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RESUMO
ABSTRACT
The present article will make a theoretical and philosophic boarding of a legal institute,
destined to resolve specifically the problems generated by mining activity in Amazon,
and is designated: transgenerational reparation of the social and environmental
damages. The mining activity is a hiperextensive economic activity in time, so, beyond
its long length, the social and environmental damages, caused even after the mine is
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
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closed, also include wide time extension, in such a way several generations are affected
as during the mine operation as after its closing. In its turn, the banking sector is crucial
for the mining activity happen, for that reason its civil and environmental responsibility
will be analyzed in a transgenerational context. The environmental law distinguishes the
temporal element of juridical relations, so when preview the protection of future
generations, concludes creating relations between members of the present generation
(intragenerational) and members of the different generations (intergenerational). This
way, the transgenerational reparation emerges as a mutational law hiperextensive in
time. The present era for which world advances, of energy transition, remits to
reflections about security notion. The long temporal range of transgenarational
reparation also remits to reflections about time notion. As philosophical base, Niklas
Luhmann sees the law as an autopoietic system (self-made and self-ruled) structurally
coupled to the other subsystems immersed into society (other sciences), from which
takes off essential elements for its evolution. The astrophysique, structurally coupled to
pos-positivism, allows to thinking time inside intergenerational and juridical relations,
as an way to justify a hiperextensive law in time that transcends several generations.
INTRODUÇÃO: O PROBLEMA
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A exploração de minério na Amazônia, precisamente a lavra realizada por
grandes empresas, é um dos principais motores econômicos da região, mas em
contrapartida representa um dos principais fatores de pressão ecológica e
socioambiental, significando uma atividade de alto risco para o frágil bioma amazônico
(Barcelos, 2002 e Reis, 2001). O Centro de Tecnologia Mineral - CETEM, instituto de
pesquisa vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, ao elaborar um banco de
dados socioeconômico e ambiental sobre a mineração na Amazônia, constatou que esta
região "tornou-se atualmente a última fronteira mineral. Essa região, contudo, é social e
ambientalmente sensível, pelas particularidades do ecossistema que abriga e pela sua
história de ocupação territorial" (Lima, 2002, p. 1).
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advindos são assumidos como necessários. Porém, não se deve olvidar que a reparação
destes danos também constitui princípio basilar de direito ambiental e que encontra-se
vinculado especificamente à mineração, conforme previsão legal do art. 225, § 2º da
Constituição Federal.
Por outro lado, a atividade de mineração para que possa acontecer depende, de
forma fundamental, dos financiamentos bancários. Mais do que um negócio de grande
porte, a mineração é um tipo de empreendimento de gigantesco porte, exigente de
imensas quantidades de capital financeiro. Esta característica é reveladora de uma
íntima relação entre a atividade de lavra mineral e o financiamento bancário, de uma tal
forma que é impossível vislumbrar grandes projetos mineradores sem a presença de um
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banco que lhe dê suporte financeiro. Entre 1994/1999, o BNDES sozinho participou da
composição financeira de empreendimentos de mineração numa proporção de 61% do
total de capital investido, além de contribuir com pesquisas geológicas com objetivo de
participações futuras no produto da lavra (BNDES, 1999, p. 32). Isto comprova a íntima
relação que existe entre bancos e mineração, uma relação quase societária.
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necessário, em nome da dignidade das atuais e das futuras gerações, e também em prol
da continuidade da civilização mundial.
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que, relativamente aos destinatários futuros, já terá se tornado obsoleto, já terá se
tornado legislação pretérita e ultrapassada?
A dúvida acima faz todo o sentido, já que o direito ambiental visa proteger os
interesses de gerações futuras. No caso específico da mineração, após o fechamento da
mina, todos os descendentes da geração contemporânea ao fechamento também sofrerão
danos. Conforme foi explicitado na parte introdutória deste artigo, as populações que
convivem no entorno de um empreendimento minerador são historicamente
abandonadas após o fechamento da mina e mergulham em uma cultura de pobreza de
modo a sobrecarregar toda a infra-estrutura de serviços públicos que, sem a arrecadação
financeira que possuíam durante a atividade mineradora, também entram em colapso
gerando toda sorte de distúrbios socioambientais.
2 REPENSANDO O TEMPO
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transcorre sempre em um mesmo sentido e em uma mesma velocidade, dentro de um
cenário passivo onde aos seres humanos restava apenas ver o tempo passar.
Tais ilusões deixam de ocorrer quando se analisa o mesmo fenômeno acima sob a
ótica e sob as noções da astrofísica, campo de conhecimento segundo o qual tempo e
espaço são dimensões indissociáveis e que formam uma dimensão cosmológica
denominada "espaçotempo", o qual é curvo, representa a história do Universo inteiro e
onde cada ponto espacial é um evento histórico (Hawking, 2005, p. 106 e 154). A teoria
da relatividade estende o nosso conceito de tempo para essa nova situação, mas, ao
estendê-lo, modifica-o, e a ferida é funda. A descoberta de que o tempo não é mais o
que acompanhou o homem por toda a infância, comove-o profundamente (Fleming,
1989a). Numa interpretação de Hawking, e que pode ser aplicada ao direito ambiental, o
físico da USP (idem) completa dizendo que:
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No conceito de espaçotempo as pessoas "estão" situadas, portanto, como se
estivessem ocupando "um lugar no tempo" e não uma existência no tempo. Na
concepção cosmológica, portanto, os danos ambientais têm uma dimensão
espaçotemporal complexa. Com a emergência dos problemas ambientais, a escala de
tempo foi expandida para séculos e milênios e, neste ponto, faz-se necessário um novo
olhar sobre o tempo. Até por volta do último quartel do século XX, os economistas
estavam acostumados a raciocinar o tempo em suas equações econômicas em termos de
anos ou, no máximo décadas, porém a questão ecológica ampliou esse horizonte para
séculos e milênios (Sachs, 2002, p. 49). Os danos ambientais, em sentido lato,
apresentam a peculiaridade de afetarem coletividades difusas e extensas de pessoas, o
que exige ampliação e redefinição dos institutos de direito civil e de processo civil
(Sampaio, 2003, p. 270).
Assim, uma conduta praticada por gerações passadas e que, no seu aspecto
temporal, venha a produzir danos somente em relação a gerações futuras, pode ser
tratada na ótica objetiva do espaçotempo como danos praticados entre vizinhos, como
ocorre no direito de vizinhança. Pois sendo o tempo e o espaço dimensões
indissociáveis, torna-se equivocado o raciocínio humano de perceber o decurso do
tempo como a flecha que transcorre de forma unilinear e contínua em uma única
direção, em um único sentido, em uma única velocidade. Na verdade, o senso comum é
que traduz um tempo que "transcorre". Merece reflexões.
Com freqüência, os humanos percebem o tempo como uma flecha que segue
inexorável, sempre do passado em direção ao futuro, de forma linear e numa única
direção, em um único sentido. A complexidade ambiental, todavia, requer uma postura
reflexiva, de modo que é preciso repensar espacialidade e temporalidade (Leff, 2003, p.
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196). Os humanos percebem o tempo (ilusório e subjetivo) como algo que está sempre
"andando" para frente, sendo que nesta ótica subjetiva, o tempo pode "parar" também,
conforme a força gravitacional seja intensa e massiva sobre o observador (Hawking,
2005, p. 85 e 90).
Neste ponto da reflexão, pode-se dizer que o ser humano vive uma ilusão de ótica
nas questões que envolvem tempo passado, tempo presente e tempo futuro, assim como
vivia uma ilusão de ótica relacionada ao suposto formato plano da Terra. Por não ter
uma visão ampliada e distanciada do planeta, antes da invenção do telescópio e das
grandes navegações do século XV, a humanidade acreditava ser o planeta Terra plano e
chato, onde os oceanos terminavam numa grande cachoeira que caía pela beirada do
planeta.
De igual forma, ainda hoje, por não ter uma visão ampliada e distanciada dos
fenômenos ligados ao tempo, especialmente os efeitos da gravidade que tornam o tempo
subjetivo algo relativo (o que é passado para um observador, pode ser futuro para outro
de acordo com a intensidade do campo gravitacional onde cada um esteja localizado); a
humanidade não percebeu os efeitos e os significados revolucionários que decorrem da
junção tempo e espaço como elementos indissociáveis da superfície conhecida por
espaçotempo. Assim como a invenção do telescópio provocou uma revolução silenciosa
que quase ninguém percebeu, a descoberta do espaçotempo e de suas implicações para a
humanidade ainda é algo pouco percebido ou quase nada explorado na vida prática e
cotidiana das pessoas.
Após a invenção do telescópio, porém, descobriu-se que a Terra era que girava
em torno do Sol. Com isso aconteceu uma "perda da verdade tradicional", baseada no
senso comum e nos olhos do corpo, pois a partir do telescópio o ser humano descobriu
que não mais podia confiar nem mesmo nos seus próprios sentidos corporais, os quais
lhe traíram (Arendt, 2008, p. 287 e 307).
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Neste sentido, é lícito dizer que a percepção atual que os seres humanos têm
sobre o decurso do tempo é algo também ilusório, como afirmado por Fleming ao
explicar a diferença entre tempo subjetivo (marcado nos relógios) e tempo objetivo
(espaçotempo), mas também porque o senso que as pessoas têm sobre o tempo está
baseado apenas no próprio sentido corporal, baseado apenas nas próprias sensações
físicas que, conforme acima demonstrado, não constituem uma base muito segura para
definir a verdade sobre um fenômeno. É preciso despir a humanidade de todas as
sensações e aprendizados que acumulou sobre a noção de tempo, para que se possa
pensar e repensar o espaçotempo em termos cosmológicos e, a partir daí, pensar direitos
e relações jurídicas transgeracionais na ciência ambiental.
Pensar o espaçotempo, e todas as implicações que esse conceito pode trazer para
a vida cotidiana no planeta Terra, é uma experiência radicalmente nova e
profundamente chocante que causa uma ferida profunda no íntimo de cada ser humano,
pois divorciada dos paradigmas e das estruturas que marcaram a base do raciocínio
humano desde a origem da espécie humana há milhões de anos atrás. Por exemplo, a
estrutura binária do raciocínio humano. Segundo essa característica, os humanos só têm
duas e exclusivas opções para pensar e tomar decisões na vida: falso/verdadeiro,
claro/escuro, quente/frio, sim/não, largura/comprimento, tempo/espaço, etc.
As gerações futuras podem ser pensadas como populações vizinhas das gerações
presentes, assim como estas gerações presentes e atuais são vizinhas das populações
passadas. Lesar uma geração futura é o mesmo que lesar um vizinho situado no mesmo
plano espaçotemporal. Passado, presente e futuro são meros pontos espaçotemporais,
meras coordenadas de uma mesma dimensão cosmológica, também espacial só que
quadridimensional, onde o tempo funciona como quarta coordenada do espaço
tridimensional já conhecido. Neste cenário astrofísico e cosmológico, as diferentes
gerações (passadas, atuais e futuras) estão simplesmente situadas ao longo das
coordenadas de um certo espaçotempo.
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Por ser este um tema que se encontra na fronteira do conhecimento, sendo
complexo e profundo até mesmo para os cientistas que se debruçam diuturnamente
sobre ele, como Stephen Hawking, existe certa especulação sobre universos e
existências paralelas. Especula-se nos meios astrofísicos sobre populações que, para nós
são chamadas de "passadas", estariam levando suas vidas paralelamente em algum
ponto do espaçotempo, ponto esse considerado "evento" ou "acontecimento". O mesmo
pode ser dito, especulativamente, em relação às populações "futuras", que por estarem
levando suas vidas paralelas em algum ponto das coordenadas de espaçotempo, podem
ser atingidas por atos da geração "atual" (assim como povos de outro país são atingidos
por atos de nações vizinhas).
Para delinear as bases filosóficas do instituto, será feita uma breve abordagem
sobre o jusnaturalismo, especialmente os motivos astrofísicos que levaram à sua
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derrocada, como forma de reforçar correntes filosóficas que lhe são opostas (pós-
positivismo, historicismo e sociologismo), mas que podem solucionar a questão das
bases de um direito mutante e hiperextensivo no tempo como é a reparação
transgeracional de danos socioambientais. Ao final da exposição sobre cada uma destas
bases filosóficas, será demonstrada de que forma ambas se interpenetram e se
interconectam numa ótica de sistemas autopoiéticos.
Referido direito natural é um direito ideal, um direito supremo e, por isso, eterno,
universal e imutável a servir de modelo perfeito, para o legislador, como expressão do
direito bom e justo (Fiuza, 2000, p. 42). Universal, eterno e imutável porque conforme a
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natureza do Universo Cósmico e, também, porque conforme a natureza humana que,
segundo os jusnaturalistas, possuiriam tais características.
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em um mundo revolucionado pelas tecnociências cibernéticas; o direito hoje é mutante
autopoiético (Casanova, 2006, p. 268).
Só isso já seria suficiente para mostrar que o propalado direito jusnatural não
existe nem nunca existiu, mormente sob as pseudo características de universal, eterno e
imutável.
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Jared Diamond. Segundo a cosmologia de Hawking, o século XX viu transformada a
visão de mundo do homem, pois descobriu-se que "o tempo e o espaço são curvos e
inseparáveis, que o universo estava se expandindo e que teve um começo no tempo"
(2005, p. 89). Logo o universo não é estático ou imutável, nem eterno como foi
proposto durante vários séculos pelos defensores da corrente do jusnaturalismo.
Assim que chegar ao seu fim, irremediavelmente levará o Planeta Terra junto
para o colapso, o que afasta por mais este motivo a idéia jusnaturalista de um direito
natural eterno.
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vizinhos, contribuiu para derrocar a idéia jusnaturalista de leis físicas supostamente
universais. Observações e medições realizadas através do Telescópio Espacial Hubble,
que focaliza raios X e raios gama ao invés de luz visível, comprovaram empiricamente a
existência dos buracos negros (Hawking, 2005, p. 85). Tal fato permitiu comprovar
aquilo que Eisntein já defendia através de suas equações: a de que não existe um tempo
absoluto e linear, mas que existem diversos tempos relativos e curvos, os quais são
intimamente influenciados pela força da gravidade.
A cosmologia de Hawking mostrou que as leis físicas que regem o Universo não
são tão universais, pois diante de algumas singularidades todos seus postulados
despedaçam-se. Além disso, ficou provado que o Universo em si está em expansão e
que não existe tempo absoluto (eternidade), mas apenas percepções diferentes do tempo
conforme a força gravitacional seja maior ou menor em relação ao observador.
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natural é eterno, imutável e universal porque conforme a natureza humana, a qual teria
estes mesmos atributos.
Isto reforça sua idéia de que o ser humano é apenas mais um animal na natureza,
com os mesmos instintos, bons ou ruins, que seus ancestrais primatas; mas por ter
desenvolvido cultura criou leis para regular e evitar condutas danosas ao corpo social
coletivo. Diamond destaca como traço distintivo da espécie humana, e que a diferencia
dos demais animais, a habilidade de fazer um fino controle dos sons vocalizados em sua
laringe. A linguagem só foi possível ao ser humano em decorrência da especial
evolução de sua laringe, o que lhe possibilitou desenvolver e transmitir cultura. Para
Diamond, o ser humano é o "terceiro chimpanzé", um chimpanzé sem pêlos e muito
aculturado (ibidem).
Sob tal ótica, é lícito afirmar que qualquer outro chimpanzé que vier a passar
pela mesma evolução de sua laringe, tenderá a desenvolver fala e linguagem, tornando-
se também capaz de racionalizar, criar, preservar e transmitir cultura tais quais os seres
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humanos. Estes resultados da pesquisa de Diamond, permitem afirmar que a natureza
humana não é universal nem superior, mas contingencial e integrada ao processo
evolutivo das espécies. Por ter desenvolvido a laringe e a fala pôde, assim, o ser
humano produzir cultura.
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conhecidos da humanidade, proibiu, por lei própria, que no futuro viessem suas leis a
serem reformadas" (Bastos, 1992, p. 13).
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Importante relembrar porém, antes de adentrar-se nas considerações do paradigma
científico autopoiético, que até o século XIX as construções teóricas do direito e demais
ciências eram fortemente influenciadas pelo paradigma científico mecanicista
Newtoniano.
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umas às outras. É o caso, por exemplo, da aproximação do sociologismo e do
historicismo com o pós-positivismo. Os países continentais, cujos sistemas jurídicos são
o civil law, ainda guardam forte influência juspositivista em seus ordenamentos, e "são
acentuadas as reações às propostas de dinamização e ampliação dos espaços
interpretativos do direito" (Bastos, 1992, p. 14).
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O constitucionalismo moderno promove uma volta aos valores, uma
reaproximação entre ética e Direito. Migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses
valores compartilhados por toda a comunidade, em dado tempo e lugar, "materializam-
se em princípios que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou
implicitamente" (Barroso, 2004, p. 326). A Constituição passa a ser encarada como um
"sistema aberto" de princípios e regras, permeável a valores jurídicos suprapositivos, no
qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais desempenham um
papel central. O princípio da dignidade da pessoa humana despontou no Brasil nos
últimos anos como um valor civilizatório relacionado a condições materiais de
subsistência (idem, p. 328 e 333/334).
Léon Duguit, sociologista, inaugura esta corrente filosófica aduzindo que havia
uma verdadeira "revolta dos fatos contra os códigos", que o dinamismo da sociedade
ultrapassa o rigorismo da lei e a sobrevivência do Direito depende de sua constante e
sucessiva adaptação às inclinações éticas, morais e econômicas da sociedade (ibidem, p.
19). Neste processo adaptativo provocado pelas alterações de ordem moral ou
econômica, ou pelo aparecimento de novos fatos sociais, é que a jurisprudência assume
papel significativo, não apenas como fator de aplicação do direito, mas como fator de
modificação. Sem abandonar o mínimo necessário de segurança e previsibilidade, o
pós-positivismo pode abrir-se aos valores sociais contemporâneos e futuros, utilizando-
se de uma exegese aberta dos princípios normatizados que regem o sistema jurídico e
pairam sobre as regras.
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O sistema hipercomplexo, jurídico, filosófico e científico, que surge de todas
essas combinações, interconexões e transposições, é que vai permitir a concretização da
reparação transgeracional de danos ambientais advindos da mineração na Amazônia,
como um direito mutante hiperextensivo no tempo, um direito do futuro.
A Constituição Federal, em seu art. 225, caput in fine, impõe ao Poder Público
(no qual está incluído o Poder Judiciário) o dever de defender o meio ambiente "para as
futuras gerações", dever imposto a "todos" como expressão do princípio da
solidariedade. Conforme demonstrado na introdução deste artigo, o setor bancário atua
como condição sine qua non para a realização da atividade mineradora, numa relação
quase societária. A Constituição Federal dispõe em seu art. 192 que o sistema financeiro
nacional destina-se a promover o "desenvolvimento equilibrado do País" e que deve
"servir aos interesses da coletividade", expressões essas que consagram o basilar
princípio de direito ambiental do desenvolvimento sustentável, e o vinculam
especialmente aos bancos.
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Ao ressalvar a expressão "sem prejuízo das penalidades definidas pela
legislação federal", o art. 14 da Lei nº 6.938/81 amplia o alcance do dever reparatório e
permite que outras disposições previstas em lei federal possam ser usadas como base da
reparação transgeracional. Neste sentido, o art. 944 do Código Civil brasileiro pode
servir como critério quantificador para definir a extensão temporal da reparação
transgeracional, pois prevê que "a indenização mede-se pela extensão do dano".
Conforme foi demonstrado, as noções de tempo e espaço foram ampliadas após as
descobertas científicas da astrofísica e, também, pela ecologização do pensamento.
Tempo e espaço foram unidos em um mesmo conceito, onde o espaçotempo é o palco
dos acontecimentos da vida humana.
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Dos princípios constitucionais acima, é que se extrai uma exegese do art. 14,
IV, § 1º da Lei nº 6.938/81 para que, no momento em que forem constatados danos
socioambientais provocados pela mineração, seja incluída na parte dispositiva da
sentença condenatória o dever do banco financiador de reparar as populações atingidas
sob a forma de projeto de desenvolvimento, pois a isto o sistema financeiro nacional foi
destinado constitucionalmente.
Há, portanto, risco da sentença prolatada no presente não mais ser adequada no
futuro. Neste caso, o historicismo e o sociologismo jurídicos permitem pensar essa
reparação como um direito mutante que, de forma autopoiética, terá o seu cumprimento
redefinido no tempo com a participação das populações destinatárias, as quais irão
informar o juiz contemporâneo sobre suas necessidades em audiências públicas, com
participação de peritos que em cada época irão auxiliar na redefinição das bases do
projeto desenvolvimentista.
A base legal para essas redefinições está contida no art. 471, I do Código de
Processo Civil brasileiro, cuja aplicação aos processos coletivos é autorizada pelo art.
19 da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), no sentido de permitir ao juiz
reexaminar uma questão já decidida quando, tratando-se de relação continuativa, houver
modificação no estado de fato ou de direito. A reparação será redefinida pelos próprios
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destinatários ao longo do tempo. Eventual empecilho que este reexame possa sofrer pelo
dogma da imutabilidade da coisa julgada, é facilmente superado ao considerar-se que a
noção de segurança que inspirou a elaboração deste instituto jurídico não mais se faz
presente nos dias atuais.
CONCLUSÃO
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(entre gerações presentes), tratando o dano intertemporal como um dano cometido entre
vizinhos espaçotemporais.
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