós-operatória adversa é


bem conhecida em diversos tipo de cirurgia, no entanto é devastadora em

218
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

pacientes submetidos à RM. Existe clara associação com aumento da


mortalidade29, mediastinite e infecção de ferida cirúrgica30. O risco não
está relacionado ao DM per se mais ao controle perioperatório da glicemia
visto que a hiperglicemia leva a um aumento da utilização de ácidos graxos
relacionados ao aumento de mortalidade. A hiperglicemia nos 2 primeiros
dias de pós-operatório é o melhor preditor de mediastinite após ciurgia
cardíaca. O impacto de hiperglicemia está na depressão do sistema imu-
ne e na cicatrizaçao de feridas. A infusão de insulina venosa contínua
perioperatória com o objetivo de manter a glicemia abaixo de 200 mg/dl
no paciente diabético pós operatório mostrou reduzir de forma indepen-
dente a incidência de mediastinite em 66% 31,32 e a mortalidade em 57%33.
Foi estimado que o uso perioperatório de insulina venosa com controle
rígido da glicemia resultou em 21 vidas salvas para cada 1000 pacien-
tes33. O nivel ótimo de glicemia neste contexto clínico ainda não foi bem
estabelecido, no entanto a tendência é manter níveis abaixo de 200mg/dl.
Níveis entre 100 e 150 mg/dl é particularmente benéficos33. Conclusão:
níveis perioperatórios de glicemia maiores que 150 mg/dl são associados
com aumento de morbidade e mortalidade perioperatória. Na prática clí-
nica a manutenção de níveis de glicemia entre 100 e 150 mg/dl é interven-
ções Classe IB34.
Diabéticos têm risco maior de incidência de doença cardiovascular
que não-diabéticos, assim como ocorre associação com hipertensão,
aterosclerose, doenças renais e vasculares. Neuropatia e disfunção
autonômicas são implicadas em infarto silencioso do miocárdio e mudanças
ST transitórias assintomáticas são freqüentes em pacientes diabéticos. O
sistema nervoso autônomo diminui o mecanismo de compensação circula-
tória em pacientes diabéticos resultando em maior labilidade pressórica
durante a indução e manutenção da anestesia, com necessidade de suporte
de drogas vasoativas mais freqüente que em não-diabéticos.

2.2.5 - Doença cerebrovascular e vascular periférica

Doença vascular periférica é normalmente complicada por uma alta


incidência de diabetes, hipertensão, disfunção renal e doença arterial
coronariana.

219
Medicina Perioperatória

Pacientes com doença vascular periférica têm risco de dissecção


femoral e aórtica durante canulação, e são mais vulneráveis a embolização
durante circulação secundária cardiopulmonar. No pós-operatório estes
pacientes têm risco de isquemia mesentérica, e doença vascular periférica
podem contra indicar o uso de balão intra-aórtico, quando necessário.
É importante no pré operatório identificar o paciente com doença
cerebrovascular e conhecer o doppler de carótidas deste pacientes. Em
pacientes com lesões críticas deve-se manter estabilidade hemodinâmica
com o objetivo de manter a perfusão cerebral além disso identifica-se um
paciente de risco para acidente vascular encefálico durante a circulação
extracorpórea.

2.2.6 - Hipertensão pulmonar

Pacientes com doença arterial coronariana ou doença valvar cardía-


ca com grave disfunção ventricular terão hipertensão pulmonar e resistên-
cia pulmonar aumentada o que pode dificultar o controle hemodinâmico e
respiratório intraoperatório.
A hipertensão pulmonar (HP) aumenta duas vezes a mortalidade
perioperatória. Os mecanismos ainda não são totalmente estabelecidos es-
tando em parte relacionados ao aumento do trabalho do ventrículo direito,
aumento da resistência vascular pulmonar, redução do fluxo sanguíneo pul-
monar, redução do enchimento do ventrículo esquerdo, piora da oxigenação
e disfunção endotelial pulmonar. A maioria da intervenções terapêuticas
para redução da mortalidade perioperatória relacionada à HP baseia-se na
utilização de vasodilatadores pulmonares. Estes fármacos tem seu uso
limitado ao intra e pós-operatório visto que são fármacos inalatórios (óxido
nítrico ou prostaciclina) ou hipotensores sistêmicos como os inibidores da
fosfodiesterase{Riedel, 1999 #84}

2.2.7 - Cirurgia de emergência

A cirurgia cardíaca de emergência possui alto risco de mortalidade e


de morbidade. tem sido indicada em complicações agudas nas cateterizações
cardíacas com 3 a 5% destas exigindo cirurgia de emergência.

220
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Vários são os riscos presentes na cirurgia de emergência após com-


plicações angiografia coronariana. Os pacientes estão parcialmente
heparinizados e podem sofrer isquemia aguda evoluindo com infarto do
miocárdio, insuficiência cardíaca congestiva ou parada cardíaca sendo sub-
metidos a ressuscitação cárdio-pulmonar. Podem ter recebido analgésicos,
sedativos, bloqueadores de canais de cálcio, beta-bloqueadores, anti-
arrítmicos, vasopressores ou inotrópicos.
O tempo é importante na cirurgia de emergência. Os anestesiologistas
devem realizar avaliação pré-anestésica, monitoração adequada e trata-
mento da disfunção miocárdica de acordo com a urgência da situação e a
velocidade de deterioração das condições do paciente.

3 - Fármacos perioperatórios

Muitos fármacos utilizados no tratamento de pacientes cardíacos


devem ser mantidas até o dia da cirurgia. Contudo, anticoagulantes e anti-
plaquetários têm meia-vida longa e devem ter seu uso suspenso no pré
operatório.
Os fármacos antihipertensivos são mantidos até o dia anterior à
cirurgia. A descontinuidade de fármacos antihipertensivos, beta-bloqueadores
e bloqueadores de canal cálcio no dia da cirurgia pode levar a labilidade
pressória durante e após a indução da anestesia podendo ocorrer crises
hipertensivas que aumentam o consumo de oxigênio no miocárdio, causan-
do isquemia miocárdica ou hipotensão reduzindo a oferta de oxigênio ao
miocárdio.
Pacientes que utilizam beta-bloqueadores devem continuar seu uso
no período peri-operatório. O uso desses fármacos está associado à prote-
ção efetiva contra isquemia perioperatória atenuando a ativação simpática
e reduzindo o consumo de oxigênio pelo miocárdio, infarto do miocárdio e
mortalidade de causa cardíaca35 Os beta-bloqueadores podem ser usados
com segurança para tratamento de hipertensão, durante a cirurgia, quando
associada com taquicardia na ausência de disfunção ventricular e uso de
fármacos beta-agonistas.
O paciente cardiopata utiliza diuréticos cronicamente, possuindo um
volume circulante efetivo diminuído, bem como alterações hidroeletrolíticas.

221
Medicina Perioperatória

O paciente hipovolêmico tolera pouco a vasodilatação anestésica e altera-


ções como hipocalemia, hipomagnesemia, hipofostatemia podendo predis-
por à arritmias cardíacas.
A hipocalemia deve ser corrigida pelo risco de arritmias cardía-
cas lembrando-se que a reposição deve ser avaliada cuidadosamente
nas cirurgias com utilização da cardioplegia. O magnésio tem papel
estabilizador de membranas e sendo também responsável pela manu-
tenção da estabilidade elétrica do miocárdio devendo ser corrigido. O
fósforo é um íon pouco mensurado no perioperatório de cirurgia cardía-
ca no entanto a hipofosfatemia á subdiagnosticada estando associada a
disfunção respiratória com maior tempo de ventilação mecânica, maior
tempo de internação em UTI, maior disfunção cardiovascular e maior
necessidade de drogas vasoativas. O uso de catecolaminas leva a cap-
tação celular de fosfato e hipofosfatemia e outros mecanismos incluem:
aumento de interleucinas, hipotermia e hiperglicemia.36. A dosagem de
fósforo não é realizada de rotina no entanto devido à importância deste
íon alguns autores sugerem que este íon seja dosado rotineiramente em
cirurgia cardíaca 36
Os bloqueadores dos canais de cálcio são vasodilatadores miogênicos
que previnem a constrição dos vasos sangüíneos, controlando o influxo de
cálcio iônico através da membrana celular dos músculos atriais. Eles têm
um efeito inotrópico negativo. A terapia com beta-bloqueadores associados
a bloqueadores de canais de cálcio têm um efeito depressivo miocárdio
adicional, que não pode ser menosprezado, principalmente quando anesté-
sicos inalatórios são usados.
Bloqueadores de canal de cálcio , assim como beta-
bloqueadores adrenérgicos e agentes inalatórios, diminuem a condu-
ção através do nó atrioventricular. O efeito bradicárdico aditivo do
bloqueador de canal de cálcio e opióide potente são mais aparentes
quando um relaxante muscular livre de efeitos cardiovasculares é usado
para indução de anestesia. Esta bradicardia é prontamente reversível
pela atropina. O uso de bloqueadores de canal de cálcio pode ser um
fator importante de hipotensão durante indução devido a depressão
miocárdica e o efeito de vasodilatação. Esta hipotensão não responde
a administração de cálcio, mas responde a doses maiores que as usu-

222
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

ais de alfa pressóricos. A terapia com bloqueadores de canal de cálcio


deve ser mantida até o dia da cirurgia e no intra-operatório deve ser
administrado cuidadosamente.
Os fármacos antiarritimicos interagem com anestésicos inalatórios
potentes e podem causar depressão miocárdica e hipotensão. Entre as dro-
gas antiarrítmicas, a Amiodarona exige maior atenção devido à sua ação
pró-arritmica estando associada à fibrilação ventricular e a depressão
miocárdica e hipotensão. Seu uso crônico está associado à fibrose pulmo-
nar, hepática e à hipotireoidismo.
Os inibidores do enzima de conversão da Angiotensina (I-
ECA) são utilizados para tratamento da hipertensão e insuficiência
cardíaca congestiva. É recomendado que a terapia com I-ECA seja con-
tinuada durante o período peri-operatório. Contudo, há relatos de
hipotensão durante a anestesia e cirúrgica precipitada pelo uso crônico
destes vasodilatadores.
Os digitálicos são utilizados no tratamento de pacientes com insufici-
ência cardíaca congestiva em pacientes com disfunção ventricular. Os paci-
entes devem permanecer com o uso do digitálico no período pré-operatório.
Os vasodilatadores agem sobre a musculatura lisa vascular dimi-
nuindo o tônus vascular. Como resultado da vasodilatação a taquicardia e
retenção de água são problemas com vasodilatores por esta razão são
freqüentemente administrados em associação com um beta-bloqueador e
um diurético.

4 - Avaliação hematológica no paciente cardiopata

O hematócrito pré-operatório de 30% é tradicionalmente aceitá-


vel, contudo quando for menor que 34% tem um risco significativo em
pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica 37. Os
níveis de hematócrito pré-operatório devem ser levados em considera-
ção, considerando-se a necessidade de sangue e seus componentes para
cirurgia. Pacientes submetidos a cirurgia cardíaca têm alto risco de
sangramento intra e pós-operatório devido à magnitude do procedimen-
to cirúrgico e a necessidade de heparinização. É necessário avaliar a
história clínica, exames hematológicos pré-operatórios, os fármacos em

223
Medicina Perioperatória

uso, e as interações entre fármacos que possam aumentar o risco de


sangramento.
A anemia leve no paciente isquêmico ou não revascularizado pode
estar associado com risco aumentado de morte no pós-operatório38. Du-
rante o curso da cirurgia cardíaca, os níveis de hematócrito são tipica-
mente menores durante a CEC. Embora algum grau de hemodiluição seja
desejável, o valor mínimo aceitável de hematócrito durante a CEC é dis-
cutível. Alguns estudos referem que pacientes de baixo risco cirúrgico
podem suportar Ht mínimo de 14%. Outros estudos referem que
hematócritos menores que 22% são fortemente associados mortalidade
operatória e outras complicações pós operatórias38, aumentando o risco
de complicações cardiovasculares. Até o momento não existem evidênci-
as para apoiar a manutenção de um nadir de hematócrito em CEC maior
que 22%. Hemofiltração pode ser utilizada para aumento do hematócrito.
A redução do volume do perfusato da CEC pode ser útil na redução da
hemodiluição. A decisão de transfusão deve considerar o risco
transfusional39. Conclusão: Hematócrito intaoperatório menor que 22% é
associado com maior incidência de eventos adversos, não havendo vanta-
gem em manutenção acima deste valor. Na prática clínica: Esforços de-
vem ser feitos para manutenção de níveis adequados de hematócrito (Class
II a, nível B).

5 - Estratégias para redução do risco cirúrgico no cardiopata

5.1 - Beta-bloqueadores

Além de adequada técnica anestésica e ajuste volêmico, o controle


da freqüência cardíaca através da utilização de fármacos não anestésicos
pode constituir- se no componente central da estratégia perioperatória de
prevenção de isquemia miocárdica, o que pode ser alcançado de diversas
formas.
A ativação do sistema nervoso simpático, especialmente a
estimulação dos β-receptores, produz inotropismo e cronotropismo positi-
vos e liberação de norepinefrina. O antagonismo β-adrenérgico não ape-
nas atenua estes efeitos adversos como também apresenta um efeito

224
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

antiarrítmico. Além de reduzir a mortalidade e a incidência de morte súbi-


ta após infarto do miocárdio40,41.
Os β-bloqueadores fazem parte da terapêutica profilática
comprovadamente eficaz na redução da morbidade e da mortalidade de
pacientes com insuficiência coronariana submetidos a cirurgia não cardía-
ca 42-44
Mangano et al.45 relataram que de trinta milhões de pacientes
submetidos à cirurgia não cardíaca anualmente, nos Estados Unidos,
aproximadamente dez milhões apresentam dois ou mais fatores de risco
para coronariopatia, sendo que um terço destes o diagnóstico de doença
coronariana 46,47. Como resultado, mais de um milhão dos trinta milhões
de pacientes operados apresentam complicações cardíacas
perioperatórias, incluindo infarto agudo do miocárdio, angina instável,
choque cardiogênico, arritmias ou morte. Considerando-se que a popu-
lação de pacientes cirúrgicos tende a se tornar cada vez mais idosa e
com co-morbidades cada vez mais graves, estima-se que as complica-
ções perioperatórias e o custo financeiro das mesmas possam aumen-
tar. 48
A procura de soluções para o problema da morbidade cardíaca
perioperatória foi intensamente investigada, permitindo a identifica-
ção de fatores preditivos para a ocorrência de infarto do miocárdio no
período perioperatório 46. Determinou-se também a relação entre even-
tos cardíacos não fatais durante a internação e a sobrevida tardia 48,49
e a potencialidade de reversão dos eventos fisiológicos que ocorrem
no perioperatório e que contribuem para a morbidade 46,50. O resultado
mais importante destas investigações foi o de que a ocorrência de
isquemia miocárdica imediatamente após a cirurgia, durante o desper-
tar da anestesia, aumenta em mais de 9 vezes o risco de eventos
cardiovasculares como o infarto agudo do miocárdio, a angina instável
ou a morte de causa cardíaca durante a internação 51, além do aumen-
to de 14 a 20 vezes da mortalidade nos primeiros 2 anos após a cirur-
gia 48 . Estes resultados mostraram a importância da ocorrência de
isquemia no pós-operatório imediatíssimo e conduziram à investigação
de diversas hipóteses, com suas conclusões ou novos questionamen-
tos: 50,52

225
Medicina Perioperatória

Resposta simpática persistentemente exagerada à cirurgia mos-


trou estar associada com substancial aumento da freqüência cardíaca
durante a hospitalização; estando a isquemia miocárdica comumente as-
sociada ao aumento da freqüência cardíaca. O Estado de
hipercoagulabilidade produzido em resposta à cirurgia pode ter um efeito
potencial na ocorrência de isquemia miocárdica; Disfunção endotelial,
incluindo a instabilidade da placa aterosclerótica, é precipitada por gran-
de variedade de fenômenos perioperatórios, incluindo a resposta inflama-
tória ao trauma cirúrgico.
Estes fatores potencialmente associados ao infarto do miocárdio
perioperatório foram observados durante vários anos, e os estudos clínicos vol-
taram-se para a identificação de possíveis terapias que minimizassem o risco
cirúrgico, como o uso pré e intra-operatório de nitratos 53,54, de (-bloqueadores {Cucchiara,
1986 #144,55,56
, de α2-agonistas 57,58e de bloqueadores de canais de cálcio59,60.
Os principais efeitos colaterais dos β-bloqueadores relacionam-
se à sua principal ação farmacológica, o bloqueio dos β-receptores.
Em pacientes diabéticos, principalmente aqueles insulino-dependen-
tes, o uso de β-bloqueadores, em especial os não seletivos, pode alte-
rar as respostas à hipoglicemia, tanto em relação aos sintomas quanto
às alterações hormonais que aumentam a glicemia e que dependem da
atividade simpática 61. Efeitos colaterais relacionados ao sistema ner-
voso central incluem fadiga, depressão, insônia, pesadelos e alucina-
ções. Algumas doenças concomitantes podem piorar quando ocorre o
β-bloqueio, como a vasculopatia periférica e o broncoespasmo 61 em-
bora o uso cuidadoso de fármacos seletivos possa ser considerado 62.
Embora até recentemente contra-indicado, o uso cuidadoso de -
bloqueadores em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva tem
se mostrado favorável 40.
O uso de β-bloqueadores está contra-indicado em pacientes porta-
dores de bloqueio atrio-ventricular do primeiro grau, com segmento PR
maior que 0,24 segundos, bloqueio atrioventricular de segundo ou terceiro
graus, história de asma brônquica ou disfunção grave de ventrículo es-
querdo, com grave insuficiência cardíaca congestiva ou choque
cardiogênico. Se o paciente apresenta risco de hipotensão ou bradicardia
pela utilização do β-bloqueador, deve-se optar por um agente de curta

226
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

duração como o propranolol ou metoprolol ou de ação ultracurta como o


esmolol63.

5.1.1 - Uso de β-bloqueadores em pacientes submetidos à cirurgia


não cardíaca

Pacientes com indicação para cirurgia não cardíaca e portadores de


hipertensão arterial sistêmica e/ou insuficiência coronariana freqüentemente
encontram-se em uso de algum antagonista β-adrenérgico64. Há consenso
de longa data entre anestesiologistas sobre a manutenção da terapia β-
bloqueadora até o dia da cirurgia, uma vez que a retirada súbita deste fármaco
pode levar à alteração aguda no equilíbrio do sistema nervoso simpático,
com aumento da atividade adrenérgica65. Esta condição pode levar a
taquicardia, isquemia miocárdica e infarto agudo do miocárdio, sendo que
este período de hipersensibilidade pode ocorrer 2 a 6 dias após a retirada da
medicação66,67.
Até a década de 90, a prática comum era que pacientes cirúrgi-
cos de alto risco deveriam receber atenção meticulosa durante os perí-
odos pré e intra-operatório, mas não especificamente após a cirurgia 45.
Apesar de meticuloso controle pré-operatório, a freqüência cardíaca
comumente excedia 50% do valor controle pré-operatório durante os
primeiros dias ou a primeira semana de pós-operatório50,52. Embora este
aumento da freqüência cardíaca possa ser deletéria em pacientes com
doença aterosclerótica, fazia-se pouco para o controle específico do
aumento da FC devido ao receio de precipitação de falência cardíaca
ou broncoespasmo com o uso de β-bloqueadores. O padrão de cuidado
incluía o tratamento da dor pós-operatória, mas não o aumento da FC
per se, exceto se o aumento fosse expressivo. Aumentos menores da
FC, embora proporcionalmente grandes (maiores que 50% da FC basal)
eram ignorados 42,44 , mesmo em pacientes em uso crônico de β-
bloqueadores 45.
Na década de 90, Mangano e colaboradores 42,44 realizaram am-
plo estudo clínico em pacientes de alto risco submetidos a cirurgias não
cardíacas. A hipótese era de que em pacientes com insuficiência
coronária ou com fatores de risco para a mesma, a administração inten-

227
Medicina Perioperatória

siva de β-bloqueadores (atenolol) antes e depois da cirurgia, durante


todo o período de internação, poderia diminuir a mortalidade e a incidên-
cia de eventos cardiovasculares graves. Em um estudo randomizado,
duplo cego, controlado com placebo, os autores avaliaram os efeitos do
atenolol na sobrevida e na morbidade cardiovascular em pacientes com
coronariopatia ou com fatores de risco para a mesma submetidos a ci-
rurgia não cardíaca. Os critérios para inclusão no estudo foram FC > 55
bpm, pressão arterial sistólica > 100 mmHg e ausência de insuficiência
cardíaca congestiva, bloqueio atrio-ventricular de 3 o grau ou
broncoespasmo. Duzentos pacientes foram incluídos no estudo (99 do
grupo atenolol e 101 do grupo controle), sendo que 194 tiveram alta
hospitalar e 192 foram acompanhados até 2 anos de pós-operatório. No
grupo atenolol os pacientes receberam uma dose de 5 ou 10 mg da
droga por via venosa antes da indução da anestesia e a cada 12 horas
após a cirurgia, até que a medicação pudesse ser oferecida por via oral
na dose de 50 a 100 mg uma vez por dia, conforme a pressão arterial
sistêmica e a freqüência cardíaca. A monitorização incluiu ECG, Holter
e dosagem seriada da fração miocárdica da creatino-fosfoquinase
(CKMB) desde 24 horas antes até 7 dias após a cirurgia. A mortalidade
global após a alta hospitalar foi significativamente menor no grupo de
pacientes tratados com atenolol, em relação ao grupo controle, após 6
meses de observação (0% e 8%, p < 0,001), após 1 ano (3% e 14%,
p=0,005) e após 2 anos de observação (10% e 21%, p=0,019), verifi-
cando-se também redução no número de intercorrências cardiovasculares
(17% e 32%, p=0,008)42,44.
Analisando a mesma casuística do estudo anterior, Wallace et al.
42,44
relataram que a incidência de isquemia miocárdica foi significativamen-
te reduzida no grupo atenolol, em relação ao grupo controle, no período de
0-2 dias (17,1% e 33,6%, p=0,008) e de 0-7 dias (24,2% e 38,6%, p=0,029),
sendo que os pacientes com episódios de isquemia miocárdica apresenta-
ram maior risco de morte no período de 2 anos (p=0,025%). Os autores
concluíram que, em pacientes coronariopatas ou com fatores de risco para
coronariopatia, o tratamento com atenolol durante a hospitalização reduz a
incidência de isquemia miocárdica perioperatória, com redução da
morbimortalidade até 2 anos após a cirurgia.

228
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

Em 1997, duas publicações do American College of Physicians (ACP)


enfatizaram a importância dos estudos anteriores e definiram as condutas
para avaliação e tratamento perioperatório de pacientes coronariopatas ou
com fatores de risco para coronariopatias e candidatos a cirurgias não car-
díacas de grande porte, incluindo a utilização sistemática de atenolol em
pacientes sem contra-indicações68
Dessa forma, recomenda-se o uso perioperatório deste medicamen-
to em pacientes com doença coronariana (angina estável ou instável, IAM
prévio, ou testes de esforço positivos) ou com risco de doença coronariana,
definida pela presença de pelo menos 2 dos seguintes itens:

- idade ³ 65 anos;
- hipertensão arterial sistêmica;
- tabagismo;
- colesterol sérico ³240 mg/dl;
- diabetes.

5.1.2 - Uso de β-bloqueadores em pacientes submetidos à cirurgia


cardíaca

As horas que antecedem a cirurgia, o ato anestésico-cirúrgico em si


e a CEC desencadeiam intensa estimulação adrenérgica 69. Uma vez que a
ocorrência de infarto miocárdico em cirurgia cardíaca pode estar relacio-
nada aos episódios de taquicardia e isquemia perioperatória, o emprego dos
β-bloqueadores é particularmente interessante70, podendo ser utilizados de
maneira profilática antes da intervenção ou de maneira curativa durante a
cirurgia71.
A manutenção de β-bloqueadores até o dia da cirurgia de
revascularização miocárdica era controverso72,73 72,73 e a pesquisa clínica
trouxe argumentos favoráveis a esta prática a partir de 197974 e, assim
como em cirurgia não cardíaca, a terapia β-bloqueadora deve ser mantida
no pré-operatório até o dia da cirurgia. No estudo randomizado de Ponten
et al. 75, a interrupção do metoprolol 60 horas antes da intervenção foi
acompanhada de IAM pré-operatórios e de episódios de taquicardia e de
isquemia perioperatória. Resultados semelhantes foram observados por

229
Medicina Perioperatória

Chung et al.59. Os estudos de du Cailar et al. 76e Rao et al.77 mostraram


que a utilização pré-operatória do propranolol reduziu significativamente a
elevação da fração MB da creatino fosfoquinase. A administração de 80mg
de sotalol por via oral 2 vezes ao dia, iniciando-se 2 horas antes da cirurgia
permitiu redução de 43% na incidência de arritmias supraventriculares pós-
operatórias78. No estudo de Podesser et al., a infusão contínua de nifedipina
durante o intra-operatório, associada a 12µg/kg/hora de metoprolol, após o
início da CEC e durante 24 horas, reduziu a incidência de episódios isquêmicos
e de taquicardias supraventriculares79.
Slogoff & Keats 80 compararam, num estudo prospectivo não
randomizado, a incidência de episódios isquêmicos em pacientes submeti-
dos à revascularização miocárdica. Indivíduos, cujo tratamento até o mo-
mento da intervenção incluía β-bloqueadores, apresentaram menos epi-
sódios de taquicardia ou isquemia miocárdica que aqueles que receberam
diltiazem ou nifedipina. Nestes, o número de episódios isquêmicos foi se-
melhante ao de pacientes que não receberam nem β-bloqueador nem
inibidor de canal de cálcio. A razão da diferença da eficácia entre β-
bloqueadores e bloqueadores de canal de cálcio é desconhecida 71. Entre-
tanto, Kyosola et al.81 descreveram uma rede de catecolaminas intra-
axonais no átrio direito em 16 dentre 65 pacientes durante cirurgia cardí-
aca e mostraram que sua presença está relacionada à ocorrência de com-
plicações graves como arritmias de duração de até 2 semanas após a
cirurgia, infarto do miocárdio e morte. Segundo Piriou et al., estas compli-
cações poderiam ter sido prevenidas pela continuidade do tratamento an-
tagonista adrenérgico71.
Embora a terapia com β-bloqueadores tenha se mostrado eficaz na
redução de eventos perioperatórios entre pacientes de alto risco submeti-
dos a cirurgia não cardíaca e a cirurgia vascular, nenhum estudo randomizado
avaliou, ainda, se esta terapia é benéfica quando utilizada no pré-operatório
de cirurgia de revascularização miocárdica82.

5.2 - Agonistas alfa-adrenérgicos

Os α-2 agonistas são fármacos de ação central que agem diminuin-


do o estímulos simpático. Essa classe de fármacos tem sua importância na

230
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

proteção cardiovascular perioperatória visto que estão associados à dilata-


ção pós estenótica de vasos coronarianos83, a atenuação da severidade de
anormalidade hemodinâmicas perioperatórias84 e a possível redução de
complicações cardiovasculares. No entanto estudos menores randomizados
não demostraram que clonidina reduz a morte de causa cadíaca e infarto de
miocárdico85 e até o momento, nenhuma meta análise com número signifi-
cativo de pacientes mostrou redução no risco de morte cardíaca e isquemia
miocárdica86.
Um dos maiores estudos, o Mivazerol Trial, randomizou 2854 paci-
entes para receberem mivazerol intravenoso ou placebo no intra-operató-
rio. Foram analisadas taxas de óbito e IAM até 30 dias após a cirurgia, não
tendo sido demonstrado redução na taxa de infarto agudo do miocárdio ou
morte de causa cardíaca. No entando, a análise post hoc de 904 pacientes
do subgrupo submetido à cirurgias vasculares mostrou menor incidência
nos eventos avaliados no grupo que recebeu mivazerol, o que pode sugerir
necessidade de estudos neste grupo de pacientes devido ao provável bene-
fício do fármaco86.
A AHA considera o uso dos agonistas alfa-2 classe IIb para o con-
trole perioperatório do paciente hipertenso, em pacientes com DAC conhe-
cida ou na presença de fatores de risco maiores para DAC8

5.3 - Nitroglicerina

A nitroglicerina é indicada aos pacientes operados na vigência de


insuficiência coronariana aguda tenso seu uso limitado pela instabilidade
hemodinâmica. Não há evidências confirmadas de benefício do uso
transoperatório da nitroglicerina intravenosa87

6 - Estratégias para redução do risco cirúrgico

As estratégias para redução do risco cardiovascular perioperatório


são alvo constante de estudos e novos conceitos tem surgido exigindo atu-
alização contínua. A tabela abaixo mostra as estratégias atuais seu impacto
clínico1.

231
Medicina Perioperatória

Benéfica/Não
Estratégias de Redução do Risco Cardíaco efetiva/Prejudicial

Beta-bloqueadores perioperatórios ↑↑↓↔

Estatinas perioperatórias ↑↑
Alfa-2 agonistas perioperatórios ↑

Nitroglicerina/Diltiazen perioperatórios ↔

Revascularização coronariana Percutânea ↑/↓


Revascularização coronariana Cirúrgica ↑

Monitorização com Cateter de artéria pulmonar ↑/↓

Monitorização com Cateter venoso central ↔


ECG de 12 derivações ↔

Ecocardiograma transesofágico ↔

Anestesia e Analgesia Peridural ↔/↑


Normotermia intraoperatória ↑

↑↑, Evidência forte para efetividade; ↑ Efetividade moderada; ↑/↓ Resultados conflitantes
e aumento do risco de complicações; ↔, sem efetividade.

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Avaliação Pré-Operatória do Paciente Cardiopata

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Medicina Perioperatória

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238
Avaliação Pré-Operatória do
Paciente Pneumopata
Danielle Maria H. Dumaresq, TSA/SBA*
Josenília Maria Alves Gomes, TSA/SBA**
Cláudia Regina Fernandes, TSA/SBA***

Introdução

As complicações no pós-operatório, sejam elas pulmonares ou


cardíacas, são definidas como anormalidades que levam a doença ou disfunção
que afeta, de maneira adversa, o curso clínico do doente1. Essas complicações
influenciam no desfecho da cirurgia, contribuindo para o aumento do tempo
de internação e da morbi-mortalidade do procedimento cirúrgico.
A prevalência de complicações pulmonares varia de 5% a 70%. Essa
ampla faixa de variação pode ser atribuída à ausência de um consenso que
defina adequadamente uma padronização para diferenciar uma alteração

* Responsável pela Residência do CET do Instituto Dr. José Frota


Chefe do Serviço de Anestesia do Instituto Dr. José Frota
Anestesiologista do Hospital das Clínicas Walter Cantidio – UFCE
** Doutorado em Dor
Anestesiologista do Hospital das Clínicas Walter Cantidio – UFCE
*** Responsável pela Residência do Hospital das Clínicas Walter Cantidio – UFCE
Medicina Perioperatória

fisiopatológica esperada daquilo que pode ser considerado como complicação


pulmonar. Asma e, principalmente, DPOC constituem dois dos mais
importantes fatores de risco.
Um estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo revelou
que pacientes com DPOC, com estádio GOLD igual ou superior a 1,
apresentaram maior risco para complicações pulmonares. No paciente
asmático, não é diferente e, apesar dos avanços em seu tratamento
permitirem a administração segura de qualquer um dos tipos de anestesia,
a asma influencia a morbidade e mortalidade operatórias, estando os
pacientes com asma brônquica mal controlada mais propensos a
complicações pulmonares no pós-operatório. Na tabela 1 são descritas
as formas clínicas mais freqüentes de apresentação de complicações
pulmonares no pós-operatório.

Alterações da Fisiologia Respiratória Decorrentes da Anestesia e


de Cirurgias Torácicas e Abdominais Altas

Durante a anestesia, ocorre diminuição da Capacidade Residual


funcional (CRF). A explicação primária para esse fato é a redução no
tônus do diafragma, acarretando deslocamento cefálico deste músculo,
em decorrência do peso das vísceras abdominais, precipitando perda de
volume pulmonar2. O deslocamento cefálico do diafragma ocorre em
pacientes anestesiados, com ou sem paralisia muscular, com o uso de
ventilação controlada mecânica ou respiração espontânea. A redução da
CRF que acontece após indução anestésica propicia diminuição da
complacência pulmonar, acarretando aumento nas forças de retração
elástica. Felizmente, essas características da mecânica respiratória não
são progressivas, com o decorrer da anestesia, e a perda desse volume
pulmonar pode ser minimizada pela simples aplicação de pressão positiva,
no final da expiração (PEEP de 5 a 10 cmH2O, na vigência de ventilação
controlada mecânica3.
Os pulmões, o diafragma e a parede torácica funcionam como
uma unidade integrada. Alterações nas características físicas regionais
dessas estruturas são largamente responsáveis pelo prejuízo na relação
ventilação-perfusão e pelo decréscimo na eficiência das trocas

240
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

Tabela 1 - Complicações Pulmonares no Pós Operatório

Complicação Apresentaçãso Clínica

Pneumonia Infiltrado pulmonar recente no Rx de tórax associado a


pelo menos dois dos seguintes sinais:
- Secreção traqueobrônquica purulenta, temp. >38
- Leucocitose> 25% do valor basal

Traqueobronquite Aumento da quantidade com alteração do aspecto da


secreção traqueobrônquica com Rx de tórax normal

Atelectasia com Presença de atelectasia no Rx de tórax associada a


Repercursões Clínicas sintomas respiratórios

Insuficiência Quadro clínico resultante da deficiência aguda de trocas


Respiratória Aguda gasosas resultando em necessidade de ventilação mecânica
assistida

Intubação Orotraqueal Necessidade de manutenção de IOT por mais de 48 horas


(IOT) Prolongada por impossibilidade de desmame da ventilação mecânica
na insuficiência respiratória aguda ou por aspiração
orotraqueal nos pacientes com impossibilidade de eliminar
secreções
Ventilação Mecânica Manutenção de VMC por mais de 48horas para
Prolongada (VMC) tratamento de insuficiência respiratória aguda

Broncoespasmos Presença de sibilos na ausculta pulmonar, associados a


sintomas respiratórios agudos e necessidade de
terapêutica medicamentosa

gasosas, resultando num gradiente alvéolo-arterial de oxigênio


aumentado. Na maioria das situações, isso não leva à hipoxemia
importante, visto que, durante a anestesia, geralmente a fração
inspirada de oxigênio é alta.
A vasoconstrição pulmonar hipóxica determina o ajuste local na
resistência vascular pulmonar, necessário para manter o equilíbrio na
relação ventilação-perfusão. Durante a anestesia, esse equilíbrio pode
ser rompido ou pelo menos prejudicado por agentes inalatórios, em

241
Medicina Perioperatória

concentrações acima de 1 CAM, sendo os idosos e os pacientes em


ventilação monopulmonar os mais suscetíveis4. Um efeito similar pode
ser observado, em resposta a altas concentrações de oxigênio, comumente
usado na indução e no peroperatório. O comprometimento da eficiência
nas trocas gasosas, no perioperatório, aumenta o gradiente alvéolo-arterial
de oxigênio.
Em adultos jovens, a relação entre espaço morto e volume corrente
(Vd/Vt) é, aproximadamente, de 25%. Em idosos não fumantes, na oitava
década de vida, essa relação pode ser tão grande quanto 40%, e talvez
ainda maior em tabagistas. O aumento da ventilação do espaço morto, durante
a anestesia, embora tenha relação com a diminuição da CRF, não é devido
simplesmente a microatelectasias generalizadas do parênquima pulmonar.
Associadas a esse fato estão todas as alterações da mecânica pulmonar
regional e as modificações na unidade pulmão tórax e abdome5.
As cirurgias interferem diretamente na mecânica pulmonar, a
proximidade do ato operatório com o diafragma é o principal fator
determinante dessas alterações. Dessa forma, os maiores impactos, em
ordem decrescente, são provenientes de cirurgias de abdome superior,
torácica, abdome inferior e extremidades.
A explicação para a queda da PaO2 e a redução do volume
corrente observado no pós-operatório de cirurgias realizadas próximo
ao diafragma e parede torácica é a diminuição da excursão respiratória,
devido à dor ou a curativos compressivos. Entretanto, está bem
estabelecido que ocorre aumento do gradiente alvéolo-arterial de
oxigênio P(A-a)O2, por vários dias, após o procedimento cirúrgico, e
que tal ocorrência não é revertida, mesmo com a abolição da dor. No
pós-operatório de cirurgia torácica e de abdome superior, a diminuição
do volume pulmonar e a redução do fluxo aéreo, em repouso,
predispõem à atelectasia; à pobre eliminação de secreções; à
deterioração de mecânica pulmonar; ao aumento do trabalho
respiratório e à pneumonia. A hipoxemia arterial aguda é o reflexo do
conjunto de fatores que culmina no desequilíbrio entre a ventilação e a
perfusão, e, mesmo na ausência de doença pulmonar; a oxigenação
arterial, após agressão cirúrgica, declina progressivamente, principal-
mente em pacientes idosos.

242
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

Avaliação do Pneumopata Submetido a Cirurgia sem Ressecção


Pulmonar

Estratificação Pré-operatória de Risco

A estratificação pré-operatória de risco consiste na avaliação de


variáveis clínicas e laboratoriais, a fim de se separarem os pacientes
em grupos diferentes de risco para complicações no período periope-
ratório.
Os fatores de risco que determinam a morbidade pulmonar pós-
operatória podem ser classificados em definitivos, prováveis e possíveis 7.
(Tabela 2)

Tabela 2 - Fatores de Risco de Complicações Pulmonares


Pós-Operatória

Fatores de Risco Definitivos (concordância geral entre estudos)


- Local da cirurgia: especialmente abdominal ou torácica
- Estado Físico (condições clínicas): classificação da ASA
- Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
- Morbidade Cardíaca (Índice de Goldman)

Fatores de Risco Prováveis (concordância parcial entre estudos)


- Obesidade: índice de massa corpórea > 25
- Idade avançada: > 59 anos
- Hábito de fumar
- Hipercapnia

Fatores de Risco Possíveis (ocasionalmente citados)


Pacientes do sexo masculino
Duração da cirurgia
Internação hospitalar prolongada antes da cirurgia
Hipoalbuminemia

243
Medicina Perioperatória

Indíces de Risco

Índice Cardiopulmonar

Associa-se o índice cardíaco de Goldman a fatores de risco


pulmonares, como fumo, tosse produtiva, obesidade, presença de sibilos,
relação VEF1/CVF<70% e PaCO2>45 mmHg . Os pacientes com escore
maior que 4 pontos (num total de 10) apresentam maior probabilidade de
complicações no pós-operatório .

Escala ASA (American Society Of Anesthesiology)

É baseada em critérios clínicos. Embora subjetiva, é bastante utilizada,


e escores de 2 a 5 indicam elevação progressiva da morbidade no pós-
operatório.

Tabela 3 - Escala de Torrington e Henderson

PONTOS

1. ESPIROMETRIA
CVF <50% 1
VEF1/CVF: 65-75% 1
50-65% 2
< 50% 3

2. IDADE > 65anos 1

3. OBESIDADE > 150% do peso ideal 1

4. LOCAL CIRURGIA: Abdominal alta ou torácica 2


Outras 1

5. FATORES PULMONARES: Fumante 1


Tosse, catarro 1
Doenças pulmonares 1

244
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

Escala de Torrington e Henderson

A escala de Torrington e Henderson 8 (Tabela 3) estabelece


pontuações aos pacientes, de acordo com a variável considerada. Essa
escala baseia-se em sintomas respiratórios, tipo de cirurgia e medidas da
espirometria, como CVF e VEF1/CVF. Pacientes que somam no máximo 3
pontos apresentam risco discreto, enquanto aqueles com pontuação maior
que 4 constituem risco moderado (4 a 6 pontos) ou acentuado (7 a 12
pontos)9.

Avaliação Complementar

Espirometria

A espirometria pode identificar uma pneumopatia não reconhecida


anteriormente, estimar o risco/benefício do tratamento cirúrgico, planejar o
perioperatório e estimar a função pulmonar pós-operatória. Gass e Olsen
(1986) sugeriram alto risco pós-operatório, em pacientes com (Volume
Expiratório Forçado em 1 segundo(VEF1) e Capacidade Vital Forçada
(CVF) menores que 70% do valor previsto, além da relação VEF1/CVF
menor que 65%. Condições relacionadas ao paciente, tais como, pneumopatia
prévia (DPOC), asma), fumo, tosse crônica, infecção respiratória recente,
idade avançada, obesidade, deformidade da parede torácica, doença
neuromuscular; ou à cirurgia, torácica ou abdominal, ressecção pulmonar,
anestesia prolongada; podem indicar a realização de espirometria, no pré-
operatório11 . Pacientes com CVF < 35ml/kg -1, VEF1 < 35%, VVM <
28L.min-1 e PaCO2 > 50mmHg são considerados de altíssimo risco para
desenvolverem complicações respiratórias pós-operatórias graves. Valores
de VEF1 < 50% indicam grande limitação da capacidade de tossir. Já os
valores inferiores a 35% coincidem com hipercapnia.
A avaliação pré-operatória deve buscar, ao mesmo tempo, o maior
nível de segurança, para a realização do procedimento e a extensão deste
ao maior número de beneficiados. O American College of Physicians12
estabelece que, nos pacientes a serem submetidos a cirurgias que não

245
Medicina Perioperatória

Tabela 4 - Parâmetros de risco para complicações pulmonares

Baixo Risco Alto Risco

VEF1 pré-op > 2L ou >80% VEF1 pré-op < 1L ou <40%


VEF1ppo > 0,8 e 40% VEF1ppo < 40%
VVM > 50% CDPCOppo < 40%
VO2máxppo > 20ml/kg/min VO2máxppo < 10ml/kg/min ou 40%
Ausência de doença cardíaca PaO2 < 60 mmHg
PaCo2 > 45 mmHg

VEF1- volume expiratório forçado no primeiro segundo; pré-op - pré-operatório; ppo -predito
pós-operatório; VVM - ventilação voluntária máxima; CDPCO - capacidade de difusão de CO;
VO2máx - consumo máximo de oxigênio em exercício; PaO2 - pressão parcial arterial de
oxigênio; PaCO2 - pressão parcial arterial de CO2.

envolvem ressecção pulmonar, a espirometria estaria indicada para os


enfermos fumantes; com dispnéia, naqueles portadores de doença pulmonar
ativa sintomática ou com história de pneumopatia com espirometria de
mais de 60 dias. Para procedimentos de longa duração, nos pós-operatórios
com necessidade de programa de reabilitação pulmonar, nos fumantes e
dispnéicos que irão para cirurgia cardíaca ou abdominal alta. Não é
necessário solicitar espirometria de rotina, nos pneumopatas candidatos às
cirurgias que não implicam ressecção pulmonar. Valores alterados desse
exame não contra-indicam esse tipo de procedimento cirúrgico. A decisão
deve se basear em cuidadoso exame clínico, radiografia de tórax e avaliação
das condições de co-morbidade. Idade avançada, estado físico (ASA) e os
índices de risco são mais importantes preditores de complicações do que as
variáveis espirométricas. Particular importância deve ser dada à identificação
de morbidade cardíaca, pois os riscos cardíacos estão diretamente
relacionados aos de complicações pulmonares pós-operatórias.
Alguns parâmetros de provas funcionais pulmonares es-
tabeleceram como preditores de baixo risco e boa evolução 13 (Tabela
4), por outro lado, idade maior que 70 anos e baixa performance ao
esforço correlacionaram-se a aumento da morbimortalidade pós-
operatória. Isso se torna mais evidente, quando estratificamos os
pacientes, em função do tipo de cirurgia que será realizada, com cirurgias

246
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

abdominais altas e cirurgias torácicas, apresentando a maior taxa de


complicações (até cerca de 80% dos bronquíticos crônicos desenvolvem
pneumonia, após cirurgias abdominais altas, contra 10% dos não
fumantes).
O maior risco pré-operatório de complicações pulmonares é a
presença de doença pulmonar obstrutiva crônica. Pacientes desse quadro
apresentam até 20 vezes mais complicações pós-operatórias, incluindo
atelectasia, infecção pulmonar, hipersecreção brônquica, diminuição da
capacidade vital e necessidade de ventilação prolongada.

Gasometria Arterial

Valores de PaCO2 maiores que 45 mmHg são comuns, em pacientes


portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica grave, e indicam alto
risco cirúrgico pulmonar, contudo, não necessariamente inviabilizam o
procedimento cirúrgico indicado. A hipoxemia não é considerada como fator
preditivo importante de complicações pulmonares, no pós-operatório. A
gasometria arterial deve fazer parte da avaliação pré-operatória, para cirurgia
torácica e para cirurgia cardíaca ou abdominal, em pacientes fumantes ou
que apresentam dispnéia.

Radiografia de Tórax

A radiografia simples de tórax pouco influencia na avaliação pré-


operatória de pacientes saudáveis. Contudo, todos os pacientes com idade
superior a 60 anos ou cuja história indique suspeita de doença cardiopulmonar
devem realizar radiografia de tórax.
A radiografia torácica é importante, no sentido de excluir outras
condições que possam levar à confusão diagnóstica com a DPOC, ou
estarem associadas a esta, principalmente nos casos de câncer, tuber-
culose e bolhas pulmonares. A radiografia também é útil, no sentido de
permitir um diagnóstico diferencial entre insuficiência cardíaca e doença
intersticial pulmonar, principalmente naqueles pacientes com crepitações
basais. Uma radiografia com sinais importantes e definidos de
hiperinsulfação deve sempre associar-se à observação de importantes

247
Medicina Perioperatória

alterações ao exame físico. No RX de tórax, o enfisema é caracterizado


pelo abaixamento e retificação das hemicúpulas diafragmáticas, bem
como redução e desaparecimento das imagens vasculares. Em perfil,
observa-se aumento do espaço retroesternal e retificação das
hemicúpulas diafragmáticas.

Broncoscopia

É o exame visual direto da laringe e árvore da traqueobrônquica,


utilizado na coleta de amostras de secreções e células do trato
respiratório.

Paciente Candidato a Cirurgia com Ressecção Pulmonar

As cirurgias toracopulmonares podem ser divididas nas seguintes


categorias:

1) Cirurgias da parede torácica (coluna vertebral, esterno, etc.);


2) Cirurgias da Pleura (Decorticação);
3) Cirurgias Pulmonares:

a) Melhorando a função pulmonar (Bulectomias, Redução do


volume pulmonar);
b) Reduzindo a função pulmonar (Ressecções pulmonares);

4) Cirurgias de outros órgãos intratorácicos (Esôfago, timo).

O câncer de pulmão continua a ser a indicação mais freqüente


de ressecção pulmonar. Após confirmar sua ressecabilidade ana-
tômica, todo paciente, independente do tipo de ressecção pulmonar ou
da idade, deve ser avaliado, a fim de se determinar sua capacidade
para se submeter à cirurgia e à perda de tecido pulmonar 14. Operações
comumente realizadas, para ressecção pulmonar, incluem pneu-
mectomia, lobectomia, segmentectomia e a ressecção pulmonar em
cunha.

248
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

Avaliação Inicial

Durante a avaliação inicial, deve ser realizada uma história detalhada,


incluindo a investigação de qualquer doença coexistente, a determinação
da capacidade funcional do paciente e a limitação de sua atividade, para
que se assegurem o controle da patologia e a otimização do tratamento.
Como os pacientes com câncer pulmonar comumente são tabagistas,
sintomas sugestivos de DPOC e doença cardiovascular devem ser
pesquisados.
O exame físico deve dar atenção aos sinais de doença metastática,
como aumento de linfonodos, hepatomegalia ou déficits neurológicos, além
da presença de insuficiência cardíaca e hipertensão pulmonar.

Avaliação Específica Pulmonar

A avaliação específica pulmonar auxilia a estabelecer se o paciente


reúne condições propensas à cirurgia e se uma ressecção extensa pode ser
bem tolerada. Apesar de existir um grande número de testes fisiológicos
com esse propósito e alguns, quando aplicados, têm mostrado valor preditivo,
não há um único teste considerado como padrão ouro em predizer
complicações15.
Se a região não tem função, não deverá haver qualquer perda adicional
além da diminuição temporária atribuída à toracotomia.
A pneumectomia causa uma diminuição de 30% na função pulmonar
total, o que pode ser devastador, em pacientes com DPOC. Em alguns
casos, a ressecção em cunha, a lobectomia ou a pneumectomia podem
melhorar a função pulmonar, se as áreas ressecadas constituem tecido
pulmonar destruído pelo enfisema e áreas não ressecadas são poupadas
por este.

Primeira Fase: Testes de Função Pulmonar Global

Todos os pacientes candidatos a ressecção pulmonar, em uma primeira


fase, deverão realizar os testes de função pulmonar, que consistem em
espirometria, com determinação dos volumes pulmonares; análise dos gases

249
Medicina Perioperatória

sanguíneos arteriais respirando ar ambiente. Estudos mais recentes indicam


a realização do teste de capacidade de difusão dos pulmões16. O risco de
insuficiência respiratória pós-operatória é maior, se o Volume Expiratório
Forçado em 1 segundo (VEF1) pré-operatório é menor que 2 litros ou 50%
do previsto; a Ventilação Voluntária Máxima (VVM) é menor que 50% do
previsto; o Volume Residual (VR) é maior que 50% da Capacidade
Pulmonar Total (CPT); a Capacidade de Difusão Pulmonar do
monóxido de carbono é menor que 60% ou quando a hipercapnia (PaCO2>
45 mmHg) está presente na gasometria arterial (Tabela 5).
Ventilação Voluntária Máxima (VVM) é o volume máximo que pode
ser respirado por minuto, por esforço voluntário. Geralmente é realizado
durante 15 segundos e o resultado é convertido para 1 minuto. Pode ser
estimado, multiplicando VEF1 x 35.
Capacidade Vital Forçada (CVF) é a capacidade vital realizada com
o máximo esforço expiratório. Embora uma CVF abaixo de 1700 a 2000 ml
tenha sido proposta, não existe um valor limite que contra-indique a
ressecção. A CVF não é um fator de previsão significativo de
morbimortalidade pós-operatória17.
Volume Expiratório Forçado em 1 Segundo (VEF1) é o volume
expiratório obtido durante o primeiro segundo de execução da CVF. O VEF1

Tabela 5 - Testes de função pulmonar pré-operatória e


risco cirúrgico

Teste de Função Pulmonar Risco Aumentado

Análise Gases Arteriais PaCO2 > 45 mmHg

Espirometria VEF1 <2L


VEF1 < 50% CVF
VVM <50%
VR/CPT > 50%

Capacidade de Difusão (CDP) CDPCO < 60%


PaCO2=Pressão arterial de CO2, VEF1= Volume expiratório forçado em 1 segundo,CVF= Capa-
cidade vital forçada VVM= Ventilação voluntária máxima, VR= Volume residual, CPT=Capacidade
pulmonar total CDPCO=Capacidade de difusão do CO.

250
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

é rotineiramente usado e valores pré-operatórios abaixo de 2000 ml são


associados a risco aumentado; entretanto, o valor preditivo positivo de um
baixo VEF1 é pobre 27,2818-19. Têm sido propostos valores de VEF1 acima
dos quais o risco de complicações ou morte é baixo. Assim, VEF1 > 60% e
> 80%, para adultos do sexo masculino, são propostos para lobectomia e
pneumectomia, respectivamente20.
A capacidade de difusão pulmonar (CDP) é definida como sendo
a quantidade de gás que é transferida, a cada minuto, para cada milímetro
de mercúrio de diferença na pressão parcial do gás, através da membrana
alvéolo-capilar. A CDP é influenciada por todos os fatores concernentes
à passagem de gases por entre o alvéolo e os capilares. Sua determinação
requer o uso de um gás que seja muito mais solúvel no sangue do que na
membrana alvéolo-capilar. Os mais usados são o oxigênio e o monóxido
de carbono. Os valores para a CDP em repouso são de 25 ml O 2. min-1.
mmHg 21. Esse parâmetro aumenta durante o exercício, pela dilatação
dos vasos pulmonares e abertura dos vasos adicionais, e diminui com a
idade, provavelmente pela redução do número de capilares pulmonares
funcionantes, nas últimas décadas de vida. A CDP fornece acurada
representação do prejuízo da função pulmonar pós-ressecção de
parênquima pulmonar. Esse exame é capaz de detectar enfisema
pulmonar, mesmo quando variáveis espirométricas apresentam-se
normais.
Vários estudos identificam a capacidade de difusão como importante
fator de previsão para detectar morbimortalidade pós-operatória22-23. Da
mesma forma que o VEF1-EPO, a CDP pode ser estimada para o pós-
operatório (CDP-EPO) e, provavelmente, é, isoladamente, o mais importante
previsor de complicações pós-ressecção pulmonar. Valores da CDP-EPO
< 40% estão associados à mortalidade de 33%. A CDP-EPO pode ser
obtida de maneira similar ao VEF1-EPO.

Segunda Fase: Testes de Função Isolada de Cada Pulmão

Se algum dos testes de função pulmonar global encontra-se abaixo


dos limites estabelecidos, a avaliação deve seguir para uma segunda fase,
em que cada pulmão é avaliado separadamente, utililizando-se a cintilografia

251
Medicina Perioperatória

qualitativa, por radioisótopos (133 Xe e 99 Tc), através da determinação da


contribuição individual cada área deste órgão na função pulmonar total.
Por esse método, em que se detecta a ventilação e a perfusão, obtém-
se boa correlação entre os valores estimados no pós-operatório.
Recentemente, a tomografia computadorizada quantitativa tem-se
mostrado eficaz como preditor da função pulmonar pós-operatória, além de
ser de mais simples realização e de menor custo .
Uma combinação dos testes de função fracionada dos pulmões,
com a espirometria convencional, deve levar a um volume expiratório
forçado em 1 segundo estimado pós-operatório (VEF1-EPO) maior
que 0,8 litros. Por exemplo, se a perfusão do pulmão a ser removido é
40% da perfusão total, o VEF1 pré-operatório é 1,4 litros e o VEF1-
EPO é de 0,84 litros ml. Assim, o VEF1-EPO é igual ao VEF1 pré-
operatório multiplicado pela perfusão contralateral expressa em
percentagem (QUADRO 1). Nenhum estudo prospectivo determinou,
definitivamente, o limite mínimo de operabilidade para o VEF1-EPO,
no entanto, o limite de 0,8 litros foi estabelecido, com base na retenção
de CO2 observada em pacientes com DPOC, quando VEF1 era menor
que 0,8 litros16.

Quadro 1 - VEF1 estimado pós-operatório.

VEF1-EPO = VEF1 x % PERFUSÃO CONTRALATERAL

O VEF1 estimado pós-operatório (VEF1-EPO) é melhor fator de


previsão de risco do que mensuração pré-operatória desse critério. Além
disso, sua determinação, em percentual, é mais precisa do que em valores
absolutos. Dessa maneira, pacientes com VEF1-EPO inferior a 35%-40%
são de alto risco para evoluírem com graves complicações, incluindo morte,
depois de procedimento com ressecção pulmonar.
Uma simples avaliação da função residual do pulmão pode ser
obtida, admitindo-se que todos os 19 segmentos pulmonares contribuem
igualmente para o funcionamento do pulmão. Assim, o VEF 1-EPO
(como outras variáveis) pode ser calculado no pré-operatório, conforme
a equação 1-S/19; na qual S é o número de segmentos que serão

252
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

removidos na cirurgia 24. Por exemplo, com um VEF 1 pré-operatório


de 70% e, sendo S igual a 3 segmentos, verifica-se redução de 16%
na função pulmonar. Da mesma forma, o VEF 1 reduz 16%, passando
de 70% para 58,8%. Outra forma de se aferir o VEF 1-EPO é através
do estudo pré-operatório da perfusão pulmonar, pela cintilografia
pulmonar.
Outros testes que avaliam a função diferencial do pulmão incluem a
broncoespirometria, teste da posição lateral e a oclusão total da artéria
pulmonar unilateral. Todos são invasivos e requerem equipamento
especializado e nível alto de técnica para realizá-los. Por essas razões e
pelas vantagens da cintilografia ventilação-perfusão, esses testes não são
rotineiramente realizados durante avaliação pré-operatória do paciente
candidato à ressecção pulmonar.

Terceira Fase: Teste de Exercícios

Se o paciente apresenta um baixo VEF1-EPO , <0,8 a 1 litro ou <


35% a 40% dos valores previstos, ele é considerado de alto risco e necessita
de avaliação adicional. Essa avaliação pode ser feita com bastante acurácia,
por meio do teste de exercício.
O teste de exercício estimula todo o sistema cardiovascular e o
sistema de oferta de oxigênio, promovendo uma boa estimativa da reserva
cardiopulmonar. A ergoespirometria consiste em se obter a capacidade
aeróbica máxima do paciente, por meio do incremento de exercícios em
bicicleta ergométrica ou esteira, enquanto a mensuração dos gases
exalados pode determinar os seguintes parâmetros: consumo de oxigênio
(VO2); consumo de oxigênio máximo (VO2 max); débito de dióxido de
carbono e ventilação minuto. Para fins clínicos e de reabilitação, são
satisfatórias as medidas indiretas do VO 2, com normogramas e fórmulas.
A capacidade aeróbica máxima (VO2 max) ou consumo máximo de
oxigênio é definido como o ponto em que não mais ocorre qualquer aumento
adicional de consumo de oxigênio, apesar do incremento da carga de
esforço durante a realização do teste ergométrico. Ela é atingida quando
há aproximação da freqüência cardíaca máxima do indivíduo. Esse
parâmetro varia com a idade e pode ser calculado pela fórmula FC max =

253
Medicina Perioperatória

220 - idade ± 10. Durante o teste, quanto mais rapidamente se atinge a


FC max, menor é o VO2 max, e pior o condicionamento físico do paciente.
Por outro lado, os bem condicionados são aqueles que demoram a atingir
sua FC max. Eles apresentam, por conseguinte, um elevado VO 2 max.
Como é necessário atingir um platô, na verdade, o que se determina,
habitualmente, é um pico de VO2, no esforço máximo atingido. A relação
FC e % VO2 max é dada pela fórmula % VO2 max = 1,41 (% FCmax -
42). Isso equivale a dizer, por exemplo, que, quando se atinge 80% da FC
max, o VO 2 max encontra-se em 70% do seu máximo.Assim, para
indivíduos do sexo masculino, acima de 40 anos, VO2 max em torno de 25
ml.kg-1.min-1 (100%), é relativa a uma capacidade aeróbica máxima
classificada como regular 25. Valores de VO2 max < 10 ml.kg -1.min-1(<
40%) caracterizam pacientes de altíssimo risco de complicações, dentre
as quais está a morte pós-operatória26 .
Um teste simples, como subir degraus, mostra-se muito
importante, para se valiar a reserva pulmonar de candidatos à ressecção
pulmonar 27 e a sua tolerância ao exercício. Vários estudos têm
observado um número reduzido de complicações pós-operatórias
cardiopulmonares, em cirurgias torácica e abdominal alta, quando o
paciente foi capaz de subir mais e 3 a 5 lances de escada . O contrário
aconteceu, quando o paciente não conseguiu atingir 1 lance 28. Apesar
de a subida de degraus possibilitar a mensuração da capacidade ao
exercício e apresentar valor preditor para complicações pós-
operatórias, mais estudos precisam determinar se esse exercício pode
suplantar os testes de exercício mais sofisticados.
O quadro 2 representa o algoritmo para avaliação pré-operatória do
paciente candidato a ressecção pulmonar:

Profilaxia de Complicações Pulmonares em Pacientes


Pneumopatas

Algumas medidas de ordem geral e de suporte são recomendadas.


O abandono do hábito de fumar 6 a 8 meses antes da cirurgia é
preconizado, porém sua suspensão por 2 meses é suficiente para
aumentar o VEF 1 e melhorar medidas de pequenas vias aéreas,

254
Avaliação Pré-Operatória do Paciente Pneumopata

Quadro 2 - Algoritmo para avaliação de pacientes candidatos a ressecção pulmonar.


VEF1=Volume expirado em 1 segundo, VEF1-EPO=Volume expirado forçado em 1
segundo,CDPCO=Capacidade de difusão pulmonar ao monóxido de carbono,
CDPCO-EPO=Capacidade de difusão esperada pós-operatório,VO2max= Consumo
de oxigênio máximo, VO2max-EPO=Consumo de oxigênio esperado pós-operatório

TESTES DE FUNÇÃO PULMONAR


VEF1 < 60% VEF1 >60%
CDCO < 60% CDCO >60%

CINTILOGRAFIA PULMONAR
PREVISÃO FUNÇÃO PULMONAR PÓS-OPERATÓRIA CONSIDERAR
VEF1-EPO<40% VEF1-EPO >40% CIRURGIA
CDCO-EPO<40% CDCO-EPO>40%

TESTE DE EXERCÍCIO
MENSURAÇÃO DA CAPACIDADE AERÓBICA
VO2 max > 15ml/kg/min
VO2-EPO >10ml/kg/min
SOBE > 3 lances (54 degraus)

contribuindo, favoravelmente, para a evolução do pós-operatório 29.


Associada a isso, uma intervenção medicamentosa com β2-agonistas
(salbutamol em aerosol, administrado 90 minutos antes da cirurgia),
corticoesteróides (predinisona 1 mg.kg-1.dia -1 uma ou duas semanas
antes do procedimento ou 100 mg de hidrocortisona, de 8 em 8 horas,
iniciando na noite anterior à cirurgia) e antibióticos que, quando indicados,
reduzem a incidência de eventos respiratórios como o broncoespasmo.
Fisioterapia respiratória, prevenção do tromboembolismo pulmonar e a
escolha de técnicas anestésicas que incluam a anestesia regional e o
controle da dor pós-operatória 30-33 diminuem as complicações pós-
operatórias, tais como atelectasia, pneumonia e falência respiratória, e,
por sua vez, a internação prolongada.

255
Medicina Perioperatória

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Medicina Perioperatória

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258
Avaliação Pré-Anestésica do
Paciente Pediátrico
Ana Maria Menezes Caetano, TSA/SBA*
Nádia Maria C. Duarte, TSA/SBA**
Marcelo Neves Silva, TSA/SBA***

A avaliação e a preparação pré-operatória do paciente pediátrico


são basicamente similares àquelas dos adultos, sob o ponto de vista
fisiológico. Entretanto, a preparação psicológica é diferente, pois a criança
não tem a experiência de estar em hospitais, tendo, na sua perspectiva, o
tamanho do ambiente, odores e níveis de ruídos superestimados. A criança
tem medo da dor, de agulhas e da separação dos pais, e pode ter dificuldade
em entender a necessidade de hospitalização e cirurgia. Faz-se necessária
uma abordagem específica e orientada para a criança, por parte do aneste-
sista, cirurgião, enfermeiras e pais. A avaliação pré-operatória normalmente
é simplificada, uma vez que os conceitos básicos de como avaliar uma
criança são entendidos1.

* Responsável pelo CET/SBA do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)


Mestre em Saúde Materna Infantil
** Co-responsável pelo CET/SBA do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)
Presidente da Comissão de Educação Continuada da SBA
Presidente do Comitê de Reanimação e Atendimento ao Politraumatizado da SBA
*** Anestesiologista do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)
Medicina Perioperatória

A preparação inadequada da criança e de seus familiares fre-


qüentemente leva a uma indução anestésica traumática e difícil, tanto para
a criança como para o anestesiologista, com a possibilidade de distúrbios
psicológicos pós-operatórios2.
A avaliação pré-anestésica do paciente pediátrico tem como objetivos
conhecer a condição clínica e estabelecer a relação médico-paciente com
a criança e seus pais. É importante que o responsável pela criança conheça
o anestesiologista e saiba qual é o seu papel no contexto perioperatório.
Pesquisa realizada na Inglaterra mostrou que apenas 65% dos pacientes
sabem que o anestesiologista é médico. Sobre as suas funções, na cirurgia,
43% acham que o anestesista “bota pra dormir”; 20%, que alivia a dor;
17%, que administra medicações e apenas 5% sabem que o anestesiologista
monitora e controla sinais vitais3. Esta visão pode ser mudada com uma
visita pré-anestésica padrão4.
Antes da cirurgia, é essencial discutirem-se os riscos anestésicos em
termos claros. Deve-se ter o cuidado em descrever para os pais, exatamente,
as medidas que serão tomadas para uma estrita monitorização e segurança
da sua criança. Para ajudar a diminuir a ansiedade dos pais, é importante
mencionar detalhes específicos e o propósito dos vários monitores,
demonstrando que a criança será anestesiada com o máximo de segurança e
cuidado. O aparelho de pressão irá “checar a pressão arterial”; o monitor
eletrocardiográfico irá “ver os batimentos cardíacos”; um estetoscópio irá
“nos ajudar a ouvir os sons do coração;, um oxímetro de pulso irá “medir o
oxigênio do sangue”; um analisador de dióxido de carbono “vai monitorizar a
respiração” e um cateter intravenoso será mantido para “administrar os líquidos
e medicações que forem necessários”. Os pais devem ter ampla oportunidade
de fazer questionamentos durante essa avaliação pré-operatória5.
Alguns estudos demonstram que é a anestesia o fator mais temido
pelo paciente, em uma cirurgia e, da anestesia, anestesia, seus piores temores
são: os riscos de consciência intra-operatória; dor e não acordar mais; sendo
esses ainda maiores do que a preocupação com a qualificação do
anestesiologista6.
Há mais de trinta anos, Egbert et. al. mostraram que a visita pré-
anestésica é tão eficiente em reduzir a ansiedade quanto a pré-medicação,
melhorando, inclusive, a qualidade da analgesia pós-operatória7,8. Os

260
Avaliação Pré-Anestésica do Paciente Pediátrico

pacientes com visita pré-anestésica têm um menor índice de complicações


e suspensão de cirurgia9.
Independentemente da forma como é feita a avaliação pré-anestésica,
a entrevista pré-operatória deve prever os seguintes objetivos:

1. Obter detalhes essenciais da doença atual e da história médica da


criança;
2. Avaliar os potenciais fatores de risco anestésico e discutir com os
pais e a família a possibilidade desses riscos e seu tratamento;
3. Iniciar um plano anestésico que seja aceito pela criança e por
seus familiares (incluindo procedimentos e monitorização invasiva)
e obter o consentimento informado dos mesmos;
4. Discutir sobre da recuperação, analgesia pós-operatória e
planejamento da alta, além de responder aos questionamentos
feitos;
5. Diminuir a ansiedade e estabelecer a confiança com o paciente e
sua família;
6. Oferecer formas para que todos os procedimentos que não são
familiares ao paciente venham a se tornar procedimentos de
rotina10.

A avaliação pré-anestésica inicia-se com a história e o exame físico.


Conversando com os pais e diretamente com as crianças maiores, deve-se
perguntar sobre as doenças pré-existentes, medicações em uso, experiências
anestésicas anteriores, bem como alergias medicamentosas e alimentares.
Enquanto essa conversa é realizada, o anestesista vai avaliando o grau de
ansiedade da criança em relação à presença médica e à possibilidade de
separação dos pais; aí se começa a decidir se o paciente será pré-medicado.
A história e o exame físico determinarão a necessidade, ou não, de
exames complementares11. A história deve ser bem dirigida, não deixando
escapar informações importantes e nem perder tempo com informações de
pouca relevância (p.ex: em um lactente, a história da gravidez materna e
prematuridade são importantes, mas para um adolescente, não).
É de vital importância investigar as experiências anestésicas
anteriores, além da história familiar de anestesia (p.ex: hipertermia maligna).

261
Medicina Perioperatória

Durante a entrevista pré-operatória, o anestesiologista deve ter tempo


suficiente para avaliar condições como: prematuridade, malformações
congênitas, doenças inerentes, distúrbios respiratórios (apnéia, asma,
aspiração e infecções), ansiedade da separação, lesões dentárias, transfusão
sanguínea, mudanças comportamentais, necessidade de readmissão
hospitalar e ventilação mecânica prolongada. Deve ainda determinar quais
os possíveis problemas que podem ocorrer no intra e pós-operatórios e qual
a melhor forma de contorná-los10.
Disfunção respiratória com risco de apnéia é a seqüela mais comum
da prematuridade. Existem controvérsias com relação à idade em que esses
prematuros não correm mais o risco de apnéia pós-operatória, variando de
44 a 60 semanas pós- conceptuais12,13. Outros fatores pré-operatórios podem
ser preditivos para complicações pós-operatórias, tais como: presença da
síndrome da angústia respiratória; displasia broncopulmonar, história de canal
arterial patente ou apnéia pré-operatória14. São ainda citados como fatores
de risco, para complicações pós-operatórias: apnéia mista (central e
obstrutiva), levando à baixa saturação de oxigênio15; apnéia associada a
hematócrito baixo16; apnéia associada à idade pós-conceptual menor que
49 semanas; síndrome da angústia respiratória do recém-nascido; suporte
ventilatório e anemia17.
Após o exame físico geral, examina-se, mais detalhadamente, a
criança, sendo importante a avaliação das vias aéreas, auscultas respiratória
e cardíaca. O exame das vias aéreas, na criança, além de prever dificuldade
de intubação traqueal, pode prever uma dificuldade de ventilação. Devem-
se investigar alterações na voz (disfonia), história de estridor, presença de
macroglossia e de micrognatia, abertura da boca e doenças que dificultam
o acesso às vias aéreas, como trauma e síndrome de Pierre Robin18,19.
No exame do aparelho respiratório devem ser avaliadas a freqüência
e qualidade das respirações, a presença de sons respiratórios, tosse, estridor
sibilos e secreção nasal purulenta, que denunciem uma infecção de vias
aéreas superiores (IVAS) 20. A presença de IVAS está associada a
complicações transoperatórias, como laringoespasmo (17/1000 sem IVAs
contra 99/1000 com IVAS), broncoespasmo (4/1000 sem IVAS contra 41/
1000 com IVAS)21,22. Recomenda-se a suspensão de cirurgias, em crianças
com IVAS com rinites purulentas, que estão piorando clinicamente e com

262
Avaliação Pré-Anestésica do Paciente Pediátrico

sintomas de infecção de vias aéreas inferiores. Já àquelas com IVAS em


fase inicial e com rinite com secreção clara não é recomendada a suspensão
da cirurgia23. Em literatura menos recente, sugeria-se que, se fosse decidido
pela suspensão da cirurgia, esta deveria ser adiada por 6 a 8 semanas,
tempo em que a via aérea volta a ter uma reatividade normal24. Felizmente,
a literatura atual, após evidenciar melhor os riscos e complicações
perioperatórias relacionados à IVAS, sugere que, antes de se decidir por
suspensão da cirurgia, devem ser pesados os riscos (história de asma,
necessidade de intubação traqueal, congestão nasal, secreção copiosa, pais
fumantes, cirurgia abrangendo via aérea e história de prematuridade) e os
benefícios (premência da cirurgia, cirurgia já cancelada várias vezes, pais
que moram longe e conforto do anestesiologista em executar a anestesia).
Se a decisão for pela suspensão, deve-se protelar o procedimento por 4
semanas25-28. Suspender uma cirurgia por uma infecção simples de vias
aéreas superiores não ajuda em nada a criança. Além disso, complicações
como laringoespasmo, broncoespasmo e dessaturação da hemoglobina são
eventos previsíveis e facilmente tratáveis; para se ter uma idéia do problema,
precisariam ser suspensas 2.000 cirurg, para se evitarem cerca de 15
laringoespasmos29.
A redução da ansiedade é obtida com uma visita pré-anestésica
eficiente e esse efeito pode ser potencializado com o uso de medicação
pré-anestésica. O anestesista pediátrico tem dois pacientes: o que ele vai
anestesiar e os pais. Conhecer o anestesista e os procedimentos que vão
ocorrer, reduz essa ansiedade. A criança muitas vezes demonstra a sua
angústia de forma subjetiva, com graus variáveis de tensão e preocupação,
com ou sem choro. A ansiedade dos pais também se reflete na criança30.
Esse estado mental pode ativar a resposta metabólica ao stress, com todas
as repercussões negativas, como aumento de cortisol e epinefrina por até
duas semanas31-33.
De acordo com a faixa etária, a ansiedade das crianças apresenta
graus diferentes e tem três grandes fatores:

• O medo da separação dos pais, que afeta principalmente crianças


de 1 a 3 anos e pode ser reduzido com sedação, com a apre-
sentação prévia ao seu anestesista e com o acompanhamento dos

263
Medicina Perioperatória

pais até a porta do centro cirúrgico34. Dados da literatura são


conflitantes quanto ao benefício para a criança da presença dos
pais, durante a indução anestésica35;
• O medo do desconhecido, típico das crianças maiores, que pode
ser amenizado com a apresentação dos materiais que serão
utilizados na anestesia, como máscara e balão, e mesmo mostrando
vídeos de como é o centro cirúrgico;
• E o medo de agulhas, que pode ser diminuído com pré-medicação36,
com os patchs de misturas eutéticas de anestésico local, que irão
reduzir a dor da punção, mas não a aversão que as crianças têm
ao procedimento.

Na realidade, as crianças querem que seu médico anestesista lhes


garanta que não vai doer (nem antes e nem depois), que vão dormir durante
toda cirurgia e depois acordarão e retornarão para o convívio familiar37.
Durante a consulta pré-anestésica, deve-se programar o jejum pré-
operatório da criança. Enquanto o broncoespasmo tem clara relação com a
síndrome de Mendelson, especialmente com um pH menor que 2,5 e um
volume maior que 0,4 mL/Kg, o jejum prolongado deve ser evitado, pois
aumenta a ansiedade, a incidência de desidratação e de hipoglicemia. A ingestão
de líquidos claros, mesmo em quantidades maiores, reduz o volume gástrico e
aumenta o pH do volume remanescente no estômago38,39. Pacientes saudáveis
têm uma meia-vida de esvaziamento gástrico com líquidos claros de 15 minutos.
Leite deve ser considerado um alimento sólido e, segundo alguns autores, o
leite materno, quando aspirado, é tão prejudicial quanto os outros leites e tem
seu tempo de esvaziamento gástrico influenciado pela alimentação materna,
por isso deve ter o mesmo período de jejum que outros leites40-42. A rotina de
jejum adotada atualmente pela maioria dos autores é a seguinte:

• Líquidos claros podem ser ingeridos livremente até 2 horas antes


da cirurgia, para crianças de todas as idades;
• Leite de peito ou formulado pode ser ingerido até 4 horas antes da
cirurgia, para crianças menores de 3 anos de idade;
• Crianças acima de 3 anos, o jejum deve ser de 6 a 8 horas, para
alimentos sólidos ou leite10.

264
Avaliação Pré-Anestésica do Paciente Pediátrico

Os exames laboratoriais são complementares e servem tão somente


para confirmar ou afastar suspeitas feitas durante a história e o exame
físico. Rotinas de laboratório só aumentam os custos e devem ser solicitadas
de acordo com a doença do paciente43-45.
Pacientes saudáveis que vão se submeter a cirurgias ambulatoriais
não precisam de exames laboratoriais de rotina46.
Hematócrito e hemoglobina só devem ser solicitados para crianças
menores de um ano que tenham suspeita de anemia falciforme ou que
apresentem doenças sistêmicas, sendo questionada a sua solicitação rotineira
até para cirurgias maiores47.
O coagulograma e o estudo das plaquetas só devem ser solicitados
se houver história de coagulopatia na família ou do próprio paciente48.
O pedido de sumário de urina só deve ser feito, se houver suspeita de
infecção ou se a cirurgia abranger o trato urinário49.
A radiografia de tórax é necessária somente para crianças
pneumopatas ou para aquelas que irão se submeter à ressecção pulmonar50.
O teste de gravidez, em uma jovem adolescente, antes de cirurgia
eletiva, é controverso, por questões de confidencialidade da vida sexual da
mesma; porém, nos Estados Unidos, 40% dos anestesiologistas solicitam
esse teste, rotineiramente, às pacientes adolescentes43.
Apesar da grande evidência de que os exames laboratoriais feitos de
rotina, no período pré-operatório, são injustificados, essa prática ainda
continua em vários centros. A abrangência desses testes não seletivos é
muito baixa e a sua solicitação rotineira não é recomendada, pois não justifica
os custos, o desconforto e o potencial processo judicial43.

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268
Cuidados Perioperatórios do
Paciente Geriátrico
Sérgio Luiz do Logar Mattos, TSA/SBA*
Geraldo Augusto de Mello Silva, TSA/SBA**

De uma forma geral, existe uma multiplicidade de fatores que influ-


enciam o fato de alguém ser considerado idoso. Aqui podemos incluir fato-
res psicológicos, genéticos, patológicos, econômicos e sociais1.
O Estatuto Brasileiro do Idoso define como idoso aquele indivíduo
que possui 60 anos de idade ou mais. Entretanto, a literatura médica usa
com mais freqüência o limite de 65 anos de idade.
No Brasil, o perfil etário da população vem se alterando gradual-
mente, aproximando-se da tendência observada na maioria dos países
ocidentais. Com as significativas quedas nas taxas de fecundidade e na-
talidade, o crescimento demográfico é, de forma geral, cada vez menor

* Co-Responsável pelo CET do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ


Médico Anestesiologista do Hospital Universitário Pedro Ernesto – UERJ
Médico Anestesiologista do Hospital do Andaraí – MS – RJ
** Prof. Adjunto de Anestesiologia do Depto de Cirurgia Geral da FCM – UERJ
Co-Responsável pelo CET do Hospital Universitário Pedro Ernesto
Mestre em Farmacologia Básica e Clínica pela UFRJ
Doutor em Ciências pela UERJ
Medicina Perioperatória

desde a década de 70, embora com diferenças significativas entre as


classes sociais e as diferentes regiões do país. Entre 1993 e 2003, o con-
tingente de crianças e adolescentes com até 14 anos de idade caiu signi-
ficativamente em relação às demais faixas etárias da população2. Ao
mesmo tempo, os censos mostram um aumento expressivo na participa-
ção dos idosos, elevando a expectativa média de vida do brasileiro para
71,3 anos, em 2003.
As projeções do censo populacional realizado pelo IBGE para o pe-
ríodo compreendido entre 1980 e 2050 antecipam um crescimento da popu-
lação brasileira de idade superior aos 80 anos maior que 2000% para os
homens e 3000% para as mulheres, ao final deste período2.
Se considerarmos algumas estatísticas norte americanas3 que infor-
mam que 1/3 de todos os procedimentos cirúrgicos são feitos em pacientes
nesta faixa etária, é de se esperar um aumento significativo na demanda
cirúrgica da população geriátrica, nas próximas décadas.

Compreendendo o Envelhecimento

O processo biológico do envelhecimento reflete uma interação entre


a herança genética e o meio ambiente. Sabemos que enormes variações
fenotípicas existem em pessoas com os mesmos genes e que a expressão e
função genética são profundamente modificadas por fatores ambientais.
Assim, enquanto a expectativa máxima de vida parece ser geneticamente
determinada, a capacidade de atingi-la, em boa forma, é largamente influ-
enciada pelo meio ambiente e pelo estilo de vida.
Existem várias teorias para explicar o envelhecimento. Uma de-
las sugere tratar-se de um fenômeno tempo e probabilidade dependen-
te. Erros aleatórios de síntese protéica1, devido à falha de transcrição
ou translação do ácido nucleico, que eventualmente se acumulariam,
poderiam comprometer a função celular. No entanto, não existem evi-
dências de que as células dos indivíduos idosos contenham mais proteí-
nas defeituosas do que as células dos jovens. Outra teoria propõe a
existência de mecanismos pré-determinados, como um “relógio biológi-
co” para cada espécie, levando a uma gradual incapacidade funcional
celular em reparar danos e mutações no DNA 4. Embora exista alguma

270
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

relação entre longevidade e capacidade de reparo do DNA, não exis-


tem evidências de que essa relação esteja universalmente comprometi-
da nos idosos.
Outro mecanismo possível envolveria os telômeros5, - seqüências
terminais do DNA relacionadas à manutenção da estabilidade
cromossomial-, que se encurtariam em cada divisão celular. Quando es-
ses telômeros atingissem um comprimento crítico, a divisão celular sim-
plesmente cessaria, limitando o número de vezes que uma célula poderia
se dividir.
Muitos pesquisadores também têm analisado cuidadosamente o pa-
pel da fosforilação oxidativa1, sugerindo que o aumento progressivo de de-
feitos no DNA mitocondrial poderia levar a um declínio da capacidade
energética da célula e à constante redução na eficiência com que os radi-
cais livres, como o superóxido, rotineiramente produzido na mitocôndria,
durante o metabolismo aeróbico, seriam retirados do citoplasma. Esses
radicais livres parecem danificar os ácidos graxos insaturados, os compo-
nentes do ácido nucleico e as ligações protéicas, eventualmente alterando a
microarquitetura celular. A Dismutase Superóxido, considerada a mais im-
portante enzima carreadora de radicais livres, de fato está presente, em
maiores concentrações, nas células humanas do que nas células de espéci-
es com vida de menor duração.
Uma proposta mais recente sugere uma combinação entre as teori-
as, defendendo que o envelhecimento celular é devido a uma insuficiência
progressiva da capacidade geneticamente determinada de reparar os da-
nos do DNA provocado pelos radicais livres.

Alterações Fisiológicas do Envelhecimento

As implicações do envelhecimento da população, para a prática da


anestesiologia, são profundas e diversas. As alterações fisiológicas e
farmacológicas do avançar da idade, se já não constituem impedimento
para a realização de uma anestesia segura, não deixam de afetar cada
aspecto dos cuidados perioperatórios, exigindo do anestesiologista um co-
nhecimento amplo das suas implicações, bem como das doenças relaciona-
das à idade.

271
Medicina Perioperatória

Sistema Nervoso Central

Existem algumas alterações anatômicas do SNC que estão presen-


tes de forma quase universal nos idosos, embora não haja uma relação
clara destas com o declínio funcional normalmente atribuído ao envelheci-
mento. A partir da 6ª década de vida acontece uma rápida redução da
massa cerebral, que chega a ter o seu peso reduzido em 18% aos 80 anos
de idade4. Essa redução se deve principalmente a uma perda da densidade
neuronal e não, por atrofia das células gliais de suporte, reduzindo-se de
forma marcante a relação entre a substância cinzenta e a substância bran-
ca. Tradicionalmente, acredita-se em uma perda de cerca de 50.000 neurônios
por dia4 , onde alguns autores defendem que essa menor densidade neuronal
se deva mais à redução do volume de cada neurônio do que à simples
diminuição da quantidade destes. Esse fenômeno não é generalizado, ao
contrário, ocorre especialmente naquelas áreas envolvidas na síntese de
neurotransmissores, como a córtex cerebral e cerebelar, tálamo, lócus
ceruleus e gânglios da base. Isso, provavelmente, explica a redução na
síntese de neurotransmissores como: noradrenalina, serotonina, dopamina,
acetilcolina e tirosina, cuja diminuição é acompanhada por um aumento
daquelas enzimas responsáveis pela sua degradação pós-sináptica, como
MAO e COMT. Observa-se ainda uma diminuição do número de recepto-
res serotoninérgicos, no córtex cerebral; da dopamina, no núcleo estriado e
na substância nigra; e da acetilcolina, em diversas regiões do cérebro. A
redução da massa cerebral é acompanhada por uma diminuição proporcio-
nal do metabolismo, do fluxo sangüíneo cerebral e, compensatoriamente, de
um aumento no volume do LCR. A regulação vascular cerebral, em respos-
ta às variações metabólicas, permanece intacta, assim como em resposta
às variações da PA e alterações ventilatórias. Entretanto, pacientes com
fatores de risco para AVC e aterosclerose têm uma menor reatividade
vascular, principalmente à hipóxia. A “plasticidade” neuronal4, que é a ca-
pacidade do cérebro em formar novas vias para compensar lesões neurais,
está presente no idoso, embora mais lenta e menos completa.
A etiologia dessas mudanças ainda não está totalmente esclarecida
e, assim como para outros sistemas, permanece a dificuldade em distinguir
os efeitos do envelhecimento daqueles outros efeitos provocados pelas do-

272
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

enças relacionadas à idade. Da mesma forma que a Doença de Alzheimer,


cujas manifestações eram antes consideradas como próprias da senilidade,
outras disfunções neurológicas, principalmente aquelas com base neuro-
humoral, podem representar uma entidade clínica em separado.
Os aspectos gerais dessas alterações se traduzem num aumento sig-
nificativo da sensibilidade aos agentes anestésicos. Por outro lado, funções
mais complexas, como linguagem, personalidade, compreensão e memória
de longo prazo são bem mantidas em pessoas saudáveis pelo menos até a
8ª década de vida.

Sistema Nervoso Autônomo

O SNA também é afetado pela idade, com importante perda neuronal


nos gânglios simpáticos e parassimpáticos, perda essa acompanhada de
fibrose dos neurônios simpáticos periféricos, ao mesmo tempo em que
sereduz a sensibilidade dos receptores adrenérgicos, resultando em um au-
mento do nível de catecolaminas plasmáticas e do débito da medula adrenal.
Relatos mostram um aumento nos níveis de noradrenalina, em, aproxima-
damente, 60 % entre os 20 e os 70 anos de idade3. Os níveis de adrenalina
são muito variáveis e não demonstram uma relação estreita com o envelhe-
cimento, embora, aos 80 anos de idade, a massa da adrenal seja 15% me-
nor4.
Os agentes beta agonistas, por sua vez, são incapazes de aumentar,
de forma efetiva, a força e a velocidade de contração das fibras miocárdicas,
bem como a freqüência de descarga dos tecidos cardíacos excitáveis.
Todos esses efeitos comprometem amplamente as respostas
autonômicas responsáveis pela manutenção da estabilidade hemodinâmica,
durante uma anestesia, resultando estarem os idosos muito mais suscetíveis
a fazerem episódios hipotensivos que podem ser de difícil tratamento.

Termorregulação

Inicialmente, a queda da temperatura corporal provoca uma res-


posta autonômica de vasoconstricção periférica, com o intuito de re-
duzir a perda de calor para o meio ambiente. Agravando-se a

273
Medicina Perioperatória

hipotermia, normalmente a 1 grau abaixo do nível necessário para de-


sencadear a vasoconstricção, começam os tremores (shivering), cuja
função é provocar um aumento da taxa metabólica e da produção de
calor 1.
Os pacientes idosos são incapazes de regular sua temperatura
corporal com a mesma eficiência e, em geral, não apresentam vaso-
constricção ou tremores até temperaturas inferiores às normalmente
necessárias para desencadear essas respostas. A relação entre idade e
a redução na capacidade de termorregulação não é linear e não ocorre
em todos os pacientes. No entanto, é de se esperar que pacientes com
mais de 80 anos apresentem episódios mais freqüentes e mais severos
de hipotermia. A anestesia altera a resposta termorreguladora, em to-
dos os pacientes, esperando-se um efeito mais pronunciado nos paci-
entes idosos. Nestes, uma vez estabelecida, a hipotermia provoca maior
redução da CAM e do clearence dos anestésicos, explicando um efeito
mais intenso e mais prolongado desses agentes1. Foi também observado
que a hipotermia, em pacientes geriátricos, provoca um aumento na in-
cidência de isquemia miocárdica, que não está relacionado à ocorrên-
cia de tremores, parecendo melhor associada ao aumento dos níveis
circulantes de noradrenalina6. Outro problema é um importante aumen-
to do risco de infecções, muito bem documentado em estudos de cirur-
gias colo-retal, nas quais aqueles pacientes que receberam um aqueci-
mento intra-operatório agressivo apresentam um risco três vezes menor
de desenvolverem infecções e costumam ter alta hospitalar, em média,
2 dias antes 1.

Composição Corporal e Metabolismo

Aos 60 anos de idade, o peso corporal é cerca de 25% maior nos


homens e 18% maior nas mulheres4. A partir dessa idade, entretanto, o
peso retorna rapidamente aos seus níveis de anos anteriores, ampliando-se,
no entanto, as alterações na composição corporal, com uma perda impor-
tante da massa muscular e da água total, em contraste com o aumento do
tecido adiposo, importante depósito dos agentes anestésicos. A oferta de
glicose deve ser cuidadosamente monitorada, já que o metabolismo desta

274
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

pode estar alterado, mas a hiperglicemia não parece ser mais freqüente ou
mais grave nos pacientes idosos.

Sangue

A idade não provoca alterações significativas nos índices


hematológicos e na coagulação; dessa forma, a presença de anemia ou
distúrbios de coagulação estão sempre relacionados a algum processo pa-
tológico. Em contraste, a susceptibilidade aumentada às infecções denota
um comprometimento da resposta imunológica, provavelmente relacionada
a uma deficiência no funcionamento dos linfócitos T. A resposta
neuroendócrina ao stress, no entanto, está mantida de uma forma geral.

Fígado

Com o envelhecimento, ocorre uma redução na massa do fígado,


que chega a 40% do seu peso total, aos 80 anos de idade5. Os fluxos san-
güíneos esplâncnico e hepático estão reduzidos proporcionalmente a essa
menor massa. Isso acaba por afetar os testes de função hepática, sendo
demonstrado que mesmo pessoas saudáveis apresentam alteração do Tes-
te de Retenção da Bromossulfaleína. Podem ocorrer algumas alterações
importantes, principalmente envolvendo a fase oxidativa do metabolismo
das drogas, ocorrendo diminuição do clearence de opióides, barbitúricos,
benzodiazepínicos, propofol, etomidato, relaxantes musculares e outras dro-
gas. A função da colinesterase plasmática também pode apresentar-se
moderadamente comprometida.

Rins

Após os 50 anos de idade, começa a ocorrer uma perda de néfrons,


principalmente na córtex, da ordem de 0,5 a 1,0% ao ano, associada a uma
redução de 10%, por década, do fluxo sangüíneo renal; provocando uma
redução de 30% do peso renal até a oitava década de vida5. Essa perda de
peso só não é mais acentuada devido ao acúmulo de gordura e de tecido
fibroso ocupando o lugar dos néfrons perdidos. Esses processos combina-

275
Medicina Perioperatória

dos resultam em uma menor superfície capilar glomerular, levando a uma


queda da taxa de filtração glomerular que, no entanto, é menor do que o
esperado, pela redução observada do fluxo sangüíneo renal, ocorrendo um
aumento compensatório na fração de filtração glomerular. O clearence da
creatinina se reduz em 40%, mas os níveis de creatinina sérica permane-
cem normais, provavelmente devido a uma redução da massa muscular.
Embora suficiente para evitar a uremia, a reserva funcional renal está seri-
amente comprometida. Esses pacientes apresentam: redução da resposta
ao ADH; redução na taxa de reabsorção de glicose; incapacidade de reter
Na+ e de concentrar a urina, além de hiperaldosteronismo funcional. Os
estoques de potássio corporal estão baixos, pela redução da massa muscu-
lar, predispondo a uma hipopotassemia iatrogênica. Somando-se a tudo isso,
encontramos alterações no mecanismo da sede e na liberação de ADH,
podendo resultar em pacientes desidratados. Os rins também tornam-se
gradualmente incapazes de excretar ácidos, facilitando o aparecimento de
acidose metabólica intraoperatória.

Sistema Cardiovascular

Normalmente, as alterações provocadas pelo envelhecimento não


promovem redução do débito cardíaco mas, infelizmente, algum tipo de
doença cardiovascular está presente em 50 a 65% dos idosos4. Essas do-
enças devem ser pesquisadas mesmo naqueles pacientes completamente
assintomáticos, já que são elas as responsáveis por cerca de 50% de todas
as mortes da população geriátrica, relacionadas a algum evento cirúrgico.
Numerosas alterações em nível celular afetam o metabolismo do cálcio, o
acoplamento excitação-contração e o crescimento celular. Essas altera-
ções acabam por provocar mudanças na morfologia cardíaca e vascular,
terminando por afetar a função cardíaca. Estando descartada qualquer pa-
tologia associada, as alterações comumente encontradas no coração são:
fibrose miocárdica, espessamento da parede ventricular e calcificação
valvular. O “Framingham Heart Study”3 documentou um aumento linear
na pressão sistólica, entre os 30 e os 84 anos de idade. O aumento da
atividade do Sistema Nervoso Simpático e a redução da resposta dos re-
ceptores Beta-adrenérgicos periféricos contribuem com essa hipertensão,

276
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

que é atribuída ao espessamento das paredes arteriais e ao aumento da


resistência vascular sistêmica. Esse aumento da pós-carga provoca
hipertrofia ventricular, levando a uma maior demanda de O2 e, em
conseqüência,a uma maior susceptibilidade à isquemia miocárdica. Assim,
embora o Débito Cardíaco, em repouso, não seja afetado, a hipertrofia e o
espessamento da parede ventricular limitam a capacidade do coração de
aumentar o volume sistólico, em resposta ao stress, e diminuem a capacida-
de de enchimento dos ventrículos. Nos idosos, as alterações do volume
diastólico final, em resposta às variações positivas ou negativas na pressão
venosa central, são, normalmente, a metade daquelas observadas nos paci-
entes mais jovens3. Ao mesmo tempo, a infiltração gordurosa e a fibrose
aumentam a incidência de doença sinusal, do nódulo AV e dos defeitos de
condução ventricular. Uma menor resposta do miocárdio às catecolaminas
também contribui na redução da capacidade de adaptação a alterações de
volume e de demanda.

Sistema Respiratório

Com a idade, reduz-se a massa muscular esquelética do tórax, o qual


também se torna mais rígido, reduzindo a complacência da caixa torácica,
aumentando o trabalho respiratório e diminuindo a capacidade ventilatória
máxima3. A Capacidade Pulmonar Total não se altera mas a Capacidade
Vital (CV) se reduz; a Capacidade Residual Funcional (CRF) aumenta de 1
a 3%, por década; o Volume Residual (VR) aumenta de 5 a 10% e o Volu-
me Expiratório Forçado, em 1 segundo (VEF1), é reduzido cerca de 6 a
8%, também no espaço de 10 anos. As alterações estruturais que ocasio-
nam essas mudanças são resultado do efeito acumulativo dos danos provo-
cados pelo metabolismo oxidativo, levando a uma perda progressiva da su-
perfície alveolar e da capacidade de difusão. A reorganização do colágeno
e da elastina, no parênquima, combinada a uma menor produção de
surfactante, provoca uma redução da capacidade de retração elástica e um
aumento na Complacência Pulmonar. Em decorrência dessas alterações, o
Volume de Oclusão (VO) aumenta, ultrapassando a CRF, aos 65 anos de
idade, na posição ereta e, aos 44 anos, na posição supina5. Quando o V.O.
encarcera parte do Volume Corrente (VC), aumenta o shunt pulmonar e

277
Medicina Perioperatória

leva à queda na oxigenação arterial. Essas mudanças resultam numa queda


da Relação Ventilação/Perfusão (Va/Q) que representa o mais importante
mecanismo para o maior grandiente alvéolo/arterial de O2 observado nos
idosos. Na prática, essas alterações determinam uma menor efetividade da
pré-oxigenação, reduzindo-se o tempo disponível para a realização segura
das manobras de intubação traqueal. A menor área do leito capilar pulmo-
nar resulta num aumento da resistência vascular pulmonar e na elevação
da pressão da artéria pulmonar. Em paralelo a todas estas alterações, a
redução da atividade do Sistema Nervoso Central leva a uma gradual dimi-
nuição das respostas ventilatórias à hipóxia, hipercarbia e ao stress mecâni-
co. Assim os efeitos de drogas, como os benzodiazepínicos, opióides e anes-
tésicos inalatórios sobre a ventilação são exacerbados, merecendo, sua uti-
lização, maiores cuidados e uma vigilância mais estreita.

Fatores Preditivos de Complicações Pós-operatórias

Embora o envelhecimento represente um processo fisiológico pro-


gressivo, que produz alterações significativas nos diferentes órgãos e teci-
dos, tanto estruturais quanto funcionais, a sua ocorrência não parece com-
prometer, de forma intensa, a função basal desses órgãos, na ausência de
processos patológicos. Porém, na presença de situações críticas, a reserva
funcional desses órgãos e a sua habilidade em compensar algumas situa-
ções de stress fisiológico apresentam-se diminuídas, com o aumento da
idade .
Portanto, um dos fatores preditivos mais importantes relacionados à
ocorrência de complicações perioperatórias, nos pacientes geriátricos, pa-
rece residir exatamente na quantificação da sua reserva funcional9, que
pode ser definida como a diferença entre a função máxima exercida por
um órgão e a sua função basal.
Alguns autores têm preconizado o teste ergométrico, com bicicleta
supina, por 2 minutos, objetivando a elevação da freqüência cardíaca para
respostas superiores a 99 bpm, como um bom teste preditivo da reserva
cardiopulmonar perioperatória dos pacientes geriátricos, permitindo a
estratificação do risco pré-operatório destes. Segundo esses autores, dos
pacientes que atingiram satisfatoriamente essas respostas de freqüência,

278
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

apenas 9,3% apresentaram complicações cardiopulmonares pós-operatóri-


as e 0,9% evoluíram ao óbito. Entretanto, 42% dos pacientes que não atin-
giram satisfatoriamente esses critérios apresentaram complicações
cardiopulmonares, com 7,2% de casos letais10.
Muitos esforços bem sucedidos têm sido empregados no sentido de
se melhorar a qualidade técnica dos procedimentos anestésico-cirúrgicos
oferecidos aos pacientes idosos durante o período per-operatório, entretan-
to, a melhora do prognóstico relacionada à internação hospitalar parece
envolver também uma avaliação pré-operatória criteriosa das co-morbidades
existentes e sua efetiva compensação, a intensificação dos cuidados pós-
operatórios e a aplicação de técnicas operatórias mais rápidas e atraumáticas
para os pacientes11. Poder-se-iam acrescentar, ainda, outras medidas,
objetivando um melhor prognóstico para esses pacientes, tais como: a
profilaxia antibiótica pré e per-operatória adequada a cada procedimento
cirúrgico; a prevenção da trombose venosa profunda, por meio do uso de
heparina de baixo peso molecular associada à contenção elástica dos mem-
bros inferiores; a atenção à ocorrência de episódios anormais de confusão
mental; a prevenção do risco de quedas e a melhora do suporte nutricional
desses pacientes12.
As alterações farmacocinéticas impostas pelo processo de envelhe-
cimento afetam diretamente tanto o volume de distribuição (VD) e a meia-
vida de eliminação terminal (t1/2β), quanto a redistribuição (t1/2α) sobretu-
do das drogas mais lipossolúveis, podendo modificar a concentração
plasmática e a duração da ação de alguns medicamentos3.
Essas alterações caracterizam-se pela redução progressiva da mas-
sa corporal magra e da água corporal total, as quais são proporcionalmente
substituídos pelo aumento da gordura corporal, associados a uma redução
progressiva do débito cardíaco e das taxas de clearence hepatorrenal, Por-
tanto, tais alterações farmacocinéticas são responsáveis pela redução das
doses dos anestésicos intravenosos em, aproximadamente, 50%, e pela re-
dução da CAM dos agentes inalatórios em 25% a 75%13.
A essas modificações farmacocinéticas, podemos acrescentar tam-
bém algumas alterações farmacodinâmicas relacionadas à idade, envol-
vendo perda progressiva da área cinzenta cortical e atrofia cerebral, redu-
ção da síntese e da liberação de alguns importantes neurotransmissores no

279
Medicina Perioperatória

SNC, desmielinização das vias de condução aferentes e eferentes e


disautonomia do SNA simpático e parassimpático, com redução da capaci-
dade adaptativa reflexa, que tornam a população geriátrica particularmente
sensível à ação dos anestésicos3.
A soma dessas alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas em
conjunto com a interação de diversos medicamentos freqüentemente en-
contrados na polifarmácia comum à população idosa conspiram para tornar
o paciente geriátrico apto ao surgimento de diferentes efeitos adversos dos
medicamentos.
Existe um aumento quase linear, relacionando reações adversas a
medicamentos à idade e ao número de drogas administradas simultanea-
mente 14,15.
Um estudo recente demonstrou que, de uma população de idosos de
65 a 84 anos, 48% dos pacientes usavam regularmente algum tipo de medi-
cação, sendo que 38% deles, como auto-medicação, sem orientação médi-
ca. Os medicamentos mais freqüentemente utilizados eram: analgésicos
(23%); hematínicos (8%); anti-inflamatórios (6%); benzodiazepínicos (4%);
esteróides (2%) e hipoglicemiantes orais (1%)16.
Embora os pacientes geriátricos também possam padecer de males
comuns a outros segmentos etários, alguns autores identificaram, na popu-
lação idosa, uma prevalência maior para algumas patologias cirúrgicas, das
quais as hérnias são as mais freqüentes. Outras patologias cirúrgicas co-
muns a essa faixa etária são os problemas ortopédicos, as disfunções do
cristalino, problemas de próstata, neoplasias diversas e distúrbios da função
biliar17. O problema clínico mais comum a esses pacientes parece ser a
infecção das vias urinárias, encontrado em quase metade dos pacientes de
65 a 80 anos de idade relacionados em um outro estudo18.
Após a revisão da internação de 544 pacientes, pôde-se constatar
que, aproximadamente, 1/5 destes desenvolveu uma ou mais complica-
ções no pós-operatório, dos quais 3,7% evoluíram ao óbito durante a
internação. As principais causas dessas complicações foram de origem
cardiovascular (10,3%), neurológica (7,7%) e pulmonar (5,5%). Esses
autores sugeriram alguns critérios de avaliação clínica, como os fatores
preditivos mais importantes, na avaliação de possíveis complicações pós-
operatórias, nos pacientes geriátricos. Esses critérios contemplam os pa-

280
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

cientes cuja classificação da American Society of Anesthesiologists


(ASA) é elevada; os portadores de baixa reserva funcional, que aparen-
tam sinais clínicos de insuficiência cardíaca congestiva; os que apresen-
tem episódios de taquicardia intraoperatória e os que sejam submetidos a
cirurgias de emergência19.
Fatores como a classificação do risco anestésico-cirúrgico pela ASA
e pelo Índice de Goldman e Caldera parecem ser mandatórios, aparentando
ser índices preditivos relativamente confiáveis para complicações pós-ope-
ratórias11.
Outra dificuldade que se impõe na composição de um protocolo úni-
co para classificação de risco dessa população idosa é o fato de haver
grande heterogeneidade nesse segmento. Por exemplo: qual dos pacientes
apresentaria maior risco de complicações? Um paciente geriátrico relativa-
mente hígido, candidato a uma cirurgia de grande porte ou um paciente
gravemente enfermo, com reserva funcional baixa, para ser submetido a
uma cirurgia de menor porte?
Alguns autores, admitindo uma visão simplista da população geriátri-
ca, consideram os pacientes idosos como portadores de uma única classifi-
cação de risco. Somados aos riscos de óbito, infarto agudo do miocárdio e
insuficiência cardíaca congestiva, os pacientes mais idosos são usualmente
susceptíveis a desenvolver delírio pós-operatório, broncoaspiração, sepsis
urinária, reações adversas aos medicamentos, quedas e dificuldade no re-
torno à deambulação, para a execução das suas atividades habituais 3.

Abordagem Pré-operatória do Paciente Geriátrico

Não há dúvida de que a otimização pré-operatória dos pacientes -


através da redução das co-morbidades e, por conseguinte, da polifarmácia
que estas ensejam, assim como através da melhora do quadro funcional
orgânico e de um adequado planejamento anestésico-cirúrgico - é uma con-
dição essencial para um desfecho adequado do procedimento cirúrgico20.
A solicitação de exames complementares não parece se justificar
apenas pela idade dos pacientes, pois exames rotineiros e não direcionados
pela história, exame físico, classificação da ASA e risco cirúrgico dos paci-
entes não apresentam caráter preditivo confiável.

281
Medicina Perioperatória

Em um estudo, avaliando a prevalência e o valor preditivo de resulta-


dos anormais de laboratório, no surgimento de complicações pós-operatórias
de pacientes idosos cirúrgicos, observou-se que as alterações eletrolíticas
prévias, as contagens de plaquetas inferiores a 115.000, os níveis de creatinina
sérica superiores a 1,5mg%, as dosagens de hemoglobina inferiores a 10g%
e os níveis de glicemia superiores a 200mg% corresponderam às incidências
de complicações pós-operatórias de 0,5%, 5%, 12%, 10% e 7%, respectiva-
mente. Esses resultados foram considerados não preditivos pelos autores21.
Entretanto, a solicitação de uma radiografia de tórax, um eletrocardiograma e
uma análise da urina parece ser muito útil para uma grande quantidade de
pacientes submetidos a diversos procedimentos cirúrgicos3.
A generalização na solicitação desses exames não exclui a necessi-
dade de serem solicitados exames complementares, direcionados a patolo-
gias específicas, identificadas na visita pré-anestésica. Pode-se citar, como
exemplo, a solicitação da glicemia e da gasimetria arterial, na abordagem
pré-operatória de um paciente geriátrico obeso22.
A abordagem laboratorial do estado nutricional dos pacientes, atra-
vés da dosagem de albumina sérica, também foi proposta como índice
preditivo por um estudo do 44o Centro de Administração de Veteranos dos
EUA23. Entretanto, esses resultados devem ser complementados pela aná-
lise de algumas medidas antropométricas, tais como: índice de massa cor-
poral, medida da circunferência dos membros e peso corporal24,25,26.

Abordagem Anestésica do Paciente Geriátrico

Quanto ao tipo de anestésico ou técnica anestésica, não existe con-


senso que oriente uma conduta padronizada para os pacientes geriátricos,
prevalecendo ainda o bom senso na escolha do tipo de medicação, que
deve ser administrada de forma extremamente criteriosa. Esse conceito
aplica-se especialmente à administração de drogas intravenosas, que de-
vem ser administradas em doses reduzidas e, se possível, fracionadas,
minimizando-se, assim, o “overshoot” e os conseqüentes efeitos colaterais
da administração “in bolus” desses medicamentos.
Parece sensata a máxima que orienta que, em todo procedimento
passível de ser realizado sob anestesia local, deva-se utilizar essa técnica

282
Cuidados Perioperatórios do Paciente Geriátrico

na abordagem cirúrgica do paciente geriátrico, desde que o grau de com-


preensão e colaboração do paciente idoso o permita. A progressiva atrofia
cerebral que afeta a integração de funções complexas do SNC associada a
possíveis limitações visuais e auditivas, ocasionalmente, restringem a apli-
cação dessa técnica anestésica.
Na escolha dos anestésicos, tanto intravenosos quanto inalatórios,
deve-se optar, preferencialmente, por drogas de baixa potência que permi-
tam a titulação da sua administração de forma mais criteriosa, que apresen-
tem alguma via alternativa de metabolização e eliminação e que apresen-
tem o menor grau possível de comprometimento cardiovascular ou de inter-
ferência na pressão intracraniana.
Ainda não está claro se a anestesia regional reduz a mortalidade dos
pacientes geriátricos em comparação à anestesia geral3,27, mas acredita-se
que a anestesia regional pode proporcionar um menor tempo de internação,
associado a uma menor incidência de fenômenos embólicos, devido à recu-
peração mais precoce da consciência e à mobilização mais rápida do paci-
ente no leito11.
Uma publicação da literatura médica chinesa demonstrou que a
instabilidade cardiovascular peroperatória é significativamente maior,
quando se utilizam técnicas de anestesia geral (34,8%) em comparação
com a utilização de técnicas regionais de anestesia (15,8%), sendo tam-
bém mais freqüentes as ocorrências de complicações pós-operatórias
não-fatais (complicações cardiovasculares, pulmonares e dores na la-
ringe e faringe)28.
Independentemente da técnica anestésica aplicada, um estudo
prospectivo demonstrou a ocorrência de maior morbimortalidade cirúrgica,
no período pós-operatório, em comparação ao período peranestésico. A
morbimortalidade pós-operatória foi o dobro da peranestésica nas primeiras
vinte e quatro horas, e dez vezes maior, após seis dias de pós-operatório29.
Em resumo, a evolução bem sucedida dos pacientes geriátricos que
necessitam de tratamento cirúrgico depende não só de um procedimento
bem executado, de uma anestesia bem conduzida e de cuidados pós-opera-
tórios adequados mas, fundamentalmente, da otimização pré-operatória
desses pacientes, através do controle de suas co-morbidades e melhora da
sua hidratação, estado nutricional e reserva funcional.

283
Medicina Perioperatória

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285
Transporte de Oxigênio
Ana Cristina Pinho Mendes Pereira, TSA/SBA *

Introdução

O conceito de segurança em anestesiologia é extensivo a todo o


período perioperatório e sempre esteve relacionado ao equilíbrio entre oferta
e consumo de oxigênio (DO2 e VO2, respectivamente).
Inicialmente, as questões relativas a esse conceito limitavam-se a
aspectos técnicos, como o manuseio de vias aéreas, detecção de intubação
esofageana, suporte ventilatório, síntese de novas drogas e desenvolvimento
de sistemas e monitores capazes de aferir o grau de oxigenação e ventilação
que, indubitavelmente, contribuíram para a redução da morbi-mortalidade
perioperatória.
À medida que o ato anestésico torna-se mais seguro, entretanto, fatores
que também mantêm relação direta, porém não tão explícita, com a
otimização do transporte de O2, como a avaliação do risco e preparo pré-
operatório, grau de proteção à injúria cirúrgica, cicatrização de feridas e
prognóstico pós-operatório tardio, vêm ganhando importância significativa
dentro da especialidade.

* Anestesiologista do HC-1 / INCa e H. M. Miguel Couto


Responsável pelo Laboratório de Medicina Perioperatória do HC-1 / INCa
Medicina Perioperatória

Os avanços ocorridos na última década, com relação ao transporte


de O2, incluem a monitorização de marcadores metabólicos de hipoxia
tecidual, em especial, a PCO2 tecidual, espectroscopia quase-infravermelha,
tonometria intraluminal, PO2 urinária e saturação venosa mista, além de
novos conceitos em perfusão tecidual, reposição volêmica, hemotransfusão
e uso de agentes vasoativos.
A identificação de alterações no transporte do oxigênio aos tecidos é
uma das premências, em medicina perioperatória. Um desafio ainda maior
é o desenvolvimento de técnicas anestésicas que não só mantenham
adequada oxigenação tecidual, como corrijam um eventual déficit, sem
prejuízo ao paciente.
A evolução do conhecimento acerca da fisiologia e fisiopatologia do
transporte de oxigênio, do tratamento da hipoxia tecidual e dos avanços na área
da genômica (para identificação dos pacientes de maior risco para tal situação)
certamente contribuirão para a redução da morbimortalidade perioperatória.

Aspectos Evolutivos

Os organismos unicelulares obtêm oxigênio por difusão simples,


processo diretamente proporcional à diferença de pressão parcial e à área
de membrana, e inversamente proporcional à distância a ser percorrida
pelo gás. Há, aproximadamente, 600 milhões de anos, tais organismos
evoluíram para formas multicelulares e, à medida que se tornaram mais
complexos, desenvolveram o sistema cardiovascular, a fim de superar a
limitação da difusão simples no acesso do oxigênio aos mais distantes tecidos.
Há quatro etapas críticas, na cadeia de transporte do oxigênio: a) fluxo
através de uma superfície altamente vascularizada, como pele, brânquias
ou pulmão; b) difusão para o sangue; c)distribuição pelos diferentes tecidos
do organismo; e d) difusão para o interior da mitocôndria de todas as células.
Vale observar que essa cadeia de transporte não contraria as leis da física:
o transporte continua dependendo, em última análise, da difusão simples,ema
nível das interfaces pulmão-sangue e sangue-tecido.
O oxigênio é pouco solúvel em água e plasma. Dessa forma, a maioria
dos organismos multicelulares desenvolveu um pigmento respiratório que
se liga e carreia o oxigênio no sangue.

288
Transporte de Oxigênio

Nos invertebrados, esse pigmento (hemocianina) circula livre no


sangue; nos vertebrados, a hemoglobina permanece no interior das hemácias,
protegida da ação oxidante do meio e ligada ao oxigênio em sintonia com as
interações alostéricas e de demanda do organismo. As hemácias dos peixes,
anfíbios, répteis e pássaros são nucleadas, sendo a ausência de núcleo uma
exclusividade dos mamíferos. Há várias possíveis explicações evolutivas
para tal fato: a exclusão do núcleo aumentaria o espaço para a hemoglobina,
dentro da célula; uma célula sem núcleo seria mais leve e mais deformável;
e, a mais plausível: uma célula sem núcleo é uma célula sem mitocôndria e
sem fosforilação oxidativa, o que evita, portanto, o conflito de interesse
entre ser ao mesmo tempo carreador e consumidor de oxigênio.
As observações acima fornecem a base para a compreensão da
fisiopatologia da privação de oxigênio. A redução da oferta de oxigênio
pode ocorrer por: a) diminuição dos níveis de oxigênio do meio (fração
inspirada); b) alteração na difusão alvéolo-arterial; c) diminuição do débito
cardíaco e d) alteração na interface sangue-tecido.

Histórico

O conhecimento atual dos mecanismos envolvidos no transporte de


oxigênio da atmosfera aos tecidos periféricos remonta ao século XVI, com
o questionamento de Andreas Vesalius (1514-1564), baseado na dissecção
de cadáveres, dos ensinamentos anatômicos de Galeno. A seguir, vem a
descoberta da circulação pulmonar por Miguel Serveto (1511-1553), durante
a procura pela comunicação entre coração direito e esquerdo. Ao contrário
da noção dominante na época, Jacques Dubois, também conhecido por
Jacobus Sylvius (1475-1555), observou o fluxo de sangue venoso da periferia
em direção ao coração e Andreas Caesalpinus (1519-1603) traçou o curso
dos principais vasos sangüíneos. Tais observações levaram William Harvey
(1578-1657) a propor a teoria geral da circulação sangüínea, sem, entretanto,
explicar como o sangue passa das artérias às veias. Tal explicação só foi
possível após a descoberta dos capilares por Marcello Malpighi (1628-1694),
por meio da análise microscópica de um pulmão de sapo.
Mais um século se passou até a descoberta do oxigênio por Joseph
Priestley (1733-1804) e os experimentos de Antoine-Laurent Lavoisier (1743-

289
Medicina Perioperatória

1794), que correlacionaram o consumo de oxigênio ao metabolismo


energético. Outras peças do quebra-cabeça começaram a se encaixar,
durante o século XIX, com os trabalhos de Claude Bernard (1813-1878)
sobre metabolismo animal e Felix Hoppe-Seyler (1825-1895), que relatam
a descoberta da hemoglobina pela técnica recém desenvolvida da
espectroscopia. George Gabriel Stokes (1819-1903) foi o primeiro a
descrever as propriedades carreadoras de oxigênio da hemoglobina, e o
fisiologista John Scott Haldane (1860-1936) nos trouxe o conhecimento da
ligação do oxigênio e do monóxido de carbono à hemoglobina.
Em 1919, August Krogh explorou a relação entre a geometria capilar
e a difusão do oxigênio aos tecidos, com um modelo geométrico de
microcirculação até hoje utilizado. Avanços tecnológicos, no século XX,
produziram instrumentos capazes de medir, acuradamente, a pressão parcial
de oxigênio no plasma e a saturação de oxigênio da hemoglobina.
A aferição do conteúdo de oxigênio do sangue arterial e venoso misto,
assim como a estimativa do débito cardíaco, pela técnica da hemodiluição,
permitiram o cálculo da oferta (DO2) e do consumo de oxigênio (VO2),
pelo método reverso de Fick. Em 1984, Cain formulou o conceito da
dependência patológica, que mostra a relação linear entre DO2 e VO2.

Definições

O oxigênio deve ser transportado, eficazmente, da atmosfera aos


tecidos, a fim de se manter o metabolismo. A compreensão dos mecanismos
que envolvem o transporte de oxigênio é fundamental para o manuseio dos
pacient, no perioperatório.

Oferta de Oxigênio

A oferta global de oxigênio (DO2) é a quantidade deste ofertada ao


organismo, a partir dos pulmões. Consiste no produto entre débito cardíaco
(DC) e conteúdo de oxigênio do sangue arterial (CaO2), expresso em ml/
min:
DO2 = DC × CaO2 520-720 ml/min

290
Transporte de Oxigênio

O conteúdo arterial de oxigênio (CaO2) é representado pela equação:

CaO2 = (ê1 × Hb × SaO2) + (ê2 × PaO2),

em que Hb é a concentração de hemoglobina (g/litro); SaO2, a


saturação arterial de Hb; e PaO2, a pressão parcial arterial de oxigênio.
O conteúdo arterial de oxigênio representa a soma das duas formas
de transporte do gás. No indivíduo saudável, > 98% do oxigênio
encontra-se ligado à Hb. A capacidade de combinação do oxigênio à
Hb é representada pela constante ê1 acima (também denominada
constante de Hüfner). O valor exato dessa constante é controverso e
varia entre os autores. Em teoria, cada grama de Hb se liga a 1.39ml
de oxigênio. Na prática, a presença de formas anormais de Hb, como
carboxihemoglobina e metemoglobina, reduz a capacidade de
combinação da Hb para 1.31ml/g. O oxigênio dissolvido no plasma é
determinado pelo coeficiente de solubilidade do oxigênio à temperatura
corporal (ê2 – 0.23ml/litro) e pela PaO2. Mesmo na presença de altas
frações inspiradas de oxigênio (FiO2), a parcela deste dissolvido é
insignificante, sob pressão atmosférica normal.

Consumo de Oxigênio

Entende-se por consumo global de oxigênio (VO2) o volume deste


consumido pelos tecidos, por unidade de tempo (minuto). Em condições
aeróbicas, o oxigênio é consumido, a fim de gerar energia, de forma que o
VO2 corresponde à taxa metabólica. Medidas de VO2 são, às vezes,
utilizadas, para se verificar a adequação da DO2, com base no conceito de
que, se a DO2 é insuficiente, o VO2 torna-se dependente do suprimento. O
VO2 pode ser medido diretamente, pela análise dos gases respiratórios ou
derivado das medidas de débito cardíaco e conteúdos arterial e venoso de
oxigênio, por meio de um cateter de artéria pulmonar. Utiliza-se, para isso,
o inverso/reverso do princípio de Fick:

VO2 = DC × (CaO2 – CvO2) 100-180 ml/min

291
Medicina Perioperatória

Taxa de Extração de Oxigênio

A taxa de extração de oxigênio (TEO2) é a razão entre VO2 e DO2


e representa a fração de oxigênio ofertado à microcirculação efetivamente
consumida pelos tecidos.

TEO2= VO2 / DO2

A TEO2 normal é de 0.2 a 0.3, indicando que apenas 20 a 30% do


oxigênio ofertado são utilizados. Essa “reserva” permite ao organismo lidar
com uma redução na DO2, sem avaria, de acordo com o órgão – a do
coração é alta (~ 0.6), o que o torna particularmente sensível às reduções
da DO2 coronariana.

Hipoxia

Hipoxia consiste na deficiência de oxigênio em nível tecidual, e a


chance de ocorrer é influenciada também pela demanda (Tab.1). No
paciente anestesiado, a taxa metabólica encontra-se reduzida, de forma
que uma DO2 menor é capaz de atender à demanda tecidual; a mesma
situação se aplica aos estados de hipotermia. O paciente crítico apresenta
risco constante de desenvolver hipoxia tecidual, devido ao aumento da
demanda e redução da oferta de O2.
A partir das equações demonstradas, incluem-se entre as causas de
hipoxia:

Redução do conteúdo arterial de oxigênio (hipoxia hipoxêmica)


– pode ser causado pela diminuição da capacidade de carreamento de
oxigênio ou pela quantidade deste ligado à Hb. A primeira está mais
freqüentemente associada à queda dos níveis de Hb, embora possa ser
causada pela presença de formas anormais de Hb, como
carboxihemoglobina e metemoglobina. A segunda é conseqüência da
transferência inadequada de O2 através dos pulmões; secundária à
redução da FiO2, aos distúrbios da relação ventilação-perfusão ou
“shunts”.

292
Transporte de Oxigênio

Tabela 1 - Fatores que influenciam no VO2 e DO2

Fatores que A VO2 F Fatores que B VO2

Cirurgia
Trauma Sedação/analgesia
Queimaduras Paralisia muscular
Inflamação Choque/hipovolemia
Sepsis Hipotermia/resfriamento
Febre Ventilação mecânica
"Shivering" Desnutrição
Convulsões
Agitação/ansiedade/dor
Drogas adrenérgicas
Desmame do ventilador

Redução do fluxo sangüíneo (hipoxia isquêmica) – costuma ser


o resultado de volume circulante inadequado, disfunção cardíaca ou obstrução
focal, como uma placa de ateroma ou hiperviscosidade sangüínea.
O fluxo sangüíneo é regido pela lei de Poiseuille:

Fluxo = π∆P × R4
8η L

Essa equação enfatiza a importância da viscosidade sangüínea (η) e


do tônus vasomotor, na determinação do fluxo sangüíneo. O volume de
hemácias é o fator celular primário determinante da viscosidade sangüínea.

Incapacidade celular de utilização do oxigênio (hipoxia histo-


tóxica ou citopática) – o exemplo cássico é a intoxicação por cianeto.
Entretanto, pode ocorrer em pacientes críticos, especialmente, nos
portadores de síndrome de resposta inflamatória sistêmica (SIRS) ou sepsis,
uma vez que as células podem apresentar capacidade reduzida de utilização
do oxigênio, apesar da oferta adequada. Esse quadro pode ser causado
pela inibição da fosforilação oxidativa da mitocôndria, por substâncias como
o óxido nítrico e citocinas pró-inflamatórias. O diagnóstico dessa situação é
importante, pois as tentativas de correção da hipoxia tecidual, pelo aumento

293
Medicina Perioperatória

supra-normal da DO2, não só são ineficazes, como aumentam a demanda


por oxigênio dos tecidos não afetados, tornando-os mais susceptíveis à
hipoxia.
A redução das pressões parciais de oxigênio pode estimular o
desenvolvimento de mecanismos que visam limitar o consumo de oxigênio
somente aos processos vitais. Essa repriorização metabólica pode ser
mediada, em parte, pelos efeitos transcricionais e pós-transcricionais das
moléculas, como o fator induzido por hipoxia (HIF)-1.
Durante a hipoxia, a fosforilação proteica e alterações intracelulares
do estado redox podem ativar e estabilizar componentes do HIF-1 que, por
sua vez, reconhecem uma seqüência de DNA (elemento de resposta à hipoxia)
localizada em regiões promotoras de gens responsivos à hipoxia. O aumento
da expressão de gens responsáveis pela produção de eritropoietina ou de
enzimas importantes da via glicolítica, por exemplo, já foi demonstrado estar
relacionado à atividade do HIF-1. Os efeitos do HIF-1 podem proteger as
células, durante a hipoxia. Assim sendo, caso tais alterações sejam afetadas
por mediadores inflamatórios, conforme sugerido, os tecidos submetidos à
baixa DO2 correrão sérios riscos de sofrer os efeitos deletérios da hipoxemia.

Relação Entre oferta e Consumo de Oxigênio

Na Saúde

O sistema de transporte de O2 normalmente opera, para manter o


VO2 em condições nas quais a DO2 varia amplamente. Se a DO2 global
diminui, a TEO2 aumenta, a fim de manter um suprimento adequado de
oxigênio. Se a DO2 continua a cair, a TEO2 atinge um ponto máximo a
partir do qual não sofre aumento. Esse ponto é chamado “DO2 crítica” e,
abaixo dele, a produção celular de energia se torna limitada, pelo suprimento
de oxigênio. Qualquer redução extra da DO2 irá resultar em hipoxia tecidual,
conversão para metabolismo anaeróbio e produção de ácido láctico. A DO2
crítica não corresponde a um valor fixo, mas varia,de acordo com o órgão,
e é dependente da atividade metabólica do tecido.
A ausência de um valor constante, para a DO2 crítica, indica a
necessidade de monitorização individual da DO2 e VO2, inclusive para os

294
Transporte de Oxigênio

diferentes órgãos. Até o momento, a monitorização disponível é limitada e


inadequada. As medições globais de DO2 e VO2 e os marcadores globais
de hipoxia tecidual (acidose plasmática e lactatemia) são úteis, porém pouco
sensíveis e não-específicos. Índices regionais, como tonometria intraluminal,
espectroscopia quase-infravermelha (NIRS) e PO2 urinário, são métodos
indiretos promissores de monitorização tecidual.

Na Doença

A hipoxia tecidual é um achado freqüente na enfermidade crítica,


assim como em pacientes submetidos a cirurgias de grande porte, com
perdas volêmicas e instabilidade hemodinâmica com deficit perfusional.
Sendo assim, o conhecimento da relação entre DO2 e VO2, em
condições patológicas, torna-se crucial para sua prevenção e
tratamento. Estudos iniciais sugeriam que muitos pacientes críticos
apresentavam DO2 inadequada, por ser o aumento da DO2 induzido
por hemotransfusões, reposição de fluidos e drogas inotrópicas,
acompanhado por aumento do VO2. Isso implicava uma dependência
ainda maior do VO2, em relação à DO2, e que existiria um déficit
persistente de oxigênio causado por hipoxia isquêmica. A essa situação
denominou-se “dependência patológica de suprimento de oxigênio”.
Muitos desses estudos, porém, apresentavam problemas metodológicos
e acabaram por detectar uma dependência fisiológica e não patológica,
como sugerido inicialmente.
Uma relação linear de dependência entre DO2 e VO2 pode ocorrer,
em caso de alteração primária da taxa metabólica, e a DO2 varia
proporcionalmente, a fim de atender à nova demanda de oxigênio. Essa
relação tem características fisiológicas e se aplica a situações habituais,
como o exercício físico. Alterações da taxa metabólica podem ocorrer minuto
a minuto, no paciente crítico, cirúrgico ou não, induzidas por intervenções
terapêuticas como fisioterapia e banho no leito.
Estudos recentes demonstram que a dependência patológica de
suprimento de oxigênio é muito menos comum e muito menos grave do que
o pensado inicialmente, nos pacientes críticos. Uma capacidade anormal de
extração de oxigênio é real, nesses pacientes, especialmente em órgãos

295
Medicina Perioperatória

como o intestino, que possui um tipo de circulação propenso à hipoxia. Até


o momento, entretanto, não se dispõe de monitorização confiável para
detectar a dependência patológica de suprimento, nos órgãos, isoladamente.
A redução das pressões parciais de oxigênio pode estimular o
desenvolvimento de mecanismos que visam limitar o consumo de oxigênio
somente aos processos vitais. Essa repriorização metabólica pode ser
mediada, em parte, pelos efeitos transcricionais e pós-transcricionais das
moléculas, como o fator induzido por hipoxia (HIF)-1.
Durante a hipoxia, a fosforilação proteica e alterações intracelulares
do estado redox podem ativar e estabilizar componentes do HIF-1 que, por
sua vez, reconhecem uma seqüência de DNA (elemento de resposta à
hipoxia) localizada em regiões promotoras de gens responsivos à hipoxia. O
aumento da expressão de gens responsáveis pela produção de eritropoietina
ou de enzimas importantes da via glicolítica, por exemplo, já foi demonstrado
estar relacionado à atividade do HIF-1. Os efeitos do HIF-1 podem proteger
as células, durante a hipoxia. Assim sendo, caso tais alterações sejam
afetadas por mediadores inflamatórios, conforme sugerido, os tecidos
submetidos à baixa DO2 correrão sérios riscos de sofrer os efeitos deletérios
da hipoxemia.

Monitorização doTtransporte Sistêmico e Consumo de Oxigênio

A oferta inadequada de oxigênio resulta em anormalidades no


metabolismo do piruvato e subseqüente acúmulo de lactato. O déficit de
bases, lactato sérico, anion gap e pH são utilizados como medidores do grau
de acidose e magnitude do choque. Embora sejam medidores preditivos de
complicações cirúrgicas, falência de múltiplos órgãos e de mortalidade, são
medidores sistêmicos de oxigenação tecidual e pouco sensíveis, como
indicadores de hipoxia regional. Em algumas circunstâncias, os medidores
globais podem ser normais, na presença de isquemia regional significativa
(território esplâncnico,p.ex.), e, portanto, de menor valor prognóstico que
os indicadores regionais.
A obtenção de medidas fidedignas da tensão tecidual de oxigênio é
tecnicamente difícil. A PO2 urinária, na bexiga, pode fornecer a medida
aproximada da PO2 média tecidual. Com essa hipótese em mente, Morelli

296
Transporte de Oxigênio

e cols. Mediram, continuamente, a tensão urinária de oxigênio (PuO2), em


50 pacientes críticos estáveis, e observaram um aumento dose-dependente
na PuO2, em resposta a três doses diferentes do vasodilatador fenoldopam.
Os incrementos na PuO2 não tiveram relação com os índices sistêmicos de
perfusão ou de função cardíaca, sugerindo que as alterações observadas
relacionaram-se à melhora da perfusão local.
A mensuração do VO2, na UTI ou na sala de cirurgia, requer a
inserção de um cateter de artéria pulmonar (CAP). O aparelho de anestesia
PhisioFlex (Drager Inc., Lubeck, Alemanha) consiste num sistema fechado
capaz de medir o VO2. Há um estudo que compara o VO2 medido com o
PhysioFlex ao medido por calorimetria indireta, com o Deltatrac II, em
pacientes ventilados mecanicamente, demonstrando boa correlação. Outro
estudo, porém, mostrou uma tendência do PhysioFlex a superestimar o VO2,
quando comparado à medição pelo método de Fick.
Onipresente na sala de cirurgia e UTI é o oxímetro de pulso. Perkins e
cols. investigaram a relação entre a saturação de oxigênio, na oximetria de
pulso (SpO2); e as variações, na saturação arterial de oxigênio (SaO2), em
41 pacientes críticos; encontrando uma correlação apenas moderada entre
elas e a tendência do oxímetro a superestimar as variações reais na SaO2.

Espectroscopia Quase-Infravermelha (NIRS)

Consiste em um dos métodos em desenvolvimento, para determinar


o grau de oxigenação tecidual, apesar de introduzida há mais de duas
décadas. A NIRS permite a aferição semi-quantitativa do volume de
hemoglobina e da oxigenação do conjunto hemoglobina-mioglobina, no
músculo esquelético íntegro, representando a reseva tecidual de O2. Estudos
demonstram boa correlação entre medidas de pH e PO2 obtidas por NIRS,
em comparação às obtidas por técnicas invasivas. Um estudo bastante
abrangente sobre o método foi publicado por Nicklin e cols.

Tonometria Gástrica e Sublingual

Um tema de pesquisa bastante interessante é a caracterização de


metabolismo anaeróbico dos tecidos, pela mensuração da produção de CO2

297
Medicina Perioperatória

da mucosa gástrica. Apesar do grande número de publicações clínicas e


experimentais sobre o assunto, nos últimos 15 anos, o uso clínico do método
é limitado. Essa pequena aceitação pode estar relacionada a dificuldades
técnicas inerentes à obtenção de medidas confiáveis de PCO2 da mucosa
ou talvez reflita a falta de consenso sobre o próprio significado das medidas.
Uma explicação mais plausível, entretanto, seria a carência de terapias de
suporte capazes de corrigir o aumento da PCO2 da mucosa. Em outras
palavras, por que nos preocuparmos em medir algo, se não há o que ser
feito para corrigir as alterações?
Por enquanto, sabe-se que elevações na PCO2 da mucosa gástrica
ou, analogamente, reduções no pHi estão relacionadas a um pior prognóstico.
Um estudo com 17 pacientes submetidos a transplante hepático demonstrou
correlação direta entre baixos níveis de pHi, no pós-operatório imediato, e
disfunção do enxerto. Outro estudo prospectivo bastante interessante,
baseado na diferença entre PCO2 arterial e de mucosa gástrica (PCO2gap),
mostrou que seu aumento estava relacionado à piora da evolução pós-
operatória. Também já foi estabelecida, em pacientes portadores de choque
séptico, uma correlação direta entre a evolução do PCO2gap e os níveis de
citocinas pró-inflamatórias (fator de necrose tumoral á e interleucina 6),
sugerindo que a injúria intestinal desempenha papel importante na resposta
inflamatória desses pacientes.
Outros locais do trato gastrointestinal se prestam à mensuração da
PCO2 tecidual, como a região sublingual. Os valores basais de PslCO2gap
( PslCO2 – PaCO2) surgiram como preditores melhores de prognóstico do
que os marcadores tradicionais de hipoxia, além de apresentarem melhor
resposta às intervenções terapêuticas. Níveis de PslCO2gap acima de 25
mmHg estão associados a pior prognóstico.
Os valores de PCO2 tecidual parecem ser diretamente proporcionais
ao grau de isquemia, e seu aumento correlaciona-se ao aumento do lactato
tecidual de modo mais precoce. Mais difícil de se afirmar é se o aumento
da PCO2 é resultante da hipoxia tecidual ou da redução do fluxo sangüíneo
e acúmulo do CO2 produzido pelo ciclo de Krebs. Dubin e cols. induziram
hipoxia isquêmica e hipoxêmica, em dois grupos distintos, e observaram
que a PCO2 intestinal aumentou somente no primeiro grupo; o que fala a
favor de ser a isquemia o principal determinante dos níveis de PCO2

298
Transporte de Oxigênio

tecidual. Esse achado pode explicar o paradoxo da redução nos níveis de


PCO2 tecidual, após o aumento do fluxo sangüíneo, com dobutamina, e
não com o aumento do conteúdo arterial de oxigênio, por meio de
hemotransfusões.

Lactato

O aumento nos níveis de lactato sérico, em pacientes críticos, reflete


a presença de metabolismo anaeróbico da glicose, como fonte energética
(acidose láctica tipo A). A hipoperfusão tecidual reduz o acesso do oxigênio
à mitocôndria, diminuindo a produção de ATP. O mesmo ocorre durante
exercício extenuante, quando o transporte de oxigênio é máximo, porém, o
consumo muscular de energia supera a capacidade de síntese de ATP pela
mitocôndria.
Em pacientes críticos, o aumento dos níveis de lactato sérico está
associado a mau prognóstico. Diversos autores correlacionam a lactatemia
à internação e a 24 horas após a admissão na UTI, com mortalidade*,
enquanto outros associam-na também à disfunção neurológica, em pacientes
com traumatismo craniano.#
Embora a acidose láctica tenha relação com mortalidade, observam-
se alteração nos níveis de lactato e pH de caráter totalmente benigno, após
um episódio de crise convulsiva generalizada. Outras causas de
hiperlactatemia, sem evidência de hipoxia, são o aumento do fluxo de substrato
para a via glicolítica (acidose láctica tipo B), como no uso de metformina,
de adrenalina em infusão contínua e na terapia antiretroviral.

Déficit de Bases

O déficit de bases é freqüentemente utilizado como substituto da


dosagem de lactato sérico, e seu cálculo requer uma amostra de sangue
arterial. A utilidade clínica do déficit de bases é questionável, muito embora
seja um bom preditor de hiperlactatemia, juntamente com o anion gap (anions
não-tituláveis), mas não possuem valor prognóstico. A hiperlactatemia tipo
A, e não a elevação dos anions não-tituláveis, tem relação com prognóstico
desfavorável.

299
Medicina Perioperatória

Terapias Baseadas na Oferta de Oxigênio

Como já mencionado, a DO2 é dependente do débito cardíaco e do


conteúdo arterial de oxigênio (CaO2). Assim sendo, o manuseio do paciente
cirúrgico e/ou crítico baseia-se na otimização de cada um desses parâmetros.
A reposição volêmica, a fim de aumentar a pré-carga, em estados de
hipovolemia, pode resultar em efeitos imediatos sobre o débito cardíaco (lei
de Frank-Starling). Entretanto, o uso indiscriminado de fluidos pode promover
tanto o aumento quanto a redução da coagulabilidade, além de levar à
disfunção de órgãos, secundária ao agravamento do edema tecidual. Alguns
trabalhos apontam a superioridade dos amidos (hidroxietilamidos), na melhora
da perfusão esplâncnica (medida por tonometria), em pacientes submetidos
a cirurgias oncológicas abdominais, o mesmo ocorrendo, na ressuscitação
volêmicam, com soluções hipertônicas-hiperoncóticas, em animais com
choque hipovolêmico induzido.
A anemia desencadeia uma série de mecanismos adaptativos que,
coletivamente, servem para manter a DO2, mesmo em vigência de níveis
extremamente baixos de hemoglobina. A anemia resulta em elevação do
débito cardíaco, devido à diminuição da viscosidade e aumento da atividade
simpática. À medida que o hematócrito cai, a diminuição da viscosidade
pode também resultar em menos interações inflamatórias entre plaquetas
ativadas e o endotélio.
Uma vez ultrapassada a capacidade adaptativa (momento esse, aliás,
de difícil e variável diagnóstico), inicia-se a intenção de se administrarem
concentrados de hemácias. A capacidade de transporte de oxigênio da
hemácia estocada pode estar limitada pela depleção tempo-dependente de
ATP e 2,3-difosfoglicerato, resultando em alterações temporárias, na
liberação do oxigênio, e em deformabilidade da célula. Há estudos que
questionam as alterações das propriedades reológicas das hemácias no
sangue estocado por menos de cinco semanas, porém, vários outros
demonstram a ausência de efeito da transfusão de concentrados de hemácias
sobre a DO2 e o VO2. Além do mais, pacientes que receberam sangue
com tempo de estocagem superior a 15 dias apresentaram evidências
inesperadas de isquemia esplâncnica, inferida pela medida do pH intraluminal.
Os investigadores atribuíram a deterioração observada na perfusão da

300
Transporte de Oxigênio

mucosa à oclusão de capilares, por hemácias pouco deformáveis, alterações


na viscosidade sangüínea e na resistência vascular sistêmica, observadas
após a hemotransfusão.
Uma das perspectivas terapêuticas promissoras é o uso de substitutos
do sangue, porém, os estudos, a maioria na fase III, vêm demonstrando
resultados insuficientes, em termos de melhora da sobrevida, em pacientes
cirúrgicos e politraumatizados.
A noção de que o aumento farmacologicamente induzido da DO2
resulta em maior morbimortalidade encontra respaldo em diversos estudos.
Em pacientes vítimas de trauma, Balogh e cols.&, por exemplo, identificaram
maior incidência de hipoperfusão esplâncnica e síndrome compartimental
abdominal, no grupo com níveis mais altos de DO2. As causas para o aumento
da morbimortalidade podem estar relacionadas à superprodução de radicais
livres e/ou a intervenções iatrogênicas, como o uso do cateter de artéria
pulmonar (associado à maior mortalidade, em diversos estudos
As variações de PCO2 têm grande impacto no fluxo microvascular
e a manutenção de hipercarbia moderada ( em torno de 45 mmHg) está
associada à melhor perfusão e oxigenação tecidual, em pacientes cirúrgicos.
A hiperventilação, ao contrário, tem efeito deletério sobre o metabolismo
cerebral e relaciona-se, com freqüência, à hipoxia cerebral.
A anestesia peridural, com anestésico local, pode aumentar a DO2,
por interferir diretamente na lei de Poiseuille, aumentando a perfusão tecidual.
A vasodilatação e a redução da viscosidade induzidas por essa técnica
aumentam o fluxo sangüíneo, e, conseqüentemente, o aporte de oxigênio
aos tecidos. Além disso, a vasodilatação proporciona aumento direto do
débito cardíaco, pois traduz-se em redução da pós-carga, contribuindo, mais
uma vez, para a melhora da DO2.

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303
Recuperação Pós-Anestésica
Cristina Barreto Campello Roichman*
Luciana Cavalcanti Lima**
Rossana Sant’Anna de Melo Lins, TSA/SBA***
Ruy Leite de Melo Lins Filho, TSA/SBA****

Introdução

A recuperação da anestesia é um processo dinâmico, iniciado na


sala de cirurgia, cuja duração depende da técnica anestésica e das drogas
utilizadas1. Todo paciente submetido a uma cirurgia, sob anestesia geral ou
regional, encontra-se em estado de potencial instabilidade cardiorrespiratória,

* Professora Assistente do Departamento de Cirurgia da UFPE


Presidente da SAEPE
Membro da Comissão de Saúde Ocupacional da SBA
** Mestra em Saúde Materno Infantil pelo Instituto Materno
Infantil de Pernambuco (IMIP)
Anestesiologista do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP)
Tesoureira da SAEPE
*** Co-responsável pelo CET do HC UFPE
Anestesiologista do HC-UFPE
Secretária da SAEPE
**** Mestre em Fisiologia pela UFPE
Co-responsável pelo CET do HC-UFPE
Vice-presidente da SAEPE
Medicina Perioperatória

decorrente de alterações fisiológicas e/ou fisiopatológicas do procedimento


anestésico-cirúrgico.2,3,4,5,6 Por esee motivo, a recuperação da anestesia
deve ser realizada em local especial - a Sala de Recuperação Pós-Anestésica
(SRPA), equipada com material adequado e pessoal treinado para detecção,
intervenção e tratamento das complicações pós-operatórias precoces.
Embora a emergência da anestesia geralmente aconteça de forma
tranqüila, existem, na literatura, inúmeros trabalhos que mostram a presença
de eventos adversos, de gravidade variável, ocorridos no período pós-
anestésico imediato.3,4,5,6,7,8,9,10 Hoje se sabe que, mesmo que a cirurgia e a
anestesia tenham sido realizadas com extrema perícia, a segurança do
paciente encontra-se ameaçada, se não houver uma boa SRPA.11 Oferecer
uma recuperação pós-anestésica segura é um componente chave da
medicina perioperatória.12
O conhecimento de que os pacientes que acordam de uma anestesia
necessitam de cuidados especiais é antigo: data de 1801 o primeiro relato
de uma SRPA, na Inglaterra. 12 Com o aumento do número e da
complexidade dos procedimentos, os cuidados pós-operatórios imediatos
passaram de um breve período de observação, em uma área conve-
nientemente perto da sala de operação (SO), para um período de
monitorização e intervenção mais prolongado, em um ambiente adequado.13
Países como Estados Unidos, Inglaterra, Irlanda, Austrália e outros
possuem diretrizes práticas a serem seguidas durante a fase de recuperação
pós-anestésica, elaboradas por Sociedades de Anestesiologia.2,13,14,15,16,17
Na França, essas diretrizes foram publicadas como decreto ministerial, tendo
força de lei. Em outros países, como a exemplo da Itália, o que há, nesse
sentido, são meras recomendações.17
Em trabalho, comparando “guidelines” sobre SRPA, em diversos
países, Leykin et al17 encontraram as seguintes regras comuns a todos: a
SRPA deve ser localizada próxima ao centro cirúrgico (CC); o paciente
deve ser acompanhado à SRPA pelo anestesiologista; durante o transporte,
o paciente deve ser monitorizado; a monitorização deve continuar na SRPA;
deve haver um relatório do encaminhamento, verbal e por escrito (exceto
na Itália); a responsabilidade da SRPA e da alta do paciente é do
anestesiologista. As seguintes regras não são comuns a todos os
“guidelines”: o número de leitos na SRPA; a proporção entre o número de

306
Recuperação Pós-Anestésica

enfermeiros e o número de pacientes; regulamentos específicos para


pacientes ambulatoriais ou obstétricos.
Como em todos os setores da Medicina, a prioridade de atendimento
em uma SRPA deve ser dada às complicações e intercorrências que
representam uma ameaça à vida. No entanto, a atenção ao conforto e ao
bem estar do paciente não deve ser esquecida. Nesse aspecto, a literatura
oferece alguns trabalhos interessantes. Em um estudo com 101 pacientes,
em que foram descritas 10 possibilidades de intercorrências, no pós-
operatório imediato, Macário et al.18 solicitaram que os pacientes relatassem
quais eventos não gostariam de ter em seu pós-operatório. Por ordem de
preferência, o evento mais indesejado foi vômito, seguido por reação ao
tubo endotraqueal, dor, náusea, consciência trans-operatória com ausência
de dor, fraqueza residual, tremores, dor de garganta, sonolência e ausência
de qualquer sintoma. Em outros trabalhos, como, por exemplo, o realizado
por Ebehart et al.19, vômitos também foram relatados como a principal
intercorrência a ser evitada.

Transferência para a SRPA

A transferência só deve ocorrer, se o paciente estiver fisiologicamente


estável e se a SRPA estiver em condições de recebê-lo 1. A necessidade de
monitorização, durante o transporte, deve ser decidida pelo anestesiologista13.
A ocorrência de hipóxia é comum, no período pós-operatório imediato,
mas a maioria dos pacientes pós-cirúrgicos é transportada para a SRPA
sem O2 adicional, embora não haja evidência, na literatura, que suporte esta
prática.21 Desde a introdução do oxímetro de pulso, estudos têm mostrado
que um significativo número de pacientes apresenta saturação de oxigênio
(SpO2) menor que 90%, durante o transporte da SO para a SRPA.21,22,23
Crianças, pacientes idosos ou com mais de 100 Kg encontram-se em maior
risco de dessaturação.12,23
Crianças são predispostas a uma dessaturação arterial de O2 mais
rápida e mais grave que os adultos. Elas possuem maior taxa metabólica
basal e, portanto, um maior requerimento de O2, em termos relativos.
Pullerits,23 em um estudo com 71 crianças ASA I submetidas a procedimentos
cirúrgicos menores, que respiraram ar atmosférico durante sua transferência

307
Medicina Perioperatória

para a SRPA, encontrou SpO2 igual ou menor que 90%, em 28,1% dessas
crianças, das quais menos da metade (45%) tiveram sua hipóxia detectada
clinicamente. No restante das crianças, a hipóxia só foi detectada por meio
da oximetria de pulso.

Espaço Físico, Equipamentos e Recursos Humanos

É essencial que a SRPA esteja localizada o mais próximo possível do


1,2,12,13,15,16
CC, para minimizar o risco, durante o transporte dos pacientes. O
número de leitos da SRPA deve ser determinado pela demanda cirúrgica da
instituição. De modo geral, considera-se adequada a relação de 1,5 leitos
de recuperação para cada SO.12,15,16,24 Essa relação deve ser modificada
para 2 leitos, quando houver grande número de cirurgias ambulatoriais.24,25
As SRPA devem ficar sob direção do departamento de anestesia.
Nos locais onde não é possível a presença de um anestesiologista, em tempo
integral, recomenda-se a presença de um profissional supra-numerário aos
requeridos na SO e imediatamente disponível, sempre que houver um
paciente na SRPA.13
Considera-se suficiente a proporção de 1 enfermeiro para cada 2 ou
3 leitos, porém, nos casos críticos, essa relação deve aumentar, podendo
chegar a 1:1.25 Aos profissionais que trabalham na SRPA deve ser oferecido
um treinamento apropriado, pois eles vão receber pacientes em condições
potencialmente instáveis, sujeitos a alterações rápidas e nem sempre
previsíveis.2,6 A ausência de pessoal treinado, capaz de reconhecer
precocemente os sinais das complicações, pode resultar em catástrofe.7
Cada leito deve estar equipado com O2, vácuo, tomadas elétricas e suporte
para infusão intravenosa. Devem estar imediatamente disponíveis:
estimulador de nervos, termômetro, fluidos, seringas, agulhas, cateteres e
todas as medicações que podem ser necessárias a essa fase (analgésicos,
antieméticos, drogas de reanimação, etc). Deve haver um equipamento
completo de ressuscitação, incluindo desfibrilador e uma unidade de
emergência, contendo todo o material necessário à assistência respiratória.
A monitorização mínima deve incluir, além da observação clínica
individualizada, aparelho de pressão arterial e oxímetro de pulso. Embora
vários autores acreditem que o ECG deve fazer parte da monitorização

308
Recuperação Pós-Anestésica

básica,2, 12 outros preconizam que ele deve estar imediatamente disponível,


mas só deve ser usados em pacientes selecionados. 14, 24

Legislação e Recomendações

No Brasil, a existência de SRPA é prevista desde 1977 pela Portaria


400/MS, 26 tornando-se obrigatória para todos os Estabelecimentos
Assistenciais de Saúde (EAS) construídos a partir da data de sua publicação.
A Portaria 400 foi revogada pela Portaria MS/GM n°1884/8427- que
manteve a obrigatoriedade de SRPA- , e que, por sua vez, foi revogada pela
Portaria MS/GM n°554/2002.28
Atualmente, a existência obrigatória de SRPA é determinada pela
Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) ANVISA no 50,29 de 21 de
fevereiro de 2002, e pela Resolução CFM 1363/93,30 e recomendada pela
SBA. 24
A Resolução-RDC no 50 dispõe sobre o Regulamento Técnico para
planejamento, programação, elaboração e avaliação de projetos físicos de
EAS. Mantém a obrigatoriedade de existência de SRPA nos EAS onde
haja realização de procedimentos cirúrgicos, obstétricos/cirúrgicos,
endoscópicos e de imagem (tomografia, quando houver atendimento
pediátrico e hemodinâmica) e detalha a estrutura física exigida para uma
SRPA. Entre outras coisas, determina o número mínimo de leitos (centro
cirúrgico: igual ao número de salas de cirurgia + 1; centro cbstétrico: igual
ao número de salas de parto cirúrgico; hemodinâmica: igual ao número de
salas +1), a presença de uma fonte de oxigênio, ar comprimido e vácuo
para cada leito, a distância que deve existir entre os leitos, o tipo de iluminação
e o tipo de rede elétrica a ser instalada no local. Porém, por se tratar de
uma Resolução que normatiza áreas físicas, não faz especificações sobre
os equipamentos e recursos humanos necessários para o funcionamento
de uma SRPA.
A resolução CFM 1363/93 trata das condições mínimas de segurança
exigidas para a prática da anestesia e estabelece que todo paciente, após a
cirurgia, deverá ser removido para a SRPA e, caso esta não esteja disponível,
deverá o paciente permanecer na sala de cirurgia até a sua liberação pelo
anestesiologista.

309
Medicina Perioperatória

Recomendações da SBA para a Sala de Recuperação Pós-


Anestésica 24

Art. 1º- Todo paciente submetido à anestesia geral, regional, bloqueio


terapêutico ou sedação deverá ser admitido na SRPA, exceto por ordem
específica, por escrito, do anestesiologista responsável pelo cuidado do
paciente.
Art. 2-º A relação de leitos da SRPA deverá ser, no mínimo, de 1,5
leitos, para cada S O., e de 2 leitos, para cada S. O., em hospital com mais
de 50% de anestesias realizadas em regime ambulatorial.
Art. 3º- Deverá haver um médico anestesiologista permanentemente
na SRPA, responsável pelos cuidados dos pacientes.
Art. 4º- O paciente deverá ser acompanhado pelo anestesiologista
que realizou o procedimento anestésico durante o transporte para a SRPA.
Art. 5º- Ao chegar à SRPA, o paciente deverá ser reavaliado pelo
médico anestesiologista.
Parágrafo I - Ao se transferir a responsabilidade dos cuidados do
paciente ao anestesiologista responsável pela SRPA, este deve fazer
o relato das técnicas e medicamentos utilizados, assim como da
situação clínica e intercorrências transoperatórias.
Parágrafo II - Os pacientes serão monitorizados de acordo com o
estado físico e clínico-cirúrgico.
Parágrafo III- Durante sua permanência na SRPA,, o paciente será
periodicamente avaliado pelo anestesiologista responsável por este
setor.
Parágrafo IV - Os sinais vitais e a escala de recuperação pós-
anestésica deverão ser registrados em relatório apropriado.
Art. 6º- A supervisão, coordenação da SRPA e a alta do paciente são
de responsabilidade do médico anestesiologista.
Apesar de a existência da SRPA ser obrigatória desde 1977, muitos
hospitais ainda não dispõem deste espaço, obrigando os anestesiologistas a
realizarem a recuperação em SO. Em trabalho recente, Trevisan31 mostrou
que, nesses casos, a pressão sofrida pelo anestesiologista (liberação da SO,
disponibilidade para realizar novo procedimento, etc) faz com que muitas
vezes não sejam seguidos os critérios básicos de segurança, em relação ao

310
Recuperação Pós-Anestésica

paciente, que é transferido para a enfermaria ou apartamento, sem estar


completamente estabilizado.

Admissão e Alta

Para admissão na SRPA, o anestesiologista responsável deve fazer


um relato verbal, por escrito, que inclua identificação do paciente, cirurgia,
equipe cirúrgica, patologias associadas, medicações em uso, tipo de anestesia,
técnica e drogas utilizadas, hidratação e intercorrências. 1,32 Nesse relato,
devem constar ainda, se necessário, informações sobre características
especiais do paciente (surdez; cegueira; uso de drogas, álcool, etc). 11
A admissão deve seguir um roteiro, com seqüência de prioridades:
avaliação dos sinais vitais, nível de consciência, força muscular e dor; seguida
da monitorização, observação dos curativos, drenos, sondas, vias venosas,
diurese, etc.1 Esses dados devem ser transcritos em uma ficha própria, na
qual conste, além dos dados referidos acima, a monitorização na SRPA,
anotações da enfermagem (sinais vitais, hidratação, etc) e médicas (evolução,
prescrição, condutas na SRPA), condições de alta, horário, destino, etc.33
Usualmente, a regressão da anestesia inicia-se na SO, com o
restabelecimento da força muscular, reflexos respiratórios e estabilização
cardiovascular (estágio I). Após essa fase, o paciente deverá ser
encaminhado à SRPA, onde será observado por pessoal capacitado, sob
monitorização clínica e instrumental, por um período variável, até atingir os
critérios de alta (estágio II).34
Para obter alta, o paciente deve estar estável, do ponto de vista
cardiovascular e respiratório, consciente e orientado (pacientes com estado
mental inicialmente anormal devem retornar a seu valor basal) e apresentar
ausência de sangramento persistente, de náuseas e vômitos; e ainda,
apresentar a dor sob controle.11,13,14, 25 Os critérios de alta de um paciente
submetido à cirurgia ambulatorial devem obedecer à Resolução CFM 140935
que exige, além dessas condições, a capacidade de locomoção, micção e
ingestão de líquidos.
Existem inúmeras tabelas com critérios de alta em SRPA. Uma das
mais difundidas é a de Aldrete e Kroulik, nas quais são avaliados a atividade
motora, a respiração, o nível de consciência, a circulação e a coloração da

311
Medicina Perioperatória

pele ou SpO2 (Aldrete e Kroulik modificada); atribuindo-se pontos de 0 a 2,


de acordo com o grau de recuperação funcional (máximo de 10 pontos).
São considerados em condições de alta os pacientes que obtiverem, no
mínimo, 8 pontos.1,36 O uso de um sistema de pontos pode auxiliar mas não
deve substituir a avaliação individual do paciente. Qualquer escore de alta
deve ser usado juntamente com o julgamento clínico. O tipo e a gravidade
de doença subjacente, o procedimento cirúrgico, a evolução da anestesia, a
recuperação e o destino pós-operatório devem ser cuidadosamente
considerados.32

Complicações Respiratórias

A prevalência de hipoxemia no período pós-operatório imediato, é


relativamente alta.37,38. Pacientes que recebem oxigenoterapia de rotina
desenvolvem, menos freqüentemente, essa complicação.39 Apesar disso,
alguns autores relatam que a indicação de oxigenoterapia não é necessária
para todos os pacientes 40 e que a utilização do oxímetro de pulso permite o
reconhecimento daqueles com indicação seletiva de oxigenoterapia. 40
Vários fatores associados ao paciente, à técnica anestésica ou à
técnica cirúrgica estão associados a um maior risco de desenvolvimento de
hipoxemia, no pós-operatório. O conhecimento desses fatores pode facilitar
a identificação de pacientes com indicação profilática e seletiva de uso de
oxigênio, nesse período.41
São causas de hipoxemia pós-operatória o controle inadequado da
ventilação ou da patência das vias aéreas, (resultante do efeito residual de
anestésicos) e a inadequação da relação ventilação/perfusão, causada,
principalmente, por zonas de atelectasia, nas regiões dependentes dos
pulmões).41 Bloqueio neuromuscular residual, na SRPA, é uma causa
importante e tem maior incidência, quando são utilizados bloqueadores de
longa duração, embora mas também ocorra com bloqueadores de duração
intermediária. Como medidas preventivas, deve-se evitar o uso de agentes
de longa duração, prevenir hipotermia, monitorizar a função neuromuscular
e reverter o bloqueio, sempre que TOF<0,942. Outras causas de hipoxemia
são as condições que determinam baixo débito cardíaco, anemia, calafrios,
dor e agitação.43

312
Recuperação Pós-Anestésica

Na tentativa de identificar fatores relacionados à hipoxemia pós-


operatória, foi realizado um estudo39 com 204 pacientes admitidos na SRPA,
respirando ar ambiente. Hipoxemia foi definida com SpO2 < 92%. Os autores
observaram que 24,01% dos pacientes apresentaram hipoxemia, e os
principais indicadores dessa complicação foram: idade maior que 55 anos,
SpO2 pré-operatória menor que 95%, anestesia geral com enflurano e
hipoventilação detectada clinicamente.

Complicações Cardiovasculares

Eventos cardiovasculares importantes constituem o segundo maior


grupo de complicações graves de pacientes na SRPA.12 Diferentemente
das complicações respiratórias, que estão mais relacionadas à anestesia, os
fatores mais importantes para a ocorrência de complicações car-
diovasculares, nesse período, estão relacionados ao paciente ou ao risco
cirúrgico.12. Peskett10, avaliando a ocorrência de complicações, na SRPA,
durante três anos, observou que as cardiovasculares foram as mais
freqüentes e, em 71% dos casos, foi necessária a intervenção do
anestesiologista.
A monitorização de rotina da freqüência cardíaca, pressão arterial e
eletrocardiograma, durante o despertar e a recuperação anestésica, é
importante para o diagnóstico dessas complicações. Para alguns pacientes,
em determinados procedimentos cirúrgicos, a monitorização do ECG pode
ser dispensada..14
Os distúrbios circulatórios mais importantes na SRPA são hipotensão
arterial, hipertensão arterial e arritmias cardíacas. A possibilidade de um
evento circulatório ser secundário a um respiratório deve ser sempre
considerada antes de qualquer intervenção.44
Hipotensão arterial: pode ocorrer na fase de recuperação pós-
anestésica, devido à diminuição da pré-carga, da contratilidade miocárdica
ou da resistência vascular sistêmica.12 Hipovolemia é a causa mais comum
de hipotensão, na SRPA. Hipovolemia absoluta pode resultar de reposição
inadequada de fluidos, no intra-operatório; perda de líquidos para o terceiro
espaço ou sangramento pós-operatório. A ocorrência de hipotermia pode
dificultar o diagnóstico de hipovolemia, pois a venoconstrição dela decorrente

313
Medicina Perioperatória

retarda a hipotensão arterial. A hipovolemia relativa é responsável pela


hipotensão associada à raquianestesia ou à anestesia peridural, ao uso de
venodilatadores e ao bloqueio α-adrenérgico; o aumento da capacitância
venosa reduz o retorno venoso, apesar do volume intravascular normal.
Hipotensão em conseqüência de septicemia e de reações alérgicas está,
em geral, associada à hipovolemia e à vasodilatação.44
Disfunção ventricular esquerda, em pacientes previamente saudáveis,
é rara e, em geral, está associada a distúrbios metabólicos (hipoxemia,
acidose ou septicemia). Hipotensão devida à disfunção ventricular pode
ocorrer, em pacientes com doença arterial coronariana ou doença cardíaca
valvular, e é, em geral, desencadeada por sobrecarga hídrica, isquemia
miocárdica, aumento na pós-carga, arritmias ou efeito de drogas anestésicas.
Deve ser sempre afastada, em pacientes idosos ou portadores de
cardiopatia.12,44
Se a hipotensão persistir, apesar da reposição do volume intravascular,
a pré-carga ventricular deve ser avaliada. Em pacientes com função
ventricular normal, a pressão venosa central reflete a pré-carga ventricular.12
Aumento na pressão arterial, após administração de 250-500 ml de cristalóide,
ou 100-250 ml de colóide, geralmente confirma hipovolemia. Na hipotensão
severa, um vasopressor ou droga inotrópica (dopamina ou epinefrina) podem
estar indicados até que o déficit de volume intravascular seja corrigido. A
hipotensão, associada à diminuição unilateral do murmúrio vesicular; o
hipertimpanismo e o desvio traqueal sugerem pneumotórax hipertensivo.44
A Hipertensão arterial é uma ocorrência comum na SRPA, e ocorre,
mais comumente, nos primeiros 30 minutos após a admissão. Pode ser causada
por dor, retenção urinária, hipoxemia, hipercapnia, acidose metabólica,
sobrecarga hídrica e hipertensão intracraniana. Pacientes com história de
hipertensão arterial estão mais predispostos a apresentarem hipertensão, no
pós-operatório imediato, mesmo na ausência de fatores desencadeantes.
Hipertensão severa pode levar à insuficiência ventricular esquerda, ao infarto
do miocárdio ou à arritmia cardíaca, devido o aumento do consumo de oxigênio
pelo miocárdio; podendo levar, ainda, à hemorragia cerebral.44
O tratamento deve ser dirigido, primariamente, à causa desen-
cadeante. O uso de agentes hipotensores deve ser considerado, quando
houver aumento da pressão arterial acima de 30% dos valores iniciais ou

314
Recuperação Pós-Anestésica

quando houver sintomatologia específica, como cefaléia, isquemia miocárdica,


alterações visuais, etc. Atualmente, as drogas mais utilizadas são os inibidores
da enzima conversora da angiotensina e os betabloqueadores. Nos casos
mais graves, o nitroprussiato de sódio pode ser empregado.1
Arritmias Cardíacas: os fatores predisponentes ao desenvolvimento
de arritmias pós-operatórias incluem os distúrbios hidroeletrolíticos
(especialmente hipocalemia), hipóxia, hipercapnia, acidose ou alcalose
metabólicas e doença cardíaca pré-existente. As arritmias mais comuns,
nesse período, são taquicardia sinusal, bradicardia sinusal, extrassístoles
ventriculares, taquicardia ventricular e taquiarritmias supraventriculares.12
O tratamento dessas arritmias deve ser iniciado, se necessário, após correção
do fator desencadeante.
A taquicardia sinusal pode ser desencadeada por dor, hipovolemia,
insuficiência cardíaca, hipertensão, hipoxemia e hipercapnia. A bradicardia
sinusal pode ser decorrente de reflexo vagal (distensão vesical, estimulação
orofaríngea, etc.), do uso de drogas parassimpaticomiméticas (neostigmina),
da diminuição da atividade simpática (anestesia espinhal alta,
betabloqueadores), de acidose e de hipoxemia. As extrassístoles ventriculares
geralmente são secundárias à hipocalemia, à hipoxemia, à hipercapnia, à
acidose e à isquemia miocárdica. As arritmias supraventriculares (fibrilação
atrial, taquicardia atrial paroxística) podem ser conseqüência de doença
mitral, hipoxemia, acidose, hiperatividade simpática, etc.1

Complicações Endócrinas

Vários distúrbios endócrinos podem ser observados após anestesia e


cirurgia. Eles incluem os decorrentes do metabolismo da glicose, da função
tireoidiana, da insuficiência adrenocortical, de feocromocitoma e de tumores
carcinóides.
O estresse e o trauma cirúrgico iniciam numerosas respostas
metabólicas que resultam em elevação dos níveis plasmáticos de glicose. A
hiperglicemia é comum, durante o período perioperatório e, em geral, não
requer tratamento no paciente não-diabético. No entanto, as respostas
metabólicas que promovem hiperglicemia podem causar descompensação
no paciente diabético.

315
Medicina Perioperatória

Hipoglicemia é definida como uma concentração de glicose plasmática


de menos de 50 mg/dl. Choque hemorrágico, pancreatite, septicemia,
insuficiência renal e alcoolismo têm sido associados à hipoglicemia. A falha
em diagnosticar e tratar hipoglicemia pode resultar em dano irreversível ao
sistema nervoso central. Durante o pós-operatório, é necessária vigilância
especial, pois os medicamentos podem mascarar os sinais e sintomas de
hipoglicemia. Pacientes diabéticos são de maior risco, para ocorrência de
hipoglicemia, se o seu tratamento não tiver sido adequado ao período de
jejum. Outras condições, tais como insuficiência renal, hepatopatia, pacientes
recebendo nutrição parenteral e pacientes desnutridos, também são de maior
risco para hipoglicemia. Os sinais e sintomas de hipoglicemia incluem os
relacionados ao sistema nervoso central (cefaléia, diplopia, confusão, letargia,
crises convulsivas e coma) e às manifestações sistêmicas que refletem
estimulação adrenérgica, e incluem taquicardia, tremor, ansiedade e
sudorese. O tratamento da hipoglicemia consiste na administração de glicose
e correção de quaisquer etiologias identificadas, como a suspensão de uma
infusão de insulina. Deve ser iniciada imediatamente uma infusão de soro
glicosado a 10%. Se este não estiver disponível, 25 a 50 ml de glicose, a
50%, deverão ser administrados, por via endovenosa. Deve ser realizada,
freqüentemente, a monitorização da glicemia, para se assegurar a
normoglicemia.
A insuficiência supra-renal aguda é fatal, se não reconhecida e tratada
apropriadamente. Provavelmente, a causa mais comum de insuficiência
adrenocortical, durante o pós-operatório, é a terapia com glicocorticóides
exógenos. Os esteróides exógenos suprimem o eixo hipotálamo-hipófise-
supra-renal. Qualquer paciente que tenha recebido glicocorticóides, durante
o ano precedente, deve ser considerado potencialmente com deficiência
adrenocortical. O diagnóstico de insuficiência supra-renal é difícil, porque a
clínica é inespecífica e os exames laboratoriais de diagnóstico não estão
imediatamente à mão. Hipotensão é um achado característico mas pode
não ser proeminente, se o volume intravascular estiver aumentado. Anorexia,
náuseas, dor e febre também são sintomas de insuficiência adrenocortical.
É obrigatório o tratamento imediato, para insuficiência supra-renal aguda.
A infusão de soro fisiológico normal, para reposição de volume, deve ser
ajustada com base no estado de volume intravascular do paciente.

316
Recuperação Pós-Anestésica

Hipoglicemia é uma complicação em potencial. Deve ser colhido sangue,


para determinação do nível de cortisol, e depois são administrados 200 mg
de hidrocortisona ou 10 mg de dexametasona, por via endovenosa.
Hidrocortisona é o equivalente sintético do cortisol e tem suficiente atividade
mineralocorticóide, quando ministrada em doses de 100 mg ou mais. Não
deve ser administrada, em doses de 100 mg, a cada 6 horas, ou por infusão
contínua, até que seja feito um diagnóstico definitivo.
Depois da exérese cirúrgica de um feocromocitoma, os três pro-
blemas mais comuns durante o pós-operatório são hipotensão, hipertensão
e hipoglicemia. A hipotensão pode resultar de numerosas causas, inclusive
bloqueio á e â residual, diminuição da sensibilidade às catecolaminas,
hemorragia, hipovolemia ou insuficiência supra-renal, se ambas as glândulas
forem removidas. A hipertensão, durante o pós-operatório, pode ocorrer
pelas mesmas razões que ocorrem em qualquer paciente, no pós-operatório,
inclusive dor, hipóxia, hipercapnia e hipervolemia. Em particular, a suspensão
de â bloqueador e a presença de o feocromocitoma residual podem resultar
em hipertensão pós-operatória. Os níveis plasmáticos e urinários de
catecolaminas muitas vezes se elevam durante a primeira semana do pós-
operatório e pode persistir um certo grau de hipertensão, com base nisto.
Hipoglicemia é uma rara complicação pós-operatória, após remoção do
feocromocitoma. As catecolaminas produzem hiperglicemia, por
promoverem produção hepática de glicose, suprimindo a secreção de insulina
e criando um estado de resistência a esta. Com a súbita remoção do tumor,
há uma hiperinsulinemia de rebote, resultando em hipoglicemia. Durante o
pós-operatório, soluções endovenosas devem fornecer glicose e os níveis
de glicemia devem ser monitorizados.
Os tumores carcinóides são secretores de uma grande quantidade
de neuro-hormônios, e a cirurgia, para sua retirada, pode resultar em crise
carcinóide com choque profundo, resistente a vasopressores.45

Dor

O objetivo do controle da dor pós-operatória é fornecer analgesia efetiva


e contínua, segura e isenta de efeitos colaterais. Com isto, espera-se reduzir a
morbidade pós-operatória, facilitar a recuperação e acelerar a alta hospitalar.46

317
Medicina Perioperatória

O alívio da dor, por meio da analgesia multimodal, propicia a somação


dos efeitos desejados de diferentes analgésicos, concomitantemente com a
redução dos seus efeitos colaterais, pela necessidade de uso de menores
doses de cada fármaco. As mais diversas técnicas analgésicas são empregadas,
tais como: opióides no neuro-eixo; uso de anti-inflamatórios não-esteróides
(AINE); infiltração da ferida cirúrgica com anestésicos locais; uso de α-
2 agonistas e antagonistas NMDA (cetamina).47
A dor existe, quando o paciente diz que está sentindo dor. Por isso, a
melhor maneira de monitorizá-la é perguntando ao paciente. A intensidade
da dor pode ser avaliada, pedindo-lhe que dê um número à sua dor de 0 a
10, em que 0 representa ausência de dor e 10, a pior dor imaginável (escala
numérica de dor). De uma forma mais simples, pode-se questionar o paciente
sobre a adequação da analgesia: se está suficiente ou se é necessário mais
analgésico48.
Pode ser difícil avaliar a dor, em crianças, especialmente nas menores,
entretanto, não deve ser negado o alívio adequado da dor, por medo de
efeitos colaterais.13
Os AINE não substituem os opióides, na dor pós-operatória de
moderada a severa, porém, são coadjuvantes valiosos, por seu efeito
poupador de opióides.49 Os opióides devem ser usados em doses tituladas,
pois existe uma grande variação na dose necessária, para aliviar a dor, em
pacientes com as mesmas características físicas.
O meio mais eficaz de controle da dor, com o uso de opióides
sistêmicos, é por meio da analgesia controlada pelo paciente (ACP), que
produz analgesia superior, com alto nível de satisfação deste. O consumo
total da droga é menor, se comparado com injeções intramusculares.44 As
principais vantagens da ACP são: a diminuição do intervalo do tempo, em
que o paciente necessita de analgésico e inicia a medicação; e a diminuição
da ansiedade, pela possibilidade de controle da própria dor. Como
desvantagem, encontra-se o custo elevado e a exigência de capacidade
física e/ou mental para manusear o aparelho.
A ACP pode ser iniciada na SRPA, com diversos analgésicos e por
diferentes vias, porém, os mais utilizados são os opióides, por via venosa e
peridural. A morfina venosa é iniciada com dose de 1mg e dose de demanda
também de 1 mg, com intervalos de 10 min e limite de 10 mg, em 4 h. O

318
Recuperação Pós-Anestésica

51
Sugestão para tratamento de Dor Aguda na SRPA

Droga Dose Via de administração

Morfina Titular, iniciando com 2mg EV

Codeína 60 mg SC ou IM

Nalbufina 0,1 mg/kg EV

Tramadol 50 a 100 mg 1- 2mg em crianças EV

Meperidina 0,5 a 1 mg/kg EV

Cetoprofeno 100 mg ou 1 mg/kg em crianças EV, diluído em 100 ml de


soro em 20-30 minutos

Cetorolaco 20 a 30 mg EV

Dipirona 15 a 20 mg /kg EV

Tenoxicam 40 mg ou 0,4 mg/kg em crianças EV


a cada 12 h

tramadol inicia-se com dose de 25 mg, usando-se, a partir daí, doses de demanda
de 5 mg, com intervalos de 30 min e uma dose limite de 60 mg, em 4h.50

Náuseas e Vômitos

Apesar dos avanços na prevenção e no tratamento, náuseas e vômitos


são as complicações mais freqüentes na SRPA.52,53,54 Em procedimentos
destituídos de outras complicações, o paciente terá como principal e
desagradável lembrança a experiência desses eventos, citados em vários
trabalhos como os mais indesejados no pós-operatório imediato.18,19,52,53
Pacientes e anestesiologistas concordam com a importância em se minimizar
tais eventos54,55, que geram desconforto e podem retardar a alta da SRPA
e hospitalar.52
A etiologia de náuseas e vômitos é multifatorial e depende de fatores
relacionados ao paciente, à anestesia e à cirurgia. 52,53,56 São fatores de
risco: sexo feminino, obesidade, doenças associadas com retardo do

319
Medicina Perioperatória

esvaziamento gástrico, história de náuseas e vômitos em cirurgias


anteriores. Pacientes jovens têm um risco quatro vezes maior do que os
idosos.57,58
Náuseas e vômitos são mais freqüentes em anestesia geral do que
em regional, embora o aparecimento de novos agentes anestésicos (propofol)
tenha estreitado essa diferença.53,56,57 O uso de opióides e hipotensão, no
intra-operatório, também aumentam sua ocorrência.56 Apesar da incidência
de náuseas e vômitos ser mais baixa, em crianças, ainda assim constituem
um problema importante, principalmente em cirurgias de estrabismo, hérnias,
otorrinolaringológicas e orquidopexias.37
O uso de antieméticos está recomendado para pacientes com múltiplos
fatores de risco..56,57 Esses agentes possuem eficácia variada e podem estar
associados a efeitos colaterais, como sedação, disforia, confusão, hipotensão
e sintomas extrapiramidais.
Em revisão sistemática de 17 ensaios clínicos randomizados,
objetivando definir a eficácia anti-emética e segurança da dexametasona,
na prevenção de náuseas e vômitos, envolvendo 1946 pacientes, dos
quais 598 receberam dexametasona; 582 receberam ondansetron,
granisetron, droperidol ou metoclopramida; 423 receberam placebo; e
343, uma combinação de dexametasona com ondansetron ou granisetron;

Fármacos utilizados no tratamento de náuseas e vômitos37

Droga Dose

Droperidol 0,0625 mg -1,25 mg, EV

Metoclopramida 0,1 - 0,2 mg/Kg, EV

Alizaprida 50 mg, IM ou EV

Bromoprida 10 mg, EV

Dimenidrinato 50 mg, IM

Ondansentron 4-8 mg, EV

Granisetron 40µg/kg, EV

320
Recuperação Pós-Anestésica

os autores concluíram que a dexametasona, em doses de 8 a 10 mg, EV,


para adultos, e 1 a 1,5 mg/Kg, para crianças, foi efetiva quando
comparada ao placebo. Os melhores resultados foram encontrados com
a associação dexametasona e antagonistas dos receptores seroto-
ninérgicos 58.

Hipotermia

Hipotermia, definida como temperatura central abaixo de 36°C, pode


ser observada em 60-80% de todas as admissões na SRPA.59 É decorrente
de alterações produzidas pelas drogas anestésicas, nos mecanismos centrais
de termorregulação e de fatores externos, como baixa temperatura da SO
e infusão venosa de líquidos frios.1,60,61
A hipotermia está associada a maior probabilidade de alterações
cardíacas e respiratórias, da coagulação e aumento do sangramento,
diminuição da biodegradação de drogas e aumento do tempo de permanência
na SRPA, diminuição da função imunológica e maior probabilidade de
infecções. 1,35,60
A resposta fisiológica ao frio inclui vasoconstrição, piloereção,
contração e relaxamento cíclico de músculos antagonistas, constituindo
o que nós chamamos de tremores, e que podem aumentar a produção
de calor em 300 a 400% 62,63. Apesar de gerarem calor, os tremores
são extremamente desconfortáveis para o paciente e provocam um
aumento dramático na taxa metabólica, chegando a aumentar o
consumo de O 2 em até 500%, com aumento na produção de CO 2,
aumento do risco cardíaco, da pressão intracraniana e intraocular e da
dor incisional. 35,62
A hipotermia deve ser prevenida intra-operatoriamente, por meio
de aquecimento ativo, elevação da temperatura ambiente, aquecimento
de líquidos intravenosos, etc. 60 Os tremores devem ser tratados
rotineiramente, com aquecimento cutâneo ativo, oxigenoterapia e
administração de meperidina - a droga considerada mais efetiva para o
seu controle. 1,14,59 Outras opções incluem doxapram, tramadol,
ketanserina, clonidina, propofol, fisostigmine, nefopam e sulfato de
magnésio. 63

321
Medicina Perioperatória

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325
Manuseio da Dor e Qualidade da
Assistência Perioperatória
João Batista Santos Garcia, TSA/SBA*
Carlos Eduardo Claro dos Santos, TSA/SBA**

A dor é um dos sintomas mais desconfortáveis no perioperatório,


especialmente no período pós-cirúrgico, quando é clara a necessidade de
seu reconhecimento, de sua efetiva avaliação e do estabelecimento de
protocolos específicos de tratamento antiálgicos.
O alívio da dor é, antes de tudo, um ato humanitário e é eticamente
inaceitável negligenciá-lo. Entretanto, além das razões humanitárias, o
manuseio adequado da dor pós-operatória é importante, pelo fato de causar
redução nas respostas aos impulsos nociceptivos induzidos pelo trauma,
atenuando reflexos somáticos e autonômicos que podem influenciar, de forma
adversa, o funcionamento de vários órgãos e contribuir para o aumento da
morbidade (Quadro 1)1.
Mais recentemente, há uma valorização crescente para os aspectos
mentais da dor, sabendo-se que o paciente reage não só do ponto de vista

* Prof. Adjunto Doutor da Disciplina de Anestesiologia da Universidade Federal do


Maranhão(UFMA). Responsável pelo Ambulatório de Dor do Hospital Universitário
(HUUFMA) e pelo Serviço de Terapia Anti-álgica do Instituto Maranhense de Oncologia.
** Anestesiologista Assistente do Serviço de Anestesiologia Clínica do Maranhão.
Medicina Perioperatória

anatômico e fisiológico. Observa-se, com freqüência, o aparecimento de


sintomas psicológicos negativos, em pacientes com dor aguda pós-operatória,
como sofrimento, tristeza, depressão, pânico, desespero, ansiedade,
sentimento de desamparo, diminuição da motivação, além de alterações do
sono2,3.
No sistema cardiovascular, a dor aumenta o risco de isquemia
miocárdica, infarto e insuficiência cardíaca e, ainda, o risco de
tromboembolismo. No sistema respiratório, causa redução de volumes
e capacidades pulmonares, espasmo reflexo da musculatura abdominal,
resultando em dificuldade para respirar profundamente e para tossir,
acumulando secreções, causando atelectasias e maior risco de
pneumonia 4,5.
Outras conseqüências da dor pós-operatória (PO) e do trauma
cirúrgico incluem retardo ao funcionamento normal do intestino, retenção
urinária, alterações do sistema imunológico e incapacidade física3.
Além de uma resposta neural, caracterizada por elevados valores
circulantes de catecolaminas, o trauma cirúrgico, associado à dor pós-
operatória, desencadeia, uma resposta endócrina manifestada por aumento
dos níveis séricos de hormônios catabolizantes e por diminuição dos
hormônios anabolizantes, o que resulta em retenção de água e sódio,
aumento de glicemia, radicais ácidos livres, corpos cetônicos e lactato.
Evidências sugerem que essas mudanças autonômicas, endócrinas e
metabólicas estariam relacionadas ao aparecimento de eventos adversos,
no período perioperatório6.
Mais recentemente, o trauma cirúrgico tem sido relacionado a
concentrações plasmáticas aumentadas de algumas citocinas, especialmente
a interleucina-6. Essa citocina é considerada um dos mais importantes
mediadores das respostas ao trauma, cujo aumento excessivo de suas
concentrações está associado ao aparecimento de complicações. A
interleucina-6 também está associada aos mecanismos responsáveis pela
hiperalgesia7,8,9.
A partir do momento em que todos esses dados são considerados,
percebe-se que há, potencialmente, muitos benefícios clínicos a serem obtidos
com uma analgesia adequada, em pacientes cirúrgicos, além de tornar o
tratamento economicamente compensador. Com base nessa premissa, houve

328
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

a criação dos primeiros protocolos(guidelines) para tratamento da dor aguda,


na década de 80 e 90, que foram introduzidos no arsenal dos
anestesiologistas e cirurgiões, como métodos eficazes de avaliação e
documentação da dor, na tentativa de influenciar, de maneira decisiva, o
manejo da dor perioperatória e o prognóstico dos pacientes submetidos à
cirurgia.

Quadro 1 - Conseqüências fisiológicas da dor pós-operatória

Cardiovascular ↑ FC, ↑ PA, ↑ RVS, ↑ trabalho cardíaco

Pulmonar Hipóxia, retenção de CO2, atelectasia, dificuldade em


tossir, ↓ VC, ↓ CRF, alteração da ventilação/perfusão

Gastrointestinal Náusea, vômito, íleo paralítico

Renal Oliguria, retenção urinária

Sistema Nervoso Central Ansiedade, medo, fadiga, falta de sono

Imunológico Imunossupressão

Extremidades Dor muscular, estase venosa, tromboembolismo

FC - freqüência cardíaca; PA – pressão arterial; RVS – resistência vascular sistêmcia; VC – volume corrente;
CRF – capacidade residual funcional

Técnicas Analgésicas e Morbimortalidade Perioperatória

Sabe-se hoje que o controle adequado da dor, no período pe-


rioperatório, é condição essencial para a recuperação pós - operatória
precoce e diminuição da taxa de complicações associadas ao trauma
cirúrgico10. As influências das técnicas de alívio da dor, nas respostas ao
estresse cirúrgico, foram muito documentadas nos últimos anos, e mostram
uma heterogeneidade de efeitos benéficos, em relação às mais variadas
respostas fisiopatológicas; no entanto, ainda restam controvérsias sobre qual
seria a melhor técnica analgésica para prevenir uma determinada
complicação.

329
Medicina Perioperatória

Há evidências de que, dentre as propostas de analgesia mais


comumente utilizadas, tais como analgesia controlada pelo paciente (ACP)
com o uso de opióides, uso de opióides de forma intermitente, de
antiinflamatórios não-esteróides(AINE) e analgesia peridural com anestésico
local ou com a associação anestésico local e opióide, esta última seja superior
às demais, no controle da dor, em operações de grande porte e na redução
das respostas clássicas endócrino-metabólicas; provavelmente, por gerar
um bloqueio efetivo da resposta aferente nociceptiva.11,12,13
A redução da resposta ao estresse cirúrgico apresenta correlação
importante com o tempo de analgesia epidural, portanto, esse efeito é mais
pronunciado com o uso de analgesia contínua (anestésicos locais isolados
ou anestésicos locais com opióides), devendo esta ser realizada por, pelo
menos, 24 horas e, preferencialmente, por 48 horas. O uso isolado de opióides,
por via peridural, mostrou-se menos efetivo na prevenção da resposta ao
estresse, sendo comparável ao uso de AINE. Em doses peridurais elevadas,
podem suprimir a resposta, durante o ato cirúrgico, mas não, no pós-
operatório 13. É interessante salientar que a analgesia peridural, com
anestésicos locais, é potencializada pela adição de adrenalina e isso foi
demonstrado por vários autores14. Além de ser uma opção segura, pois não
altera o fluxo sangüíneo da medula espinhal, nas doses normalmente usadas,
ainda há uma ação redutora da absorção sistêmica dos anestésicos locais e
opióides, facilitando sua difusão através das meninges, para promoverem
seus efeitos analgésicos centrais. Ainda, a adrenalina, como um fármaco
agonista alfa-2, exerce um efeito analgésico próprio na medula espinhal,
que é aditivo à ação dos demais15.
O uso de ACP venoso, com a utilização de opióides, melhorou
acentuadamente a satisfação dos pacientes e diminuiu a necessidade dos
cuidados de enfermagem, em relação à dor, no período perioperatório;
entretanto, não se mostrou uma técnica ideal, no alívio da dor decorrente de
procedimentos cirúrgicos maiores16. De forma desapontadora, não se
evidenciou melhora significativa da morbidade pulmonar, cardíaca e na
prevenção de fenômenos tromboembólicos, com ouso de ACP venoso,
quando comparado a doses intermitentes de opióides.17,18,19,20,21,22,23
Apesar de uma larga utilização, os AINE apresentam pequeno efeito
sobre o estresse cirúrgico e disfunção orgânica que se manifesta no período

330
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

perioperatório. São eficazes, no alívio da dor leve e moderada, apresentam


importância clínica, na redução dos efeitos colaterais associados ao uso de
opióides e na diminuição do consumo destes fármacos, em torno de 20% a
30 %, no pós-operatório.13,24,25
As repercussões das técnicas regionais (raquidianas e peridurais),
com o uso de dose única, têm sido discutidas por décadas. Em uma
metanálise, que incluiu 141 estudos aleatórios e um total de 9559 pacientes,
concluiu-se que o bloqueio neuroaxial reduziu o risco de trombose venosa
profunda, em 44%; de embolia pulmonar, em 55%; da necessidade de
transfusão, em 50%; de pneumonia, em 39%; de depressão respiratória em
50%, de infarto do miocárdio em 30%, com redução da taxa de mortalidade
global, em 30%. Vale ressaltar que esses resultados positivos foram
observados em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos ortopédicos
de grande porte, não sendo possível demonstrar os mesmos resultados em
outros procedimentos cirúrgicos, como abdominais, torácicos e urológicos26.
Em relação às técnicas peridurais contínuas, muitos estudos também
foram conduzidos. Vários autores demonstraram superioridade da analgesia
peridural contínua, com o uso de anestésico local, isoladamente ou associado
com opióides, na diminuição da morbidade relacionada a complicações
pulmonares, nas cirurgias abdominais de grande porte27,28,29,30,31,32.
As complicações cardíacas representam importante causa de morte
no período perioperatório. A analgesia peridural contínua pode reduzir as
respostas simpáticas, o que poderia promover um efeito benéfico, no entanto,
apesar de alguns autores observarem redução clinicamente relevante da
morbidade, a prevenção de complicações cardíacas, com essa técnica, é
controversa, principalmente, devido ao pequeno número de estudos
investigativos em pacientes de alto risco33. Há uma dúvida instigante a
respeito da possibilidade de o cateter peridural (lombar versus torácico)
influenciar na morbidade. Atualmente está bem estabelecido que o cateter
torácico é mais benéfico para pacientes que apresentam risco aumentado
de complicações cardiopulmonares submetidos a operações de tórax e
abdominais de grande porte34.
Quando se comparou a anestesia geral, realizada isoladamente, com
a anestesia regional associada à anestesia geral, foi possível evidenciar
redução do risco de complicações tromboembólicas e embolia pulmonar,

331
Medicina Perioperatória

efeitos esses mediados por redução da perda sangüínea intra-operatória,


aumento no fluxo sangüíneo venoso, diminuição da coagulabilidade e aumento
da fibrinólise, promovidos pelas técnicas regionais13. Em uma análise
específica, de estudos aleatórios com analgesia peridural contínua, foi
observada uma redução significante, da ordem de 62 para 28,7%, das
complicações tromboembólicas(avaliada principalmente através de
flebografia), em pacientes submetidos a operações ortopédicas de membros
inferiores, prostatectomias e vasculares periféricas35,36,37.
O íleo paralítico representa uma das mais freqüentes complicações
gastrointestinais do período perioperatório, prolongando o período de
hospitalização e convalescença. A ativação do reflexo esplâncnico inibitório
é o principal fator patogênico envolvido com tal complicação38. A analgesia
peridural torácica, com a utilização de anestésicos locais com ou sem opióides,
mostrou-se eficaz na abolição desse reflexo, diminuiu o período de íleo,
permitiu introdução precoce de dieta enteral e não aumentou o risco de
deiscência de anastomose. O uso de opióides, de forma isolada, por via
peridural, não é capaz de promover esses resultados24.
O período perioperatório relaciona-se a alterações da resposta imune,
devido a interações de diversos fatores, tais como lesão tecidual, anestesia,
dor pós-operatória e estresse anestésico-cirúrgico. A atenuação da
imunossupressão, mediada pelo controle adequado da dor pós-operatória,
por meio da anestesia regional (ACP peridural), além de diminuir o risco de
infecção pós-operatória, diminui o risco de metástase, em pacientes
submetidos a cirurgias oncológicas39,40. Pacientes submetidos a cirurgia de
abdômen inferior, que receberam terapia antálgica através de ACP peridural,
além de apresentarem melhor controle da dor pós operatória, apresentaram
supressão da proliferação linfocítica e atenuação da síntese de citocinas
pró-inflamatórias(IL-1 e IL-6), em relação aos pacientes tratados com ACP
venoso e doses intermitentes de opióides, por via intramuscular41.
Um aspecto importante a ser destacado é a presença de disfunção
cognitiva pós-operatória que, ocorre em torno de 20% das operações não-
cardíacas e quew pode persistir por até três meses, em 10% dos pacientes.
A sua patogênese é multifatorial e está relacionada à presença de hipóxia,
a distúrbios do sono, ao uso de sedativos e opióides. Os estudos dos possíveis
impactos das técnicas de analgesia peridural contínua sobre esse tipo de

332
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

disfunção são ainda inconclusivos, sendo necessários mais estudos nesta


área 42,43 .
Os efeitos da analgesia peridural sobre a mobilização, no pós-
operatório, foram estudados esporadicamente e os poucos resultados são
controversos. Quanto à permanência hospitalar, não é possível demonstrar,
com base nos estudos publicados, que haja uma diferença estatisticamente
significante, quando se usa a analgesia peridural; o que difere dos achados
de diminuição de morbidade cardíaca, pulmonar, gastrointestinal e
tromboembolismo. Parece que a permanência hospitalar é uma medida
prognóstica fraca, uma vez que depende de vários outros fatores, além do
alívio da dor, como, por exemplo: uso de drenos, cateteres, tradições,
restrições e até regras de reembolso pelo sistema de saúde. Os critérios de
alta são mais precoces, em pacientes recebedores de adequada analgesia,
entretanto, nem sempre isso se traduz em menor permanência hospitalar. O
ideal seria uma integração entre as equipes, de tal forma que o alívio da dor
estivesse diretamente relacionado a um programa multimodal de reabilitação
no perioperatório, que incluísse analgesia, mobilização e alimentação
precoces, informação ao paciente, etc44.

Dor Crônica Pós-Cirúrgica

A discussão de dor crônica pós-cirúrgica (DCPC) é um tema até há


muito pouco tempo negligenciado. A extensão do problema veio à tona no
início da década de noventa, quando um estudo realizado em uma clínica de
dor, no norte da Inglaterra, mostrou que um percentual de 20% de pacientes
atendidos com dor crônica apresentavam um procedimento cirúrgico
implicado com uma das causas de dor e, em torno de metade desses
pacientes, esta era o único fator causal 45. Os livros-textos cirúrgicos ignoram
o tópico e a maioria das publicações sobre o assunto são de qualidade
questionável.
Os critérios para definição de dor crônica pós-cirúrgica são
complexos. Ela pode ser conceituada como uma dor que se desenvolve
após um procedimento cirúrgico e que tenha pelo menos dois meses de
duração. Obrigatoriamente, outras causas de dor devem ser excluídas, como
a dor oncológica ou dor devido a infecção crônica, e o quadro doloroso

333
Medicina Perioperatória

atual não deve ser uma continuação de um pré-existente. É claro que, se há


uma lesão nervosa após uma colecistectomia, a dor será diferente daquela
gerada por cálculos e haverá mudanças sensoriais. Entretanto, nem sempre
é tão óbvio assim e há dificuldades em se detectar se a dor é um novo
problema e se está relacionada à operação realizada46.
A prevalência de DCPC varia consideravelmente entre os tipos de
operação, nos mais diferentes estudos. Alguns casos estão associados à
neuralgia pós-cirúrgica e são mais relacionados a certos procedimentos,
tais como mastectomia, toracotomia e esternotomia. A prevalência de dor
crônica, após operações de hérnias inguinais, tem sido relatada de forma
alarmante, pois há estudos que chegam a percentuais de até 54%, com
considerável prejuízo da qualidade de vida dos pacientes afetados47. É
importante ressaltar que DCPC pode estar presente também em pacientes
submetidos a operações orofaciais, dentárias, ortopédicas, ginecológicas,
vasectomias, amputações, simpatectomias, etc.
Alguns fatores de risco para o desenvolvimento de DCPC foram
identificados, como a presença de dor pré-operatória, reintervenções, cirurgias
ambulatoriais e pacientes jovens. Keller e cols48 observaram que o período
de início dos sintomas dolorosos apresenta relação causal importante, e
sugerem que dor intensa no pós-operatório imediato apresenta maior chance
de cronificação. O sexo é uma variável controversa, apesar de que alguns
autores citam que as mulheres queixam-se mais de dor que os homens49. São
também considerados de risco pacientes portadores de fenômeno de Reynaud,
síndrome do cólon irritável, cefaléia tipo migrânea e fibromialgia50.
Segundo alguns autores, pacientes submetidos a cirurgia torácica
apresentam escores de dor superiores a quatro(escala numérica), em 80%
dos casos, no período pós-operatório e, em 15% destes, a dor é su-
ficientemente incômoda, havendo necessidade de tratamento por um
especialista 51. A lesão de nervos intercostais parece ser o principal
mecanismo de DCPC, em pacientes submetidas a revascularização do
miocárdio. Ela pode resultar de trauma direto no intra-operatório, tensão ou
compressão durante a retração da parede torácica ou isquemia do nervo
durante manipulação da artéria mamária interna52.
A cronificação da dor pós-mastectomia relaciona-se, principalmente,
às ressecções causadas por câncer. Didiversos tipos de dor se relacionam

334
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

a esse procedimento cirúrgico: dor fantasma, dor na cicatriz cirúrgica, dor


na parede torácica e dor no membro superior ipsilateral à mama operada.53,54.
O tipo de operação também influencia a incidência de dor. Em torno da
metade das pacientes submetidas à mastectomia com reconstrução
apresentam DCPC um ano após o procedimento, em comparação com um
terço das pacientes submetidas à mastectomia, isoladamente, e um quarto
das pacientes submetidas apenas à redução de mama. Ainda, pacientes
submetidas à mastectomia com reconstrução e implante de prótese mamária
apresentam elevada incidência de cronificação da dor (53%), em
comparação com as pacientes que não foram submetidas a implante de
prótese após a mastectomia (30%)55.
Os estudos que avaliaram cronificação da dor pós-colecistectomia
revelaram uma freqüência de queixa álgica que variou entre 3 e 20%, sendo
que os pacientes submetidos à colecistectomia, por via laparoscópica,
apresentaram menores chances de apresentar DCPC, provavelmente pela
menor magnitude do trauma cirúrgico e estimulação nociceptiva56,57.
Apesar da identificação de várias síndromes de DCPC, pouco se
sabe sobre seus mecanismos subjacentes, sua história natural e a resposta
às intervenções terapêuticas. A necessidade de prevenção é imperiosa e há
um grande corpo de evidências mostrando que o uso de anestésicos locais,
opióides, AINE, antagonistas de receptores NMDA e outros agentes podem
prevenir a hiperalgesia, em animais. Entretanto, poucos estudos controlados
foram conduzidos em seres humanos, deixando uma lacuna de pesquisas a
serem conduzidas nessa área52.

Papel dos Serviços de Dor Aguda no Tratamento da Dor


Perioperatória

O tratamento inadequado da dor pós-operatória contou com a


conivência de cirurgiões e anestesiologistas, durante muito tempo, sendo
que os próprios pacientes aceitavam a dor como um evento inseparável do
período perioperatório. A preocupação com a dor PO é relativamente
recente, pois a publicação do primeiro guideline oficial de tratamento foi
em 198858, na Austrália. Em 199059, na Inglaterra, o Colégio Real dos
Cirurgiões e o de Anestesiologistas, em conjunto, afirmaram que o tratamento

335
Medicina Perioperatória

da dor PO, em hospitais britânicos, era inadequado e não tinha avançado


significativamente por muitos anos, o que gerou um reconhecido protocolo
de terapia antiálgica. Em 199260, o mesmo se repetiu nos Estados Unidos.
A partir de então, as instituições de saúde começaram a implantar os
serviços de dor aguda (SDA) que, atuando de maneira multidisciplinar,
criaram instrumentos para a abordagem mais racional e eficaz da dor
perioperatória61. Estima-se que 42% das instituições americanas, após um
ano de criação desses protocolos, já contavam com os serviços de dor
aguda, alcançando, no segundo ano, um total em torno de 73%62.
A introdução dos serviços de dor aguda está associada à melhora
acentuada da qualidade dos cuidados perioperatórios63,64, mas, apesar disso,
muitas instituições ainda não dispõem de tal serviço, mesmo após quase
duas décadas da criação dos primeiros guidelines para tratamento da
dor65,66,67. Ainda existem muitas dificuldades para mudar essa realidade e
uma das mais importantes é a falta de conhecimento das equipes de saúde,
que muitas vezes estão entrelaçadas a normas hospitalares e práticas de
enfermagem, dentro de um contexto sociopolítico regionalizado, que
caracteriza uma verdadeira barreira institucional. Faz-se necessário tornar
a dor visível, como um Quinto Sinal Vital, para que seja sempre avaliada e
possa ser prevista.
Estudos foram conduzidos, nas instituições que possuem serviços de
dor aguda, com o objetivo de confirmar a melhora no manejo da dor pós-
operatória. Escores de dor significantemente mais baixos e períodos menores
de dor moderada e intensa foram observados nos pacientes que receberam
assistência desses serviços. Além disso, efeitos colaterais, como prurido,
sedação e náuseas foram de menor ocorrência. Os pacientes receberam
maior número de informações quanto ao controle de sua dor, mostraram-se
mais satisfeitos, tiveram padrão de sono significantemente melhor e
receberam alta mais precocemente do hospital61,64. Recentemente, autores
avaliaram o impacto da implementação das recomendações em relação à
dor propostas pela Comissão de Acreditação dos Órgãos de Saúde nos
Estados Unidos(JCAHO-Joint Commission for Accreditation of
Healthcare Organizations), na sala de recuperação pós-anestésica, em
1082 pacientes submetidos a operações de natureza variada. Observaram
um aumento considerável na utilização de opióides (morfina) que não foi

336
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

associado a maior incidência de complicações (como depressão respiratória)


nem maior permanência na sala de recuperação, o que reflete que houve
uma mudança positiva das práticas analgésicas perioperatórias 68.
São critérios de qualidade mínimos, para implantação desses serviços:
a avaliação e a documentação dos escores de dor, por meio de instrumentos
adequados; a presença de protocolos bem definidos para manejo da dor;
pessoal treinado e familiarizado com tais protocolos e métodos de vigilância
da dor pós-operatória, no período noturno e nos finais de semana. Os métodos
de avaliação devem ser regulares, preferencialmente, não só durante o
repouso, mas também, quanto aos movimentos. Devem ser postas em prática
escalas adequadas para crianças e para indivíduos com déficit cognitivo.
Os SDA devem pré-estabelecer níveis aceitáveis de escores de
intensidade de dor pós-operatória. Uma sugestão seria a nota três como um
valor máximo aceitável, em uma escala numérica de 0 a 10. Outras
atribuições seriam o constante treinamento do pessoal de enfermagem
envolvido com o serviço e a educação contínua dos pacientes, o que minimiza
os riscos, torna mais efetiva a técnica analgésica empregada, permite
adequada monitorização da dor, implementa as opções de tratamento e
detecta precocemente os efeitos adversos. Em um estudo recente, conduzido
durante o processo de implantação de um DAS, foi realizada entrevista
com a equipe de enfermagem, que possuía média de atuação profissional
de 12 anos. Um total de 93% dos entrevistados referiram que os pacientes
algumas vezes dizem que sentem dor, mas não a têm verdadeiramente e
apenas 44% sempre acreditavam nas queixas álgicas dos pacientes, o que
demonstra claramente a necessidade de educação desse segmento, em
relação à avaliação da dor69.
Em relação à aceitação dos pacientes, alguns autores referem que
88% relataram satisfação com a analgesia instituída no pós-operatório, e,
apesar de relatos de dor intensa, somente 3% dos pacientes estavam
insatisfeitos com a terapêutica. Em um trabalho parecido, os pesquisadores
encontraram que 91% dos pacientes relataram satisfação com o
gerenciamento de sua dor. Esses resultados podem refletir experiências
pessoais anteriores ou de amigos e familiares, bem como crenças, mitos,
tradições, dogmas, expectativas e concepções errôneas em relação às
cirurgias, que reforçam a obrigatoriedade da presença de dor no

337
Medicina Perioperatória

perioperatório. Posturas estóicas, déficit de memória ou alterações cognitivas


também podem influenciar na obtenção adequada de dados relativos à
ocorrência de dor. Todos esses elementos consolidam, no paciente, uma
visão de que sentir dor, ao ser submetido a uma operação, é natural e que
qualquer alívio obtido é um grande benefício70,71.
Um aspecto muito questionado, em relação aos serviços de dor aguda,
são os custos. Vários autores demonstram que o investimento, em um serviço
de dor aguda, tem uma relação custo-benefício positiva, principalmente,
quando se considera uma diminuição da morbidade cárdio-respiratória, menor
índice de internação em unidades de terapia intensiva, precocidade em
alimentação oral e reabilitação72. Além disso tudo, há um dado que é
imensurável financeiramente, que é satisfação e bem-estar dos pacientes.
Ao longo da última década, vários protocolos de tratamento de dor
pós-operatória foram referidos internacionalmente, mas só após o ano 2000
surgiram os novos guidelines nos quais a abordagem da dor é voltada
especificamente para o tipo de operação realizada, baseados em evidências
da literatura. Tal abordagem parece inovadora e mais racional, uma vez
que é possível selecionar técnicas de acordo com as necessidades e
particularidades de cada procedimento, em determinados locais do corpo73.
Quase vinte anos após o início de todo esse movimento mundial em
torno da dor pós-operatória, infelizmente, um número ainda grande de
pacientes sofre nesse período. Realizou-se nos Estados Unidos um estudo,
em 1995, no qual cerca de 75% dos pacientes relataram dor PO. Em 2003,
foi realizado um estudo semelhante, com resultados espantosos, pois mesmo
após tanto tempo e com todo o aprimoramento, aparato e introdução de
novas técnicas antiálgicas, 82% dos pacientes ainda apresentavam dor
PO 70,71,74 .
Concluindo, há muitas recomendações e poucos serviços de dor aguda
realmente operantes. Inúmeros hospitais têm algum tipo de serviço parecido
com um SDA, mas não completamente estruturados, o que é uma realidade em
todos os continentes e ocorre em países como Reino Unido, Alemanha e Estados
Unidos. Cada hospital deve instalar seu serviço, baseado em suas condições
locais, de forma estratégica e cuidadosamente processada, para que, daqui a
alguns anos, não tenhamos de enfrentar a realidade de subtratamento e da alta
prevalência da dor pós-operatória e suas potenciais complicações.

338
Manuseio da Dor e Qualidade da Assistência Perioperatória

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