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A Rosa-Cruz: os primórdios

de uma fraternidade esotérica

The Rose Cross: the beginnings of a fraternity esoteric

Resumo O estudo da temática dos símbolos e das tradições filo-


sófico-iniciáticas trouxe à luz este artigo. Baseando-nos na escas-
sez de estudos na área, principalmente pela pouca quantidade
de artigos científicos que tratem de tal temática, é que surgiu o
interesse por pesquisar e dialogar com a história de uma das mais
antigas e difundidas sociedades esotéricas existentes no mundo.
Um enfoque histórico e fenomenológico foi importante para ava-
liar o atual estado da arte, cujo tema é bastante complexo, pois
Marcel Henrique
a ficção se mistura com o real e histórico. Por isso, o amparo em
Rodrigues
estudos de autores consagrados, como Eliade e Campbell, forne-
Universidade Federal de Juiz
ceu uma base científica necessária para a execução da pesquisa. de Fora (UFJF), Juiz de Fora/
O artigo trata, em linhas gerais, sobre o contexto histórico em MG – Brasil.
que ocorreu o surgimento da Ordem Rosa-Cruz, bem como um
pouco de sua mitologia.
Palavras-chave: Religiões. Esoterismo. Rosa-Cruz. Símbolos.

Abstract The theme of the study of symbols, philosophical and


initiatory traditions inspired this article. Since there are not many
studies in this area, neither scientific articles about this subject,
a research about the history of one of the oldest and most wi-
despread esoteric societies around the world seemed to be wor-
thwhile. A historical and phenomenological view was important
to assess the current state of the art knowing that the subject is
also quite complex because it mixes fiction with reality and his-
tory. Therefore, the support from expert authors, such as Eliade
and Campbel, provided a scientific basis for the execution of the
research. What’s more the article is about the historical back-
ground in which the emergence of the Rosicrucian Order occur-
red and some of its mythology as well.
Key-words: Religions. Esotericism. Rosicrucian. Symbols.

Introdução

O
presente artigo é fruto de pesquisas realizadas no âm-
bito das religiões, com um enfoque fenomenológico em
tradições ditas ocultas e esotéricas. Utilizamos o termo
fenomenológico, pois é com esse método que o trabalho se cons-
titui. Além deste destaque fenomenológico, a pesquisa consiste
também em um levantamento bibliográfico de autores como Elia-
de e Campbell, tomando o cuidado para que meiam diversas religiões e escolas filosóficas,
não haja o enfoque em obras cujo teor seja uma vez que muitos dos conhecimentos eso-
tendencioso e com afirmações a respeito da téricos ainda estejam, de certa forma, reser-
existência do sobrenatural. vados hoje aos iniciados de tais fraternidades,
Em suma, a ideia geral do trabalho é mos- como, por exemplo, a Maçonaria e a Rosa-
trar como o cenário histórico-cultural europeu Cruz. Esse “esquecimento” ou não aprofun-
fora decisivo para a organização de sociedades damento em pesquisas pode ser reflexo des-
esotéricas, como a Rosa-Cruz. E também de- se comportamento.
monstrar como essas sociedades, ditas “secre- É com esse pano de fundo que propo-
tas”, influenciaram vários ramos sociais, sobre- mos estudar os aspectos de fraternidades
tudo a formulação da Ciência Moderna. que relegam para si o conhecimento de diver-
Concluiremos apontando como os sím- sas práticas esotéricas das mais diversas cul-
bolos e antigas tradições sobrevivem ao pesa- turas. A escolha da fraternidade Rosa-Cruz se
do tempo da história, enfocando a dimensão deu por sua ampla disseminação pelo mundo.
simbólica do ser humano, que se abre para no-
vas perspectivas filosóficas e religiosas, para a 2. Antecedentes para o surgimento
exploração e explicação do enigma da vida. da ordem
É muito comum encontrarmos na inter-
1. Pano de fundo para o estudo net e em livros as mais diversas teorias sobre
da temática o surgimento de Ordens místicas. A principal
Tem-se discutido sobre a existência de delas consiste em postular que o surgimento
sociedades e irmandades secretas que velam das Ordens esotéricas, como a Rosa-Cruz, por
para si a posse de segredos e conhecimentos exemplo, tiveram seus inícios no Egito Antigo,
místicos advindos das mais diversas religiões Grécia, entre outros lugares da Antiguidade.
e filosofias mundiais. No entanto, a falta ou a Essa teoria é corroborada pelo fato de que
má qualidade de material científico acerca da foram nessas antigas civilizações, como indi-
temática torna-se uma dificuldade para o pes- ca Lurker (2003), que muitas das doutrinas
quisador que deseja vasculhar esse fascinante místicas e esotéricas1 tiveram suas origens,
universo de sociedades fraternais, como no como a Astrologia, por exemplo. Em pratica-
caso da Rosa-Cruz. Podemos fazer um aden- mente todo o decorrer histórico das religiões
do e verificar que existem bons livros a respei- é possível encontrar grupos que, de certa for-
to da temática, porém, são poucos os artigos ma, se distanciavam da religião estabelecida e
que debatem o assunto, o que pode ser refle- criavam grupos iniciáticos que se propunham
xo de preconceitos aos estudos concernentes a estudar e conhecer os mistérios do univer-
ao misticismo e ao esoterismo. É conhecida so. Essas “ramificações religiosas” ficaram co-
a problemática envolvendo pesquisas sobre nhecidas como “religiões de mistérios”, como
religiões no meio acadêmico. Muitas vezes, o bem estudou Eliade (2010).
assunto é tratado com descaso, os acadêmi- Manthéia (1995) busca explicar a dificulda-
cos esquecem-se de que a religião, acima de de em estabelecer quando ocorreu o surgimen-
tudo, é um fator social, portanto, um objeto to do chamado “culto aos mistérios”. Tal culto
claro de estudo, como indica Greschat (2005). está relacionado com os ensinamentos sobre
Os cursos de Teologia e Ciência da Reli- os enigmas e os “poderes” da própria natureza
gião têm ganhado campo por todo o Brasil, e
cada vez mais instituições de Ensino Superior 1
Os termos místicos e esotéricos não são fáceis de
abrem cursos em áreas em que o fenômeno conceituar. No imaginário popular esses termos
ficaram reservados às práticas e crenças na Astrologia,
da religião é amplamente estudado. Assim,
no Horóscopo etc. No entanto, se bem averiguado,
percebemos um “esquecimento” das antigas todas as religiões possuem sua parte mística e
tradições esotéricas que permearam e per- esotérica, não se restringindo aos ensinamentos da
Astrologia, Horóscopos, Numerologia, entre outros.

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humana, universal e divina que o homem pode A autora indica os principais meios pelos
conhecer, desenvolver e praticar. Isso demons- quais os mistérios da natureza eram explo-
tra certa singularidade, embora esse culto seja rados. Seria um erro afirmar, por exemplo,
oriundo da própria cultura religiosa. Essas prá- que o cristianismo não tenha se deslumbrado
ticas, ainda que muito difundidas na religiosi- frente aos mistérios da existência humana.
dade pagã, passaram a ser bem mais exaltadas Palavras como esoterismo, ciências ocultas e
e praticadas em clubes filosóficos, esotéricos hermetismo estavam totalmente fora da dou-
e herméticos. A autora elenca algumas dessas trina cristã. Por isso, mesmo após a ascensão
“escolas ou cultos aos mistérios”: do cristianismo como religião dominadora do
Ocidente, muitas escolas de cunho esotéri-
A orientação pode também ser bus- co mantiveram seus cultos e ritos, apesar de
cada com maior sistematização nas toda a condenação e perseguição por parte
Ciências Ocultas e as mais próximas da religião cristã.
do lado ocidental são em número Não é da alçada deste artigo realizar
de três, conforme observa Papus: um julgamento histórico por parte da tradi-
A Cabala ou ciência tradicional, que ção cristã católica frente aos grupos que não
poderia chamar-se matemática do se delimitavam aos seus dogmas. Ao contrá-
pensamento humano. É a álgebra rio, o intuito é demonstrar como a formação
da Fé, resolvendo todos os proble- de sociedades secretas, além de um produto
mas da alma como se fossem equa- da própria cultura religiosa humana, também
ções, isolando as incógnitas. Dá às passou a ser uma necessidade vital para que
idéias a nitidez e a rigorosa exati- certos “segredos” pudessem ser estudados,
dão dos números; seus resultados praticados e transmitidos de forma segura.
são, para o espírito, a infalibilidade Como menciona Kinney (2006), a pró-
(relativa, entretanto, à esfera dos pria crença de que o homem seja parte da di-
conhecimentos humanos), e a paz vindade e que com práticas e conhecimentos
profunda para o coração. específicos o mesmo possa alcançar certos
A Magia ou ciência dos magos, que poderes divinos, fez que diversos grupos com
teve por representantes na Antigui- essa concepção se tornassem herméticos
dade os discípulos e talvez os mes- para se livrarem das duras imposições dog-
tres de Zoroastro, é o conhecimen- máticas do cristianismo, que apontava como
to das leis secretas e particulares da uma forte heresia para o credo cristão que
Natureza, que produzem as forças sempre distinguiu a criação do Criador.
ocultas, ou ímãs, quer naturais ou
artificiais, que podem existir mes- 3. A complexa origem de uma ordem
mo fora do mundo metálico. Em esotérica: a Rosa-Cruz
uma palavra, para empregar uma Explorar a natureza histórica de uma
expressão moderna, é a ciência do sociedade que permaneceu secreta, ou para
magnetismo universal. não dizer na clandestinidade por centenas de
O Hermetismo é uma ciência da na- anos, é uma tarefa difícil para o cientista que
tureza oculta nos hieróglifos e sím- estuda o fenômeno religioso. Essa dificuldade
bolos do mundo antigo. É a procura advém das inúmeras fontes bibliográficas que
do princípio da vida com o sonho postulam sobre as histórias das Ordens esoté-
(para aqueles que ainda não chega- ricas baseando seus primórdios, por exemplo,
ram), da realização da grande obra, no Egito e na Grécia Antiga. Ora, a afirmação
a reprodução pelo homem, do jogo não pode ser levada em consideração por um
natural e divino, que cria e regenera estudioso que preze por comprovações histó-
os seres (MANTHÉIA, 1995, p. 30).

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ricas que possam afirmar, com validade cien- pertinente ao se tratar de um tema tão com-
tífica, tal origem. plexo como a história de uma fraternidade
Milhomens (1997) afirma que o esoté- esotérica, como no caso da Rosa-Cruz. Muitos
rico, o místico, ou seja, aquilo que vai além autores são propensos a dissertar sobre as
do que nos é apresentado, é encontrado em origens da Rosa-Cruz no Egito Antigo, pas-
todas as tradições religiosas. O autor faz uma sando por outras civilizações como Roma e
distinção entre misticismo e religião: Grécia, vinculando o esoterismo desses povos
com o esoterismo da mencionada fraterni-
Não! Absolutamente, o Misticismo dade. Embora exista certa similaridade entre
não é uma religião! Nunca se esque- conceitos rosacrucianos e do mundo antigo,
ça de que toda e qualquer religião principalmente em seus símbolos, é impossí-
deriva, direta ou indiretamente, do vel fazer uma afirmação científica acerca des-
Misticismo. sa duvidosa origem.
Misticismo é um tipo de Conheci- Como menciona Churton (2009), a exis-
mento – conforme já foi dito ante- tência de confrarias secretas e iniciáticas
riormente – e Religião é um tipo de advém da própria cultura religiosa da huma-
crença baseada na Revelação, nos nidade. Talvez seja com essa mesma cultura
Rituais e nos Dogmas. O religioso religiosa da construção de clubes filosóficos,
não experimenta, não aceita a me- seleta apenas aos iniciados, que podemos,
nor dúvida sobre o cerne de sua com certo risco, fazer uma analogia entre a
crença ou doutrina, pois aquilo em atual Rosa-Cruz e as antigas fraternidades do
que acredita é a Verdade Suprema Egito, por exemplo. Um estudo mais aprofun-
e Absoluta revelada por uma “Enti- dado de um suposto “vínculo” das antigas tra-
dade Superior” - um deus, um espí- dições iniciáticas com as tradições esotéricas
rito, um anjo, etc, - para o “Eleito”, da atualidade pode ser encontrado em nosso
o fundador daquela religião. estudo anterior sobre “Maçonaria e Simbolo-
Já o Misticismo parte de princípios gia” (Rodrigues, 2014). No entanto, é seguro
obtidos através da experimentação afirmar que tal analogia não leva a postular
pessoal e individual – sem a mínima – historicamente dizendo – que a Rosa-Cruz,
conotação de Revelação – e também por exemplo, esteja vinculada às milenares
da comprovação e repetitividade de práticas do esoterismo egípcio, por exemplo,
tudo aquilo que é ensinado para os como se tal esoterismo de tão tarda antigui-
seus estudantes. O Misticismo admi- dade não tivesse, de modo algum, se perdido.
te inovações e retificações, enfim, É possível viver a espiritualidade, e os
aceita acréscimos de novos conheci- enigmas e os símbolos esotéricos como fa-
mentos ou, então, até mesmo a su- ziam os egípcios, no entanto, somente por
pressão de algumas coisas que antes analogia. Em termos científicos, não existem
eram entendidas de uma certa manei- provas cabais que ligam a contemporaneida-
ra e que, com o decorrer dos tempos de das atuais sociedades esotéricas, com as
e das experimentações, constatou-se sociedades do mundo antigo.
serem exatamente daquela maneira
como era ensinada anteriormente e, Entre o mítico e o histórico:
por esse motivo, deverão ser abando- os primórdios da Rosa-Cruz
nadas ou modificadas (MILHOMENS, No item anterior, apontamos a tradição
1997, p. 150-151). existente entre as Ordens esotéricas atuais,
responsáveis por postular sobre suas origens
A ponderação da diferenciação e do en- em cultos e filosofias do mundo Antigo. A his-
contro entre esoterismo e religião é bastante tória da Ordem Rosa-Cruz também tangencia

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por esses meios. Suas origens nos primórdios arquetípica fora essencial para o desabrochar
do século XVII estão marcadas pelo real e o do esoterismo ocidental, que culminou com o
mítico. Como estuda Churton (2009), a míti- surgimento da Ordem Rosa-Cruz, bem como,
ca história do monge Christian Rosenkreuz, o aparecimento de inúmeras fraternidades
possível fundador da Rosa-Cruz, permeava a esotéricas. A figura de Rosenkreuz está para
mente daqueles que traziam a Ordem para a além do possível fundador da mencionada
exposição pública.2 Sua mítica história merece fraternidade. Ela é, acima de tudo, um símbo-
ser rapidamente considerada. lo. O símbolo de um herói que cumpre sua jor-
Os manifestos Rosa-Cruzes surgem no nada. Essa temática foi bastante discutida por
início do século XVII, atribuídos a Johannes Campbell (2009), o mais eminente mitólogo
Valentinus Andreae (1586-1654), um teólogo do século XX.
alemão que, possivelmente, recebeu ajuda de Para o estudioso, as figuras das grandes
outras importantes figuras, como Tobias Hess religiões, por exemplo, representam heróis
(1558-1614). Os manifestos são uma mescla de que cumprem sua jornada terrestre, deixando
misticismo gnóstico com referências alquími- um legado à humanidade. Não é raro, nesse
cas que incitam uma nova revolução espiritual mito arquetípico do herói, que figuras como
da humanidade. McIntosh (2001) declara que de Buda e Jesus Cristo, por exemplo, após lon-
com a publicação dos manifestos, a Ordem ga jornada terrestre difundindo mensagens
Rosa-Cruz é finalmente “inaugurada”, sendo de paz e esperança, inaugurem uma nova era
que nesses escritos encontramos a mítica fi- para a humanidade. Geralmente, suas pró-
gura do fundador da Ordem, Christian Ro- prias figuras, no fim de suas jornadas, acabam
senkreuz. por morrerem e renascerem, completando o
Segundo o mito, Rosenkreuz teria sido símbolo máximo do arquétipo do herói.
um monge alemão que, desde muito jovem,
empreendeu uma viagem pelo mundo em Existe uma certa seqüência de
busca de sabedoria e conhecimento. De acor- ações heróicas, típica, que pode ser
do com os manifestos, o mítico Christian teria detectada em histórias provenien-
viajado por grande parte do Oriente, estabe- tes de todas as partes do mundo,
lecendo contato e adquirindo conhecimento de vários períodos da história. Na
místico das mais diversas filosofias orientais. essência, pode-se até afirmar que
Conta-se que o monge teria descoberto e não existe senão um herói mítico,
aprendido muito sobre ocultismo, ao passo arquetípico, cuja vida se multipli-
que conseguiu prolongar sua vida até os 106 cou em réplicas, em muitas terras,
anos de idade. Quando morreu, seu corpo por muitos, muitos povos. Um he-
fora selado em uma tumba, que permane- rói lendário é normalmente o fun-
ceu escondida por 120 anos. Como menciona dador de algo, o fundador de uma
McIntosh (2001), após a descoberta de seu nova era, de uma nova religião, uma
corpo a existência da Ordem rosacruciana fi- nova cidade, uma nova modalidade
nalmente pôde ganhar publicidade. de vida. Para fundar algo novo, ele
Embora nunca se soubesse da real exis- deve abandonar o velho e partir em
tência desse mítico fundador, muito menos busca da idéia-semente, a idéia ger-
sobre o paradeiro de sua tumba, tal jornada minal que tenha a potencialidade
de fazer aflorar aquele algo novo.
Toda ordem esotérica prega para si, como já
2
Os fundadores de todas as religi-
mencionado, uma mítica história que remonta suas ões se consagraram a buscas como
origens em tempos longínquos. Não descartamos
essa. O Buda recolheu-se em isola-
que muitas sociedades secretas tiveram seu período
“encoberto” antes de virem a público. No entanto, mento, depois sentou-se sob a ár-
somente discorreremos sobre as origens da Rosa- vore bo, a árvore do conhecimento
Cruz no início do século XVII.

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imortal, onde recebeu a iluminação ra do homem sendo ele reflexo de uma reali-
que iluminou toda a Ásia por vinte e dade muito superior, a realidade divina e ma-
cinco séculos. crocósmica. O texto segue mencionando que
Depois de ser batizado por João os ensinamentos de Rosenkreuz foram passa-
Batista, Jesus se isolou no deser- dos para um pequeno grupo de “iniciados” e
to por quarenta dias e dali voltou que cabe agora a Rosa-Cruz dar continuidade
com sua mensagem. Moisés foi ao na permanência desses conhecimentos sagra-
topo da montanha e retornou com dos.
as tábuas da lei. E você tem aquele Já a Confessio Fraternitatis, de 1615, ao
que funda uma cidade – quase to- contrário do tom otimista do tratado ante-
das as velhas cidades gregas foram rior, assume um tom bastante “protestante”
fundadas por heróis que partiram ao fazer uma crítica ao mundo religioso orien-
em expedição e viveram aventuras tal e ocidental. O tom da Confessio é bastante
surpreendentes, a partir das quais apocalíptico. Apregoa uma radical mudança
cada um fundou uma cidade (CAM- no mundo ou, ao menos, proclama a neces-
PBELL, 2009, p. 145). sidade dela. Em termos gerais a Confessio de-
senvolve a ideia de que apenas a digna Ordem
A ponderação de Campbell (2009) pode Rosa-Cruz pode oferecer uma nova e verda-
ser articulada ao mito do mítico fundador da deira “revelação” que renovará o mundo.4
Rosa-Cruz, como uma arquetípica jornada Outro adendo necessário para argumen-
do herói. No caso de Rosenkreuz, ele teria tar sobre a parte histórica da Ordem rosacru-
aberto uma nova era para o esoterismo no ciana está no próprio momento da publica-
mundo ocidental. Dissertar sobre o universo ção do primeiro manifesto, ou seja, o início
rosacruciano sem mencionar seu mítico fun- da Era Moderna. Tal período, como admite
dador seria retirar grande parte do misticismo Kinney (2006), é considerado o momento do
que envolve a Ordem. No entanto, em termos “boom” para a exploração, por parte de to-
históricos, associamos o surgimento da fra- dos os níveis da sociedade, de antigos símbo-
ternidade à divulgação de seu primeiro ma- los, conceitos e ritos da Antiguidade, pós ou
nifesto no século XVII – como já mencionado pré-cristãs. Devemos mencionar a importante
–, embora a possibilidade de sua existência, figura de Henrique Cornélio Agrippa de Net-
anterior a essa data, não esteja excluída pelos tesheim (1486-1535) que, muito influenciado
historiadores, como alega Churton (2008). pelos estudos herméticos do período medie-
Entre as primeiras apresentações da val, iniciou uma grande empreitada, por volta
Rosa-Cruz a público, ocorreu por meio de dois de 1510, para escrever uma compilação sobre
manifestos, o primeiro em 1614 e outro, um filosofia oculta.
ano mais tarde, em 1615. Há um terceiro mani- A mencionada compilação permane-
festo conhecido como “As Bodas Alquímicas ce até os dias de hoje, está editada em três
de Christian Rosenkreuz”,3 de 1616. livros, fonte de grande conhecimento sobre
A Fama Fraternitatis, de 1614, o tratado o esotérico do mundo ocidental. A figura de
que traz o mítico Rosenkreuz, glorifica a figu- Agrippa, apesar de um expoente, é apenas
3 As Bodas, por sua vez, deixam o tom de um
direto manifesto que encontramos nos dois 4
Em paralelo com a temática da Confessio podemos
escritos anteriores, para assumir uma linguagem fazer um cotejo com as ideias do filósofo italiano
extremamente simbólica. Esse conto, muito mais Giordano Bruno (1548-1600), que esteve envolvido
que um tratado, relata através de símbolos e jogos com a filosofia hermética. Bruno depositava sua fé
de linguagem o casamento entre um homem e em uma renovação religiosa do Ocidente, por meio
uma mulher. Opostos, que se unirão. Uma das dos conhecimentos herméticos, articulou a ideia
interpretações para o texto, entre várias, consiste que a antiga religião egípcia, com seus enigmáticos
em apontar no “sagrado” casamento interior do hieróglifos, pudesse ser a chave para essa revolução
indivíduo entre alma e espírito. religiosa.

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um dos muitos personagens que se destaca- dos com o início da Era Moderna, como as
ram na época na exploração do mundo esoté- novas descobertas científicas e a grande re-
rico. O gosto pelo esotérico, mágico, eclodiu forma religiosa. No entanto, o objetivo desta
em toda a Europa no período da Renascença investigação é apontar que, para além desses
e, de certa forma, formou todo o terreno para fatos, a mudança também compreendeu um
o surgimento de novas e antigas sociedades reavivamento do simbólico místico-religioso,
secretas, como a estudada Ordem Rosa-Cruz. bem como o enaltecimento de antigos con-
Outro dado histórico com grande rele- ceitos filosóficos, como o Neoplatonismo e o
vância para o período, como afirma Kinney Gnosticismo, por exemplo, sendo que esses
(2006), foi a descoberta dos manuscritos do acontecimentos se refletiram, em certa medi-
Corpus Hermeticum em Bizâncio, na data de da, no próprio movimento Rosa-Cruz.
1460, o que impulsionou consideravelmente O início da Era Moderna abarcou novas
os estudos esotérico-ocultistas, permitindo- estruturas políticas e religiosas que modifica-
-lhes sair da escuridão da Idade Média e ga- ram grande parte da estrutura social europeia.
nhar mais claridade no período do Renasci- Um desses pontos permeia a revolução cien-
mento, ou seja, da Era Moderna. tífica que, apesar dos entraves impostos pela
Embora esta pesquisa pudesse estar fo- religião cristã, sobretudo pelo Catolicismo
cada na Alemanha do século XVII, onde nasceu romano, não teve sua exploração impedida.
a Rosa-Cruz com o círculo Tübingen, achamos Lomas (2007), que estudou profundamente o
por bem dissertar sobre os primórdios que mencionado período, articula a ideia de que o
forneceram subsídios e terreno fértil para o “boom” do reavivamento do misticismo e do
surgimento, ou melhor, para o reavivamento esoterismo ocidental foi fundamental para o
de antigos símbolos e rituais místico-religio- surgimento da Ciência Moderna. A afirmação
sos. O terreno, de fato, era muito fértil. O iní- pode ser ancorada à ideia de que antigos al-
cio do século XVII estava marcado por grande quimistas, precursores da Química moderna,
expectativa, tanto no campo religioso quanto amparados em uma abordagem demasiada-
no social. Como aponta Churton (2009), a per- mente esotérica, exploravam elementos quí-
da do poder da Igreja Católica, devido à Refor- micos, fornecendo margens para descobertas
ma Protestante, às guerras políticas, aos no- de medicamentos e produtos químicos.
vos avanços na Ciência, sobretudo em Kepler, Churton (2008) admite que o cansaço
Bacon e Galileu, geraram certo “entusiasmo” dos antigos dogmas religiosos e a “ânsia”
na sociedade europeia que acreditava que es- pela exploração do mundo sensível, empírico,
tava para acontecer uma forte mudança, tan- influenciou profundamente muitos intelec-
to de cunho social-político quanto no campo tuais que se interessavam pelos novos movi-
religioso. Alguns acreditavam na iminente vin- mentos esotéricos que eclodiam por toda a
da do Messias e no fim dos tempos. Por sua Europa, tendo em vista principalmente o mo-
vez, as guerras religiosas, sobretudo a Guer- vimento Rosa-Cruz. Esse apêndice na história
ra dos Trinta Anos, abriam caminho para que da estudada fraternidade traz uma reflexão
as propostas esotéricas ganhassem terreno. de como a Ciência ainda permanecia pro-
Podemos afirmar que a grande instabilidade fundamente interligada com a religiosidade,
religiosa da época tornou-se bastante propí- mesmo dentro dos círculos mais esotéricos e
cia para um grande salto, para o surgimento e herméticos.
o interesse por assuntos em torno do ocultis- A História da Ciência nos legou muitos
mo, esoterismo, onde pulularam os surgimen- nomes, como de Agrippa, Paracelso (1493-
tos de sociedades iniciáticas. 1541) e John Dee (1527-1608) que entre os
De fato, uma forte mudança na socieda- séculos XVI e XVII transitaram entre os expe-
de ocorreu com os acontecimentos históricos rimentos científicos e o esoterismo corren-
que bem conhecemos e que estão relaciona- te. Dee, por exemplo, acreditava na perfeita

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união entre Ciência e religião, uma comple- mia. Porém, nas mãos de homens
mentando a outra. Esses homens estavam inspirados por sir Francis Bacon e
crentes que, ao explorar a natureza, através nos textos associados aos fratres
de seus experimentos, poderiam entrar em R.C., Pansofia também podia signi-
contato, finalmente, com um “poder supe- ficar um sistema universal de todas
rior”, divino, a causa do mundo. as coisas com uma forte dose de
É nesse sentido que esses homens, as- filosofia hermética, do tipo “o-que-
sim como muitos outros, estavam envolvi- -está-acima-é-como-o-que-está-em-
dos com o grande impulso esotérico daquele baixo”, que tudo unifica e cujo âm-
momento, e envolvidos com a “causa” Rosa- bito é universal. Mecânica, música,
-Cruz. Churton (2009) conclui que entre a sim- meteorologia, arquitetura, botâni-
bologia esotérica, passando pelos estudos da ca, zoologia, arqueologia, fisiologia,
Cabala, e o reavivamento de correntes gnósti- agricultura: de fato, as sete artes
cas, os rosa-cruzes também muito se interes- liberais clássicas eram somente par-
saram pelos estudos científicos em torno da tes da empreitada pansófica.
natureza. O autor aponta que esse interesse Quando acrescentamos a esse te-
possa ser uma alusão aos estudos e ensina- souro as teorias médicas, físicas e
mentos da própria fraternidade que imbuíra teológicas originais de Paracelso,
o homem de certa autonomia espiritual, na temos boa parte do itinerário do
busca pela sua própria iluminação. Em vista conhecimento associado aos textos
disso, tal alusão poderia ser um caminho ou originais dos fratres R.C. Aparente-
um convite para o estudo do meio empírico mente, eles estavam interessados
que circunda o homem. Eis como o estudioso em tudo. Mas era a intenção origi-
fundamenta esta tese: nal dos Irmãos da Rosa-Cruz forma-
rem ou encorajarem a formação de
As idéias rosa-cruzes eram sim- uma “ciência rosa-cruz”?
plesmente idéias científicas pré- Se sim, então era de se esperar que
-modernas. os “rosa-cruzes” tivessem uma
De fato, o conceito-chave “rosa- boa reputação no contexto da his-
-cruz” mais natural ao movimento tória da ciência: não possuíam.
foi isolado há uns 350 anos pelo Visite o Museu da História da Ci-
gênio tcheco Comênio (1592-1670), ência, em Oxford (mantido em um
quando expressou um entusiasmo museu construído por ordem do
pela “Pansofia” em sua obra prima entusiasta rosa-cruz Elias Ashmole,
O labirinto do mundo e o paraíso do na década de 1670), e pergunte ao
coração, escrito, significativamente, diretor se em sua opinião deveria
em 1623. O impulso para a criação haver uma sala dedicada aos rosa-
de uma Pansofia era comum no -cruzes. Imagino que não seria uma
século XVII: a integração de todo o ideia recebida com boa vontade.
conhecimento em um único siste- Para o cientista moderno, o termo
ma científico, inclusive causas espi- “Rosa-cruz” sugere “oculto”, “es-
rituais e correspondências celestes piritual”, “nova era”, “astrologia”,
- uma Harmonia global, celestial e “maçônico” e muitas outras coisas
supracelestial. de que a moderna inquisição cien-
Heinrich Nollius (expulso de Gies- tífica (ao menos na Grã-Bretanha)
sen, em 1623, por sua postura pró- deseja, no momento, manter-se
-rosa-cruz) definiu Pansofia como friamente separada (CHURTON,
Teosofia mais alquimia e astrono- 2009, p. 50-51).

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A análise do autor citado é condizente çam com seu véu oculto, não transformam
com os estudos de Lomas (2007) sobre as ori- o cristianismo em uma religião ocultista. Por
gens da Ciência Moderna e suas possíveis des- sua vez, os símbolos também estão incutidos
cendências de grupos esotéricos. Para os au- nas religiões e filosofias de mistérios, como a
tores, entre os fundadores da Royal Society, própria Rosa-Cruz e a Maçonaria, que, em cer-
a famosa instituição para a promulgação do to sentido restrito, possuem traços próprios
conhecimento científico no Ocidente, funda- de ocultismo.
da na Londres do século XVII, estão nomes de O interesse neste momento está em de-
peso de cientistas que muito se interessavam monstrar que os símbolos sempre estiveram
pelo estudo do simbolismo e das práticas eso- permeando a cultura ocidental, mesmo em
téricas, entre eles Issac Newton (1643-1727) e momentos de grande perseguição religiosa
o já mencionado Ashmole (1617-1692). em que se proibia o uso de símbolos sacros
Não restam muitas dúvidas sobre o fora do âmbito eclesiástico. Embora houvesse,
envolvimento de práticas e conhecimentos mesmo durante a Idade Média, círculos que se
esotéricos entre os fundadores da Ciência dedicavam ao estudo de outras tradições re-
Moderna. Tal prova pode ser identificada no ligiosas e do próprio esoterismo, os mesmos
amplo estudo que a Alquimia teve no início viviam o risco de serem apanhados pela Inqui-
da modernidade. No entanto, os mesmos sição e veementemente condenados.
“herdeiros” dessas antigas práticas de cunho Em pesquisas anteriores,5 através da His-
esotérico se esforçaram e lutaram para a des- tória, observamos a apropriação e, ao mesmo
vinculação entre Ciência e religião, nascendo tempo, a iconoclastia dos símbolos existentes
assim a Ciência empírico-positivista. dentro das religiões. Um exemplo claro des-
se momento pode ser vislumbrado durante
4. O renascer do simbólico a transição da cultura ocidental pagã para a
como linguagem “enigmática”. cultura ocidental cristã, que se desabrochava
O oculto e o esotérico de volta no início do cristianismo.
ao cenário ocidental Essa transição se dera, sobretudo, no
No último tópico desejamos constatar âmbito religioso com a conversão dos pagãos
como os símbolos, sejam eles em formato de para o cristianismo nascente:
imagens ou de mitos, repercutiram durante
a história da civilização ocidental, tendo sua Os episódios mais importantes
principal difusão, no final da Idade Média, dessa conversão são relatados por
com o surgimento de fraternidades de cunho Campbell (2008), que expõe duas
iniciático-esotérica, com seu expoente na fra- importantes etapas do “choque”
ternidade Rosa-Cruz. cultural com que o Cristianismo se
Eliade (2011) e Campbell (2003) expõem defrontou frente ao Paganismo. No
que o sentido de um símbolo está sempre primeiro momento, ou seja, nos pri-
oculto, ou seja, o simbólico “revela-velando” meiros séculos do nascimento e di-
os seus múltiplos significados. A partir do mo- fusão da nova religião, verificamos
mento em que mencionamos um símbolo, uma violenta intolerância por parte
sobretudo os incutidos em imagens, estamos dos pagãos contra os cristãos, ten-
necessariamente apontando para algo que do em vista as perseguições dos Im-
está oculto. Portanto, falamos de ocultismo peradores romanos e martírios dos
no sentido de interpretação de um símbolo, primeiros santos (...)
mas não como tendência a uma filosofia ou
uma religião ocultista. Por exemplo, os sím- 5
Pesquisas de bolsa de Iniciação Científica, com a
bolos aparecem nas religiões tradicionais, apoio do CNPQ e da Fapesp, durante a graduação em
como no cristianismo, e ainda que permane- Psicologia, em que investigamos, em linhas gerais, a
relação entre Psicologia e símbolos religiosos.

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Entretanto, como avalia Marques tigas divindades sofria sérias puni-
(2005), após longos séculos de ções (RODRIGUES , 2014, p. 54-55).
perseguições contra os cristãos,
o Império Romano, que já estava A iconoclastia promovida pelo cristianis-
próximo de sua queda, encontrava- mo nascente está bastante interligada com os
-se rendido à nova religião. Assim, movimentos esotéricos que tiveram seu sur-
sob o Imperador Constantino, O gimento no final da Idade Média. Com efeito,
Grande, no século IV, o culto cristão o ato de citar esse período histórico neste ar-
passa a ser legítimo, tendo cessado tigo consiste em explorar como os símbolos
todas as perseguições contra seus são importantes para as religiões e tradições
adeptos. Há uma grande mudança filosóficas, sendo que mesmo durante perío-
histórica, pois o Cristianismo pas- dos iconoclastas, como já citado, muitas tra-
sa a ser a religião predominante, dições não se perderam, ao contrário, manti-
tendo então lugar as perseguições veram-se vivas no imaginário coletivo, como
contra os cultos pagãos, ou seja, de bem propôs Jung (2008).
perseguidos, os cristãos passaram a Um novo artigo poderia ser escrito caso
ser perseguidores. nos detivéssemos nas teorias junguianas.
Existe uma vastidão de material Para tanto, não nos aprofundaremos nessa
para relatar este fato histórico, temática. Porém, historicamente, devemos
mas, para esta investigação, o fato mencionar que muito das tradições filosófi-
mais importante é a maneira como cas, religiosas e culturais do mundo pagão
a nova religião se estabeleceu. Hill- passaram a ser transmitidas dentro de círcu-
garth (2004) relata que o mundo los herméticos durante toda a Idade Média, e
sofreu uma difícil e sangrenta tran- em muitas bibliotecas de diversos mosteiros
sição quando houve a mudança do europeus. Nosso enfoque está na argumen-
politeísmo pagão para o monoteís- tação histórica de que essas tradições não
mo cristão. A Igreja, que aos poucos foram totalmente destruídas durante os perí-
ganhava terreno e a confiança de odos iconoclastas. Muito da essência, cultura
reis e imperadores, era totalmente e ideias do mundo Antigo sobreviveram e, de
intolerante a qualquer outro culto certa forma, ressurgiram no final da Idade Mé-
que não fosse cristão. Templos pa- dia, começo da Idade Moderna, tendo como
gãos foram transformados em igre- um dos seus expoentes a filosofia Rosa-Cruz.
jas, símbolos, ícones e rituais foram Estudos recentes indicam que, muito
destruídos. A crença e a prática da provavelmente, os próprios construtores
Astrologia, Numerologia, o misti- medievais das mais belas igrejas góticas euro-
cismo antigo e todas as crenças e peias, conhecidos como maçons operativos,
concepções das antigas religiões, tenham entrado em contato com conheci-
de modo geral, foram tidas pelo mentos esotéricos. Essa suposição, como ob-
Catolicismo como doutrinas “ocul- servado em estudo anterior (Rodrigues, 2014),
tas”, portanto, “indubitavelmen- reside na análise da simbologia de tais igrejas
te”, obras do demônio. que, ao serem analisadas, fazem menção à Al-
Podemos chamar este período de quimia, Astrologia, Cabala, entre outras tradi-
“dessacralização religiosa”, pois, ções ditas “ocultas”. É perigoso afirmar com
como aponta Campbell (2009), a exatidão que esses pedreiros faziam de seu
cultura pagã fora substituída pelo “clube de construção” uma sociedade hermé-
advento do Cristianismo, socieda- tica, com estudos das antigas tradições. No
des iniciáticas foram proibidas e entanto, esse dilema ainda permanece como
qualquer tentativa de culto às an- um “enigma histórico” e suas contribuições

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para a perpetuação do esoterismo ocidental so dos símbolos e das religiões se depara com
continuam abertas. Além disso, essas ima- as religiões ou as tradições ocultas.
gens “atípicas” presentes na ornamentação O próprio termo ocultismo pode ser cau-
das mais famosas catedrais europeias podem sa de profundos debates acadêmicos, mas,
levar a supor que, grupos ditos herméticos, qual a diferença entre oculto e religião? Não
permaneciam com os estudos e os antigos ri- seriam todas as religiões herdeiras de cer-
tuais que a “revolta iconoclasta” – promovida to “ocultismo”? Afinal, não se é possível ver
pelo cristianismo – tentou extinguir. Deus, o que O torna, então, um Ser oculto.
A tentativa iconoclasta de apagar anti- No entanto, essa terminologia não é utilizada
gos símbolos e rituais parece ter logrado certo e nem aceita pelas grandes religiões institu-
sucesso por diversos séculos. No entanto, é cionalizadas. De modo geral, as superstições,
com a perda do poder da hegemonia Católica as antigas tradições astrológicas, a Magia, a
– com o início das revoluções científicas e com Cabala, a Gnose, entre outras tradições, rece-
a Reforma Protestante – que o chamado eso- beram a designação de ocultas. Ora, tal men-
terismo ocidental pôde ganhar espaço, mesmo ção, muitas vezes fora colocada em nível pe-
que sob críticas e perseguições. Esse esoteris- jorativo, sobretudo durante a conversão do
mo que a Rosa-Cruz, a Maçonaria, a Teosofia Ocidente para o cristianismo, em que antigos
e a Gnose ajudaram a resgatar do “invólucro” preceitos foram “demonizados” e tachados
oculto da Idade Média, passou a ser de domí- como ocultos, em contraponto à “claridade”
nio público, apesar do requisito ritualístico- e à “verdade” trazidas pela nova religião.
-iniciático em que o postulante é encaminhado Com essa concepção, que perpassa ain-
a passar para que, assim, possa ter acesso aos da a mentalidade ocidental, é que muitas tra-
conhecimentos arcanos. O domínio público, dições religiosas e filosóficas, carregadas de
nesse caso, desabrocha no conhecimento ge- ricos símbolos místicos, deixam de ser estuda-
ral de que antigas práticas, antigos símbolos das e investigadas por puro receio acadêmico.
não foram apagados, mas preservados duran- Receio esse configurado pela própria negati-
te períodos de perseguição. vidade que o termo ocultismo emana. Embo-
Para Campbell (2003), o reavivamento ra existam dificuldades, para um estudo cien-
simbólico indica que a linguagem passa a ter tífico das religiões ou filosofias ditas ocultas,
dois sentidos: o denotativo e o conotativo. O a academia não pode renegar toda uma tra-
primeiro é o sentido original, aquele que se dição histórica existente por trás dessas tra-
mostra, geralmente é visual. O conotativo, dições, como simples “objetos” não passíveis
por sua vez, pretende decifrar o enigma do de análise crítica e histórica. Se as religiões
símbolo mediante uma linguagem filosófica e tradicionais marginalizaram essas tradições,
simbólica que “revela velando”. muitas vezes “demonizando-as”, podemos
considerar que o mundo acadêmico-científico
Considerações finais faz o mesmo. Tal alusão é afirmada mediante
Um estudo da fraternidade Rosa-Cruz nossa dificuldade em encontrar, no cenário
não é uma tarefa fácil. Essa dificuldade, talvez, brasileiro, artigos científicos, teses e disserta-
esteja na investigação de qualquer sistema ções que abordem essa temática.
religioso. Embora a Rosa-Cruz não advogue A escolha da Rosa-Cruz, como base para
para si o título de religião, ela é em si religiosa, este artigo, não ocorreu de maneira arbitrária;
visto que seus preceitos são de cunho religio- ao contrário, sua ampla difusão pelo mundo
so-metafísico, sendo sua história carregada converteu-se na necessidade de compreendê-
de enigmas e incertezas que um historiador -la. Por isso, um estudo científico é de extre-
das religiões não pode afirmar com proprie- ma importância – ainda que o mesmo seja
dade. Enigmas, incertezas e imprecisões são superficial e simples – por se tratar de uma
marcas bem características quando o estudio- Ordem cercada de enigmas e mistérios.

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Este artigo que propusemos escrever tigas tradições esotéricas sobreviveram ao
limitou-se na análise, em linhas gerais, dos pesado tempo da História. O homem ainda
parâmetros históricos nos quais surgiu a vive sua dimensão simbólica, dimensão essa
fraternidade Rosa-Cruz. A conclusão deste que o faz reviver antigos símbolos e ritos
trabalho, de certa maneira, ocorreu no item presentes em diversas sociedades esotéricas
4, onde apontamos como os símbolos e an- e iniciáticas.

Referências
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Disponível em: http://revistas.ucg.br/index.php/fragmentos/article/view/3198/1912 Acesso em:
22/07/2016
RODRIGUES. M. Maçonaria e Simbologia: Uma Análise do Preconceito Através da História e da
Psicologia. Rio de Janeiro: Multifoco, 2014.

Dados do Autor

MARCEL HENRIQUE RODRIGUES


Doutorando em Ciência da Religião na Universidade Federal de Juiz de Fora. Mes-
tre em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Gradua-
do em Psicologia pelo Centro Universitário Salesiano. Juiz de Fora/MG – Brasil.
marcel_symbols@hotmail.com

Submetido em: 5-7-2016


Aceito em: 3-3-2017

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