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1 INTRODUÇÃO
A literatura brasileira recente corrobora essa assertiva. Muitos estudos1 apontam essas
questões como fundamentais a serem consideradas na efetivação da inclusão escolar e
têm como disparador dessa discussão a diversidade humana. Entendemos que a
diversidade na sala de aula deva ser trabalhada com ações afirmativas, traduzidas em
processos instituintes de políticas públicas e atividades educativas que contemplem
práticas que visem à inclusão de todos os alunos.
O processo de inclusão escolar tem impulsionado cada vez mais a presença de alunos
com variados tipos de deficiências, muitas vezes desconhecidas, para os profissionais
das escolas, como, por exemplo, a deficiência múltipla, surdocegueira, paralisia
cerebral, distrofia muscular entre outras, o que pressupõe pensar estratégias para
atender às especificidades desses alunos nunca antes vistas na sala de aula comum,
onde, ainda provocam muito estranhamento.
1
Ferreira (2005), Góes e Smolka (1997), Góes ( 2004), Smolka (2003, 2006), Kassar (1999, 2006), Baptista (1999,
2006), Prieto (2002, 2006, 2007), Padilha (2001, 2006), Jesus (2002, 2006a), Mendes (2002, 2006), Bueno (2004,
2005), Barreto e Victor (2005, 2006), Ferreira (2005, 2006) entre outros.
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Assim, a escola comum necessita aprender como trabalhar com alunos que apresentam
esses variados tipos de deficiências. Para que esse aprendizado ocorra, faz-se
necessário refletir a respeito da implementação de políticas públicas para a Educação
que fomentem a formação do professor e, conseqüentemente, reflitam na prática
educativa.
Essas são questões que se apresentam como eixos de discussões para este estudo,
que se debruça na investigação da implementação da inclusão escolar no município de
Cariacica, apontando a necessidade de pensarmos a inclusão escolar inscrita dentro de
uma dimensão ampla de educação.
Dentro dessa perspectiva, compreendemos que educação tem uma dimensão política
e, por isso, não é e não pode ser neutra. Julgamos importante, então, neste momento,
quando contextualizamos e problematizamos este estudo, refletirmos um pouco acerca
da dimensão política da educação.
Essa relação externa entre educação e política ganha para nós significado, apontando
a importância de desenvolvermos uma política que possibilite pensar e instituir práticas
educativas que fomentem, de forma não-cristalizada e não-homogênea, o processo de
inclusão escolar, porque entendemos, como Saviani, que:
Paro (2002), outro autor que discute a mesma questão, apresenta-nos duas
concepções acerca da relação entre política e educação.
O teor dessa segunda concepção mostra-nos a crítica feita à escola reprodutora das
desigualdades sociais; uma crítica necessária, que teve e tem seu lugar na história.
Segundo Saviani (1994), por um lado, o conjunto de teorias que o autor denomina
crítico-reprodutivista evidenciou de modo contundente o papel prestado pela escola,
apontando a reprodução da sociedade de classes e o reforço ao modo de produção
capitalista; por outro lado, disseminou entre os educadores um clima de pessimismo e
um sentimento de impotência diante dessa evidência.
A partir da perspectiva de classe, o autor enfatiza que essa bandeira de luta significa
reconhecer a importância da educação para todos, no sentido de opor-se à postura
elitista de defender privilégios.
Reforçam a idéia de Saviani as discussões de Jesus (1989), quando indica que, nas
reflexões de Gramsci, a escola aparece como uma instituição afetada e moldada pelas
exigências hegemônicas, burocráticas e administrativas da “sociedade política” e da
“sociedade civil” que integram a noção de Estado em Gramsci.
Assim, para Gramsci (1989), existem dois planos dentro da estrutura da sociedade: o
chamado “sociedade civil” e o chamado “sociedade política ou Estado”, que configuram
o contexto social.
[...] pode-se fixar dois grandes “planos” superestruturais: o que pode ser
chamado de “sociedade civil” (isto é, o conjunto de organismos chamados
comumente de “privados”) e o da “sociedade política ou Estado”, que
correspondem à função de “hegemonia” que o grupo dominante exerce em
toda a sociedade e àquela de “domínio direto” ou de comando, que se
expressa no Estado e no governo “jurídico”. Estas funções são precisamente
organizativas e conectivas (GRAMSCI, 1989, p. 10-11).
Segundo Jesus (1989, p. 22), [...] o Estado desenvolve, na sociedade civil, um aparato
ideológico, no qual a educação ocupa o lugar principal. O autor, respaldado pelos
escritos de Gramsci, complementa, mostrando que, na sociedade civil, se apresenta um
processo pedagógico permeado por três elementos: a ideologia, a estrutura ideológica
e o material ideológico.
sociais. Por seu turno, a estrutura ideológica constitui-se de um aparato que engloba a
escola, a Igreja e variados meios de comunicação como difusores dessa ideologia. O
material ideológico reproduz a concepção, a ideologia e é veiculado pela estrutura
ideológica.
Nesse sentido, não haverá na sociedade uma escola desvinculada da realidade. Nela
sempre circularão ideologias. Se a hegemonia dominante, hoje, tem padronizado a
escola nos moldes do capitalismo e nas políticas neoliberais, comecemos a pensar em
instituir outras posturas mais humanas para a função dessa instituição, dentro da
sociedade atual.
Nesses termos, Gramsci (1978, p. 38) dirige-nos duas perguntas: Que é o homem?
Como responder a ela? A resposta para Gramsci encontra-se no próprio homem.
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[...] estas relações não são mecânicas. São ativas e conscientes, ou seja,
correspondem a um grau maior ou menor de inteligibilidade que delas tenha
o homem individual. Daí ser possível dizer que cada um transforma a si
mesmo, se modifica, na medida em que transforma e modifica todo o
conjunto de relações do qual ele é o ponto central. Neste sentido, o
verdadeiro filósofo é – e não pode deixar de ser – nada mais do que o
político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por
ambiente o conjunto das relações de que o indivíduo faz parte. [...] Estas
relações, contudo, como vimos, não são simples. Enquanto algumas delas
são necessárias, outras são voluntárias. Alem disso, ter consciência mais ou
menos profunda delas (isto é, conhecer mais ou menos o modo pelo qual
elas podem se modificar) já as modifica (GRAMSCI, 1978, p. 39-40).
Dentro dessa mesma perspectiva de Gramsci, apontando uma visão de homem como
ser histórico de relações e como agente político, que transforma o ambiente em que
vive, Saviani (2004a) alerta-nos para compreendermos a educação como um
instrumento de luta, capaz de instituir novas relações a favor de uma concepção de
mundo voltada aos interesses das classes populares.
A ordem existente de que fala Saviani (2004b) não é senão a conjuntura atual da
educação e da sociedade como um todo, fundada nos parâmetros das políticas
neoliberais2.
Alertando para o fato de que é nesse projeto que estão inseridos os planos e metas
para a educação, uma educação moldada pelo mercado, que o autor enfatiza: O
neoliberalismo se caracteriza por pregar que o Estado intervenha o mínimo na
economia, mantenha a regulamentação das atividades econômicas privadas num
mínimo e deixe agir livremente os mecanismos de mercado. (SILVA, 1994, p. 26).
2
Para aprofundamento do tema consultar as obras: “Neoliberalismo, qualidade total e educação” (GENTILI.;
SILVA, 1994), “Liberalismo, neoliberalismo e educação especial: algumas implicações” (KASSAR, 1998) ,
“Políticas públicas e educação básica” (DOURADO.; PARO, 2001) “Educação, exclusão e cidadania” ( BONETI,
2003).
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Ainda, para o autor, todo homem, todo intelectual [...] participa de uma concepção do
mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou
para modificar uma concepção do mundo [...] (GRAMSCI, 1989, p. 7- 8).
No mesmo teor dessa discussão, lançamos mão das reflexões de Mészáros (2005), que
analisa o impacto da lógica do capital sobre a educação. Suas reflexões mostram que,
nos últimos 150 anos, a educação institucionalizada tem servido de instrumento
produtivo para a expansão e legitimação do sistema do capital, principalmente sob a
forma de internalização.
Mészáros (2005) enfatiza que a escola está integrada aos processos sociais e, no caso
de nossa sociedade, integrada ao modo de produção capitalista. Dessa forma não
escapa à reprodução do sistema, não está à margem da realidade, o que a leva a
legitimar a posição dos indivíduos que lhes foi atribuída dentro da hierarquia social, por
meio da internalização, da conformidade, induzindo-os a uma aceitação passiva.
Para além do que se mostra como estabelecido na sociedade, este trabalho busca um
conceito mais amplo de política que supere aquele que é exercido pelo modelo
capitalista. Dentro dessa ótica, compartilhamos com as reflexões de Paro:
É esse tipo de política que esta pesquisa busca fomentar, no percurso de investigação
acerca da inclusão escolar no município de Cariacica. Uma política que traga o debate
inclusão/exclusão, reconhecendo o direito à educação para todos, como expressa Cury:
Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política
pública. Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política
que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn (1980),
como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos específicos.
Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades
dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que
influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política
pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais
conhecida continua sendo a de Laswell, ou seja, decisões e análises sobre
política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o
quê, por quê e que diferença faz (SOUZA, C., 2006, p. 24).
Sobre a livre iniciativa, podemos afirmar que [...] não pode haver liberdade onde as leis
de mercado fundamentadas na força dos que possuem sobre os que não possuem. A
lei que vige não é a lei humano-histórica, mas a lei da selva, a lei do mais forte (PARO,
2002, p. 22).
esse fato não nos permite comemorar, pois 14 milhões de pessoas não tiveram acesso
à educação, foram excluídos, foram interditados.
A história continua sendo problematizadora da luta que se travou pela escola pública e
pela democracia; ela mostra a regressão da Constituinte de 1937 em relação à
educação e à própria democracia. Instalou-se definitivamente o ensino voltado para o
trabalho, para o mercado, para o capitalismo, no qual se dualizou a escola; uma
formadora de mão-de-obra, outra formadora de elites dirigentes (CURY, 1996).
Sobre o mesmo tema teorizou Bourdieu (1998), afirmando em suas reflexões que o
sistema escolar é um dos maiores contribuidores para a manutenção das
desigualdades sociais, pois legitima a herança cultural e o dom social como um dom
natural. Assim, quem não tem esse “dom natural” para ser elite dirigente é excluído da
escola que reproduz a cultura dominante. Essa escola dual e preconceituosa do Brasil
sancionou a desigualdade social e cultural, o que também já ocorria em outros países.
Capanema perdurou de 1942 até 1961, com a aprovação da LDB n.º 4.024 de 20 de
dezembro de 1961 (RIBEIRO, 1993). Temos, assim, praticamente vinte anos de
diretrizes com cunho ditador, o que influenciou toda a política para o setor da educação.
Os acordos MEC/USAID levaram para dentro das universidades e para dentro das
escolas os princípios da mentalidade empresarial respaldados nas duas leis
promulgadas nesse período: Lei n.º 5.540 de 28 de novembro 1968 que tratou de conter
a resistência dos estudantes universitários contra a ditadura, desarticulando-os e
fragmentando o trabalho da universidade, e Lei n.º 5.692 de 11 de agosto de 1971 que
instituiu o ensino profissionalizante, descaracterizando a escola pública, enquanto as
escolas privadas preparavam sua clientela para o acesso ao Ensino Superior.
Diante desse quadro, podemos afirmar, como Petitat: Sem dúvida a escola contribui
para a reprodução da ordem social; mas ela também participa de suas transformações
[...] (PETITAT, 1994, p. 11).
Com esse desafio apontado, iniciamos este item com uma breve retrospectiva da
política estabelecida acerca da escolarização das pessoas com deficiências, realizada
por Ferreira, M.C.C. (2005).
No fim dos anos 80 e, muito mais especialmente, no início dos 90, começa a
evidenciar-se um processo de cooptação intelectual sem precedentes na
América Latina. As agências de financiamento internacional e os novos
governos (estes, sim, já de perfil claramente neoliberal e neoconservador)
começam a projetar uma política de sujeição cooptativa [...] Fica evidente que
este mecanismo de cooptação (através do rápido acesso a elevadas
remunerações “contratos internacionais” e/ou graças à proximidade com o
novo poder ineditamente adquirida) conduziu a um esmorecimento das
pretensões e das demandas democratizadoras antes defendidas (GENTILLI,
1994, p. 125).
Boneti (1999), discorrendo acerca do perfil do Estado mínimo mostra-nos que essa
tendência se tem presentificado em todo o Ocidente e que a garantia de emprego não é
mais o elemento integrador do Estado, passando agora o padrão referencial integrador
a ser a competência tecnológica para se incluir no mundo da produção. Com isso o
Estado se exime da responsabilidade pelas diferenças persistentes e/ou a exclusão,
jogando sobre os sujeitos sociais a culpa de sua não homogeneização e a conseqüente
exclusão (BONETI, 1999, p. 10-11).
Refletindo ainda mais sobre a questão do Estado mínimo, Boneti (1999), indica-nos
como essa política alcança a escola. Para o autor a política do Estado mínimo assegura
a competitividade e a sustenta, subordinando a política social, e aqui se inclui a escola,
à política econômica.
A exclusão também é justificada por meio dos documentos oficiais acerca da política
para a inclusão. Os estudos de Garcia (2006) referentes à analise documental, na qual
a autora busca compreender os discursos políticos e as concepções que os respaldam,
presentificadas nos documentos, relatam:
JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
FOLHA - Em termos de política pública para a educação, como o PDE pode ser lido do
ponto de vista da "pedagogia histórico-crítica", teoria que o sr. desenvolveu?
SAVIANI - O questionamento do PDE se dirige à própria lógica que o embasa. Com
efeito, essa lógica poderia ser traduzida como uma espécie de "pedagogia de resultados".
Assim, o governo se equipa com instrumentos de avaliação de produtos, forçando, com
isso, que o processo se ajuste a essa demanda. É, pois, uma lógica de mercado
que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das chamadas "pedagogia das
competências" e da "qualidade total". Esta, assim como nas empresas, visa a obter a
satisfação total dos clientes e interpreta que, nas escolas, aqueles que ensinam são
prestadores de serviço, os que aprendem são clientes e a educação é um produto que
pode ser produzido com qualidade variável. No entanto, de fato, sob a égide da qualidade
total, o verdadeiro cliente das escolas é a empresa ou a sociedade, e os alunos são
produtos que os estabelecimentos de ensino fornecem a seus clientes. A visão da
pedagogia histórico-crítica é inteiramente diversa. Em lugar de aplicar provas nacionais
em crianças de 6 a 8 anos, o que caberia ao Estado seria equipar adequadamente as
escolas e dotá-las de professores com formação em cursos de longa duração e
salários compatíveis com seu alto valor social.
Isso permitiria transformar as escolas em ambientes estimulantes, nos quais as crianças,
nelas permanecendo em jornada de tempo integral, não teriam como não aprender. Seus
êxitos seriam o resultado de um trabalho pedagógico desenvolvido seriamente, próprio de
profissionais bem preparados e que acreditam na relevância do papel que desempenham
na sociedade, sendo remunerados à altura de sua importância social.
Diante do teor da entrevista, Saviani (2007) deixa claro que mais uma vez temos um
plano elaborado pelo Governo seguindo metas do mercado. Assim, justifica-se
oficialmente uma educação de resultados, preocupada com o produto e não com o
processo, como evidenciou Saviani.
Ajudam-nos nessa compreensão os escritos de Castel (2004), que discorre acerca das
armadilhas da exclusão e nos esclarece que a exclusão não é algo acidental ou natural,
mas antes uma ação atestada e justificada.
[...] a exclusão apresenta traços comuns. Ela impõe uma condição específica
que repousa sobre regras, mobiliza aparelhos especializados e se completa
por meio de rituais. [...] Assim, a exclusão não é nem arbitrária nem acidental.
Emana de uma ordem de razões proclamadas. Ousar-se-ia dizer que ela é
“justificada”, se entendemos por isso que repousa sobre julgamentos e passa
por procedimentos cuja legitimidade é atestada e reconhecida (CASTEL,
2004, p. 40-41).
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Nossa luta em torno da inclusão escolar abarca essa preocupação com a garantia não
só da presença física do aluno com necessidades educacionais especiais na sala, mas
também com a implementação de uma política que favoreça a permanência, o ensino,
aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos com qualidade.
A exclusão e seus efeitos estão aí. São evidências cruéis e brutais mostradas
nas esquinas, comentadas pelos jornais, exibidas nas telas. Entretanto, a
exclusão parece ter perdido a capacidade de produzir espanto e indignação
em boa parte da sociedade. Nos “outros” e em “nós outros” (GENTILI, 2001b,
p. 29).
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Entendemos que a inclusão escolar deva ser uma ação conjunta entre os setores da
sociedade. Pensar inclusão escolar sem pensar saúde é esquecer que somos, também,
seres biológicos carentes dos cuidados básicos para manutenção da vida. Pensar
inclusão escolar sem levar em conta as questões econômicas do País é esquecer que a
fome é, também, um dos impeditivos do desenvolvimento humano. Pensar inclusão
escolar sem considerar o salário do professor e as condições de ensino é esquecer do
humano, do profissional que constrói a história da educação no País.
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Entendemos, como Santoro e Lisita (2004), que o ensino envolve uma prática moral e
ética:
Por isso, nessa visão, o ensino é também uma prática moral e ética, que
depende dos julgamentos de quem o realiza sobre o significado e as
conseqüências de sua prática. Enquanto prática moral, o ensino realiza-se
como possibilidade de concretização de valores e intenções postos pela
sociedade em que ocorre. Em sua dimensão ética, o ensino supõe uma
atitude crítica em relação a estes mesmos valores e intenções. Essa atitude
crítica, do plano da ética, é fundamental para uma concepção de ensino
como prática social humana que não pretenda, meramente, a reprodução dos
valores e das práticas sociais vigentes – marcados pelas desigualdades e
injustiças sociais -, mas a sua transformação na direção de práticas sociais
mais humanas, justas e dignas (SANTORO; LISITA, 2004, p. 3).
Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente
humana digna de seres livres, então é inseparável da ética (CHAUÍ, 1995, p. 384). A
despeito do mercado espoliador tão arraigado em nossa sociedade, não nos furtaremos
à luta pelo fomento da ética e finalidade a que remete o pensamento de Chaui (1995), a
começar por pensar em uma outra lógica de educação, ensino e formação de
professores. Reflexões sobre essas questões inscrevem-se no item a seguir.
A formação de professores, assim como a escola, não pode ser pensada de forma
desvinculada da realidade histórica, social e econômica do País. Entendemos que a
realidade social e econômica tem definido os programas de formação de professores.
Passemos a uma breve análise do modo de produção capitalista na visão marxista para
compreendermos como a formação de professores está sendo marcada e definida pela
produção capitalista.
Sabemos que o homem na sua produção de existência age sobre a natureza e também
sobre os outros homens, estabelecendo um intercâmbio nessa produção. Dependendo
do caráter dos meios de produção é que o intercâmbio, ou a relação social, pode
diferenciar-se.
Scaff (2006) mostra-nos que a produção de vida humana explicitada na teoria marxista
diz respeito à mediação entre homem e natureza como satisfação de suas
necessidades de sobrevivência. Essa mediação, essa atividade é denominada de
trabalho concreto.
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Em muitos casos, a participação dos professores nas formações efetiva-se por uma
pressão em busca de competência para o mercado. Em conseqüência, a prática
reflexiva do professor é interditada, não permitindo transcender a realidade capitalista.
[...] é necessário salientar a importância das políticas públicas, uma vez que
podem ser evidenciadas em melhores ou piores condições de ensino. Fato é
que, no atual contexto, os educadores, em especial os professores, têm sido
transformados em meros “dadores” de aula, resumindo-se sua profissão a
uma perspectiva própria do mundo capitalista, que é a de garantir a própria
sobrevivência por meio da venda de sua força de trabalho. Tal quadro,
quando se atenta para a especifidade da questão educativa, faz pensar que
aspectos cruciais de formação, de aperfeiçoamento profissional, de reflexão
crítica da realidade estão sendo perdidos, o que põe em risco o alcance dos
fins da educação (OLIVEIRA, L.H.R, 2006, p. 83).
A “livre iniciativa” é outro fator que interfere na formação do professor, pois estamos
vivenciando um deslocamento de responsabilidade acerca da organização desse tipo
de formação. O próprio professor, com seu parco salário, deve ter a “livre iniciativa” na
participação em cursos ministrados em finais de semanas ou a distância em instituições
privadas ou públicas que não contemplam o cotidiano da escola de cada professor.
Diante das dificuldades que devem enfrentar na escola, o docente vai sendo
encurralado entre o que deseja e o que realmente pode fazer, entre a vitória
e a frustração, entre as possibilidades e as barreiras. Nestas condições, o
sentido do trabalho docente vai se perdendo [...] (GENTILI, 2001a, p. 47).
Acreditamos que é preciso não deixar o sentido do trabalho docente se perder e resistir
ao que está posto. Assim, consideramos que é urgente investir na formação continuada
do professor. Uma formação em contexto, no cotidiano da escola para maior apreensão
das possibilidades de mudança e transformação da realidade, como ruptura ao que
está estabelecido e internalizado pelo modo de produção capitalista.
Frizzo (2003), na discussão acerca da crise por que passamos em relação à formação
de professores, indica-nos:
Entendemos, então, que as políticas públicas têm tirado o professor de seu lugar de
profissional reflexivo, de intelectual, como aponta Giroux (1997). Compartilhamos,
ainda, as reflexões de Frizzo (2003), que indica:
Assim, instituir novas práticas como ruptura ao estabelecido, por meio de uma formação
continuada em contexto, em uma ação conjunta, coletiva, é o que constitui e impulsiona
a intenção investigativa deste estudo que se configura como discussão do próximo
capítulo.
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Professor itinerante, responsável por atender duas escolas, ficava dois dias em
cada unidade escolar; um dia da semana era reservado para participação no
grupo de estudo e formação continuada com a equipe do Setor de Educação
Inclusiva.
Professor de apoio, responsável por uma escola que recebesse alunos com
deficiência múltipla, permanecia na escola durante toda a semana; era liberado
apenas um dia para participar do grupo de estudo e formação continuada com a
equipe do Setor de Educação Inclusiva.
Em conversa informal com uma professora de apoio, ficamos sabendo que essa
diferenciação na distribuição da carga horária entre professor itinerante e professor de
apoio se fundamenta naquilo que chamam de maior “demanda”, ou seja, o aluno que
apresenta deficiência múltipla precisa de maiores “cuidados”. Em conseqüência, a
53
escola que recebe o aluno com deficiência múltipla “precisa de maior permanência do
professor de apoio na sala de aula”.
Os professores de apoio/itinerantes reúnem-se uma vez por semana com uma equipe
de profissionais do Setor de Educação Inclusiva da Secretaria Municipal de Educação,
que, segundo informações da coordenadora-geral do Setor, constitui-se como um grupo
de estudo e de formação continuada. Essa equipe é composta por dois pedagogos e
dois professores que discutem as ações da semana realizadas pelos professores de
apoio/itinerantes nas escolas. Também se faz presente, quando necessário, uma
professora articuladora da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), que,
segundo informações, é um elo entre as escolas regulares e a Apae de Cariacica.
A partir dos dados obtidos no estudo exploratório, pudemos observar algumas nuances
e delinear, de forma bem geral, o movimento de inclusão escolar na rede de ensino do
município de Cariacica sem, no entanto, podermos apontar, ainda, o decurso peculiar
das práticas educativas vivenciadas nas escolas da rede.
O pesquisador coletivo ganha importância neste estudo porque é a partir dele, com ele
que as ações se efetivam. O mesmo autor mostra:
Primeira Frente
A primeira frente de trabalho destaca-se com a participação, planejamento e
intervenções nos encontros semanais de formação continuada organizados pelo Setor
de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação do município de Cariacica,
juntamente com os componentes da equipe.
reuniões dos grupos ocorriam à noite e contavam com a orientação de cinco duplas de
professores de apoio/itinerantes. Nessa primeira fase, participamos dos planejamentos
que antecipavam os encontros dos grupos com as cinco duplas formadoras, além de
acompanhar o grupo de profissionais que se reunia na segunda-feira. As componentes
do Setor de Educação Inclusiva acompanhavam os grupos de terça a sexta-feira.
Segunda Frente
Como segunda frente, apontamos a intervenção/mediação dentro de quatro escolas do
município de Cariacica que recebem alunos com deficiência múltipla/paralisia cerebral.
Nessas escolas, estivemos interagindo com dois alunos com necessidades
educacionais especiais e com toda a turma, os professores regentes e os professores
de apoio. Elegemos também, como participante da pesquisa, um aluno com distrofia
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professora regente, Elaine, até o mês de abril. Nos meses subseqüentes, interagimos
com a professora de apoio, Luciana, e a professora regente, Ester.
Terceira Frente
Para nós, neste estudo, a observação como instrumento de coleta de dados constituiu-
se como uma intervenção/mediação dentro do cotidiano das escolas, da formação
continuada para profissionais da Rede de Ensino de Cariacica e na produção do
conhecimento do pesquisador coletivo. Segundo Tura (2003),
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A autora ainda explica o sentido da microgenética, indicando que esse tipo de análise
se refere ao micro não por ser de curta duração dos eventos, mas por se preocupar
com as minúcias, com os indícios. É genética porque se define como histórica,
focalizando os processos e relações do passado e do presente com projeção para o
futuro. Também se define como sociogenética, relacionando-se ao plano da cultura, das
práticas e interações sociais.
Para Lefebvre (1995), o conhecimento é um fato que ocorre desde a vida prática e mais
simples, porque estamos em interação constante com os objetos, com os seres vivos,
com as pessoas, estabelecendo uma relação que resulta no conhecimento. Nessa
interação, o sujeito e o objeto agem e reagem, explorando, experimentando, resistindo,
cedendo, designando assim a relação entre eles.
É nesse percurso metodológico, apresentado até aqui, que nos fundamentamos para
trilharmos o contexto desafiador da Rede de Ensino de Cariacica. Um percurso que
busca os possíveis, pautados na pesquisa-ação, intervindo junto com a equipe do Setor
de Educação Inclusiva, junto com o professor da sala comum e de apoio na tarefa de
formar e formar-se, em prol da implementação de políticas, objetivando a formação
docente, a produção de conhecimento e a aprendizagem e desenvolvimento de todos
os alunos.
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A escola comum, dentro dos princípios da inclusão, passa a ser um espaço plural,
recebendo alunos com variados tipos de deficiência. Algumas dessas deficiências,
como distrofia muscular progressiva, deficiência múltipla, surdocegueira, entre outras,
até então, pouco conhecidas e não trabalhadas, passam a se presentificar no cotidiano
do espaço escolar.
O pouco conhecimento dessas deficiências é atribuído ao fato de que, por muito tempo,
a política educacional destinada aos alunos com deficiência múltipla, paralisia cerebral,
surdocegueira e tantas outras, era uma política de segregação. Esses alunos foram
mantidos nas instituições e escolas especiais sem o contato com as escolas comuns.
Se antes a prática educativa com esses alunos era exclusividade das instituições
especializadas, hoje não é mais.
impulsionado pelas relações sociais, pela mediação do outro, pelos signos da cultura.
Esse entendimento é fruto dos estudos ligados à perspectiva histórico-cultural que vem
expandido-se nos últimos anos como contribuição teórica no campo da Educação e que
se apresenta como base teórica desta pesquisa.
A partir dessa citação de Davydov e Zinchenko (2003), estamos abrindo diálogo com
outros autores e pesquisadores que utilizam a teoria histórico-cultural em seus estudos,
porque entendemos que a própria teoria, como nos indica sua denominação, é
histórica, dinâmica, portanto passível de incrementações e aprofundamentos para
entendimento dos aspectos educacionais de nosso tempo.
Daniels (2003), Duarte (2001) e outros, porém não é questão de pauta neste estudo.
Entretanto, não poderíamos deixar de salientar que o nosso entendimento acerca da
base que sustenta e instiga a obra de Vigotski é de fundamentação marxista, o que
acaba orientando o aspecto dialético na compreensão da realidade em seus estudos e,
conseqüentemente, em nosso estudo, em nossa intenção investigativa.
Assim, estamos assumindo como referencial para nosso estudo o núcleo teórico
desenvolvido por Vigotski e seus colaboradores, principalmente no que diz respeito à
concepção de desenvolvimento humano. Estamos assumindo uma postura de visão de
homem e de mundo sustentada pela teoria marxista, que se presentifica na obra de
Vigotski.
Assumindo esse referencial teórico, passamos a discutir alguns conceitos da teoria que
apontam questões acerca das necessidades educacionais especiais e da formação de
professor, fundamentadas na visão de desenvolvimento humano como histórico-
cultural.
A concepção de uma visão de homem como ser histórico e social é ponto incontestável
dentro da perspectiva histórico-cultural. A análise da sua própria denominação –
histórico-cultural - traça um perfil que orienta ver o desdobramento da história do
desenvolvimento do homem relacionado ao aspecto social e cultural.
3
PADILHA, A. M. L. Contribuições teórico-metodológicas para o estudo sobre o discurso dos
meninos internos em instituição prisional. PPGE – UFES – Palestra, 2005.
73
Uma das novidades da tese de Vigotski é que ela opera uma desconstrução
de um discurso psicológico, outrora filosófico, feito de ambigüidades e
impasses sobre a natureza humana, resultado da cisão que a psicologia
tradicional introduzira na unidade do ser do homem ao não ser capaz de
conciliar a ordem da natureza - da qual o homem é obra - e a ordem da
cultura – pela qual a natureza torna-se obra do homem. Ao sustentar o
caráter cultural do psiquismo e, em conseqüência, sua origem social, a tese
de Vigotski constitui uma espécie de sutura na cisão da unidade do homem
juntando nele a natureza e a cultura, a ordem do biológico e a ordem do
simbólico (PINO, 2005, p. 18).
Essa perspectiva de olhar a deficiência pela via do potencial foi defendida por Vigotski e
seus colaboradores desde os seus primeiros escritos acerca da defectologia, datados
dos anos de 1924 e 1925.
Vigotski diz que a educação dos meninos cegos não deveria voltar-se para a limitação
da cegueira, mas, sim, para a sua fonte de riqueza.
Não conheciam que a deficiência não é somente uma pobreza psíquica, mas
também uma fonte de riqueza; não só uma debilidade, mas também uma
fonte de força. Pensavam que o desenvolvimento do menino cego estava
dirigido para a cegueira, mas resulta que está dirigido para o vencimento da
cegueira. A psicologia da cegueira é, em essência, a psicologia do
vencimento da cegueira. A compreensão incorreta da psicologia da
deficiência tem sido a causa do fracasso da educação tradicional dos cegos e
dos surdos (VIGOTSKY, 1993b, p. 33, tradução nossa).
Em outra seção dessa obra, Vigotski aponta o fato de que as crianças com deficiências
podem chegar aos mesmos objetivos das outras crianças, mas seguem um percurso
peculiar, todo seu, e que o professor deve estar atento para esse fato, no sentido de
ajudar nesse percurso.
No mesmo sentido, o autor alerta-nos para o aprendizado de nossos alunos que não
pode limitar-se à simples determinação de níveis de desenvolvimento como se fossem
padronizados. Para Vigotski, o aprendizado desperta vários processos internos,
produzindo algo novo no desenvolvimento da criança. Esses processos internos são
instigados, fomentados quando a criança interage em cooperação com outras pessoas.
Smolka (2006), refletindo acerca desse aprendizado, remete ao exemplo que Vigotski
usou, em seus estudos, o “simples gesto de apontar” como uma construção histórico-
cultural. A autora exemplifica:
O exemplo usado por Vigotski, gesto de apontar, foi apreendido de uma relação social.
Esticar o dedo significa apontar algo, tem um sentido, um objetivo para uma dada
cultura e poderá ter outros sentidos e significações para outras culturas. Assim, o
conhecimento do mundo ocorre pela significação, pelo sentido que se apreende, que é
apropriado da relação com o outro.
Refletindo acerca da gênese das funções psicológicas superiores como aquelas que
passam pela apropriação do cultural, Vigotski (1995) apresenta-nos o gesto de apontar.
Nessa reflexão, o autor elabora a lei geral do desenvolvimento cultural:
Passemos então a uma síntese do episódio que ilustra o gesto de apontar, o qual
encontramos no Tomo III - Obras escogidas:
80
Uma criança tenta, pela primeira vez, pegar um objeto fora de seu alcance e
direciona suas mãos ao objeto, mas não o alcança. Seus braços pairam no
ar, os dedos se movimentam como em direção ao objeto. Aparece assim o
que podemos chamar convencionalmente de movimento indicativo, um
movimento fundamentado em si. A criança, com seu movimento, assinala,
direciona suas mãos ao que quer pegar de forma objetiva. Quando a mãe da
criança vem em sua ajuda, interpreta seu movimento como uma indicação e
a situação muda radicalmente. O gesto indicativo da criança, direcionado ao
objeto, converte-se em um gesto para o outro. Em resposta, a tentativa
fracassada de pegar o objeto produz uma reação, não no objeto, mas em
outra pessoa. São as outras pessoas (no caso a mãe) que conferem um
primeiro sentido ao fracassado movimento da criança em pegar o objeto.
Somente mais tarde, após relacionar seu fracassado movimento com toda a
situação objetiva, a criança mesma começa a considerar seu movimento
como uma indicação. Vemos, portanto, que se modifica a função do próprio
movimento: de estar dirigido ao objeto passando a ser dirigido a outra
pessoa, se converte em um modo de relação; o movimento se transforma em
uma indicação. Graças a essa transformação, o próprio movimento se reduz,
se encurta e assume a forma de gesto indicativo que podemos definir como
gesto para si. Sem dúvida, no gesto para si o movimento não muda, segue
sendo como foi a princípio, indicação em si, ou seja, possui objetivamente
todas as funções imprescindíveis para a indicação e o gesto dirigido aos
demais, ou seja, para ser compreendido e tomado em conta como indicação
por todas as pessoas que a rodeiam (VIGOTSKI, 1995, p. 149, tradução
nossa).
A partir desse episódio, Vigotski (1995, p. 149) indica que [...] passamos a ser nós
mesmos através dos outros. No caso narrado, isso é exemplificado pelo fato de ser a
criança a última a tomar consciência de seu gesto, do que ele representa para os
outros.
Dessa maneira, a significação torna-se parte importante dos modos de ensinar, como
analisado por Smolka (2006):
O autor esclarece-nos que o ser humano, ao realizar ações na interação com o outro e
com o meio, confere às funções biológicas uma dimensão simbólica, porque atribui uma
significação da cultura que o cerca a essas funções. Acrescenta, ainda, que a análise
semiótica (mediação do outro, dos signos, do sentido, da significação) pode favorecer-
nos a compreensão acerca do processo de conversão das funções biológicas em
funções culturais, simbólicas.
Há também um alerta nas teorizações de Pino (2005), apontando que seria um grande
equívoco pensar o desenvolvimento biológico como padronizado para todos os seres
humanos, pois o efeito do cultural e do meio imprime sobre as funções biológicas um
desenvolvimento balizado a partir das condições históricas de cada indivíduo.
83
É por meio das relações sociais, por meio da mediação do outro que o desenvolvimento
humano vai processando-se. É exatamente nesse sentido que a mediação pedagógica
pode favorecer o aprendizado dos alunos. Uma mediação dentro de uma ótica de
desenvolvimento prospectivo, ou seja, que vai ganhando novas dimensões, novas
possibilidades num processo contínuo, impulsionado pela cultura.
Oliveira (1995b) aponta que, em relação à visão prospectiva, nossa ação pedagógica
pode ganhar um outro sentido:
4
O caso de Emília relatado em WERNER (2001) exemplifica a questão de como o cultural pode favorecer ou
postergar o desenvolvimento.
84
[... ] podemos dar conta não somente dos ciclos e processos de maturação
que já foram completados, como também daqueles processos que estão em
estado de formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e
a se desenvolver. Assim, a zona de desenvolvimento proximal permite-nos
delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de
desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que já foi atingido
através do desenvolvimento, como também àquilo que está em processo de
maturação (VIGOTSKI, 2003, p. 113).
Assim a prática pedagógica, segundo Vigotski, não deve direcionar-se ao que já está
construído, desenvolvido, e sim para esse potencial em processo de desenvolvimento.
Esse aspecto é citado por Vigotski quando analisa os testes que eram usados na
década de 1920 para determinar o nível de desenvolvimento mental das crianças.
Vigotski afirma que, com esse conceito disseminado pelos resultados dos testes, a
escola especial falhou em relação ao ensino de alunos com necessidades educacionais
especiais porque se baseava somente em atividades que enfatizavam o pensamento
concreto e não o pensamento abstrato.
Ligados à mediação estão presentes dois elementos considerados por Vigotski e seus
colaboradores em seus estudos. São eles: os instrumentos que são construídos e
utilizados desde a gênese na relação do homem com o mundo, mediando a ação
transformadora da natureza, e os signos que fazem a mediação das ações psicológicas
87
O autor enfatiza que é preciso ter um novo ponto de vista acerca dessa criança, um
ponto de vista positivo, que considere não somente a deficiência e as dificuldades
apresentadas, mas também o potencial dessa criança e a possibilidade de novas vias
de desenvolvimento.
[...] o novo ponto de vista preconiza que não somente se tome em conta a
característica negativa da criança, não somente sua deficiência e
dificuldades, mas que se analise positivamente sua pessoa e a possibilidade
de criar vias de desenvolvimento [...] O desenvolvimento das funções
psicológicas superiores da criança só é possível pelo caminho de seu
desenvolvimento cultural, tanto se trata de dominar os meios externos da
cultura, como a linguagem, a escrita, a aritmética, como pelo
aperfeiçoamento interno das próprias funções psicológicas, ou seja, a
formação da atenção voluntária, da memória lógica, do pensamento abstrato,
da formação de conceitos, do livre arbítrio, etc. As investigações demonstram
que o desenvolvimento da criança com deficiência está concentrado nesse
sentido e este desenvolvimento não depende diretamente da deficiência
orgânica da criança. Eis aqui porque a história do desenvolvimento cultural
da criança nos permite formular a seguinte tese: o desenvolvimento cultural é
a esfera mais importante pela qual é possível compensar a insuficiência. Ali
88
Nesse sentido, Padilha (2006b, p. 42) alerta-nos para o fato de que, na escola, há
circulação de certas idéias que podem interditar a aprendizagem e desenvolvimento do
aluno. Abaixo sintetizamos algumas dessas idéias apontadas pela autora:
6
O termo “crianças retardadas” era muito usual na década de 1920, época em que Vigotski o utilizou. Todos os
estudos acerca das crianças com deficiência intelectual usavam essa denominação.
89
fazer todo esforço para empurrá-las nessa direção, para desenvolver nelas
o que está intrinsecamente faltando no seu próprio desenvolvimento. [...]
De forma similar, em crianças normais, o aprendizado orientado para os
níveis de desenvolvimento que já foram atingidos é ineficaz do ponto de
vista do desenvolvimento global da criança. Ele não se dirige para um novo
estágio do processo de desenvolvimento, mas, ao invés disso, vai a
reboque desse processo. Assim, a noção de zona de desenvolvimento
proximal capacita-nos a propor uma nova fórmula, a de que o “bom
aprendizado” é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento
(VIGOTSKI, 2003, p. 116-117).
[...] o indivíduo não pode elaborar seu conhecimento individual a não ser
apropriando-se do conhecimento produzido e socialmente existente. [...] O
indivíduo humano se faz humano apropriando-se da humanidade produzida
historicamente. O indivíduo se humaniza reproduzindo as características
historicamente produzidas do gênero humano (DUARTE, 1996, p. 92-93).
Leontiev (2004) leva-nos a entender que cada homem, cada geração vive neste mundo
e se torna homem a partir da apropriação das riquezas das gerações precedentes e a
partir delas cria novas riquezas culturais. Para o autor, o indivíduo aprende a ser
homem nessa apropriação, não bastando viver em sociedade; é preciso adquirir o que
foi alcançado no decurso da história da humanidade.
A resposta dada por Leontiev remete-nos ao nosso momento social e econômico, que
tem moldado a escola nesses parâmetros da desigualdade. Para o autor, as riquezas
materiais concentradas em uma classe dominante é, conseqüentemente, também
acompanhada de uma concentração da cultura intelectual.
Essas questões apresentadas até aqui, por sua vez, não podem ser analisadas
desvinculadas da discussão acerca da formação continuada de professores, pois a
formação possibilita ao professor ter acesso às questões teóricas que podem ajudar a
redimensionar sua prática. Assim, no item que se segue, passamos à discussão da
formação continuada fundamentada nas reflexões da teoria da atividade dentro da
perspectiva histórico-cultural.
Para Leontiev (1988), toda atividade do homem deve ser motivada por algo, por algum
objetivo, deve ter um sentido, um significado. Segundo Leontiev, a teoria da atividade
deve ser entendida a partir de conceitos, como ação e atividade. O autor nos explica
esses conceitos afirmando:
Assim, nesses termos, para que nossa ação se torne uma atividade é preciso que seja
motivada, que tenha um objetivo que coincida direto com o alvo da ação.
Entendemos que o professor que recebe em sua sala de aula alunos com necessidades
educacionais especiais deve ter uma atividade educativa com sentido, com significado
97
Qual o sentido e motivo de trabalhar com um aluno com deficiência múltipla, sabendo-
se que ele não anda, não vê, não tem movimento? Qual o significado de ensinar um
aluno surdocego? E ensinar o quê para esse aluno?
Para nós, nesta pesquisa e em nossas atividades educativas, o motivo que dá sentido à
prática, à ação, à atividade educativa com alunos que apresentam necessidades
educacionais especiais é o entendimento e a crença no potencial desse aluno; é saber
que o desenvolvimento humano se processa nas relações históricas e sociais; é
entender a necessidade de mediação com esse aluno para a sua inserção cultural.
Sem esse entendimento nenhum professor conseguirá realizar uma atividade com
significado. Sem motivo para ensinar o professor não vê o significado de sua prática. A
escola precisa pensar a questão da atividade do professor urgentemente para que a
prática pedagógica com alunos que apresentam necessidades especiais educacionais
possa ter sentido e tenha sucesso, alcance o seu objetivo, seja uma ação motivada,
tornando-se uma atividade educativa nos termos que Leontiev (1988) teoriza:
Pelo referencial teórico e leituras das pesquisas, podemos perceber que o grupo
trabalha as questões da formação do professor considerando o ser humano como um
ser histórico e de relações, mediando o conhecimento por meio da reflexão coletiva e
por meio da atividade colaborativa.
Uma das pesquisas do Grupo de Estudos sobre Teoria da Atividade que gostaríamos
de destacar é a intitulada “Formar e formar-se na atividade de ensino de matemática”,
que tem como autores Moura, Araújo, Alarcão e Tavares.
101
Entendemos que o processo de inclusão escolar não se efetiva apenas com a presença
do aluno com necessidades educacionais especiais na sala comum. Para que essa
prática da inclusão escolar se efetive é preciso que haja formação adequada dos
professores. O professor precisa significar sua ação, sua atividade educativa, para os
alunos e para si próprio.
Duarte (2003, p. 286) afirma: O significado de uma ação diz respeito ao conteúdo da
ação. O sentido da mesma diz respeito às razões, aos motivos pelos quais o indivíduo
103
age. Quais são os motivos que nos levam a agir de determinada forma? Qual
concepção de homem e sociedade subjaz as nossas ações em relação aos nossos
alunos com necessidades educacionais especiais?
A esse respeito, Padilha (2004), refletindo pesquisas de Vigotski, afirma que tanto
crianças “normais” quanto crianças com necessidades educacionais especiais
aprendem e se desenvolvem na inserção cultural. É por meio da mediação, que se
configura como a interação, a intervenção do e com o outro, que ocorre o
desenvolvimento cultural.
sentido de romper com um ensino padronizado, elitizado, que exclui, de abrir rupturas
ao que está posto, estabelecido como padrão do mercado e do modo de produção
capitalista.
Os estudos enfocam desde a educação entendida no seu âmbito mais amplo até
enfoques mais específicos, direcionados às questões da sala de aula, todos guardando
como matriz as preocupações e reflexões acerca do homem, da sociedade, do mundo
como dependente das relações, das construções mediadas, compartilhadas.
Num estudo semelhante, Freitas (2004) vem mostrando uma análise profunda acerca
do pensamento de Vigotski nas pesquisas apresentadas nas reuniões anuais da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), referentes
aos anos de 1998 a 2003. Nesse estudo, são apresentados os temas e conceitos que
predominam nas 87 pesquisas analisadas.
A autora indica que a maior parte das pesquisas que se utilizam da teoria histórico-
cultural como fundamentação teórica pertence à esfera da Psicologia da Educação,
Alfabetização e Educação Especial. Destacamos que se presentificam com maior
freqüência, nessas três áreas analisadas pela autora, temas ligados ao processo de
escolarização, aquisição da leitura e escrita, mediação, aprendizagem e
desenvolvimento. Outros temas relacionados à Educação são abordados nas pesquisas
analisadas, como a formação de professores, a aprendizagem da matemática,
interações entre professor e alunos.
Entendemos que esses estudos analisados por Freitas, que discutem a deficiência
ligada ao social, contribuem para o combate às práticas que têm produzido uma
deficiência secundária no aluno com necessidades educacionais especiais.
Discutindo, também, essa limitação que é imposta pela sociedade, Santos (2003) indica
que a escola e a prática pedagógica devem abandonar a ênfase que é dada à
deficiência e voltar-se às potencialidades do aluno com necessidades educacionais
especiais.
O segundo estudo, realizado por Caetano (2002), discute a postura dos professores de
5.ª a 8.ª série diante do aluno com deficiência intelectual. A autora aponta que alguns
profissionais, por meio de sua postura, visão de mundo e do modo de conceber e
vivenciar a inclusão, negavam a inclusão desses alunos, não somente com palavras,
mas também com atitudes, prejudicando a possibilidade de buscar caminhos para uma
possível mudança na escola.
Em seus estudos, Padilha (2001) mostra-nos o “ser Bianca”, considerada com grau
elevado de deficiência intelectual. A autora apresenta-nos Bianca a partir de um quadro
de total segregação em relação à cultura e à sociedade. A expressão lingüística, gestos
e desejos, compreensão da realidade, dos objetos mais simples não existiam em
Bianca. Utilizando-se da esfera do simbólico, como o gesto dando sentido às práticas
discursivas, a narrativa, a dramatização, o desenho, jogos, signos e objetos da cultura,
a autora trabalhou, mediando o uso significativo desses elementos para a constituição
simbólica de Bianca.
111
Os dois alunos recebiam orientações para realizarem as tarefas mais fáceis ou repetir
algumas que já haviam feito. As professoras das escolas achavam que os alunos
deveriam ser atendidos na escola especial por ser complicada a interação com eles.
Com as dificuldades não sanadas, os dois alunos saíram da escola comum, um foi para
uma escola especial e o outro, sem conseguir uma vaga na escola especial, ficou sem
estudar o restante do ano. A autora conclui que a escola deva voltar-se para uma
prática que trabalhe a visão dinâmica e prospectiva do desenvolvimento humano.
Outros estudos, que adotam como pano de fundo o estudo das redes de significações
para a compreensão do desenvolvimento humano, têm investigado a importância dos
aspectos anunciados e enfatizados na perspectiva histórico-cultural, contribuindo para o
avanço da discussão sobre educação na atualidade, principalmente na área da
Educação Infantil.
Essa análise, feita até aqui, de alguns estudos que se têm fundamentado na teoria
histórico-cultural, apontou questões relacionadas com a aprendizagem e
113
[...] estudos têm mostrado (De CARLO, 1999; PADILHA, 2001) que avanços
na Educação Especial (inclusão escolar) precisam ter o olhar radicalmente
voltado para ver o sujeito como alguém que vai se apropriando da cultura e
não somente somando hábitos. É necessária uma definição quanto à
concepção de sujeito, de mundo, de sociedade, de deficiência, de eficiência,
de desenvolvimento e aprendizagem [...] (PADILHA, 2006a, 133).
Nossa intenção é que essas questões teóricas aqui apresentadas passem a inscrever-
se no planejamento e organização das políticas públicas de formação do professor,
bem como sejam alimentadas e aprofundadas em estudos posteriores a este, que ora
se apresenta, e que serão, também, objeto de discussão, problematização e diálogo
com os dados e questões de investigações deste estudo.
114
Até o final do século XVI, Cariacica era habitada por índios Goitacazes, Tupiniquins e
Aimorés. Os goitacazes foram os primeiros índios a ocupar a região que hoje forma o
município [...] conforme pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito
Santo (OLIVEIRA; SFALSIN, 2006, p. 25).
O século XVII trouxe a presença dos jesuítas e portugueses para dividir o território com
os indígenas. Os jesuítas fundaram as primeiras vilas, engenhos de açúcar, construíram
um colégio que abrigava um convento e fomentaram a plantação de algodão,
empurrando os índios para o interior.
7
No final do século 19, a região hoje conhecida como Alemanha não levava este nome. Era formada por mais de 30
Estados independentes, unificados somente em 1871. Antes disso, dizimada pelas guerras napoleônicas e outros
conflitos, muitos moradores dessas regiões emigraram em direção ao Novo Mundo. Entre esses Estados havia a
Pomerânia, uma província do reino da Prússia Na unificação alemã, a Pomerânia foi dissolvida e anexada à
Alemanha, mas após a II Guerra Mundial, uma parte do antigo território foi incorporada pela Polônia. Os pomeranos
formam uma etnia descendente de tribos eslavas e germânicas. O dialeto pomerano oriental é falado apenas no
Brasil, nos municípios onde houve colonização, mas não há escrita. Fonte: www.clicrbs.com.br
116
No estudo de Bezerra (1951) é-nos apontado que, em 1837, a localidade passou a ter
status de freguesia, sendo denominada Distrito de São João Batista de Cariacica. Com
o crescente povoamento, fomentado pela vinda dos imigrantes de colônias alemãs de
Santa Leopoldina e Santa Isabel, Cariacica passou de distrito para município em 30 de
dezembro de 1890. Porém, desde 1971, a data da emancipação política do Município é
comemorada no dia 24 de junho, como homenagem ao Dia de São João Batista.
O recém-emancipado município ganhou asas. Passou a ter iluminação pública feita por
lampiões e, em 1904, inaugurou a Estrada de Ferro Vitória-Minas, passando por Itacibá,
hoje bairro populoso do Município. Em 1911, editou seu primeiro jornal, abriu estradas
para comunicação com Santa Leopoldina e Santa Isabel. A luz elétrica chegou ao
Município em 1914, e os primeiros ônibus, conhecidos como jardineiras, começaram a
circular em Cariacica por volta de 1927 (CARIACICA 115 ANOS, 2005).
Na Grande Vitória, Cariacica é mais uma cidade que sofreu com a instalação
dos grandes projetos industriais capixabas. A Companhia Siderúrgica de
Tubarão (CST), do grupo francês Arcelor, e a Vale do Rio Doce (CVRD)
mudaram a realidade socioeconômica local. Surgiram áreas de invasão.
Formaram-se bolsões de miséria, em bairros como Flechal I e II e Nova Rosa
da Penha I e II. A população cresceu mais de 200% nos últimos quarenta
anos. Esse crescimento, em média anual, é de 5%. O IBGE considera 3% um
índice alto. De acordo com o Instituto, Cariacica registrou seu maior
crescimento demográfico na década de 60, quando a população aumentou,
por ano, cerca de 9,86%. O número de habitantes saltou de 39,6 para mais
de 100 mil (GRANDES PROJETOS, 2006).
Essa é uma realidade que perdura, ainda hoje, para muitos moradores de Cariacica,
principalmente para os que moram na periferia do Município. O crescimento
117
Desse relato podemos constatar que, assim como ocorreu em outros municípios do
Brasil, para Cariacica, desde sua ocupação feita pelos portugueses e jesuítas,
passando pela euforia da chegada dos imigrantes e pelo aquecimento do pólo
industrial, não houve uma política séria de planejamento para o povoamento e
crescimento do Município.
Souza (2000), inscrita na mesma reflexão, em sua pesquisa que discute a relação entre
cidadania e democracia, relata a formação, em 1997, do Grupo de Acompanhamento
ao Legislativo de Cariacica (GAL). Esse grupo vem-se constituindo, ao longo dos
últimos dez anos, como um canal educativo para a formação e fortalecimento dos
movimentos sociais em busca da transparência na política do Município. Entendemos
que é um movimento do povo que trilha novos caminhos para a história de Cariacica.
Organizar uma gestão democrática nas escolas partindo da eleição de diretores é o que
os cariaciquenses objetivam por parte da gestão atual. A melhoria nas condições de
trabalho dos professores também é outro ideal que a população almeja.
Nesse evento, professores e alunos escolhem, sem nenhum custo adicional, livros dos
mais variados estilos. Participam de atrações culturais locais e nacionais trazidas,
especialmente, para o evento.
O Moxuara representa para Cariacica, além de um belíssimo ponto turístico, uma parte
importante de sua história, pois foi refúgio indígena antes da chegada dos portugueses
e abrigo seguro nas partes mais altas para os escravos negros que fugiam da
espoliação e opressão dos colonizadores. O monte ainda serviu de ponto de orientação
para os antigos navegadores (COSTA, 2004).
121
Hoje o Moxuara recebe vários visitantes nas tardes ensolaradas dos finais de semanas,
quando podem apreciar as belezas naturais e desfrutar de um clima rural agradável e
harmonioso, embalado pelas lendas e casos pitorescos do lugar. Cariacica é, assim,
uma herança cultural dos negros, índios, italianos, pomeranos, alemães e portugueses,
uma história que se entrelaça com a do País, com as nossas histórias.
O ano de 2002 foi marcado pela chegada de Nélia8 na Secretaria de Educação, atual
coordenadora do Setor de Educação Inclusiva. Nélia foi convidada para compor o
quadro de pedagogos da Secretaria de Educação de Cariacica devido ao
reconhecimento de seu trabalho como pedagoga, que vinha exercendo nas escolas. A
marca de seu trabalho como pedagoga era auxiliar o professor a repensar a
8
O nome Nélia e todos os outros nomes que aparecem neste estudo são fictícios.
122
Dias após sua chegada, Nélia foi convidada pela coordenadora pedagógica da
Secretaria de Educação para participar de um seminário no Rio de Janeiro, cujo tema
central seria a Inclusão, tema com que estava, ainda, começando a familiarizar-se.
Durante o referido seminário, foi-se aprofundando no assunto e, segundo seu relato,
tornando-se ansiosa para repassar todas as informações para os profissionais em
educação de Cariacica.
Nélia apresentou à Secretaria sua proposta de formação, que foi aceita. Assim,
convidou quatro professores da UFES para que organizassem um curso de 70 horas,
que teve seu início no mês de outubro de 2002 com os seguintes temas:
Assim, para o ano letivo de 2004, Nélia organizou o projeto Professor Articulador. Esse
projeto objetivou uma atuação fora da sala de aula, porém mais próxima do professor
regente, e também implicava uma ação de formação dentro da escola, além do
atendimento aos pais e acesso a instituições conveniadas, como APAE, Unidades de
124
Ainda dentro dessa vertente da Sala de Recursos são apontadas ações que se
aproximam da escola por meio de seus profissionais, como:
Durante o ano de 2005, pudemos constatar que a vertente “Salas de Recursos” não se
efetivou devido à falta de recursos financeiros e, principalmente, pelo fato de a segunda
vertente tomar uma proporção de alcance maior entre as escolas. Os dados indicam
que a rede de ensino em Cariacica, até o ano letivo de 2006, tinha uma única sala de
recursos, destinada a atender aos alunos com deficiência visual.
A autora fala de uma política de inclusão que envolva todos os segmentos do setor
público, em prol de uma educação mais democrática, que assegure o aprendizado e a
permanência dos alunos na escola, que deve estar em conexão com todas as
secretarias.
Entendemos assim que, para os projetos de inclusão escolar deixarem de ser apenas
um serviço, devem ser preocupação não só do Setor de Educação Inclusiva, mas
também da Secretaria de Educação e de todas as secretarias do Município, e isso
deve ser verdadeiro também no âmbito nacional. Só assim organizada, planificada,
reconhecida e afirmada em todos os âmbitos organizacionais das ações
governamentais é que teremos de fato uma proposta de política de Educação Inclusiva.
O plano de ação para 2005 previa apenas o professor itinerante, porém, em virtude de
a demanda de alunos com deficiência múltipla crescer na rede, foi preciso implementar
a ação do professor de apoio, que está mais presente, participando do cotidiano da
escola.
cada professor itinerante era responsável por atender duas escolas que
recebiam alunos com necessidades educativas especiais, ficando dois dias em
cada unidade escolar; um dia da semana era reservado para participação no
grupo de estudo e formação continuada com a equipe do Setor de Educação
Inclusiva;
cada professor de apoio ficava responsável por uma escola que recebia alunos
com deficiência múltipla ou paralisia cerebral, permanecendo na escola durante
toda a semana, sendo liberado apenas um dia para participar do grupo de estudo
e formação continuada com a equipe do Setor de Educação Inclusiva.
É interessante destacar que, pelo fato de a matrícula de alunos com deficiência múltipla
e paralisia cerebral aumentar na rede, houve uma reformulação do projeto Professor
Itinerante, acrescentando-se a pessoa do professor de apoio, para suprir as
necessidades das escolas.
Para nós, é importante esse destaque, pois demonstra que o contexto das escolas, ser
for considerado, pode influenciar as políticas públicas. A escola, o cotidiano da sala de
aula precisam ser vistos pelos administradores como o nascedouro das políticas
públicas, porque, em última instância, é no contexto, na sala de aula, no ensino, na
aprendizagem e nos recursos que as políticas são materializadas de forma negativa ou
positiva.
Assim, para nós, diante dessas metas, é de fundamental importância pensarmos esse
profissional de apoio como mediador da formação continuada no contexto da própria
escola. Tomamos como referência os resultados e reflexões da pesquisa de Araújo
(2003), que aponta a formação continuada como aquela que pressupõe mediar as
questões teóricas e opções metodológicas dos professores em suas práticas.
“Porque parece que, como você é itinerante da inclusão, você vai resolver os
problemas” (Profesor de apoio/itinerante)
132
“Eles pensam, porque estamos na escola, somos nós que vamos resolver, só nós, e
não é assim” ( Profesor de apoio/itinerante)
“No grupo de estudo na escola a gente ouve: eu não nasci para isso; não vem com
esse texto que eu não sei alfabetizar esse aluno.” (Profesor de apoio/itinerante)
“Querem jogar a responsabilidade em cima de nós. Eles têm medo, medo do novo.”
(Profesor de apoio/itinerante)
“... a escola ainda pensa que o menino é seu? O caminho é mostrar como o menino
aprende e não romper com o pedagogo, nem romper com o diretor. Senão não estamos
cumprindo nosso papel na escola, que é incluir, mostrar um caminho inverso: escola e
professor aprendem como o aluno aprende.” (Componente da equipe)
O professor de apoio tem sido indicado como um profissional que pode ajudar nesse
processo de aceitação e planejamento das ações inclusivas na escola como sugerido
nos estudos de Sanches (1996), Porter (1997), Jesus (2002), Aiscow (1997), Gonçalves
(2003), entre outros. Mas estamos esbarrando, ainda, em muralhas de algumas
escolas, como as descrita na fala dos professores de apoio/itinerantes do município de
Cariacica.
Nesse sentido, o profissional de apoio tem a importante tarefa de, por meio de seu
trabalho, sensibilizar professores e escola, apontando-lhes o caminho do trabalho em
colaboração. Sua função é também mostrar que o aluno com necessidades
educacionais especiais aprende, tem desejos, sonhos e o direito de estar numa escola
comum, que fomente sua aprendizagem e potencial. Isso não se tem mostrado tarefa
fácil!
133
Diante desse quadro, para o ano de 2006, a equipe do Setor de Educação Inclusiva
elaborou um projeto de formação continuada que contemplou quatro fases de estudos.
A organização da formação continuada configurou-se como uma “escuta” aos
professores e também como uma ação da equipe em pensar a inclusão escolar como
desafio de toda a escola.
Assim, a equipe do Setor de Educação Inclusiva “cerca” essa questão, por um lado,
instituindo a política do professor de apoio/itinerante para que ajude a escola. Por outro,
lado fomenta a política de formação continuada em contexto, trabalhando o cotidiano da
escola, do professor, para que se institua uma prática de inclusão escolar não
dependente da figura do professor itinerante/apoio, mas como um processo coletivo de
toda a escola.
134
A política que foi sendo instituída teve como um de seus elementos a formação
continuada, uma formação em contexto, trazendo à cena o cotidiano do professor, para
que a partir dele, a reflexão e a construção de outras práticas se instituam nas escolas.
Os desdobramentos desse projeto de formação continuada, seus atores, seu alcance,
suas metas, seus pontos negativos e positivos são apresentados e discutidos no item a
seguir.
O caso Sheila.
Uma das professoras, que aqui denominaremos Sofia, relatou que, no ano de 2002,
havia na escola em que ela prestava apoio uma menina toda suja, desarrumada,
que ficava pendurada no portão do lado de fora da escola querendo entrar. Mas
ninguém permitia sua entrada. A professora não sabia o que fazer. Então começou
a conversar com a menina através da grade do portão. A menina, que
denominaremos Sheila, contou que seu sonho era estudar, por isso ficava no
portão querendo entrar.
Sofia explicou para a menina que ela deveria arrumar-se, ficar limpa, pentear os
cabelos para estudar. Segundo a professora Sofia, Sheila não tinha muita noção de
higiene. Na noite anterior ao primeiro dia de aula, a menina não dormiu de
ansiedade e felicidade. Apareceu na escola pela manhã, com os cabelos cheios de
creme.
A professora desenvolveu seu trabalho solitário com Sheila e, aos poucos, foi
mostrando o potencial da aluna bem como de outros alunos que acompanhava.
Assim, continuou seu trabalho de convencimento e, atualmente, Sheila é
considerada uma aluna da escola. Hoje, ano de 2005, a mesma pedagoga mostra
para as pessoas o caderno de Sheila para evidenciar os avanços da menina.
(Diário de campo – 11/7/2005)
Outro relato que nos chamou a atenção foi o da professora de apoio, que
denominaremos Sara. O episódio que retrata a vivência dessa professora é destacado
a seguir.
O caso Marcos.
A professora relatou que, desde a segunda semana do mês de junho, recebeu
Marcos, um aluno de 12 anos com paralisia cerebral, na escola. No entanto, os
outros professores ficaram distantes, não se aproximaram do aluno. Os professores
pareciam não acreditar nele.
A professora também relatou que Marcos era atendido em uma instituição e que lá,
também, não havia uma crença de que o aluno pudesse avançar. Segundo Sara, a
professora da Instituição falou:
“Pra quê o Marcos vai para escola? Ele não vai fazer nada lá! Não faz nada aqui!”
Marcos, segundo o relato da professora Sara, insistiu nessa idéia de não ir mais à
instituição e pediu que sua opinião fosse respeitada. A mãe de Marcos, em
conversa informal, pediu-nos uma opinião acerca do desejo de Marcos.
136
Esses dois relatos que envolvem o aluno Marcos e a aluna Sheila denotam que a
escola ainda oferece uma resistência à prática da Educação Inclusiva e que a
responsabilidade dessa prática recai sobre o professor especialista. Mostram também
que as atitudes dos professores, tanto da escola comum como da Instituição, são
fortemente marcadas por uma visão determinista e orgânica da deficiência.
Nesse sentido, concordamos com Ferreira (2006) quando discorre acerca das atitudes
excludentes da escola:
Na mesma idéia de discussão que lançamos aqui, Padilha (2006a) contribui com suas
reflexões, alertando-nos para a necessidade de inserção cultural dos indivíduos:
O detalhamento dessas fases é o que objetivamos dentro da discussão deste item, que
ora passamos a analisar.
Desse documento, podemos constatar dois grandes objetivos da equipe: promover, por
meio da formação continuada, o investimento nos recursos humanos – o professor – e
o acesso ao conhecimento. Esses dois objetivos desembocam na razão de ser da
escola, da função docente, que é o desenvolvimento, a aprendizagem do aluno.
139
O investir no professor significa possibilitar a esse profissional o destaque que lhe tem
sido retirado ao longo dos anos, registrado na História da Educação. Assim, a formação
continuada fomentada nessa primeira fase foi elaborada de modo a contemplar a
pessoa do professor como profissional, abarcando suas expectativas, seu contexto, a
vivência da docência e, segundo Prieto (2006):
Cada grupo reunia-se uma vez por semana com uma dupla formadora, um
representante da equipe do Setor de Educação Inclusiva e a pesquisadora, durante os
meses de junho, julho e agosto de 2006. O quadro a seguir exemplifica a organização
dos encontros na primeira fase:
DIA DA Nº DE
GRUPO HORÁRIO FORMADORES
SEMANA DIA DO MÊS PARTICIPANTES
60 Dupla
5,12,19,26 (junho)
A 2.ª FEIRA 19h às 22h itinerante/apoio
3,10 (julho)
Pessoa/equipe
7,14,21,28 (agosto)
60
6,13,20,27 (junho)
B 3.ª FEIRA 19h às 22h Dupla
4,11 (julho)
itinerante/apoio
8,15,22,29(agosto)
Pessoa/equipe
60
7,14,21,28 (junho)
C 4.ª FEIRA 19h às 22h Dupla
5,12 (julho)
itinerante/apoio
9,16,23,30 (agosto)
Pessoa/equipe
60
8,15,22,29 (junho)
D 5.ª FEIRA 19h às 22h Dupla
6,13 (julho)
itinerante/apoio
10,17,24,31 (agosto)
pessoa equipe
60
9,16,23,30, (junho)
E 6.ª FEIRA 19h às 22h Dupla
7,14 (julho)
itinerante/apoio
11,18,25 (agosto)
pessoa/equipe
1 (setembro)
Quadro 1 – Organização da formação continuada em Cariacica na sua primeira fase.
Chamamos atenção para dois itens do quadro. O primeiro está relacionado ao número
de participantes, indicando sessenta vagas disponibilizadas por grupo, perfazendo um
total de trezentas vagas, mas o número médio foi de 43 participantes por grupo.
Tivemos assim um número de 218 participantes nessa primeira fase. Esses dados
foram extraídos do portfolio da equipe do Setor de Educação Inclusiva. O segundo item
relaciona-se às profissionais que ministraram a formação. Elegemos como
141
somente até as 19 horas, passando depois a ministrar aos grupos a formação que
acontecia no auditório da mesma escola em que planejávamos. Na outra semana, essa
dupla participava do planejamento na sua totalidade, porque era realizado na quinta-
feira. O inverso da dinâmica ocorria com a dupla da quinta-feira. Essa dinâmica não
agradou às duplas formadoras de quarta e quinta-feira, pois se sentiam prejudicadas.
As sugestões eram trazidas pelas duplas, pela equipe e pela pesquisadora. Depois de
decididos os textos e a dinâmica dos encontros, a equipe do Setor de Educação
Inclusiva encarregava-se de produzir o material de leitura para os grupos das duplas e
garantia o uso de equipamentos, como data-show, retroprojetor, vídeo, entre outros,
solicitando-os à Secretaria de Educação. Também ficou garantido pela equipe o lanche
fornecido para os professores participantes em todos os encontros.
POSIÇÃO CATEGORIA/TEMA
que cada aluno pode utilizar para alcançar os objetivos em sala de aula. Nossa postura,
nossa visão de homem e sociedade, de deficiência e de desenvolvimento é que vai
direcionar nossa prática.
“ ...mas quero, principalmente, compreender como alfabetizar um aluno com DA, DM.,
Síndrome de Down...”
Essas falas representam, em parte, o imaginário dos professores de que a pessoa com
deficiência tem muita dificuldade no processo de alfabetização. Assim, pensam que
existe uma fórmula diferenciada para a alfabetização desses alunos.
146
O pesquisador coletivo decidiu, então, que para cada estudo deveríamos apresentar
nos encontros uma prática vivenciada em torno da questão em tela, por meio de
estudos de casos, relatos, pesquisas e experiências, para reflexão dos professores
participantes. Podemos relacionar essa decisão do pesquisador coletivo ao que
Barreto (2006) aponta em suas reflexões acerca da formação e prática do professor
diante do aluno com necessidades educacionais especiais:
Assim, inscrito no mesmo desejo de Barreto (2006), Ferreira (2006) e Góes (2002), o
pesquisador coletivo trouxe para os encontros dentro da formação continuada
“exemplos de práticas” que pudessem auxiliar nas reflexões acerca de uma outra lógica
de ensino e no repensar das práticas. O quadro a seguir mostra como planejamos os
encontros/temas perpassados pelas práticas:
148
TEMAS / PLANEJAMENTO
Conhecendo o grupo
Poesia: “Um poema para aqueles que transformam sonhos em realidade” –
Dinâmica
1.° Encontro Lanche
Vídeo - Escola Viva - História da Educação especial desde a Antiguidade aos dias
atuais. Discussão contextualizada
Questionário-levantamento dos temas/expectativas do grupo. (Textos de
aprofundamento – desafio da semana)
Desconstruindo preconceitos
Lanche
Sensibilização – texto: “Abelha chocolateira” - Dinâmica
2.° Encontro Transparência com os temas elencados pelo grupo / proposta de trabalho
Comentário desafio da semana passada
Desconstruindo preconceitos. Leitura do texto “Sobre crocodilos e avestruzes...”
(AMARAL,1998) – Discussão contextualizada - atividades
(Desafio da semana – Apontar alguns crocodilos existentes na escola)
Autismo
Lanche
Sensibilização – texto: “Bem-vindo à Holanda” – Dinâmica
Retomada do desafio da semana passada – crocodilos na escola
Tema: autismo. Texto base- “Autismo...” Baptista e Bosa (2002)
3.° Encontro Prática – Estudo de caso: Caso Dario – Magrini e Gandini (2002); Caso Carlo –
Baptista (2002); Caso Renata – Gonçalves (2003)
(Desafio da semana; Texto de aprofundamento: Lorna (1992) e Filmes – Grupo de
segunda-feira)
Deficiência mental
Lanche
Sensibilização – texto: “Quando a escola é de vidro” – Dinâmica
4.° Encontro Comentário do desafio da semana passada
Tema: deficiência mental. Textos-base: “Abordagem vygotskyana de deficiência
mental” de Fernandes e Magalhães (2003) - “Deficiência mental” de Emmel (2002)
Prática – Estudo de caso – Caso Clara- Oliveira (2005) Pesquisa da própria
prática – Formadora Ana
(Desafio da semana: descrever observação de um aluno com NEE) - Projeto
educativo Grupo segunda-feira - Texto de aprofundamento: “Outras causas da
deficiência mental”
Síndrome de Down
Lanche
Sensibilização – texto: “Uma crônica” – Dinâmica
Tema: Síndrome de Down – Apresentação em data-Show dos tipos de trissomia
21: simples/padrão – mosaico – translocação. Exemplo de um cariótipo
DVD com apresentação de danças, com participação de uma jovem com Síndrome
de Down. Discussão contextualizada
Texto de aprofundamento; “A criança com Síndrome de Down” - Bautista (1997)
5.º Encontro Prática - Leitura de entrevista de uma mãe que tem uma filha com Síndrome de
Down. Essa mãe é uma professora de apoio de Cariacica.
Exposição de material pedagógico – jogos – trabalho em grupo
Apresentação em data-show das visões de homem e ensino, nas abordagens
Behaviorista – Organicista – Histórico-cultural
(Desafio da semana: visão de homem, aprendizagem, prática na perspectiva
histórico-cultural- grupo segunda-feira)
149
TEMAS / PLANEJAMENTO
Orientações
Lanche – Dinâmica
10º Encontro
Orientações acerca do Seminário interno
Finalização dos projetos
Quadro 3 : Planejamento dos encontros da primeira fase
Alguns temas desse quadro, como deficiência mental, autismo e síndrome de Down,
foram estudados com muito interesse pelos professores, porque foram acompanhados
de estudos de casos e depoimentos, além de propostas de atividades levando em
consideração o contexto e a realidade dos professores participantes, trazidos nas
discussões dos textos e no relato das experiências nas escolas. Imbricada com as
práticas, a parte teórica foi sendo alimentada e fundamentada na perspectiva histórico-
cultural de desenvolvimento humano.
[...] não é fácil construir uma escola inclusiva em uma sociedade altamente
excludente, ao mesmo tempo em que nos defrontamos com o constante
desafio de construir uma escola que acolha e trave realmente um
compromisso com a qualidade do ensino para todos os alunos [...].
Entretanto, não há como ignorar que o nosso sistema de ensino não está
apto a oferecer possibilidade de escolhas ou qualidades de serviços [...].
Ainda que essa seja a realidade inicial em muitos municípios, é necessário
considerar que, se de fato há uma política de educação inclusiva em
implementação, deveria ser possível vislumbrar ações em ao menos três
componentes básicos de apoio: o aspecto político (administrativo e
organizacional), o educacional e o pedagógico. [...] No âmbito organizacional,
a educação inclusiva exige a construção de uma rede de suportes ou apoios
151
Como a equipe era composta por quatro pessoas, a pesquisadora dispôs-se, como
integrante do pesquisador coletivo, a participar de um grupo durante a semana, para
que todas as formadoras tivessem apoio nos dias de seus encontros. Assim, elegemos
participar do grupo de professores que se reunia na segunda-feira, devido a
compromissos nos outros dias da semana.
“Todos os alunos são especiais. Se não tem uma deficiência, mas tem uma questão social: não
toma banho, vai para a escola sem se alimentar, vai com a calcinha suja, a irmã usa a calcinha
dela e eu não tinha outra para colocar, ela fica na rua.”
(Prof.ª Rosa – discussão sobre legislação, adaptação da escola e currículo – Diário de campo -
28/8/2006)
“Eles estão lá, eles têm possibilidades, potencialidades ... Um ponto que achei importante aqui
na formação é que eu não tenho que criar uma atividade só para Daniele, mas para a turma
toda envolvendo a Daniele. E também outro ponto importante é que não é mais a Daniele que
tem que se adaptar à escola, mas é a escola que tem que se adaptar à Daniele.”
(Prof.ª Maria – discussão sobre legislação, adaptação da escola e currículo-– Diário de campo-
28/8/2006)
deficiência intelectual por meio de uma prática fundamentada nos aspectos histórico-
culturais do desenvolvimento humano.
9
PADILHA, A. M. L. Contribuições teórico-metodológicas para o estudo sobre o discurso
dos meninos internos em instituição prisional. PPGE – UFES – Palestra, 2005.
154
A discussão acerca do professor reflexivo aponta para uma ação que envolva toda a
escola, uma escola que pense junto com o professor, que pense no coletivo sua
organização e sua função. Em tempos de inclusão escolar, isso é fundamental, pois a
escola, com todo o seu quadro de profissionais, é responsável pelo ensino, pela
aprendizagem e desenvolvimento dos alunos
No encontro cuja discussão foi a síndrome de Down, Ana e Rose exibiram, para o
grupo da segunda-feira, um DVD, que mostrava jovens dançando dança flamenca, jazz,
e balé clássico, e ainda uma bailarina apresentando pás-de-deux, que é um dos passos
mais difíceis do balé clássico. Nesse encontro, a dupla formadora objetivou mostrar o
potencial da pessoa com síndrome de Down, trazendo relatos de casos e depoimentos
que instigaram outro olhar acerca do tema. A dupla apresentou em data-show os tipos
de trissomia 21: simples/padrão – mosaico – translocação, e exemplo de um cariótipo
ou mapa genético da pessoa com síndrome de Down. Depois que assistiram ao filme,
Ana disse aos professores que entre aquelas bailarinas existia uma com síndrome de
Down.
Os professores ficaram surpresos, pois não tinham visto nenhuma diferença entre as
bailarinas. Rose e Ana explicaram que não havia diferença mesmo, porque a jovem
155
“Se você comparar, as crianças ditas normais ainda não conseguiram se alfabetizar. E
aí onde está a deficiência?”
Apoiada mais uma vez nas reflexões de Saad (2003), nossa resposta é de que a
deficiência está na escola, no modo como vemos e concebemos a alfabetização.
Pautada nos estudos de Ferreiro, Vigotski e Leontiev, a autora, na sua reflexão acerca
da alfabetização, aponta:
Partindo dessa concepção descrita pela autora, entendemos que é preciso dar
significado às atividades de alfabetização que tenham uma função social, e que os
alunos encontrem motivo para querer aprender a ler e escrever. Essa postura deve ser
direcionada a todos os alunos. Estudos como os de McNammee (1996), McLane (1996)
156
Depois de discutir sobre o potencial dos alunos e de como isso deve ser prioridade na
atividade pedagógica, a dupla formadora pediu que os professores se dividissem em
subgrupos e escolhessem alguns jogos que estavam disponíveis na sala. O objetivo era
que pudessem encontrar meios de trabalhar os jogos e dar novos sentidos, significados
aos mesmos.
Assim foi feito. Os professores trabalharam com jogos dos sete erros, dominó de cores,
dados de sílabas, quebra-cabeças, figuras de animais, nomes, caixas, numerais, jogos
diversos. Foram encontrando variadas maneiras de trabalhar a atenção, a
concentração, a percepção, a psicomotricidade, a coordenação motora, a leitura e a
escrita.
- Eu achei ótimo esse jogo. É bom até para a criança que não tem Síndrome de Down, porque
tem criança que não tem Síndrome de Down que não tem percepção. (Professora participante)
- Quando nós apresentamos os jogos para vocês trabalharem, nós falamos que era para
Síndrome de Down? (Formadora Ana)
- Não, respondem os professores participantes.
- É, eu tenho crianças que têm esse problema, que eu trabalho com eles o jogo da memória,
dos sete erros. (Professora participante)
- Achei muito legal, muito válido. (Professora participante, referindo-se ao jogo do dado das
sílabas com a seguinte variação: a criança joga o dado e cai em uma sílaba; ela procura a
sílaba correspondente disponível em uma caixa, depois vai tentando formar palavras com
aquela sílaba com ajuda dos colegas e do professor.)
157
- Mas como eu vou trabalhar isso, esse objetivo do jogo, com essa criança na sala? (Professora
participante)
- A gente pode trabalhar em grupo, responde outra professora participante.
- É como a professora falou: o jogo serve para todas as crianças. Devemos trabalhar com a
turma toda e não somente com um aluno que tem uma certa dificuldade. Trabalhamos com toda
a turma, de forma lúdica, alcançando vários objetivos, atentos aos alunos, sem demonstrar que
é para esse ou aquele aluno. (Pesquisadora)
-Vocês nem conheciam os jogos e foram utilizando, modificando... deram um show. (Formadora
Ana)
Pela sua atividade e sobretudo pelos seus jogos, que ultrapassam o quadro
estreito da manipulação dos objetos circundantes e da comunicação com os
pais, a criança penetra num mundo concreto enquanto mundo mais vasto de
que se apropria de forma ativa. Toma posse do mundo concreto enquanto
mundo de objetos humanos [...] (LEONTIEV, 2004, p. 305).
“O professor não vai dar nenhuma fórmula para o aluno, ele vai ser o mediador e levar
o aluno a aprender.” (Professora participante do grupo de segunda-feira - Diário de
campo - 7/8/2006)
Gostaríamos de finalizar este item deixando que as impressões e reflexões das cinco
duplas formadoras falem do sentido e significado dessa primeira fase, impressões e
reflexões registradas em seus Portfólios Reflexivos. Entendemos, como Alarcão (2003),
que o portfólio reflexivo se configura como uma documentação reveladora do percurso
profissional:
Assim, extraímos dos portfólios das duplas formadoras o que mais representou a
singularidade e peculiaridade em seus percursos profissionais. Segue abaixo um pouco
do muito que as duplas realizaram, colocando-se à prova diante de uma rede, diante de
inúmeros professores ansiosos, angustiados, buscando respostas.
Dessa dupla, que acompanhamos mais de perto, extraímos o trecho das considerações
finais do portfólio, que desenha o movimento do grupo por elas assistido:
AS MARCAS
Dúvidas
Angústias
Frustrações
Sentimento de abandono...
Mas um grande compromisso
Justificativa
O encontro de formação teve como objetivo proporcionar uma ampla discussão entre
professores, pedagogos e diretores das escolas do município de Cariacica, sobre a inclusão, e
também orientações com vistas às políticas públicas para o setor.
Não basta garantir um espaço na sala de aula e promover a integração com os colegas. É
preciso ensinar e dar sentido aos conteúdos. Essa foi uma das grandes idéias que nós,
Rossália e Nádia, responsáveis pelo grupo das terças-feiras, passamos para os participantes. A
escola tem dificuldade em aceitar aquilo que, aparentemente, foge da normalidade... Nos textos
estudados, fizemos questão de fixar que a inclusão não é apenas para quem tem deficiência
mental, física ou sensorial... Nós, como professores itinerantes, tivemos oportunidade de
vivenciar essa dificuldade do professor em lidar com o diferente, como também a angústia de
cada um. Acreditamos que cumprimos os objetivos propostos e que o movimento de inclusão
permanecerá cada vez mais forte...
Agradecimentos
O ano de 2006 para nós foi um ano muito especial. Dentre muitas coisas boas que nos
aconteceram, participamos desta formação. Foi uma experiência maravilhosa! A troca que
obtivemos com o nosso grupo de ”terça-feira” foi surpreendente.
Agradecemos a Deus... à Nélia, Anita, Celina e Mariana, nossas coordenadoras da Educação
Inclusiva, que estiveram sempre ao nosso lado nos apoiando e nos incentivando a prosseguir,
sempre nos fazendo ter um outro olhar para todas as situações. Vocês são ótimas!!!
À professora (pesquisadora), que esteve sempre nos orientando nos textos a serem estudados
nesta formação, pelo seu carinho e paciência conosco.
Aos professores da PMC, pois sem eles esta formação não aconteceria.
******
Considerações da dupla:
...a proposta consistia em atuar como mediadora no processo de inclusão, no sentido de levar
os professores a (re)pensarem suas práticas e a buscarem possibilidades... o planejamento
coletivo foi fundamental para refletir, construir, encaminhar o processo de formação. Um ponto
positivo, a meu ver, foi a escolha das temáticas a partir das expectativas dos professores para
elaborar o curso de formação. No início do processo, os professores mostraram-se resistentes à
proposta de inclusão, relatando as dificuldades, a falta de estrutura e de condições para o
trabalho e a política do Município em relação à inclusão. Contudo, a partir das leituras e
discussões, os professores foram percebendo que a inclusão no município de Cariacica ainda é
um processo a ser construído por todos e que a participação deles é fundamental para
possíveis mudanças e conquistas na política no Município... Acredito que um dos desafios para
2007 é o de observar, na escola, os desdobramentos desse processo na prática dos
professores...
“... nós, educadores, precisamos mudar a nossa postura, buscar alternativas; não só o
professor e o aluno, mas todos que fazem parte do processo de inclusão.” (Prof.ª Participante)
“O trabalho em equipe pode ser muito mais produtivo do que o desenvolvido de forma isolada,
estanque, como avestruzes...” (Prof.ª Participante)
“...Já fiz outros cursos, mas só agora... A partir desse texto pude perceber que eu estou neste
curso não para aprender a como lidar com o deficiente visual, o autista, mas para lidar com a
diferença... com todos os alunos.” (Prof.ª Participante)
******
O portfólio dessa dupla foi organizado de modo a mapear toda a vivência do processo
de formação. A formadora Aline é graduada em Pedagogia e em 2006 foi aprovada
para o Curso de Mestrado em Educação da UFES. A formadora Angel é graduada em
Pedagogia com curso de Especialização na área. Ficou expresso no portfólio, em cada
tema estudado, um objetivo apontando a postura da dupla a respeito do tema.
163
Introdução
Este trabalho é uma forma de apresentar, sob a perspectiva do olhar das formadoras “Angel e
Aline”, uma “panorâmica” do curso de formação continuada em inclusão... Durante todo o
processo, estivemos envolvidos na certeza de que a “inclusão” é o caminho de uma escola e de
uma sociedade que demanda autonomia, através da cidadania dos que a fazem: a educação é
para todos.
Considerações finais
Após toda a concepção da idéia, o planejamento, as reuniões, a formação em si, que objetivava
a preparação dos professores multiplicadores em inclusão nas escolas, os estudos para que as
aulas (formação) fossem construídas com dignidade, em respeito ao professorado que se
dispunha a enfrentar mais uma “maratona” à noite, estamos felizes. De outra forma não poderia
ter sido feito, já que nos dispúnhamos a trabalhar e multiplicar aquilo que acreditamos: a
inclusão, um princípio paradigmático que vislumbra a cidadania.
“O lanche muito gostoso depois de um dia de trabalho... o que mais gostei foi dos filmes e a
troca entre professores e nossas orientadoras. Passaram tranqüilidade ao grupo.” (Prof.ª
Participante)
“Uma iniciativa muito boa. Aprendemos bastante juntas. Tenho Pós em Educação Inclusiva,
mas vi aqui coisas que não vi e ouvi na Faculdade. Gostei de tudo, mas os vídeos foram
ótimos.” (Prof.ª Participante)
******
Portfólio - Dupla Lívia e Dorotéia (Sexta-feira)
O portfólio de Lívia e Dorotéia tem como título “Formação continuada: um novo olhar
sobre a diversidade” e está cheio de dinâmicas e textos de sensibilização, revelando
como o trabalho da dupla foi direcionado no sentido de instigar os professores a terem
164
“Um novo olhar sobre a diversidade”. Lívia é graduada em Pedagogia, com curso de
Especialização na área da Educação Inclusiva. Dorotéia é graduada em Pedagogia.
Destacamos um texto utilizado pela dupla como reflexão sobre aquilo em que se pode
tornar a nossa prática se não tivermos um outro olhar para a diversidade:
A idéia desta estória não é minha. Meu é só o jeito de contar... Sobre uma águia que foi criada num
galinheiro.
E foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de pensar, de ciscar a terra, de comer milho, de
dormir em poleiros...
E, à medida que aprendia, ia esquecendo as poucas lembranças que lhe restavam do passado. É
sempre assim: todo aprendizado exige um esquecimento... e ela esqueceu:
o cume das montanhas, os vôos nas nuvens, o frio das alturas, a vista se perdendo no horizonte, o
delicioso sentimento de dignidade e liberdade...
Como não havia ninguém que lhe falasse destas coisas e todas as galinhas cacarejassem os mesmos
catecismos, ela acabou por acreditar que ela não passava de uma galinha com perturbação
hormonal. Tudo grande demais, aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia, e desejava muito
que o seu cocô tivesse o mesmo cheiro certo do cocô das galinhas...
Um dia apareceu por lá um homem que vivera nas montanhas e vira o vôo orgulhoso das águias.
“Que é que você faz aqui?”, ele perguntou.
“Este é o meu lugar”, ela respondeu. “Todo mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros,
comem milho, ciscam o chão, botam ovos e finalmente viram canja: nada se perde, utilidade
total...”
“Mas você não é galinha”. ele disse. “É uma águia.”
“De jeito nenhum. Águia voa alto. Eu nem sequer voar sei. Pra dizer a verdade, nem quero. A
altura me dá vertigens. É mais seguro ir andando, passo a passo...”.
E não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem, não
agüentando mais ver aquela coisa triste, uma águia transformada em galinha, agarrou a águia à
força, e a levou até o alto de uma montanha.
A pobre águia começou a cacarejar de terror, mas o homem não teve compaixão; jogou-a no vazio
do abismo. Foi então que o pavor, misturado a memórias que ainda moravam em seu corpo, fez as
asas baterem, a princípio em pânico, mas pouco a pouco com tranqüila dignidade, até se abrirem
confiantes, reconhecendo aquele espaço imenso que lhe fora roubado. E ela, finalmente,
compreendeu que o seu nome não era galinha, mas águia...
165
“Gostei de todos os encontros, pois acrescentou muitas coisas que não conhecia, como, por
exemplo, me fez refletir duas vezes antes de excluir meu aluno de sala de aula e incluí-lo na
coordenação.” (Prof.ª Participante)
Diante dos portfólios reflexivos das duplas formadoras, da fala dos professores e de
toda nossa vivência como integrante do pesquisador coletivo, entendemos que essa
primeira fase da formação continuada em Cariacica se constituiu como a reflexão, junto
com professores, de vencer o desafio de ressignificar as práticas educativas perante os
alunos com necessidades educacionais especiais, possibilitando aos professores aquilo
que Ferreira, M.C.C, (2005, p. 74) afirma em seus apontamentos: Ressignificar as
práticas escolares significa, entre outros aspectos, superar os problemas advindos do
referencial teórico assumido pelos educadores.
“..o que busco são aulas práticas, mas percebo que essas aulas só acontecem com a nossa
busca de conhecimento, mudança de postura.”
(Prof.ª Participante do grupo de quinta-feira)
Buscando, ainda, diálogo com Ferreira, M.C.C, (2005), entendemos que a história
educacional mostra que o referencial assumido pelos educadores é um referencial
centrado na visão medicalizada da deficiência, com forte tendência a neutralizar, a fazer
desaparecer as deficiências, em lugar de fomentar o desenvolvimento do potencial da
pessoa com necessidades educacionais especiais.
Assim, pensando em escrever uma outra história é que elegemos um referencial que
concebe o desenvolvimento humano como interligado aos aspectos sociais e culturais e
que privilegia práticas não homogêneas, abertas à beleza da diversidade humana, na
qual estamos todos inscritos.
bem como a produção de conhecimento por meio dos relatos e apresentações dos
projetos educativos elaborados pelos professores participantes da primeira fase.
Objetivou, ainda, divulgar no município movimento da inclusão escolar realizado pelo
Setor de Educação Inclusiva. A produção científica do pesquisador coletivo foi
divulgada por meio de pôsteres.
Por um lado, víamos como positivo esse desejo de as escolas terem um professor de
apoio, no que tange à preocupação em organizar a escola, dentro do coletivo, para
melhor atender os alunos com necessidades educacionais especiais. Por outro, víamos
o perigo de a escola colocar sobre os ombros do professor de apoio toda a
responsabilidade pela à inclusão escolar. Diante dessa preocupação, enfatizamos que
169
Atividades
recorte e colagem de palavras e figuras;
ditado do banco de palavras / gravuras;
representação de histórias;
utilização de adivinhas, parlendas, trava-línguas, etc.;
confecção de bonecos para formar histórias ou frases;
minidicionário construído pelo aluno;
associação do número a certas letras cuja a soma resulta numa palavra;
pintura de sílabas iguais nas palavras;
pintura de círculos nas palavras da mesma família com a mesma cor;
ligação de uma letra a um símbolo para descobrir a palavra através da identificação dos
desenhos e letras;
inclusão das letras que faltam nos nomes dos colegas, dos profissionais da escola, da equipe
pedagógica escritos nos quadrados;
identificação dos textos, quadrinhas e outras palavras que rimam;
jogo da rima;
caixa surpresa;
jogo das tampinhas com silabação;
formação de palavras com as letras nas caixas de ovos.
“Quando Marlene começou com aquela história de elaborar projeto, eu comecei a prestar
atenção em Joãozinho. A gente fica esperta. Não prestei só atenção no Joãozinho, nos outros
alunos também”. (Prof.ª Isa - Diário de campo - 25/9/2006)
171
“Nós anotávamos, registrávamos tudo o que acontecia nas aulas. Os alunos sempre
perguntavam: O que você tanto escreve? Nós, professores, não temos esse hábito de anotar,
mas é importante”. (Prof.ª Josy - Diário de campo - 25/9/2006)
“Trabalhamos através do lúdico; deu certo. Apostei nisso. Nós vamos continuar até o final do
ano”. (Prof.ª Isa - Diário de campo - 26/9/2006)
“Não tem quando você vê o todo, a platéia! Com o curso, nós aproximamos a lente, olhamos
mais de perto esse aluno. Hoje ele não sabe só o nome dele não, ele sabe escrever o nome do
pai, da irmã, outras palavras”. (Prof.ª Isa - Diário de campo - 26/9/2006)
Diante da fala e dos depoimentos, durante o Seminário Interno, pudemos constatar uma
outra postura das professoras para com o aluno que apresentava dificuldades. É
interessante frisar que a professora Isa passou a ficar mais atenta ao aluno-foco do
projeto, mas essa atenção despertou uma atenção para o restante da turma, como ela
mesma colocou:
“A gente fica esperta. Não prestei só atenção no Joãozinho, nos outros alunos também”. (Prof.ª
Isa - Diário de campo - 25/9/2006)
O que essa fala, essa atitude representa para nós? Representa o que é fundamental,
aquilo pelo qual ansiamos e de que precisamos dentro da escola comum: trabalhar a
diversidade de todos os alunos. O aluno com necessidades educacionais especiais
acaba sendo um disparador da reflexão e mudança de postura da professora Isa, em
prol não só dele mesmo como da turma toda.
172
Justificativa
“Não abriremos mão de educar. Não aceitaremos rótulos, principalmente os que aprisionam.
Não desejamos a nossos alunos uma “escola de vidro” (Rutty Rocha), muito menos que se
tornem cordeirinhos, mas desejamos muito que nossos alunos reconheçam e adquiram valores
que são desconhecidos por eles, ou que se perderam pelo caminho, e a necessidade de
respeitar o outro do jeito que ele é, realizando o resgate da auto-estima de cada aluno”. (p. 2)
“O nosso público-alvo trata-se de todos os alunos da nossa escola, 501 alunos, distribuídos em
dezoito turmas: três turmas são de alunos de educação infantil, dos turnos matutino e
vespertino, com o envolvimento de todos os funcionários da escola. Não ficando restrito às 10
horas propostas pela formação continuada, mas pretendemos ampliar até o término das aulas e
podendo dar continuidade no próximo ano...” (p. 2)
Outras atividades
RECURSOS MATERIAIS
Livro, “Viva a Diferença”, Roberto Caldas, 4.ª edição - São Paulo. ed. Paulus, 2003.
Livro, “Ninguém é igual a ninguém”
Livro “Mãos de Vento e Olhos de Dentro”, Lô Galasso, São Paulo. ed. Scipione, 2002.
Livro, “Os Dez Amigos”, Ziraldo, 2.ª edição - São Paulo: ed. Melhoramentos, 2005.
Livro, “O CAMPEÃO”, Carmen Lucia Campos - São Paulo: ed. Escala Educacional, 2005.
Fábula: “O LEÃO E O RATO”.
Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas em 20 de novembro de 1959. (Adaptada).
Histórias contadas pelas professoras, com apoio de fantoches.
Retroprojetor, transparência.
Xérox, fantasias, fantoches, rádios, CDs, sucata, linha, agulha.
Cola, tinta, papel cenário, papel cartão, cartolina, cola quente, pincel, tecidos.
Fábula ”A Escola Modelo” - Educar com parábolas, Afonso Francia - ed. Ave Maria: São
Paulo- 2002 –(Retirado de a revista Construir Notícias - n.º 8 2003).
“Todo mundo queria fazer algo acerca do projeto. E nós só conseguimos isso porque tivemos o
apoio total de toda a escola. Nós não queríamos só uma sala, só um turno, mas a escola toda
envolvida.” (Prof.ª Carmelita - Diário de campo - 25/9/2006)
“O projeto teve início aqui no curso e foi realizado na escola. Toda a escola se envolveu e, a
partir da idéia do projeto, surgiram outras idéias.” (Prof.ª Yara – Diário de campo - 27/9/2006)
“Nós queríamos quebrar tabus, nós não queríamos falar que o bonito é o limpinho, que o certo é
só correr com as pernas. Queríamos dizer da realidade deles, dos alunos.” (Prof.ª Yara – Diário
de campo - 27/9/2006)
“Eu estou muito independente, estou com outros livros, buscando outras idéias na continuidade
do projeto.” (Prof.ª Carmelita - Diário de campo - 28/9/2006)
Depois dessa fala, a professora Carmelita olhou para a dupla Aline e Angel e disse,
com voz embargada:
“Não queremos voltar a ser como éramos. Eu me emociono e quero agradecer a essas
meninas.” (Prof.ª Carmelita – Diário de campo - 28/9/2006)
O que quer dizer Leontiev com tal afirmação? Tomemos o exemplo da cadeira. Uma
pessoa lança mão de uma cadeira que está na cozinha e a leva para a sala de estar.
Perguntamos: O que teria levado essa pessoa a transpor a cadeira da cozinha para a
sala de estar? Alguém poderia responder: Nada, talvez somente o fato de cumprir a
ação de passar a cadeira de um lugar para o outro. Para nós, essa resposta, essa ação
de apenas mudar a cadeira de lugar parece sem sentido. Algo deve ter motivado essa
pessoa a retirar a cadeira da cozinha e levá-la até a sala de estar.
Então outra pessoa poderia responder: Ela levou a cadeira para a sala de estar a fim de
o visitante ali poder sentar-se. Esse é o motivo! Agora a ação de transposição da
cadeira da cozinha para a sala de estar fica clara, tem um significado, um objetivo.
Portanto, tornou-se uma ação motivada, tornou-se uma atividade com sentido.
Voltemos ao diálogo com Leontiev:
Para que a ação surja e seja executada é necessário que seu objetivo
apareça para o sujeito, em sua relação com o motivo da atividade da qual ele
faz parte. Além disso, esta relação também é refletida pelo sujeito de uma
forma bastante precisa, a saber, na forma de conhecimento do objeto de
ação como alvo (LEONTIEV, 1988, p. 69).
176
Dentro dessa perspectiva de Leontiev (1988), o que fica evidenciado nesses dois
relatos da elaboração e vivência dos projetos nas escolas é exatamente uma
motivação, uma crença e reconhecimento do potencial dos alunos com necessidades
educacionais especiais. Os professores passam a ver sentido em ensinar um aluno com
alguma deficiência: surdez, paralisia cerebral, cegueira, distrofia muscular progressiva,
síndrome de Down, deficiência intelectual, ou outra qualquer. Porque, afinal de contas,
esses alunos aprendem; os professores começam a enxergá-los além de suas
deficiências.
E o melhor: os professores não se vêem sozinhos nessa tarefa. Eles buscam, atraem a
escola com sua cota de responsabilidade para o caminho da inclusão escolar. Como
Linhares, (2004) esperamos
[...] que a escola assuma sua autonomia como uma instituição social de
aprendizagem-ensino de uma cultura que deve orientar as decisões que vão
pavimentar, no presente, os caminhos para o futuro. Para isso é necessário
não fazer da escola um lugar de tarefeiros em que “carimbistas” de plantão
reproduzem marcas modeladas muito longe deles, de seus projetos políticos
e desejos existenciais. É tempo de ensaiar respostas que possam fortalecer
os movimentos coletivos em busca de igualdade social e políticas, criando
possibilidades de diferir eticamente (LINHARES, 2004, p. 63).
caracterizado por apresentar três momentos, que não são lineares, mas que
se interpenetram. No primeiro, temos buscado conhecer a realidade em
contexto; num segundo momento, por termos experienciado grupos de
profissionais altamente heterogêneos no que tange à sua compreensão de
uma proposta de educação inclusiva, temos discutido elementos básicos
relativos a essa proposta. O terceiro momento tem-se caracterizado por um
processo de grupo de estudo ação-reflexivo-crítico sobre a prática das
escolas, a partir das experiências, percepções, atitudes e necessidades dos
profissionais. Tal conhecimento tem auxiliado a construir em conjunto
experiências inovadoras e práticas alternativas no interior das escolas.
(JESUS, 2006b, p. 209)
A terceira fase refere-se à elaboração de estudos e projetos nas escolas que recebem
alunos com necessidades educacionais especiais. Essa fase interpenetrou-se com a
primeira, ao longo da qual vários projetos foram elaborados e vivenciados nas escolas.
Após o Seminário Interno, em visitas a algumas escolas pudemos constatar que
algumas escolas estavam iniciando seus projetos, outras dando continuidade, outras,
ainda, em fase de elaboração com os professores itinerantes e professores de apoio.
proposta foi levada à Secretaria de Educação do Município, mas não foi aceita devido
ao projeto que se constituía como o “I Seminário Municipal de Educação”, também
previsto para ser realizado no mês de novembro de 2006. Diante da recusa,
propusemos, então, que durante o “I Seminário Municipal de Educação”, a equipe do
Setor de Educação Inclusiva tivesse uma participação no sentido de divulgar as ações e
conclamar os professores e escolas a participar do fomento às políticas relativas à
inclusão escolar.
O trecho destacado faz parte de uma de nossas canções preferidas, canção que fala de
lutas e vitórias. Fala de vitórias que só podem ser alcançadas enfrentando-se o campo
de batalha e dele não se furtando. É assim que analisamos o movimento da equipe do
179
Ao analisarmos a ação dessa equipe, começamos por descrever como está localizada
dentro da Secretaria de Educação do Município de Cariacica. Com o início da atual
gestão, 2005/2008, da Prefeitura Municipal de Cariacica, implementou-se o “Plano de
Melhoramento da Educação em Cariacica”, plano que abrange cinco programas da
Secretaria de Educação.
Esse quinto programa, “Escola em Ação”, tem como uma das principais metas [...]
garantir o pleno funcionamento da rede” (PREFEITURA MUNICIPAL DE CARIACICA,
2007, p. 26). O programa compreende uma Coordenação-Geral e sete setores: Setor
de Educação Infantil, Setor de Ensino Fundamental, Setor de Educação Inclusiva,
180
Plano de
Melhoramento
2005/2008
Setor Setor
Ed. Infantil Ens. Fundamental
Setor Setor
Ed. Inclusiva EJA
Setor Setor
Inspeção Livro Didático
Setor
Tec. Educacional
É verdade que em muitas ocasiões a equipe não tinha resposta às questões levantadas
pelos professores, porque algumas eram de questões específicas de postura da escola,
ou de um conflito vivenciado entre pessoas da Secretaria ou da própria escola com
profissionais que não eram simpáticos à idéia da inclusão escolar, que não acreditavam
no possível. Porém o fato de a equipe escutar e colocar-se como parceira nesse
processo aliviava a dor, o ressentimento, impulsionando o grupo a continuar. A fala de
algumas professoras durante esses encontros exemplifica esse acolhimento:
“Toda escola que a gente chegou para trabalhar, nós fomos tratadas com falta de educação,
com falta de respeito.” (Prof.ª de apoio/itinerante – Diário de campo - 11/7/2005)
“Ainda bem que tem um lugar para a gente vir chorar.” (Prof.ª de apoio/itinerante – Diário de
campo - 11/7/2005)
“A formação em serviço nas segundas-feiras foi uma conquista... Essa formação é o que tem
uma força até maior no município de Cariacica.” (Mariana – Diário de campo - 18/1/2007)
182
Essas ações da equipe denotam uma prática de fomento à política que se faz no
Município em relação à inclusão escolar. A equipe mostra-se como uma mola
propulsora. É por meio das experiências nas escolas e da prática dos professores de
apoio/itinerante, que ela vai apontando a necessidade de investimento no setor.
Celina: “Uma coisa muito importante que aconteceu na formação continuada em 2006 eu acho
que é o que vai fazer com que os professores se sintam mais convidados a participar em 2007.
É que quando nós falávamos da formação no turno noturno, eles pensavam que viriam e
encontrariam todas as respostas, para todas as dificuldades que eles encontraram lá na sala de
aula. Pensavam que nós tínhamos o modo de fazer.”
Pesquisadora: “A mágica.”
Celina: “É a mágica, e quando eles chegaram aqui... e o que eles aprenderam? Que é na
construção, é na discussão, na leitura, na avaliação, na troca, que eu vou encontrar caminhos
para lidar com as dificuldades que eu tenho em trabalhar com aquele aluno. E isso deixou o
professor muito à vontade para falar de inclusão dentro da própria escola.”
Pesquisadora: “O que você fala, Celina, é muito importante, porque eles viram que é preciso
colocar a mão na massa e trocar experiências. E o que mostrou para nós que isso funcionou
mesmo? Quando nós fizemos o Seminário Interno!”
Anita: “O Seminário Interno veio após a formação que propiciou essa socialização. Socializar
mesmo as práticas que aconteciam. Até a questão da solidariedade, que foi a reflexão quando
uma professora citou o caso de uma criança que ela não sabia o que fazer. Ela chegou na
formação e não sabia o que fazer, e o grupo (de segunda-feira) foi buscar caminhos para se
trabalhar com essa criança. Foi marcante esse depoimento dela. O Seminário socializou essas
práticas pedagógicas mesmo, a socialização de práticas positivas e as dificuldades.”
Mariana: “O professor está começando a perceber que tem que buscar ajuda, que ele não
está sozinho.”
Mariana: “É, e quando veio um dos processos dessa formação que foi montar um projeto,
então o professor não se sentiu só, toda a escola se envolveu. Ele tinha uma formação, ele
tinha o diretor. O diretor veio aqui, acompanhou”.
Pesquisadora: É interessante que eles usaram os mesmos materiais que são utilizados no
cotidiano com as crianças ditas normais... eles se sentiram capazes. Então o Seminário Interno
mostrou isso, que é possível, desde que a gente tenha um olhar positivo para isso.”
Pesquisadora: “Exato.”
184
Mariana: “E, por outro lado, o professor percebeu que o aluno, mesmo com a dificuldade, ele é
capaz. Porque até então era: eu não consigo trabalhar com ele. Mas por que eu não consigo
trabalhar com ele? O professor teve que refletir a sua ação... qual a possibilidade que eu tenho
para desenvolver isso e a potencialidade daquele aluno? Ele começou a ver o outro lado.”
Pesquisadora: “Não é só o aluno; agora é o que eu posso fazer, o que essa escola pode
fazer.”
Nélia: “Mudou o foco, isso foi muito importante na reflexão da formação continuada.”
Mariana: “A nossa formação refletiu tanto que, quando chegou o 1.º Seminário Municipal, tinha
trabalho lá da Educação Inclusiva que nós não tínhamos conhecimento. Então, foi assim, abriu
espaço. E quando nós chegamos lá no Seminário Municipal, nós vimos os trabalhos e ficamos
felizes: Gente! aquela escola fez isso, está desenvolvendo isso!”
Celina: “Após aquela formação, aquelas discussões emergiram no cotidiano escolar. Então os
professores foram encorajados a experimentar, a fazer e a anunciar lá no Seminário Municipal:
Olha, a minha escola está fazendo isso.”
Pesquisadora: “Então podemos dizer que tivemos muitos trabalhos em relação à inclusão
escolar?”
Mariana: “Sim.”
Nélia: “É, esse Seminário Interno veio para mexer com as escolas no campo da inclusão. A
escola começou a perceber a inclusão de forma mais tranqüila, mais relaxada, da forma que eu
também posso fazer. Porque um dos professores estava aqui, fazendo e levando as idéias para
a escola. O conhecimento aqui desafiava para as possibilidades lá. Então a escola se sentia
também encorajada a fazer. A formação continuada em 2006, com a culminância do Seminário
Interno, apontou para uma ação das atividades pedagógicas da escola no sistema como um
todo. A preocupação da SEMEC (Secretaria de Educação Municipal de Cariacica) é ampliar a
equipe para dar assessoria às escolas. Nós estamos levando para a SEMEC pensar sobre o
contrário: é a escola dar conta do seu espaço lá e nós temos a retribuição da escola. É uma via
de mão dupla, que nós damos e nós recebemos. Então, hoje, nós já estamos pensando no
sentido das regiões que temos. São 92 escolas hoje, distribuídas em 13 regiões. Nós temos em
cada região já uma referência pedagógica, por uma escola, por um pedagogo, pelo grupo de
professores para fazer esse movimento lá na sua região. Então, quem entra apresentando a
demanda para a SEMEC é a escola. Não é mais a SEMEC que apresenta para a escola o
185
que precisa ser feito. Esse é o momento importante que estamos vivendo, e nós nunca
vivemos. Estamos vivendo por quê? Porque iniciamos uma discussão que deu certo e
que é o caminho que nós acreditamos hoje (grifos nossos).”
Pesquisadora: “Vocês estão em um universo grande, e vocês, como gotinha, têm tentado
mostrar para o gigante, para esse universo maior (a Secretaria) que a coisa tem que ser
diferente.”
Nélia: “Exatamente.”
Anita: “A cada mudança de governo é complicado. Não foi fácil, mas fomos ouvidas e já havia
um retorno do trabalho, era um trabalho já conhecido. A nova gestão não tinha nenhum
compromisso em manter essa equipe, mas a repercussão do trabalho era evidente.”
Mariana: “Nós permanecemos, porque entre nós existe uma cumplicidade. E o que segura a
equipe é acreditar no que faz. Se nós tivermos que ir à noite, nós vamos... Se tiver que ir no
domingo, nós vamos, nós saímos tarde. Tem outras equipes que não fazem o que nós
fazemos.”
Nélia: “Tem a questão do estudo que nós fazemos, o foco nos teóricos que estão aí discutindo
o que é inclusão. Estamos abertas a continuar com a academia, com os cursos de qualidade.”
(Entrevista/avaliação com a equipe do Setor de Educação Inclusiva – Diário de campo -
18/1/2007)
Rodrigues (1988, p. 13) aponta: É preciso fazer com que a totalidade das pequenas
decisões componha-se no quadro dos grandes projetos. Assim, por meio da totalidade
186
Uma outra ação dessa equipe, do pesquisador coletivo, refere-se ao encontro mensal
com o grupo de pais, iniciado em maio de 2006.
O grupo era uma representação dos pais que tinham filhos com necessidades
educacionais especiais matriculados na rede de ensino de Cariacica. Os encontros com
os pais contavam com a presença de alguns professores itinerantes/apoio, com a
equipe e a pesquisadora, e, esporadicamente, com outros professores regentes. Os
encontros aconteciam à noite, uma vez por mês. O primeiro contou com um número de
quinze pais. Nessa ocasião a equipe falou da necessidade de uma parceria entre setor
e famílias:
SOLIDÃO - “Eu tinha dúvidas, mas agora tô com pé no chão; essa reunião tá mostrando que
esse apoio vai continuar .“ (Irmão participante)
MEDO - “Eu tenho muito medo porque eu corro atrás de médico e não consigo, não tenho
dinheiro de passagem. Tenho 50 anos, tenho medo de morrer e deixar minha filha; tenho muito
medo.” (Mãe participante)
AMOR – “O amor tem que começar em casa. Essa palavra amor é escola, família e sociedade.
Se nós não compartilharmos esse amor não chegaremos a lugar nenhum.” (Mãe participante)
FÉ- “Marcos é uma criança que precisa de um professor de apoio... Assim como Marcos precisa
de um professor de apoio, ele precisa dos outros professores. Acho que o apoio tem que ser de
toda a escola. Você comentou da formação, os professores precisam de uma formação, de uma
capacitação.” (Mãe participante)
Segundo Paro, a escola deve reconhecer o fato de que a família está na base da
construção histórica dos alunos e com ela estabelecer diálogo:
Essa perspectiva apontada pelo autor foi a nossa perspectiva de trabalho, como
pesquisador coletivo, com a família. No decorrer das reuniões, o grupo de pais foi
colocando seus anseios, suas angústias em relação às necessidades dos filhos e, em
muitos casos, a condição de vida, de sobrevivência da família, da falta de espaço e
tempo para educar. Foram colocadas as frustrações, as dores e a esperança na escola.
Os pais indicaram que queriam uma palestra, uma conversa com um psicólogo.
Marcamos três encontros com a presença de uma psicóloga que trata das questões
familiares e da escola, a qual discorreu acerca da educação positiva, conforme
podemos observar em sua fala:
“Pense em que crenças, em valores que você quer que seu filho aprenda. Então comece a
ensinar. Pode demorar em ele aprender, mas você tem que começar.”
“Eu não posso gritar lá da cozinha: arruma a cama, se o menino não aprendeu arrumar a cama.
Arrume com ele, ensine fazendo com ele e elogie. Quem se sente seguro fazendo algo que não
sabe? Você não pode terceirizar, a família não pode terceirizar.”
Assim, dentro dessa perspectiva apontada por Rodrigues (1988), transcorremos o ano
de 2006 trabalhando com o grupo de pais. Desses encontros nasciam muitas ações
que se presentificavam na escola, por meio da intervenção dos professores de
apoio/itinerante e da própria equipe, no sentido de acolher as reivindicações dos pais,
porque essas reivindicações falavam da realidade de seus filhos, nossos alunos.
A realidade dos seus filhos é uma realidade inscrita dentro de uma cultura, dentro de
uma sociedade, dentro de uma escola afetada pelo modo de produção capitalista, que
marca a prática dos professores, o aprendizado e desenvolvimento e a trajetória do
processo de escolarização de nossos alunos.
Conhecemos Marcos no final de junho de 2005. Havia duas semanas que ele estava
freqüentando a escola. Tinha treze anos e estava matriculado na 4.ª série. Mesmo
antes de nos dirigirmos à sua escola, já o conhecíamos por meio das conversas com
Sara, a professora de apoio, durante a fase de estudo exploratório desta pesquisa.
Sara, com formação em Magistério e estudante do curso de Pedagogia, era a pessoa
designada pelo Setor de Educação Inclusiva para dar apoio à escola onde Marcos
estudava.
A escola de Marcos, que neste estudo denominaremos Escola de Vidro, ficava bem
localizada, em um bairro muito próximo a Campo Grande, bairro onde a “vida em
Cariacica acontece”. Escola de Vidro é de porte médio, com funcionamento nos três
turnos, atendendo turmas de 1.ª a 4.ª e de 5.ª série. Marcos estudava na 4.ª série do
turno matutino, uma turma composta de 36 alunos na faixa etária entre 10 a 11 anos.
No mesmo turno estudava sua irmã, matriculada na 3.ª série.
Isso foi bastante constrangedor, porque nós queríamos entender o que Marcos falava e
não conseguíamos, mesmo depois de ele tentar várias vezes. O constrangimento
aumentou ao percebermos o desprezo, ou, poderíamos dizer, o deboche, da professora
regente em relação à nossa tentativa de comunicação com Marcos. O clima entre
professora regente e a de apoio pareceu-nos muito pesado.
Afetado pela seqüela de uma paralisia cerebral, provocada por uma anoxia no momento
de seu nascimento em decorrência de erro médico, Marcos apresentava
comprometimento nos membros superiores e inferiores, e espamos (movimentos
bruscos e involuntários dos membros). A seqüela da paralisia cerebral comprometeu a
fala e a coordenação motora, impedindo-o de falar fluentemente e andar. O aluno fazia
uso de cadeira de rodas. Sua capacidade de cognição e audição não foram afetadas.
Tudella (2002) conceitua paralisia cerebral e aponta suas seqüelas:
Uma das patologias que comumente afeta o sistema nervoso central em nível
encefálico é a paralisia cerebral. A PC é a seqüela de uma lesão não
progressiva e irreversível que acomete o encéfalo imaturo da criança [...] A
lesão pode ocorrer no período pré, peri ou pós-natal [...] A paralisia cerebral é
um quadro com alterações predominantemente motoras, podendo,
entretanto, estar associada a uma ou mais deficiências [...] As seqüelas
freqüentemente observadas são alterações do tônus (por exemplo,
espasticidade), da postura, da coordenação e controle dos movimentos e das
reações posturais (equilíbrio, retificação corporal e defesa). Além dessas
alterações, pode-se observar um atraso, ou até mesmo uma parada, no
desenvolvimento motor, principalmente se a lesão ocorrer em um estágio
precoce da vida da criança (TUDELLA, 2002, p. 163-164).
192
Nesse primeiro dia na escola, Sara relatou-nos que às vezes conseguia entender o que
Marcos dizia. Mostrou várias atividades que tentava realizar com o aluno a partir dos
conteúdos que a professora Carolina desenvolvia em sala de aula. Como não havia
planejamento nem participação da professora regente, Sara tinha que preparar todas as
atividades ali na sala mesmo, com material que, em boa parte, trazia de casa.
Sara tentava trabalhar com palavras-chave, que destacava dos assuntos que eram
ensinados para a turma pela professora Carolina. A partir dessas palavras, tentava
alfabetizar Marcos. Essa atividade, segundo o relato da professora de apoio, trazia
muita irritação à professora regente, que já havia pedido que a diretora comunicasse a
Sara que ela deveria ficar só acompanhando Marcos na sala de aula, pois aquelas
atividades e os diálogos que ela travava com o aluno estavam atrapalhando o bom
andamento da turma.
193
Nesse primeiro dia na escola de Marcos, pudemos sentir a complexidade do que era
ser deficiente em uma escola padronizada. Ficamos muito constrangida e impotente por
não entendê-lo, como também deveriam sentir-se Sara e Carolina.
Organizamos as idas à escola nas terças e quintas-feiras, dias nos quais estava
destinado um horário de planejamento para a professora Carolina. Esses dias estavam
sempre mudando e nossa intenção era tentar pensar um planejamento conjunto, entre
a professora regente e a professora de apoio, mas todas as vezes que chegávamos
para realizá-lo a professora Carolina não estava na escola.
Assim, sem planejamento e num clima bastante adverso, continuamos indo à escola.
Dentro da sala de aula não podíamos falar muito com Marcos, pois essa era uma
exigência para que a professora de apoio permanecesse. Marcos queria participar das
aulas e tentava levantar o braço, mesmo com todos os espasmos dificultando esse
movimento, para perguntar algo a respeito do assunto explanado pela professora
regente. A professora Carolina não entendia esse movimento, e a professora Sara
insistia para que Marcos pudesse falar. Quando isso ocorria, muitos não entendiam, e a
professora de apoio tentava traduzir, já que conseguia compreender melhor o que ele
dizia, por estar mais perto dele.
Marcos tinha, sim, uma dificuldade em se expressar. Era lento, tinha movimentos
bruscos involuntários e, ao pronunciar algumas palavras, seu rosto se contorcia e o som
de sua voz diminuía. Era um esforço visível que Marcos empreendia para se fazer
entender. Isso aumentava sua ansiedade e mais rígidos ficavam seus músculos. Além
194
disso aumentava a quantidade de saliva que escorria de seus lábios. Essa era uma
cena que, provavelmente, era estranha aos olhos da professora Carolina e a
incomodava.
Nos dias em que íamos à escola e nas poucas oportunidades que tivemos de acesso à
professora Carolina, tentávamos falar das possibilidades de avanço que Marcos poderia
ter. Também deixávamos claro que queríamos desenvolver um papel de colaboradora
na escola, mas a professora não acreditava no potencial do aluno, o que a impedia de
ver outras possibilidades.
Trabalhar com Marcos demandava a afirmação de sua pessoa, de aceitá-lo como ele
era. Isso significava pensar estratégias em torno da Comunicação Alternativa para
ampliar a comunicação do aluno. Podíamos usar um microfone sem fio perto da boca
de Marcos para que o som fosse ampliado, ou redutores (abdutores) de movimentos
involuntários, como pequenos pesos nos braços, para facilitar os movimentos que
Marcos quisesse realizar. Pensar figuras estratégicas que facilitassem a comunicação
do aluno relacionadas às suas necessidades básicas, como figuras de banheiro, copo
com água, entre outras; organizar e planejar o ensino com recursos que viabilizassem
sua aprendizagem e desenvolvimento como, por exemplo, o uso da informática, o
alfabeto móvel magnetizado para sua alfabetização, dentro de um planejamento
coletivo que envolvesse toda a turma.
Todas essas idéias pareciam um sonho distante diante da realidade da escola e dos
poucos recursos destinados à inclusão escolar dos alunos com necessidades
educacionais especiais no município de Cariacica. Não foram poucos os dias em que
chegávamos à escola e ouvíamos falar que tinha ocorrido uma discussão acalorada
relacionada ao processo de escolarização de Marcos. Em outros dias encontrávamos a
professora de apoio chorando que logo tentava disfarçar a situação. Na tentativa de
ajudá-la, perguntávamos o que estava acontecendo e muitas vezes respondia que não
era nada.
195
Mas certo dia, ao chegarmos, presenciamos o final de uma forte discussão entre a
diretora e a professora de apoio. Os ânimos estavam exaltados e parecia que todos iam
explodir. A professora de apoio, em forma de desabafo, confessou que estava muito
insatisfeita, pois não podia realizar atividades com Marcos, não havia planejamento,
não podia falar em sala e sabia que Marcos estava sendo prejudicado por aquela
situação. A única coisa boa, considerada por Sara, era a interação de Marcos com os
alunos, o que o ajudava na questão da socialização.
Cheguei à escola um pouco mais cedo do que o combinado e fui direto para a sala
dos professores, onde ocorreria o planejamento. Logo a professora Carolina
apareceu e ficamos conversando um pouco. Tentei quebrar o gelo do momento e
passamos a conversar sobre Marcos. A professora relatou que nunca em sua
carreira de magistério tinha dado aula para um aluno com NEE e que Marcos era o
primeiro. Comentou que, conversando com sua mãe a respeito de Marcos, se
lembrou de uma tia que era “mongolóide”, e que ficava em casa e não saía.
Respondemos que provavelmente sua tia tivesse Síndrome de Down. Ela
comentou que a tia já havia falecido.
A conversa deu uma esfriada e eu perguntei se ela não estava usando a bolsa do
Seminário de Educação Inclusiva. Respondeu que não tinha trazido. Então
aproveitei para perguntar o que ela tinha achado do Seminário. A professora
Carolina respondeu que havia gostado, que tinha ido porque estava com Marcos
na sala e que antes nunca tinha participado de encontro algum referente à
educação especial.
Disse que, quando Marcos foi matriculado na escola, nenhuma professora aceitou
ficar com ele na sala, somente ela o aceitou. Comentou que estava achando a
socialização de Marcos na escola uma maravilha, porque estava ajudando o aluno
196
Prosseguiu dizendo que achava que Marcos não entendia o que se passava na
sala de aula, nem as explicações, nem as discussões que ocorriam nas aulas.
Respondemos que, apesar de conhecer Marcos há pouco tempo, acreditávamos
que ele entendia tudo o que ocorria ao seu redor, pois demonstrava isso através
dos gestos, do olhar, das palavras ditas com dificuldades.
A professora Sara resolveu sair para procurá-la e não a encontrou. Ficamos ali
esperando até que entraram na sala a diretora, a pedagoga, a coordenadora e a
professora Carolina. Todas olhavam para nós duas, e a pedagoga nos perguntou:
- O que vocês querem com o planejamento da Carolina?
Tentei explicar que deveríamos observar esses alunos. Foi quando a pedagoga
me cortou dizendo: - O pessoal da Secretaria vem e coloca esses meninos na
sala, e eles ficam lá de “flozô” e não mandam professor de apoio para a tarde. A
diretora pediu para a pedagoga maneirar. A pedagoga, então, voltou-se para nós e
perguntou: E aí, o que vocês querem com a Carolina?
Argumentei que talvez o “B + A = BA” não fizesse sentido. Mas que poderíamos
trabalhar por meio do alfabeto magnético, de figuras e do conteúdo da 4.ª série a
alfabetização de Marcos, dentro do contexto da turma. A professora de apoio
explicou para a pedagoga que trabalhava com Marcos palavras-chave a partir do
que Carolina ensinava para a turma, mas Carolina não queria que ela falasse
durante a aula, para não atrapalhar.
A professora Carolina não concordou e disse que Marcos não entendia nada. Os
ânimos se exaltaram, e a diretora pediu para se retirar e nos convidou a conhecer
a escola no turno vespertino. A pedagoga sentou-se ao lado da professora
Carolina e olhou umas atividades de Matemática dos alunos. Logo depois, soou o
sinal do recreio. A expectativa positiva acerca do encontro foi derrubada, só restou
um clima muito pesado.
Chegando à escola na outra semana, soubemos que Marcos não tinha ido à Feira do
Verde com sua turma. A pedagoga não tinha permitido, pois tinha medo de ele se
machucar ou dar muito trabalho. Diante disso, a professora de apoio ameaçou
denunciar à Prefeitura e aos jornais televisivos a exclusão e discriminação que Marcos
estava sofrendo.
Diante da ameaça, Marcos foi à Feira do Verde com a turma da 3.ª série, pois a sua
turma já havia ido no dia anterior. Nessa mesma semana, esboçamos um plano de aula
a partir dos conteúdos que estavam listados no caderno da professora Carolina,
contemplando atividades que envolvessem Marcos. Mostramo-lo à professora Carolina
na esperança de que ela aceitasse e pudesse unir-se a nós, mas ela disse que não
poderia prejudicar os outros alunos com aquele tipo de planejamento.
Também trabalhamos a alfabetização por meio dos nomes das cores, com o alfabeto
magnético que se fixava sobre uma placa de metal (APÊNDICE A). Essa placa ficou
disposta sobre uma mesa que estava solta e, devido aos movimentos involuntários de
Marcos, as tintas, as letras, todo o material disposto sobre a mesa caiu algumas vezes
no chão.
Tínhamos pouco tempo, pois a aula era de 50 minutos. Tiramos algumas fotos para
registrar esse momento. Naturalmente, as outras crianças também queriam sair na foto.
Pedimos que se acalmassem e tudo aparentemente ocorreu bem. Terminamos a aula
com a sensação de que tudo iria mudar e que poderíamos, daquele dia em diante,
manter um contato maior com a professora de Artes e elaborar muitos planos em
conjunto.
passou a mão em sua cabeça e disse: Que pena! o cabelo dele é tão lindo! Ficamos
mais atordoada ainda, pois não sabíamos se Marcos tinha presenciado a discussão, e
ainda teve que ouvir um comentário daqueles, que era, no mínimo, ridículo,
preconceituoso.
Sara pediu, que não a abandonasse e que ficássemos na biblioteca trabalhando com
Marcos. Dissemos que não a abandonaríamos e que poderíamos planejar em outro
local, como na escola em que funcionava a sala de recursos para os alunos com
deficiência visual.
“atenção” da escola e o “espaço” que nos foi permitido até aquele dia e nos
despedimos.
Eu ia para a escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, eu tinha que
me meter no vidro. É, no vidro!
Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um,
não! O vidro dependia da classe em que a gente estudava.
Se não passasse de ano, era um horror. Você tinha que usar o mesmo vidro do ano
passado. Coubesse ou não coubesse.
Aliás nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros. E para falar a
verdade, ninguém cabia direito.Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns
eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.
A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam
o que a gente falava, e a gente nem podia respirar direito...
A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de Educação Física. Mas
aí a gente já estava desesperado de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a
bater uns nos outros.
Realizamos algumas reuniões com a equipe e com a mãe do aluno para discutirmos
sua aprovação para a 5.ª série. A mãe estava receosa em matricular Marcos na 5.ª
série, a professora de apoio também, pois o aluno ainda não dominava por completo a
leitura e a escrita. A pesquisadora era favorável à matrícula ser efetivada na a 5.ª série,
principalmente, pela idade e pelo porte físico do aluno. A equipe estava dividida, mas
chegamos à conclusão de que era melhor o aluno ir para a 5.ª série e começar um
trabalho profundo e intensivo de conscientização na “Escola de Vidro” e de trabalho
coletivo com os professores da 5.ª série.
Desde o início dos tempos modernos, cada geração sucessiva tem tido seus
naufrágios no vácuo social: as “baixas colaterais” do progresso. Enquanto
muitos conseguiram pular para dentro do veículo em alta velocidade e
aproveitar profundamente a viagem, muitos outros-menos sagazes, hábeis,
espertos, musculosos ou aventureiros – ficaram para trás ou tiveram negado
o acesso ao veículo superlotado, se é que não foram esmagados sob suas
rodas (BAUMAN, 2005, p. 24).
Assim, toda a turma da 4.ª série da Escola de Vidro, foi aprovada e transferida para
uma escola estadual no mesmo bairro para que iniciasse o ano letivo de 2006 cursando
a 5.ª série. Não obtivemos “explicação oficial” pelo motivo que levou a escola a não
oferecer uma turma de 5.ª série no ano de 2006, mas estava claro: o motivo era afastar
a possibilidade de “Marcos” e de tudo o que ele representava – equipe, pesquisadora,
professora de apoio - presentificar-se novamente na escola no ano de 2006. Soubemos
apenas que os pais exigiram que, se os alunos tinham que mudar de escola, que fosse
para uma unidade do mesmo bairro. Assim com a exigência dos pais os alunos tiveram
que ser matriculados na escola estadual, a única a oferecer 5ª série no bairro.
Com essa mudança de planos, tínhamos agora novas preocupações. A rede estadual
não trabalhava com professor de apoio, apenas com professor itinerante para assistir
alunos com deficiência visual, o que não contemplava as necessidades de Marcos.
Assim foi feito. Fomos até a escola, juntamente com Sara e Margarida, mãe de Marcos.
Lá expusemos o caso à diretora, que ficou surpresa e nos informou que não sabia que
Marcos estava sendo transferido para aquela escola. Disse, ainda, que estava sem
pedagogo, com o quadro de docentes incompleto e as salas lotadas. Explicamos que
tipo de trabalho poderíamos fazer por meio da parceria, e a diretora respondeu que não
poderia rejeitar a matrícula do menino. Pediu à Margarida que trouxesse os
documentos para efetivar a matrícula o mais rápido possível, pois o prazo findava
naquela semana.
A essa altura, Margarida, já não tinha tanta certeza de querer que seu filho estudasse
na escola estadual. No seu relato, disse que estava com muito medo de Marcos sofrer
discriminação e de a parceria não se efetivar. Confessou que estava cansada de ser
tratada de maneira grosseira pelas escolas. Conversamos bastante e dissemos que era
direito de Marcos estudar, que deveríamos enfrentar a situação e continuar lutando pela
sua aprendizagem e desenvolvimento.
Ao findar o ano letivo de 2005, tínhamos uma grande certeza: continuar a luta!
Em resposta, comentamos que seria um desafio para a escola, para professores, para a
pesquisadora e para Marcos. Deveríamos investir no potencial de Marcos e na
possibilidade de um trabalho coletivo que sustentasse uma dinâmica e mediação
favorecedora da aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos.
Tivemos duas reuniões com a Secretária no mês de janeiro de 2006. Ela pediu uma
avaliação do aluno, o que prontamente foi entregue, constando todos os avanços e
atividades educativas e sugestões para a continuidade do trabalho. Contudo a
Secretária não se convenceu e deixou claro que achava a aprovação da 4.ª para a 5.ª
série muito precoce. Com essas ressalvas, disse que estava nos autorizando a
conversar com a Superintendência Estadual de Educação do núcleo de Cariacica.
Ainda com essas questões fervilhando em nossa cabeça, em fins do mês de janeiro, o
telefone tocou e, do outro lado, a mãe de Marcos dizia que estava muito insegura em
relação ao ano letivo, que começaria em breve. Comentou que gostaria de que seu filho
permanecesse em uma escola da rede municipal, pois acreditava ser melhor por causa
do trabalho que a equipe do Setor de Educação Inclusiva desempenhava.
Respondemos que estávamos, também, com sentimento de insegurança e
concordávamos com ela. Não tínhamos certeza se, apenas a dois dias do início do ano
letivo, encontraríamos vaga para Marcos novamente nas escolas da rede municipal de
Cariacica. Marcamos de nos encontrar pela manhã, bem cedo, na Secretaria de
Educação e conversamos com a equipe, a fim de obtermos orientação a respeito de
nosso desejo.
A equipe informou-nos que não seria fácil encontrar vaga, já que o período de matrícula
se havia esgotado, mas disse que todas as escolas tinham uma lista de espera.
Sugerimos à equipe a Escola Novo Horizonte, em que estavam montando um núcleo de
209
Nesse mesmo dia, 1-2-2006, tivemos que buscar uma declaração de que Marcos havia
sido aprovado para a 5.ª série na escola onde havia cursado a 4ª série. Também
tivemos que cancelar a matrícula na escola estadual, para poder efetivá-la novamente
na Rede Municipal. Confirmamos a matrícula de Marcos junto à equipe e solicitamos
que a professora Sara fosse encaminhada para a Escola Novo Horizonte, para dar
prosseguimento ao trabalho com Marcos, o que foi prontamente assegurado e
efetivado. Ainda restou a tarefa de contactar a representante da Superintendência
Estadual que se havia disponibilizado a participar da nossa conversa com os
professores da escola estadual, o que ocorreria naquele dia.
Escola Novo Horizonte para o ano letivo de 2006, em uma turma composta de 34
alunos, na faixa etária entre 11 a 13 anos, no turno vespertino.
Não soubemos o que responder, somente retribuímos, com franqueza, o forte abraço,
com a esperança e a certeza de continuar na caminhada, lutando por um ano letivo
mais promissor para Marcos. Esses eventos vivenciados com Margarida levaram-nos a
refletir no que indica Búllon (2007, p. 86): Apronte-se para luta [...] enfrente as
dificuldades. Não tenha medo de avançar no desconhecido. Ninguém descobre novos
oceanos, a menos que perca de vista o conforto da praia.
Depois, seguindo nosso caminho, atravessando a ponte que liga Cariacica a Vitória,
rumando para casa, ficamos a refletir sobre como era lamentável que questões como
essas só se resolvessem com a presença de um pesquisador. Muitos outros Marcos
estão espalhados por aí. Bom seria que o nosso sistema educacional e suas políticas
fossem mais democráticos, a ponto de a presença de um pesquisador não ser
constrangedora, mas um somatório de forças em prol da inclusão escolar. Esse é um
caminho longo, que só estamos começando a percorrer.
Nesse primeiro encontro, ficamos sabendo que todos os professores, sem exceção,
incluindo a pedagoga e o coordenador, eram novos na escola, contratados por três
meses. Haviam sido aprovados no concurso realizado no final de 2005 e não tinham
sido efetivados por razões políticas e burocráticas.
Essa questão do contrato por três meses pareceu-nos preocupante, pois setecentos
profissionais foram aprovados, o que correspondia ao número de vagas divulgado no
edital do concurso. Porém muitos desses aprovados não aceitaram trabalhar por regime
de contrato, o que levou a secretaria convocar outros que se classificaram acima dos
setecentos.
Por que esse fato nos preocupou? Os professores que estavam além da
setingentésima classificação não iriam efetivar-se antes dos setecentos primeiros. No
final de três meses, em junho, os primeiros colocados se efetivariam e assumiriam
conseqüentemente o lugar dos contratados, quebrando então um trabalho que já
estaria em andamento. Então, teríamos que começar tudo novamente. Mas essa era a
realidade do nosso campo de pesquisa e dela não poderíamos fugir.
Descrevemos o aluno e seu potencial cognitivo, o que foi uma surpresa para todos, pois
imaginavam que os paralisados cerebrais eram todos afetados no cognitivo. Uma
professora, desesperada, disse:
- Eu nunca vi uma pessoa com paralisia cerebral, imagine dar aula! Como vou me
comportar diante dele? (Prof.ª da Escola Novo Horizonte - Diário de campo - 2/2/2006)
Respondemos que agiria como age com qualquer aluno. Não precisava de um jeito
diferente para estar perto de Marcos. Acrescentamos que deveria respeitá-lo como
212
pessoa, pois ele pensava e tinha sentimentos como as outras pessoas. Apresentava
limitações impostas pela paralisia, mas tinha um potencial que podíamos fomentar por
meio de nossa mediação na escola. Explicamos a importância e o objetivo do professor de
apoio para auxiliar no planejamento de atividades que envolvessem Marcos e toda a
turma, contemplando suas necessidades e desenvolvendo seu potencial.
Um aluno da turma levantou a mão e disse que conhecia Marcos, pois morava perto da
casa dele. Pedimos que contasse para a turma como era Marcos. O aluno disse que
Marcos era legal e que ficava em uma cadeira de rodas. Depois Margarida, mãe de
Marcos, contou que, na outra escola, no ano anterior, Marcos tinha sido recebido com
músicas e cartões de boas-vindas, preparados pelos alunos.
Perguntamos o que eles agora poderiam organizar para receber Marcos na segunda-feira.
Um aluno sugeriu a confecção de um cartaz e todos concordaram, combinando que o
confeccionariam na aula de Educação Física, que seria a última aula daquele dia. A
professora concordou e solicitamos à diretora o fornecimento do material para a
confecção do cartaz. Depois distribuímos um pequeno texto com algumas dicas a respeito
das pessoas com deficiência e nos despedimos, dizendo que Marcos viria na segunda-
feira, dia 6-2-2006. (Diário de campo - 2 e 3/2/ 2006)
Na segunda-feira, como combinado, Marcos chegou à escola e foi recebido pela turma,
juntamente com a professora de apoio Sara, que já estava efetivada na escola.
Nas semanas seguintes, Marcos continuou indo à escola, mas estava enfrentando
alguns problemas: as aulas estavam terminando na hora do recreio por causa da
reforma da escola e o cheiro de tinta forte estava provocando nele crises de bronquite;
havia algumas disciplinas que não eram ministradas por falta de professores; Marcos
213
O ano de 2006 foi bastante singular no sentido de que muitas secretarias de educação
da região metropolitana da Grande Vitória realizaram concursos simultaneamente e, dia
após dia, os professores eram convocados e, atraídos pelo fator econômico, aceitavam
trabalhar em redes que remuneravam melhor do que a de Cariacica.
Assim, o ano letivo de 2006 foi marcado negativamente por fatores gerados pela própria
política interna do sistema de ensino de Cariacica. O concurso de 2005 não se
214
Apesar de Marcos já estar bem entrosado na escola e adorando tudo o que estava
acontecendo, principalmente o recreio, com todo o agito característico dos alunos
adolescentes, entendíamos que, se a estrutura do sistema e da escola fosse mais
organizada, poderíamos fazer um trabalho mais intenso e planejado com toda a turma,
envolvendo Marcos.
Essa era a nossa maior preocupação: não queríamos que Marcos apenas estivesse na
escola, mas que aprendesse, que tivesse acesso ao conhecimento que por muito
tempo lhe tinha sido interditado. Assim, num dia em que Marcos chegaria mais tarde,
devido aos atendimentos fisioterápicos, procuramos conhecer os livros da escola que
seriam fornecidos aos alunos e o conteúdo que trabalhavam.
juntamente com a professora Sara, somente como idéias para depois mostrarmos à
professora da disciplina, caso ela quisesse aproveitar.
Respondemos, juntamente com Sara, que a escola era responsável pelo aluno e que o
professor de apoio era tão responsável quanto os outros professores. O professor de
apoio estava ali para apoiar no planejamento, nas atividades, na ação do professor com
Marcos e outros alunos.
Sara arrematou dizendo que todos na escola poderiam ajudar Marcos. A professora de
Português rebateu dizendo que isso não era inclusão. Argumentou ainda que existiam
outros alunos pela escola. Concordamos e dissemos que era preciso planejar com os
217
professores para que eles pudessem desenvolver atividades nas outras salas. A função
do professor de apoio era exatamente apoiar os profissionais e planejar com eles,
encontrar meios de favorecer a aprendizagem de todos os alunos. No entanto a
professora Sara não poderia estar em todas as salas ao mesmo tempo e, Marcos
precisava de um apoio maior.
Mantivemos a calma, pois não queríamos passar pela mesma experiência da Escola de
Vidro do ano anterior. Sabíamos que poderíamos conquistar essa professora, pois todo
seu furor era um desabafo, quem sabe de alguém que, já desgastada pelos reveses da
profissão, tinha perdido a esperança na educação. Pouco tempo depois, a professora
de Português pediu para mudar de escola e nunca mais a vimos.
A coordenadora-geral informou-nos que o trabalho realizado com Marcos não era para
fazê-lo andar, pois isso nunca seria possível, em sua opinião, mas era um trabalho
218
voltado para ajudá-lo nos movimentos das mãos, o que poderia ser interessante para a
escola. Disse ainda que a cadeira de rodas era muito pequena e que já tinha passado
da hora de trocá-la. Comentou que Marcos não tinha nenhum déficit intelectual; o que
lhe faltava era a vivência de um menino de treze anos. Concordamos e dissemos que a
escola estava abrindo esse caminho de vivência que a ele havia sido negado durante
anos. Ao final da conversa, a coordenadora aceitou mudar o horário das sessões de
fisioterapia para a parte da manhã e alertou-nos mais uma vez acerca do tamanho
inadequado da cadeira de Marcos.
Quarta-feira era o dia em que ocorriam as aulas de Geografia e História, aulas de que
Marcos parecia gostar muito. O professor de Geografia, certo dia, surpreendeu-nos:
estávamos em sua aula e ele explicava o conceito de agricultura, falando de sua
importância. Depois pediu que os alunos procurassem nas revistas e jornais uma figura
de um homem trabalhando no campo em uma atividade agrícola e colassem no
caderno.
O professor dirigiu-se a nós e explicou que tinha planejado aquela atividade pensando
em Marcos, para que ele pudesse realizá-la junto com a turma. Parabenizamos o
219
professor pela iniciativa e acrescentamos que ele estava no caminho certo. O professor
de História, também preocupado com Marcos, planejou algumas aulas com a
professora Sara.
Muito triste, mas precisando trabalhar em outra rede para poder pagar as mensalidades
de seu curso de graduação, Sara anunciou aos professores da Escola Novo Horizonte
que iria sair e que outro professor de apoio iria, provavelmente, assumir o lugar dela. O
professor de Inglês disse:
“Todo mundo está saindo, até você.” (Prof. de Inglês – Diário de campo - 22/3/2006)
220
O professor de História ficou assustado com a notícia, e Sara tentou explicar, meio
constrangida, que precisava de uma outra fonte de renda para continuar custeando
seus estudos. Não queria deixar Marcos, mas não via outra solução.
Sara consultou-nos acerca do que deveria fazer. Dissemos a ela que o seu trabalho
com Marcos era maravilhoso, mas ela não poderia sacrificar seus estudos. Iríamos
trabalhar então com a professora de apoio que deveria ocupar o lugar dela. Na
verdade, estávamos, também, tristes pelo fato de Sara sair, mas não tínhamos o direito
de podar sua oportunidade de alçar outros vôos. Marcamos para o dia seguinte uma
visita à casa de Marcos para explicar a situação à Margarida e conversar com ele mais
tranqüilamente sobre o assunto.
Marcos chorou muito quando soube que Sara ia sair da escola. Sara, emocionada,
também chorou abraçada ao aluno. Marcos perguntou depois, dirigindo-se à
pesquisadora:
- Você vai sair da escola? (Marcos – Diário de campo - 23/3/2006)
Respondemos que não. Então voltou-se para Sara e perguntou, com bastante
dificuldade, por causa dos espasmos, por que ela ia sair da escola. Sara explicou. Ele
acrescentou:
- Quem vai me ajudar? (Marcos – Diário de campo -23/3/2006)
Explicamos para Marcos que logo viria uma nova professora de apoio para a escola.
Margarida olhou-nos desolada, mas tentamos acalmá-la.
Depois que saímos, ficamos a pensar por quantas mudanças Marcos vinha passando
desde junho de 2005 e sobre como isso estava afetando seus processos de
subjetivação. Margarida relatou-nos que Marcos estava muito estressado, um pouco
agressivo, conforme registramos a seguir:
Margarida deveria arrumar Marcos para ir à escola. Dar banho, alimentá-lo e preparar o
material. Mas ele não queria se arrumar, queria assistir a seu programa favorito:
221
CHAVES. Margarida não deixou, pois o tempo estava passando. Ela foi para a cozinha
acertar os detalhes da refeição. Enquanto isso, Marcos saiu arrastando-se pela casa até
chegar ao banheiro. Lá pulou de joelhos até alcançar um vestido da sua mãe, que
estava em um varal no banheiro. Ao conseguir pegar o vestido, colocou-o no vaso
sanitário e começou a gritar: VINGANÇA! VINGANÇA!
A professora comentou que tudo era novo, mas estava gostando do desafio. Disse que
observava cada professor que entrava na sala de aula e planejava, ali mesmo, as
atividades para serem trabalhadas com Marcos a partir dos conteúdos dos professores.
Falamos da importância de planejar com cada professor e mostrar como Marcos
conseguia aprender e participar. Cleide também fez uma bateria de perguntas acerca
de Marcos, e fomos respondendo a tudo com o que era de nosso conhecimento.
Marcos estava bastante animado com a presença de Cleide e fazia, como de costume,
várias piadinhas. Conversei um pouco com ele para que não atrapalhasse a aula e
depois assistimos às aulas de Inglês, Português e Matemática. A turma saiu às
15h30min por falta de professores de outras disciplinas. Depois de Marcos ir embora,
fomos juntos para o ponto de ônibus e conversamos muito acerca das possibilidades de
Marcos e de um trabalho coletivo na escola. Naquele dia, conseguimos atravessar a
ponte que liga Cariacica a Vitória mais animada.
Cleide foi conquistando seu espaço na escola. Como a cada dia chegavam professores
novos, por causa do contrato, ela passou a ser uma referência para os que iam
chegando. Cercava, logo na primeira aula, na primeira oportunidade, os novos
professores, expunha o trabalho do professor de apoio e convidava-os a participarem
do trabalho que ela já estava desenvolvendo com os demais.
paredes dos corredores, o que trabalhava com Marcos. Ao mesmo tempo, conclamava
os professores e a escola a atuarem numa proposta mais inclusiva.
Era notória a cumplicidade das duas. Faziam todas as atividades juntas. Num momento,
a professora Cleide dirigia-se à turma como um todo, noutro ficava mais perto de
Marcos. A professora Liliane, da mesma forma, dirigia-se a Marcos, perguntava,
instigava-o a participar de suas aulas. Elas organizavam o horário de forma que sempre
podiam ministrar duas aulas seguidas, ultrapassando os famigerados 50 minutos das
aulas de 5.ª a 8.ª série.
Destacamos a seguir uma parte do diálogo que tivemos com Cleide e Liliane acerca de
todo o processo de envolvimento no trabalho coletivo em prol de Marcos.
“Para mim, foi uma coisa extremamente nova. Nunca tinha trabalhado com criança especial,
mas acho que aprendi tanto quanto Marcos. Eu evolui o tanto que ele evoluiu. Foi um
aprendizado para nós dois, sabe? Foi maravilhoso! No começo, eu falava com a Cleide: Cleide,
eu não sei o que eu faço com Marcos, me dá enjôo ver ele babando, me dá vergonha de falar,
mas eu me sentia mal. E no final, a gente se acostumou, entendeu? Tem um contato maior e a
gente já vê o quanto ele evoluiu. A gente aprendeu que ele tem a capacidade dele. Quando
você olha pela primeira vez uma pessoa com necessidades especiais, você já a julga como
incapaz. Foi isso o que eu fiz com Marcos e outras, o que é normal para a sociedade, pela
criação que nós temos. Depois a gente foi vendo o desenvolvimento dele e falei: Caramba! Olha
como ele pode fazer tudo, como ele é capaz! Foi incrível! (Prof.ª Liliane - Diário de campo -
20/12/2006)
“Então eu parti para chegar no professor e perguntar: O que está trabalhando? O que vai fazer?
O que vamos fazer? Não foi assim, Liliane? Então, a partir disso a gente começou a dialogar, a
gente foi construindo: E aí, eu vou dar aula como? Então a gente pensava o que se podia fazer:
Ah! nós vamos trazer história, uma experiência. É, vai ser legal. A partir desse diálogo prévio, a
gente via o que seria dado... Às vezes eu tinha que sair e a Liliane já sabia chegar nele. Eu
sabia que ele tinha capacidade para ela perguntar e ele responder. Então foi partindo do
princípio: ele está ali e o que ele precisa?é que nós começamos o diálogo; e isso aconteceu.
Não que eu não tivesse com os outros. Eu tive. Várias vezes eu cheguei perto de outros
professores e perguntei... mas não havia um esforço maior. Tem a professora de Artes que é
maravilhosa, excepcional; a gente fez muita coisa juntas, sabe? partindo do princípio de que o
aluno tem que ter acesso ao conhecimento.” (Prof.ª Cleide - Diário de campo - 20/12/2006)
“Os professores dizem: Com menino que apresenta necessidades educacionais especiais eu
não sei trabalhar, não sei o que fazer. E para você, Liliane, trabalhando com a Cleide, no
planejamento conjunto, na atividade com Marcos e a turma toda, você viu que é algo muito
diferente para o aluno aprender, para o Marcos aprender?”
“De forma alguma. O que eu tenho para dizer é que, se não fosse a Cleide, eu não teria
conseguido desenvolver esse trabalho com Marcos. Eu teria tentado, eu cheguei disposta a
isso. Assim que eu vi Marcos na sala, eu falei: Caramba, o que eu vou fazer? Mas o que
aconteceu? Eu várias vezes cheguei para a Cleide e disse: Cleide, eu vou falar sobre água, o
que eu faço com Marcos? O que a gente pode fazer para tornar isso verdadeiro para Marcos?
Ai, juntas, nós planejamos: Olha, a gente pode falar da utilidade da água, o que é a água.
Falamos do mesmo assunto. A mesma coisa que a gente falava para os outros alunos, falava
para Marcos. A mudança do estado físico da água, a gente colocava o gelo na mão do Marcos,
na mão dos outros alunos. A água líquida, a gente derramava na mão de Marcos, nas dos
alunos também, para eles não acharem que estava sendo diferente. Então foi o mesmo
conteúdo, só que a gente tem que ter força de vontade. Não é fácil, de forma alguma. O
professor já tem muito pouco tempo para planejar.” (Prof.ª Liliane - Diário de campo -
20/12/2006)
“Depois, ela já trazia algo que pudesse alcançá-lo, entendeu? Não precisava mais daquele
sufoco: Ah! Cleide tem que estar aqui! Que é que eu vou fazer?
Liliane respondeu: “Eu não sei se ele estivesse na 8.ª série e eu tivesse que falar de átomo,
completamente imaginário. Mas, aqui, eu consegui trazer a realidade para ele.”
A pesquisadora disse: “Mas Marcos vai chegar à 8.ª série. Vamos imaginar você sendo a
professora dele. Essa tua experiência com ele ajudaria?
225
Liliane, sorridente, comentou: “Eu até já imaginei agora: nós faríamos um modelo de bolinha
de isopor.”
Liliane respondeu: “Para mostrar o átomo para ele e para todo mundo.” (Diário de campo -
20/12/2006)
Desse diálogo, o que podemos refletir? A professora Liliane, no começo, tinha o mesmo
olhar negativo dos outros professores da Escola Novo Horizonte, mas, aberta ao
desafio e ajudada pela professora de apoio, alçou vôos mais altos em relação ao aluno
Marcos. A docente não mais ficou paralisada diante da paralisia de Marcos.
Questionada acerca de uma possível intervenção futura, não demorou em encontrar
solução para apresentação de uma aula a respeito do átomo.
Fica claro para nós o movimento de formação no contexto escolar realizado pela
professora de apoio. Ao mesmo tempo em que ganhava terreno para que Marcos fosse
incluído, ia formando o professor regente a partir do contexto que vivenciavam.
Refletindo acerca da formação permanente do professor, Barreto e Victor alertam para
o fato de que
Essa ação, essa atividade da professora Cleide, por seu turno, também está ligada à
sua experiência de formação vivenciada com toda a equipe do Setor de Educação
Inclusiva. Podemos estabelecer essa relação com o depoimento da professora Cleide a
respeito:
“Eu me realizei trabalhando aqui. Eu gostei porque eu tive muita formação durante o ano,que
veio me capacitar mais para isso. Gostei demais! Aqui, em Cariacica, gente, foi tudo! Eu tive
contato com LIBRAS, eu tive contato com as formações do cotidiano mesmo. A gente teve
226
muito embasamento para estar aqui dentro da escola.” (Prof.ª Cleide – Diário de campo -
20/12/2006)
Nessa parceria bem sucedida, pudemos perceber o envolvimento de Marcos nas aulas,
apontando para sua aprendizagem e desenvolvimento, a partir de uma mediação
planejada, que se configura como uma atividade educativa, conforme nos aponta
Leontiev (1978).
“Quando você olha pela primeira vez uma pessoa com necessidades especiais, você já a julga
como incapaz. Foi isso o que eu fiz com Marcos e outras, o que é normal para a sociedade,
pela criação que nós temos. Depois a gente foi vendo o desenvolvimento dele e falei: Caramba!
Olha como ele pode fazer tudo, como ele é capaz. Foi incrível!” (Prof.ª Liliane - Diário de campo
- 20/12/2006)
Por meio da mediação de Liliane e Cleide, Marcos foi se assumindo como sujeito do
conhecimento. A esse respeito entendemos, como Vigotski (1988, p. 115), que
O trabalho em colaboração das duas professoras permitiu abrir novos horizontes para a
aprendizagem e desenvolvimento de Marcos durante o ano letivo de 2006. Com a
expectativa de que Marcos continuasse a se desenvolver por meio da aprendizagem
escolar, julgamos necessário elaborar uma avaliação reflexiva que possibilitasse
apontar alguns encaminhamentos para o ano letivo de 2007.
Essa avaliação reflexiva foi anexada à do ano de 2005 e aos registros do aluno na
escola. Por meio de uma cópia, foi também encaminhada ao Setor de Educação
Inclusiva. A seguir, destacamos alguns trechos da avaliação elaborada em conjunto
pela professora Cleide e a pesquisadora:
Também para facilitar na construção da escrita, confeccionamos peças de madeira nas formas
quadrada ou retangular, com as letras do alfabeto, que eram aplicadas da seguinte maneira: se
Marcos fosse escrever determinada palavra, ele deveria tocar, empurrar as peças que
continham as letras correspondentes. O aluno realizou todas as atividades, textos e provas
adaptadas com o conteúdo e o contexto das aulas preservados. (Essas atividades estão
anexadas na pasta de arquivos da escola). A partir da aprendizagem e desenvolvimento do
aluno e do alcance dos objetivos propostos, Marcos foi aprovado para a 6.ª série para o ano
letivo de 2007.
Aspectos cognitivos:
O aluno, sempre ansioso pelo conhecimento, quando havia uma aula estimulante estava pronto
para responder, questionar e participar efetivamente. Marcos adorava as aulas de Ciências, nas
quais a professora buscava ampliar as possibilidades de compreensão do conteúdo usando
materiais concretos, exemplificando dentro da realidade do aluno. A professora também
demonstrava muito interesse na aprendizagem de Marcos e mantinha uma proximidade com
ele, mediando o conhecimento.
Nas aulas de Artes, o estímulo também se repetia, pois havia planejamento conjunto com a
professora de apoio, o que facilitava a apresentação do material diversificado e criativo,
instigando a percepção, a aprendizagem de todos os alunos. O planejamento conjunto que
ocorria entre professora de Ciências e a professora de Artes em prol do aluno Marcos também
foi utilizado para atender às necessidades de outros alunos dentro do conjunto da turma da 5.ª
série.
A expectativa em relação ao aluno e para o ano letivo de 2007
Acreditamos que houve avanços notáveis no desenvolvimento de Marcos, mas ainda é preciso
avançar. Para isso é necessário que se estabeleçam na escola sérias implementações como:
- planejamento conjunto com todos os professores da 6.ª série e horário organizado para esse
planejamento;
- formação e estudo acerca das necessidades educacionais especiais dos alunos com a
participação de todo o corpo de profissionais da escola;
- mais investimento em materiais de tecnologia, como computador e recursos de comunicação
alternativa;
- construção de uma rampa de acesso para que o aluno em questão possa participar do recreio
e das atividades em todos os espaços. (Avaliação reflexiva – 21/12/2006)
Marcos prosseguiu, durante o ano letivo de 2007, sua escolarização na Escola Novo
Horizonte. A professora Cleide não esteve em 2007 na Rede de Cariacica, mas a
equipe enviou a professora Samara para atuar na escola, auxiliando no processo de
escolarização de Marcos.
229
Leandro era um aluno de sete anos. Freqüentava uma sala de Educação Infantil que
agregava 24 alunos na faixa etária de seis anos. Apresentava paralisia cerebral com um
quadro de diplegia que comprometia totalmente seus membros inferiores e, em menor
escala, os superiores. O aluno usava cadeira de rodas e não falava, pois sua fala fora
completamente afetada pela paralisia cerebral. Segundo relato da professora de apoio,
que denominaremos Marcela, no início do ano Leandro apresentava-se muito apático à
realidade à sua volta.
230
Tínhamos dois principais objetivos a alcançar, nessa transição, até o final do ano letivo:
1) mostrar à família de Leandro a necessidade de ele passar a freqüentar o Ensino
Fundamental (idéia que a família não aceitava); 2) buscar recursos e adaptar o espaço
físico da escola para atender Leandro (a escola não apresentava um espaço adequado
às necessidades fisiológicas do aluno). Associada a esses dois objetivos, tínhamos a
tarefa de instituir junto com a escola uma prática educativa de acolhimento que
trabalhasse a aprendizagem e desenvolvimento de Leandro.
O primeiro objetivo foi lançado pela própria escola que, em conversa conosco, solicitou
que fizéssemos um trabalho de conscientização com a família a fim de que aceitasse a
ida de Leandro para o Ensino Fundamental, pois ele já havia ficado um ano a mais na
Educação Infantil, e a escola não iria repetir a mesma ação para o ano de 2006. Afinal,
Leandro não poderia ficar o restante de sua vida na Educação Infantil e ser prejudicado
por estar perdendo as experiências do Ensino Fundamental.
A diretora da escola pediu que conversássemos com a mãe de Leandro para mostrar a
importância de o aluno ir para o Ensino Fundamental. A escola já tinha feito essa
tentativa várias vezes, porém a mãe não concordava com a idéia e até acionou alguns
políticos para ajudá-la a convencer a escola do contrário. A escola não cedeu, e o
10
Denominamos a unidade escolar pesquisada de Augusto Ruschi como uma singela homenagem que prestamos ao
ilustre capixaba Augusto Ruschi (1915-1986), um dos maiores naturalistas de nosso País, autor de cerca de 500
trabalhos científicos e 23 livros a respeito da ecologia, conhecido como incansável defensor dos beija-flores e flora
brasileira.
231
Com esse desafio, procuramos logo conhecer a mãe de Leandro, que denominaremos
Marília. Ela forneceu-nos mais detalhes do cotidiano de Leandro e do que ela esperava
para o filho. Destacamos, abaixo, em forma de narrativa, trecho extraído do diário de
campo da pesquisadora, abordando o que Marília apontou nessa conversa inicial:
Continuamos a observar Leandro nas aulas. Tivemos contato com a mãe do aluno, que
nos informou mais detalhes. A família é composta pelo pai, pela mãe, por um irmão de
um ano e meio e, ainda, por uma sobrinha de dez anos, que mora com a família e, por
Leandro, de sete anos.
Marília disse que, em casa, depois que Leandro chegava da escola ele ficava em um
tatame, rolava e tentava engatinhar e machucava muito o queixo, que sempre estava
vermelho. Em relação à alimentação, Marília informou que ele não bebia água, apenas
suco na mamadeira, e sua alimentação também era dada na mamadeira. Às vezes,
comida amassada. A mãe comentou que Leandro não tenha noção de perigo. Nesse
momento da conversa, Marília comentou que não aceitava nem concordava que
Leandro fosse para a 1.ª série e que o correto deveria ser ele ficar por mais tempo na
Educação Infantil. Encontramos, então, uma brecha para falar da necessidade de
Leandro ir para o Ensino Fundamental e de como seria importante ele prosseguir junto
com seus colegas e participar das brincadeiras, das vivências com amigos da mesma
idade. A mãe relatou que a psicóloga de Leandro já havia dito o mesmo, mas ela ainda
estava com muita dúvida.
Perguntamos à Marília se ela gostava da escola. Respondeu que era ótima, que o
trabalho da Marcela, professora de apoio, tinha ajudado muito o Leandro. Pedi que ela
explicasse melhor. Ela disse que Leandro estava mais esperto, mais desenvolvido.
Perguntamos se Leandro tinha amigos perto de casa. A mãe respondeu que não,
porque ela achava as crianças da rua muito curiosas e Leandro passava a manhã toda
232
Desse cotidiano exposto por Marília, pudemos deduzir que Leandro não interagia com
outras crianças, vivia num mundo à parte. Sua alimentação era pastosa, o que acabava
não estimulando seus músculos e a mastigação, provavelmente fazendo aumentar a
salivação, que já se mostrava excessiva em Leandro.
Havia dias em que o aluno se mostrava muito cansado, às vezes dormia e não
participava das aulas. Entendemos, depois da conversa com a mãe de Leandro, que
esse cansaço poderia estar ligado ao excesso de atividades que tinha durante a parte
da manhã. Foi interessante ouvir a mãe relatar que, depois do trabalho com a
professora de apoio, Leandro havia ficado mais esperto, mais desenvolvido. Vale dizer
que ela não se referiu com o mesmo entusiasmo às atividades realizadas já havia sete
anos nas instituições.
Assim, a professora aliou às atividades da Educação Infantil, que eram propostas pela
professora regente Cristiane, um trabalho de estimulação. Marcela chegou à Escola
Augusto Ruschi em abril de 2005. Seu trabalho era registrado em um diário reflexivo, no
qual constavam anotações e registros desde o primeiro dia em que começou a
trabalhar com Leandro. Seus primeiros registros apontavam que Leandro era apático e
sem muito movimento nos membros superiores:
“Percebe-se que o aluno Leandro não mastiga, a mão esquerda quase não se abre, não segura
muito a cabeça, joga-se para trás, tem espasmos, quase não reage aos estímulos.”
(Diário reflexivo - Prof.ª Marcela – 1.º dia - 28/4/2005)
“Acompanhei o aluno todo o tempo, iniciei um trabalho de estimulação, que deve ser
prioridade.” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela – 2.º dia - 29/4/2005)
“Ao levar os alunos para o pátio, fizemos brincadeiras de roda, das quais o aluno participou,
voltando o entusiasmo.” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela - 10/5/2005)
“Momento de estimulação - atividade: passar guache de cores diversas no dedinho e criar asas
para a borboleta... Ouvimos histórias com os colegas, Leandro ficou agitado. Foi aquela
alegria.” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela – 11 e 12/5/2006)
“O aluno está alegre e reagindo bem aos estímulos. Está adorando ouvir os colegas cantarem.
Bebeu suco no copo” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela – 24/5/2005)
“O aluno está bem, colocou por duas vezes a mão no nariz. Ao visualizar o espelho,
demonstrou satisfação ao ver sua imagem.” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela - 31/5/2005)
“Em certos momentos, ficava com a mão na boca por alguns minutos. Pode ser que os
exercícios com os braços tenham ajudado... Ao me ver, reage com muito sorriso e agitação. A
turma trabalhou o ‘Homem do campo.’ - Atividade: fazer um desenho com guache.” (Diário
reflexivo - Prof.ª Marcela – 16/6/2005)
“Sua coordenação motora está melhor, consegue pegar no giz de cera com mais equilíbrio. No
momento em que há maior quantidade de balbucios, principalmente quando diante de uma foto
da família ou de pessoas próximas, é que percebemos a capacidade que Leandro tem de
reconhecer pessoas.” (Diário reflexivo - Prof.ª Marcela - 5/7/2005)
Leandro foi um caso específico numa escola em Cariacica. Mas não existirão outros
para os quais não seja necessário aliar outros saberes ao da atividade educativa? Não
existirão outros casos que não exijam interação com outros profissionais, para pensar
estratégias que possam auxiliar o professor em sala de aula? Pensar inclusão escolar
235
denota, também, uma parceria com outros profissionais nos campos mais diversos,
uma parceria que envolva a troca de experiências e um acompanhamento das ações
que caracterizem os casos mais específicos. A formação em contexto pode auxiliar-nos
nessas questões, partindo da necessidade da escola, envolvendo outros profissionais
que contribuam com seus conhecimentos para a atividade educativa dos professores.
Ao final do ano letivo, já havia uma tendência, por parte de Marília, em aceitar a ida de
seu filho para o Ensino Fundamental, mas ela demonstrava preocupação em relação ao
ano letivo em uma nova escola.
Esse trabalho era feito em cima de uma mesa, dentro de um cômodo situado no
banheiro masculino. O cômodo só comportava a mesa, que era bem baixa e não
permitia o deslocamento da pessoa que estivesse trocando a fralda do aluno. A mesa
servia de apoio para Leandro ficar deitado nesse momento, mas seus movimentos
involuntários dificultavam a ação da professora que não tinha espaço para se mexer
dentre do cômodo minúsculo.
Marcela recebia apoio de uma auxiliar da escola, a senhora Júlia, para retirar Leandro
da cadeira de rodas. Ela segurava o material de limpeza e ajudava, ainda, quando era
preciso, a dar banho em Leandro, devido às constantes diarréias do aluno. Leandro
apresentava muitos espasmos, que o faziam bater a cabeça em cima da mesa e
deslizar o corpo. Nós, pesquisadora e Júlia, não podíamos ajudar, pois não tínhamos
como entrar no cômodo. Era um trabalho doloroso e demorado.
A professora Marcela mantinha a calma, mas deixava claro que queria que a situação
mudasse. Em conversa com a equipe do Setor de Educação Inclusiva acerca do caso,
colocamos a necessidade de se fazer a adaptação no banheiro, porque a situação atual
constituía um risco tanto para Leandro, quanto para a professora Marcela, que exercia
a atividade de higienização do aluno sem a menor proteção e condição de trabalho,
munida apenas de lenços umedecidos trazidos pela mãe do aluno, álcool e papel
higiênico para a limpeza da mesa.
Mesmo sabendo que Leandro poderia ir para outra escola que ofertava o Ensino
Fundamental, achávamos que era necessário fazer as adaptações, pois os alunos com
paralisia cerebral e deficiência múltipla estavam chegando às escolas. Então fazer
essas adaptações era algo urgente, que deveria fazer parte da política para o Setor. A
equipe relatou-nos que já havia feito uma solicitação nesse sentido, mas a Secretaria
237
respondera que não havia verbas para o ano de 2005 e que poderia haver essa
possibilidade para o ano de 2006.
Assim, como faltava menos de um mês para encerrar o ano letivo de 2005, não haveria
mesmo a adaptação física do banheiro. Diante disso, achamos interessante visitar a
escola em que Leandro estudaria. Fomos à Escola Rubem Braga, juntamente com
Mariana, integrante da equipe, e com a professora Marcela. Nessa visita, analisamos a
estrutura física da escola a fim de ver quais seriam as adaptações necessárias para que
Leandro pudesse ter amplo acesso à unidade escolar no ano letivo de 2006.
• reforma dos banheiros com ampliação de um cômodo com pia, bacia sanitária e ducha;
• uma maca ou bancada para que o aluno pudesse ser trocado com segurança e
conforto;
• construção de pequenas rampas nos acessos principais da escola, bem como na
calçada que dá acesso ao prédio;
• aquisição de luvas descartáveis em quantidade para os profissionais que estariam
envolvidos na higienização do aluno.
Exibição de um DVD infantil com a turma da Mônica, no qual cada personagem falava do
Natal, enfocando um aspecto diferente:
- Horácio falava do nascimento de Cristo e da violência que acontece no mundo
(valores).
-Cebolinha falava de o Natal ser confundido apenas com uma data para ganhar
presentes (questão econômica).
- Mônica falava da questão da lenda da existência do Papai Noel e de como essa lenda
vem sendo construída ao longo do tempo.
- Chico Bento falava do Natal da roça e de seus costumes diferentes dos costumes da
cidade.
- Magali falava da ceia, da comida brasileira e de como devemos valorizar os produtos
tropicais do Brasil.
- Cascão falava dos presentes e da preservação da natureza.
Depois da exibição do DVD, fizemos uma roda de conversa, na qual todos os alunos
expuseram o que sentiam em relação ao Natal. A questão de ganhar presentes ficou
bastante evidenciada. Muitos alunos responderam que era legal porque ganhavam
presente, iam para casa de outros familiares, tinha muita comida gostosa. Outros alunos
fizeram menção ao nascimento de Cristo e das festas nas igrejas. Comentamos que nem
todas as crianças ganham presentes e têm comida gostosa em casa no Natal.
Depois distribuímos folhas com desenhos dos personagens da Turma da Mônica para
que eles recortassem, formassem quadrinhos com mensagem de Natal e decorassem e
colocassem seus nomes. Com o Leandro, adaptamos a atividade usando lixas e lápis de
cera, alfabeto móvel e moldes de motivos natalinos. Prendemos a lixa com fita crepe e,
por cima, os moldes, que eram preenchidos ou contornados com o giz de cera que
estava na mão de Leandro. Às vezes ele apertava com tanta força que quebrava. A
professora Marcela ajudava a conduzir o movimento das mãos de Leandro por causa dos
espasmos, e a pesquisadora segurava em cima das lixas os moldes. Ajudamos Leandro
a escrever seu nome utilizando o alfabeto móvel e trabalhando as letras, as cores e os
símbolos do Natal.
Essa foi a última aula da turma naquele ano letivo de 2005. Tivemos um pouco de
dificuldade com Leandro na realização das atividades devido a seus espamos.
Sabemos que existem órteses que poderiam amenizar os movimentos bruscos, mas o
239
Depois, toda a escola preparou-se para a formatura das turmas, provando beca,
ensaiando musical e homenagens. A festa foi marcada para o dia 15 de dezembro de
2005. Um pouco dessa festa é o que relatamos a seguir, em forma de episódio:
A cerimônia estava marcada para as 19h30min. Chegamos às 17 horas para ajudar nos
preparativos e decoração do espaço. O evento ocorreu no Centro Cultural de Campo
Grande. Os pais foram chegando aos poucos, ansiosos pela festa. Quando a família de
Leandro chegou, tiramos algumas fotos e ensaiamos a entrada dele, pois havia muitos
degraus no palco.
Ao findar o ano letivo de 2005, tendo alcançando, em parte, alguns objetivos propostos
naquela etapa da pesquisa, ansiávamos por ver Leandro no Ensino Fundamental em
2006, tendo Marcela como professora de apoio. Porém, em contato com a equipe do
Setor de Educação Inclusiva, no mês de janeiro ficamos sabendo que Marcela havia
sido efetivada em outra rede no turno vespertino e tinha passado no concurso como
pedagoga para o turno matutino em Cariacica.
Ficamos felizes por saber que Marcela havia passado nesses concursos, mas, ao
mesmo tempo, tristes por saber que não assumiria mais o trabalho com Leandro, pois
estava em período probatório e não poderia ser deslocada de sua cadeira, nem na
outra rede, nem na própria rede de Cariacica. A equipe também informou que as
adaptações na Escola Rubem Braga, não haviam começado, pois a Prefeitura não tinha
liberado, ainda, as verbas para o ano de 2006.
11
Demos a essa unidade escolar o nome Rubem Braga em homenagem ao grande cronista capixaba (1913-1990).
Suas crônicas tinham um estilo poético para falar do cotidiano, estilo inconfundível e admirado por todos.
241
Comentamos com as duas professoras acerca dos registros referentes ao ano de 2005
da professora Marcela e dissemos que talvez fosse interessante termos uma conversa
com ela, uma troca de experiências. A professora Fernanda já estava fazendo seus
registros e aceitou a idéia de ter essa conversa. Entramos em contato com Marcela,
que se dispôs ir à Escola Rubem Braga. Foi uma troca de informações muito boa.
Marcela ofereceu uma cópia do diário reflexivo para Fernanda, com os registros dos
avanços de Leandro.
com o objetivo de ele fazer a relação da figura como uma forma de se comunicar,
apontar algo.
Em conversa com Fernanda, ficou claro como a dinâmica das aulas estava ocorrendo.
A partir do relato da professora destacamos essa dinâmica em forma de episódio, como
segue:
Desse relato entendemos que as professoras estavam tentando instituir novas formas
de comunicação com Leandro e até verificar se ele já tinha uma forma própria de
comunicar-se. A esse respeito Johnson (1998), assevera:
Setor de Educação Inclusiva teve que rapidamente pensar em mais contratos para esse
tipo de caso.
Ester não teve problemas em se adaptar à sala de aula comum, já que era sua primeira
experiência fora da instituição. Todos elogiavam o trabalho que realizava na sala com
as crianças e, principalmente, com Leandro, a quem estimulava na questão da
psicomotricidade, inserindo-o nas atividades dos alunos. O trabalho da professora era
reconhecido como sendo muito bom e isso foi comprovado em uma reunião de
Conselho de Classe, conforme pode ser analisado no trecho que se segue, extraído do
diário de campo da pesquisadora:
A pedagoga iniciou o Conselho de Classe com o texto “O aluno Ricardo” (ANEXO A) para
sensibilizar os professores. Depois da leitura, pediu que cada professor comentasse o que
havia sentido com a leitura do texto. Assim foi feito e logo depois disse que começaria o
Conselho pela sala da professora Ester. A pedagoga, então, perguntou, dirigindo-se à
Ester:
“Sua turma, antes de você chegar, era sem limite, mas agora não tem problema com
indisciplina, o que você fez?”
“Quando eu cheguei, nós fizemos nosso combinado. Regras para a sala de aula... Aqui na
sala de aula, com as crianças, eu não tive um grande avanço na leitura, mas aprendi a
fazer uma sondagem da criança, do interior, e isso teve um avanço. Como o Leandro, que
teve um avanço. As crianças estão ajudando. Eu estou usando esse tema (a professora
se refere ao tema localização e ao texto (ANEXO B) escrito no quadro, pois o Conselho de
Classe foi realizado na sala de Leandro e o texto não tinha sido apagado ainda) e
aproveito para falar das diferenças, e o Leandro está evoluindo muito, está alcançando os
objetivos.” (Prof.ª Ester) (Diário de campo - 13/7/2006).
245
A professora de apoio, Luciana, teve dificuldades em lidar com Leandro. Era sua
primeira experiência com uma criança paralisada cerebral. Víamos que a professora
regente, com sua experiência, tentava ajudar Luciana a desenvover as atividades, dava
dicas e realizava muitas intervenções com Leandro.
A diretora comprometeu-se a conversar com toda a escola para que não houvesse mais
comentários e pediu ajuda à equipe para que viesse falar com todos. Assim, uma
246
Também questionaram o porquê de Leandro estar na escola, pois não viam objetivo
nisso. Nesse momento, a professora Ester levantou-se e saiu da reunião em protesto.
Como pesquisadora que já acompanhava Leandro desde o ano anterior, expusemos o
quanto havia avançado na Escola Augusto Ruschi e na atual Escola Rubem Braga, por
meio do trabalho da professora Éster. Dissemos que o fato de não poder falar nem
andar não significava que Leandro não podia aprender. Convidamos as
funcionárias/auxiliares a se juntarem a nós na caminhada da inclusão escolar.
Quando a obra de reforma e adaptação da escola iniciou, recordamos que aquela luta
havia começado no mês de outubro de 2005, na Escola Augusto Ruschi, pelo anseio da
professora Marcela. A luta estendeu-se ao ano de 2006, até o mês de setembro,
quando em definitivo o banheiro estava adaptado e as rampas da escola devidamente
247
Desse movimento na Escola Rubem Braga em 2006, podemos concluir que o processo
de inclusão escolar não se faz somente pela efetivação da matrícula do aluno na
escola. Questões como a estrutura e a organização da instituição devem ser
repensadas e articuladas. Uma dessas questões envolve o auxílio dos funcionários
para suprir as necessidades dos alunos e a maneira como esse auxílio deve ser
organizado. O comportamento dos profissionais que rejeitaram auxiliar a professora de
apoio na higienização do aluno comprova essa necessidade de reorganização da
escola.
Essas questões apontam que a escola e todo o processo de inclusão escolar passam,
principalmente, pelo Sistema que normatiza a política de educação. Assim, a política
implementada no Município reflete-se diretamente na organização da escola, na prática
do professor e, conseqüentemente, na aprendizagem e desenvolvimento dos alunos.
248
Afetado pela progressão da distrofia, o aluno não anda, não fala e apresenta um
movimento muito limitado do pescoço para cima, o que o ajuda a se comunicar com o
movimento da cabeça e com o piscar dos olhos. Esboça um pequeno movimento
desarticulado na mão esquerda, mas esse movimento não permite o uso de lápis, pois
o aluno não tem força para realizar o movimento de pinça com as mãos.
De acordo com o relato dos pais, Luighi apresentava os sintomas da distrofia desde os
três anos de vida e sua progressão só vem aumentando. Nos últimos anos, Luighi já
não consegue andar, faz uso de cadeira de rodas, mas fica boa parte do tempo deitado,
e apresenta algumas deformações na coluna vertebral. Utiliza um aparelho respirador e
aspirador artificial ligado a uma cânula inserida em sua traquéia, o que os médicos
chamam de traqueostomia. Os pais não têm um diagnóstico exato da doença, pois
ainda não puderam realizar os exames mais sofisticados que, provavelmente,
indicariam o tipo de distrofia.
249
Os principais sintomas relatados pelos pais de Luighi são semelhantes aos sintomas da
distrofia de Duchenne, conforme descritos por Tudella:
O horário de trabalho dos pais é organizado por escala, de modo que Luighi sempre
tem a presença de um deles acompanhando seu dia-a-dia. O irmão de Luighi tem dez
anos e é estudante da 4.ª série do Ensino Fundamental. Colabora muito com o bem-
estar do Luighi e o auxilia nas atividades escolares propostas pelas professoras de
apoio e nos jogos eletrônicos do computador.
250
Assim, reunimo-nos, juntamente com a equipe, na casa de Luighi, com sua família, para
pensarmos como iríamos organizar a dinâmica das aulas, o horário, e conhecer como
era o cotidiano do aluno.
Estava presente também, na casa de Luighi, a professora Sara, que já tinha trabalhado
no caso “Marcos” na Escola de Vidro e na Escola Novo Horizonte, caso já relatado no
item 4.4.1 deste estudo. A professora tinha-se retirado do caso “Marcos” por ter
passado em um concurso devido ao qual seu horário de trabalho seria no turno
vespertino, o mesmo em que ela trabalhava “emprestada” na Escola Novo Horizonte,
pois sua cadeira em Cariacica era no turno matutino.
Logo passamos a planejar e atuar junto a Luighi, que apresentava boa auto-estima.
Gostava de fazer amigos e de se comunicar, buscando sempre o auxílio dos pais ou
251
dos enfermeiros. Sua comunicação era feita através dos olhos, representando o “sim”
quando piscava e, representando o “não” quando mantinha os olhos bem abertos ou
quando acenava com o movimento da cabeça de um lado para o outro. Esse
movimento era realizado com muito esforço por parte do aluno.
O aluno formava palavras e frases com o piscar de olhos, através do alfabeto falado.
Exemplo: Se ele quisesse falar uma palavra como CASA, fazia um sinal com a cabeça
erguendo os olhos para quem estivesse perto, ou fazia um som friccionando a língua no
palato, imitando o estouro de uma bola de goma de mascar. Assim, os pais ou quem
estivesse por perto ia pronunciando as letras do alfabeto; quando a letra desejada por
Luighi era pronunciada, ele piscava e assim formava as palavras e frases.
Passamos a utilizar com Luighi, também, um painel com o alfabeto móvel, no qual as
letras iam sendo indicadas pelas mãos das professoras ou por outra pessoa. Quando a
letra que ele desejava era indicada, então piscava e, assim, também, ia formando as
palavras e frases.
O valor do painel residia no fato de que nele podíamos registrar palavras para que
Luighi pudesse visualizar a escrita, o que não acontece na soletração das palavras. Nos
registros da professora Sara acerca do trabalho com o tema “Folclore”, no qual foi
abordado o folclore brasileiro, capixaba e cariaciquense, ficou ilustrado o uso do painel
e do alfabeto móvel para que Luighi pudesse visualizar a escrita, como descrevemos
abaixo:
Pintamos com Luighi o desenho do Moxuara, usando tinta e pincel. Luighi gostou
muito porque fez movimentos com o braço de baixo para cima e de cima para baixo
com nosso auxílio. Durante a pintura, Luighi passou mal, precisou usar o respirador.
Depois a pesquisadora trouxe o alfabeto móvel no feltro/painel, trabalhamos a
visualização das letras e Luighi escreveu palavras relacionadas ao desenho. Fomos
apontando as letras no painel e, quando Luighi piscava, tirávamos a letra e íamos
formando a palavra na parte de baixo do painel. Exemplo: MOXUARA, MARROM.
(Diário reflexivo - Prof.ª Sara 12/9/2006)
252
Atualmente, a referida escola oferece um pró-labore ao Luighi, para que ele acione o
sinal de saída do turno vespertino. Com o pró-labore o aluno adquire livros e CDs de
jogos eletrônicos. Recebe auxílio de sua mãe e de seu pai para acionar o sinal. Esse é
um momento muito esperado por Luighi, pois é mais uma oportunidade de interação
com outros adolescentes. Mas o aluno tem encontrado dificuldade para se deslocar de
sua casa até a escola, devido às péssimas condições de pavimentação da rua onde
está localizada sua casa.
Luighi vai até a escola em sua cadeira de rodas, que sempre cai nos buracos ou em
poças de lama quando chove. Os buracos da rua causam trepidação da cadeira, o que
acaba machucando o corpo de Luighi. Durante o ano de 2006, envidamos algumas
ações para que a situação da pavimentação da rua fosse normalizada. Entre essas
ações, elaboramos um oficio à Secretaria de Obras do município de Cariacica na
tentativa de sensibilização, mas não obtivemos resposta positiva.
Luighi não cursou o Ensino Fundamental de 1.ª a 4.ª série na escola comum. Cursou
essas séries em casa, por meio do trabalho de uma professora da APAE, devido à
acelerada progressão da doença, que limitava seus movimentos e sua imunidade, o
que o levou a necessitar da UTI-Domiciliar.
253
O atendimento escolar domiciliar realizado em 2006 acontecia três vezes por semana e
era organizado por duas professoras de apoio: Sara e Janete. Foram trabalhados os
conteúdos da 5.ª série de forma geral. As professoras planejavam junto com a
pesquisadora, que participava das aulas duas vezes por semana. O trabalho foi
planejado da seguinte maneira: as áreas de Geografia, História e Ciências ficaram a
cargo da professora Sara, que o acompanhava nas terças e quartas-feiras; as áreas de
Inglês, Matemática e Artes foram trabalhadas pela professora Janete, que o atendia na
sexta-feira. A disciplina de Português foi trabalhada de forma interdisciplinar, ou seja,
interligada a todas as disciplinas.
Os alunos confeccionaram cartazes e frases que foram expostos na sala. Uma aluna,
representando os colegas, dirigiu-se ao Luighi falando da alegria de tê-lo na turma.
Luighi permaneceu na sala apenas por 40 minutos, pois o ambiente estava muito
quente e ele já estava na cadeira de rodas por um bom tempo, o que acabou
provocando-lhe dores nas pernas.
Disciplinas:
Português / História /Geografia /Artes /Ciências /Matemática /Inglês
Conteúdos:
Português: Frases interrogativas e exclamativas
História: Organização do tempo através da história da humanidade /História do
Município e Folclore
Os pais de Luighi, juntamente com seu irmão, não medem esforços para que Luighi
participe de atividades de lazer, de atividades que possibilitem interação com o mundo
fora da UTI-Domiciliar. Exemplo disso são os passeios realizados pela família em
alguns finais de semana (APÊNDICE B), durante os quais Luighi pode interagir com
outras pessoas e conhecer novos lugares.
O próprio aluno, com seus “olhos de vida”, no decorrer do processo, foi-nos mostrando
o caminho a percorrer, pois Luighi interagia e participava de forma decisiva para o
planejamento das aulas, indicando o que queria e o que gostaria de aprender.
Demonstrava muito interesse e prazer em aprender, gostava de ser questionado acerca
de seu aprendizado e questionava, também, quando achava necessário.
Era um aluno muito otimista, falava de suas aventuras (ANEXO C), entendia tudo o que
ocorria ao seu redor, opinando e participando das decisões da família. Tinha senso
crítico e autonomia, tomando suas próprias decisões. Estava sempre bem-humorado,
relacionando-se bem com enfermeiros e professoras.
257
Dentro dessa perspectiva sobre a qual a autora nos instiga a refletir e agir,
consideramos o caso Luighi um propulsor, um disparador de reflexão para iniciarmos
em nossas escolas, por meio de nossas práticas, uma ação que denote, aponte a
autonomia dos alunos com necessidades educacionais especiais.
A professora Sara também investiu forças para atuar com Marisa, professora de
informática da escola, no sentido de um planejamento conjunto para atender às
necessidades de Luighi. Porém, o horário da professora de informática não possibilitava
seu deslocamento à casa do aluno, o que dificultou uma ação mais efetiva com Luighi,
no que diz respeito a informática e tecnologia.
Depois do planejamento, a professora Yara foi experienciar uma primeira interação com
Luighi diante do computador. Tânia, mãe do aluno, explicou como era feita a interação
de Luighi com os jogos e mostrou o que ele mais gostava de trabalhar no computador.
Perguntamos ao aluno qual o jogo que queria trabalhar naquele dia com a professora
Yara. Luighi indicou um jogo de perguntas e respostas de múltipla escolha que abrangia
conteúdos da disciplina de Ciências. Tânia explicou que o aluno respondia às perguntas
260
Ao final, a professora Yara disse que estava gostando do desafio que a equipe
propusera a ela e que já estava com várias idéias para trabalhar com Luighi a partir
daquele dia. A família demonstrou grande satisfação com a presença da professora
Yara. Perguntamos depois ao Luighi se havia aprovado a professora de informática e
ele respondeu que sim.
Ainda, instigadas pelos “olhos de vida” de Luighi, iniciamos, no ano de 2007, outra fase
de intervenção com o aluno. Firmamos uma parceria com o departamento de
Engenharia Elétrica da UFES, que está realizando a pesquisa Controle de uma cadeira
de rodas robotizada através de processamento dos sinais cerebrais, que investiga a
possibilidade de locomoção e comunicação através de sensores ligados ao cérebro do
usuário.
Os casos aqui relatados, que envolveram os alunos Marcos, Leandro e Lughi dentro do
processo de pesquisa-ação, reportam-nos às políticas educacionais do Sistema
Educacional brasileiro. As dificuldades enfrentadas, por exemplo, na Escola de Vidro
em relação ao aluno Marcos e a bem-sucedida intervenção na Escola Augusto Ruschi,
em relação ao aluno Leandro, no ano de 2005, mostram o quanto o processo de
inclusão no Município é realmente ambíguo: ao mesmo tempo, temos escolas mais
abertas à inclusão e escolas que fecham literalmente as portas para esse processo,
refletindo, indubitavelmente, a dicotomia inclusão / exclusão, presente nos sistemas
educacionais, nas redes municipais e na política educacional do País.
Quando nos deparamos com o caso Marcos, pudemos visualizar o dilema que se
inscreveu no tumultuado concurso e na contratação de professores em 2006, o que
acabou afetando a prática dos professores em relação ao aluno. Um novo horizonte
abriu-se nesse mesmo campo quando uma acomodação dos contratos ocorreu e os
professores se efetivaram nas escolas, favorecendo a reflexão sobre suas práticas,
como pudemos constatar por meio das ações colaborativas entre as professoras Cleide
e Liliane.
263
A vivência da prática com os alunos-foco desta pesquisa permite-nos inferir que se, por
um lado, temos a prática pedagógica como um ponto de partida para pensar como as
demandas das escolas são afetadas pelas questões sociais, econômicas e políticas,
por outro, não podemos desvincular a prática pedagógica das questões teóricas do
conhecimento. Nesse ponto residiu nossa maior preocupação.
Foi preciso então lançar mão de fundamentos teóricos para respaldar as práticas dos
professores (FERREIRA, M.C.C, 2005), bem como fundamentar a formação continuada
dirigida aos mesmos (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2003).
264
[...] os cursos sejam levados a termo por profissionais que têm buscado
construir respostas inovadoras para potencializar a aprendizagem desse
alunado; propor temas e indicar os responsáveis por sua execução a partir de
consultas sobre as expectativas e necessidades do público-alvo; articular as
relações de formação entre os profissionais da rede que atuam em educação
especial; garantir que a jornada de trabalho fomente a troca entre os pares,
um caminho que pode permitir a elaboração de soluções (PRIETO, 2007, p.
293).
Essa fecundidade da prática social indicada pelas autoras pode ser exemplificada por
ações, como o movimento da equipe do Setor de Educação Inclusiva em prol da
formação continuada, a valorização profissional das professoras de apoio/itinerantes
como organizadoras e formadoras durante a formação continuada em 2006, a
266
A mediação dos professores na escolarização dos três alunos-foco desta pesquisa foi
afetada pelas marcas de uma sociedade capitalista, mas também influenciou e marcou
presença no Sistema.
O pesquisador coletivo foi marcado pelos alunos-focos desta pesquisa que, por sua
vez, marcaram o grupo de professores durante a formação continuada. Esta, por seu
turno, impulsionou o pesquisador coletivo a pensar estratégias de cunho político para a
transformação da realidade junto à Secretaria de educação. O movimento se fez
dialético (LEFEBVRE, 1995).
Por ser dialético, esse movimento foi-se instituindo nas interações, nas contradições,
nos encontros e desencontros como processo histórico, fomentando a produção do
conhecimento dos envolvidos na pesquisa. No próximo item destacamos essa produção
de conhecimento do pesquisador coletivo.
267
Assim, movido por esses eixos, mediado pela reflexão coletiva de partilhar e contagiado
pela troca de experiências vivenciada dentro do processo de formação continuada
desde o ano de 2005, o grupo de pesquisador coletivo que se instituiu vai colocando-se
à prova, socializando a produção de conhecimento como representação de sua ação,
de sua prática, de sua elaboração crítica com seus pares, por meio de apresentação
em Seminários dentro do próprio Município, em Seminários e Encontros no Estado do
Espírito Santo, ou em eventos científicos nacionais. Nesse sentido, Kassar (2004)
afirma:
O primeiro trabalho teve como título “A formação continuada e o perpasse das questões
acerca da inclusão no cotidiano das escolas regulares do município de Cariacica”, de
autoria da equipe do Setor de Educação Inclusiva e da pesquisadora. Discutindo a
importância da formação continuada, as autoras apontam:
Este estudo surge a partir de uma experiência iniciada após a nossa entrada
como professoras itinerantes, na equipe de Educação Inclusiva no município
271
O autor aponta ainda que professores precisam desenvolver um discurso que fale da
crítica ao estabelecido, mas que também fale do possível, para que se vejam atuando
como transformadores e sejam vistos como transformadores.
Outro texto publicado pelo pesquisador coletivo, com o título “Uma rede tecida em
relevo”, retrata a parceria entre o Setor de Educação Inclusiva com a instituição União
de Cegos D. Pedro II – UNICEP, localizada em Vila Velha, município vizinho ao de
Cariacica. O texto tem a autoria de Nélia e do presidente da Instituição, trazendo
“vozes” dos alunos cegos matriculados na rede de Cariacica que participaram da
parceria, pela qual puderam obter a aprendizagem do Braille e formação profissional.
Os autores mostram-nos o movimento dos alunos nessa parceria:
12
O referido texto está inserido no oitavo capítulo do livro: Experiências educacionais inclusivas organizado por
Berenice Weisseheimer Roth e publicado pelo Ministério da Educação e Secretaria de Educação Especial, em 2006.
276
Uma outra ação do pesquisador coletivo que se tornou uma produção escrita foi o
estudo acerca da avaliação. Tomamos como ponto de partida pensar a avaliação
dinâmica como alternativa às avaliações padronizadas, cristalizadas. Os estudos
referentes à avaliação ocorreram durante a formação continuada, em 2006, e nos
estudos da formação em serviço realizados todas as segundas-feiras pela equipe do
Setor de Educação inclusiva.
INTRODUÇÃO
O Setor de Educação Inclusiva da Secretaria de Educação do município de Cariacica tem
buscado nos últimos anos implementar os princípios da Educação Inclusiva na rede
regular de ensino. Tais princípios visam incluir todos os alunos no sistema de ensino,
valorizando a diversidade humana.
Entendemos também que a avaliação não é uma prática isolada do professor em sala de
aula, mas, sim, uma postura da escola, um trabalho em equipe em busca de uma prática
educacional inclusiva.
JUSTIFICATIVA
O padrão que tem sido estabelecido ao longo dos anos na prática avaliativa é o padrão
quantitativo, que se preocupa com um resultado cristalizado e numérico em detrimento
do processo, do como ocorre a aprendizagem.
A prática da avaliação, nos dias atuais, no município de Cariacica, deve contribuir para a
inclusão de nossos educandos, deve ser entendida como um processo que fomente a
aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, respeitando a diversidade e o ritmo de
cada um.
Assim, entendemos que a avaliação tem seu verdadeiro sentido e objetivo quando é vista
e trabalhada como um processo dinâmico, contínuo, visando à reflexão da prática
educativa em relação à aprendizagem e desenvolvimento dos alunos, respeitando suas
diferenças e diversidade.
Juntamente com esse texto, seguiu para as escolas a avaliação que realizamos com o
aluno Marcos (caso relatado neste estudo), como reflexão do processo de
escolarização do aluno em 2005. Outro texto que foi trabalhado durante a formação
continuada e enviado às escolas foi “O diagnóstico pedagógico/educativo” (SANCHES,
1996), que coloca a avaliação como um procedimento voltado para o processo
educativo, para a prática da escola, mostrando como essas ações refletem na
aprendizagem do aluno.
É a escola que recebe verba e o aluno não pode ser reprovado. Meus alunos têm dificuldades e
têm que passar. Quem são os personagens dessa história? Eles não respondem. 4+4=? Não
respondem. Eu estou urrando, porque eu não quero que eles passem para a 5.ª série. Tem
280
casos na 2.ª Série de alunos que não sabem ler. [...] A minha escola aprovou 100%. O que é
aprovação 100%???? Eu fico arrasada.” (Prof.ª Jussara – participante da formação continuada -
grupo de segunda-feira. Diário de campo - 21//8/2006)
Segundo a autora, o Projeto Nordeste é um dos poucos a que temos acesso que
exemplificam os acordos entre o Banco Mundial e o Sistema Educacional brasileiro.
Assim, a autora parte desse projeto para analisar as intervenções do Banco no Sistema
que acabam por influenciar as escolas.
considerando a rigidez das regras do jogo impostas pelo banco [...] (VIEIRA,
2001, p. 79-81).
Na minha escola dividiram uma turma em duas. Uma foi para o turno da manhã. Como
eles estão sendo avaliados? Quantos estão acima da média? Vinte estão no padrão
excelente, só que a avaliação é de 1.ª Série e vão para a 4.ª série no nível excelente. Eles
não têm o conhecimento da 3.ª Série. O ano que vem eu vou pegar essa turma, e como
eu vou fechar os olhos e passar esses meninos para a 5ª Série? Estou nervosa, estou
tremendo. É a escola que recebe verba e o aluno não pode ser reprovado. Meus alunos
têm dificuldades e têm que passar. Quem são os personagens dessa história? Eles não
respondem. 4+4=? Não respondem. Eu estou urrando, porque eu não quero que eles
passem para a 5.ª Série. Tem casos na 2.ª série de alunos que não sabem ler. [...] A
minha escola aprovou 100%. O que é aprovação 100%???? Eu fico arrasada.”
(Prof.ª Jussara)
Será que a reprovação é a saída? Esse menino volta para a 3.ª Série e é reprovado
novamente no final do ano. Então, o que fazer? Precisamos pensar o que fazer para esse
aluno aprender. Precisamos pensar em como atender essa necessidade dele. Precisamos
voltar nossa atenção, reflexão, para a nossa prática junto a esse aluno, no processo. E o
que Ana e Rose vão falar a seguir acerca da deficiência primária e secundária pode nos
ajudar nessa reflexão.
Depois dos comentários da formadora Rose, uma diretora de escola, participante do grupo
de formação disse:
A pesquisadora respondeu:
Faça teu projeto na tua escola, junto com teus professores e enfrente a SEME.
Foi isso que a professora Elza falou no encontro passado, quando vocês elaboraram em
conjunto atividades para o projeto dela: - Ah, era isso que eu precisava, pensar junto,
fazer junto. É isso!!! Precisamos pensar juntos.
(Diário de campo - encontro/estudo sobre avaliação 21/8/2006)
Desse episódio extraímos muitas reflexões. Por exemplo: O que será mais importante
no processo educativo? Uma bela escola e seus alunos com aprovação 100%, mas
considerados analfabetos funcionais, ou uma escola que luta pelo espaço físico
adequado como um dos intervenientes do processo educativo e assegura a
aprendizagem do aluno como um processo da vivência do aluno nessa escola e não
como uma pseudoaprendizagem, mascarada pela aprovação 100%, só para compor,
custe o que custar, um quadro estatístico dos organismos multilaterais?
Gentili (2002), alerta-nos para o fato de que, apesar de as escolas não estarem sendo
vendidas como estão sendo vendidas e privatizadas as empresas estatais, o Sistema
Educacional passa por uma privatização que tende a beneficiar poucos e prejudicar
muitos A modalidade mais visível (e denunciada) de privatização educacional vincula-se
à delegação da responsabilidade do financiamento estatal para entidades privadas [...]
(GENTILI, 2002, p. 77).
Outro exemplo de reflexão, dentro desse episódio que trata da questão da avaliação é a
fala da professora Mayara, quando admite que, dentro das condições atuais do ensino
brasileiro, o professor cria a pseudodeficiência. Mas ao mesmo tempo em que
reconhece esse fato lamentável, Mayara lembra-nos a questão de sua formação inicial,
que não contemplou as discussões acerca da inclusão escolar.
285
[...] ainda são raros os cursos de licenciaturas, vide UFES, que oferecem
disciplinas voltadas às especificidades de alunos com necessidades
educativas especiais. Essa é uma questão bastante preocupante, porque o
processo de inclusão escolar está sendo implementado no País, a
composição do alunado das escolas está cada vez mais diversificada e o
currículo dos cursos de formação de professores tem dificuldades de
contemplar essa nova realidade. Em conseqüência, os futuros professores
continuarão despreparados para atuar sob novo paradigma da escola aberta
à diversidade, resultando em prejuízo social e acadêmico aos alunos
incluídos e aos demais agentes participantes [...] O grande desafio posto para
as universidades é formar educadores que não sejam apenas instrumentos
de transmissão de conhecimento, mas, sobretudo, de novas atitudes em
frente à diversidade humana. Além disso, devem ser formados para construir
estratégias de ensino e adaptar atividades e conteúdos não só para os
alunos considerados especiais, mas para todos os integrantes de sua classe
(BARRETO, 2006, p. 84-85).
Faz-se necessário pensar políticas públicas que instituam uma prática educativa para
além das leis de mercado, para além do capital (MÉSZAROS, 2005), que em nossas
escolas trazem a alienação ao trabalho do docente e prejudicam o desenvolvimento e
aprendizagem de nossos alunos, instaurando um mal-estar entre os professores e
deixando-os arrasados como colocou a professora Jussara.
Assim, a produção científica do pesquisador coletivo abordada neste item aponta para
uma possível ruptura desse círculo vicioso, a começar por convidar os professores a
participarem desse movimento. Entendemos, como Mészaros (2005, p. 74), que é
impossível romper esse círculo vicioso [...] sem uma intervenção efetiva na educação,
capaz, simultaneamente, de estabelecer prioridades e de definir as reais necessidades,
mediante plena e livre deliberação dos indivíduos envolvidos.”
287
Nesse sentido, os resultados vão escrevendo a história da mudança por meio de uma
ação conjunta entre pesquisador e grupo pesquisado, ou ação e mudança daquele que
Barbier (2004) nomeia de “pesquisador coletivo”.
13
No item 4.2 desta pesquisa é mostrada a dinâmica do professor de apoio como uma parte do Projeto Professor
Itinerante.
290
Assim, o corpus dos resultados em processo desta pesquisa denota que o professor de
apoio está na escola para planejar, auxiliar, pensar estratégias de formação continuada
junto com o pedagogo e com os professores, com vistas à aprendizagem e
desenvolvimento dos alunos. A volta ao campo para a socialização e a reflexão acerca
desse corpus de resultados em processo é o que destacamos nos itens que se
seguem.
A formação dos GTs com a participação dos pedagogos, no ano de 2007, vai-se
configurando como uma ação reflexiva a partir das avaliações dos anos anteriores e, de
maneira particular, das reflexões do pesquisador coletivo.
Podemos, assim, afirmar que a lógica do capital não combina com a educação, e sua
penetração nas escolas é algo que produz um trabalho sem sentido e isso porque
Dentro desse encontro, uma pedagoga do turno matutino dirigiu-nos uma pergunta, por
meio de um diálogo, como descrito a seguir:
Pedagoga: - Você falou do Marcos e do Luighi, um teve paralisia cerebral e outro distrofia
muscular. Mas existem crianças que têm paralisia cerebral..., por exemplo, um caso, eu vou
citar: Uma criança de 15 anos, ela sofreu um choque antes de nascer; a mãe dela sofreu um
choque muito pesado. Então ela nasceu com uma deficiência, uma necessidade especial
mental e ela anda toda desconjuntada, mas afetou o cognitivo e até hoje ela está na 4ª Série.
Ela não conhece nenhuma letra, só faz bolinha, entendeu? Ela reconhece o nome dela; se
mostrar, ela sabe, mas não sabe outros... Nesse caso, você pode trabalhar o mesmo que se
trabalha com Marcos?
Pesquisadora: - Sim, pode ser trabalhado. Nós trabalhamos esses materiais alternativos
porque o aluno não tem coordenação motora. Então, no teu caso, você vai ter que aliar numa
criança com paralisia cerebral e deficiência intelectual os instrumentos que utilizamos com o
aluno que tem paralisia cerebral e também essas atividades que foram relatadas. Se essa aluna
é capaz de reconhecer o nome dela, ela é capaz de reconhecer outros nomes também. Por
quê? Porque a letra “A”, que está contida no nome dela estará contida em outras palavras.
Então é capaz de reconhecer o “A” do nome dela, em outras palavras! Isso deve ser trabalhado.
A pessoa que está trabalhando com essa aluna tem que acreditar, acreditar e cavar recursos
para trabalhar com essa aluna. (Diário de campo - 23/8/2007)
Depois do breve diálogo, enfatizamos que era preciso uma mudança de postura e
apontamos como exemplo o depoimento de Liliane, professora de Ciências da escola
de Marcos, que trabalhou em conjunto com a professora de apoio Cleide. Nesse
depoimento mostra a mudança de um olhar preconceituoso, temeroso, para um olhar
prospectivo. Aos poucos essa professora vai trabalhando o potencial do aluno e
percebendo seu desenvolvimento a partir da aprendizagem.
Diante desse dado novo, julgamos interessante socializar com o grupo de professores
de apoio em 2007 os resultados da formação continuada realizada em 2006, mostrando
a importância das ações do professor de apoio para o desenvolvimento do processo de
inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais no Município.
Quando a equipe em suas visitas pelas escolas ouvia dos profissionais que a inclusão
estava sendo ótima na escola, então pedia para ver o trabalho, as atividades, e
constatava que alguns desses novos professores de apoio retiravam os alunos da sala
e trabalhavam em separado em outro espaço, o que parecia agradar algumas escolas.
Segundo a equipe, o ano de 2007 configurou-se como ambíguo, pois havia professores
de apoio que não aderiram à idéia da inclusão escolar a partir de um trabalho
colaborativo, coletivo, envolvendo toda a escola, enquanto os professores de apoio
mais antigos impulsionavam a colaboração, o envolvimento da escola, que já vinham
ocorrendo desde o ano de 2002.
Depois da reflexão acerca dos resumos apresentados por Mariana e Celina, passamos
ao diálogo reflexivo, discutindo a ênfase da formação em 2006 em prol de uma outra
lógica de ensino. Registramos o diálogo por meio de gravação autorizada pelos
interlocutores.
Pesquisadora – Quando a gente vai para a análise desses dados, fica claro que não
foi a pesquisadora que produziu esse conhecimento. Não foi! Foram os professores que
fizeram os projetos nas escolas, a partir da formação, a partir do que os professores de
apoio falavam, do que os colegas também colocavam, pontuavam. Então, não é uma
produção da pesquisadora, mas desse pesquisador coletivo. Quando vamos na análise
299
dos portfólios ou dos projetos dos professores, que maravilha! Quando entramos em
2005, vamos pensar todo o pesquisador coletivo, quando chegamos ao final de 2006 e,
hoje, em 2007, somos outras pessoas. Nós queremos apresentar, falar de coisas que
estão acontecendo. Estamos em um movimento dialético de ir e vir, de trocar, de
receber. Produzindo vida na escola como vimos em Marx, fazendo da escola um
espaço de circulação de outras idéias, como aprendemos com Gramsci, e instituindo
uma ação política, como nos fala Saviani... Muitas vezes você ouve o professor falar:
- Eu vou para a escola porque eu tenho que ir dar aula, mas eu vou empurrar com
a barriga.
Por quê ele fala assim? Porque está sem sentido. Nós estamos sendo alienados da
vida, da produção de trabalho concreto, com sentido, como aponta Marx. Por conta do
modo de produção capitalista, que é espoliador, é injusto e é bom para poucos. Então
nós, professores, acabamos não tomando uma ação política. Pensamos que não temos
uma ação política e acabamos contribuindo para esse tipo de mecanismo.
Professor de apoio Gustavo – Essa semana tivemos uma reunião, e eu até achei
interessante, porque teve uma fala imposta aos pedagogos, e três deles falaram assim:
- Ah! deixa falarem bonito, lá na escola a gente clamufa essa visão.
Então você vê que tudo isso que você está falando tem reflexo na escola. Porque
quem “ta” lá em cima tem uma outra visão totalmente diferente da visão da escola.
Professor de apoio Gustavo – Talvez, porque a proposta não está dentro da realidade
da escola.
do que vocês mesmos fizeram, realizaram. A questão do Governo, então, nós vamos
apontando como? Apontando uma outra perspectiva política e ações que foram
implementadas. Apesar de não ser uma totalidade, é um pedacinho que diz:
-Olha, é possível, quando você dá o lugar merecido ao professor. O lugar de destaque
que ele deve ter como intelectual, e à escola como um espaço de produção de políticas
públicas para transformação da realidade. Por exemplo, a efetivação do professor de
apoio hoje, em 2007. Eu falava dessa questão o ano passado para os diretores e
professores: - Cutuquem a equipe, a equipe vai cutucar a Secretaria. Nós não temos
outra forma; temos que lutar.
Pesquisadora – Sim, porque as políticas públicas são essas mesmas: é você fazer de
conta que está existindo inclusão, mas você não tem recursos, não tem formação. Por
exemplo, se nós pudéssemos ter tido todos os recursos com Luighi, não é mesmo,
Sara? Elaborar uma cadeira, como no caso da UFES, única no mundo, só tem aqui na
UFES. Porém a Universidade só tem uma, só tem um protótipo. Existem centenas de
pessoas no mundo querendo participar dos testes. Nós fomos os primeiros, levamos o
Luighi, mas qual é o problema? Eles só têm uma cadeira com um computador de bordo.
Seria necessário fazer um outro computador, levar para a casa do aluno e adaptar a
sua cadeira. Isso significa dinheiro. A Secretaria aqui não vai dar esse dinheiro, o
Governo Federal também não vai mandar o dinheiro necessário. Os alunos lá do
Departamento de Elétrica estão se virando para tentar trazer o material para Luighi
fazer os testes, mas está difícil. Então, e isso, Valda, que você está falando,
exatamente isso. É o que Saviani também nos aponta para que possamos reagir. Não
podemos cruzar os braços, então temos que cutucar, cutucar. E, para cutucar, reagir,
pertubar, cobrar, nós temos que ver sentido nisso, temos que pensar em uma outra
lógica de ensino. Se nós formos pelo mísero salário, pelo trabalho abstrato, não
teremos força para reagir, nem para fomentar políticas públicas. E, professores, não
percam isso de vista, vocês são intelectuais, podem e devem produzir, escrever,
compor um dossiê. Podem falar das coisas que querem e podem reagir! Então, Valda, a
forma que vemos é essa. A nossa pesquisa mostra e aponta uma outra postura, uma
contra-hegemonia ao neoliberalismo e não é só falar bonito, só teoria. Houve uma ação
coletiva com o pesquisador coletivo e assim vamos exemplificando, mostrando para o
“Governo”. Vocês poderão sair daqui e algumas de vocês podem fazer parte de uma
Comissão de Educação na Câmara, na Assembléia Legislativa. Podem! E por que não?
Então, tudo isso são ações pequenas que vamos fomentando e vão crescendo e
tomando corpo.
Pedagoga Valda - A gente não consegue uma consulta com o oftalmologista e temos
nas escolas muitas crianças com dificuldades visuais. Então, para que adianta a gente
trazer uma proposta bonita, falar coisas maravilhosas, como: pense no professor, vá à
301
luta, se a gente não acha mecanismo por parte da liderança, do Governo, do prefeito,
do governador?
Pesquisadora – O que nós temos que fazer? Criar coragem, reagir. É lá na escola, por
exemplo, começar a estudar Marx, estudar Gramsci. É uma das nossas ferramentas!
Por que não fazer nas escolas um estudo sobre o Banco Mundial e de como a
formação de professores está sendo embutida nisso tudo? Essa formação em Cariacica
vem aberta, nós dando a cara à tapa. O professor de apoio, a pessoa que faz a
formação, enfrentando 30 a 40 professores... é colocar a cara à tapa, sabendo que
somos todos intelectuais e precisamos reagir em prol de mudanças. Não é fácil,
pedagoga Valda, mas a luta é essa. Se você não luta, não tem reação, você continua
no trabalho abstrato, sem sentido, sem significado e contribui para que tudo isso
continue. Não é a luta armada, mas uma revolução das práticas, das lógicas, de uma
contra-ideologia.
Professora de apoio Sara – Essa questão que a pedagoga Valda coloca sobre
proposta de teoria, em Cariacica nós temos resultados no caso de Marcos. Não
tínhamos recursos e hoje Marcos já lê. Tem o caso de Maurício, que é um aluno com
paralisia cerebral. Foi para a 5.ª série, hoje está na 8.ª série e lançou um livro de
poesias na Bienal, no Shopping Vitória. Então, são pequenas coisas, mas que
acontecem.
Professora de apoio Marina - Você tem que fazer a diferença no seu local de trabalho,
porque ali vai repercutir em ações, dali vai levar para outro lugar.
Pesquisadora - Como intelectual, você faz a tua revolução aqui e vai contagiando
pessoas. Não é você chegar à escola e falar de formação continuada. Eles não vão te
ouvir, mas é como neste momento, aqui, junto com os professores, pensar a formação
continuada na escola. Então veja como você “pode mudar” a lógica da escola,
pensando a partir de uma outra perspectiva de formação continuada, como no caso da
formação em contexto de que trata nossa pesquisa.
Professora de apoio Janice – Agda, sabe no que eu acredito? Eu acredito que cada
um de nós traz um potencial dentro de si e que cada um pode fazer a diferença no seu
local de trabalho, eu acredito... por mais que as coisas sejam difíceis. Por que quem
entre nós não enfrenta problemas no setor de trabalho? Então eu acho assim, que nós
podemos fazer a diferença, como podemos fazer a diferença em qualquer setor da
sociedade. Agora, claro que nós temos que enfrentar barreiras, quebrar tabus. Até
porque há um crescimento na nossa vida diária nessas circunstâncias.
Pesquisadora- Faz valer a pena, tem um sentido. É como aprendemos com Leontiev: o
trabalho do professor tem que ter sentido, tem que ter significado senão a coisa não
move, não roda, não movimenta... A prática do professor sobressaiu nos temas
elencados dentro da formação continuada dando base para todas as nossas
discussões, reflexões e ações. É bom o professor estar preocupado com a prática e,
como vimos na transparência, António Nóvoa pergunta como está a formação dessa
302
pessoa professor. Porque não podemos separar a pessoa do professor. Foi esse teor
que tentamos trabalhar na formação continuada em 2006. A fala dos professores
apontava o desejo de receitas, mas alcançamos um crescimento com outra postura,
outra lógica de ensino.
Professor de apoio Gustavo- Ela não sabia o que fazer com o aluno. Tinha doze anos
de direção e tinha acabado de perder a direção e foi para a sala de aula e não sabia o
que fazer com o menino com necessidades educacionais especiais. Ela chegou
pedindo socorro e nós montamos um projeto com ela... quando ela desenvolveu na sala
de aula viu que tudo que escrevemos, ela era capaz de fazer. E deu tudo certo! Quem
estava lá no Seminário Interno e a viu contando como foram as atividades em sala de
aula, de como o aluno conseguiu fazer todas as atividades que ela propôs, ficou
emocionado. Porque ela disse:
- Gente, eu era capaz de fazer isso e eu precisei vir aqui na formação.
Pesquisadora – Então foi esse movimento que nós propusemos para os professores
na formação continuada... quando eu li no portfólio da professora de apoio Marlene a
fala de um professor que dizia: - Eu não só aprendi a lidar com o deficiente visual, mas
com todos os alunos. Então, pensei: - Valeu tudo! Porque todos os alunos precisam de
uma postura mais aberta do professor. As professoras de apoio traziam uma convicção
de que tinham que refletir com os professores o fato de que não bastava o aluno com
necessidades educacionais especiais estar na sala de aula. Era pensar uma nova
postura, era pensar em dar sentido, significado, aos conteúdos que eram elaborados.
As professoras de apoio formadoras do grupo de terça-feira dizem que, ao cumprir esse
objetivo, acreditam que a inclusão permanecerá cada vez mais forte! Então, é por aí
que eu vejo vocês, professores de apoio, hoje como intelectuais. Porque parte de nós...
pois tem professores de 5.ª a 8.ª que não ouviram falar de inclusão. Um outro professor
participante do grupo de quarta-feira disse:
-Gente, nós somos construtores da história!
O que esse professor estava dizendo? Nós podemos mudar a história. Isso é legal, porque isso
é teoria. Quem fala sobre isso? É Marx. O homem muda sua história, pode mudar sua história...
A realidade foi trazida para o Seminário Interno com muita emoção. Eu trago a reflexão desses
projetos, apontando a mudança de postura na fala dos professores, para vocês compreenderem
a mudança de postura durante a formação continuada e como isso se projeta na realidade.
303
Pedagoga Valda, então essa é uma ação. Não é só falar bonito, isso não resolve. Eles foram lá
e agiram na sala de aula, na escola... Como reflexão final, eu trago Linhares... O que Linhares
fala é exatamente o que tentamos fazer na formação continuada. Trazer esse professor como
intelectual, chamar a escola à sua responsabilidade para um trabalho coletivo e não desvincular
essa formação da realidade em que vivemos. Vocês conseguiram e parabéns para vocês,
porque nós conseguimos em um pequeno espaço de tempo mobilizar alguns professores aqui
da Rede e isso é mérito de vocês. Continuem fazendo isso neste ano de 2007, em 2008. Acho
que o sucesso vai ser duradouro se continuarmos nessa ética, como diz Linhares, nesse tipo de
formação para o professor. (Diário de campo - 23/7/2007).
Desse diálogo reflexivo pudemos perceber como alguns dos novos professores de
apoio estavam abertos para pensar a inclusão e como outros profissionais ainda
carregam o discurso do fatalismo. A socialização dos resultados da pesquisa também
nos permitiu confirmar as ações positivas dos professores de apoio mais antigos e
mostrar como a luta por uma efetiva inclusão escolar e por uma escola mais justa só
está começando.
Diante do que o autor expressa, fica a urgência de se pensar uma outra alternativa para
a gestão da sociedade, uma alternativa que, por seu turno, inclua a escola, no que
tange ao professor que é parte importante na prática educativa.
Nesse sentido de pensar outras alternativas, de instigar reações, ações e outros modos
e lógicas de ensino é que se fundamentaram nossas intervenções/mediações junto ao
pesquisador coletivo em Cariacica. Como salientamos para o grupo de professores de
apoio, durante a socialização dos resultados da pesquisa, nossas ações não podem ser
304
O nosso “aqui e agora”, como apontado por Mészáros, já começou em Cariacica e deve
e precisa prosseguir em um movimento duradouro. Reflexos desse movimento podem-
se sentir na busca de intercâmbios com Secretarias de Educação de outros municípios,
objetivando a troca de experiências com o Setor de Educação Inclusiva de Cariacica.
Assim, diante dessa socialização dos resultados junto ao professor de apoio e desse
movimento do “aqui e agora” em Cariacica, podemos inferir como Gramsci (1978):
Como exemplo dessa multiplicação, dessa potência do ser humano indicada por
Gramsci, apontamos o caso da professora de apoio Yara. A professora Yara, em 2006,
era professora regente e participou da formação continuada, elaborando em conjunto
com toda a escola um projeto educativo que foi apresentado no 1.º Seminário Interno. O
projeto ganhou asas e continuou sendo desenvolvido na escola em 2007.
A ação conjunta entre a professora Yara e sua escola tornou-se produção científica
como teor de sua monografia no curso de Especialização em Educação Inclusiva. As
ações da professora Yara ganharam corpo e a equipe do Setor de Educação Inclusiva
fez o convite para que a professora regente passasse a compor o quadro dos
professores de apoio. O convite foi aceito e Yara tem desenvolvido seu trabalho como
professora de apoio em duas escolas, como podemos observar no diálogo que se
segue, retirado do diário de campo da pesquisadora:
- Não eu não posso perder você e a Patrícia por causa da visão da inclusão que vocês
tiveram na escola, do movimento que criaram e favoreceram os alunos da escola.
Porque eu estou nos dois turnos como professora de apoio em outras escolas. Aí ela
questionou um pouquinho.
Yara – Aos projetos que nós estávamos desenvolvendo na escola, Patrícia deu continuidade.
Até mesmo no início do ano nós sentamos e elaboramos um novo projeto para trabalhar esse
ano, para atender as mesmas questões, porém com outro tema, mudando o foco. Então nós
deixamos o projeto lá escrito e voltávamos para ver o movimento da escola, dando idéias pelo
telefone, por e-mail. Mesmo estando fora, acompanhando a escola andar.
Pesquisadora - Então você está indo para outras escolas como professora de apoio?
Yara - É, eu estou em duas escolas. Uma no turno da manhã, em que tínhamos a situação de
um aluno que era o foco maior, porque ele era hiperativo, e estava na pré-adolescência e
estava causando muitos problemas. A escola não aceitava a situação do aluno. Nós fomos para
tentar trabalhar na escola, até mesmo levar informações também. Mas lá tem outras crianças,
com isso, tive que correr e fazer um curso de LIBRAS, que estava acontecendo na UFES.
Yara – Este ano. Porque tinha um menino surdo, ele não era alfabetizado. E como vou
alfabetizar um menino que é surdo? Ele tem 16 anos. É coisa da EJA para esse menino de 16
anos que não aprendeu a ler? O que eu vou trabalhar? Então eu vou para o contexto e ali,
naquele contexto, vou trabalhar a questão do ensinar os sinais em LIBRAS e o Português
também. Porque senão ele vai ficar perdido na sociedade. Porque ele já está perdido, não tem
nenhuma linguagem.
Pesquisadora - Ele não tem a linguagem dos ouvintes, obviamente, nem a linguagem de
sinais. É nessa escola, no contexto desses alunos, que você faz aquele movimento do mural,
para mostrar os sinais para os professores e para os outros alunos, e praticamente alfabetiza a
escola toda em LIBRAS?
Yara – (Risos) - É, nessa escola, pela manhã. Porque, na escola da tarde, eu tenho mais dois
alunos que são surdos, porém eles são alfabetizados. A situação lá é o quê? Em alguns
momentos, a menina que é surda, eu tenho que acompanhar, estudar o tempo todo. Porque ela
é surda e está na 7.ª série. Quando ela vai fazer uma prova de Ciências, como foi o caso na
semana passada, tem palavras que ela não conhece o significado, igual PREVENÇÃO. Aí eu
tive que correr e procurar o sinal de prevenção e tem que fazer um contexto, eu fiz para ela.
Mostrei uma tesoura, a questão do perigo de cortar o dedo, fiz o sinal de criança pequena. – Se
pegar, a tesoura corta o dedo, sai sangue. Então ela começou a perceber, então falei: -
PREVENÇÃO (fazendo o sinal). Em alguns momentos ela consegue ler os lábios, eu também
disse: - PREVENÇÃO (fazendo o sinal) é isso: Tesoura (sinal), criança pequena (sinal),
esconde (sinal), guarda (sinal). Perguntei: Te ajudou? Ela sinalizou que sim. Então
compreendeu. Ela não conseguia responder à questão porque não sabia o sentido da palavra
PREVENÇÃO. É isso. Lá eu não alfabetizo, mas tenho que fazer algumas intervenções durante
as avaliações e na sala de aula.
307
Pesquisadora- E em relação aos professores? Uma vez você me contou que tem alunos
ensinando sinais para os professores.
Yara- Ah, sim! Isso é na escola da manhã, onde o aluno está sendo alfabetizado. Inclusive, no
dia 20, nós temos uma visita agendada na Escola Oral Auditiva de Vitória, para esses alunos
dessa sala conhecerem a vida escolar do aluno surdo. Porque lá o Márcio é a minoria, mas na
Escola Oral Auditiva vai ser a maioria. Porque são vários alunos e aquela turma de 30 da
escola.
Yara – Nós vamos levar a turma para fazer um intercâmbio. Porque o Márcio não é atendido
pela Escola Oral Auditiva. Nós já tentamos muito com o pai, mas o pai não leva.
Pesquisadora – Sim, e então como está sendo esse desafio de ser professora de apoio? Você
está gostando? Era o que você esperava? Porque, quando você fala, parece que está tão
realizada profissionalmente.
Yara – Estou!! Eu falo assim: - Essa questão não é de buscar o equilíbrio, mas de ter visão de
uma sociedade pelo menos um pouco mais justa. Esses questionamentos que a gente vem
trazendo daqueles movimentos jovens e, com isso, sempre houve aquela busca de mudar
algumas coisas. Eu vi na Educação Inclusiva a chance de fazer algo mais, não porque eu não
fizesse na sala de aula. Eu fazia! Porque foi daí até mesmo que surgimos com aquele projeto.
Aqui, em Cariacica, é o segundo município em que eu trabalho e, no ano passado, 2006, foi o
segundo ano em que eu trabalhava em escola pública municipal. A minha experiência toda era
com escola particular.
Pesquisadora – Fica como um meio de estudo. Eu digo assim, deixando com a equipe, poderia
fazer algo como uma biblioteca, algo que possa ajudar. Depois que eu terminar o meu trabalho,
vou entregar uma cópia dele para a equipe e, também, da pesquisa que fiz em Vitória, para que
elas comecem a montar um banco de dados de produção do conhecimento. Acho que teu
trabalho contribui muito para isso, como o da Ana14 e de outros também. (Diário de campo
17/9/2007)
Prontamente a idéia foi aceita por parte da Administração Central e logo marcamos um
encontro para que pudéssemos socializar os resultados e refletir a partir dos mesmos,
encaminhando algumas questões que ficaram em aberto durante a pesquisa.
14
O trabalho de pesquisa da professora de apoio Ana está relatado no item 4.3.1 deste estudo.
309
“Agora não vamos mais sozinhos nas visitas realizadas às escolas. Temos sempre a
presença de um representante da Educação Infantil, do Ensino Fundamental ou da
Educação de Jovens e Adultos. A Educação Inclusiva está investindo em uma ação mais
conjunta com o Setor de Educação de Jovens e Adultos, disponibilizando uma nova
313
Expusemos, ainda, nossa alegria como pesquisadora por ter participado desse
movimento coletivo que a equipe do Setor de Educação Inclusiva, as escolas, os
alunos, as famílias e os professores nos proporcionaram. Enfatizamos o crescimento da
pesquisadora relacionado às questões teóricas vivenciadas dentro de uma prática
social, apontada pela demanda do pesquisador coletivo. Demanda pela qual a
pesquisadora pôde refletir em sua própria prática investigativa, como aponta Zeichner
(1998):
6 REFLEXÕES FINAIS
Ao iniciarmos este item, que trata de nossas reflexões finais acerca do processo de
pesquisa-ação que se debruçou em compreender o movimento de implementação
da inclusão escolar no município de Cariacica, gostaríamos de destacar que
buscamos, durante todo o processo de investigação, trilhar um caminho que nos
conduzisse àquilo que Gatti (2001) nos indica como fundamental para a pesquisa
educacional: a captação da “concretude histórico-social” do campo pesquisado.
OBJETIVOS
• Atuar coletivamente com a Equipe do Setor de Educação Inclusiva, instituindo
políticas públicas no processo de inclusão escolar no município de Cariacica.
• Instituir uma formação continuada fomentando o entendimento acerca do
desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural como contribuição
teórica para a inclusão escolar.
FRENTES DE TRABALHO
• Primeira frente - participação, planejamento e intervenções nos encontros
semanais de formação continuada organizados pelo Setor de Educação
Inclusiva, com vistas a instituir políticas públicas, tendo como nascedouro e
fomento o contexto da sala de aula.
Segundo Gatti (2001), muitos estudos na área educacional têm apontado a dificuldade
de se construir, na área da educação, categorias teóricas mais consistentes, que
explicitem a complexidade e o contexto social do fenômeno educativo.
Refletindo um pouco mais nas considerações de Gatti (2001) acerca das implicações da
pesquisa educacional, podemos entender, por meio das colocações da autora, que o
modismo e, muitas vezes, a tendência ao imediatismo para a escolha dos problemas
em busca de uma aplicabilidade imediata das conclusões, têm levado a pesquisa-ação
a ser trabalhada de maneira muito simplista e com empobrecimento teórico. Nesse
sentido, a autora alerta-nos:
Outro ponto importante, dentro deste item de reflexão final, leva-nos em direção à
produção do conhecimento, já discutida nesta pesquisa, que nos ajuda a vislumbrar
como a apropriação de uma perspectiva teórica, no nosso caso a perspectiva histórico-
cultural, impulsiona no alcance de outra visão de mundo e de sociedade e de como
essa apropriação se inscreve na prática docente e na difusão dessas práticas entre os
seus pares, apontando para uma outra lógica de ensino, para uma outra perspectiva de
sociedade.
[...] ela não consiste em ajudar o sujeito a realizar o que foi previsto para ele;
a z.d.p. consiste também em criar um quadro no qual o sujeito poderá
acordar o impossível na sua própria atividade. A z.d.p. é um lugar, de certa
forma, no qual o psicológico ou o social favorece o sujeito para que ele
encontre possibilidades não realizadas [...] Se olharmos as coisas dessa
maneira, estamos longe de uma psicologia ortopédica, estamos mesmo muito
afastados de uma engenharia didática descendente, de inspiração cognitiva,
como se acredita e se diz, com freqüência, ao se falar de Vygotski. Vygotski
não é uma engenharia psicológica, não é uma prescrição comportamental, é
a possibilidade de inventar situações, nas quais o sujeito pode criar suas
321
em direção aos alunos, um olhar prospectivo que desvela o que está encoberto pela
deficiência.
Corroboram nossas afirmações as reflexões de Tripp (2005) acerca das pesquisas que
têm em sua metodologia os princípios da pesquisa-ação. Para o autor, a pesquisa-ação
é participativa e, em sendo participativa, deve envolver, incluir todos os que fazem parte
da pesquisa por meio de uma ação, de um trabalho colaborativo, pelo qual a
aprendizagem é dialética, nascida do grupo.
Você não está buscando como fazer melhor alguma coisa que você já faz,
mas como tornar o seu pedaço do mundo um lugar melhor em termos de
mais justiça social [...] por mudanças tais como: aumento de igualdade e
oportunidade, melhor atendimento às necessidades das pessoas, tolerância
e compreensão para com os outros, cooperação maior e mais eficiente,
maior valorização das pessoas (de si mesmo e dos outros) [...] A pesquisa-
ação socialmente crítica passa a existir quando se acredita que o modo de
ver e agir “dominante” do sistema, dado como certo relativamente a tais
coisas, é realmente injusto de várias maneiras e precisa ser mudado (TRIPP,
2005, p. 258).
• Pesquisa-ação como ação emancipatória, tendo como foco mudar o status quo
não só para si mesmo e para seus companheiros mais próximos, mas, de mudá-
lo numa escala mais ampla, para o grupo social como um todo.
324
[...] todos nós pensamos sobre o que aconteceu, mas também podemos
melhorar nossa reflexão, questionar nossas idéias sobre o que é importante e
ir mais fundo e mais criticamente nas coisas; todos nós aprendemos com a
experiência, mas podemos também registrar o que aprendemos a fim de
esclarecê-lo, disseminá-lo entre os colegas e acrescentá-lo ao estoque do
conhecimento profissional [...] (TRIPP, 2005, p. 462).
Fica claro, também, para nós que a difusão dos saberes e das práticas dos profissionais
a partir da formação continuada, elaborada pelo Setor de Educação Inclusiva em 2006,
tem desencadeado no Município um movimento que ultrapassa a sala de aula e a
escola, ganhando a dimensão de uma política que se vai instituindo, gerando força e
potência à continuidade do movimento da equipe e dos profissionais da Rede Municipal
de Ensino.
O vislumbre da continuidade das ações da equipe foi possibilitado por meio do que
denominamos “volta ao campo para socialização dos resultados”. As implicações da
volta ao campo configuraram-se como elos que foram estabelecendo-se entre os
professores de apoio, pedagogos participantes dos GTs, equipe do Setor de Educação
325
Assim, para nós, a volta ao campo, pela sua configuração e implicação, somou-se ao
conjunto de dados da pesquisa, bem como se apresentou como mais uma
intervenção/mediação no campo de pesquisa.
Como apontado pela autora, cativa tornou-se a pesquisadora; cativa das reflexões em
grupo, do sorriso do aluno que aprendeu, das discussões acaloradas e inquietantes dos
professores regentes e de apoio em busca de melhores condições de trabalho; cativa
dos sentimentos e das lutas das famílias; cativa do perfume da conquista que pairava
no ar a cada desafio da equipe vencido no coletivo; cativa da pesquisa como prática
social; cativa do amor a Cariacica.
326
7 REFERÊNCIAS
64 FERBER, L. Nunca pare de lutar. Rio de Janeiro: Kairós Music, 2005. 1 CD,
faixa 7.
83 ______. Escola e cidadania em uma era de desencanto. In: SILVA, S.; VIZIM,
M. (Org.). Educação especial: múltiplas leituras e diferentes significados.
Campinas, SP: Mercado das Letras, 2001a. p. 41-55.
134 ______. A pesquisa sobre inclusão escolar no Brasil: será que estamos
caminhando de fato na busca de soluções para os problemas? In: JESUS, D.
M.; BAPTISTA, C. R.; VICTOR, S. L. (Org.). Pesquisa e educação especial:
mapeando produções. Vitória: Edufes, 2006. p. 155-176.
143 ______. Dize-me como ensinas, dir-te-ei quem és e vice-versa. In: FAZENDA,
I. (Org.). A pesquisa em educação e as transformações do
conhecimento. Campinas: Papirus, 1995b. p. 29-41.
144 ______. Para uma análise das instituições escolares. In: NÓVOA, A. (Org.).
Organizações escolares em análise. Lisboa: Dom Quixote. 1992. p. 13-42.
181 ROCHA, N. S.; SANTO, M. A. E. Uma rede tecida em relevo. Tecendo redes,
São Paulo, 2006, p. 104-106.
345
185 ______. A educação que temos, a educação que queremos. In: IMBERNÓN,
F. A educação no Século XXI: desafios do futuro imediato. 2. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. p. 37- 63.
186 ______. Consciência e acção sobre a prática como libertação profissional dos
professores. In: NÓVOA, A. Profissão professor. Porto: Porto, 1995. p. 63-
92.
195 ______. O ensino de resultados. FOLHA on line, São Paulo, 29 de abr. 2007.
Entrevista concedida a Juliana Monachesi. Disponível em:
<http://busca.folha.uol.com.br>. Acesso em: 29 abr. 2007.
209 VEER, R. V. D.; VALSINER, J. Vygotsky, uma síntese. 4. ed. São Paulo:
Loyola, 2001.
APÊNDICES
350
APÊNDICE A
Recursos utilizados com Marcos na aula de Arte na “Escola de Vidro”
APÊNDICE B
Interação de Luighi com outras pessoas e lugares além da UTI- Domiciliar
ANEXOS
353
ANEXO A
ANEXO A - Texto: O aluno RICARDO – Usado na dinâmica do Conselho de
Classe na “Escola Rubem Braga”
O aluno Ricardo
Relata a Srª Teresa, que no seu primeiro dia de aula, parou em frente aos seus alunos da 5ª série e, como
todos os professores, lhes disse que gostava de todos por igual. No entanto, ela sabia que isto era quase
impossível, já que na primeira fila estava sentado um pequeno garoto chamado Ricardo. A professora
havia observado que ele não se dava bem com os colegas de classe e muitas vezes suas roupas estavam
sujas e cheiravam mal. Houve até momentos em que ela sentia prazer em lhe dar notas vermelhas ao
corrigir suas provas e trabalhos. Ao iniciar o ano letivo, era solicitado a cada professor que lesse com
atenção a ficha escolar dos alunos, para tomar conhecimento das anotações feitas em cada ano. A Srª
Teresa deixou a ficha de Ricardo por último. Mas quando a leu foi grande a sua surpresa. A professora do
primeiro ano escolar de Ricardo havia anotado o seguinte:
- Ricardo é um menino brilhante e simpático. Seus trabalhos sempre estão em ordem e muito nítidos. Tem
bons modos e é agradável. A professora do segundo ano escreveu:
-Ricardo é um aluno excelente e querido por seus colegas, mas tem estado preocupado com sua mãe que
está com uma doença grave e desenganada pelos médicos. A vida em seu lar deve estar sendo difícil. A
professora do terceiro ano constava a anotação seguinte:
-A morte de sua mãe foi um golpe muito duro para Ricardo. Ele procura fazer o melhor, mas seu pai não
tem nenhum interesse e logo sua vida será prejudicada se ninguém tomar providências para ajudá-lo.
A professora do quarto ano escreveu:
-Ricardo anda muito distraído e não mostra interesse algum pelos estudos. Tem poucos amigos e muitas
vezes dorme na sala de aula. A Srª Teresa se deu conta do problema e ficou envergonhada. Sentiu-se ainda
pior quando lembrou dos presentes de Natal que os alunos lhe haviam dado, envoltos em papéis coloridos,
exceto o de Ricardo, que estava enrolado num papel marrom de supermercado. Lembra-se que abriu o
pacote com tristeza, enquanto os outros garotos riam ao ver uma pulseira faltando algumas pedras e um
vidro de perfume pela metade. Apesar das piadas ela disse que o presente era precioso e pôs a pulseira no
braço e um pouco de perfume sobre a mão. Naquela ocasião Ricardo ficou um pouco mais de tempo na
escola do que o de costume. Lembrou-se ainda que Ricardo lhe disse que ela estava cheirosa como sua
mãe.
Naquele dia, depois que todos se foram, a professora Teresa chorou por um longo tempo... Em seguida,
decidiu mudar sua maneira de ensinar e passou a dar mais atenção aos seus alunos, especialmente a
Ricardo. Com o passar do tempo ela notou que o garoto só melhorava. E quanto mais ela lhe dava carinho
e atenção, mais ele se animava. Ao finalizar o ano letivo, Ricardo saiu como o melhor aluno da classe.
Um ano mais tarde a Srª Teresa recebeu uma carta em que Ricardo lhe dizia que ela era a melhor
professora que teve na vida. Seis anos depois, recebeu outra carta de Ricardo contando que havia
concluído o segundo grau e que ela continuava sendo a melhor professora que tivera. As notícias se
repetiam até que ela recebeu uma carta assinada pelo Dr. Ricardo Stoddard, seu antigo aluno, mais
conhecido como Ricardo. Mas a história não terminou por aqui. A Srª Teresa recebeu outra carta, em que
Ricardo a convidava para seu casamento e noticiava a morte de seu pai. Ela aceitou o convite e no dia do
casamento estava usando a pulseira que ganhou de Ricardo anos antes, e também o perfume. Quando os
dois se encontraram, abraçaram-se por longo tempo e Ricardo lhe disse ao ouvido:
-Obrigado por acreditar em mim e me fazer sentir importante, demonstrando-me que posso fazer a
diferença. Mas ela, com os olhos banhados em pranto sussurrou baixinho: -Você está enganado! Foi você
que me ensinou que eu podia fazer a diferença, afinal eu não sabia ensinar até que o conheci.
354
ANEXO B
ANEXO B – Texto Trabalhado pela professora Ester na turma de Leandro
“A vizinhança”
ANEXO C
ANEXO C – As aventuras de Luighi “Olhos de Vida”
(O texto abaixo foi escrito antes de nossa mediação com o aluno e foi transcrito pela mãe de
Luighi a partir de suas narrações, a mãe preservou a escrita do aluno, respeitando o modo como
se expressava por meio do alfabeto falado piscando os olhos)
AS AVENTURAS DE LUIGHI
Eu fui nu muro pra vê trator, vovó e Frederico e Pedro também tava olhando, o trator tava
limpando o valão, eu tava paralizado, esqueci qui era vivo, feito duas coisas: Chaves é istátua, aí
Iasmim si apaixonou por mim ali da lage, toda tímida ela falou com a mãe dela pra falar cumigo,
aí a Carla falou: purque você (Iasmim) não fala com ele, aí ela falou cum a Carla que tava cum
vergonha, aí a Carla falo cumigo qui Iasmim quiria namorá cumigo, aí eu fiquei mais paralizado
ainda, ai depois eu abri um sorriso na orelha ai a Carla falo qui Iasmim ia tomá banho depois ia
vim aqui, aí Cristiana (enfermeira) fico falando assim: ú que qui você feis cum a minina pra se
apaixoná por você?
Aí a Cristiana falo: Mi conta, mi conta, pra mim fazê igual com us meus namorados, aí eu falei
que não fiz nada.
Aí o Pedro e o Fred falaram qui eu já tinha namorada, a Carol, ai Iasmim arregalo um olhão di
ciúme. A Carla falo calma minha filha, Lucas vai escolhê cum quem ele vai namorá. Ai foi
passando a cemana, ai eu liguei pra Carol terminando o namoro (mamãe ligou) aí as gêmeas
bateram na Iasmim, a Mariana feis careta pra Iasmim. A Carla falo, olha o sorriso du Lucas.
Vovó falô, olha ali ela cipaixono por você. Aí passou cemana diguerra com as meninas da rua, aí
um dia eu tava na lage aí tava pegando sol ai eu as gêmeas é lá na casa da Iasmim batê nela aí
cuarta (feira) eu vi a gêmea levá lixo na maré, era pura mintira, a gêmea fez careta pra Iasmim. A
Cristina virô maió cupido. Ai mariana é a gêmea ingalfinharam na briga por causa de mim, a
Cristina me falô.
Ai uma cemana passo ai a briga continuô, ai a Iasmim tava na rua cum a Valéria, ai a Iasmim falô
cum a Cristina bem auto pra acabá cum a briga, eu amu Lú (Lucas), ai a Valéria falô ta bom
Iasmim, não precisa gritá, a tia já entendeu, ai a Iasmim falô, não, eu gritei pras gemeas iscutá, ai
a Iasmim falô, então to gritando pra Braiene ouvi ai nu otrú dia falô qui ci as gêmeas passasse du
portão pra lá ela ia socá elas.
A Iasmim veio aqui toda tímida, meu pai pergunto, você qué namorá cum Lucas?
Iasmim não falô nada, nu outro dia ela voutô cum André de guarda costa. Ai u André falô, não
namora cum as baleia das gêmeas. Ai nu dia qui a vovó foi internada a Braiene veio aqui, ela viu
356
a foto da Iasmim e feiz maió bico de ciúme, antis da Braiene vim aqui, a Iasmim falô qui quiria
vê o velório da vovó. Saiu Iasmim aí chego tio Renato e mi levo pru interro da vovó ai eu vi ela
nu caxão ai depois eu voltei pra casa. Nu outro dia as gêmeas veio nu portão i falaram cum a
Cristina e a Vera, Lucas ta aí? Cristina falô qui eu tava durmindo, ai a Natália falô qui eu vouto
aqui mais tarde cum minha irmã, ai Cristina falô eu i Vera ti salvamos das gêmeas, ai deu ditarde
elas não voltaram ai eu fiquei cum raiva da Cristina purque eu quiria vê uque qui as gêmeas
quiria falá cumigo. Um dia eu mudei pra casa do Abel ai eu acabei cum a briga, ai acabou a
história.
Mudamos pra 3 casas, quandu eu mudei pra casa du Abel ai a Iasmim xorî.
Eu conheci Tainá aí ela fico me elogianmdo ai falô da sombacelia, falô qui era muito bunita, qui
eu barru todo minino da rua, ai voltamos pra sombracelia, aí pediu pra namorá cumigo na maió
cara di pau e na frente do Lucas (outro) e du Ramires e da Xarlaiana e du Erculis.
Ai eu dei uma resposta na cara di pau, não.Ai eu levei ela na iscola cumigo, ai Iasmim pegô nessa
mão (direita) e Tainá na outra (esquerda) ai ci eu olhasse só pra uma a outra ia ficá cum ciúme, ai
ci eu olhasse pra Iasmim a Tainá ficava cum ciúme, ci olhasse pra Tainá a Iasmim ficava cum
ciúme, aí eu fiquei dividido, aí eu fiquei assim.
Eu fui nu Xopim ai a Iasmim falô, mi impurrando na cama: Lucas você levo Tainá no Xopim? Ai
eu respondi na cara di pau: não.
Ai Frederico quiria namorá Iasmim, Iasmim deu um xega pra lá nele, ele fico isistindo, ai a
Iasmim fico falando não aí ele paro.
Eu mandei falá cum a Mariana pra tirá o cavalinho da chuva, qui eu já tinha namorada, ai a
Cristina falô cum a Mariana, pode tirá o cavalinho da chuva qui o Lucas já tem namorada. Ai
Mariana feiz cara feia.
Um dia Frederico tava brincando ai Iasmim veio aqui ai ele falô cum ela qui vai cagá num mato
ai eu fiquei cum raiva dele i xamei ele aqui ai Cristina falô errado, você chamo Iasmim di bosta,
aí eli falô qui não.
********************************