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Resumo
Abstract
In Twenty years of crisis, 1919-1939, fundamental work for the Theory of International
Relations, Edward Hallet Carr distinguishes two currents of thought: on the one hand
the Idealism or utopian thought and on the other Realism. According to Carr, Idealism
was originated in classical liberal thought and after the First World War acquired
predominance among bureaucrats, statesmen and intellectuals, who remain in the scope
of ideas, without correspondence with reality, in the treatment of international relations
and the problems of war and peace. From criticism of Idealism, Carr conceives what he
calls Realism. Although it is often concealed, this author's conception refers to the
writings of Marx and Lenin. Therefore, the main aim of this text is to demonstrate that
the Realism presented by Carr converges to the thought of Marx and Lenin.
Introdução
De acordo com Carr, o pensamento liberal tem sua base na doutrina da harmonia
de interesses, segundo a qual o interesse do indivíduo e o interesse da comunidade
coincidem: ao almejar seu interesse próprio, o indivíduo visa ao da comunidade
simultaneamente e ao promover o interesse da comunidade, promove seu próprio. Se os
interesses da parte são iguais aos interesses do todo, não é necessário qualquer agente
externo que coloque os interesses em harmonia. Em outras palavras, se os interesses do
indivíduo e da comunidade coincidem, não é necessária intervenção de “agente externo”
(estatal). Segundo Carr, a verdade dos liberais para os indivíduos passou a valer para as
nações: assim como no plano doméstico, as nações visando ao seu próprio bem, servem
à humanidade; a realização do interesse econômico de cada nação pelo livre comércio
universal se identifica com o interesse econômico do mundo inteiro. Uma vez que as
nações desejam a maximização dos seus interesses econômicos, desejam
consequentemente a paz, pois sem esta não há relações econômicas entre as nações.
Esse pensamento liberal se tornou comum entre burocratas, estadistas e intelectuais na
Europa após a Primeira Guerra Mundial, o que escondeu a existência de divergência de
interesses entre as nações, particularmente entre aquelas interessadas em manter o status
quo das relações internacionais (aquelas para as quais o Liberalismo serve como prática
nas relações internacionais e beneficiam-se politica e economicamente dele) e aquelas
interessadas em mudá-lo. O que o pensamento liberal promoveu foi no plano
internacional um discurso retórico pela paz como ideal a ser alcançado pelos princípios
liberais, que os países deveriam seguir, orquestrado pela LN, e no plano nacional uma
ideologia (no sentido de falsificação da realidade) das classes dominantes.
1
Nesta passagem o autor se refere ao fato de que a LN, alicerçada em princípios liberais, não evitou a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
da comunidade como um todo (CARR, 2001,
p. 61).
Então, Carr concebe o segundo tipo de Realismo – que ele considera virtuoso –,
o qual contem os quatro elementos excluídos pelo primeiro, que são elementos utópicos.
Denominamos então o primeiro de Realismo completo, que ao excluir os elementos
mencionados, caracteriza-se por ser a-histórico, empirista, axiomático e contemplativo,
opondo-se respectivamente às quatro características contidas no segundo Realismo (A,
B, C e D), o Realismo utópico, uma síntese entre Realismo e idealismo. “Voltamos,
portanto, à conclusão de que qualquer pensamento político lúcido deve basear-se em
elementos tanto de utopia, quanto de realidade” (CARR, 2001, p.123). O que nos leva a
celebre passagem de Marx sobre o método da economia política:
O poder econômico está intimamente ligado ao poder militar, uma vez que na
prática é impossível tanto a ocorrência de fenômenos em que economia e política
estejam separadas, como propõe os liberais, quanto que o movimento das forças
políticas se estabeleça como mero assessório das forças econômicas, como propõe os
marxistas economicistas. A projeção do poder econômico de um Estado se manifesta na
exportação de capital e no controle de mercados estrangeiros. No primeiro, a exportação
de investimento produtivo ou especulativo para o exterior em busca de maiores taxas de
lucro é promovida por investidores privados que gozam de amparo governamental ou
apoio diplomático. É uma antiga prática dos Estados europeus, cuja “política do
imperialismo do século dezenove estava baseada no desenvolvimento das partes
atrasadas do mundo por meio do investimento de capital europeu” (CARR, 2001, p.
163), acompanhada de canhões. No segundo, é impossível saber se o poder é usado para
adquirir mercados ou se estes são buscados para estabelecer e fortalecer, mas a luta por
mercados foi pratica recorrente no entre-guerras, que culminou no confronto mundial.
O poder sobre a opinião, que está associado aos anteriores, consiste na arte da
persuasão pela propaganda moderna, processo que se origina num Estado e tem outros
como alvo. A propaganda moderna são os instrumentos que tornam possíveis a
persuasão, rádio, cinema e imprensa, os quais compartilham as características da
indústria moderna, a saber, o monopólio, a padronização e a produção em massa.
Concentrado em poucas mãos, estes instrumentos na política externa facilitam o
controle da opinião de forma centralizada.
2
O pensamento de Carr em Vinte anos de crise é mais amplo que ideia de poder político. Contudo,
devido ao formato do artigo e da proposta deste texto, optamos por destacar essa parte do livro (sobre
poder político) que consideramos a mais importante na teoria de Carr sobre as relações internacionais
(que é também a mais conhecida). É possível abordar seus escritos sobre a moralidade na política
internacional e a relação desta com a hegemonia ou ainda o que ele chama de equilíbrio de forças e sua
influência no conceito de balanço de poder. Entretanto, tais abordagens fugiriam da nosa proposta. Assim
com também fugiria uma possível comparação entre os caminhos que levam à paz em Carr e Lenin.
séculos passados”, p. 128). Sobre o Estado, o único agente relevante na política
internacional para Carr, é o locus do poder político e de sua projeção no plano
internacional. O que chama atenção é a imbricação e a equiparação do poder militar e
do poder econômico, sem predomínio de um sobre outro (sem divisão entre high
politics e low politics). Carr afirma que é difícil saber se o imperialismo é “um
movimento econômico que utilizou armas políticas, ou como um movimento político
que utilizou armas econômicas. Entretanto, não resta qualquer dúvida de que economia
e política marcharam de mãos dadas para o mesmo objetivo” (CARR, 2001, 193).
Percebemos assim que o autor considera o imperialismo uma política expansionista dos
Estados em busca de poder, riqueza e influência. Assim sendo, as relações
internacionais são compostas por unidades políticas, que possuem interesses distintos,
pautados pela política nacional. No plano internacional, estes interesses são atingidos
pela projeção de poder político (militar, econômico, opinião), submetendo a moral, a
ético, o direito a sua dinâmica. “O direito, como Lenin afirma, é „uma expressão da
vontade da classe dominante‟” (CARR, 2001, p.229).
Lenin publicou em 1916 seu mais importante livro para o campo das Relações
Internacionais, O imperialismo, fase superior do capitalismo, o qual abordamos
brevemente a seguir de modo a extrair dele a visão de Lenin sobre as relações
internacionais. Nos países onde desenvolvimento econômico atinge a fase do
capitalismo monopolista, a abundância de capitais cresce e a taxa de lucro decai por
dois motivos: 1) ocorre o aumento da composição orgânica do capital (meios de
produção e força de trabalho que geram valor/riqueza), que produz tamanha massa de
capital ao ponto de não ser absorvida pela produção como investimento novo – e
encaminha-se para os bancos; 2) o aumento do emprego e desenvolvimento da
organização sindical, que dificulta a contratação do exército industrial de reserva e
pressiona o aumento dos salários, diminuindo a taxa de exploração da burguesia. Diante
desta conjuntura nacional, a oligarquia financeira tende a buscar no exterior (onde 1 e 2
não se verificam), por intermédio dos governos dos Estados, maiores taxas de lucro
mediante exportação de capital, não apenas de mercadoria. Lenin chamou de
imperialismo este processo estrutural que forma monopólios e promove a exportação de
capital, com íntima relação entre burguesia e Estado, gerando uma competição intensa
entre potências capitalistas. Nesta concorrência interimperialista as burguesias de seus
respectivos Estados nacionais lutam pela anexação e pelo controle de novos territórios e
mercados, para garantir a reprodução do capital.
Considerações finais
Para Carr a junção entre utopia e realidade é essencial para todo pensamento
político eficaz. O pensamento político lúcido se baseia em elementos tanto de utopia,
quanto de realidade. Assim sendo, como afirma um grande conhecedor com da área de
Relações Internacionais.
O que pretendemos com esse texto foi deixar claro que o Realismo sobre o qual
Carr escreve tem suas bases no Marxismo, uma vez que este: 1) ao juntar teoria e
prática se constitui numa perspectiva realista utópica; e 2) ao pensar a política como luta
de interesses em confronto potencial e como (re)produção de vitoriosos e derrotados,
consiste-se numa teoria política realista.
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