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Os deserdados do destino:

construção da identidade
criminosa negra no Brasil
Histórico

No Brasil, durante aproximadamente 260 anos, os po-


vos indígenas foram submetidos à escravidão e trabalhos
forçados que culminaram com o extermínio de mais de
5.000.000 de indígenas, dentre eles vários jovens guer-
reiros, com idades entre 10 e 20 anos, que foram covar-
demente mortos em nome do desenvolvimento. Também
durante mais de dois séculos, mais de 5 milhões de africa-
nos foram colocados sob condições subumanas dentro de
navios negreiros, também conhecidos como Tumbeiros, e
forçadamente trazidos para o Brasil. Muitos destes africa-
nos tinham idades entre 10 e 15 anos, e eram amplamente
comercializados, categorizados como “bem semoventes”,
e portanto passíveis de serem vendidos, trocados, leiloa-
dos, etc. Seus corpos eram o instrumento da disciplina por
meio da dor e, ao mesmo tempo, a força para o trabalho
nas lavouras, nos engenhos e na mineração.

Infância e escravidão

Nos fins do século XIX, os índices de mortalidade infan-


til no Brasil eram alarmantes, sendo objeto de estudos de
vários higienistas durante o Segundo Império. Entre 1845
e 1847, um destes higienistas, Dr. Haddock Lobo, obser-
Foto: arquivo pessoal

vou que 51,9% das crianças mortas tinham entre 1 e 10


anos de idade. Entretanto, a realidade das crianças brancas
e escravas era muito diferente. Enquanto as crianças bran-
cas eram entregues às amas-de-leite desde o nascimento
Coordenadora de Articulação Política
e Direitos Humanos da ONG Fala até os 06 anos de idade, a criança escrava sobrevivia com
Preta! Organização de Mulheres
Negras; Conselheira da SEPPIR, do
grande dificuldade, tendo que se adaptar ao ritmo do traba-
Movimento Nacional de Direitos
Humanos e da Comissão de Direitos
lho materno, já que as escravas negras voltavam para o tra-
Humanos do Município de SP; e balho apenas três dias após ter dado a luz. Buscando trazer
Secretaria Executiva do Fórum
Nacional de Mulheres Negras. um pouco mais de humanidade a essa atroz realidade, José
Bonifácio elaborou um Projeto de Lei que previa que:

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[A] “Escrava durante História da Roda anonimato dos país. A
a prenhez e passado o 3º partir de 1775, as crianças
mês não será obrigada a A Roda dos Expos- escravas colocadas nas
serviços violentos e atu- tos, ou Casa dos Enjeita- Rodas eram considera-
rados; no 8º mês só será dos, ou simplesmente “a das livres, ainda que nem
ocupada em casa, depois Roda”, era uma forma de sempre isso acontecesse.
do parto terá um mês de atendimento à infância A Roda também era am-
convalescença, e passo abandonada que teve iní- plamente utilizada pelos
este durante um ano não cio do antigo Egito e exis- proprietários de escravos
trabalhará longe da cria.” tiu em vários países do que não queriam se res-
(Apud. Moncorvo Filho, mundo nos séculos XVIII ponsabilizar pelos encar-
1926, p.80). e XIX. A primeira Casa gos da criação da prole,
dos Expostos no Brasil foi seja ela de seus próprios
Infelizmente, o projeto fundada em 1726, em Sal- filhos ou filhos de suas es-
nunca foi colocado em prá- vador, pelo então vice-rei. cravas.
tica e, como a criança escra- Consistia em um cilindro Com a Lei do Ventre
va tinha que se adaptar ao que tinha um de seus lados Livre a quantidade de
trabalho da mãe, elas eram abertos e girava em torno crianças colocadas nas
comumente amarradas às de um eixo vertical. As “Rodas dos Expostos”
suas costas, num hábito mães e pais colocavam o cai, e a Casa de Miseri-
amplamente difundido na seu filho nesta abertura e córdia passa a atender os
África, mas que, não raro, giravam, e, do outro lado, órfãos e os abandonados.
deixava as crianças com as uma instituição recolhia Entre os 13 e os 18 anos
pernas arqueadas ou defei- a criança, preservando os “expostos”, como eram
tuosas. A partir dos seis e assim o sigilo sobre a chamadas as crianças co-
até os doze anos de idade, identidade dos pais. locadas na roda, deveriam
as crianças escravas já Em 1738 foi fundada receber um salário das
desempenhavam algu- a Casa dos Expostos do famílias que lhes permi-
mas atividades simples, Rio de Janeiro, por Ro- tissem trabalhar. Os que
tais como limpar feijões mão Mattos Duarte, e em fossem devolvidos à Casa
e outros cereais destina- 1882 a Roda dos Expos- da Roda por mau com-
dos a alimentação dos es- tos já existia em todas as portamento seriam trans-
cravos, cuidar de animais, províncias do território feridos ou para o Arse-
e executar trabalhos do- brasileiro. As crianças nal de Guerra, ou para a
mésticos. Dos 12 anos em colocadas nas Casas das Escola de Aprendizes de
diante elas já eram conside- Rodas eram basicamen- Marinheiros (fundada em
radas adultas, tanto para o te os filhos das escra- 1873) ou para as Oficinas
trabalho e quanto para a se- vas, as quais muitas ve- do Estado. As meninas
xualidade, e portanto eram zes utilizavam as rodas tinham como destino o
encaminhadas para os cam- como forma de livrá-los recolhimento das Órfãs,
pos. No entanto, se a mãe da escravidão e para quem onde permaneciam até
escrava era escolhida para colocar os filhos na Roda saírem, casadas. A Roda
ser ama-de-leite de uma significava uma esperan- dos Expostos foi um dos
criança branca, o destino ça. A Roda dos Expostos maiores símbolos do
de seus filhos era a Roda recebia criança de qual- pensamento assistencial
dos Expostos. quer cor, e preservava o brasileiro.
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Ana Rosa, com intuito
de oferecer proteção aos
órfãos, ministrando ins-
trução primaria e prepa-
ro profissional. Em 1895
foi fundado o Orfanato
Cristóvão Colombo, que
inicialmente abrigava ór-
fãos de imigrantes italia-
nos vitimados pela febre
amarela, e que mais tarde
passa a atender crianças
em geral.
Em 1938 foi criado o
Serviço Social de Meno-
Assistência à criança no ser a profissão de muitas res, que, em 1947 pas-
Brasil mulheres negras devido sou a ser subordinado à
aos perigos de transmis- Secretaria da Justiça e
Devido ao imenso flu- são de doenças através do Negócios do Interior, tor-
xo imigratório no Brasil, leite. A saúde da criança é nando-se então o órgão
o período higienista, en- pensada, e dissemina-se o executivo da Política Es-
tre 1874 a 1922, suscitou uso da mamadeira e prá- tadual de Assistência ao
a criação de varias so- ticas mais cuidadosas no Menor.
ciedades científicas que parto. No ano de 1948, nas-
trabalhavam no controle Com crescimento das ce uma nova ordem ju-
de doenças epidêmicas e cidades e a busca pelo rídica e assistencial no
na ordenação dos espa- controle social, institui- que tange os menores de
ços públicos, e coletivos, ções como cemitérios, idade, instituída após a
inclusive escolas, inter- fabricas, prisões, inter- “Semana de Estudos dos
natos e prisões. Foi tam- natos, e hospícios pas- Problemas dos Menores”,
bém nesse período que o sam ser necessárias, e em patrocinada pelo Tribunal
Direito passou a atuar em 1886 a Sociedade Promo- de Justiça de São Paulo e
conjunto com a Medici- tora da Imigração é criada com o apoio do Juizado
na e o Direito passaram em São Paulo de modo a de Menores, Serviço So-
a atuar juntos, buscando fazer frente, por meio do cial e Departamento de
identificar, por meio de controle epidemiológico, Pesquisas de Economia
características físicas, os ao surto de doenças que e Humanismo. Durante
desvios de conduta. É assolavam o país. Surge, 12 anos a fundação Pró-
criado um novo modelo em 1873, a Sociedade Menor, como foi chama-
de sociedade, no qual a Propagadora de Instru- da, teve por objetivo gerir
“purificação das raças” é ção Popular, posterior- uma política para o menor
almejada. mente conhecida como no Estado de São Paulo.
Também neste perío- Liceu de Artes e Ofícios Em 1902 foi criado o Ins-
do é criada a legislação e, pela iniciativa da fa- tituto Disciplinar, depois
sanitária estadual, e as mília Souza Queiroz, foi conhecido como Instituto
amas-de-leite deixam de fundado o Instituto Dona de Modelo de Menores,
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e a Colônia Correcional. ria do Estado em São Pau- “(....) Consideram-se
Em São Paulo, a Roda lo. Em 1925, foi criado o abandonados os menores
dos Expostos passou a se Conselho de Assistência de 18 anos.
chamar Educandário Sam- e Proteção ao Menor, que I- Que não tenha ha-
paio Viana, recebendo, em tinha como um de seus bitação certa nem meios
1909, o nome de Casa da objetivos visitar e fiscali- de subsistência, por serem
Criança zar os estabelecimentos de seus pais falecidos, desa-
No período entre 1924 menores, fazer propagan- parecidos ou desconheci-
e 1964, foi aprovado o da contra os males sociais dos ou por não terem tutor
primeiro Código de Me- da marginalidade e pro- ou pessoa cuja guarda vi-
nores (1927) ao mesmo mover meios de obtenção vam.
tempo em que foi desati- de recursos para proteger II- Que vivem em com-
va a Casa dos Expostos menores abandonados, panhia de pai, mãe, tutor
e que foi regulamentada, infratores e portadores de ou pessoas que se entre-
pelo Poder Judiciário, o deficiência mental. guem a habitualmente a
Juizado de Menores, ór- prática de atos contrários
gão responsável por todas Código de Menores à moral e aos bons costu-
as instituições auxiliares mes.
aos menores, tornando o A promulgação do Có- III- Que se encontrem
Estado o responsável legal digo de Menores aconte- em estado habitual de va-
pela tutela da criança órfã ceu em 1927, por meio diagem, mendicância ou
ou abandonada até os 18 do compromisso do pri- libertinagem.
anos de idade. No período meiro Juiz de Menores IV- Que freqüentem lu-
da República, o Estado in- da América Latina, Dr. gares de jogo ou de mora-
tensificou suas atenções ao José Cândido de Albu- lidade duvidosa ou andem
problema do “menor aban- querque Mello. O Códi- na companhia de gente vi-
donado”, uma vez que os go de Menores de 1927, ciosa ou de má vida.
menores infratores eram estabelece, em seu artigo V- Que devido a cruel-
internados na Penitenciá- 26, que: dade, abuso de autorida-
de, negligencia ou explo-
ração dos país, tutor ou
encarregado de sua guar-
da sejam:
a) vitimas de maus
tratos-físicos e habituais
ou castigos imoderados:
b) privados habitual-
mente dos alimentos ou
dos cuidados indispensá-
veis a saúde.
c) excitados habitu-
almente para gatunice,
mendigagem ou libertina-
gem”.
Como se pode imaginar,
as crianças que viviam sob
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as condições citadas nos ríodo são publicadas as substituindo a “patologia
artigos acima, eram, na primeiras leis que fazem racial” pela patologia da
sua grande maioria, ne- distinção entre o menor sociedade e da cultura.
gras, e pardas; Elas eram infrator e o menor aban-
habitualmente privadas donado, e que, por seu Vadiagem e Abandono
de alimentos e de cuida- turno, encaminhavam ex-
dos, muitos órfãos de pai, menores para trabalharem [ ] Tomemos a per-
convivendo somente com preferencialmente no ser- cepção que a vadiagem,
a mãe, muitas vezes sem viço militar ou em órgãos durante a colonização,
habitação, e não raro víti- públicos. Esses menores se revestia de múltiplos
mas de maus tratos. Uma eram, em sua maioria, significativos; além de ex-
vez que o trabalho infantil pretos e pardos. No perío- pressar a condição de indi-
não era regulamentado, e do posterior à Revolução víduos “vagabundos” e er-
que o código de 1927 proi- de 30, os discursos dos rantes sem moradia certa,
bia o trabalho de crianças intelectuais, inclusive de também queria exprimir a
até os 12 anos, e que se Euclides da Cunha, par- recusa ao trabalho. As Or-
consideravam excluídas tiam do princípio de que denações Filipinas, código
das leis penais crianças os pretos e os partos eram português em vigência no
até os 14 anos de idade, criminosos devido à “in- Brasil, definia como va-
as que estavam na faixa ferioridade Racial”. Nina dio alguém que vivia “sem
etária entre 14 e 18 anos Rodrigues, médico e an- amo”, sem senhor, sem
eram sujeitas a internação tropólogo (1894) chegou ocupação, sem moradia
em “estabelecimentos es- a afirmar que os pretos e certa, sem honestidade.”
peciais” e, somente após os mestiços tinham uma
os 18 anos, eram conside- inclinação fisiológica “O Criminal do Impé-
radas responsáveis pelos para o crime, ainda que rio de 1830 foi mais in-
erros cometidos. Assim, determinadas condições cisivo em definir o vadio
as crianças que estavam mesologicas também como ocioso; eram com-
fora do “mercado de tra- condicionavam a predis- portamentos considerados
balho” e fora do alcance posição para o crime. ameaçadores a estabilida-
do Estado, passam a ser Por seu turno, Nelson de social, ligados ao sub-
foco de atenção dos mé- Hungria e Artur Ramos mundo da delinqüência”
dicos, juristas psicólogos, afirmaram que os negros
e pedagogos, tornando-se padecem de uma “crise A partir destes pen-
objeto de estudo. de ajustamento”, não al- samentos, arraigados ao
cançando o nível de ci- preconceito e a discri-
Anos de Chumbo nas vilização dos brancos, minação, foram criadas
Grades de Ferro ficando sempre num esta- varias instituições que
gio de atraso cultural que segregariam crianças
Entre 1964 e 1990, favorecia o surgimento de ociosas e acabariam por
dentro do espírito da comportamentos crimi- transformar a figura do
Doutrina de Seguran- nosos, substituindo a “de- “menor abandonado” em
ça Nacional, foi criada a terminação racial” pela sinônimo de delinqüen-
Febem, que introduziu o cultural. Ambos atribuem te potencial devido a sua
militarismo nos interna- a criminalidade dos não- ociosidade. A explicação
dos. Também neste pe- brancos à sua cultura, para criação de institui-
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ções correcionais estava onde eram separados uni- jou-se que o reformatório
sempre ligada à necessi- camente pela faixa etária. ficasse sob a responsabili-
dade de prevenção e de- Assim os menores dade do Poder Judiciário,
fesa social, aliadas às no- abandonados que não co- que teria autonomia para
ções de periculosidade, de meteram nenhum ato de agir objetivando a reedu-
modo que, uma vez nelas, delinqüência recebiam o cação do menor infrator.
as crianças seriam educa- mesmo tratamento dos Assim, a “política dos
das para se transformarem considerados infratores. portões abertos” transfor-
em “elementos úteis”. Em Por meio desta política de mou-se em muros altos
outras palavras, é o próprio “portões abertos”, estes e pequenas masmorras,
Estado quem constrói a estabelecimentos voltados onde não havia nenhum
identidade da criança e do para a proteção dos aban- corpo técnico voltado para
jovem negro delinqüente donados era um abrigo de as questões da juventude.
no país, por serem eles a pousada diurna para todo Prevalecia a política dos
maioria dentre os menores tipo de jovens, inclusi- castigos e das surras com
definidos pelo Código de ve os que aproveitavam a barras de ferro e correntes,
1927. A noção de abando- noite para suas “voltinhas choques elétricos e hu-
no no conceito de “menor atentatórias a segurança milhações públicas como
abandonado” requer uma pública”. parte do processo de ree-
clara e precisa definição, ducação, numa reedição
uma vez que pode tratar- Segurança e Obediência do sistema penitenciário.
se do abandono material Adultos e jovens recebiam
ou familiar, mas também Com o objetivo de cor- o mesmo tratamento, não
do abandono jurídico, que rigir essas distorções foi raro, práticas desumani-
fato ocorre independente idealizado em 1954 o Re- zantes, ao passo que o Bra-
das existência ou não das colhimento Provisório sil tornava-se signatário
pessoas. Até 1935 os me- de Menores (RPM), um de tratados e convenções
nores “apreendidos” nas abrigo para menores infra- internacionais relativos à
ruas, independentemente tores com idades entre 14 proteção da criança e do
das causas, eram levados e 18 anos. Com o RPM, jovem, mesmo tendo uma
para abrigos de triagem do precursor das Unidades de legislação que mascarava
Serviço Social de Menores, Abrigo Provisório, plane- uma pratica escravagista,

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arcaica e discriminatória Casa dos Expostos unida- miliar, as condições de
como o uso da força. de Sampaio Viana eram desigualdade em que
crianças brancas, e que o vive a população negra,
Vigiar e Punir numero de crianças ne- a incidência do alcoolis-
gras e pardas cresceu após mo, drogadição, provo-
Em 1964 é criada a pri- 1951. Na primeira geração cadas pelo desemprego e
meira geração da Febem, de internos da FEBEM, a subemprego, na grande
e com ela o processo de distribuição de brancos e maioria, levam as mães
criminalização do órfão/ pretos é praticamente uni- solteiras, separadas ou
menor abandonado. O forme. Entretanto, quando casadas a levarem seus
Professor Roberto da Sil- somados pretos e pardos, filhos para estas institui-
va, ex-interno da Febem, esses são a maioria : 64% ções na esperança de um
ex-presidiário e atual- dos meninos abandona- tratamento melhor, por
mente Professor da Fa- dos. Podemos também conta da propaganda que
culdade de Educação da observar que o número se fazia sobre esse tra-
USP, em sua pesquisa re- de meninos internados na tamento e pelo direito a
alizada junto aos arquivos população negra é sempre um auxilio que muitas
da Febem para elaboração maior, levando ao entendi- mulheres teriam se lá co-
de sua Tese “Os Filhos do mento de que perambular locassem seus filhos, sob
Governo”, constatou que pelas ruas, nos anos 60, a condição de visitá-los
60 % dos infratores foram era considerado infração. aos finais de semana. As
internados com menos de Em verdade, jogar uma histórias de vida destas
7 anos de idade. pedra no telhado ou que- mães eram completa-
Também quanto à brar um cerca brincando mente desconsideradas,
distribuição de órfãos e na instituição era motivo principalmente seus sen-
abandonados segundo a suficiente para ser levado timentos, emoções, per-
cor, sabe-se que a maio- para o RPM. cepções e reflexões sobre
ria dos abandonados na A desestruturação fa- elas mesmas.
A maioria das crianças
internada nos anos 60 não
possuía nenhuma escola-
rização. Alguns poucos
meninos possuíam três ou
quatro anos de estudo, e,
entretanto, saíam da ins-
tituição na mesma condi-
ção de semi-analfabetos
em que entraram. O tem-
po médio de internação
era de 12, 13, 17, 18 anos
para os abandonados, en-
quanto os infratores iam
e vinham. Pouquíssimos
conseguiram ter escolariza-
ção, até porque muitos eram
oriundos de outras entidades
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de internação e não havia um rial, fornecendo abrigo, não conseguem coloca-
relatório que fornecesse in- alimentação e vestuário, ção, não tiveram enca-
formações quanto a escolari- que se resumia a uma ca- minhamento especifíco
dade, tampouco sobre a dis- miseta branca, um calção pós saída da Fbem, fica-
ciplina e os relacionamentos azul e um par de chinelos ram abandonados a pró-
familiares. havaianas ou conga. pria sorte, não eram es-
Os considerados indis- tudadas outras possibili-
ciplinados eram trans- Amargo Regresso dades de inserção destes
feridos para o “quadri- jovens, um dos motivos
látero do terror” como Após os 18 anos, al- eram que o jovem atingiu
era conhecido o qua- o Limite Maximo de
drilátero do Tatuapé, idade estabelecido
onde ficava instala- de sua permanência
do o RPM. A roti- na entidade, as enti-
na diária é despertar dades que fazem os
às 6 horas, almoçar desligamentos não
das 12h30 às 13ho- se preocupam com
ras, das 18h30 às 19 os desdobramentos.
horas jantar e às 21 Como reconstruir a
horas se recolher. A vida pós anos e anos
profissionalização de internação???
existente consistia Como conviver em
em oferecer aos in- uma sociedade em
ternos cursos de tor- que se viveu anos e
neiro mecânico, mar- anos infra-muros e
ceneiro, eletricista, fora dela, onde estão
pintor, o que não era as suas referencias.
suficiente para esti- O tempo de per-
mula-los ao trabalho. manência nas ruas,
Geralmente não havia guns foram encaminha- levam a escolher outras
uma interlocução com dos para pensionatos e formas de sobreviver,
os monitores, a obediên- permanecendo por 06 tais como os pequenos
cia era incondicional e a meses ate conseguirem roubos, furtos, trafico,
submissão, absoluta. uma colocação, alguns alguns levam pouco
Sempre existiu na FE- conseguiria trabalho no tempo em liberdade,
BEM um Serviço de Colo- serviço público, procu- no mínimo 06 meses a
cação Profissional,onde radorias, fórum crimi- 3 anos em um período
vários jovens pós a inter- nal e cível, começavam até 02 anos eles co-
nação eram encaminha- como Office boys depois metem o seu primeiro
dos, para trabalhar em prestavam concurso in- delito agora com maior
empresas particulares terno e eram efetivados, idade e vão direto para
também. O uso da força alguns foram para as for- o presídio., suas con-
e do desprezo fazia par- ças armadas, Marinha de denações são entre 01
te do cotidiano; o Estado Santos, Florianópolis e ano , 02, 5 anos e qua-
apenas se preocupava em Batalhão de Guardas do tro meses variando de
suprir o abandono mate- Exercito. Aqueles que acordo com o delito.
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A Identidade Crimino- ficaram a infância, ado- denados, passam anos e
sa Imposta pelo Estado lescência, e a juventude anos na prisão. Conside-
institucionalizado, o que rados irrecuperáveis, por
Ao se defrontarem com significa ficar 03 anos um outro lado incapazes
o imperativo de sobrevi- na prisão, qual a dife- de conviverem fora da
vência as possibilidades de rença entre a prisão e a institucionalização, tor-
delinqüência e ingressar febem????, uma vez que nam-se dependentes da
na criminalidade torna-se sua identidade sempre foi vida institucional, e como
mais possíveis isto ocorre forjada no espaço institu- Deserdados do Destino
logo após a desinternaçao, cional e se firma agora no tem suas vidas definidas
nenhum destes jovens tem espaço prisional. O que porões de segurança, a
a índole criminosa, mas leva um grande numero sociedade racista e da
suas identidades crimi- de jovens voltarem a pri- mídia que se preocupa em
nosas foram rotula-los como elemen-
construídas tos de alta periculosidade.
dentro dos Citei aqui a primeira ge-
muros das ração forjada sob a égide
instituições, da segurança nacional, no
e se acentu- período da ditadura mili-
am com a pri- tar, muitos destes jovens
meira prisão , passaram pela Casa de
os chamados Detenção de São Paulo,
primários no Penitenciaria do Estado e
Sistema Pe- Manicômio Judiciário de
nitenciário Franco da Rocha.
tem penas
inferiores a O Eca e os Anos 90
dois anos e
um numero Em 1973 é oficialmen-
significativo, destes jo- são após o cumprimen- te criada a Febem Funda-
vens recebem o beneficio to da pena a cometerem ção do Bem Estar do Me-
conhecido como sursis, novos delitos, outros tor- nor década de 70 e come-
que suspende o cumpri- nam-se multi-reinciden- ço dos anos 80, o milagre
mento da pena pelo perí- tes, por ter cometido três econômico tão esperado
odo de 02 anos, que signi- ou mais crimes. não acontece. São Paulo
fica que não podem ficar O fenômeno da insti- cresce desordenadamen-
na rua além das 22 horas, tucionalização não pre- te, furtos praticados por
nem tão pouco freqüenta- param para conviver em jovens meninos carentes
rem bar casas de jogos ou sociedade e não são ab- de rua conhecidos como
de prostituição, nem sair sorvidos, por terem sidos Trombadinhas crescem
da cidade sem autorização estigmatizados por serem, assustadoramente, tor-
do juiz, além de provar negros pobres e oriundos nando-se o passaporte de
que estão exercendo algu- da Febem. Muitos conde- entrada para a instituição
ma atividade licita, e que nados a penas longas não assaltos, latrocínios, ho-
possuem residência fixa. conseguem um bom ad- micídios, a infiltração do
Mas para aqueles que vogado muitos são con- tráfico de drogas e o es-
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quadrão da morte nas po- Todo e qualquer ado- Rebeliões ofícios da Li-
pulações mais pobres. lescente que vir a cometer berdade
Em junho de 1990 são um ato infracional deve-
criados os conselhos esta- rá cumprir medida sócio A ocorrência de fugas
duais e municipais e con- educativa, a situação do foi uma pratica sempre
selho tutelares, é a primei- adolescente em conflito que constante, desde a es-
ra vez que o Estado passa com a lei não restringe cravidão, nas instituições,
a delegar poderes para a aplicação do principio as fugas são consideradas
a defesa dos direitos da constitucional na aplica- infrações disciplinares e
criança através da socie- ção execução das medidas merecedoras de castigos.
dade civil, que até então sócio educativas é impres- Os que se transformam em
era exclusivamente de sua cindível a observância do infratores e pré-criminosos
competência, a questão da principio da legalidade são aqueles que de uma
criança deixara de ser ape- prevista no artigo 5, in- forma desordenada tenta-
nas filantropia de assis- ciso II da Constituição ram subverter a ordem da
tencialismo ou mesmo um Federal.”Ninguém será institucionalização, a fuga
caso de segurança social e obrigado a fazer ou deixar é a maior forma de agres-
passara ser tratado como de fazer alguma coisa se- sividade e rebeldia.
uma “questão social”a não em virtude da lei” As primeiras rebeliões
criação de casas abrigos, e Isto quer dizer que os no sistema Febem come-
unidades de passagem sem agentes públicos não po- çam no ano de 1977 depois
a características de uma dem suprimir direitos que deste período só se inten-
instituição. Uma vez que a não tenham sido objetos sificaram, um dos motivos
adolescência é considerada de restrição imposta por é a própria superlotação e
como momento crucial do lei ou decisão proferida os maus tratos infligidos
desenvolvimento humano por juiz competente. O aos jovens , pois durante
da constituição do sujeito, estatuto dispõe de normas 21 anos estiveram sob a
em seu meio social e da que responsabilizam o Lei de Segurança Nacio-
construção da sua perso- agente e a administração, nal, a Febem desde sua
nalidade. que implique em qualquer fundação já teve mais de
As relações sociais e cerceamento de direto, 26 Rebeliões seguidas de
culturais e históricas eco- deve –se adotar e respeitar cenas de barbárie. As difi-
nômicas da sociedade são o devido processo legal culdades são imensas para
decisivas na constituição para o adolescente acusa- um ex-interno da febem se
da adolescência e con- do de praticar ato infra- adaptar a um mundo que
seqüentemente influen- cional previsto nos artigos não o do crime, uma vez
ciam toda vida daquele 227, IV da Constituição embrutecido dentro da fe-
ser humano.Toda gama Federal, 40 da Convenção bem, após ter acompanha-
de direitos oferecida aos das Nações Unidas sobre do inúmeras rebeliões.
adolescentes vem também os Direitos da Criança e O potencial delinquen-
acompanhada de deveres, do 108,110,111 do Eca. cial existe em todas as
não retira do Estado da fa- Dentro da lógica garantida pessoas, mas para aque-
mília e sociedade o papel pelo ECA a responsabili- les que passam de 4 a 6
da co responsabilidade, zação do adolescente pelo meses na Febem ou mes-
pra realização dos direitos ato infracional deve ser mo o que foram criados
fundamentais. feita nos limites da Lei. toda a vida dentro destas
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instituições a identida-
de é institucional ela se
manifesta no jovem as-
sim que adentra a Febem
apreende a desenvolver
uma série de mecanismos
para não colocar-se em
choque; A violência no
cotidiano entre os pares
constitui-se em um fator
regulador das relações
intra-institucionais, o uso
de armas por lideres dos
grupos, é um fator pre-
ponderante a disposição
de assumir os risco. Uma
vez que ele está na Febem
ele tem que se comportar
como um Febem... Exi- plomas e sistemas e orde- giados por 03 ou quatro
ge a capacidade delinqüir namentos jurídicos. monitores de pé.
dentro da instituição sem No caso dos adoles- São nestas condições
ser punido ou descoberto, centes sob medidas sócio que estão abrigados mi-
burlar todas as normas de educativas é necessário lhares de meninos na uni-
segurança. igualmente que todos dades da febem para in-
O processo da forma- esses valores sejam co- frator em São Paulo que
ção da identidade crimi- nhecidos e vivenciados estão cumprindo penas
nosa possui um objetivo, durante o seu tempo de Sócio Educativas pre-
ao controle dos corpos permanência nestas uni- vistas pelo ECA, em um
restringe não só a liberda- dades. Sempre seguida de país democrático as luzes
de de ir e vir, a vida insti- uma rotina entediante, e do século XXI. No século
tucional, e social, a forma ociosa tudo o que poderá dos direitos humanos, po-
de andar, de se vestir de acontecer ocorre apenas demos assistir pela televi-
gesticular, a cabeça baixa, no campo das idéias, a são as rebeliões ao vivo e
as mãos para traz. O sim estrutura física determi- o confinamento destes jo-
senhor e não senhor , he- nam o espaço o lugar, a vens como na antiguidade
rança da colonização, das cama a mesa e o assento dentro das masmorras.
relações feitores e escra- nas horas da refeição do Esses jovens que pas-
vos permanece no interior interno, seus muros são sam 24 horas do dia tran-
das instituições através altos, sem janelas apenas cados nas suas celas, cuja
da herança do militaris- pequenas aberturas, beli- única visão e o pátio de
mo da época da ditadura. ches de cimento, grades cimento. Quando saem
A Declaração Universal de ferro, mesas e ban- em turnos para tomar sol
dos Direitos Humanos cos de cimento, a televi- sentam se em pequenos
consagrou inúmeros va- são encaixada na parede, grupos, procurando uma
lores que passaram a ser onde sentados no cimento sombra ao sol do meio
adotados por diversos di- do chão se, mexer são vi- dia sob a vigilância dos
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monitores. Sempre apa- vivem em situação de desigualdades que se en-
vorados com o perigo de vulnerabilidade, cabendo contra a população negra
uma possível rebelião, a ele promover políticas brasileira produz em re-
pois serão os primeiros a públicas que coloque lação a adolescência ne-
servir como reféns, os mo- o adolescente a família gra um quadro perverso
nitores, são os únicos que como prioridade nas suas de preferência a respon-
tem contato o tempo todo políticas sociais. As fa- sabilização.
com os jovens infratores, mílias negras e pobres Assim todos os direitos
os técnicos psicólogos, as- merecem políticas publi- garantidos pelo ECA ou
sistentes sociais permane- cas que visem estruturar- seja direto a vida a saúde,
cem no setor administrati- se para que possam evi- a liberdade ao respeito e
vo. Os jovens vivem entre tar o abandono, princi- a dignidade e o direito a
grades de ferro e paredes palmente dos jovens que convivência familiar e
de cimento a presença da se encontram em medida comunitária a educação
Natureza é a visão que sócio educativa, é neces- a cultura ao esporte e la-
vem do alto o céu azul os sário que o Estado cum- zer a profissionalização
jovens internos, ficam o pra com suas responsa- e a proteção ao trabalho
tempo todo no ócio arqui- bilidades, fiscalizando e devem estar contempla-
tetando fugas e rebeliões, acompanhando e reivin- dos na elaboração de po-
mesmo que essas pareçam dicando a melhoria nas líticas publicas. A Inte-
impossíveis. condições do tratamento gridade física e mental o
e prioridade para este pu- Estado é o responsável,
Direitos e Humanos blico específico inclusive a Constituição Federal ,
no que se refere ao orça- ECA, Convenção Sobre
Os artigos 227 da mento. os Direitos da Criança,
Constituição Federal e 4. A responsabilidade do Regras Mínimas Admi-
Do ECA estabeleceram Estado frente aos trata- nistração da Justiça Ju-
a co-responsabilidade dos e convenções que o venil, Regras de Beijing,
da família, comunida- Brasil é signatário ainda Declaração e Plano de
de e sociedade em geral implica em fortalecer as Ação da Conferencia de
para assegurar por meio redes sociais de apoio Viena, Declaração e Pla-
da promoção e defesa para aqueles que se en- no de Ação de Durban.
dos direitos das crianças contram em desvantagem Garantem a todo ser hu-
e adolescente. Para cada social, conjugar esforços
um destes atores sociais para garantir o compro- REFERÊNCIAS
existem atribuições dis- metimento as sociedade, BIBLIOGRÁFICAS
tintas, porem o trabalho através da conscienti-
de responsabilização e zação da população dos Mendigos Moleques e Vadios- Walter
conscientização devem efeitos nefastos do racis- Fraga Filho
Ilusões da Liberdade- Marisa Correa
ser continuo e recíproco. mo e do preconceito con- Filhos do Governo – Roberto da
Cabe ao Estado maior tra este jovens, uma vez Silva
responsável pela Impo- que como pessoas em si- ECA- Estatuto da Criança e do
sição desta Identidade tuação peculiar de desen- Adolescente
Ordem e Castigo no Brasil
Criminosa, a promoção e volvimento são sujeitos A Criança e a Febem
garantia dos direitos hu- de direitos e responsa-
manos destes jovens, que bilidades. As profundas
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