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coleção
KRAFT
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KRAFT. Sf, Kräfte 1 força, vigor, energia. 2 potência. aus
eigener Kraft pelo próprio esforço. außer Kraft sein estar
revogado, sem efeito. in Kraft sein estar em vigor.
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Rita
Barros
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Rita
Barros
Rio de Janeiro
2015
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O espanto do achado
por Simone Homem de Mello
- 11 -
linha 1: azul - 15
binóculo nos olhos da minha amiga - 17
Drosophila fibonacci - 18
céu de dias tristes - 20
La Pavlova - 22
cinemática - 25
línguas negras - 28
restaram cristais - 31
as maquetes, o páreo, o prado
e um desespero agradável - 33
lot - 39
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O espanto do achado
por Simone Homem de Mello
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do metafórico, considerando-se sua mais direta
tendência de concretizar o abstrato, os poemas
de Rita destilam a abstração do fenômeno
observado.
Aliás, a observação é central no gesto
científico-empírico encenado ao longo do livro,
verificável não apenas nas referências a cientistas
e a conceitos da Física. O que alguns poemas
encenam, ao perfazerem o movimento de uma
investigação empírica, é – no entanto – um
insight existencial, a descoberta do observador
inicialmente não participativo como objeto e
motor do experimento.
O repertório de construção poética é
diversificado; singulariza-se – no entanto – pelo
alvo comum do encaixe final e da surpresa por ele
gerada. Ao longo do voo de uma ave de rapina,
perfaz-se um poema no qual todas as imagens
disseminadas ao longo dos versos fazem sentido
repentino, a posteriori, com o desvelamento final
do destino do pássaro: as luvas do adestrador.
A encenação do achado (Eureka! = Encontrei!)
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é altamente elaborada. Um dos artifícios é
criar trajetórias distintas para as imagens e,
posteriormente, fazê-las convergir em uma co-
incidência. O que caracteriza a complexidade
simples (coisa altamente rara) destes poemas é a
sua alinearidade bem arquitetada.
Grande, portanto, a surpresa do achado Rita
Barros. E feliz o acaso (?) de sua estreia em uma
coleção com tanto tino gráfico-editorial.
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linha 1: azul
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fragmentos de palavras giratórias e pessoas-
espaguete
contentava-me com elas
decidi ficar
e foi assim que me mudei
para debaixo da escada
rolante uma escada rolante não tem
fim
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binóculo nos olhos da minha amiga
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Drosophila fibonacci
O POUSO
quase toca a ponta de um círculo o atrito
é silencioso e protege o núcleo o núcleo
oculta uma promessa adormecida
mo
s
ca
.
que carmen
a pequena notável
afastava do casquete num aceno hostil
não anseia esclarecimento
20
O OLHO COMPOSTO
rubro e primitivo é mensageiro de alegrias binárias
tolas e suaves na paisagem das fruteiras
mo
s .
. ca
s
.
não pensam em si
[]
21
céu de dias tristes
: salgar a pele e os olhos
a terra o chão o deserto
[maresia de vidro moído]
esfrego muito
os vidros sujos do trem
...é inútil
continuam embaçados
22
[ ]
penso se seria
a ausência de ½ luz
na película fumê
a outra metade dela
na paisagem
a gordura passageira dos dedos
ou a fuligem do carvão
ou ainda
esse clima opaco
[ ]
concluo.
23
La Pavlova
Virginia
queimando só num cinzeiro lotado de guimbas
ensaia um movimento aéreo
uma ação
e algo acontece no interior das chamas
uma vez
trouxeram-me
embrulhada num papel
de seda ou de pão não
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me recordo uma noite uma
pequena caixa de madeira
com uma canção menor ainda dentro
que escuto atenta
agora
no porta-jóias
uma bailarina
dança e fuma comigo
tragando em sincronia
pares de silêncio meditativo
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sim, e nos dedos finos e longos
cigarros Virginia Slims
esculpem anéis de fog
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cinemática
|princípio da incerteza|
|momento angular|
27
sim, meu amor; contudo
um relógio quebrado
não é uma bússola; veja
não há destino onde pisamos
e o céu é só silêncio
ele nada diz
|torque|
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estou no décimo
sexto andar e da janela sei apenas
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línguas negras
silenciosa e altiva
o mergulho no ar
vacila e se perde
vacila e se perde
faminta
destituída de sua potência
a ave paira, mas não pousa
tarda, pétrea
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[esta é uma tolerância que vem dos tempos
as luvas serviam
e ainda servem
para servir
proteger
ocultar
ferir
enfim
amansados os corpos
repousá-las num trono de ossos]
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a ave restaura as clareiras do cativeiro
buscando aterrissagem nas luvas do adestrador
sua língua negra a céu aberto
grasna, ávida de carne
e as garras inúteis
ainda assim
perfuram
escorre
dói
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restaram cristais
hoje
impetuosa
ela crava e quebra
unhas cabelos e ossos
insuportável
a celeridade
que conduz o som
da glote aos dentes
os meus
estilhas duras e frágeis
agora recolhem-se à pá
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mas insuportável mesmo
é essa lufa
seu sopro levando as sobras
[se palavras
mareiam ou acetam
é porque restaram
cristais de açúcar no fundo da xícara]
por isso
mexo pouco
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as maquetes, o páreo, o prado
e um desespero agradável
35
I. as maquetes
[também endurecemos]
[a crueldade puída]
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II. o páreo
concêntricas e preciosas
estas maquetes de Vênus orbitam
a pele e os gestos
não...
o que há
é um fio de areia escoando
uma ilha dentro de uma ampola
o sexo oculto na espuma da banheira
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morangos mofados, o tempo e sua proa
saciada num barril de sêmen, lançando-
nos todos
ele
eu
você
ao mar
[e somos]
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III. o prado
as maquetes
porque adornavam
meu colo, o alvo
a cobiça, nossos gestos
grosseiros, encenamos
a fatal arrebentação
- o colar!
39
IV. um desespero agradável
o colar
que tento ainda reconstituir
tantos grãos
de areia em nossos olhos.
este poema
40
lot
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um lugar
ancora o tempo
e o tempo é de castigo
lágrimas
uma gota escorreu
entre as coxas
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impuras
colunas de sal seu gosto
alcalino e antigo
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num deserto
de mármore eu me deito
despida
de pernas abertas
imóvel
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humilhada por esta miragem
não quero que me vejam assim
por favor, feche os olhos
enquanto desejo
lugares onde habitam os mortos, meu gozo
na boca de deus
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coleção
KRAFT
Novíssimos poetas em sua primeira
recolha impressa.
1 - Fernanda Morse
2 - João Gabriel Ascenso
3 - Liv Lagerblad
4 - Heyk Pimenta
5 - Sarah Valle
6 - Mariana Campos
7 - Rita Barros
8 - Rafael Zacca
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Cozinha Experimental
editoracozinhaexperimental.blogspot.com.br
editores responsáveis:
Manolo Santacruz e Barateza Duran
coleção
KRAFT
conselho editorial:
Marcelo Reis de Mello, Diana Klinger,
Aline Rocha e Germano Weiss
diagramação:
Barateza Duran
revisão:
Aline Rocha e Marcelo Reis de Mello
contato
ritacbarros@gmail.com
B277r
Barros, Rita.
Rita Barros: poemas / Rita Barros. — Rio de Janeiro:
Cozinha Experimental, 2014.
48 p. ; 18 cm. – (Kraft; v.5)
ISBN 978-85-910354-7-2
CDD: 869.1
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Impresso na gráfica PSI7, em papel pó-
len Soft 80 gr. e finalizado nas oficinas
da Editora Cozinha Experimental em
maio de 2015.
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