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E. H. CARR, KARL MARX e V. I. LENIN: APROXIMAÇÕES REALISTAS.

Resumo

Em Vinte anos de crise, 1919-1939, obra fundamental para a Teoria de Relações


Internacionais, Edward Hallet Carr diferencia duas correntes de pensamento: de um
lado o Idealismo ou pensamento utópico e de outro o Realismo. Segundo Carr, o
Idealismo tem origem no pensamento liberal clássico e após a Primeira Guerra Mundial
adquiriu predominância entre burocratas, estadistas e intelectuais, os quais, ao tratar das
relações internacionais e dos problemas da guerra e da paz, permanecem no âmbito das
ideias, sem correspondência com a realidade. Da crítica ao Idealismo, Carr concebe o
que denominou Realismo. Apesar de pouco evidenciado, nesta concepção o autor se
referencia nos escritos de Marx e Lenin. Portanto, o objetivo geral deste necessário
texto é demonstrar, no âmbito do Realismo apresentado por Carr, convergências como o
pensamento de Marx e Lenin.
Palavras-chave: Lenin. Carr. Realismo. Relações Internacionais.

Abstract

In Twenty years of crisis, 1919-1939, fundamental work for the Theory of International
Relations, Edward Hallet Carr distinguishes two currents of thought: on the one hand
the Idealism or utopian thought and on the other Realism. According to Carr, Idealism
was originated in classical liberal thought and after the First World War acquired
predominance among bureaucrats, statesmen and intellectuals, who remain in the scope
of ideas, without correspondence with reality, in the treatment of international relations
and the problems of war and peace. From criticism of Idealism, Carr conceives what he
calls Realism. Although it is often concealed, this author's conception refers to the
writings of Marx and Lenin. Therefore, the main aim of this text is to demonstrate that
the Realism presented by Carr converges to the thought of Marx and Lenin.

Keywords: Lenin. Carr. Realism. International Relations.

Introdução

O texto a seguir apresenta na primeira secção a obra de Edward Hallet Carr


Vinte anos de crise, 1919-1939, obra fundamental para a Teoria de Relações
Internacionais, em que o autor diferencia duas correntes de pensamento: de um lado o
Idealismo ou pensamento utópico e de outro o Realismo. O Realismo concebido por
Carr se referencia nos escritos de Marx e Lenin, fato ocultado ou desconhecido por
estudiosos e estudiosas do campo teórico das Relações Internacionais (RI). Com o
intuíto de trazer tona tal referência, ainda na primeira secção apresentamos as
aproximações epistemológicas de Carr com Marx. Já na segunda secção, procuramos
evidenciar as semelhantes proposições teóricas de Carr e Lenin, o que é complementado
com a terceira secção, na quel analisamos o livro deste, Imperialismo, fase superior do
capitalismo. Portanto, o objetivo geral deste necessário texto é demonstrar, no âmbito
do Realismo apresentado por Carr, convergências com o pensamento de Marx e Lenin.
Ao final, breves considerações finais resumem as aproximações existentes.

1.O que é Realismo?

O inglês Edward Hallett Carr nasceu em 1822, realizou seus estudos na


Universidade de Cambridge e entre 1916 e 1936 assumiu posto na pasta de relações
exteriores do Estado inglês, o que lhe permitiu participar da Conferência de Paz em
Paris e de presenciar a assinatura do Tratado de Versalhes em 1919. Retornou à
academia em 1936, na Universidade de Gales em Aberystwyth, onde escreveu seu livro
mais conhecido no campo das Relações Internacionais, Vinte anos de crise: 1919-1939,
publicado em 1940. Voltou a Cambridge em 1953, onde pesquisou a história da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas, cujo resultado foi a publicação de quatorze livros
sobre o tema.

Carr é conhecido nas Relações Internacionais pelas reflexões em Vinte anos de


crise em que estabelece dois pensamentos distintos sobre as relações internacionais e
suas respectivas terminologias: de um lado o pensamento idealista ou utópico e de outro
o pensamento realista. O autor se empenha em fazer uma crítica ao pensamento utópico,
que segundo ele dominou a inlectualidade e supostamente a diplomacia nos países do
ocidente após a Primeira Guerra Mundial. A partir desta crítica, é atribuído a Carr o
papel de estabelecer as bases do pensamento realista, sobre o qual se ergue o paradigma
realista no campo das Relações Internacionais, sistematizado após 1945 por Hans
Morgenthau e desenvolvido por Kenneth Waltz, John Mearsheimer e outros. Isto é, Carr
é conhecido pela sua contribuição à ascensão do Realismo nos estudos das relações
internacionais.

Primeiramente, Carr reconhece um pressuposto elementar das ciências humanas


no que ele denomina ciência da política internacional: a inexistência da neutralidade
científica. Segundo o autor, “o pensamento político é uma forma de ação política” e “a
ciência política não é apenas a ciência do que é, mas do que deveria ser” (CARR, 2001,
p. 7). O pensamento utópico – que para ele o grande exemplo é o Liberalismo de Adam
Smith, Jeremy Bentham, J. S. Mill, entre outros, mas também os chamados socialistas
utópicos, como Saint-Simon, Charles Fourier e Robert Owen –, além de não conter este
pressuposto, encontra-se num estágio primitivo das ciências políticas, em que
pesquisadores se empenham na elaboração de projetos visionários para atingir os fins
que têm em vista e não prestam atenção nos fatos. O pensamento utópico não combina
objetivos a serem atingidos com observação e análise, diferente do pensamento realista,
em que tal combinação (impacto do raciocínio sobre o desejo) marca o fim do estágio
primitivo e avança para um pensamento científico (o Realismo). Segundo Carr, a
antítese utopia/realidade coincide com a antítese teoria/prática: para o utópico a teoria se
torna uma norma à qual a prática política se deve ajustar; para o realista, a teoria é um
tipo de codificação da prática política. Contudo, A ciência política tem de ser baseada
no reconhecimento da interdependência da teoria e da prática, que só pode ser atingida
através da combinação de utopia e realidade (CARR, 2001, p. 20).

De fato, a crítica de Carr ao pensamento utópico ou idealista é uma crítica ao


pensamento liberal. Segundo o autor, o pensamento liberal do século XIX adentrou aos
estudos de política internacional nas décadas de 1920 e 1930 (por influência dos
estadunidenses) e promoveu ideias sem correspondência com a realidade. Ideias como
“democracia liberal é central para a promoção da prosperidade econômica e da paz entre
os países” se mostraram puramente abstratas e sem efeito na realidade material. Liberais
como Norman Angell, jornalista que publicara em 1912 o livro A grande ilusão, em que
defende a extinção da guerra pela adoção de princípios liberais nas relações
internacionais, para alcançar a prosperidade e a paz; o professor Alfred Zimmern,
defensor da normatização do sistema internacional fundada em instituições para a
regulamentação das relações entre os Estados; e Woodrow Wilson, presidente dos
Estados Unidos entre 1912 e 1921 e defensor de uma ideia de segurança coletiva entre
as nações, a criação da Liga das Nações (LN); são alvos da crítica de Carr por se
referenciaram em teorias semiabandonadas do passado e torná-las pedras basilares de
um novo edifício utópico. Representados por esta ideia de LN, sua materialização numa
organização internacional no período entre guerras e seu malogro definitivo com a
eclosão do confronto mundial em 1939, Carr lamenta que o distanciamento entre teoria
e prática tenha assumido proporções alarmantes. “Se os postulados do Liberalismo do
século dezenove são de fato insustentáveis, não deve causar-nos surpresa a fato de que a
utopia dos teóricos internacionais causasse tão pouco efeito sobre a realidade” (CARR,
2001, p. 55)1.

De acordo com Carr, o pensamento liberal tem sua base na doutrina da harmonia
de interesses, segundo a qual o interesse do indivíduo e o interesse da comunidade
coincidem: ao almejar seu interesse próprio, o indivíduo visa ao da comunidade
simultaneamente e ao promover o interesse da comunidade, promove seu próprio. Se os
interesses da parte são iguais aos interesses do todo, não é necessário qualquer agente
externo que coloque os interesses em harmonia. Em outras palavras, se os interesses do
indivíduo e da comunidade coincidem, não é necessária intervenção de “agente externo”
(estatal). Segundo Carr, a verdade dos liberais para os indivíduos passou a valer para as
nações: assim como no plano doméstico, as nações visando ao seu próprio bem, servem
à humanidade; a realização do interesse econômico de cada nação pelo livre comércio
universal se identifica com o interesse econômico do mundo inteiro. Uma vez que as
nações desejam a maximização dos seus interesses econômicos, desejam
consequentemente a paz, pois sem esta não há relações econômicas entre as nações.
Esse pensamento liberal se tornou comum entre burocratas, estadistas e intelectuais na
Europa após a Primeira Guerra Mundial, o que escondeu a existência de divergência de
interesses entre as nações, particularmente entre aquelas interessadas em manter o status
quo das relações internacionais (aquelas para as quais o Liberalismo serve como prática
nas relações internacionais e beneficiam-se politica e economicamente dele) e aquelas
interessadas em mudá-lo. O que o pensamento liberal promoveu foi no plano
internacional um discurso retórico pela paz como ideal a ser alcançado pelos princípios
liberais, que os países deveriam seguir, orquestrado pela LN, e no plano nacional uma
ideologia (no sentido de falsificação da realidade) das classes dominantes.

Uma vez que o capitalismo industrial e o


sistema de classes tornaram-se a estrutura
reconhecida da sociedade, a doutrina da
harmonia de interesses adquiriu um novo
significado, e tornou-se, como logo veremos, a
ideologia de um grupo dominante, interessado
em manter seu predomínio por intermédio da
tentativa de identificar seus interesses com os

1
Nesta passagem o autor se refere ao fato de que a LN, alicerçada em princípios liberais, não evitou a
Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
da comunidade como um todo (CARR, 2001,
p. 61).

A Segunda Guerra Mundial significou na ciência da política internacional o


colapso do edifício utópico baseado na concepção da harmonia de interesse e a falência
da concepção de dominou o pensamento político e econômico no século e meio anterior.

O pensamento realista é uma reação ao pensamento liberal nos estudos sobre


relações internacionais. Para Carr, os fundamentos clássicos do pensamento realista
estão em Nicolau Maquiavel e Thomas Hobbes os fundamentos modernos estão em G.
W. F. von Hegel e Karl Marx. É, no entanto, em Marx que Carr encontra “a importante
contribuição do Realismo moderno” (p.90) e “o mais formidável ataque que a utopia
precisa enfrentar” (p.91): as teorias e os padrões não são absolutos e apriorísticos, mas
sim historicamente condicionados e resultados de circunstâncias e interesses, como
armas forjadas para a defesa destes. Essa contribuição se remete ao que disse
anteriormente sobre inexistência da neutralidade científica nas ciências
humanas/políticas e sobre a ciência política baseada na combinação teoria e prática ou
utopia e realidade. Para Carr, o pensador realista é pragmático, no sentido de dirigir seu
trabalho para a execução dos seus objetivos, assim como o pensamento de Marx o é.

Marx estreitou este conceito um tanto vago


[relação entre teoria e prática], declarando que
todo pensamento é condicionado pelo interesse
econômico e pelo status social do pensador.
Esta opinião foi, provavelmente,
injustificadamente restritiva. Em particular
Marx, que negava a existência de interesses
"nacionais", subestimou a potência do
nacionalismo como uma força condicionante
do pensamento do indivíduo. Mas a peculiar
restrição que aplicou ao princípio serviu para
popularizá-lo e fazê-lo atingir o alvo. A
relação entre o pensamento, e os interesses e
circunstâncias do pensador, tem-se
reconhecido e entendido mais amplamente
desde que Marx escreveu suas obras (CARR,
2001, p. 92. Grifos nossos)
E se utilizando desta contribuição que está em Marx e em outros autores das
ciências humanas, Carr defere uma contundente crítica ao pensamento liberal e à
doutrina de harmonia de interesses, reproduzida na passagem abaixo. Além do
abstracionismo do Liberalismo, o autor denuncia o aparente caráter universal e
harmônico das políticas de cunho liberal, as quais na prática política servem à
dominação de um grupo sobre outros, promovendo interesses particulares no plano
nacional e no internacional. Em outras palavras, Carr denuncia o Liberalismo como a
filosofia política e a doutrina econômica das classes dominantes dos Estados liberais no
entre-guerras.

Politicamente, a alegada comunhão de


interesses na manutenção da paz, cujo caráter
ambíguo já foi discutido, é capitalizada da
mesma forma por uma nação ou grupo de
nações dominantes. Da mesma forma que a
classe governante, numa comunidade, reza
pela paz interna, que garante sua segurança e
seu predomínio, e denuncia a luta de classes,
que pode ameaçá-la, a paz internacional torna-
se objeto de especial interesse das potências
dominantes. [...] Hoje em dia, quando
nenhuma potência é suficientemente forte para
dominar o mundo e um grupo de nações se
reveste da supremacia, slogans como
"segurança coletiva" e "resistência à agressão"
servem ao mesmo propósito de proclamar a
identidade de interesses entre o grupo
dominante e o mundo como um todo na
manutenção da paz. [...] Mas justamente assim
como a ameaça da luta de classes pelo
proletariado é "uma reação cética natural
contra os esforços sentimentais e desonestos
das classes privilegiadas para esconder o
conflito de interesses entre as classes, através
da constante ênfase no interesse mínimo que
têm em comum", a defesa da guerra, pelas
potências insatisfeitas era "a reação cética
natural" contra as banalidades sentimentais e
desonestas, das potências saciadas, sobre o
interesse comum na paz (CARR, 2001, p. 108-
110)

As críticas de Carr ao Liberalismo nos mostram o que o Realismo não é. Mas


seguindo as, ou deduzindo das, ideias de Maquiavel, Carr estabelece fundamentos do
pensamento realista: 1) “a história é uma sequência de causa e efeito, cujo curso se pode
analisar e entender através do esforço intelectual porém não (como os utópicos acredita)
dirigida pela imaginação”; 2) “a teoria não cria (como presumem os utópicos) a prática,
mas sim a prática é quem cria a teoria” ; e 3) “a política que não é (como pretendem os
utópicos) uma função da ética, mas sim a ética o é da política” (CARR, 2001, p. 85-86).

“Mas não podemos como medida final acomodar-mo-nos no Realismo puro”


(CARR, 2001, p. 117) Assim, o pensamento realista poder ser dividido em dois tipos. O
primeiro é denominado por Carr de Realismo consistente ou Realismo completo – a
perspectiva considerada ineficaz por ele –, que exclui quatro elementos “que parecem
ser ingredientes essenciais de todo pensamento político eficaz” (CARR, 2001, p. 117):
A) objetivo finito, B) apelo emocional, C) direito de julgamento moral e D) campo de
ação.

Explicamos. (A) O pensamento realista completo descarta objetivo finito


(determinado) no curso da história para o qual seu o pensamento se torne ação,
concebendo um processo infinito, de longo prazo, incompreensível para a mente
humana. B) Ao não estabelecer uma finalidade (objetivo finito), este pensamento
realista afasta o apelo emocional, a crença que tal finalidade é possível e a mobilização
de emoções para a causa. C) O pensamento realista completo não proporciona o direito
de julgamento moral. Direito de julgamento moral significa que o agente é julgado por
sua capacidade em atingir o que se propõe atingir (objetivo finito). Se inexiste tal
julgamento, tal pensamento incorre em pressupostos absolutos (sem finalidade), e mina
o elemento normativo, o “dever ser”, o fim a ser atingido. D) “Acima de tudo, o
Realismo consistente falha porque deixa de oferecer qualquer campo para a ação
voltada para objetivos e significados”, isto é, descarta que assuntos humanos possam ser
guiados e transformados pelos pensamentos e ações humanas, nega a possibilidade de
intervenção na realidade concreta.

Então, Carr concebe o segundo tipo de Realismo – que ele considera virtuoso –,
o qual contem os quatro elementos excluídos pelo primeiro, que são elementos utópicos.
Denominamos então o primeiro de Realismo completo, que ao excluir os elementos
mencionados, caracteriza-se por ser a-histórico, empirista, axiomático e contemplativo,
opondo-se respectivamente às quatro características contidas no segundo Realismo (A,
B, C e D), o Realismo utópico, uma síntese entre Realismo e idealismo. “Voltamos,
portanto, à conclusão de que qualquer pensamento político lúcido deve basear-se em
elementos tanto de utopia, quanto de realidade” (CARR, 2001, p.123). O que nos leva a
celebre passagem de Marx sobre o método da economia política:

O concreto é concreto, porque é a síntese de


muitas determinações, isto é, unidade do
diverso. Por isso, o concreto aparece no
pensamento como o processo da síntese, como
resultado, não como ponto de partida, embora
seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o
ponto de partida também da intuição e da
representação (MARX, 2008, p. 258-259).

Assim sendo, concordamos com Borba de Sá sobre a influência do marxismo em


Carr, não apenas por causa da concepção de Realismo utópico, mas também

pelo fato do “pai do Realismo”, Edward Carr,


apresentar-se como um admirador do
marxismo e da Revolução Soviética de 1917,
sobre a qual escreveu uma série de livros. Mas,
principalmente, pelo fato do “fundador” do
Realismo de RI estar se utilizando das lições
políticas centrais do marxismo para formular
sua teoria realista de Relações Internacionais:
buscar análises baseadas na história e não em
abstrações filosóficas; estudar o mundo como
ele de fato se apresenta e não como
gostaríamos que fosse; agir para transformar a
História e não apenas explicá-la, sempre que as
estruturas sociais permitirem; mesclar utopia e
razão, assim como voluntarismo e consciência
das limitações históricas estruturais; equilibrar
teoria e prática. Em suma, aquilo que os
marxistas consideram condição sine qua non
para a sua práxis política: Realismo no
diagnóstico, aliado à ação transformadora
como fim. Ou nas palavras do filósofo
marxista Antonio Gramsci (2000), aliando “o
pessimismo da razão, com o otimismo da
vontade”(BORBA DE SÁ, 2013, p. 8).
2.A visão de Carr sobre as relações internacionais

Uma vez delimitado o terreno do idealismo e do Realismo, assim como os


limites entre Realismo completo e Realismo utópico, Carr – filado a este último, a nosso
ver – apresenta uma visão sobre as relações internacionais fundada na noção de poder
político. “„A política‟, escreveu Lenin, „tem seu objetivo lógico próprio, independente
dos ditames deste ou daquele indivíduo ou partido‟” (CARR, 2001, p. 89). Segundo
Carr, o locus do poder político é o Estado e tal poder está organizado nacionalmente. A
projeção do poder político no plano internacional se dá de três formas: a) poder militar;
b) poder econômico; c) e o poder sobre a opinião. As três formas são teoricamente
separáveis, mas na prática são interdependentes e dificilmente a política externa de um
Estado projeta isoladamente um deles, já que para Carr o poder é uno e indivisível.

O poder militar é um instrumento de extrema importância, porque o último


recurso dos Estados nas relações internacionais é a guerra. Todo Estado está organizado
para a guerra como um instrumento que pode ser necessário em último caso. “A guerra
espreita os bastidores da política internacional assim como a revolução espreita os
bastidores da política interna” (CARR, 2001, p. 143-144). Dado que a guerra é uma
potencialidade no plano internacional, o poder militar é um recurso aceito por todos os
agentes (Estados) da política internacional, os quais são classificados de acordo com a
eficiência e qualidade do seu aparato militar. Este aparato limita ou potencializa as
ações dos Estados, pela capacidade militar comparada com outros, e, nessa perspectiva,
entra em ação para tornar um Estado militarmente mais forte ou, o que é mais comum,
evitar que outro Estado se torne militarmente mais forte. Segundo Carr, “o aforismo
famoso de Clausewitz, de que „a guerra não é nada mais do que a continuação das
relações políticas por outros meios‟, foi repetido com aprovação tanto por Lenin quanto
pela Internacional Comunista”, e ainda seguindo Lenin, sobre o exercício do poder
militar nas relações internacionais Carr afirma que “o nacionalismo, tendo atingido seu
primeiro objetivo sob a forma de unidade e independência nacional, se transforma quase
automaticamente em imperialismo”.

O poder econômico está intimamente ligado ao poder militar, uma vez que na
prática é impossível tanto a ocorrência de fenômenos em que economia e política
estejam separadas, como propõe os liberais, quanto que o movimento das forças
políticas se estabeleça como mero assessório das forças econômicas, como propõe os
marxistas economicistas. A projeção do poder econômico de um Estado se manifesta na
exportação de capital e no controle de mercados estrangeiros. No primeiro, a exportação
de investimento produtivo ou especulativo para o exterior em busca de maiores taxas de
lucro é promovida por investidores privados que gozam de amparo governamental ou
apoio diplomático. É uma antiga prática dos Estados europeus, cuja “política do
imperialismo do século dezenove estava baseada no desenvolvimento das partes
atrasadas do mundo por meio do investimento de capital europeu” (CARR, 2001, p.
163), acompanhada de canhões. No segundo, é impossível saber se o poder é usado para
adquirir mercados ou se estes são buscados para estabelecer e fortalecer, mas a luta por
mercados foi pratica recorrente no entre-guerras, que culminou no confronto mundial.

O poder sobre a opinião, que está associado aos anteriores, consiste na arte da
persuasão pela propaganda moderna, processo que se origina num Estado e tem outros
como alvo. A propaganda moderna são os instrumentos que tornam possíveis a
persuasão, rádio, cinema e imprensa, os quais compartilham as características da
indústria moderna, a saber, o monopólio, a padronização e a produção em massa.
Concentrado em poucas mãos, estes instrumentos na política externa facilitam o
controle da opinião de forma centralizada.

Em suma, o pensamento de Carr sobre as relações internacionais em Vinte anos


de crise2, apesar de centralizado no Estado, não exclui as forças sociais no plano
nacional, como o autor deixa claro em passagens reproduzidas anteriormente neste texto
sobre o papel das classes dominantes nos países e nesta passagem sobre o Estado: “Mas
um grupo governante normalmente exerce coerção para forçar lealdade e obediência; e
esta coerção inevitavelmente significa que os governantes controlam os governados, e
os „exploram‟ para seus próprios objetivos” (CARR, 2001, p. 128). Para Carr, as classes
dominantes fazem a política externa de um Estado. E ainda cita a Utopia de Thomas
More (“Por toda parte percebo uma certa conspiração dos ricos, buscando sua vantagem
própria sob o nome e o pretexto da comunidade”, p. 128) e o Manifesto comunista de
Marx e Engels (“A exploração de uma parte da sociedade por outra é comum a todos os

2
O pensamento de Carr em Vinte anos de crise é mais amplo que ideia de poder político. Contudo,
devido ao formato do artigo e da proposta deste texto, optamos por destacar essa parte do livro (sobre
poder político) que consideramos a mais importante na teoria de Carr sobre as relações internacionais
(que é também a mais conhecida). É possível abordar seus escritos sobre a moralidade na política
internacional e a relação desta com a hegemonia ou ainda o que ele chama de equilíbrio de forças e sua
influência no conceito de balanço de poder. Entretanto, tais abordagens fugiriam da nosa proposta. Assim
com também fugiria uma possível comparação entre os caminhos que levam à paz em Carr e Lenin.
séculos passados”, p. 128). Sobre o Estado, o único agente relevante na política
internacional para Carr, é o locus do poder político e de sua projeção no plano
internacional. O que chama atenção é a imbricação e a equiparação do poder militar e
do poder econômico, sem predomínio de um sobre outro (sem divisão entre high
politics e low politics). Carr afirma que é difícil saber se o imperialismo é “um
movimento econômico que utilizou armas políticas, ou como um movimento político
que utilizou armas econômicas. Entretanto, não resta qualquer dúvida de que economia
e política marcharam de mãos dadas para o mesmo objetivo” (CARR, 2001, 193).
Percebemos assim que o autor considera o imperialismo uma política expansionista dos
Estados em busca de poder, riqueza e influência. Assim sendo, as relações
internacionais são compostas por unidades políticas, que possuem interesses distintos,
pautados pela política nacional. No plano internacional, estes interesses são atingidos
pela projeção de poder político (militar, econômico, opinião), submetendo a moral, a
ético, o direito a sua dinâmica. “O direito, como Lenin afirma, é „uma expressão da
vontade da classe dominante‟” (CARR, 2001, p.229).

3.Lenin e as relações internacionais

Lenin publicou em 1916 seu mais importante livro para o campo das Relações
Internacionais, O imperialismo, fase superior do capitalismo, o qual abordamos
brevemente a seguir de modo a extrair dele a visão de Lenin sobre as relações
internacionais. Nos países onde desenvolvimento econômico atinge a fase do
capitalismo monopolista, a abundância de capitais cresce e a taxa de lucro decai por
dois motivos: 1) ocorre o aumento da composição orgânica do capital (meios de
produção e força de trabalho que geram valor/riqueza), que produz tamanha massa de
capital ao ponto de não ser absorvida pela produção como investimento novo – e
encaminha-se para os bancos; 2) o aumento do emprego e desenvolvimento da
organização sindical, que dificulta a contratação do exército industrial de reserva e
pressiona o aumento dos salários, diminuindo a taxa de exploração da burguesia. Diante
desta conjuntura nacional, a oligarquia financeira tende a buscar no exterior (onde 1 e 2
não se verificam), por intermédio dos governos dos Estados, maiores taxas de lucro
mediante exportação de capital, não apenas de mercadoria. Lenin chamou de
imperialismo este processo estrutural que forma monopólios e promove a exportação de
capital, com íntima relação entre burguesia e Estado, gerando uma competição intensa
entre potências capitalistas. Nesta concorrência interimperialista as burguesias de seus
respectivos Estados nacionais lutam pela anexação e pelo controle de novos territórios e
mercados, para garantir a reprodução do capital.

A união pessoal dos bancos com a indústria


completasse com a união pessoal, de umas e
outras sociedades com o governo. “Lugares
nos conselhos de administração - escreve
Jeidels - são confiados voluntariamente a
personalidades de renome, bem como a antigos
funcionários do Estado, os quais podem
facilitar (!!) em grau considerável as relações
com as autoridades”... “No conselho de
administração de um banco importante
encontramos geralmente algum membro do
Parlamento ou da vereação de Berlim”
(LENIN, 2005, p. 42).

Além dos tradicionais controles de mercados de importação de matérias-primas


e de exportação de mercadorias (comércio), a exportação de capital envolve a política
externa de um Estado. Lenin chamou de imperialismo este processo estrutural que
forma monopólios e promove a exportação de capital, com íntima relação entre
burguesia e Estado, gerando uma competição intensa entre potências capitalistas.
Segundo Mariutti, nesta concorrência interimperialista “as burguesias das formações
sociais desenvolvidas, representadas por seus respectivos Estados, começam a lutar pela
anexação de novos territórios e pelo controle de novos mercados, para garantir a
reprodução do capital” (MARIUTTI, 2013, p. 31). Apesar da insipiente teorização sobre
o Estado em O imperialismo (o que não acontece em outros textos como O Estado e a
revolução, 1970), entendo que Lenin segue a ideia de Marx e Engels no Manifesto
Comunista (2012), segundo a qual o Estado moderno não é senão o comitê executivo
dos negócios comuns de toda classe burguesa, uma vez que o russo afirma “(...) e, por
outro lado, o monopólio de Estado na sociedade capitalista não é mais do que uma
maneira de aumentar e assegurar os rendimentos dos milionários que correm o risco de
falir num ou noutro ramo da indústria” (LENIN, 2005, p. 38).
Lenin define o imperialismo como um fenômeno do desenvolvimento
capitalista, cujos traços fundamentais são os seguintes: 1) forte tendência à centralização
da produção em trustes e em cartéis, que resultam em grandes monopólios,
desempenhando um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário e
do capital industrial, que cria, baseado neste capital financeiro, uma poderosa oligarquia
(burguesia) financeira; 3) a exportação de capitais adquire uma importância decisiva,
diferentemente da exportação de mercadorias; 4) as grandes potências capitalistas
partilham o mundo entre si, criando esferas de influência e ocupando territórios; 5) para
efetivação da divisão territorial do mundo, é travada uma luta intensa entre as grandes
potências, uma luta intercapitalista. O que não exclui novas partilhas (LENIN, 2005, p.
91 e MARIUTTI, 2013, p. 31).

A partilha do mundo que escreve Lenin não é simplesmente um movimento


econômico, mas uma política militar de um Estado no plano internacional, que tem
como “interlocutores” outras potências capitalistas (como mostra a primeira passagem
abaixo) e as formações sociais periféricas, que são alvos do imperialismo (como
monstra a segunda passagem, em que Lenin cita Hilferding ao falar sobre a opressão do
imperialismo em regiões fora de Europa).

[...] pois sob o capitalismo não se concebe


outro fundamento para a partilha das esferas de
influência, dos interesses, das colônias, etc.,
além da força de quem participa na divisão, a
força econômica geral, financeira, militar, etc.
E a força dos que participam na divisão não se
modifica de forma idêntica, visto que sob o
capitalismo é impossível o desenvolvimento
igual das diferentes empresas, trustes, ramos
industriais e países (LENIN, 2005, p. 120).

E as referidas nações formulam o objetivo que


noutros tempos foi o mais elevado entre as
nações europeias: a criação de um Estado
nacional único como instrumento de liberdade
econômica e cultural. Este movimento pela
independência ameaça o capital europeu nas
suas zonas de exploração mais preciosas, que
prometem as perspectivas mais brilhantes, e o
capital europeu só pode manter a dominação
aumentando continuamente as suas forças
militares (HILFERDING apud LENIN, 2005,
p. 122-123).
A visão de Lenin sobre as relações internacionais deriva do que ele entende por
imperialismo e se mostra específica e original à época. Em suma, para Lenin, é num
mundo dividido por classes dominantes diferentes, cujo poder é representado pela força
do Estado de cada país, em que ocorre a exportação de capitais, o que caracteriza o
imperialismo. Dessa forma, a exportação de capitais envolve a mediação dos Estados e
coloca suas classes dominantes, com interesses distintos, em confronto potencial.

Considerações finais

Para Carr a junção entre utopia e realidade é essencial para todo pensamento
político eficaz. O pensamento político lúcido se baseia em elementos tanto de utopia,
quanto de realidade. Assim sendo, como afirma um grande conhecedor com da área de
Relações Internacionais.

Nessa estrutura, o marxismo compartilha de


elementos das duas: é “utópico” ao postular uma
forma alternativa de ordenar a política e ao
introduzir preocupações éticas no conjunto da
análise e é “realista” em sua ênfase sobre os
interesses materiais por trás da ação humana, sobre
a hipocrisia, a falsidade e o cinismo da vida
política (HALLIDAY, 1999, p. 64-65).

Dessa forma, o Realismo utópico de Carr, síntese entre Realismo e idealismo,


tem entre seus (mais fortes) pilares epistemológicos o método da economia política de
Marx do concreto pensado (no índice remissivo de Vinte anos de crise, vê-se que Marx
é o autor mais citado, entre muitos, inclusive Maquiavel).

Do ponto de vista da proposição teórica, a outra aproximação de Carr é com


Lenin. A dinâmica do choque entre Estados nas relações internacionais é traço comum
nas obras em questão comparadas, assim como outros elementos. O quadro abaixo
exibe suas concepções sobre a política em três planos (nacional, estatal e internacional)
em suas respectivas obras em questão, sintetizada a partir do exposto sobre suas
aproximações.
Quadro 1. As concepções de Lenin e Carr em três planos.

Fonte: Elaboração própria.

O que pretendemos com esse texto foi deixar claro que o Realismo sobre o qual
Carr escreve tem suas bases no Marxismo, uma vez que este: 1) ao juntar teoria e
prática se constitui numa perspectiva realista utópica; e 2) ao pensar a política como luta
de interesses em confronto potencial e como (re)produção de vitoriosos e derrotados,
consiste-se numa teoria política realista.

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